Jurisprudência STJ 2020 Flashcards

1
Q

Qual é o critério para determinar se o réu inimputável deve ser internado ou receber tratamento ambulatorial?

A

Resumo

Segundo o art. 97 do CP:

Art. 97. Se o agente for inimputável, o juiz determinará sua internação (art. 26). Se, todavia, o fato previsto como crime for punível com detenção, poderá o juiz submetê-lo a tratamento ambulatorial.

Assim, se fosse adotada a redação literal do art. 97 teríamos o seguinte cenário:

  • Se o agente praticou fato punido com RECLUSÃO, ele receberá, obrigatoriamente, a medida de internação.
  • Por outro lado, se o agente praticou fato punido com DETENÇÃO, o juiz, com base na periculosidade do agente, poderá submetê-lo à medida de internação ou tratamento ambulatorial.

O STJ, contudo, abrandou a regra legal e construiu a tese de que o art. 97 do CP não deve ser aplicado de forma isolada, devendo analisar também qual é a medida de segurança que melhor se ajusta à natureza do tratamento de que necessita o inimputável.

Em outras palavras, o STJ afirmou o seguinte: mesmo que o inimputável tenha praticado um fato previsto como crime punível com reclusão, ainda assim será possível submetê-lo a tratamento ambulatorial (não precisando ser internação), desde que fique demonstrado que essa é a medida de segurança que melhor se ajusta ao caso concreto.

À luz dos princípios da adequação, da razoabilidade e da proporcionalidade, na fixação da espécie de medida de segurança a ser aplicada não deve ser considerada a natureza da pena privativa de liberdade aplicável, mas sim a periculosidade do agente, cabendo ao julgador a faculdade de optar pelo tratamento que melhor se adapte ao inimputável.

Desse modo, mesmo em se tratando de delito punível com reclusão, é facultado ao magistrado a escolha do tratamento mais adequado ao inimputável. STJ. 3ª Seção. EREsp 998.128-MG, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 27/11/2019 (Info 662).

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2
Q

Qual o prazo da pena de prestação de serviço à comunidade previsto para o delito de porte de drogas para uso pessoal?

A

Resumo

O art. 28 da Lei nº 11.343/2006 prevê o crime de porte de drogas para consumo pessoal.

Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:

I - advertência sobre os efeitos das drogas;

II - prestação de serviços à comunidade;

III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

Em regra, as penas dos incisos II e III só podem ser aplicadas pelo prazo máximo de 5 meses.

O § 4º prevê que: “em caso de reincidência, as penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 10 (dez) meses.”

A reincidência de que trata o § 4º é a reincidência específica.

Assim, se um indivíduo já condenado definitivamente por roubo, pratica o crime do art. 28, ele não se enquadra no § 4º. Isso porque se trata de reincidente genérico.

O § 4º ao falar de reincidente, está se referindo ao crime do caput do art. 28. STJ. 6ª Turma. REsp 1.771.304-ES, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 10/12/2019 (Info 662).

Inteiro teor

§ 3º As penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 5 (cinco) meses.

§ 4º Em caso de reincidência, as penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 10 (dez) meses.

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3
Q

Que crime pratica o pratica o Governador que determina que os valores descontados dos contracheques dos servidores para pagamento de empréstimo consignado não sejam repassados ao banco, mas sim utilizados para quitação de dívidas do Estado?

A

Resumo

O administrador que desconta valores da folha de pagamento dos servidores públicos para quitação de empréstimo consignado e não os repassa a instituição financeira pratica peculato-desvio, sendo desnecessária a demonstração de obtenção de proveito próprio ou alheio, bastando a mera vontade de realizar o núcleo do tipo.

Peculato-desvio é crime formal para cuja consumação não se exige que o agente público ou terceiro obtenha vantagem indevida mediante prática criminosa, bastando a destinação diversa daquela que deveria ter o dinheiro.

Caso concreto: diversos servidores estaduais possuíam empréstimos consignados. Assim, todos os meses a Administração Pública estadual fazia o desconto das parcelas do empréstimo da remuneração dos servidores e repassava a quantia ao banco que concedeu o mútuo. Ocorre que o Governador do Estado determinou ao Secretário de Planejamento que continuasse a descontar mensalmente os valores do empréstimo consignado, no entanto, não mais os repassasse ao banco, utilizando essa quantia para pagamento das dívidas do Estado. Esta conduta configurou o crime de peculato-desvio (art. 312 do CP), gerando a condenação do Govenador, com a determinação, inclusive, de perda do cargo (art. 92, I, do CP). STJ. Corte Especial. APn 814-DF, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Rel. Acd. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 06/11/2019 (Info 664).

Inteiro teor

Imagine agora a seguinte situação adaptada:

João, servidor público do Estado do Amapá, fez um empréstimo consignado e estava pagando regularmente a dívida.

Todos os meses a Secretaria de Administração e Planejamento, antes de depositar os vencimentos de João, descontava R$ 1.000,00 de sua remuneração e repassava ao banco que concedeu o empréstimo. Assim como João, havia centenas de outros servidores públicos estaduais na mesma situação.

Ocorre que o Estado do Amapá atravessava uma grave crise financeira. Diante disso, Antônio, Governador do Estado, teve uma ideia: resolveu usar o dinheiro que era descontado dos servidores para pagar as dívidas da administração pública.

Em outras palavras, Antônio determinou ao Secretário de Administração e Planejamento que ele continuasse a descontar mensalmente os valores do empréstimo consignado, no entanto, não mais os repassasse ao banco, utilizando essa quantia para pagamento das dívidas do Estado.

No caso de João, por exemplo, todos os meses os R$ 1.000,00 continuaram sendo descontados de sua remuneração, no entanto, esse dinheiro não era mais repassado ao banco. Depois de algum tempo nessa situação, o banco, que não estava mais recebendo os pagamentos, incluiu João e os demais servidores nos cadastros de devedores (SERASA, SPC etc.).

O Governador e o Secretário foram denunciados pela prática de peculato-desvio, delito tipificado na parte final do art. 312 do Código Penal:

Art. 312. Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio: Pena - reclusão, de dois a doze anos, e multa.

Tese da defesa

Os réus alegaram que foram obrigados a fazer isso em virtude da grave crise mundial que abalou profundamente as finanças públicas do Estado do Amapá.

Afirmam que houve uma drástica redução da receita estadual e que se não fossem adotadas medidas como a retenção do dinheiro dos empréstimos consignados não poderiam fazer frente às despesas governamentais.

Argumentaram que o crime de peculato-desvio exige, além do dolo, a presença de elemento subjetivo especial consistente no fim especial de agir em proveito próprio ou alheio.

Os recursos descontados dos contracheques dos servidores públicos estaduais, a título de empréstimos consignados, foram utilizados para o pagamento da dívida do Estado. Logo, não seria possível afirmar que os réus tenham agido em proveito próprio ou alheio.

A tese da defesa foi acolhida pelo STJ?

NÃO. Não foi acolhida. Para a maioria dos Ministros, houve a prática do crime de peculato-desvio. Vejamos:

Materialidade

O peculato-desvio consuma-se no instante em que o funcionário público dá ao dinheiro ou valor destino diverso do previsto.

Vale ressaltar que a obtenção do proveito próprio ou alheio não é requisito para a consumação do crime:

“No caso de peculato-desvio, a consumação se concretiza quando o agente, traindo a confiança que lhe fora depositada, dá à coisa destinação diversa daquela determinada pela Administração Pública, no intuito de beneficiar a si próprio ou a terceiro. Não há necessidade, porém, de que o agente obtenha o proveito visado, bastando para a consumação que ocorra o desvio.” (PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro, Volume II – Parte Especial. 16ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018, p. 783).

No caso, o crime consumou-se com a não transferência dos valores retidos na fonte.

Autoria

O peculato-desvio é um crime próprio. Isso porque somente pode ser praticado por funcionário público ou por pessoas a ele legalmente equiparadas.

Deve-se esclarecer que, apesar de se tratar de crime próprio, o peculato admite a participação de indivíduos que não são funcionários públicos. Assim, se uma pessoa, que não é funcionária pública, auxilia o funcionário público na prática do peculato-desvio, sabendo dessa condição, responderá também pelo mesmo crime. Nesse sentido:

Jurisprudência em Teses STJ (ed. 57) Tese 9: A elementar do crime de peculato se comunica aos coautores e partícipes estranhos ao serviço público.

Elemento subjetivo

O crime é punido a título de dolo.

O dolo aqui é a vontade livre e consciente de apropriar-se de coisa móvel pública ou particular ou de desviá-la.

O dolo ficou comprovado pela intenção de não repassar os valores descontados aos bancos, desviando a quantia para outras finalidades.

Vale ressaltar que basta o dolo de desviar a quantia em proveito próprio ou de terceiro, ainda que não obtenha vantagem com sua conduta:

Jurisprudência em Teses STJ (ed. 57) Tese 11: A consumação do crime de peculato-desvio (art. 312, caput, 2ª parte, do CP) ocorre no momento em que o funcionário efetivamente desvia o dinheiro, valor ou outro bem móvel, em proveito próprio ou de terceiro, ainda que não obtenha a vantagem indevida.

Obtenção de vantagem não é requisito para consumação do crime

A consumação do crime de peculato-desvio ocorreu no momento em que houve a destinação diversa do dinheiro que estava sob a posse do agente. Não importa que, ao final, não tenha havido a obtenção material de proveito próprio ou alheio.

Assim, a consumação, no caso em comento, deu-se com a falta de transferência dos valores retidos na fonte dos servidores ao banco detentor do crédito. Com isso, houve a alteração do destino da aplicação dos referidos valores.

O Estado era mero depositário dos valores descontados dos contracheques de seus servidores, os quais pertenceriam ao banco. Desse modo, os valores retidos não eram do Estado, não configurando receita pública. Eram verbas particulares não integrantes do patrimônio público.

Crime formal

Peculato-desvio é crime formal para cuja consumação não se exige que o agente público ou terceiro obtenha vantagem indevida mediante prática criminosa, bastando a destinação diversa daquela que deveria ter o dinheiro.

Na modalidade peculato-desvio, não se discute o deslocamento de verbas públicas em razão de gestão administrativa, mas o deslocamento de dinheiro particular em posse do Estado. Assim, a consumação do crime não depende da prova do destino do dinheiro ou do benefício obtido por agente ou terceiro.

[…]

Foi decretada a perda do cargo do Governador condenado?

SIM.

De acordo com o art. 92, I, do Código Penal:

Art. 92. São também efeitos da condenação:

I - a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo:

a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública;

b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 (quatro) anos nos demais casos.

Importante relembrar que a perda do cargo não é decorrência automática da condenação, sendo imprescindível que o juiz fundamente especificamente a decretação desse efeito extrapenal.

No caso concreto, o STJ considerou que é absolutamente incabível que o chefe do Poder Executivo de Estado da Federação permaneça no cargo após condenação pela prática de crime cuja natureza jurídica está fundamentada no resguardo da probidade administrativa.

Diante disso, o STJ decretou a perda do cargo.

DOD Plus

No caso concreto, as verbas desviadas eram privadas, isto é, pertenciam aos servidores públicos.

A conduta do funcionário público que dá a verbas ou rendas públicas aplicação diversa da estabelecida em lei configura, em princípio, outro crime, qual seja, o delito do art. 315 do CP:

Emprego irregular de verbas ou rendas públicas

Art. 315 - Dar às verbas ou rendas públicas aplicação diversa da estabelecida em lei: Pena - detenção, de um a três meses, ou multa.

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4
Q

É cabível a aplicação do princípio da insignificância para o furto qualificado?

A

Resumo

A despeito da presença de qualificadora no crime de furto possa, à primeira vista, impedir o reconhecimento da atipicidade material da conduta, a análise conjunta das circunstâncias pode demonstrar a ausência de lesividade do fato imputado, recomendando a aplicação do princípio da insignificância. STJ. 5ª Turma. HC 553.872-SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 11/02/2020 (Info 665)

Inteiro teor

[…]

Feita esta breve revisão, imagine a seguinte situação hipotética:

Adriana e Janaína, em concurso de pessoas, subtraíram dois pacotes de linguiça, um litro de vinho, uma lata de refrigerante e quatro salgados de um supermercado.

Os bens subtraídos foram avaliados em R$ 69,23.

As duas foram presas no estacionamento do supermercado e não houve prejuízo para o estabelecimento.

O Ministério Público ofereceu denúncia contra elas pela prática de furto qualificado, tipificado no art. 155, § 4º, IV, do Código Penal:

Art. 155. Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel: Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.

(…) § 4º - A pena é de reclusão de dois a oito anos, e multa, se o crime é cometido:

(…) IV - mediante concurso de duas ou mais pessoas.

A defesa pediu a absolvição com base na aplicação do princípio da insignificância.

O juiz, contudo, negou o pedido argumentando que não se pode aplicar o princípio da insignificância no caso de furto qualificado.

É possível aplicar o princípio da insignificância em caso de furto qualificado?

Em regra, não. Como regra, a aplicação do princípio da insignificância tem sido rechaçada nas hipóteses de furto qualificado, tendo em vista que tal circunstância denota, em tese, maior ofensividade e reprovabilidade da conduta.

Deve-se, todavia, considerar as circunstâncias peculiares de cada caso concreto, de maneira a verificar se, diante do quadro completo do delito, a conduta do agente representa maior reprovabilidade a desautorizar a aplicação do princípio da insignificância.

No caso concreto, a 5ª Turma do STJ aplicou o princípio da insignificância e absolveu as acusadas. Afirmou-se que “muito embora a presença da qualificadora possa, à primeira vista, impedir o reconhecimento da atipicidade material da conduta, a análise conjunta das circunstâncias demonstra a ausência de lesividade do fato imputado, recomendando a aplicação do princípio da insignificância.”

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5
Q

A qualificadora do meio cruel é compatível com o dolo eventual?

A

Resumo

Não há incompatibilidade entre o dolo eventual e o reconhecimento do meio cruel, na medida em que o dolo do agente, direto ou indireto, não exclui a possibilidade de a prática delitiva envolver o emprego de meio mais reprovável, como veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel (art. 121, § 2º, III, do CP).

Caso concreto: réu atropelou o pedestre e não parou o veículo, arrastando a vítima por 500 metros, assumindo, portanto, o risco de produzir o resultado morte; mesmo tendo havido dolo eventual, deve-se reconhecer também a qualificadora do meio cruel prevista no art. 121, § 2º, III, do CP. STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 1573829/SC, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 09/04/2019. STJ. 6ª Turma. REsp 1.829.601-PR, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 04/02/2020 (Info 665).

Inteiro teor

Imagine a seguinte situação adaptada:

João, com habilitação suspensa, conduzia uma caminhonete e, ao desrespeitar a preferência, atropelou um pedestre que vinha atravessando a rua na faixa.

Após atingir a vítima, as pessoas que estavam no local começaram a gritar que o pedestre ainda estava preso no veículo, mas ele acelerou ainda mais para fugir e, com isso, arrastou a vítima por aproximadamente 500 metros, tendo assim assumido e consentido com o risco de produzir o resultado morte do pedestre.

As provas revelaram que o réu tinha conhecimento do atropelamento, pois o acidente ocorreu pela manhã, em plena luz do dia, estava com os vidros abertos, tendo visto que as testemunhas faziam inúmeros sinais para parar e gritavam, mas mesmo assim ele fugiu em alta velocidade, arrastando a vítima. Tal atitude do réu revela, ao menos, indícios de que o réu agiu sem qualquer preocupação com o estado da vítima, arrastando-a por algumas quadras, de forma que assumiu o risco de produzir o resultado morte. O juiz concluiu, portanto, que ele agiu com dolo eventual e João foi pronunciado.

Houve, no entanto, um debate jurídico que chegou até o STJ: é possível imputar ao agente a qualificadora do meio cruel (inciso III do § 2º do art. 121 do Código Penal)? O meio cruel é compatível com o dolo eventual?

SIM. A qualificadora do meio cruel é compatível com o dolo eventual. STJ. 6ª Turma. REsp 1.829.601-PR, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 04/02/2020 (Info 665).

O dolo do agente, seja direto ou indireto, não exclui a possibilidade de o homicídio ter sido praticado com o emprego de meio mais reprovável, como é o caso do meio cruel, previsto no art. 121, § 2º, III, do CP. Nesse sentido:

Inexiste incompatibilidade entre o dolo eventual e o reconhecimento do meio cruel para a consecução da ação, na medida em que o dolo do agente, direto ou indireto, não exclui a possibilidade de a prática delitiva envolver o emprego de meio mais reprovável, como veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel (art. 121, § 2º, inciso III, do CP). STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 1573829/SC, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 09/04/2019.

Assim, é admitida a incidência da qualificadora do meio cruel, relativamente ao fato de a vítima ter sido arrastada por cerca de 500 metros, presa às ferragens do veículo, ainda que já considerado o reconhecimento do dolo eventual, na sentença de pronúncia.

Cuidado para não confundir: Dolo eventual NÃO é compatível com qualificadora de traição, emboscada, dissimulação

O dolo eventual não se compatibiliza com a qualificadora do art. 121, § 2º, IV (traição, emboscada, dissimulação). STF. 2ª Turma. HC 111.442/RS, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 28/8/2012 (Info 677).

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6
Q

Que crime pratica governador de estado que desvia grande soma de recursos públicos de empresas estatais, utilizando esse dinheiro para custear sua campanha de reeleição?

A

Resumo

Governador do Estado que desvia grande soma de recursos públicos de empresas estatais, utilizando esse dinheiro para custear sua campanha de reeleição, pratica o crime de peculatodesvio.

As empresas estatais gozam de autonomia administrativa e financeira. Mesmo assim, pode-se dizer que o Governador tem a posse do dinheiro neste caso?

É possível. Isso porque a posse necessária para configuração do crime de peculato deve ser compreendida não só como a disponibilidade direta, mas também como disponibilidade jurídica, exercida por meio de ordens. STJ. 5ª Turma. REsp 1.776.680-MG, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 11/02/2020 (Info 666).

Inteiro teor

[…]

Posse, para fins de peculato, pode abranger a mera disponibilidade jurídica

A posse necessária para configuração do crime de peculato deve ser compreendida não só como a disponibilidade direta, mas também como disponibilidade jurídica, exercida por meio de ordens.

Essa conclusão está amparada na lição da doutrina, segundo a qual a “posse, a que se refere o texto legal, deve ser entendida em sentido amplo, compreendendo a simples detenção, bem como a posse indireta (disponibilidade jurídica sem detenção material, ou poder de disposição exercível mediante ordens, requisições ou mandados” (HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal, v. 9, p. 339, apud NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de Direito Penal. Parte Especial: arts. 213 a 361 do Código Penal. Vol. 3. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 467).

Existem outros julgados do STJ no mesmo sentido:

O conceito de ‘posse’ de que cuida o artigo 312 do Código Penal tem sentido amplo e abrange a disponibilidade jurídica do bem, de modo que resta configurado o delito de peculato na hipótese em que o funcionário público apropria-se de bem ou valor, mesmo que não detenha a sua posse direta. Pratica o delito de peculato o Delegado da Polícia Federal que obtém em proveito próprio quantia em espécie em posto de combustível com o qual a Superintendência Regional havia celebrado convênio para abastecimento de viaturas, sendo irrelevante que o réu não detivesse a posse direta do valor apropriado se possuía a disponibilidade jurídica do valor, dado que era ele que emitia as requisições de abastecimento. STJ. 6ª Turma. REsp 1695736/SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 08/05/2018.

Também é o entendimento do STF:

No peculato-desvio, exige-se que o servidor público se aproprie de dinheiro do qual tenha posse direta ou indireta, ainda que mediante mera disponibilidade jurídica. STF. Plenário. Inq 2966, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 15/05/2014.

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7
Q

Se o sujeito armazena (art. 241-B) arquivos digitais contendo cena de sexo explícito e pornográfica envolvendo crianças e adolescentes e depois disponibiliza (art. 241-A), pela internet, esses arquivos para outra pessoa, esse indivíduo terá praticado dois crimes ou haverá consunção e ele responderá por apenas um dos delitos?

A

Resumo

Em regra, não há automática consunção quando ocorrem armazenamento e compartilhamento de material pornográfico infanto-juvenil. Isso porque o cometimento de um dos crimes não perpassa, necessariamente, pela prática do outro.

No entanto, é possível a absorção a depender das peculiaridades de cada caso, quando as duas condutas guardem, entre si, uma relação de meio e fim estreitamente vinculadas.

O princípio da consunção exige um nexo de dependência entre a sucessão de fatos.

Se evidenciado pelo caderno probatório que um dos crimes é absolutamente autônomo, sem relação de subordinação com o outro, o réu deverá responder por ambos, em concurso material.

A distinção se dá em cada caso, de acordo com suas especificidades. STJ. 6ª Turma. REsp 1.579.578-PR, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 04/02/2020 (Info 666).

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8
Q

Prefeito que realiza pagamento a funcionário que não presta nenhum serviço comete que crime?

A

Resumo

O pagamento de remuneração a funcionários fantasmas não configura apropriação ou desvio de verba pública, previstos pelo art. 1º, inciso I, do Decreto-Lei nº 201/67.

O pagamento de salário não configura apropriação ou desvio de verba pública, previstos pelo art. 1º, I, do Decreto-Lei nº 201/67, pois a remuneração é devida, ainda que questionável a contratação de parentes do Prefeito. STJ. 6ª Turma.AgRg no AREsp 1.162.086-SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 05/03/2020 (Info 667).

Inteiro teor

Imagine a seguinte situação hipotética: João, prefeito de um pequeno município do interior, contratou sua irmã e o cunhado para trabalharem na Administração Pública municipal.

Ocorre que eles não trabalhavam efetivamente. Nem apareciam na prefeitura. Eram aquilo que se chama na linguagem popular de “funcionários fantasmas”.

Apesar disso, João pagava todos os meses a remuneração aos dois, situação que perdurou por três anos. O fato foi descoberto e o Ministério Público denunciou João pela prática do crime do art. 1º, I, do DecretoLei nº 201/67:

Art. 1º São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipal, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores:

I - apropriar-se de bens ou rendas públicas, ou desviá-los em proveito próprio ou alheio; (…) §1º Os crimes definidos nêste artigo são de ação pública, punidos os dos itens I e II, com a pena de reclusão, de dois a doze anos, e os demais, com a pena de detenção, de três meses a três anos.

A questão chegou até o STJ por meio de recurso especial. Indaga-se: o STJ concordou com a imputação feita pelo Ministério Público? A conduta do agente se amolda ao tipo penal imputado?

NÃO.

Segundo o art. 1º, I, do DL 201/67, constitui crime de responsabilidade dos prefeitos apropriar-se de bens ou rendas públicas, ou desviá-los em proveito próprio ou alheio. Ocorre que pagar ao servidor público não constitui desvio ou apropriação da renda pública. Trata-se, na verdade, de uma obrigação legal.

O fato de a nomeação ser eventualmente indevida em razão de nepotismo ou a circunstância de a funcionária não trabalhar efetivamente são questões diversas, que devem ser objeto de sanções administrativas ou civis, mas não de punição penal.

Assim, a não prestação de serviços pela servidora não configura o crime discutido, apesar de ser passível de responsabilização em outras esferas.

Regina poderia ser condenada por peculato (art. 312 do CP)?

O STJ entende que não:

O servidor público que se apropria dos salários que lhe foram pagos e não presta os serviços, não comete peculato, porquanto o crime de peculato exige, para sua configuração em qualquer das modalidades (peculato furto, peculato apropriação ou peculato desvio), a apropriação, desvio ou furto de valor, dinheiro ou outro bem móvel.

O réu, embora recebesse licitamente o salário que lhe era endereçado, não cumpriu o dever de contraprestar os serviços para os quais foi contratado. Trata-se de fato atípico que pode configurar, em tese, falta disciplinar ou ato de improbidade administrativa. STJ. 6ª Turma. RHC 60.601/SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 09/08/2016.

Situação diferente do caso de parlamentares que se apropriam de parte dos salários dos comissionados (“rachadinha”)

No caso de parlamentares que se apropriam de parte da remuneração dos servidores comissionados de seu gabinete (prática conhecida como “rachadinha”), o STJ já decidiu algumas vezes que configura peculato:

(…) 1. A conduta praticada pela recorrente amolda-se ao crime de peculato-desvio, tipificado na última parte do art. 312 do Código Penal.

  1. Situação concreta em que parte dos vencimentos de funcionários investidos em cargos comissionados no gabinete da vereadora, alguns que nem sequer trabalhavam de fato, eram para ela repassados e posteriormente utilizados no pagamento de outras pessoas que também prestavam serviços em sua assessoria, porém sem estarem investidas em cargos públicos. (…) STJ. 6ª Turma. REsp 1.244.377/PR, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 03/04/2014.
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9
Q

Os crimes funcionais dos Prefeitos estão previstos exclusivamente no art. 1º do DL 201/67?

A

NÃO. Os Prefeitos poderão responder também pelos crimes funcionais previstos no Código Penal, na Lei de Licitações (Lei n. 8.666/93) e em outras leis penais, desde que tais condutas não estejam descritas no art. 1º do DL 201/67. Os crimes tipificados nas demais leis somente incidirão para os Prefeitos se não estiverem previstos no DL 201/67, que é norma específica.

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10
Q

O art. 1º do DL 201\67 prevê realmente crimes de responsabilidade?

A

NÃO. O art. 1º afirma que os delitos nele elencados são “crimes de responsabilidade”. Apesar de ser utilizada essa nomenclatura, a doutrina e a jurisprudência “corrigem” o legislador e afirmam que, na verdade, esses delitos são crimes comuns, ou seja, infrações penais iguais àquelas tipificadas no Código Penal e em outras leis penais.

Desse modo, o que o art. 1º traz são crimes funcionais cometidos por Prefeitos.

Vale ressaltar que os crimes de responsabilidade (em sentido estrito) dos Prefeitos estão previstos no art. 4º do DL 201/67. É nesse dispositivo que estão definidas as infrações político-administrativas dos alcaides. Nesse sentido: STF. Plenário. HC 70671, Rel. Min. Carlos Velloso, julgado em 13/04/1994.

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11
Q

Se o sujeito comete o crime do art. 1º do DL 201/67, mas termina seu mandato sem que ele seja denunciado, é possível que ele responda pelo delito mesmo não sendo mais Prefeito?

A

Claro que sim. Existem dois enunciados afirmando isso:

Súmula 164-STJ: O prefeito municipal, após a extinção do mandato, continua sujeito a processo por crime previsto no art. 1º do Dec. lei n. 201, de 27/02/67.

Súmula 703-STF: A extinção do mandato do Prefeito não impede a instauração de processo pela prática dos crimes previstos no art. 1º do DL 201/67.

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12
Q

Constitui crime oferecer oportunidade de investimento em criptomoeada ao público, com a previsão de obtenção de valores no caso de sua valorização?

A

Resumo

Se a denúncia imputa a oferta pública de contrato de investimento coletivo (sem prévio registro), não há dúvida de que incide as disposições contidas na Lei nº 7.492/86 (Lei de Crimes contra o Sistema Financeiro), especialmente porque essa espécie de contrato caracteriza valor mobiliário, nos termos do art. 2º, IX, da Lei nº 6.385/76.

Logo, compete à Justiça Federal apurar os crimes relacionados com essa conduta. Compete à Justiça Federal julgar crimes relacionados à oferta pública de contrato de investimento coletivo em criptomoedas. STJ. 6ª Turma. HC 530.563-RS, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 05/03/2020 (Info 667)

Inteiro teor

Feita essa breve e rudimentar explicação, imagine a seguinte situação enfrentada pelo STJ (com algumas adaptações):

Francisco, em conjunto com outras pessoas denunciadas, organizou um sistema de investimento financeiro por meio de criptomoedas. Como funcionava?

Os denunciados ofereciam ao público em geral uma oportunidade de investir dinheiro em criptomoedas, havendo a possibilidade de terem retorno financeiro (“lucro”) caso houvesse a valorização dessas criptomoedas.

Os interessados celebravam contrato com a empresa de Francisco e transferiam a quantia que quisessem em moeda corrente (Reais) para a conta da pessoa jurídica. Francisco e seus colaboradores utilizavam o dinheiro para comprar criptomoedas que eles achavam que ainda iriam valorizar para, no futuro, serem revendidas, gerando lucro para os investidores.

Qual é a natureza jurídica deste pacto celebrado por Francisco com os interessados em investir?

Esse pacto pode ser considerado como um “Contrato de Investimento Coletivo”.

O contrato de investimento coletivo é considerado, pelo art. 2º, IX, da Lei nº 6.385/76, como um valor mobiliário:

Art. 2º São valores mobiliários sujeitos ao regime desta Lei: (…) IX - quando ofertados publicamente, quaisquer outros títulos ou contratos de investimento coletivo, que gerem direito de participação, de parceria ou de remuneração, inclusive resultante de prestação de serviços, cujos rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou de terceiros.

O que são títulos ou valores mobiliários?

São títulos emitidos por sociedades empresariais e negociados no mercado de capitais (bolsa de valores ou mercado de balcão).

Para a sociedade que emite (vende), é uma forma de obter novos recursos.

Para a pessoa que adquire, trata-se de um investimento.

O exemplo mais conhecido de valor mobiliário são as ações. Podemos citar também as debêntures e os bônus de subscrição.

O art. 2º da Lei nº 6.385/76 lista quais são os valores mobiliários sujeitos ao mercado de valores.

Oferta pública de contrato de investimento coletivo

Voltando ao caso concreto, o STJ considerou que Francisco e os demais denunciados praticaram uma oferta pública de contrato de investimento coletivo, na forma do art. 19, § 3º da Lei nº 6.385/76:

Art. 19

(…) § 3º - Caracterizam a emissão pública:

I - a utilização de listas ou boletins de venda ou subscrição, folhetos, prospectos ou anúncios destinados ao público;

II - a procura de subscritores ou adquirentes para os títulos por meio de empregados, agentes ou corretores;

III - a negociação feita em loja, escritório ou estabelecimento aberto ao público, ou com a utilização dos serviços públicos de comunicação.

Qual é o “problema” nesse caso?

É que a empresa não tinha autorização da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para isso.

A Lei nº 6.385/76 exige prévio registro na CVM para a realização de emissão pública de valores mobiliários (ex: oferta pública de contrato de investimento coletivo). Confira:

Art. 19. Nenhuma emissão pública de valores mobiliários será distribuída no mercado sem prévio registro na Comissão.

O próprio CVM tem divulgado Deliberações alertando que a oferta de contrato de investimento (sem registro prévio) vinculado à especulação no mercado de criptomoedas é prática irregular por se tratar de espécie de contrato de investimento coletivo.

Crime

A oferta pública de valores mobiliários sem prévio registro na CVM configura, em tese, crime contra o sistema financeiro nacional, tipificado pelo art. 7º, II, da Lei nº 7.492/86:

Art. 7º Emitir, oferecer ou negociar, de qualquer modo, títulos ou valores mobiliários:

(…)

II - sem registro prévio de emissão junto à autoridade competente, em condições divergentes das constantes do registro ou irregularmente registrados;

Na situação analisada, considerando outras peculiaridades do caso concreto, o Ministério Público Federal ofereceu denúncia contra Francisco e os demais envolvidos pela prática dos crimes tipificados nos arts. 4º, 5º, 7º, II, e 16, todos da Lei nº 7.492/86.

De quem é a competência para julgar tais imputações?

Justiça Federal. Compete à Justiça Federal julgar os crimes contra o sistema financeiro nacional previstos na Lei nº 7.492/86. Com efeito, a CF/88 prevê, em seu art. 109, VI:

Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: (…) VI - os crimes contra a organização do trabalho e, nos casos determinados por lei, contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira;

O inciso VI afirma que os crimes contra o sistema financeiro e contra a ordem econômico-financeira somente serão de competência da Justiça Federal nos casos determinados por lei.

Em outras palavras, nem todos os crimes contra o sistema financeiro e contra a ordem econômicofinanceira serão de competência da Justiça Federal, mas apenas nas hipóteses em que lei assim determinar.

Os crimes contra o sistema financeiro estão previstos na Lei nº 7.492/86 e são julgados pela Justiça Federal por expressa previsão legal. Isso porque o art. 26 da Lei nº 7.492/86 estabelece:

Art. 26. A ação penal, nos crimes previstos nesta lei, será promovida pelo Ministério Público Federal, perante a Justiça Federal.

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13
Q

O crime de poluição qualificada consistente no depósito de resíduo tóxico em determinado ambiente é crime instantâneo ou permanente?

A

Resumo

Os delitos previstos no:

  • art. 54, § 2º, I, II, III e IV e § 3º e
  • art. 56, § 1º, I e II,
  • cumulados com a causa de aumento de pena do art. 58, I, da Lei nº 9.605/98,

… que se resumem na ação de causar poluição ambiental que provoque danos à população e ao próprio ambiente, em desacordo com as exigências estabelecidas na legislação de proteção, e na omissão em adotar medidas de precaução nos casos de risco de dano grave ou irreversível ao ecossistema,

… são crimes de natureza permanente, para fins de aferição da prescrição.

Caso concreto: a empresa ré armazenou inadequadamente causando grave poluição da área degradada, sendo que, até o momento de prolação do julgado, não havia tomado providências para reparar o dano, caracterizando a continuidade da prática infracional. Desse modo, constata-se que o crime de poluição qualificada é permanente, ainda que por omissão da ré, que foi prontamente notificada a reparar o dano causado, mas não o fez. STJ. 5ª Turma.AgRg no REsp 1.847.097-PA, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 05/03/2020 (Info 667).

Inteiro teor

A situação concreta foi a seguinte:

Determinada empresa armazenou inadequadamente seu lixo industrial, causando grave poluição.

Vale ressaltar que a empresa não tomou qualquer providência para reparar o dano.

Diante disso, ela foi condenada pela prática dos seguintes delitos previstos na Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/98):

Art. 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora:

Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.

(…) § 2º Se o crime:

I - tornar uma área, urbana ou rural, imprópria para a ocupação humana;

II - causar poluição atmosférica que provoque a retirada, ainda que momentânea, dos habitantes das áreas afetadas, ou que cause danos diretos à saúde da população;

III - causar poluição hídrica que torne necessária a interrupção do abastecimento público de água de uma comunidade;

IV - dificultar ou impedir o uso público das praias;

(…) Pena - reclusão, de um a cinco anos. § 3º Incorre nas mesmas penas previstas no parágrafo anterior quem deixar de adotar, quando assim o exigir a autoridade competente, medidas de precaução em caso de risco de dano ambiental grave ou irreversível.

Art. 56. Produzir, processar, embalar, importar, exportar, comercializar, fornecer, transportar, armazenar, guardar, ter em depósito ou usar produto ou substância tóxica, perigosa ou nociva à saúde humana ou ao meio ambiente, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou nos seus regulamentos:

Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.

§ 1º Nas mesmas penas incorre quem:

I - abandona os produtos ou substâncias referidos no caput ou os utiliza em desacordo com as normas ambientais ou de segurança;

II - manipula, acondiciona, armazena, coleta, transporta, reutiliza, recicla ou dá destinação final a resíduos perigosos de forma diversa da estabelecida em lei ou regulamento. (…)

Art. 58. Nos crimes dolosos previstos nesta Seção, as penas serão aumentadas: I - de um sexto a um terço, se resulta dano irreversível à flora ou ao meio ambiente em geral; (…)

A empresa alegou que houve prescrição. O Ministério Público, por sua vez, sustentou que os crimes praticados são permanentes e, por isso, não se operou a prescrição. O que o STJ decidiu?

São crimes permanentes.

A empresa causou poluição ambiental que provocou danos à população e ao próprio ambiente, em desacordo com as exigências estabelecidas na legislação de proteção. Além disso, foi omissa porque não adotou medidas de precaução em um caso de risco de dano grave ou irreversível ao ecossistema.

Para o STJ, a conduta criminosa ultrapassou a ação inicial, ou seja, os efeitos decorrentes da poluição permaneceram diante da própria omissão da empresa recorrente em corrigir ou diminuir os efeitos geradores da conduta inaugural.

Assim, no caso em exame, o crime de poluição qualificada é permanente, diante da continuidade da prática infracional, ainda que por omissão da ré, que foi prontamente notificada a reparar o dano causado – retirar os resíduos e assim não o fez.

Vale ressaltar que o STJ, ao analisar outro delito (o do art. 48 da Lei nº 9.605/98) construiu o entendimento de que não é possível se falar em prescrição em crimes ambientais se as atividades lesivas ao meio ambiente não foram cessadas:

O delito previsto no art. 48 da Lei de Crimes Ambientais possui natureza permanente, cuja consumação se perdura no tempo até que ocorra a cessação da atividade lesiva ao meio ambiente, momento a partir do qual se considera consumado e se inicia a contagem do prazo prescricional, nos termos do art. 111, inciso III, do Código Penal. STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 1482369/DF, Rel. Min. Leopoldo de Arruda Raposo (Desembargador Convocado do TJ/PE), julgado em 16/06/2015.

Esse mesmo raciocínio pode ser aplicado para o caso concreto.

Uma última pergunta: no caso concreto, a ré era uma pessoa jurídica que, por óbvio, não está sujeita a penas privativas de liberdade. Quais serão as regras de prescrição penal nesta hipótese? Mesmo não sendo cabível a pena privativa de liberdade, utiliza-se o art. 109 do CP para se calcular a prescrição?

SIM.

Em crimes ambientais, embora incabível a imposição de penas privativas de liberdade às pessoas jurídicas, o prazo prescricional deve obedecer à regra do art. 109, parágrafo único, do CP, que estabelece serem aplicáveis, às sanções restritivas de direitos, os mesmos prazos definidos para a prescrição da pena corporal. STJ. 6ª Turma. AgRg no REsp 1712991/SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 11/09/2018.

Veja o dispositivo legal mencionado:

Art. 109 (…) Parágrafo único. Aplicam-se às penas restritivas de direito os mesmos prazos previstos para as privativas de liberdade.

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14
Q

Constitui crime o porte de arma branca?

A

Resumo

A previsão do art. 19 da Lei das Contravenções Penais continua válida ainda hoje?

  • Em relação à arma de fogo: NÃO. O porte ilegal de arma de fogo caracteriza, atualmente, o crime previsto nos arts. 14 ou 16 do Estatuto do Desarmamento.
  • Em relação à branca: SIM. O art. 19 do Decreto-lei nº 3.688/41 permanece vigente quanto ao porte de outros artefatos letais, como as armas brancas.

A jurisprudência do STJ é firme no sentido da possibilidade de tipificação da conduta de porte de arma branca como contravenção prevista no art. 19 do DL 3.688/41, não havendo que se falar em violação ao princípio da intervenção mínima ou da legalidade. STJ. 5ª Turma. RHC 56.128-MG, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 10/03/2020 (Info 668).

Inteiro teor

Essa previsão continua válida ainda hoje?

• Em relação à arma de fogo: NÃO.

No que tange às armas de fogo, o art. 19 da Lei de Contravenção Penal foi tacitamente revogado pelo art. 10 da Lei nº 9.437/97, que por sua vez também foi revogado pela Lei nº 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento).

O porte ilegal de arma de fogo caracteriza, atualmente, o crime previsto nos arts. 14 ou 16 do Estatuto do Desarmamento, conforme seja a arma permitida ou proibida.

Em relação à branca: SIM

O art. 19 do Decreto-lei nº 3.688/41 permanece vigente quanto ao porte de outros artefatos letais, como as armas brancas.

Exemplos e arma branca (considerada arma imprópria): faca, facão, canivete etc.

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15
Q

O art. 12, I, da Lei nº 8.137/90 prevê que a pena do crime de sonegação fiscal (art. 1º, I, da Lei nº 8.137/90) deverá ser aumentada no caso de o delito “ocasionar grave dano à coletividade”.

Quando se considera que o delito causa grave dano à coletividade?

A

Resumo

O art. 12, I, da Lei nº 8.137/90 prevê que a pena do crime de sonegação fiscal (art. 1º, I, da Lei nº 8.137/90) deverá ser aumentada no caso de o delito “ocasionar grave dano à coletividade”. A jurisprudência entende que se configura a referida causa de aumento quando o agente deixa de recolher aos cofres públicos uma vultosa quantia. Em outras palavras, se o valor sonegado foi alto, incide a causa de aumento do art. 12, I.

Nesse cálculo deve-se incluir também os juros e multa:

Para os fins da majorante do art. 12, I, da Lei nº 8.137/90 (grave dano à coletividade), o dano tributário deve ser valorado considerando seu valor atual e integral, incluindo os acréscimos legais de juros e multa.

A Portaria nº 320, editada pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, prevê que os contribuintes que estão devendo acima de R$ 1 milhão são considerados “grandes devedores” e devem receber tratamento prioritário na atuação dos Procuradores.

O STJ utiliza, então, essa Portaria como parâmetro para analisar a incidência ou não da causa de aumento do art. 12, I:

A majorante do grave dano à coletividade, trazida pelo art. 12, I, da Lei nº 8.137/90, deve se restringir a situações especiais de relevante dano. Desse modo, é possível, para os tributos federais, utilizar, analogamente, o critério previsto no art. 14 da Portaria 320/PGFN, por meio do qual se definiu administrativamente os créditos prioritários como sendo aqueles de valor igual ou superior a R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais).

E se a sonegação fiscal envolver tributos estaduais ou municipais, como deverá ser o parâmetro nesses casos?

Em se tratando de tributos estaduais ou municipais, o critério deve ser, por equivalência, aquele definido como prioritário ou de destacados créditos (grandes devedores) para a fazenda local.

Dito de outro modo, em caso de tributos estaduais ou municipais, não se de deve utilizar a Portaria 320/PGFN, mas sim os eventuais atos normativos estaduais e municipais que definam o que sejam “grandes devedores” para o Fisco local. STJ. 3ª Seção. REsp 1.849.120-SC, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 11/03/2020 (Info 668).

O STF comunga do mesmo entendimento e utiliza como parâmetro esses atos infralegais que definem “grandes devedores”?

Não. Existe julgado do STF no qual foi afastado esse critério: “Quanto à Portaria 320/2008 da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, anoto que essa norma infralegal apenas dispõe sobre o Projeto Grandes Devedores no âmbito da PGFN, conceituando, para os seus fins, os “grandes devedores”, com o objetivo de estabelecer, na Secretaria da Receita Federal do Brasil, método de cobrança prioritário a esses sujeitos passivos de vultosas obrigações tributárias, sem limitar ou definir, no entanto, o grave dano à coletividade, ao contrário do que afirma o impetrante.” (STF. 2ª Turma. HC 129284/PE, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 17/10/2017. Info 882).

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16
Q

A prévia condenação pelo porte de drogas para consumo pessoal impede o reconhecimento do tráfico privilegiado?

A

[…] vem-se entendendo que a prévia condenação pela prática da conduta descrita no art. 28 da Lei nº 11.343/2006, justamente por não configurar a reincidência, não pode obstar, por si só, a concessão de benefícios como a incidência da causa de redução de pena prevista no § 4º do art. 33 da mesma lei ou a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos.

17
Q

O inadimplemento da pena de multa obsta a extinção da punibilidade do apenado?

A

Resumo (Atualize o Info 568-STJ)

O STF, ao julgar a ADI 3.150/DF, declarou que, à luz do preceito estabelecido pelo art. 5º, XLVI, da Constituição Federal, a multa, ao lado da privação de liberdade e de outras restrições – perda de bens, prestação social alternativa e suspensão ou interdição de direitos –, é espécie de pena aplicável em retribuição e em prevenção à prática de crimes, não perdendo ela sua natureza de sanção penal.

Diante da eficácia erga omnes e do vinculante dessa decisão, não se pode mais declarar a extinção da punibilidade pelo cumprimento integral da pena privativa de liberdade quando pendente o pagamento da multa criminal. STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 1.850.903-SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 28/04/2020 (Info 671)

Inteiro teor

Imagine a seguinte situação hipotética:

João foi condenado a 3 anos de reclusão (pena privativa de liberdade) e a 200 dias-multa.

Após cumprir integralmente a pena privativa de liberdade, João foi solto e a Defensoria Pública peticionou ao juízo requerendo a extinção da punibilidade.

O juiz extinguiu a pena privativa de liberdade pelo seu integral cumprimento; todavia, determinou que fosse oficiada a Procuradoria da Fazenda Pública para a cobrança da pena de multa e afirmou que a extinção da punibilidade só poderia ser decretada quando houvesse o pagamento do valor.

Agiu corretamente o magistrado? O inadimplemento da pena de multa impede a extinção da punibilidade mesmo que já tenha sido cumprida a pena privativa de liberdade ou a pena restritiva de direitos?

SIM. O STF, ao julgar a ADI 3.150/DF, declarou que, à luz do preceito estabelecido pelo art. 5º, XLVI, da Constituição Federal, a multa, ao lado da privação de liberdade e de outras restrições – perda de bens, prestação social alternativa e suspensão ou interdição de direitos –, é espécie de pena aplicável em retribuição e em prevenção à prática de crimes, não perdendo ela sua natureza de sanção penal.

Diante da eficácia erga omnes e do efeito vinculante dessa decisão, não se pode mais declarar a extinção da punibilidade pelo cumprimento integral da pena privativa de liberdade quando pendente o pagamento da multa criminal.

Assim, o STJ, que tinha outro entendimento, teve que se adequar à posição manifestada pelo STF.

18
Q

Caracteriza ilícito penal o porte ilegal de arma de fogo (art. 14 da Lei n. 10.826/2003) ou de arma de fogo de uso restrito (art. 16 da Lei 10.826/2003) com registro de cautela vencido?

A

Resumo

A Corte Especial do STJ decidiu que, uma vez realizado o registro da arma, o vencimento da autorização não caracteriza ilícito penal, mas mera irregularidade administrativa que autoriza a apreensão do artefato e aplicação de multa (APn n. 686/AP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Corte Especial, DJe de 29/10/2015).

Tal entendimento, todavia, é restrito ao delito de posse ilegal de arma de fogo de uso permitido (art. 12 da Lei nº 10.826/2003), não se aplicando ao crime de porte ilegal de arma de fogo (art. 14), muito menos ao delito de porte ilegal de arma de fogo de uso restrito (art. 16), cujas elementares são diversas e a reprovabilidade mais intensa. STJ. 6ª Turma. AgRg no AREsp 885.281-ES, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, julgado em 28/04/2020 (Info 671).

Inteiro teor

[…]

Mudaria alguma coisa o fato de João ser policial?

NÃO.

É típica e antijurídica a conduta de policial civil que, mesmo autorizado a portar ou possuir arma de fogo, não observa as imposições legais previstas no estatuto do Desarmamento, que impõem registro das armas no órgão competente. STJ. 6ª Turma. RHC 70.141/RJ, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 07/02/2017.

O fato do envolvido ser policial e ter habilidade para manusear a arma não retira o caráter criminal da conduta, uma vez que o delito previsto no art. 14 da Lei n. 10.826/2003 é de perigo abstrato, sendo desnecessário perquirir sobre a lesividade concreta da conduta, porquanto o objeto jurídico tutelado não é a incolumidade física e sim a segurança pública e a paz social. STJ. 5ª Turma. AgRg no AREsp 1.413.440/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 07/05/2019

19
Q

Deve ser majorada a pena de tráfico de drogas praticado nas imediações de igreja?

A

Resumo

O tráfico de drogas cometido em local próximo a igrejas não foi contemplado pelo legislador no rol das majorantes previstas no inciso III do art. 40 da Lei nº 11.343/2006, não podendo, portanto, ser utilizado com esse fim tendo em vista que no Direito Penal incriminador não se admite a analogia in malam partem. Art. 40. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um sexto a dois terços, se:

III - a infração tiver sido cometida nas dependências ou imediações de estabelecimentos prisionais, de ensino ou hospitalares, de sedes de entidades estudantis, sociais, culturais, recreativas, esportivas, ou beneficentes, de locais de trabalho coletivo, de recintos onde se realizem espetáculos ou diversões de qualquer natureza, de serviços de tratamento de dependentes de drogas ou de reinserção social, de unidades militares ou policiais ou em transportes públicos; STJ. 6ª Turma. HC 528.851-SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 05/05/2020 (Info 671)

20
Q

A confirmação da sentença pelo acórdão, sem majoração da pena, constitui causa de interrupção da prescrição?

A

Nos termos do inciso IV do artigo 117 do Código Penal, o acórdão condenatório sempre interrompe a prescrição, inclusive quando confirmatório da sentença de 1º grau, seja mantendo, reduzindo ou aumentando a pena anteriormente imposta. A prescrição é, como se sabe, o perecimento da pretensão punitiva ou da pretensão executória pela inércia do próprio Estado.

No art. 117 do Código Penal, que deve ser interpretado de forma sistemática, todas as causas interruptivas da prescrição demonstram, em cada inciso, que o Estado não está inerte.

Não obstante a posição de parte da doutrina, o Código Penal não faz distinção entre acórdão condenatório inicial e acórdão condenatório confirmatório da decisão. Não há, sistematicamente, justificativa para tratamentos díspares. STJ. 5ª Turma. AgRg no AREsp 1.668.298-SP, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 12/05/2020 (Info 672). STF. Plenário. HC 176473/RR, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 27/04/2020.

21
Q

Se uma pessoa, em conversa com outra, profere ofensas contra uma terceira, que espera que não esteja escutando a conversa, mas que, na verdade, o está, haverá crime de injúria?

A

Resumo

A ausência de previsibilidade de que a ofensa chegue ao conhecimento da vítima afasta o dolo específico do delito de injúria, tornando a conduta atípica

Exemplo: Rita e Adriana trabalhavam em um órgão público. Rita ligou para o ramal telefônico de Adriana para falar sobre um requerimento de abono de faltas que ela havia solicitado. Adriana avisou, então, que Reginaldo (chefe do setor) havia indeferido o pedido. Ao saber de tal fato, Rita passou a proferir ofensas contra ele, afirmando para Adriana: “este macaco, preto sem vergonha está indeferindo a minha falta”. Vale ressaltar, contudo, que, momentos antes, Reginaldo, que estava no mesmo setor que Adriana, havia retirado o telefone do gancho para fazer uma ligação e acabou por ouvir as palavras injuriosas proferidas por Rita. O Ministério Público ofereceu denúncia contra Rita pela prática do crime de injúria racial (art. 140, § 3º do CP):

Art. 140 (…) § 3º Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência: Pena - reclusão de um a três anos e multa.

Para o STJ, não houve crime. Isso porque o delito de injúria se consuma quando a ofensa chega ao conhecimento da vítima, sendo necessário dolo específico de ofender a honra subjetiva da vítima. A acusada não tinha como saber que a vítima estava ouvindo o teor da conversa pela extensão telefônica.

Como a injúria se consuma com a ofensa à honra subjetiva de alguém, não há que se falar em dolo específico no caso em que a vítima não era seu interlocutor na conversa telefônica e, acidentalmente, tomou conhecimento do teor da conversa.

O tipo penal em questão exige que a ofensa seja dirigida ao ofendido com a intenção de menosprezá-lo, ofendendo-lhe a honra subjetiva. STJ. 6ª Turma. REsp 1.765.673-SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 26/05/2020 (Info 672).

Inteiro teor

[…]

Consumação da injúria e elemento subjetivo especial

O delito de injúria se consuma quando a ofensa chega ao conhecimento da vítima, sendo necessário dolo específico de ofender a honra subjetiva da vítima.

Como a injúria se consuma com a ofensa à honra subjetiva de alguém, não há que se falar em dolo específico no caso em que a vítima não era seu interlocutor na conversa telefônica e, acidentalmente, tomou conhecimento do teor da conversa.

O tipo penal em questão exige que a ofensa seja dirigida ao ofendido com a intenção de menosprezá-lo, ofendendo-lhe a honra subjetiva. Veja outro julgado semelhante a esse:

(…) No caso dos autos, verifica-se que em uma conversa particular travada via e-mail com outro membro do Ministério Público, o paciente teria proferido ofensas contra a vítima, tendo o diálogo chegado ao conhecimento desta em razão de um descuido do acusado, que, ao invés de responder unicamente ao remetente, encaminhou as mensagens acidentalmente para todos os membros do Ministério Público do Estado do Espírito Santo, o que demonstra a ausência de intenção de macular a honra do querelante, já que em momento algum desejou dar publicidade às mensagens trocadas com seu colega. 5. Ademais, não se pode afirmar que no âmbito restrito dos e-mails trocados entre o paciente e o outro querelado teria havido o dolo de ofender a honra de quem quer que seja, pois o conteúdo das mensagens entre eles trocada revela, nitidamente, que estariam desabafando um com o outro, sem a intenção específica de denegrir o suposto ofendido. (…) STJ. 5ª Turma. HC 256.989/ES, Min. Jorge Mussi, DJe 5/2/2014

22
Q

Que crime pratica médico que, no desempenho de cargo público, registra o ponto e se retira do hospital?

A

Resumo

Caso concreto: o réu foi denunciado pelo MPF pela prática de estelionato qualificado, porque, na qualidade médico de hospital universitário federal, teria registrado seu ponto e se retirado do local, sem cumprir sua carga horária durante quase dois anos.

A jurisprudência do STJ não tem admitido, nos casos de prática de estelionato “qualificado”, a incidência do princípio da insignificância (princípio inspirado na fragmentariedade do Direito Penal). Isso porque se identifica, neste caso, uma maior reprovabilidade da conduta delitiva.

No caso concreto, o STJ afirmou que não era possível o trancamento da ação penal, sob o fundamento de inexistência de prejuízo expressivo para a vítima, considerando que, em se tratando de hospital universitário, os pagamentos aos médicos são provenientes de verbas federais. STJ. 5ª Turma. AgRg no HC 548.869-RS, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 12/05/2020 (Info 672).

Inteiro teor

Art. 171. Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento: Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, de quinhentos mil réis a dez contos de réis. (…)

§ 3º - A pena aumenta-se de um terço, se o crime é cometido em detrimento de entidade de direito público ou de instituto de economia popular, assistência social ou beneficência.

23
Q

No caso de alguém ser incluído como laranja em uma contrato social de uma sociedade empresarial, o termo inicial do prazo prescricional inicia quando?

A

A falsidade ideológica é crime formal e instantâneo, cujos efeitos podem se protrair no tempo.

A despeito dos efeitos que possam, ou não, gerar, a falsidade ideológica se consuma no momento em que é praticada a conduta.

Diante desse contexto, o termo inicial da contagem do prazo da prescrição da pretensão punitiva é o momento da consumação do delito (e não o da eventual reiteração de seus efeitos).

Caso concreto: em 2010, foi incluído um sócio “laranja” no contrato social da empresa. Ele não iria ser sócio realmente, sendo isso uma falsidade ideológica. Logo, considera-se que aí foi praticado o crime. Não se pode afirmar que esse crime (essa conduta) teria sido reiterado quando, por ocasião da alteração contratual ocorrida em 2019, deixou-se de regularizar o nome do sócio verdadeiramente titular da empresa, mantendo-se o nome do “laranja”. Isso porque não há como se entender que constitui novo crime a omissão em corrigir informação falsa por ele inserida em documento público, quando teve oportunidade para tanto. Logo, o termo inicial da contagem da prescrição foi 2010. STJ. 3ª Seção. RvCr 5.233-DF, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 13/05/2020 (Info 672).

Inteiro teor

Termo inicial da prescrição da pretensão punitiva

Quando começa a correr o prazo da prescrição? Em outras palavras, a partir de quando começa o prazo para que o Estado-acusação tente punir uma pessoa que, supostamente, cometeu um crime?

A regra geral é a de que, no caso de crimes consumados, o prazo prescricional começa a correr do dia em que o crime se CONSUMOU.

Quando a falsidade ideológica se consuma?

O delito de falsidade ideológica é crime formal, que se consuma com a prática de uma das figuras típicas previstas, independente da ocorrência de qualquer resultado ou de efetivo prejuízo para terceiro (STJ. 5ª Turma. AgRg no AREsp 1583094/SP, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 13/04/2020).

Desse modo, em nosso exemplo, o crime se consumou em 2010 quando João inseriu declaração falsa.

Consumação x produção dos efeitos

Os efeitos da falsidade podem se protrair no tempo. Em outras palavras, o crime se consuma em um dia, mas ele continua produzindo efeitos por meses, anos ou até mesmo para sempre.

Mesmo que os efeitos da falsidade perdurem durante anos, a verdade é que o crime já se consumou no momento em que foi praticada a conduta

24
Q
A
25
Q

Um agente foi preso com 4,4 kg de folhas de coca, adquiridas na Bolívia, tendo a substância sido encontrada no estepe do veículo. As folhas seriam transportadas até Uberlândia/MG para rituais de mascar, fazer infusão de chá e até mesmo bolo, rituais esses associados à prática religiosa indígena de Instituto ao qual pertenceria o acusado. Ele praticou crime de tráfico de drogas?

A

Resumo

A conduta de transportar folhas de coca melhor se amolda, em tese e para a definição de competência, ao tipo descrito no § 1º, I, do art. 33 da Lei nº 11.343/2006, que criminaliza o transporte de matéria-prima destinada à preparação de drogas.

Caso concreto: o agente foi preso com 4,4 kg de folhas de coca, adquiridas na Bolívia, tendo a substância sido encontrada no estepe do veículo. As folhas seriam transportadas até Uberlândia/MG para rituais de mascar, fazer infusão de chá e até mesmo bolo, rituais esses associados à prática religiosa indígena de Instituto ao qual pertenceria o acusado. A folha de coca não é considerada droga; porém pode ser classificada como matéria-prima ou insumo para sua fabricação. STJ. 3ª Seção. CC 172.464-MS, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 10/06/2020 (Info 673).

Inteiro teor

Imagine a seguinte situação adaptada:

João foi preso em flagrante, na fronteira do Brasil com a Bolívia, com 4,4kg de folhas de coca (erytroxylum coca), escondidos no estepe do seu veículo.

As folhas de coca foram adquiridas pelo acusado na Bolívia e seriam transportadas até Uberlândia/MG, onde seriam utilizadas para mascar, fazer infusão de chá e até mesmo bolo para comer, rituais esses associados à prática religiosa indígena do Instituto Pachapapa (Grande Pai), ao qual pertenceria o acusado. Segundo a perícia realizada, essas folhas de coca tinham potencial de produzir até 23g de cocaína.

Dúvida quanto à tipificação

Iniciou-se, então, um debate quanto ao crime cometido por João. Surgiram duas posições:

1ª corrente: ele teria praticado o crime do art. 28 da Lei nº 11.343/2006 (porte de droga para consumo pessoal). Como esse delito é de menor potencial ofensivo e não está previsto em tratado internacional, a competência para julgá-lo seria da Justiça Estadual (Juizado Especial Criminal estadual):

Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:

I - advertência sobre os efeitos das drogas;

II - prestação de serviços à comunidade;

III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

2ª corrente: o flagranteado teria cometido o crime do art. 33, § 1º, I, da Lei nº 11.343/2006. Neste caso, a competência seria da Justiça Federal porque houve transnacionalidade:

Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.

§ 1º Nas mesmas penas incorre quem:

I - importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda, oferece, fornece, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas;

(…) Art. 70. O processo e o julgamento dos crimes previstos nos arts. 33 a 37 desta Lei, se caracterizado ilícito transnacional, são da competência da Justiça Federal.

Para o STJ, qual foi o delito praticado por João?

O crime do art. 33, § 1º, I, da Lei nº 11.343/2006:

A conduta de transportar folhas de coca melhor se amolda, em tese e para a definição de competência, ao tipo descrito no § 1º, I, do art. 33 da Lei nº 11.343/2006, que criminaliza o transporte de matériaprima destinada à preparação de drogas. STJ. 3ª Seção. CC 172.464-MS, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 10/06/2020 (Info 673).

Logo, no caso concreto, a competência para julgar o fato é da Justiça Federal.

Folha de coca não é droga; trata-se de planta que pode produzir droga

Não há como enquadrar a conduta no art. 28 da Lei nº 11.343/2006.

Isso porque a folha de coca (“erythroxylum coca lam”) é classificada no Anexo I – Lista E – da Portaria/SVS n. 344, de 12/5/1988 – que aprova o Regulamento Técnico sobre substâncias e medicamentos sujeitos a controle especial como uma das plantas proscritas (proibidas) que podem originar substâncias entorpecentes e/ou psicotrópicas. Em outras palavras, a folha de coca, não é, em si, considerada droga. Reveja o caput do art. 28 e repare que ele só menciona a palavra “droga”:

Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas: (…)

O agente comprou a planta (não foi ele quem a cultivou)

Vale ressaltar que não se pode enquadrar a conduta do agente no § 1º do art. 28. Isso porque o investigado não semeou, nem cultivou, nem colheu as folhas de coca que transportava. Ele as comprou. Veja a redação do § 1º e repare como a conduta não se amolda a nenhum dos três verbos presentes nesse tipo penal:

Art. 28 (…) § 1º Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.

Conduta se adequa ao inciso I do § 1º do art. 33

Diante disso, formalmente, a conduta do investigado, em tese, melhor se amolda ao inciso I do § 1º do art. 33 da Lei nº 11.343/2006.

Vale ressaltar, no entanto, que o STJ fez uma ressalva: o agente só poderá ser condenado por esse crime se, ao final da ação penal, ficar claramente demonstrado que o seu intuito era o de, com as folhas de coca, preparar drogas.

Se isso não ficar demonstrado pela acusação, ele deverá ser absolvido porque o crime do inciso I do § 1º do art. 33 exige que o agente esteja transportando matéria-prima destinada à preparação de drogas.

O Min. Relator afirmou, inclusive, que as circunstâncias do caso concreto indicam que o agente apenas utilizaria as folhas da planta nos rituais religiosos e, portanto, não haveria crime. No entanto, o STJ optou por não determinar, de ofício, o trancamento do inquérito policial porque estava sendo discutido apenas um conflito de competência e “não convém a esta Corte, suprimindo duas instâncias e distante do conjunto total das evidências existentes no inquérito, se pronunciar de maneira definitiva sobre a existência, ou não, de fato típico no caso concreto.”

Com isso em mente, unicamente para efeitos de fixação da competência, o STJ afirmou que a conduta melhor se amoldaria à do tipo previsto no § 1º, I, do art. 33 da Lei nº 11.343/2006, estabelecendo-se a competência da Justiça Federal para a condução do inquérito policial.

Questão religiosa

Um ponto interessante discutido rapidamente no voto diz respeito à utilização de substâncias entorpecentes em rituais religiosos.

O Estado brasileiro autoriza, por exemplo, o uso religioso do chá fitoterápico indígena conhecido como Ayahuasca, descriminalizado pelo Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas – CONAD, por meio da Resolução CONAD nº 1, de 25/01/2010, que, em seu item 1, estabelece que “o chá Ayahuasca é o produto da decocção do cipó Banisteriopsis caapi e da folha Psychotria viridis e seu uso é restrito a rituais religiosos, em locais autorizados pelas respectivas direções das entidades usuárias, vedado o seu uso associado a substâncias psicoativas ilícitas.”

Assim, não é crime, por exemplo, a utilização da Ayahuasca nos rituais religiosos.

Vale ressaltar, no entanto, que essa descriminalização ainda não foi estendida para as folhas de coca.

26
Q

Que crime pratica aquele que realiza pirâmide finaceira para aplicação de valor em criptomoedas?

A

Resumo (estelionato ou crime contra economia popular)

Ausentes os elementos que revelem ter havido evasão de divisas ou lavagem de dinheiro em detrimento de interesses da União, compete à Justiça Estadual processar e julgar crimes relacionados a pirâmide financeira em investimento de grupo em criptomoeda.

A captação de recursos decorrente de “pirâmide financeira” não se enquadra no conceito de atividade financeira, razão pela qual o deslocamento do feito para a Justiça Federal se justifica apenas se demonstrada a prática de evasão de divisas ou de lavagem de dinheiro em detrimento de bens e serviços ou interesse da União. STJ. 3ª Seção. CC 170.392-SP, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 10/06/2020 (Info 673).

Inteiro teor

Imagine a seguinte situação hipotética:

André é proprietário e administrador de uma empresa chamada “XGOCOIN”.

Essa empresa ofereceu a diversos interessados um investimento em criptomoedas.

Segundo a proposta, o indivíduo investiria determinada quantia em dinheiro supostamente para comprar criptomoedas e receberia, em troca, um lucro mensal de 55% sobre o valor aplicado.

Ao entrar no negócio, os clientes eram levados para grupos de WhatsApp, e incentivados a convidar mais pessoas para entrar no suposto investimento.

Ocorre que, cerca de dois meses após o início dos investimentos, não era mais possível obter contato ou acesso à referida empresa, que, aparentemente, apropriou-se dos valores aplicados.

Diante disso, as pessoas lesadas procuraram a polícia e foi instaurado um inquérito para apurar os fatos. Surgiu, contudo, uma dúvida quanto à competência:

Os fatos acima narrados devem ser apurados na Justiça Federal ou Estadual?

Justiça Estadual.

Vamos entender com calma.

Pirâmide financeira

Para o STJ, a situação acima narrada configurou, na verdade, um esquema de pirâmide, também conhecido como “pirâmide financeira”. Em que consiste isso?

“Pirâmide Financeira é como são chamados os esquemas empresariais que tem como principal receita a remuneração pela indicação de novos membros, feita por meio de uma taxa de entrada no negócio.

É um esquema fraudulento que atrai pequenos investidores com a promessa de ganhos rápidos e retornos altos. A pirâmide financeira é caracterizada pelo investimento inicial baixo, as vendas de produtos em modo desproporcional, ou muitas vezes a inexistência de um produto em si, as poucas informações disponíveis sobre o investimento, seus riscos, e sobre a própria empresa, e por fim a promessa de ganhos exagerados.

O conceito de pirâmide financeira vem do processo de venda: no topo da estrutura está o primeiro vendedor do produto, no degrau seguinte já vem um grupo de vendedores, que convidam novos vendedores que passam ao degrau inferior, e assim em diante. O degrau inferior sustenta o superior: para entrar no negócio, os novos vendedores devem investir em um valor X de produtos.

O valor aplicado serve de pagamento aos vendedores que recrutaram estes outros, e assim o dinheiro faz o caminho inverso da pirâmide, até o topo.

Esta sequência é interrompida quando existe dificuldade de incluir novos participantes, ou seja, novos níveis na pirâmide. Assim as receitas do esquema diminuem, os pagamentos dos vendedores anteriores na estrutura atrasam ou não são pagos, e começam os prejuízos aos participantes.” (https://www.dicionariofinanceiro.com/piramide-financeira)

Os crimes contra o sistema financeiro nacional (Lei nº 7.492/86) são de competência da Justiça Federal. A prática de “pirâmide financeira” é crime contra o sistema financeiro nacional?

NÃO. O STJ entende que, em princípio, a prática de pirâmide financeira não configura, por si só, crime contra o sistema financeiro nacional.

E qual é o delito praticado, então?

Delito contra a economia popular ou, eventualmente, estelionato. Nesse sentido:

As operações denominadas de “pirâmide financeira”, sob o disfarce de “marketing multinível”, supostamente com o fim de colocar no mercado consumidor aparelho de monitoramento de veículo, não constituem atividades financeiras para fins de incidência da Lei nº 7.492/1986, tampouco delito contra o mercado de capitais (Lei nº 6.365/76).

Embora a prática não configure crime contra o Sistema Financeiro Nacional, o eventual dano causado a particulares pode ser tipificado como delito contra a economia popular, quiçá estelionato, de competência da Justiça estadual. STJ. 5ª Turma. HC 293.052/SP, Rel. Min. Walter de Almeida Guilherme (Desembargador Convocado do TJ/SP), julgado em 05/02/2015.

O delito contra a economia popular é crime de competência da Justiça Estadual:

Súmula 498-STF: Compete a justiça dos estados, em ambas as instâncias, o processo e o julgamento dos crimes contra a economia popular.

[…]

Cuidado para não confundir com esse outro julgado:

Compete à Justiça Federal julgar a conduta de réu que faz oferta pública de contrato de investimento coletivo em criptomoedas sem prévia autorização da CVM

Se a denúncia imputa a oferta pública de contrato de investimento coletivo (sem prévio registro), não há dúvida de que incide as disposições contidas na Lei nº 7.492/86 (Lei de Crimes contra o Sistema Financeiro), especialmente porque essa espécie de contrato caracteriza valor mobiliário, nos termos do art. 2º, IX, da Lei nº 6.385/76.

Logo, compete à Justiça Federal apurar os crimes relacionados com essa conduta.

Compete à Justiça Federal julgar crimes relacionados à oferta pública de contrato de investimento coletivo em criptomoedas. STJ. 6ª Turma. HC 530563-RS, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 05/03/2020 (Info 667).

27
Q

A mudança na ação penal do crime de estelionato, promovida pela Lei nº 13.964/2019, retroage para alcançar os processos penais que já estavam em curso? Mesmo que já houvesse denúncia oferecida, será necessário intimar a vítima para que ela manifeste interesse na continuidade do processo?

Art. 171. (…) § 5º Somente se procede mediante representação, salvo se a vítima for:

I - a Administração Pública, direta ou indireta;

II - criança ou adolescente;

III - pessoa com deficiência mental; ou

IV - maior de 70 (setenta) anos de idade ou incapaz.

A

Resumo

1ª corrente: NÃO.

A retroatividade da representação prevista no § 5º doart. 171 do CP deve se restringir à fase policial.

A exigência de representação no crime de estelionato, trazida pelo Pacote Anticrime, não afeta os processos que já estavam em curso quando entrou em vigor a Lei nº 13.964/2019.

Assim, se já havia denúncia oferecida quando entrou em vigor a nova Lei, não será necessária representação do ofendido. STJ. 5ª Turma. HC 573.093-SC, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 09/06/2020 (Info 674).

2ª corrente: SIM.

A retroatividade da representação prevista § 5º do art. 171 alcança todos os processos em curso

A exigência de representação no crime de estelionato, trazida pelo Pacote Anticrime, afeta não apenas os inquéritos, mas também os processos em curso, desde que ainda não tenham transitado em julgado.

Assim, mesmo que já houvesse denúncia oferecida quando a Lei entrou em vigor, o juiz deverá intimar a vítima para manifestar interesse na continuidade da persecução penal, no prazo de 30 dias, sob pena de decadência. STJ. 6ª Turma. HC 583.837/SC, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 04/08/2020.

Resumo 2 (INFO 677)

A mudança na ação penal do crime de estelionato, promovida pela Lei nº 13.964/2019, retroage para alcançar os processos penais que já estavam em curso? Mesmo que já houvesse denúncia oferecida, será necessário intimar a vítima para que ela manifeste interesse na continuidade do processo?

NÃO. É a posição amplamente majoritária na jurisprudência.

Não retroage a norma prevista no § 5º do art. 171 do CP, incluída pela Lei 13.964/2019 (“Pacote Anticrime”), que passou a exigir a representação da vítima como condição de procedibilidade para a instauração de ação penal, nas hipóteses em que o Ministério Público tiver oferecido a denúncia antes da entrada em vigor do novo diploma legal. A retroatividade da representação prevista no § 5º do art. 171 do CP deve se restringir à fase policial. A exigência de representação no crime de estelionato, trazida pelo Pacote Anticrime, não afeta os processos que já estavam em curso quando entrou em vigor a Lei nº 13.964/2019. Assim, se já havia denúncia oferecida quando entrou em vigor a nova Lei, não será necessária representação do ofendido. STJ. 5ª Turma. HC 573.093-SC, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 09/06/2020 (Info 674). STF. 1ª Turma. HC 187341/SP, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 13/10/2020 (Info 995). STF. 2ª Turma. ARE 1230095 AgR, Rel. Gilmar Mendes, julgado em 24/08/2020.

Registre-se a posição minoritária da 6ª Turma do STJ, que deve ser superada em breve:

A retroatividade da representação prevista § 5º do art. 171 alcança todos os processos em curso. A exigência de representação no crime de estelionato, trazida pelo Pacote Anticrime, afeta não apenas os inquéritos, mas também os processos em curso, desde que ainda não tenham transitado em julgado.

Assim, mesmo que já houvesse denúncia oferecida quando a Lei entrou em vigor, o juiz deverá intimar a vítima para manifestar interesse na continuidade da persecução penal, no prazo de 30 dias, sob pena de decadência. STJ. 6ª Turma. HC 583.837/SC, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 04/08/2020 (Info 677)

Inteiro teor

[…]

E as normas híbridas?

As leis híbridas, como possuem reflexos penais, recebem o mesmo tratamento que as normas penais no que tange à sua aplicação no tempo.

Logo, as normas híbridas não retroagem, salvo se para beneficiar o réu.

Desse modo, a norma que altera a espécie de ação penal de um crime não retroage, salvo se for para beneficiar o réu.

Ex: antes da Lei nº 9.099/95, o crime de lesão corporal leve era de ação penal pública incondicionada; depois da Lei, esse delito passou a ser de ação penal pública condicionada. Isso é mais benéfico para o réu que responde ao processo? Sim, porque na ação penal pública condicionada existe a possibilidade de renúncia e de decadência, que não são permitidas na ação pública incondicionada. Logo, a lei foi retroativa nesse ponto.

Ex2: o crime de injúria racial era de ação penal privada e, por força da Lei nº 12.033/2009, passou a ser de ação penal pública condicionada à representação. Essa Lei é mais benéfica para o réu? Não, porque limita as causas de extinção da punibilidade. Logo, para as pessoas que cometeram o delito antes da Lei nº 12.033/2009, a ação continua sendo privada, não retroagindo a lei.

Isso significa que essa alteração irá retroagir para alcançar fatos anteriores à sua vigência?

SIM. O § 5º do art. 171 do CP apresenta caráter híbrido (norma mista) e, além disso, é mais favorável ao autor do fato. Logo, tem caráter retroativo.

A dúvida, no entanto, reside na extensão dessa retroatividade:

MUDANÇA NA AÇÃO PENAL DO ESTELIONATO E RETROATIVIDADE A mudança na ação penal do crime de estelionato, promovida pela Lei 13.964/2019, retroage para alcançar os processos penais que já estavam em curso? Mesmo que já houvesse denúncia oferecida, será necessário intimar a vítima para que ela manifeste interesse na continuidade do processo?

1ª corrente: NÃO

A retroatividade da representação prevista no § 5º do art. 171 do CP deve se restringir à fase policial.

A exigência de representação no crime de estelionato, trazida pelo Pacote Anticrime, não afeta os processos que já estavam em curso quando entrou em vigor a Lei nº 13.964/2019.

Assim, se já havia denúncia oferecida quando entrou em vigor a nova Lei, não será necessária representação do ofendido.

O novo comando normativo apresenta caráter híbrido, pois, além de incluir a representação do ofendido como condição de procedibilidade para a persecução penal, apresenta potencial extintivo da punibilidade, sendo tal alteração passível de aplicação retroativa por ser mais benéfica ao réu.

Contudo, além do silêncio do legislador sobre a aplicação do novo entendimento aos processos em curso, tem-se que seus efeitos não podem atingir o ato jurídico perfeito e acabado (oferecimento da denúncia), de modo que a retroatividade da representação no crime de estelionato deve se restringir à fase policial, não alcançando o processo. Do contrário, estar-se-ia conferindo efeito distinto ao estabelecido na nova regra, transformando-se a representação em condição de prosseguibilidade e não procedibilidade.

STJ. 5ª Turma. HC 573.093-SC, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. em 09/06/2020 (Info 674). STF. 2ª Turma. ARE 1230095 AgR, Rel. Gilmar Mendes, julgado em 24/08/2020.

2ª corrente: SIM

A retroatividade da representação prevista § 5º do art. 171 alcança todos os processos em curso.

A exigência de representação no crime de estelionato, trazida pelo Pacote Anticrime, afeta não apenas os inquéritos, mas também os processos em curso, desde que ainda não tenham transitado em julgado.

Assim, mesmo que já houvesse denúncia oferecida quando a Lei entrou em vigor, o juiz deverá intimar a vítima para manifestar interesse na continuidade da persecução penal, no prazo de 30 dias, sob pena de decadência.

As normas que disciplinam a ação penal, mesmo aquelas constantes do CPP, são de natureza mista. Logo, são regidas pelos princípios da retroatividade e da ultratividade benéficas ao réu. Isso porque disciplinam o exercício da pretensão punitiva.

A retroação do § 5º do art. 171 do Código Penal alcança todos os processos em curso, ainda sem trânsito em julgado, sendo que essa não gera a extinção da punibilidade automática dos processos em curso, nos quais a vítima não tenha se manifestado favoravelmente à persecução penal.

Deve-se aplicar, por analogia, a regra do art. 91 da Lei nº 9.099/95:

Art. 91. Nos casos em que esta Lei passa a exigir representação para a propositura da ação penal pública, o ofendido ou seu representante legal será intimado para oferecê-la no prazo de trinta dias, sob pena de decadência.

STJ. 6ª Turma. HC 583.837/SC, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 04/08/2020.

28
Q

Configura crime a prestação de contas após o prazo legal pelo prefeito?

A

Se tiver havido a entrega da prestação de contas em momento posterior ao estipulado, mas se não tiver ficado suficientemente demonstrada a intenção de atrasar e de descumprir os prazos previstos para se prestar contas, não haverá crime por falta de elemento subjetivo (dolo).

Art. 1º São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipal, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores: (…) VII - Deixar de prestar contas, no devido tempo, ao órgão competente, da aplicação de recursos, empréstimos subvenções ou auxílios internos ou externos, recebidos a qualquer título; STJ. 6ª Turma. REsp 1695266/PB, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 23/06/2020 (Info 676).