Jurisprudência STF - 2020 Flashcards

1
Q

Constitui crime a mera conduta de deixar de repassar ao Fisco valores cobrados de consumidor a título de ICMS?

A

Resumo

A conduta de não recolher ICMS em operações próprias ou em substituição tributária enquadra-se formalmente no tipo previsto no art. 2º, II, da Lei nº 8.137/90 (apropriação indébita tributária), desde que comprovado o dolo.

O não repasse do ICMS recolhido pelo sujeito passivo da obrigação tributária, em qualquer hipótese, enquadra-se (formalmente) no tipo previsto art. 2º, II, da Lei nº 8.137/90, desde que comprovado o dolo.

Em outras palavras, o tipo do art. 2º, II, da Lei nº 8.137/90 não fica restrito apenas às hipóteses em que há substituição tributária.

O que se criminaliza é o fato de o sujeito passivo se apropriar do dinheiro relativo ao imposto, devidamente recebido de terceiro, quer porque descontou do substituído tributário, quer porque cobrou do consumidor, não repassando aos cofres públicos. STJ. 3ª Seção. HC 399.109-SC, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 22/08/2018 (Info 633).

O contribuinte que, de forma contumaz e com dolo de apropriação, deixa de recolher o ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço, incide no tipo penal do art. 2º, II, da Lei nº 8.137/90.

O valor do ICMS cobrado do consumidor não integra o patrimônio do comerciante, o qual é mero depositário desse ingresso de caixa que, depois de devidamente compensado, deve ser recolhido aos cofres públicos.

Vale ressaltar, contudo, que, para caracterizar o delito, é preciso comprovar a existência de intenção de praticar o ilícito (dolo). STF. Plenário. RHC 163334/SC, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 18/12/2019 (Info 964).

Info

Art. 2° Constitui crime da mesma natureza: (Vide Lei nº 9.964, de 10.4.2000)

II - deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos;

[…]

Não se exige clandestinidade

O fato de o agente registrar, apurar e declarar em guia própria ou em livros fiscais o imposto devido não tem o condão de elidir (fazer desaparecer) o crime. Isso porque, ppara a configuração deste delito, não se exige clandestinidade (não se exige que seja feito às escondidas).

O tipo penal criminaliza a mera conduta de dever o imposto? Trata-se de criminalização do mero inadimplemento?

NÃO. A conduta reprovável criminalizada por este tipo penal não é “dever imposto”, e sim cobrá-lo de terceiro sem repassá-lo ao Fisco, apropriando-se do valor.

Por essa razão, o STF entende que os crimes contra a ordem tributária são compatíveis com a Constituição Federal e não representam prisão por dívida (art. 5º, LXVII, da CF/88):

Os crimes previstos na Lei nº 8.137/90 não violam o disposto no art. 5º, LXVII, da Constituição. STF. Plenário. ARE 999425 RG, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 02/03/2017 (repercussão geral).

O agente tinha a obrigação tributária de recolher o tributo ou contribuição

A redação do tipo penal fala em deixar de recolher o “valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado”. Isso significa que nem todo sujeito passivo de obrigação tributária que deixa de recolher tributo ou contribuição social responde pelo crime do art. 2º, II, da Lei nº 8.137/90, mas somente aqueles que “descontam” ou “cobram” o tributo ou contribuição.

Sentido das palavras “descontado” e “cobrado”

O tipo penal fala que configura o crime deixar de recolher valor de tributo ou de contribuição social, “descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos”.

Conforme explica o Min. Rogerio Schietti Cruz(HC 399.109-SC), as palavras “descontado” e “cobrado” não estão empregadas aqui no sentido tributário.

No Direito Tributário, o sujeito passivo nunca irá “cobrar” o tributo, sendo esta uma atividade do Fisco. O máximo que o sujeito passivo pode fazer é a retenção do tributo para, posteriormente, recolher ao Fisco, como ocorre na substituição tributária.

De igual forma, o sujeito passivo não “desconta” tributos. Tecnicamente, para o Direito Tributário, descontar significa dar desconto, ou seja, conferir abatimento nos casos em que há o pagamento antecipado do crédito tributário (art. 158, parágrafo único, do CTN). Diante disso, devemos interpretar tais expressões para fins penais. Nessa linha de raciocínio, tem-se o seguinte:

  • Descontado: está relacionado com a responsabilidade tributária por substituição. Assim, descontado é o valor recolhido pelo responsável tributário em uma relação jurídica obrigacional tributária cuja responsabilidade se dá por substituição.
  • Cobrado: possui semelhante significado ao das palavras “receber”, “embolsar” ou “coletar”. Está, portanto, relacionado com ostributos indiretos, cuja incidência acarretará o aumento do valor do produto a ser suportado pelo contribuinte de fato. Logo, se o valor do ICMS naquela venda era R$ 200,00, o vendedor (contribuinte de direito) irá repassar esse custo ao comprador (contribuinte de fato). Assim, o vendedor irá “cobrar” do comprador esse valor e, se deixar de pagar (recolher) esse valor para o Fisco, pode cometer o delito em tela.

Veja as palavras do Min. Rogerio Schietti Cruz:

“A título de exemplo, menciono o ICMS. O produtor, ao iniciar a cadeia de consumo, recolhe o imposto sobre operações próprias e é reembolsado desse valor com a transferência do encargo para o atacadista que, por sua vez, o transfere para o varejista e que, por fim, repassa para o consumidor final. Veja-se que nessa hipótese, mesmo no caso do ICMS incidente sobre operações próprias, o produtor “cobra” (é reembolsado pela retenção) do próximo adquirente do produto na cadeia de produção, até que o consumidor final, após sucessivas transferências de encargo, suporte o ônus de pagar o valor correspondente ao ICMS, que será acrescido ao valor final do produto. Não há, portanto, “descontos” em nenhuma circunstância.” (HC 399.109-SC).

Tributo “descontado” refere-se aos tributos diretos. Já a expressão “cobrado” abarca o contribuinte nos tributos indiretos. Portanto, “cobrado” significa o tributo que é acrescido ao preço da mercadoria, pago pelo consumidor — contribuinte de fato — ao comerciante, que deve recolhê-lo ao Fisco. O consumidor paga mais caro para que o comerciante recolha o tributo à Fazenda estadual.

[…]

A defesa recorreu, então, ao STF. O que decidiu a Corte? João cometeu o crime?

SIM.

A conduta de não recolher ICMS enquadra-se no tipo previsto no art. 2º, II, da Lei nº 8.137/90:

O contribuinte que, de forma contumaz e com dolo de apropriação, deixa de recolher o ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço incide no tipo penal do art. 2º, II, da Lei nº 8.137/90. STF. Plenário. RHC 163334/SC, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 18/12/2019 (Info 964).

Premissas

O Min. Relator Roberto Barroso estabeleceu três premissas, reputadas importantes para a matéria:

a) o Direito Penal deve ser sério, igualitário e moderado;
b) o pagamento de tributos é dever fundamental de todo cidadão, na medida em que ocorra o fato gerador e ele exiba capacidade contributiva; e
c) o mero inadimplemento tributário não deve ser tido como fato típico criminal, para que seja reconhecida a tipicidade de determinada conduta impende haver um nível de reprovabilidade especial que justifique o tratamento mais gravoso.

Valor cobrado não pertence ao comerciante

O valor do ICMS cobrado em cada operação não integra o patrimônio do comerciante, que é depositário desse ingresso de caixa. Esse entendimento é coerente com o que foi decidido pelo STF no RE 574.706 (Tema 69 da repercussão geral), oportunidade na qual ficou assentado que o ICMS não integra o patrimônio do sujeito passivo e, consequentemente, não compõe a base de cálculo do PIS e da Cofins.

Dessa maneira, a conduta não equivale a mero inadimplemento tributário, e sim à apropriação indébita tributária. Em outras palavras, não se está punindo o agente pelo simples fato de ter deixado de pagar o tributo, mas sim por ter ficado para si com um valor que não lhe pertencia.

Assim, para caracterizar o tipo penal, a conduta é composta da cobrança do consumidor e do não recolhimento ao Fisco.

Interpretação histórica e direito comparado

Além da interpretação textual do art. 2º da Lei nº 8.137/90, ao se fazer uma interpretação histórica também se conclui pela existência de tipicidade na conduta.

Na redação apresentada em substitutivo ao projeto de lei original, tratava-se, em incisos separados, a hipótese de retenção e não recolhimento e a hipótese de cobrança no preço e não recolhimento. No texto final aprovado, o dispositivo foi compactado sem a modificação do sentido da norma. Fundiu os dois incisos em um só e dispôs os termos “descontado”, para o tributo retido na fonte, e “cobrado”, para o incluído no preço.

De igual modo, a análise do direito comparado reforça essa compreensão. Em outras partes do mundo, os delitos tributários inclusive são punidos de forma mais severa.

Interpretação teleológica

Direitos fundamentais, serviços públicos e os objetivos da República são financiados com os tributos arrecadados.

No Brasil, o ICMS é o tributo mais sonegado e a principal fonte de receita própria dos Estados-membros. Logo, é inequívoco o impacto da falta de recolhimento intencional e reiterado do ICMS sobre o Erário. Considerar crime a apropriação indébita tributária produz impacto relevante sobre a arrecadação.

Proteção da livre iniciativa

A sonegação de tributos ofende, ainda, a livre iniciativa. Isso porque empresas que sistematicamente deixam de recolher o ICMS ficam em uma situação de vantagem competitiva em relação as que se comportam corretamente.

No mercado de combustíveis, por exemplo, empresas que sonegam são capazes de alijar os concorrentes que cumprem suas obrigações.

Exige-se, obrigatoriamente, o dolo

O crime de apropriação indébita tributária não comporta a modalidade culposa. Assim, é imprescindível a demonstração do dolo. Logo, não será todo devedor de ICMS que cometerá o delito.

O inadimplente eventual distingue-se do devedor contumaz. O devedor contumaz faz da inadimplência tributária seu modus operandi.

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Q

Acórdão que confirma ou reduz a pena interrompe a prescrição?

A

Tema polêmico!

• SIM. É a posição atual da 1ª Turma do STF.

O acórdão confirmatório da sentença implica a interrupção da prescrição.

A prescrição é, como se sabe, o perecimento da pretensão punitiva ou da pretensão executória pela inércia do próprio Estado.

No art. 117 do Código Penal que deve ser interpretado de forma sistemática todas as causas interruptivas da prescrição demonstram, em cada inciso, que o Estado não está inerte.

Não obstante a posição de parte da doutrina, o Código Penal não faz distinção entre acórdão condenatório inicial e acórdão condenatório confirmatório da decisão. Não há, sistematicamente, justificativa para tratamentos díspares.

A ideia de prescrição está vinculada à inércia estatal e o que existe na confirmação da condenação é a atuação do Tribunal. Consequentemente, se o Estado não está inerte, há necessidade de se interromper a prescrição para o cumprimento do devido processo legal. STF. 1ª Turma. RE 1237572 AgR, Rel. Min. Marco Aurélio, Relator p/ Acórdão Min. Alexandre de Moraes, julgado em 26/11/2019. STF. 1ª Turma. RE 1241683 AgR/RS, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 4/2/2020 (Info 965).

• NÃO. É a posição da doutrina, do STJ e da 2ª Turma do STF.

O art. 117, IV do CP estabelece que o curso da prescrição interrompe-se pela publicação da sentença ou acórdão condenatórios recorríveis. Se o acórdão apenas CONFIRMA a condenação ou então REDUZ a pena do condenado, ele não terá o condão de interromper a prescrição. STF. 2ª Turma. RE 1238121 AgR, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 06/12/2019. STJ. 5ª Turma. AgRg no AREsp 1557791/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 06/02/2020. STJ. Corte Especial. AgRg no RE nos EDcl no REsp 1301820/RJ, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 16/11/2016.

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Q

É possível aplicar o princípio da insignificância para furto de bem avaliado em R$ 20,00 se o agente tem antecedentes criminais por crimes patrimoniais?

A

Resumo

É possível a aplicação do princípio da insignificância para o agente que praticou o furto de um carrinho de mão avaliado em R$ 20,00 (3% do salário-mínimo), mesmo ele possuindo antecedentes criminais por crimes patrimoniais. STF. 1ª Turma. RHC 174784/MS, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 11/2/2020 (Info 966).

Info

A existência de antecedentes criminais (habitualidade criminosa) pode servir como argumento do juiz para afastar a aplicação do princípio da insignificância?

Sim. No entanto, não se trata de uma vedação absoluta, podendo ser, excepcionalmente, aplicado o princípio, com base nas circunstâncias do caso concreto. Veja alguns julgados sobre o tema:

Em regra, a habitualidade delitiva específica (ou seja, o fato de o réu já responder a outra ação penal pelo mesmo delito) é um parâmetro (critério) que afasta o princípio da insignificância mesmo em se tratando de bem de reduzido valor.

Excepcionalmente, no entanto, as peculiaridades do caso concreto podem justificar o afastamento dessa regra e a aplicação do princípio, com base na ideia da proporcionalidade.

É o caso, por exemplo, do furto de um galo, quatro galinhas caipiras, uma galinha garnizé e três quilos de feijão, bens avaliados em pouco mais de cem reais. O valor dos bens é inexpressivo e não houve emprego de violência. Enfim, é caso de mínima ofensividade, ausência de periculosidade social, reduzido grau de reprovabilidade e inexpressividade da lesão jurídica.

Mesmo que conste em desfavor do réu outra ação penal instaurada por igual conduta, ainda em trâmite, a hipótese é de típico crime famélico.

A excepcionalidade também se justifica por se tratar de hipossuficiente. Não é razoável que o Direito Penal e todo o aparelho do Estado-polícia e do Estado-juiz movimente-se no sentido de atribuir relevância a estas situações. STF. 2ª Turma. HC 141440 AgR/MG, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 14/8/2018 (Info 911).

A habitualidade delitiva constitui motivação idônea a afastar a aplicação do princípio da insignificância, desde que, sopesada com juízo conglobante à luz dos elementos do caso concreto, resulte em maior reprovabilidade da conduta. STF. 2ª Turma. HC 159435 AgR, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 28/06/2019.

[…]

Jurisprudência em Teses do STJ (ed. 47): Tese 7: O princípio da insignificância deve ser afastado nos casos em que o réu faz do crime o seu meio de vida, ainda que a coisa furtada seja de pequeno valor.

Na situação acima exposta, a 1ª Turma do STF entendeu que, mesmo o réu sendo portador de maus antecedentes, as circunstâncias do caso concreto permitiam a aplicação do princípio da insignificância.

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Q

É possível aplicar o princípio da insignificância em favor de um réu reincidente?

A

A reincidência não impede, por si só, que o juiz da causa reconheça a insignificância penal da conduta, à luz dos elementos do caso concreto.

Apesar disso, na prática, observa-se que, na maioria dos casos, o STF e o STJ negam a aplicação do princípio da insignificância caso o réu seja reincidente ou já responda a outros inquéritos ou ações penais. De igual modo, nega o benefício em situações de furto qualificado. STF. Plenário. HC 123108/MG, HC 123533/SP e HC 123734/MG, Rel. Min. Roberto Barroso, julgados em 3/8/2015 (Info 793).

(Juiz TJ/CE 2019 CEBRASPE) A reincidência do acusado não é motivo suficiente para afastar a aplicação do princípio da insignificância. (CERTO)

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5
Q

Qual é a diferença entre o furto insignificante e o furto de pequeno valor?

A

O § 2º do art. 155 do Código Penal prevê a figura do “furto privilegiado” ou “furto mínimo”, com a seguinte redação:

Art. 155 (…) § 2º Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa.

Ao se referir ao pequeno valor da coisa furtada, esse dispositivo prevê uma causa de redução de pena (critério de fixação da pena), e não uma hipótese de exclusão da tipicidade.

A jurisprudência afirma que “pequeno valor”, para os fins do § 2º do art. 155, ocorre quando a coisa subtraída não ultrapassa a importância de 1 (um) salário-mínimo.

Desse modo, se a coisa subtraída é inferior a 1 (um) salário-mínimo, esta conduta poderá receber dois tipos de valoração pelo julgador:

a) O juiz poderá considerar o fato penalmente insignificante e absolver o réu por atipicidade material. Isso ocorre quando o bem subtraído é muito inferior a 1 (um) salário-mínimo, sendo o valor ínfimo.
b) O juiz poderá considerar que o fato não é insignificante, mas como a coisa furtada é de pequeno valor, condenar o réu, mas aplicar os benefícios do § 2º do art. 155 do CP. Isso ocorre quando a coisa subtraída é inferior a 1 (um) salário-mínimo, mas não é ínfima, chegando perto do valor do salário-mínimo.

Existe entendimento do STJ afirmando que, se o valor do bem subtraído for superior a 10% do saláriomínimo, não mais poderia ser aplicado o princípio da insignificância:

Jurisprudência em Teses do STJ (ed. 47):

Tese 14: A lesão jurídica resultante do crime de furto não pode ser considerada insignificante quando o valor dos bens subtraídos perfaz mais de 10% do salário mínimo vigente à época dos fatos.

Esta Corte Superior de Justiça possui entendimento consolidado no sentido de que não se aplica o princípio da insignificância quando o valor da res furtivae ultrapassar o montante de 10% do salário mínimo vigente à época do fato. STJ. 5ª Turma. AgRg no RHC 117.686/MG, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 06/02/2020.

Trata-se, contudo, de uma diferenciação que, na prática, acaba sendo muito subjetiva, variando de acordo com o caso concreto. Portanto, cuidado. Existem julgados aplicando o princípio mesmo se o bem furtado for superior a esse valor.

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6
Q

A materialidade do delito de incêndio pode ser comprovada por outros meios de prova quando impossível a realização do exame de corpo de delito?

A

A materialidade do delito de incêndio (art. 250, § 1º, I, do CP), cuja prática deixa vestígios, deve ser comprovada, em regra, mediante exame de corpo de delito, nos termos do art. 158 do CPP.

Existe até uma previsão específica para o caso do crime de incêndio:

Art. 173. No caso de incêndio, os peritos verificarão a causa e o lugar em que houver começado, o perigo que dele tiver resultado para a vida ou para o patrimônio alheio, a extensão do dano e o seu valor e as demais circunstâncias que interessarem à elucidação do fato.

Vale ressaltar, no entanto, que a substituição do exame pericial por outros meios de prova é possível em hipóteses excepcionais quando desaparecidos os sinais ou as circunstâncias não permitirem a realização do laudo, conforme autoriza o art. 167 do CPP.

Para que a utilização de outros meios de prova seja válida, é necessário que se demonstre que houve uma justificativa para a não realização do laudo pericial.

Em um caso concreto, o STF entendeu que essa utilização estava justificada. Isso porque o réu, mesmo após ser orientado pelo Corpo de Bombeiros a registrar, imediatamente, ocorrência policial e solicitar perícia técnica ao Instituto de Criminalística, permaneceu inerte durante sete dias. A não elaboração da perícia oficial ocorreu, portanto, em razão do desaparecimento dos vestígios do crime, considerada a demora em registrar a ocorrência e a falta de preservação do local. Por essa razão a materialidade do delito foi demonstrada pela prova testemunhal, corroborada por cópias da apólice do seguro, aviso de sinistro, ocorrência policial, relatório de regulação de sinistros, fotografias, laudos de averiguação e pelo laudo elaborado pela seguradora. Levando em conta a justificada inviabilidade da elaboração do exame de corpo de delito e a demonstração da materialidade do crime por outros meios de prova, foi correta a aplicação do art. 167 do CPP no presente caso. STF. 1ª Turma. HC 136964/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 18/2/2020 (Info 967).

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7
Q

É possível que o juiz negue o benefício do § 4º do art. 33 da Lei de Drogas pelo simples fato de o acusado ser investigado em inquérito policial ou réu em outra ação penal que ainda não transitou em julgado?

A

_Resumo (_Atualize o Info 596-STJ)

• STJ: SIM.

É possível a utilização de inquéritos policiais e/ou ações penais em curso para formação da convicção de que o réu se dedica a atividades criminosas, de modo a afastar o benefício legal previsto no art. 33, § 4º, da Lei n.º 11.343/2006. STJ. 3ª Seção. EREsp 1.431.091-SP, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 14/12/2016 (Info 596). STJ. 6ª Turma. AgRg no HC 539.666/RS, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 05/03/2020.

• STF: NÃO.

Não se pode negar a aplicação da causa de diminuição pelo tráfico privilegiado, prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006, com fundamento no fato de o réu responder a inquéritos policiais ou processos criminais em andamento, mesmo que estejam em fase recursal, sob pena de violação ao art. 5º, LIV (princípio da presunção de não culpabilidade). STF. 1ª Turma. HC 173806/MG, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 18/2/2020 (Info 967). STF. 2ª Turma. HC 144309 AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 19/11/2018.

Info

Requisitos:

Para ter direito à minorante prevista no § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/2006, é necessário o preenchimento de quatro requisitos autônomos:

a) primariedade;
b) bons antecedentes;
c) não dedicação a atividades criminosas; e
d) não integração à organização criminosa.

Se o réu não preencher algum desses requisitos, não terá direito à minorante. São requisitos cumulativos:

Jurisprudência em Teses do STJ

Tese 22: A causa de diminuição de pena prevista no § 4º do art. 33 da Lei de Drogas só pode ser aplicada se todos os requisitos, cumulativamente, estiverem presentes.

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8
Q

O benefício do art. 33, parágrafo quarto, da Lei de Drogas se aplica para quais delitos?

A
  • Art. 33, caput: tráfico de drogas.
  • Art. 33, § 1º, I: importar, exportar, produzir, adquirir, vender, guardar matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas.
  • Art. 33, § 1º, II: semear, cultivar, fazer a colheita de plantas que são matéria-prima para preparação de drogas.
  • Art. 33, § 1º, III: utilizar local ou bem de sua propriedade, posse, administração guarda ou vigilância, ou consentir que alguém utilize para o tráfico ilícito de drogas.

++ (Juiz de Direito TJ-MS 2020 FCC) No que concerne à lei de drogas, cabível a redução da pena de um sexto a dois terços para o agente que tem em depósito, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas, desde que primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa. (CERTO)

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9
Q

É possível aplicar o princípio da insignificância para o furto de mercadorias avaliadas em R$ 29,15, se a subtração tenha ocorrido durante o período de repouso noturno e mesmo que o agente seja reincidente?

A

É possível aplicar o princípio da insignificância para o furto de mercadorias avaliadas em R$ 29,15, mesmo que a subtração tenha ocorrido durante o período de repouso noturno e mesmo que o agente seja reincidente.

Vale ressaltar que os produtos haviam sido furtados de um estabelecimento comercial e que logo após o agente foi preso, ainda na porta do estabelecimento.

Objetos furtados: R$ 4,15 em moedas, uma garrafa de Coca-Cola, duas garrafas de cerveja e uma garrafa de pinga marca 51, tudo avaliado em R$ 29,15. STF. 2ª Turma. HC 181389 AgR/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 14/4/2020 (Info 973).

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10
Q

É possível aplicar o intituto do arrependimento posterior se o agente ressarci o principal antes da apresentação da denúncia, mas deixa para pagar os juros e atualização monetária depois?

A

É possível o reconhecimento da causa de diminuição de pena prevista no art. 16 do Código Penal (arrependimento posterior) para o caso em que o agente fez o ressarcimento da dívida principal (efetuou a reparação da parte principal do dano) antes do recebimento da denúncia, mas somente pagou os valores referentes aos juros e correção monetária durante a tramitação da ação penal.

Nas exatas palavras do STF: “É suficiente que ocorra arrependimento, uma vez reparada parte principal do dano, até o recebimento da inicial acusatória, sendo inviável potencializar a amplitude da restituição.” STF. 1ª Turma. HC 165312/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 14/4/2020 (Info 973).

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11
Q

Aplica-se o arrependimento posterior ao crime de moeda falsa?

A

Inaplicabilidade do arrependimento posterior ao crime de moeda falsa

Não se aplica o instituto do arrependimento posterior ao crime de moeda falsa. No crime de moeda falsa — cuja consumação se dá com a falsificação da moeda, sendo irrelevante eventual dano patrimonial imposto a terceiros —, a vítima é a coletividade como um todo, e o bem jurídico tutelado é a fé pública, que não é passível de reparação. Desse modo, os crimes contra a fé pública, semelhantes aos demais crimes não patrimoniais em geral, são incompatíveis com o instituto do arrependimento posterior, dada a impossibilidade material de haver reparação do dano causado ou a restituição da coisa subtraída. STJ. 6ª Turma. REsp 1242294-PR, Rel. originário Min. Sebastião Reis Júnior, Rel. para acórdão Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 18/11/2014 (Info 554).

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12
Q

É possível que o juiz negue o benefício do § 4º do art. 33 da Lei de Drogas pelo simples fato de o acusado ser investigado em inquérito policial ou réu em outra ação penal que ainda não transitou em julgado?

A

• STJ: SIM.

É possível a utilização de inquéritos policiais e/ou ações penais em curso para formação da convicção de que o réu se dedica a atividades criminosas, de modo a afastar o benefício legal previsto no art. 33, § 4º, da Lei n.º 11.343/2006. STJ. 3ª Seção. EREsp 1.431.091-SP, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 14/12/2016 (Info 596). STJ. 6ª Turma. AgRg no HC 539.666/RS, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 05/03/2020.

• STF: NÃO.

Não se pode negar a aplicação da causa de diminuição pelo tráfico privilegiado, prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006, com fundamento no fato de o réu responder a inquéritos policiais ou processos criminais em andamento, mesmo que estejam em fase recursal, sob pena de violação ao art. 5º, LIV (princípio da presunção de não culpabilidade). Não cabe afastar a causa de diminuição prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006 (Lei de Drogas) com base em condenações não alcançadas pela preclusão maior (coisa julgada). STF. 1ª Turma. HC 173806/MG, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 18/2/2020 (Info 967). STF. 1ª Turma. HC 166385/MG, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 14/4/2020 (Info 973). STF. 2ª Turma. HC 144309 AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 19/11/2018.

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Q

Comete crime de desobediência o indivíduo que não atende a ordem dada pelo oficial de justiça na ocasião do cumprimento de mandado de entrega de veículo?

A

Comete crime de desobediência (art. 330 do CP) o indivíduo que não atende a ordem dada pelo oficial de justiça na ocasião do cumprimento de mandado de entrega de veículo, expedido no juízo cível. O indivíduo, depositário do bem, recusou-se a entregar o veículo ou a indicar sua localização.

Essa conduta configura ato atentatório à dignidade da justiça (art. 77, IV, do CPC/2015), havendo a previsão de multa processual (art. 77, § 2º). Ocorre que a Lei afirma expressamente que a aplicação da multa ocorre sem prejuízo de responsabilização na esfera penal. STF. 1ª Turma. HC 169417/SP, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 28/4/2020 (Info 975).

Info

REGRA:

Se a pessoa descumprir uma ordem legal de funcionário público e na lei houver a previsão de sanção civil ou administrativa para esse descumprimento, não haverá crime de desobediência. O raciocínio aqui é o seguinte: se a lei já pune essa conduta com uma sanção civil ou administrativa, não há motivo para se utilizar o direito penal. Basta a sanção civil ou administrativa.

Exemplo dessa regra: Marcelo foi parado em uma blitz. O agente de trânsito determinou que ele apresentasse a habilitação e o documento do veículo, tendo Marcelo se recusado a fazê-lo. Marcelo não cometeu crime de desobediência porque o art. 238 do Código de Trânsito já prevê punições administrativas para essa conduta (infração gravíssima, multa e apreensão do veículo), sem ressalvar a possibilidade de aplicação de sanção penal:

Art. 238. Recusar-se a entregar à autoridade de trânsito ou a seus agentes, mediante recibo, os documentos de habilitação, de registro, de licenciamento de veículo e outros exigidos por lei, para averiguação de sua autenticidade: Infração - gravíssima; Penalidade - multa e apreensão do veículo; Medida administrativa - remoção do veículo.

EXCEÇÃO:

Haverá crime de desobediência se, a Lei, mesmo prevendo sanção civil ou administrativa, tiver uma ressalva expressa dizendo que tais sanções não excluem (não afastam) a responsabilidade penal. Aqui a lei fala o seguinte: estou prevendo sanção civil ou administrativa para esse descumprimento, mas isso não afasta a possibilidade de o sujeito também responder por crime.

Veja um exemplo dessa exceção: Gutemberg foi intimado para testemunhar em uma ação penal, tendo, no entanto, sem justificativa, deixado de comparecer ao ato processual. Gutemberg cometeu o crime de desobediência. O CPP determina que o juiz poderá aplicar multa e condená-lo a pagar as custas da diligência, sem prejuízo do processo penal por crime de desobediência (art. 219). Assim, a Lei (no caso, o CPP) prevê punições civis ressalvando, no entanto, que elas poderão ser aplicadas juntamente com a condenação criminal. Confira a redação do art. 219 do CPP:

Art. 219. O juiz poderá aplicar à testemunha faltosa a multa prevista no art. 453, sem prejuízo do processo penal por crime de desobediência, e condená-la ao pagamento das custas da diligência.

Voltando ao caso concreto: por que João foi condenado?

Porque a Lei (CPC) prevê que o descumprimento da ordem judicial configura ato atentatório à dignidade da justiça, com a imposição de multa processual, sem prejuízo de responsabilização na esfera penal. Veja a redação legal:

Art. 77. Além de outros previstos neste Código, são deveres das partes, de seus procuradores e de todos aqueles que de qualquer forma participem do processo: (…)

IV - cumprir com exatidão as decisões jurisdicionais, de natureza provisória ou final, e não criar embaraços à sua efetivação; (…)

§ 2º A violação ao disposto nos incisos IV e VI constitui ato atentatório à dignidade da justiça, devendo o juiz, sem prejuízo das sanções criminais, civis e processuais cabíveis, aplicar ao responsável multa de até vinte por cento do valor da causa, de acordo com a gravidade da conduta.

Existe um precedente antigo do STF no mesmo sentido:

Crime de desobediência: caracterização: descumprimento de ordem judicial que determinou apreensão e entrega de veículo, sob expressa cominação das penas da desobediência. Caso diverso daquele em que há cominação legal exclusiva de sanção civil ou administrativa para um fato específico, quando, para a doutrina majoritária e a jurisprudência do Supremo Tribunal (…), deve ser excluída a sanção penal se a mesma lei dela não faz ressalva expressa. Por isso, incide na espécie o princípio da independência das instâncias civil, administrativa e penal. STF. 1ª Turma. HC 86047, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgado em 04/10/2005.

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Q

João trabalhava em uma empresa, sendo responsável por receber pagamentos em dinheiro e levá-los para depósito no banco. João combinou com Pedro um plano criminoso. No dia do pagamento, Pedro entraria na empresa, supostamente ameaçaria João (seu comparsa oculto), que a ele entregaria o dinheiro. Depois, os dois dividiriam a quantia subtraída. Assim, no dia dos fatos, Pedro, já sabendo que havia entrado uma grande soma em dinheiro, chegou na empresa e, simulando portar arma de fogo, exigiu que João e Ricardo (outro funcionário da empresa que não sabia do plano) entregassem o dinheiro, o que foi feito. Posteriormente, a polícia conseguiu prender Pedro, que confessou todo o plano criminoso.

Que crime João e Pedro praticaram

A

João e Pedro praticaram roubo majorado, e não estelionato. STF. 1ª Turma. HC 147584/RJ, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 2/6/2020 (Info 980)

O fato de o assalto envolver situação forjada entre a suposta vítima e o corréu não viabiliza a ocorrência de estelionato, pois a caracterização do roubo não pressupõe a efetiva intenção do agente de realizar o mal prometido. Basta que a forma utilizada para a subtração da coisa alheia móvel seja revestida de aptidão a causar fundado temor ao ofendido. Nesse sentido, a ameaça praticada pela simulação do porte de arma de fogo constitui meio idôneo a aterrorizar.

A circunstância de não ter o réu João feito grave ameaça contra a vítima não é relevante, considerando a vinculação subjetiva com o corréu, a configurar o concurso de agentes, legitimando sejam os fatos, em relação a ambos os acusados, enquadrados no tipo de penal de roubo, observado o art. 29 do CP.

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15
Q

Que crime pratica deputado federal que recebe dinheiro para interceder em decisão de direito da Petrobrás, de modo que esta beneficie determinada sociedade empresarial?

A

Resumo

Uma determinada empresa havia prestado serviços para a Petrobrás e não tinha recebido todo o valor que entendia devido. Essa empresa entrou em contato com determinado Deputado Federal para que ele resolvesse a situação.

Este Deputado comprometeu-se a falar com o diretor de abastecimento da Petrobrás, mas exigiu o pagamento de vantagem indevida.

O Deputado conseguiu que a Petrobrás pagasse, por meio de um acordo extrajudicial, R$ 69 milhões para a empresa e, em troca, recebeu R$ 3 milhões de propina.

O STF entendeu que esta conduta se enquadra no crime de corrupção passiva (art. 317 do CP). STF. 2ª Turma. AP 1002/DF, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 9/6/2020 (Info 981).

Info

[…] no “presidencialismo de coalização” o poder conferido aos parlamentares vai muito além da mera deliberação de atos legislativos.

Os Deputados Federais e Senadores possuem grande poder nas decisões de governo por meio da indicação de quadros (nomes) para ocuparem os cargos no Poder Executivo.

Entretanto, infelizmente, acaba ocorrendo um “mercadejamento” (comércio) da função parlamentar porque alguns Deputados Federais e Senadores cobram vantagens indevidas para dar sustentação política na nomeação ou manutenção de determinadas pessoas nos cargos públicos.

Logo, os Deputados Federais e Senadores, mesmo não possuindo competência formal para nomear ou exonerar pessoas de cargos públicos vinculados ao Poder Executivo, podem praticar corrupção passiva ao receberem vantagens indevidas para interferirem nesses atos.

Assim, é é plenamente viável a configuração do delito de corrupção passiva quando a vantagem indevida é solicitada, recebida ou aceita pelo agente público, em troca da manifestação da força política que este detém para a condução ou sustentação de determinado agente em cargo que demanda tal apoio.

Vale ressaltar que não se trata de criminalizar a atividade político-partidária. O que se está fazendo é apenas responsabilizando os parlamentares que transbordam os limites do exercício legítimo da representação popular.

Vencidos, no ponto, os ministros Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes, que desclassificaram a infração para o crime de tráfico de influência. Para eles, a vantagem indevida teria sido recebida a pretexto de influir em ato praticado por funcionário público.

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16
Q

O réu que praticou corrupção passiva pode ser condenado, no âmbito do próprio processo penal, a pagar danos morais coletivos?

A

Sim.

O réu que praticou corrupção passiva pode ser condenado, no âmbito do próprio processo penal, a pagar danos morais coletivos.

O ordenamento jurídico tutela, no âmbito da responsabilidade, o dano moral não apenas na esfera individual como também na coletiva, conforme previsto no inciso X do art. 5º da Constituição Federal e no art. 186 do Código Civil. Destaque-se ainda a previsão do inciso VIII do art. 1º da Lei nº 7.347/85 (Lei de Ação Civil Pública). STF. 2ª Turma. AP 1002/DF, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 9/6/2020 (Info 981).

17
Q

Acórdão que confirma ou reduz a pena interrompe a prescrição?

A

Resumo

Nos termos do inciso IV do art. 117 do Código Penal, o acórdão condenatório sempre interrompe a prescrição, inclusive quando confirmatório da sentença de 1º grau, seja mantendo, reduzindo ou aumentando a pena anteriormente imposta.

A prescrição é, como se sabe, o perecimento da pretensão punitiva ou da pretensão executória pela inércia do próprio Estado.

No art. 117 do Código Penal, que deve ser interpretado de forma sistemática, todas as causas interruptivas da prescrição demonstram, em cada inciso, que o Estado não está inerte.

Não obstante a posição de parte da doutrina, o Código Penal não faz distinção entre acórdão condenatório inicial e acórdão condenatório confirmatório da decisão. Não há, sistematicamente, justificativa para tratamentos díspares. STJ. 5ª Turma. AgRg no AREsp 1.668.298-SP, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 12/05/2020 (Info 672). STF. Plenário. HC 176473/RR, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 27/04/2020 (Info 990 – clipping).

Inteiro teor

Causas que interrompem o prazo prescricional

O art. 117 do CP traz os momentos em que o prazo da prescrição é interrompido. Interrupção do prazo significa que ele é zerado e recomeça a ser contado a partir daquela data. Art. 117. O curso da prescrição interrompe-se:

I - pelo recebimento da denúncia ou da queixa;

II - pela pronúncia;

III - pela decisão confirmatória da pronúncia;

IV - pela publicação da sentença ou acórdão condenatórios recorríveis;

V - pelo início ou continuação do cumprimento da pena;

VI - pela reincidência.

Análise do inciso IV do art. 117 do CP

O inciso IV do art. 117 do CP prevê que a publicação da sentença condenatória ou do acórdão condenatório interrompe o prazo prescricional. Esse é um inciso que gerava algumas polêmicas na doutrina e jurisprudência, razão pela qual irei explicá-lo com mais calma.

[…]

No dia 28/09/2013 foi publicado um acórdão do Tribunal de Justiça confirmando a condenação, ou seja, dizendo que a sentença deveria ser mantida, que não era caso de mudar nada. Este acórdão interrompeu a prescrição?

SIM. Depois de muita polêmica, o STF pacificou o tema e firmou a posição de que o acórdão confirmatório da sentença implica a interrupção da prescrição. Foi fixada a seguinte tese a respeito:

Nos termos do inciso IV do artigo 117 do Código Penal, o acórdão condenatório sempre interrompe a prescrição, inclusive quando confirmatório da sentença de 1º grau, seja mantendo, reduzindo ou aumentando a pena anteriormente imposta. STF. Plenário. HC 176473/RR, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 27/04/2020.

A prescrição é o perecimento da pretensão punitiva ou da pretensão executória pela inércia do próprio Estado.

As hipóteses do art. 117 do Código Penal representam hipóteses nas quais o Estado agiu, ou seja, situações nas quais não ficou inerte.

Se o Tribunal prolata acórdão confirmando a condenação, isso significa que o Tribunal agiu/decidiu o caso. Consequentemente, se o Estado não está inerte, há necessidade de se interromper a prescrição para o cumprimento do devido processo legal.

Assim, a interrupção da prescrição ocorre pela simples condenação em segundo grau, seja confirmando integralmente a sentença, seja reduzindo ou aumentando a pena anteriormente imposta.

Posição do STJ e da doutrina majoritária era em sentido contrário Vale ressaltar que a doutrina majoritária defende posição contrária ao que decidiu o STF.

O STJ também seguia esse entendimento doutrinário e dizia que:

Se o acórdão apenas CONFIRMA a condenação ou então REDUZ a pena do condenado, ele não terá o condão de interromper a prescrição. STJ. 5ª Turma. AgRg no AREsp 1557791/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 06/02/2020. STJ. Corte Especial. AgRg no RE nos EDcl no REsp 1301820/RJ, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 16/11/2016. O STJ, contudo, mudou de entendimento e passou a acompanhar a posição do STF:

O acórdão confirmatório da condenação é causa interruptiva da prescrição. STJ. 5ª Turma. AgRg no AREsp 1.668.298-SP, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 12/05/2020 (Info 672).

Portanto, o entendimento que atualmente vigora tanto no STF como no STJ é o de que: o acórdão que confirma ou reduz a pena enquadra-se no inciso IV do art. 117 do CP e, portanto, interrompe a prescrição.

18
Q

É constitucional a criminalização do desacato?

A

A norma do art. 331 do Código Penal, que tipifica o crime de desacato, foi recepcionada pela Constituição de 1988.

Trata-se de arguição de descumprimento de preceito fundamental em que se questiona a conformidade com a Convenção Americana de Direitos Humanos, bem como a recepção pela Constituição de 1988, do art. 331 do Código Penal, que tipifica o crime de desacato.

De acordo com a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos e do Supremo Tribunal Federal, a liberdade de expressão não é um direito absoluto e, em casos de grave abuso, é legítima a utilização do direito penal para a proteção de outros interesses e direitos relevantes.

A diversidade de regime jurídico – inclusive penal – existente entre agentes públicos e particulares é uma via de mão dupla: as consequências previstas para as condutas típicas são diversas não somente quando os agentes públicos são autores dos delitos, mas, de igual modo, quando deles são vítimas.

A criminalização do desacato não configura tratamento privilegiado ao agente estatal, mas proteção da função pública por ele exercida.

Vale ressaltar, no entanto, que, considerando que os agentes públicos em geral estão mais expostos ao escrutínio e à crítica dos cidadãos, deles se exige maior tolerância à reprovação e à insatisfação, limitando-se o crime de desacato a casos graves e evidentes de menosprezo à função pública. STF. Plenário. ADPF 496, Rel. Roberto Barroso, julgado em 22/06/2020 (Info 992 – clipping)

19
Q

É constitucional o tipo penal que prevê o crime de fuga do local do acidente (art. 305 do CTB)?

A

Resumo

A regra que prevê o crime do art. 305 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) é constitucional, posto não infirmar o princípio da não incriminação, garantido o direito ao silêncio e ressalvadas as hipóteses de exclusão da tipicidade e da antijuridicidade. STF. Plenário. RE 971.959/RS, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 14/11/2018 (Repercussão Geral – Tema 907) (Info 923).

É constitucional o tipo penal que prevê o crime de fuga do local do acidente (art. 305 do CTB). STF. Plenário. ADC 35/DF, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Edson Fachin, julgado em 9/10/2020 (Info 994).

Inteiro teor

Discussão quanto à constitucionalidade deste crime

Os Tribunais de Justiça dos Estados de São Paulo, Minas Gerais, Santa Catarina e Rio Grande do Sul possuíam entendimento no sentido de que este crime do art. 305 do CTB seria inconstitucional ou, pelo menos, inconvencional. Isso porque ele violaria o direito à não autoincriminação.

O direito à não autoincriminação é uma decorrência da ampla defesa, prevista no art. 5º, LV e LXIII.

Além disso, o Pacto de San José da Costa Rica (Convenção Americana de Direitos Humanos), que vige em nosso ordenamento jurídico com caráter supralegal, estabelece em seu artigo 8º, inciso II, alínea “g”, que “toda pessoa tem direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada”

Essa discussão chegou finalmente ao STF. O que decidiu o STF? O art. 305 do CTB é constitucional ou não?

O art. 305 do CTB é constitucional.

O STF, em repercussão geral, fixou a seguinte tese:

A regra que prevê o crime do art. 305 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) é constitucional, posto não infirmar o princípio da não incriminação, garantido o direito ao silêncio e ressalvadas as hipóteses de exclusão da tipicidade e da antijuridicidade. STF. Plenário. RE 971.959/RS, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 14/11/2018 (repercussão geral) (Info 923).

Vou fazer um breve resumo dos argumentos invocados.

Flexibilização do princípio da vedação à autoincriminação

De fato, a CF/88 prevê, como uma decorrência da ampla defesa, o direito à não autoincriminação (nemo tenetur se detegere).

De igual modo, o Pacto de San José da Costa Rica também assegura esse direito aos acusados.

No entanto, para o STF, é “admissível a flexibilização do princípio da vedação à autoincriminação proporcionada pela opção do legislador de criminalizar a conduta de fugir do local do acidente”.

O legislador, ao exigir que o agente envolvido no acidente continue no local do fato até que sejam feitos os procedimentos de identificação das pessoas e do sinistro, “não afeta o núcleo irredutível” do direito fundamental à não autoincriminação.

O direito à não autoincriminação preconiza que jamais se pode obrigar o investigado ou réu a agir ativamente na produção de prova contra si próprio. Ocorre que o tipo penal do art. 305 do CTB apenas obriga a permanência do agente no local para garantir a identificação dos envolvidos no sinistro e o devido registro da ocorrência pela autoridade competente. Assim, ele não viola o núcleo da garantia de não autoincriminação.

Obriga-se o condutor a permanecer no local, mas não a “assumir a culpa” (continua “garantido o direito ao silêncio”)

O art. 305 do CTB exige que o agente permaneça no local do acidente e se identifique perante a autoridade de trânsito. Mas o tipo penal não obriga que o condutor assuma eventual responsabilidade cível ou penal. Se ele permanecer no local e negar que tenha culpa, não incide o crime do art. 305 do CTB.

Vale ressaltar, inclusive, que o condutor, após sua identificação pela autoridade de trânsito, pode optar por permanecer em silêncio quanto à dinâmica do acidente e não prestar nenhum esclarecimento sobre como ocorreu o sinistro. Em suma, depois de se identificar, pode exercer seu direito ao silêncio, que não significará confissão nem poderá ser interpretado em prejuízo da defesa (art. 186, parágrafo único, do CPP).

Princípio da proporcionalidade

Eventual declaração de inconstitucionalidade da conduta tipificada no art. 305 do CTB, em nome de uma leitura absoluta e irrestrita do princípio da vedação à autoincriminação, caracterizaria afronta ao princípio constitucional da proporcionalidade em sua dimensão que proíbe a proteção deficiente.

Desse modo, o princípio que veda a não autoincriminação pode ser relativizado pelo legislador, considerando que, segundo a teoria geral dos direitos fundamentais, havendo conflito entre dois princípios, é necessário um juízo de ponderação. Assim ocorre, por exemplo, com os postulados da proibição de excesso e da vedação à proteção insuficiente.

Fragilização da tutela penal

A criação de empecilhos à responsabilização penal do condutor que foge do local do acidente fragiliza a tutela penal do Estado e deixa descoberto o bem jurídico que o referido crime deveria proteger. Além disso, indiretamente, deixa sem proteção direitos fundamentais que um trânsito seguro busca preservar, dentre eles o direito à vida.

Negar a vontade do Parlamento

Descriminalizar o crime de fuga significaria efetivamente negar a vontade do Parlamento.

Essa conduta é criminalizada porque a Constituição promete, em nome do povo, uma sociedade justa e solidária, o que não poderia ser garantido caso afastada a juridicidade de uma conduta de quem abandona o local do acidente para fugir à responsabilidade penal e civil.

Convenção de Trânsito de Viena

Importante mencionar que existe uma norma de direito internacional que abona (avaliza) essa opção feita pelo legislador no art. 305 do CTB. Trata-se da Convenção de Trânsito de Viena, promulgada pelo Decreto 86.714/81.

Esta Convenção prevê que o condutor e demais envolvidos em caso de acidente devem comunicar a sua identidade, caso isso seja exigido (artigo 31).

Precedente do STF na análise do art. 307 do CP

Vale ressaltar que o STF já tem um precedente análogo. Isso porque o STF reconheceu que o art. 307 do CP é constitucional e não viola o princípio que veda a autoincriminação. Relembre o que diz o art. 307 do CP:

Falsa identidade

Art. 307. Atribuir-se ou atribuir a terceiro falsa identidade para obter vantagem, em proveito próprio ou alheio, ou para causar dano a outrem: Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa, se o fato não constitui elemento de crime mais grave.

O STF entende que há crime quando o agente, para não se incriminar, atribui a si uma identidade que não é sua.

Mesmo no caso de condutas ativas do acusado/investigado têm sido admitidas flexibilizações

O direito do investigado de não realizar condutas ativas que importem na introdução de informações ao processo também comporta níveis de flexibilização, muito embora a regra geral seja a da sua vedação.

A jurisprudência do STF, historicamente, adotava uma postura restrita quanto à admissibilidade das intervenções corporais. Contudo, na linha do que se visualiza no cenário internacional, o STF, gradativamente, iniciou uma caminhada em sentido oposto.

Um precedente exemplificativo desse processo é a Rcl 2.040/DF, na qual se decidiu que a autoridade jurisdicional poderia autorizar a realização de exame de DNA em material colhido de gestante mesmo sem sua autorização, tendo em vista o objetivo de investigar possível crime de estupro.

O direito comparado à luz da legislação e da jurisprudência dos principais países da Europa Continental admite a intervenção corporal coercitiva, desde que autorizada judicialmente, restrita à cooperação passiva do sujeito investigado ou acusado e sem ofensa à dignidade humana.

Se o agente fugiu com medo de eventuais agressões ou para cuidar de um ferimento sofrido, não haverá crime (“hipóteses de exclusão da tipicidade e da antijuridicidade”)

Vale ressaltar, por fim, que o abandono do local do acidente pode ser legitimado em caso de eventual risco de agressões que o condutor possa vir a sofrer por parte dos populares presentes ou ainda caso ele esteja ferido e precise se deslocar imediatamente em busca de atendimento médico.

Para o Min. Lewandowski, nos casos concretos em que houver perigo de vida do causador do evento caso permaneça no local do acidente, o juiz poderá aferir a exclusão da antijuridicidade da conduta, tal como a legítima defesa ou o estado de necessidade.

Já para o Min. Alexandre de Moraes, essas situações realmente não configuram crime, mas por outra razão: atipicidade. Segundo o Ministro, esses casos representam condutas atípicas, uma etapa anterior à excludente de ilicitude, porque o tipo penal exige que o condutor do veículo se afaste do local do crime “para fugir à responsabilidade penal ou civil”. Havendo necessidade de o agente evadir-se pelas circunstâncias apresentadas, não ocorre dolo específico do tipo.

Votos vencidos

Ficaram vencidos os Ministros Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e Dias Toffoli, que entendiam que o tipo penal do art. 305 do CTB viola o princípio da não autoincriminação.

20
Q

A mudança na ação penal do crime de estelionato, promovida pela Lei nº 13.964/2019, retroage para alcançar os processos penais que já estavam em curso? Mesmo que já houvesse denúncia oferecida, será necessário intimar a vítima para que ela manifeste interesse na continuidade do processo?

A

Resumo

NÃO. É a posição amplamente majoritária na jurisprudência.

Não retroage a norma prevista no § 5º do art. 171 do CP, incluída pela Lei 13.964/2019 (“Pacote Anticrime”), que passou a exigir a representação da vítima como condição de procedibilidade para a instauração de ação penal, nas hipóteses em que o Ministério Público tiver oferecido a denúncia antes da entrada em vigor do novo diploma legal.

A retroatividade da representação prevista no § 5º do art. 171 do CP deve se restringir à fase policial. A exigência de representação no crime de estelionato, trazida pelo Pacote Anticrime, não afeta os processos que já estavam em curso quando entrou em vigor a Lei nº 13.964/2019. Assim, se já havia denúncia oferecida quando entrou em vigor a nova Lei, não será necessária representação do ofendido.

STJ. 5ª Turma. HC 573.093-SC, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 09/06/2020 (Info 674). STF. 1ª Turma. HC 187341/SP, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 13/10/2020 (Info 995). STF. 2ª Turma. ARE 1230095 AgR, Rel. Gilmar Mendes, julgado em 24/08/2020.

Registre-se a posição minoritária da 6ª Turma do STJ, que deve ser superada em breve:

A retroatividade da representação prevista § 5º do art. 171 alcança todos os processos em curso.

A exigência de representação no crime de estelionato, trazida pelo Pacote Anticrime, afeta não apenas os inquéritos, mas também os processos em curso, desde que ainda não tenham transitado em julgado.

Assim, mesmo que já houvesse denúncia oferecida quando a Lei entrou em vigor, o juiz deverá intimar a vítima para manifestar interesse na continuidade da persecução penal, no prazo de 30 dias, sob pena de decadência.

STJ. 6ª Turma. HC 583.837/SC, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 04/08/2020 (Info 677).

Inteiro teor

[…]

A norma que altera a espécie de ação penal de um crime é norma de direito material ou processual? (ex: a lei determina que o crime “X” deixará de ser de ação penal pública condicionada e passará a ser de ação pública incondicionada)

As normas que tratam sobre a “ação penal” possuem natureza híbrida, ou seja, são normas de direito processual penal que, no entanto, também apresentam efeitos materiais (influenciam no direito penal).

A lei que dispõe sobre o tipo de ação penal aplicável a cada crime possui influência direta no jus puniendi (direito de punir do Estado), pois interfere nas causas de extinção da punibilidade, como a decadência e a renúncia ao direito de queixa. Logo, a lei que disciplina a espécie de ação penal possui também efeito material.

As normas processuais são retroativas?

NÃO. As leis processuais possuem aplicação imediata (tempus regit actum - art. 2º do CPP), não retroagindo para alcançar fatos anteriores à sua vigência e regulando os atos processuais a serem realizados após entrar em vigor.

As normas penais são retroativas?

NÃO, salvo para beneficiar o réu (art. 5º, XL, da CF e art. 2º, parágrafo único, do CP).

Assim, temos o seguinte:

  • Se a lei penal posterior é favorável ao réu: retroage.
  • Se a lei penal posterior é contrária ao réu: não retroage.

E as normas híbridas?

As leis híbridas, como possuem reflexos penais, recebem o mesmo tratamento que as normas penais no que tange à sua aplicação no tempo.

Logo, as normas híbridas não retroagem, salvo se para beneficiar o réu.

Desse modo, a norma que altera a espécie de ação penal de um crime não retroage, salvo se for para beneficiar o réu.

Ex: antes da Lei nº 9.099/95, o crime de lesão corporal leve era de ação penal pública incondicionada; depois da Lei, esse delito passou a ser de ação penal pública condicionada. Isso é mais benéfico para o réu que responde ao processo? Sim, porque na ação penal pública condicionada existe a possibilidade de renúncia e de decadência, que não são permitidas na ação pública incondicionada. Logo, a lei foi retroativa nesse ponto.

Ex2: o crime de injúria racial era de ação penal privada e, por força da Lei nº 12.033/2009, passou a ser de ação penal pública condicionada à representação. Essa Lei é mais benéfica para o réu? Não, porque limita as causas de extinção da punibilidade. Logo, para as pessoas que cometeram o delito antes da Lei nº 12.033/2009, a ação continua sendo privada, não retroagindo a lei.

Isso significa que essa alteração irá retroagir para alcançar fatos anteriores à sua vigência?

SIM. O § 5º do art. 171 do CP apresenta caráter híbrido (norma mista) e, além disso, é mais favorável ao autor do fato. Logo, tem caráter retroativo.

A dúvida, no entanto, reside na extensão dessa retroatividade:

A mudança na ação penal do crime de estelionato, promovida pela Lei nº 13.964/2019, retroage para alcançar os processos penais que já estavam em curso? Mesmo que já houvesse denúncia oferecida, será necessário intimar a vítima para que ela manifeste interesse na continuidade do processo?

NÃO. É a posição amplamente majoritária na jurisprudência.

Não retroage a norma prevista no § 5º do art. 171 do CP, incluída pela Lei 13.964/2019 (“Pacote Anticrime”), que passou a exigir a representação da vítima como condição de procedibilidade para a instauração de ação penal, nas hipóteses em que o Ministério Público tiver oferecido a denúncia antes da entrada em vigor do novo diploma legal.

A retroatividade da representação prevista no § 5º do art. 171 do CP deve se restringir à fase policial.

A exigência de representação no crime de estelionato, trazida pelo Pacote Anticrime, não afeta os processos que já estavam em curso quando entrou em vigor a Lei nº 13.964/2019. Assim, se já havia denúncia oferecida quando entrou em vigor a nova Lei, não será necessária representação do ofendido.

STJ. 5ª Turma. HC 573.093-SC, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 09/06/2020 (Info 674). STF. 1ª Turma. HC 187341/SP, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 13/10/2020 (Info 995). STF. 2ª Turma. ARE 1230095 AgR, Rel. Gilmar Mendes, julgado em 24/08/2020