Jurisprudência STJ 2020 Flashcards
Qual é o critério para determinar se o réu inimputável deve ser internado ou receber tratamento ambulatorial?
Resumo
Segundo o art. 97 do CP:
Art. 97. Se o agente for inimputável, o juiz determinará sua internação (art. 26). Se, todavia, o fato previsto como crime for punível com detenção, poderá o juiz submetê-lo a tratamento ambulatorial.
Assim, se fosse adotada a redação literal do art. 97 teríamos o seguinte cenário:
- Se o agente praticou fato punido com RECLUSÃO, ele receberá, obrigatoriamente, a medida de internação.
- Por outro lado, se o agente praticou fato punido com DETENÇÃO, o juiz, com base na periculosidade do agente, poderá submetê-lo à medida de internação ou tratamento ambulatorial.
O STJ, contudo, abrandou a regra legal e construiu a tese de que o art. 97 do CP não deve ser aplicado de forma isolada, devendo analisar também qual é a medida de segurança que melhor se ajusta à natureza do tratamento de que necessita o inimputável.
Em outras palavras, o STJ afirmou o seguinte: mesmo que o inimputável tenha praticado um fato previsto como crime punível com reclusão, ainda assim será possível submetê-lo a tratamento ambulatorial (não precisando ser internação), desde que fique demonstrado que essa é a medida de segurança que melhor se ajusta ao caso concreto.
À luz dos princípios da adequação, da razoabilidade e da proporcionalidade, na fixação da espécie de medida de segurança a ser aplicada não deve ser considerada a natureza da pena privativa de liberdade aplicável, mas sim a periculosidade do agente, cabendo ao julgador a faculdade de optar pelo tratamento que melhor se adapte ao inimputável.
Desse modo, mesmo em se tratando de delito punível com reclusão, é facultado ao magistrado a escolha do tratamento mais adequado ao inimputável. STJ. 3ª Seção. EREsp 998.128-MG, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 27/11/2019 (Info 662).
Qual o prazo da pena de prestação de serviço à comunidade previsto para o delito de porte de drogas para uso pessoal?
Resumo
O art. 28 da Lei nº 11.343/2006 prevê o crime de porte de drogas para consumo pessoal.
Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:
I - advertência sobre os efeitos das drogas;
II - prestação de serviços à comunidade;
III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
Em regra, as penas dos incisos II e III só podem ser aplicadas pelo prazo máximo de 5 meses.
O § 4º prevê que: “em caso de reincidência, as penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 10 (dez) meses.”
A reincidência de que trata o § 4º é a reincidência específica.
Assim, se um indivíduo já condenado definitivamente por roubo, pratica o crime do art. 28, ele não se enquadra no § 4º. Isso porque se trata de reincidente genérico.
O § 4º ao falar de reincidente, está se referindo ao crime do caput do art. 28. STJ. 6ª Turma. REsp 1.771.304-ES, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 10/12/2019 (Info 662).
Inteiro teor
§ 3º As penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 5 (cinco) meses.
§ 4º Em caso de reincidência, as penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 10 (dez) meses.
Que crime pratica o pratica o Governador que determina que os valores descontados dos contracheques dos servidores para pagamento de empréstimo consignado não sejam repassados ao banco, mas sim utilizados para quitação de dívidas do Estado?
Resumo
O administrador que desconta valores da folha de pagamento dos servidores públicos para quitação de empréstimo consignado e não os repassa a instituição financeira pratica peculato-desvio, sendo desnecessária a demonstração de obtenção de proveito próprio ou alheio, bastando a mera vontade de realizar o núcleo do tipo.
Peculato-desvio é crime formal para cuja consumação não se exige que o agente público ou terceiro obtenha vantagem indevida mediante prática criminosa, bastando a destinação diversa daquela que deveria ter o dinheiro.
Caso concreto: diversos servidores estaduais possuíam empréstimos consignados. Assim, todos os meses a Administração Pública estadual fazia o desconto das parcelas do empréstimo da remuneração dos servidores e repassava a quantia ao banco que concedeu o mútuo. Ocorre que o Governador do Estado determinou ao Secretário de Planejamento que continuasse a descontar mensalmente os valores do empréstimo consignado, no entanto, não mais os repassasse ao banco, utilizando essa quantia para pagamento das dívidas do Estado. Esta conduta configurou o crime de peculato-desvio (art. 312 do CP), gerando a condenação do Govenador, com a determinação, inclusive, de perda do cargo (art. 92, I, do CP). STJ. Corte Especial. APn 814-DF, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Rel. Acd. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 06/11/2019 (Info 664).
Inteiro teor
Imagine agora a seguinte situação adaptada:
João, servidor público do Estado do Amapá, fez um empréstimo consignado e estava pagando regularmente a dívida.
Todos os meses a Secretaria de Administração e Planejamento, antes de depositar os vencimentos de João, descontava R$ 1.000,00 de sua remuneração e repassava ao banco que concedeu o empréstimo. Assim como João, havia centenas de outros servidores públicos estaduais na mesma situação.
Ocorre que o Estado do Amapá atravessava uma grave crise financeira. Diante disso, Antônio, Governador do Estado, teve uma ideia: resolveu usar o dinheiro que era descontado dos servidores para pagar as dívidas da administração pública.
Em outras palavras, Antônio determinou ao Secretário de Administração e Planejamento que ele continuasse a descontar mensalmente os valores do empréstimo consignado, no entanto, não mais os repassasse ao banco, utilizando essa quantia para pagamento das dívidas do Estado.
No caso de João, por exemplo, todos os meses os R$ 1.000,00 continuaram sendo descontados de sua remuneração, no entanto, esse dinheiro não era mais repassado ao banco. Depois de algum tempo nessa situação, o banco, que não estava mais recebendo os pagamentos, incluiu João e os demais servidores nos cadastros de devedores (SERASA, SPC etc.).
O Governador e o Secretário foram denunciados pela prática de peculato-desvio, delito tipificado na parte final do art. 312 do Código Penal:
Art. 312. Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio: Pena - reclusão, de dois a doze anos, e multa.
Tese da defesa
Os réus alegaram que foram obrigados a fazer isso em virtude da grave crise mundial que abalou profundamente as finanças públicas do Estado do Amapá.
Afirmam que houve uma drástica redução da receita estadual e que se não fossem adotadas medidas como a retenção do dinheiro dos empréstimos consignados não poderiam fazer frente às despesas governamentais.
Argumentaram que o crime de peculato-desvio exige, além do dolo, a presença de elemento subjetivo especial consistente no fim especial de agir em proveito próprio ou alheio.
Os recursos descontados dos contracheques dos servidores públicos estaduais, a título de empréstimos consignados, foram utilizados para o pagamento da dívida do Estado. Logo, não seria possível afirmar que os réus tenham agido em proveito próprio ou alheio.
A tese da defesa foi acolhida pelo STJ?
NÃO. Não foi acolhida. Para a maioria dos Ministros, houve a prática do crime de peculato-desvio. Vejamos:
Materialidade
O peculato-desvio consuma-se no instante em que o funcionário público dá ao dinheiro ou valor destino diverso do previsto.
Vale ressaltar que a obtenção do proveito próprio ou alheio não é requisito para a consumação do crime:
“No caso de peculato-desvio, a consumação se concretiza quando o agente, traindo a confiança que lhe fora depositada, dá à coisa destinação diversa daquela determinada pela Administração Pública, no intuito de beneficiar a si próprio ou a terceiro. Não há necessidade, porém, de que o agente obtenha o proveito visado, bastando para a consumação que ocorra o desvio.” (PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro, Volume II – Parte Especial. 16ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018, p. 783).
No caso, o crime consumou-se com a não transferência dos valores retidos na fonte.
Autoria
O peculato-desvio é um crime próprio. Isso porque somente pode ser praticado por funcionário público ou por pessoas a ele legalmente equiparadas.
Deve-se esclarecer que, apesar de se tratar de crime próprio, o peculato admite a participação de indivíduos que não são funcionários públicos. Assim, se uma pessoa, que não é funcionária pública, auxilia o funcionário público na prática do peculato-desvio, sabendo dessa condição, responderá também pelo mesmo crime. Nesse sentido:
Jurisprudência em Teses STJ (ed. 57) Tese 9: A elementar do crime de peculato se comunica aos coautores e partícipes estranhos ao serviço público.
Elemento subjetivo
O crime é punido a título de dolo.
O dolo aqui é a vontade livre e consciente de apropriar-se de coisa móvel pública ou particular ou de desviá-la.
O dolo ficou comprovado pela intenção de não repassar os valores descontados aos bancos, desviando a quantia para outras finalidades.
Vale ressaltar que basta o dolo de desviar a quantia em proveito próprio ou de terceiro, ainda que não obtenha vantagem com sua conduta:
Jurisprudência em Teses STJ (ed. 57) Tese 11: A consumação do crime de peculato-desvio (art. 312, caput, 2ª parte, do CP) ocorre no momento em que o funcionário efetivamente desvia o dinheiro, valor ou outro bem móvel, em proveito próprio ou de terceiro, ainda que não obtenha a vantagem indevida.
Obtenção de vantagem não é requisito para consumação do crime
A consumação do crime de peculato-desvio ocorreu no momento em que houve a destinação diversa do dinheiro que estava sob a posse do agente. Não importa que, ao final, não tenha havido a obtenção material de proveito próprio ou alheio.
Assim, a consumação, no caso em comento, deu-se com a falta de transferência dos valores retidos na fonte dos servidores ao banco detentor do crédito. Com isso, houve a alteração do destino da aplicação dos referidos valores.
O Estado era mero depositário dos valores descontados dos contracheques de seus servidores, os quais pertenceriam ao banco. Desse modo, os valores retidos não eram do Estado, não configurando receita pública. Eram verbas particulares não integrantes do patrimônio público.
Crime formal
Peculato-desvio é crime formal para cuja consumação não se exige que o agente público ou terceiro obtenha vantagem indevida mediante prática criminosa, bastando a destinação diversa daquela que deveria ter o dinheiro.
Na modalidade peculato-desvio, não se discute o deslocamento de verbas públicas em razão de gestão administrativa, mas o deslocamento de dinheiro particular em posse do Estado. Assim, a consumação do crime não depende da prova do destino do dinheiro ou do benefício obtido por agente ou terceiro.
[…]
Foi decretada a perda do cargo do Governador condenado?
SIM.
De acordo com o art. 92, I, do Código Penal:
Art. 92. São também efeitos da condenação:
I - a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo:
a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública;
b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 (quatro) anos nos demais casos.
Importante relembrar que a perda do cargo não é decorrência automática da condenação, sendo imprescindível que o juiz fundamente especificamente a decretação desse efeito extrapenal.
No caso concreto, o STJ considerou que é absolutamente incabível que o chefe do Poder Executivo de Estado da Federação permaneça no cargo após condenação pela prática de crime cuja natureza jurídica está fundamentada no resguardo da probidade administrativa.
Diante disso, o STJ decretou a perda do cargo.
DOD Plus
No caso concreto, as verbas desviadas eram privadas, isto é, pertenciam aos servidores públicos.
A conduta do funcionário público que dá a verbas ou rendas públicas aplicação diversa da estabelecida em lei configura, em princípio, outro crime, qual seja, o delito do art. 315 do CP:
Emprego irregular de verbas ou rendas públicas
Art. 315 - Dar às verbas ou rendas públicas aplicação diversa da estabelecida em lei: Pena - detenção, de um a três meses, ou multa.
É cabível a aplicação do princípio da insignificância para o furto qualificado?
Resumo
A despeito da presença de qualificadora no crime de furto possa, à primeira vista, impedir o reconhecimento da atipicidade material da conduta, a análise conjunta das circunstâncias pode demonstrar a ausência de lesividade do fato imputado, recomendando a aplicação do princípio da insignificância. STJ. 5ª Turma. HC 553.872-SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 11/02/2020 (Info 665)
Inteiro teor
[…]
Feita esta breve revisão, imagine a seguinte situação hipotética:
Adriana e Janaína, em concurso de pessoas, subtraíram dois pacotes de linguiça, um litro de vinho, uma lata de refrigerante e quatro salgados de um supermercado.
Os bens subtraídos foram avaliados em R$ 69,23.
As duas foram presas no estacionamento do supermercado e não houve prejuízo para o estabelecimento.
O Ministério Público ofereceu denúncia contra elas pela prática de furto qualificado, tipificado no art. 155, § 4º, IV, do Código Penal:
Art. 155. Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel: Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.
(…) § 4º - A pena é de reclusão de dois a oito anos, e multa, se o crime é cometido:
(…) IV - mediante concurso de duas ou mais pessoas.
A defesa pediu a absolvição com base na aplicação do princípio da insignificância.
O juiz, contudo, negou o pedido argumentando que não se pode aplicar o princípio da insignificância no caso de furto qualificado.
É possível aplicar o princípio da insignificância em caso de furto qualificado?
Em regra, não. Como regra, a aplicação do princípio da insignificância tem sido rechaçada nas hipóteses de furto qualificado, tendo em vista que tal circunstância denota, em tese, maior ofensividade e reprovabilidade da conduta.
Deve-se, todavia, considerar as circunstâncias peculiares de cada caso concreto, de maneira a verificar se, diante do quadro completo do delito, a conduta do agente representa maior reprovabilidade a desautorizar a aplicação do princípio da insignificância.
No caso concreto, a 5ª Turma do STJ aplicou o princípio da insignificância e absolveu as acusadas. Afirmou-se que “muito embora a presença da qualificadora possa, à primeira vista, impedir o reconhecimento da atipicidade material da conduta, a análise conjunta das circunstâncias demonstra a ausência de lesividade do fato imputado, recomendando a aplicação do princípio da insignificância.”
A qualificadora do meio cruel é compatível com o dolo eventual?
Resumo
Não há incompatibilidade entre o dolo eventual e o reconhecimento do meio cruel, na medida em que o dolo do agente, direto ou indireto, não exclui a possibilidade de a prática delitiva envolver o emprego de meio mais reprovável, como veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel (art. 121, § 2º, III, do CP).
Caso concreto: réu atropelou o pedestre e não parou o veículo, arrastando a vítima por 500 metros, assumindo, portanto, o risco de produzir o resultado morte; mesmo tendo havido dolo eventual, deve-se reconhecer também a qualificadora do meio cruel prevista no art. 121, § 2º, III, do CP. STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 1573829/SC, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 09/04/2019. STJ. 6ª Turma. REsp 1.829.601-PR, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 04/02/2020 (Info 665).
Inteiro teor
Imagine a seguinte situação adaptada:
João, com habilitação suspensa, conduzia uma caminhonete e, ao desrespeitar a preferência, atropelou um pedestre que vinha atravessando a rua na faixa.
Após atingir a vítima, as pessoas que estavam no local começaram a gritar que o pedestre ainda estava preso no veículo, mas ele acelerou ainda mais para fugir e, com isso, arrastou a vítima por aproximadamente 500 metros, tendo assim assumido e consentido com o risco de produzir o resultado morte do pedestre.
As provas revelaram que o réu tinha conhecimento do atropelamento, pois o acidente ocorreu pela manhã, em plena luz do dia, estava com os vidros abertos, tendo visto que as testemunhas faziam inúmeros sinais para parar e gritavam, mas mesmo assim ele fugiu em alta velocidade, arrastando a vítima. Tal atitude do réu revela, ao menos, indícios de que o réu agiu sem qualquer preocupação com o estado da vítima, arrastando-a por algumas quadras, de forma que assumiu o risco de produzir o resultado morte. O juiz concluiu, portanto, que ele agiu com dolo eventual e João foi pronunciado.
Houve, no entanto, um debate jurídico que chegou até o STJ: é possível imputar ao agente a qualificadora do meio cruel (inciso III do § 2º do art. 121 do Código Penal)? O meio cruel é compatível com o dolo eventual?
SIM. A qualificadora do meio cruel é compatível com o dolo eventual. STJ. 6ª Turma. REsp 1.829.601-PR, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 04/02/2020 (Info 665).
O dolo do agente, seja direto ou indireto, não exclui a possibilidade de o homicídio ter sido praticado com o emprego de meio mais reprovável, como é o caso do meio cruel, previsto no art. 121, § 2º, III, do CP. Nesse sentido:
Inexiste incompatibilidade entre o dolo eventual e o reconhecimento do meio cruel para a consecução da ação, na medida em que o dolo do agente, direto ou indireto, não exclui a possibilidade de a prática delitiva envolver o emprego de meio mais reprovável, como veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel (art. 121, § 2º, inciso III, do CP). STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 1573829/SC, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 09/04/2019.
Assim, é admitida a incidência da qualificadora do meio cruel, relativamente ao fato de a vítima ter sido arrastada por cerca de 500 metros, presa às ferragens do veículo, ainda que já considerado o reconhecimento do dolo eventual, na sentença de pronúncia.
Cuidado para não confundir: Dolo eventual NÃO é compatível com qualificadora de traição, emboscada, dissimulação
O dolo eventual não se compatibiliza com a qualificadora do art. 121, § 2º, IV (traição, emboscada, dissimulação). STF. 2ª Turma. HC 111.442/RS, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 28/8/2012 (Info 677).
Que crime pratica governador de estado que desvia grande soma de recursos públicos de empresas estatais, utilizando esse dinheiro para custear sua campanha de reeleição?
Resumo
Governador do Estado que desvia grande soma de recursos públicos de empresas estatais, utilizando esse dinheiro para custear sua campanha de reeleição, pratica o crime de peculatodesvio.
As empresas estatais gozam de autonomia administrativa e financeira. Mesmo assim, pode-se dizer que o Governador tem a posse do dinheiro neste caso?
É possível. Isso porque a posse necessária para configuração do crime de peculato deve ser compreendida não só como a disponibilidade direta, mas também como disponibilidade jurídica, exercida por meio de ordens. STJ. 5ª Turma. REsp 1.776.680-MG, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 11/02/2020 (Info 666).
Inteiro teor
[…]
Posse, para fins de peculato, pode abranger a mera disponibilidade jurídica
A posse necessária para configuração do crime de peculato deve ser compreendida não só como a disponibilidade direta, mas também como disponibilidade jurídica, exercida por meio de ordens.
Essa conclusão está amparada na lição da doutrina, segundo a qual a “posse, a que se refere o texto legal, deve ser entendida em sentido amplo, compreendendo a simples detenção, bem como a posse indireta (disponibilidade jurídica sem detenção material, ou poder de disposição exercível mediante ordens, requisições ou mandados” (HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal, v. 9, p. 339, apud NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de Direito Penal. Parte Especial: arts. 213 a 361 do Código Penal. Vol. 3. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 467).
Existem outros julgados do STJ no mesmo sentido:
O conceito de ‘posse’ de que cuida o artigo 312 do Código Penal tem sentido amplo e abrange a disponibilidade jurídica do bem, de modo que resta configurado o delito de peculato na hipótese em que o funcionário público apropria-se de bem ou valor, mesmo que não detenha a sua posse direta. Pratica o delito de peculato o Delegado da Polícia Federal que obtém em proveito próprio quantia em espécie em posto de combustível com o qual a Superintendência Regional havia celebrado convênio para abastecimento de viaturas, sendo irrelevante que o réu não detivesse a posse direta do valor apropriado se possuía a disponibilidade jurídica do valor, dado que era ele que emitia as requisições de abastecimento. STJ. 6ª Turma. REsp 1695736/SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 08/05/2018.
Também é o entendimento do STF:
No peculato-desvio, exige-se que o servidor público se aproprie de dinheiro do qual tenha posse direta ou indireta, ainda que mediante mera disponibilidade jurídica. STF. Plenário. Inq 2966, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 15/05/2014.
Se o sujeito armazena (art. 241-B) arquivos digitais contendo cena de sexo explícito e pornográfica envolvendo crianças e adolescentes e depois disponibiliza (art. 241-A), pela internet, esses arquivos para outra pessoa, esse indivíduo terá praticado dois crimes ou haverá consunção e ele responderá por apenas um dos delitos?
Resumo
Em regra, não há automática consunção quando ocorrem armazenamento e compartilhamento de material pornográfico infanto-juvenil. Isso porque o cometimento de um dos crimes não perpassa, necessariamente, pela prática do outro.
No entanto, é possível a absorção a depender das peculiaridades de cada caso, quando as duas condutas guardem, entre si, uma relação de meio e fim estreitamente vinculadas.
O princípio da consunção exige um nexo de dependência entre a sucessão de fatos.
Se evidenciado pelo caderno probatório que um dos crimes é absolutamente autônomo, sem relação de subordinação com o outro, o réu deverá responder por ambos, em concurso material.
A distinção se dá em cada caso, de acordo com suas especificidades. STJ. 6ª Turma. REsp 1.579.578-PR, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 04/02/2020 (Info 666).
Prefeito que realiza pagamento a funcionário que não presta nenhum serviço comete que crime?
Resumo
O pagamento de remuneração a funcionários fantasmas não configura apropriação ou desvio de verba pública, previstos pelo art. 1º, inciso I, do Decreto-Lei nº 201/67.
O pagamento de salário não configura apropriação ou desvio de verba pública, previstos pelo art. 1º, I, do Decreto-Lei nº 201/67, pois a remuneração é devida, ainda que questionável a contratação de parentes do Prefeito. STJ. 6ª Turma.AgRg no AREsp 1.162.086-SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 05/03/2020 (Info 667).
Inteiro teor
Imagine a seguinte situação hipotética: João, prefeito de um pequeno município do interior, contratou sua irmã e o cunhado para trabalharem na Administração Pública municipal.
Ocorre que eles não trabalhavam efetivamente. Nem apareciam na prefeitura. Eram aquilo que se chama na linguagem popular de “funcionários fantasmas”.
Apesar disso, João pagava todos os meses a remuneração aos dois, situação que perdurou por três anos. O fato foi descoberto e o Ministério Público denunciou João pela prática do crime do art. 1º, I, do DecretoLei nº 201/67:
Art. 1º São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipal, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores:
I - apropriar-se de bens ou rendas públicas, ou desviá-los em proveito próprio ou alheio; (…) §1º Os crimes definidos nêste artigo são de ação pública, punidos os dos itens I e II, com a pena de reclusão, de dois a doze anos, e os demais, com a pena de detenção, de três meses a três anos.
A questão chegou até o STJ por meio de recurso especial. Indaga-se: o STJ concordou com a imputação feita pelo Ministério Público? A conduta do agente se amolda ao tipo penal imputado?
NÃO.
Segundo o art. 1º, I, do DL 201/67, constitui crime de responsabilidade dos prefeitos apropriar-se de bens ou rendas públicas, ou desviá-los em proveito próprio ou alheio. Ocorre que pagar ao servidor público não constitui desvio ou apropriação da renda pública. Trata-se, na verdade, de uma obrigação legal.
O fato de a nomeação ser eventualmente indevida em razão de nepotismo ou a circunstância de a funcionária não trabalhar efetivamente são questões diversas, que devem ser objeto de sanções administrativas ou civis, mas não de punição penal.
Assim, a não prestação de serviços pela servidora não configura o crime discutido, apesar de ser passível de responsabilização em outras esferas.
Regina poderia ser condenada por peculato (art. 312 do CP)?
O STJ entende que não:
O servidor público que se apropria dos salários que lhe foram pagos e não presta os serviços, não comete peculato, porquanto o crime de peculato exige, para sua configuração em qualquer das modalidades (peculato furto, peculato apropriação ou peculato desvio), a apropriação, desvio ou furto de valor, dinheiro ou outro bem móvel.
O réu, embora recebesse licitamente o salário que lhe era endereçado, não cumpriu o dever de contraprestar os serviços para os quais foi contratado. Trata-se de fato atípico que pode configurar, em tese, falta disciplinar ou ato de improbidade administrativa. STJ. 6ª Turma. RHC 60.601/SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 09/08/2016.
Situação diferente do caso de parlamentares que se apropriam de parte dos salários dos comissionados (“rachadinha”)
No caso de parlamentares que se apropriam de parte da remuneração dos servidores comissionados de seu gabinete (prática conhecida como “rachadinha”), o STJ já decidiu algumas vezes que configura peculato:
(…) 1. A conduta praticada pela recorrente amolda-se ao crime de peculato-desvio, tipificado na última parte do art. 312 do Código Penal.
- Situação concreta em que parte dos vencimentos de funcionários investidos em cargos comissionados no gabinete da vereadora, alguns que nem sequer trabalhavam de fato, eram para ela repassados e posteriormente utilizados no pagamento de outras pessoas que também prestavam serviços em sua assessoria, porém sem estarem investidas em cargos públicos. (…) STJ. 6ª Turma. REsp 1.244.377/PR, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 03/04/2014.
Os crimes funcionais dos Prefeitos estão previstos exclusivamente no art. 1º do DL 201/67?
NÃO. Os Prefeitos poderão responder também pelos crimes funcionais previstos no Código Penal, na Lei de Licitações (Lei n. 8.666/93) e em outras leis penais, desde que tais condutas não estejam descritas no art. 1º do DL 201/67. Os crimes tipificados nas demais leis somente incidirão para os Prefeitos se não estiverem previstos no DL 201/67, que é norma específica.
O art. 1º do DL 201\67 prevê realmente crimes de responsabilidade?
NÃO. O art. 1º afirma que os delitos nele elencados são “crimes de responsabilidade”. Apesar de ser utilizada essa nomenclatura, a doutrina e a jurisprudência “corrigem” o legislador e afirmam que, na verdade, esses delitos são crimes comuns, ou seja, infrações penais iguais àquelas tipificadas no Código Penal e em outras leis penais.
Desse modo, o que o art. 1º traz são crimes funcionais cometidos por Prefeitos.
Vale ressaltar que os crimes de responsabilidade (em sentido estrito) dos Prefeitos estão previstos no art. 4º do DL 201/67. É nesse dispositivo que estão definidas as infrações político-administrativas dos alcaides. Nesse sentido: STF. Plenário. HC 70671, Rel. Min. Carlos Velloso, julgado em 13/04/1994.
Se o sujeito comete o crime do art. 1º do DL 201/67, mas termina seu mandato sem que ele seja denunciado, é possível que ele responda pelo delito mesmo não sendo mais Prefeito?
Claro que sim. Existem dois enunciados afirmando isso:
Súmula 164-STJ: O prefeito municipal, após a extinção do mandato, continua sujeito a processo por crime previsto no art. 1º do Dec. lei n. 201, de 27/02/67.
Súmula 703-STF: A extinção do mandato do Prefeito não impede a instauração de processo pela prática dos crimes previstos no art. 1º do DL 201/67.
Constitui crime oferecer oportunidade de investimento em criptomoeada ao público, com a previsão de obtenção de valores no caso de sua valorização?
Resumo
Se a denúncia imputa a oferta pública de contrato de investimento coletivo (sem prévio registro), não há dúvida de que incide as disposições contidas na Lei nº 7.492/86 (Lei de Crimes contra o Sistema Financeiro), especialmente porque essa espécie de contrato caracteriza valor mobiliário, nos termos do art. 2º, IX, da Lei nº 6.385/76.
Logo, compete à Justiça Federal apurar os crimes relacionados com essa conduta. Compete à Justiça Federal julgar crimes relacionados à oferta pública de contrato de investimento coletivo em criptomoedas. STJ. 6ª Turma. HC 530.563-RS, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 05/03/2020 (Info 667)
Inteiro teor
Feita essa breve e rudimentar explicação, imagine a seguinte situação enfrentada pelo STJ (com algumas adaptações):
Francisco, em conjunto com outras pessoas denunciadas, organizou um sistema de investimento financeiro por meio de criptomoedas. Como funcionava?
Os denunciados ofereciam ao público em geral uma oportunidade de investir dinheiro em criptomoedas, havendo a possibilidade de terem retorno financeiro (“lucro”) caso houvesse a valorização dessas criptomoedas.
Os interessados celebravam contrato com a empresa de Francisco e transferiam a quantia que quisessem em moeda corrente (Reais) para a conta da pessoa jurídica. Francisco e seus colaboradores utilizavam o dinheiro para comprar criptomoedas que eles achavam que ainda iriam valorizar para, no futuro, serem revendidas, gerando lucro para os investidores.
Qual é a natureza jurídica deste pacto celebrado por Francisco com os interessados em investir?
Esse pacto pode ser considerado como um “Contrato de Investimento Coletivo”.
O contrato de investimento coletivo é considerado, pelo art. 2º, IX, da Lei nº 6.385/76, como um valor mobiliário:
Art. 2º São valores mobiliários sujeitos ao regime desta Lei: (…) IX - quando ofertados publicamente, quaisquer outros títulos ou contratos de investimento coletivo, que gerem direito de participação, de parceria ou de remuneração, inclusive resultante de prestação de serviços, cujos rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou de terceiros.
O que são títulos ou valores mobiliários?
São títulos emitidos por sociedades empresariais e negociados no mercado de capitais (bolsa de valores ou mercado de balcão).
Para a sociedade que emite (vende), é uma forma de obter novos recursos.
Para a pessoa que adquire, trata-se de um investimento.
O exemplo mais conhecido de valor mobiliário são as ações. Podemos citar também as debêntures e os bônus de subscrição.
O art. 2º da Lei nº 6.385/76 lista quais são os valores mobiliários sujeitos ao mercado de valores.
Oferta pública de contrato de investimento coletivo
Voltando ao caso concreto, o STJ considerou que Francisco e os demais denunciados praticaram uma oferta pública de contrato de investimento coletivo, na forma do art. 19, § 3º da Lei nº 6.385/76:
Art. 19
(…) § 3º - Caracterizam a emissão pública:
I - a utilização de listas ou boletins de venda ou subscrição, folhetos, prospectos ou anúncios destinados ao público;
II - a procura de subscritores ou adquirentes para os títulos por meio de empregados, agentes ou corretores;
III - a negociação feita em loja, escritório ou estabelecimento aberto ao público, ou com a utilização dos serviços públicos de comunicação.
Qual é o “problema” nesse caso?
É que a empresa não tinha autorização da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para isso.
A Lei nº 6.385/76 exige prévio registro na CVM para a realização de emissão pública de valores mobiliários (ex: oferta pública de contrato de investimento coletivo). Confira:
Art. 19. Nenhuma emissão pública de valores mobiliários será distribuída no mercado sem prévio registro na Comissão.
O próprio CVM tem divulgado Deliberações alertando que a oferta de contrato de investimento (sem registro prévio) vinculado à especulação no mercado de criptomoedas é prática irregular por se tratar de espécie de contrato de investimento coletivo.
Crime
A oferta pública de valores mobiliários sem prévio registro na CVM configura, em tese, crime contra o sistema financeiro nacional, tipificado pelo art. 7º, II, da Lei nº 7.492/86:
Art. 7º Emitir, oferecer ou negociar, de qualquer modo, títulos ou valores mobiliários:
(…)
II - sem registro prévio de emissão junto à autoridade competente, em condições divergentes das constantes do registro ou irregularmente registrados;
Na situação analisada, considerando outras peculiaridades do caso concreto, o Ministério Público Federal ofereceu denúncia contra Francisco e os demais envolvidos pela prática dos crimes tipificados nos arts. 4º, 5º, 7º, II, e 16, todos da Lei nº 7.492/86.
De quem é a competência para julgar tais imputações?
Justiça Federal. Compete à Justiça Federal julgar os crimes contra o sistema financeiro nacional previstos na Lei nº 7.492/86. Com efeito, a CF/88 prevê, em seu art. 109, VI:
Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: (…) VI - os crimes contra a organização do trabalho e, nos casos determinados por lei, contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira;
O inciso VI afirma que os crimes contra o sistema financeiro e contra a ordem econômico-financeira somente serão de competência da Justiça Federal nos casos determinados por lei.
Em outras palavras, nem todos os crimes contra o sistema financeiro e contra a ordem econômicofinanceira serão de competência da Justiça Federal, mas apenas nas hipóteses em que lei assim determinar.
Os crimes contra o sistema financeiro estão previstos na Lei nº 7.492/86 e são julgados pela Justiça Federal por expressa previsão legal. Isso porque o art. 26 da Lei nº 7.492/86 estabelece:
Art. 26. A ação penal, nos crimes previstos nesta lei, será promovida pelo Ministério Público Federal, perante a Justiça Federal.
O crime de poluição qualificada consistente no depósito de resíduo tóxico em determinado ambiente é crime instantâneo ou permanente?
Resumo
Os delitos previstos no:
- art. 54, § 2º, I, II, III e IV e § 3º e
- art. 56, § 1º, I e II,
- cumulados com a causa de aumento de pena do art. 58, I, da Lei nº 9.605/98,
… que se resumem na ação de causar poluição ambiental que provoque danos à população e ao próprio ambiente, em desacordo com as exigências estabelecidas na legislação de proteção, e na omissão em adotar medidas de precaução nos casos de risco de dano grave ou irreversível ao ecossistema,
… são crimes de natureza permanente, para fins de aferição da prescrição.
Caso concreto: a empresa ré armazenou inadequadamente causando grave poluição da área degradada, sendo que, até o momento de prolação do julgado, não havia tomado providências para reparar o dano, caracterizando a continuidade da prática infracional. Desse modo, constata-se que o crime de poluição qualificada é permanente, ainda que por omissão da ré, que foi prontamente notificada a reparar o dano causado, mas não o fez. STJ. 5ª Turma.AgRg no REsp 1.847.097-PA, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 05/03/2020 (Info 667).
Inteiro teor
A situação concreta foi a seguinte:
Determinada empresa armazenou inadequadamente seu lixo industrial, causando grave poluição.
Vale ressaltar que a empresa não tomou qualquer providência para reparar o dano.
Diante disso, ela foi condenada pela prática dos seguintes delitos previstos na Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/98):
Art. 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.
(…) § 2º Se o crime:
I - tornar uma área, urbana ou rural, imprópria para a ocupação humana;
II - causar poluição atmosférica que provoque a retirada, ainda que momentânea, dos habitantes das áreas afetadas, ou que cause danos diretos à saúde da população;
III - causar poluição hídrica que torne necessária a interrupção do abastecimento público de água de uma comunidade;
IV - dificultar ou impedir o uso público das praias;
(…) Pena - reclusão, de um a cinco anos. § 3º Incorre nas mesmas penas previstas no parágrafo anterior quem deixar de adotar, quando assim o exigir a autoridade competente, medidas de precaução em caso de risco de dano ambiental grave ou irreversível.
Art. 56. Produzir, processar, embalar, importar, exportar, comercializar, fornecer, transportar, armazenar, guardar, ter em depósito ou usar produto ou substância tóxica, perigosa ou nociva à saúde humana ou ao meio ambiente, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou nos seus regulamentos:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.
§ 1º Nas mesmas penas incorre quem:
I - abandona os produtos ou substâncias referidos no caput ou os utiliza em desacordo com as normas ambientais ou de segurança;
II - manipula, acondiciona, armazena, coleta, transporta, reutiliza, recicla ou dá destinação final a resíduos perigosos de forma diversa da estabelecida em lei ou regulamento. (…)
Art. 58. Nos crimes dolosos previstos nesta Seção, as penas serão aumentadas: I - de um sexto a um terço, se resulta dano irreversível à flora ou ao meio ambiente em geral; (…)
A empresa alegou que houve prescrição. O Ministério Público, por sua vez, sustentou que os crimes praticados são permanentes e, por isso, não se operou a prescrição. O que o STJ decidiu?
São crimes permanentes.
A empresa causou poluição ambiental que provocou danos à população e ao próprio ambiente, em desacordo com as exigências estabelecidas na legislação de proteção. Além disso, foi omissa porque não adotou medidas de precaução em um caso de risco de dano grave ou irreversível ao ecossistema.
Para o STJ, a conduta criminosa ultrapassou a ação inicial, ou seja, os efeitos decorrentes da poluição permaneceram diante da própria omissão da empresa recorrente em corrigir ou diminuir os efeitos geradores da conduta inaugural.
Assim, no caso em exame, o crime de poluição qualificada é permanente, diante da continuidade da prática infracional, ainda que por omissão da ré, que foi prontamente notificada a reparar o dano causado – retirar os resíduos e assim não o fez.
Vale ressaltar que o STJ, ao analisar outro delito (o do art. 48 da Lei nº 9.605/98) construiu o entendimento de que não é possível se falar em prescrição em crimes ambientais se as atividades lesivas ao meio ambiente não foram cessadas:
O delito previsto no art. 48 da Lei de Crimes Ambientais possui natureza permanente, cuja consumação se perdura no tempo até que ocorra a cessação da atividade lesiva ao meio ambiente, momento a partir do qual se considera consumado e se inicia a contagem do prazo prescricional, nos termos do art. 111, inciso III, do Código Penal. STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 1482369/DF, Rel. Min. Leopoldo de Arruda Raposo (Desembargador Convocado do TJ/PE), julgado em 16/06/2015.
Esse mesmo raciocínio pode ser aplicado para o caso concreto.
Uma última pergunta: no caso concreto, a ré era uma pessoa jurídica que, por óbvio, não está sujeita a penas privativas de liberdade. Quais serão as regras de prescrição penal nesta hipótese? Mesmo não sendo cabível a pena privativa de liberdade, utiliza-se o art. 109 do CP para se calcular a prescrição?
SIM.
Em crimes ambientais, embora incabível a imposição de penas privativas de liberdade às pessoas jurídicas, o prazo prescricional deve obedecer à regra do art. 109, parágrafo único, do CP, que estabelece serem aplicáveis, às sanções restritivas de direitos, os mesmos prazos definidos para a prescrição da pena corporal. STJ. 6ª Turma. AgRg no REsp 1712991/SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 11/09/2018.
Veja o dispositivo legal mencionado:
Art. 109 (…) Parágrafo único. Aplicam-se às penas restritivas de direito os mesmos prazos previstos para as privativas de liberdade.
Constitui crime o porte de arma branca?
Resumo
A previsão do art. 19 da Lei das Contravenções Penais continua válida ainda hoje?
- Em relação à arma de fogo: NÃO. O porte ilegal de arma de fogo caracteriza, atualmente, o crime previsto nos arts. 14 ou 16 do Estatuto do Desarmamento.
- Em relação à branca: SIM. O art. 19 do Decreto-lei nº 3.688/41 permanece vigente quanto ao porte de outros artefatos letais, como as armas brancas.
A jurisprudência do STJ é firme no sentido da possibilidade de tipificação da conduta de porte de arma branca como contravenção prevista no art. 19 do DL 3.688/41, não havendo que se falar em violação ao princípio da intervenção mínima ou da legalidade. STJ. 5ª Turma. RHC 56.128-MG, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 10/03/2020 (Info 668).
Inteiro teor
Essa previsão continua válida ainda hoje?
• Em relação à arma de fogo: NÃO.
No que tange às armas de fogo, o art. 19 da Lei de Contravenção Penal foi tacitamente revogado pelo art. 10 da Lei nº 9.437/97, que por sua vez também foi revogado pela Lei nº 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento).
O porte ilegal de arma de fogo caracteriza, atualmente, o crime previsto nos arts. 14 ou 16 do Estatuto do Desarmamento, conforme seja a arma permitida ou proibida.
Em relação à branca: SIM
O art. 19 do Decreto-lei nº 3.688/41 permanece vigente quanto ao porte de outros artefatos letais, como as armas brancas.
Exemplos e arma branca (considerada arma imprópria): faca, facão, canivete etc.
O art. 12, I, da Lei nº 8.137/90 prevê que a pena do crime de sonegação fiscal (art. 1º, I, da Lei nº 8.137/90) deverá ser aumentada no caso de o delito “ocasionar grave dano à coletividade”.
Quando se considera que o delito causa grave dano à coletividade?
Resumo
O art. 12, I, da Lei nº 8.137/90 prevê que a pena do crime de sonegação fiscal (art. 1º, I, da Lei nº 8.137/90) deverá ser aumentada no caso de o delito “ocasionar grave dano à coletividade”. A jurisprudência entende que se configura a referida causa de aumento quando o agente deixa de recolher aos cofres públicos uma vultosa quantia. Em outras palavras, se o valor sonegado foi alto, incide a causa de aumento do art. 12, I.
Nesse cálculo deve-se incluir também os juros e multa:
Para os fins da majorante do art. 12, I, da Lei nº 8.137/90 (grave dano à coletividade), o dano tributário deve ser valorado considerando seu valor atual e integral, incluindo os acréscimos legais de juros e multa.
A Portaria nº 320, editada pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, prevê que os contribuintes que estão devendo acima de R$ 1 milhão são considerados “grandes devedores” e devem receber tratamento prioritário na atuação dos Procuradores.
O STJ utiliza, então, essa Portaria como parâmetro para analisar a incidência ou não da causa de aumento do art. 12, I:
A majorante do grave dano à coletividade, trazida pelo art. 12, I, da Lei nº 8.137/90, deve se restringir a situações especiais de relevante dano. Desse modo, é possível, para os tributos federais, utilizar, analogamente, o critério previsto no art. 14 da Portaria 320/PGFN, por meio do qual se definiu administrativamente os créditos prioritários como sendo aqueles de valor igual ou superior a R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais).
E se a sonegação fiscal envolver tributos estaduais ou municipais, como deverá ser o parâmetro nesses casos?
Em se tratando de tributos estaduais ou municipais, o critério deve ser, por equivalência, aquele definido como prioritário ou de destacados créditos (grandes devedores) para a fazenda local.
Dito de outro modo, em caso de tributos estaduais ou municipais, não se de deve utilizar a Portaria 320/PGFN, mas sim os eventuais atos normativos estaduais e municipais que definam o que sejam “grandes devedores” para o Fisco local. STJ. 3ª Seção. REsp 1.849.120-SC, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 11/03/2020 (Info 668).
O STF comunga do mesmo entendimento e utiliza como parâmetro esses atos infralegais que definem “grandes devedores”?
Não. Existe julgado do STF no qual foi afastado esse critério: “Quanto à Portaria 320/2008 da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, anoto que essa norma infralegal apenas dispõe sobre o Projeto Grandes Devedores no âmbito da PGFN, conceituando, para os seus fins, os “grandes devedores”, com o objetivo de estabelecer, na Secretaria da Receita Federal do Brasil, método de cobrança prioritário a esses sujeitos passivos de vultosas obrigações tributárias, sem limitar ou definir, no entanto, o grave dano à coletividade, ao contrário do que afirma o impetrante.” (STF. 2ª Turma. HC 129284/PE, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 17/10/2017. Info 882).