Jurisprudência STF - 2021 Flashcards
É constitucional a previsão legal que determina o afastamento do servidor público pelo simples fato de ele ter sido indiciado pela prática de crime?
Resumo
É inconstitucional a determinação de afastamento automático de servidor público indiciado em inquérito policial instaurado para apuração de crimes de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores.
Com base nesse entendimento, o STF declarou inconstitucional o art. 17-D da Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei nº 9.613/98):
Art. 17-D. Em caso de indiciamento de servidor público, este será afastado, sem prejuízo de remuneração e demais direitos previstos em lei, até que o juiz competente autorize, em decisão fundamentada, o seu retorno.
O afastamento do servidor somente se justifica quando ficar demonstrado nos autos que existe risco caso ele continue no desempenho de suas funções e que o afastamento é medida eficaz e proporcional para se tutelar a investigação e a própria Administração Pública. Tais circunstâncias precisam ser apreciadas pelo Poder Judiciário. STF. Plenário. ADI 4911/DF, rel. orig. Min. Edson Fachin, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 20/11/2020 (Info 1000).
Inteiro teor
[…]
Afastamento deve ser apreciado pelo Poder Judiciário
O afastamento do servidor somente se justifica quando ficar demonstrado nos autos que existe risco caso ele continue no desempenho de suas funções e que o afastamento é medida eficaz e proporcional para se tutelar a investigação e a própria Administração Pública. Tais circunstâncias precisam ser apreciadas pelo Poder Judiciário.
A necessidade concreta de afastar o servidor pode ocorrer a partir de representação da autoridade policial ou do Ministério Público, na forma de medida cautelar diversa da prisão, conforme preveem os arts. 282, § 2º, e 319, VI, do CPP.
Afronta ao princípio da proporcionalidade
O indiciamento representa a análise técnico-jurídica do Delegado de Polícia que concluiu pela probabilidade do crime objeto da investigação. Trata-se, contudo, de um juízo prévio (pré-processual) e não vinculante. Logo, tendo em vista as características do sistema acusatório, o Ministério Público não está obrigado a seguir o indiciamento realizado pela autoridade policial.
Pelo art. 17-D, o afastamento do servidor estaria automaticamente vinculado ao indiciamento, que é uma atividade discricionária da autoridade policial, ocorrendo independentemente do início da ação penal e da análise dos requisitos necessários para a efetivação dessa grave medida constritiva.
Afastar o servidor nesses moldes, com o mero indiciamento, viola o princípio da proporcionalidade.
O ato de indiciamento não gera e não pode gerar efeitos materiais em relação ao indiciado, já que se trata de mero ato de imputação de autoria de natureza preliminar, provisória e não vinculante ao titular da ação penal.
Presunção de inocência
A presunção de inocência exige que a imposição de medidas coercitivas ou constritivas aos direitos dos acusados, no decorrer de inquérito ou processo penal, seja amparada em requisitos concretos que sustentam a fundamentação da decisão judicial impositiva, não se admitindo efeitos cautelares automáticos ou desprovidos de fundamentação idônea.
Violação à isonomia
Vale ainda mencionar um último argumento: a norma do art. 17-D viola também o princípio da isonomia. Isso porque ela faz uma distinção sem sentido entre acusados que foram previamente indiciados de acusados que não foram indiciados.
O inquérito policial e o indiciamento são dispensáveis, ou seja, o MP pode oferecer a denúncia mesmo que não sejam realizados. Isso significa que a norma do art. 17-D cria uma distinção sem sentido: os acusados que foram previamente indiciados pela autoridade policial estarão afastados de suas funções. Por outro lado, os acusados que foram denunciados sem prévio indiciamento irão permanecer, em regra, no exercício de seus cargos.
Existem normas jurídicas que determinam o afastamento, mas não com o mero indiciamento
Importante destacar que existem normas no ordenamento jurídico nacional que preveem o afastamento de servidor investigado por crimes graves, mas exigem representação da autoridade policial ou do Ministério Público, bem como decisão judicial fundamentada para a imposição da medida, verificando-se sua necessidade e proporcionalidade no confronto entre os interesses públicos e os interesses individuais do investigado.
Cite-se, por exemplo, o art. 2º, § 5º, da Lei de Organização Criminosa (Lei nº 12.850/2013), que prevê a reserva de jurisdição para o afastamento cautelar de servidor público:
Art. 2º (…) § 5º Se houver indícios suficientes de que o funcionário público integra organização criminosa, poderá o juiz determinar seu afastamento cautelar do cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração, quando a medida se fizer necessária à investigação ou instrução processual.
No mesmo sentido, o art. 56, § 1º, da Lei nº 11.343/2006:
Art. 56. Recebida a denúncia, o juiz designará dia e hora para a audiência de instrução e julgamento, ordenará a citação pessoal do acusado, a intimação do Ministério Público, do assistente, se for o caso, e requisitará os laudos periciais. § 1º Tratando-se de condutas tipificadas como infração do disposto nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 a 37 desta Lei, o juiz, ao receber a denúncia, poderá decretar o afastamento cautelar do denunciado de suas atividades, se for funcionário público, comunicando-se ao órgão respectivo. (…)
Percebe-se que tais normas, instituídas para o combate de crimes tão graves quanto a lavagem ou ocultação de capitais, determinam que o afastamento do servidor, além de depender de decisão judicial, deve fundar-se em juízo de valor específico, qual seja, o prejuízo à investigação criminal, à instrução processual e, por que não, à reiteração criminosa, decorrentes da manutenção do servidor público em suas funções.
Daí que o afastamento, considerando a necessidade de fundamentação específica da decisão, não pode ser consequência automática prevista em lei para o ato administrativo do indiciamento, ou mesmo o recebimento da denúncia oferecida, obedecendo-se, com isto, ao princípio constitucional da proporcionalidade das medidas restritivas de direitos.
Independente do número de habitantes da cidade, o policial municipal tem direito ao porde de armas?
Resumo
O art. 6º, III e IV, da Lei nº 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento) somente previa porte de arma de fogo para os guardas municipais das capitais e dos Municípios com maior número de habitantes. Assim, os integrantes das guardas municipais dos pequenos Municípios (em termos populacionais) não tinham direito ao porte de arma de fogo.
O STF considerou que esse critério escolhido pela lei é inconstitucional porque os índices de criminalidade não estão necessariamente relacionados com o número de habitantes.
Assim, é inconstitucional a restrição do porte de arma de fogo aos integrantes de guardas municipais das capitais dos estados e dos municípios com mais de 500.000 (quinhentos mil) habitantes e de guardas municipais dos municípios com mais de 50.000 (cinquenta mil) e menos de 500.000 (quinhentos mil) habitantes, quando em serviço. Com a decisão do STF todos os integrantes das guardas municipais possuem direito a porte de arma de fogo, em serviço ou mesmo fora de serviço. Não interessa o número de habitantes do Município. STF. Plenário. ADC 38/DF, ADI 5538/DF e ADI 5948/DF, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgados em 27/2/2021 (Info 1007).
Inteiro teor
Os integrantes das guardas municipais possuem porte de arma de fogo?
O tema é regido pela Lei nº 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento). Veja o que dizem os incisos III e IV do art. 6º desse diploma:
Art. 6º É proibido o porte de arma de fogo em todo o território nacional, salvo para os casos previstos em legislação própria e para:
(…) III – os integrantes das guardas municipais das capitais dos Estados e dos Municípios com mais de 500.000 (quinhentos mil) habitantes, nas condições estabelecidas no regulamento desta Lei;
IV - os integrantes das guardas municipais dos Municípios com mais de 50.000 (cinquenta mil) e menos de 500.000 (quinhentos mil) habitantes, quando em serviço; (…)
§ 7º Aos integrantes das guardas municipais dos Municípios que integram regiões metropolitanas será autorizado porte de arma de fogo, quando em serviço.
[…]
ADI
Foram ajuizadas duas ações diretas de inconstitucionalidade contra essa previsão.
O partido político autor de uma das ações alegou que o critério utilizado pela Lei nº 10.826/2003 para permitir, ou não, o porte de arma de fogo foi apenas o número de habitantes. Ocorre que esse critério seria inadequado porque existem certas localidades com alto grau de criminalidade, mesmo sendo Municípios com um número pequeno de habitantes. Essa distinção feita pela lei seria, portanto, inconstitucional.
O STF concordou com o pedido formulado na ADI? Essa previsão é inconstitucional?
SIM.
[…]
A comprovada participação das guardas municipais no combate à criminalidade, principalmente nos Municípios com menos de 500 mil habitantes, e as estatísticas de mortes violentas (homicídios, latrocínios, lesões dolosas seguidas de morte e intervenções legais) demonstram que o aumento da criminalidade violenta não está direta e necessariamente relacionada com o número de habitantes dos Municípios.
Diante disso, é impossível compatibilizar dados estatísticos, que retratam um componente importante da violência urbana, com o fator discriminante eleito nos dispositivos impugnados. O aumento maior do número de mortes violentas, nos últimos anos, tem sido consistentemente maior exatamente nos Municípios considerados “pequenos”.
Desse modo, verifica-se que o critério escolhido pela lei vai de encontro ao princípio da igualdade, que exige que situações iguais sejam tratadas igualmente, e que eventuais fatores de diferenciação guardem observância ao princípio da razoabilidade, que pode ser definido como aquele que exige proporcionalidade, justiça e adequação entre os meios utilizados pelo Poder Público, no exercício de suas atividades, levando-se em conta critérios racionais e coerentes.
A opção do Poder Público será ilegítima se for feita sem racionalidade, mesmo que não transgrida explicitamente norma concreta e expressa da CF/88. Isso porque a razoabilidade engloba a prudência, a proporção, a indiscriminação, a proteção, a proporcionalidade, a causalidade, em suma, a não arbitrariedade.
A razoabilidade deve ser utilizada como parâmetro para que sejam evitados, como ocorreu nesse caso, os tratamentos excessivos, inadequados.
Diante de tudo que foi exposto, o STF entendeu que a solução exigível, adequada e não excessiva a ser adotada é conceder porte de arma, de forma idêntica, a todos os integrantes das guardas civis, considerando que eles participam, de forma efetiva, da segurança pública e tendo em vista que os índices de mortes violentas nos diversos Municípios não estão relacionados com o número de habitantes.
Qual pena deve ser aplicada no crime do o art. 273, § 1º-B, I, do CP?
Resumo (Atualizar Info 559 do STJ)
É inconstitucional a aplicação do preceito secundário do art. 273 do Código Penal, com redação dada pela Lei nº 9.677/98 (reclusão, de 10 a 15 anos, e multa), à hipótese prevista no seu § 1ºB, I, que versa sobre a importação de medicamento sem registro no órgão de vigilância sanitária.
Para esta situação específica, fica repristinado o preceito secundário do art. 273, na redação originária (reclusão, de 1 a 3 anos, e multa). STF. Plenário. RE 979962/RS, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 24/3/2021 (Repercussão Geral – Tema 1003) (Info 1011).
Inteiro teor
[…]
CRIME DO § 1º-B: O DELITO DO “VENDEDOR” DE PRODUTO EQUIPARADO A FALSIFICADO
§ 1º-B - Está sujeito às penas deste artigo quem pratica as ações previstas no § 1º em relação a produtos em qualquer das seguintes condições:
I - sem registro, quando exigível, no órgão de vigilância sanitária competente;
II - em desacordo com a fórmula constante do registro previsto no inciso anterior;
III - sem as características de identidade e qualidade admitidas para a sua comercialização;
IV - com redução de seu valor terapêutico ou de sua atividade;
V - de procedência ignorada;
VI - adquiridos de estabelecimento sem licença da autoridade sanitária competente.
[…]
A tese foi acolhida pelo STF? A pena prevista para o crime do § 1º-B do art. 273 do CP, fixada por força da Lei nº 9.677/98, é inconstitucional?
SIM. O STF, ao analisar um caso concreto envolvendo o inciso I do § 1º-B do art. 273 do CP, afirmou que sim:
É inconstitucional a cominação da pena em abstrato atualmente prevista no art. 273 do Código Penal — reclusão, de dez a quinze anos, e multa — para a importação de medicamentos sem registro no órgão de vigilância sanitária competente, conduta tipificada no art. 273, § 1º-B, I, do CP.
A mudança promovida pela Lei nº 9.677/98, neste ponto específico, violou a vedação de penas cruéis e afrontou os princípios constitucionais, como o da proporcionalidade e o da individualização da pena.
Violação ao princípio da individualização da pena
Presente contexto de clamor público, houve a modificação do art. 273 do CP pela Lei nº 9.677/98 (Lei dos Remédios), inclusive com a criação de figuras delitivas.
Com isso, o Código Penal passou a equiparar situações de fato bastante distintas quanto à conduta e as consequências potenciais. Pune-se a mera importação e comercialização de medicamento sem registro sanitário com as mesmas penas da falsificação ou da adulteração de medicamentos. Percebe-se, portanto, que a norma penal tratou idêntica gravidade situações que merecem reprovabilidade diferentes. Ora, importar e comercializar medicamento sem registro na ANVISA não tem a mesma reprovabilidade que a conduta de falsificar ou adulterar um medicamento.
Ao prever a mesma pena para situações com gravidades tão diferentes, o legislador violou o princípio da individualização da pena, que tem assento constitucional:
Art. 5º (…) XLVI - a lei regulará a individualização da pena (…)
Violação ao princípio da proporcionalidade
O princípio da proporcionalidade proíbe a proteção deficiente e também o excesso de punição.
No caso concreto, a pena mínima prevista para a conduta de importar ou comercializar medicamento sem registro na ANVISA é a mesma que aquela imposta para o estupro de vulnerável, a extorsão mediante sequestro e a tortura seguida de morte.
Em matéria penal, a proporcionalidade deve levar em conta a importância do bem jurídico tutelado, o grau de afetação do bem jurídico, o elemento subjetivo e a forma de participação do agente no delito.
Dessa maneira, é evidente a desproporcionalidade do preceito secundário impugnado considerada a conduta específica de importar medicação sem registro sanitário.
Pode-se mencionar, ainda, como argumentação adicional que essa pena imposta afrontou a proibição imposta pela Constituição no sentido de que o legislador preveja penas cruéis e incomuns.
Diante da declaração de inconstitucionalidade do preceito secundário do art. 273 do CP, o que fazer? Qual pena deverá ser aplicada no lugar?
O STJ tinha a seguinte posição: deve-se aplicar a pena do tráfico de drogas, prevista no art. 33, caput, da Lei nº 11.343/2006:
Art. 33 (…) Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.
O STF não concordou com essa solução jurídica. Embora possa parecer razoável, permitir a aplicação de norma secundária de outro tipo penal poderia gerar insegurança jurídica.
Para o STF, como a Lei nº 9.677/98 foi declarada inconstitucional neste ponto, a pena anterior deverá voltar a produzir seus efeitos. É o chamado efeito repristinatório da declaração de inconstitucionalidade.
Assim, aplicam-se os efeitos repristinatórios da declaração de inconstitucionalidade, com o retorno do preceito secundário do art. 273 do CP em sua redação original — reclusão, de um a três anos, e multa — na hipótese de importação de medicamentos sem o mencionado registro.
Essa decisão do STF vale apenas para o inciso I do § 1º-B do art. 273 ou também para os demais incisos?
Apenas para o inciso I.
Não foi declarada a inconstitucionalidade de toda a alteração legislativa promovida pela Lei nº 9.677/98 no art. 273 do CP.
Para que uma infração penal possa ser considerada como “crime eleitoral”, é necessário o preenchimento de quais requisitos?
1) previsão na lei eleitoral: a conduta delituosa deve estar prevista em lei que trate sobre direito eleitoral; e
2) finalidade eleitoral: a conduta do agente deve ter sido praticada com o objetivo de violar bem jurídico eleitoral, ou seja, é preciso que o crime tenha sido praticado com objetivo de atingir valores como a liberdade do exercício do voto, a regularidade do processo eleitoral e a preservação do modelo democrático.
Nesse sentido:
(…) 1. A simples existência, no Código Eleitoral, de descrição formal de conduta típica não se traduz, incontinenti, em crime eleitoral, sendo necessário, também, que se configure o conteúdo material de tal crime.
- Sob o aspecto material, deve a conduta atentar contra a liberdade de exercício dos direitos políticos, vulnerando a regularidade do processo eleitoral e a legitimidade da vontade popular. Ou seja, a par da existência do tipo penal eleitoral específico, faz-se necessária, para sua configuração, a existência de violação do bem jurídico que a norma visa tutelar, intrinsecamente ligado aos valores referentes à liberdade do exercício do voto, a regularidade do processo eleitoral e à preservação do modelo democrático.
- A destruição de título eleitoral da vítima, despida de qualquer vinculação com pleitos eleitorais e com o intuito, tão somente, de impedir a identificação pessoal, não atrai a competência da Justiça Eleitoral. (…) STJ. 3ª Seção. CC 127.101/RS, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 11/02/2015.
Se o crime foi praticado no contexto eleitoral, mas não está tipificado na legislação eleitoral, o agente responderá por crime “comum”, sendo julgado pela Justiça “comum” federal. É o caso, por exemplo, do desacato contra juiz eleitoral:
PENAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. CRIME COMUM PRATICADO CONTRA JUIZ ELEITORAL. INTERESSE DA UNIÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. 1. A competência criminal da Justiça Eleitoral se restringe ao processo e julgamento dos crimes tipicamente eleitorais. 2. O crime praticado contra Juiz Eleitoral, ou seja, contra órgão jurisdicional de cunho federal, evidencia o interesse da União em preservar a própria administração. 3. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo Federal do Juizado Especial Cível e Criminal da Seção Judiciária do Estado de Rondônia, ora suscitado. STJ. 3ª Seção. CC 45552/RO, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, julgado em 08/11/2006.