Direito da Criança e do Adolescente Flashcards
Criança e Adolescente
O ato infracional não é crime. Mesmo assim, no procedimento de apuração de ato infracional, a oitiva do representado deve ser o último ato da instrução?
Lembre-se de apresentar os argumentos dos dois lados
Sim
- O MP-RJ argumentou que os artigos 184 e 186 do ECA determinariam a oitiva do adolescente como o primeiro ato da instrução. Assim, somente após a oitiva do adolescente e de seus pais é que a defesa apresentaria rol de testemunhas e, então, seria designada audiência de continuação para ouví-las (§§ 3º e 4º do art. 186 do ECA).
- Assim, de acordo com o MP-RJ, não haveria espaço para aplicar o art. 400 do CPP (que determina o interrogatório como último ato), pois o ECA tem disposição expressa sobre o tema e, assim, afasta a aplicação subsidiária do CPP.
- A juris do STJ era nesse sentido. Todavia, em 2023 houve mudança. O principal argumento é que não se justifica, diante do princípio protetivo, aplicar ao adolescente um regime mais gravoso que o dos adultos. Como da audiência de apresentação pode resultar medidas socioeducativas (com restrição à liberdade do adolescente), tal analogia se justifica.
- Outro argumento é que o interrogatório é meio de defesa e, como tal, somente faz sentido após a instrução (não é possível se defender de algo que não se sabe).
STJ. 3ª Seção. HC 769.197/RJ, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 14/6/2023 (Info 13 – Edição Extraordinária)
Criança e Adolescente
É possível a modificação do lar de referência de criança sob guarda compartilhada para o exterior, distinto daquele em que reside um dos genitores?
Compartilhada é diferente de alternada
O q se compartilha é a responsabilidade, e não a custódia física
- Guarda compartilhada impõe o compartilhamento de responsabilidades, não se confundido com a simples custódia física conjunta da prole ou com a divisão igualitária de tempo de convivência dos filhos com os pais.
- Diferentemente do que ocorre na guarda alternada, em que há a fixação de dupla residência na qual a prole residirá com cada um dos genitores em determinado período, na guarda compartilhada é possível e desejável que se defina uma residência principal para os filhos, garantindo-lhes uma referência de lar para suas relações da vida.
- Por essas razões, a guarda compartilhada comporta as fórmulas mais diversas para sua implementação, notadamente para o regime de convivência ou de visitas.
- Assim, é admissível a fixação da guarda compartilhada na hipótese em que os genitores residem em cidades, estados ou, até mesmo, em países diferentes, especialmente porque, com o avanço tecnológico, é plenamente possível que, à distância, os pais compartilhem a responsabilidade sobre a prole, participando ativamente das decisões acerca da vida dos filhos.
STJ. 3ª Turma. REsp 2038760/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 6/12/2022 (Info 762)
Criança e Adolescente
A suspeita de ocorrência da adoção irregular de criança justifica a sua inserção em abrigo institucional?
Depende do caso concreto
Se ambiente familiar é saudável e atende os interesses da criança…
- De acordo com o STJ, “O abrigamento institucional do menor que, aparentemente, está bem inserido em um ambiente familiar, além de ter seus interesses superiores preservados, com formação de suficiente vínculo socioafetivo com os seus guardiões de fato, tem o potencial de acarretar dano grave e de difícil reparação à sua integridade física e psicológica”.
- No caso concreto, a mãe pediu ajuda a um casal de amigos não por dinheiro, mas por enfrentar problemas de saúde e financeiros. O casal cuidou bem da criança e houve a formação de vínculos afetivos. Além disso, há juris do STJ colocando o abrigo institucional como ultima ratio, somente cabível quando a manutenção na família substituta gerar risco concreto à integridade da criança.
- Tampouco há falar em certeza de adoção irregular, porque há juris do STJ recohnecendo que a ordem cronológica não é absoluta, devendo ceder ao princípio do melhor interesse, “razão de ser de todo o sistema de defesa erigido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, que tem na doutrina da proteção integral sua pedra basilar” (HC 468.691/SC, 11/03/2019).
STJ. 3ª Turma. HC 878.386-ES, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 2/4/2024 (Info 806).
Criança e Adolescente
A suposta negligência ou omissão dos genitores diante de um caso de abuso sexual é suficiente para a destituição do poder familiar?
Incapacidade do exercício do poder
Se houver elementos indicando a incapacidade de proteger a criança
Caso adaptado: a criança, de 6 anos, foi levada ao hospital pela mãe, que narrou que o garoto teria sido atropelado. A médica, contudo, constatou a existência de indícios de que teria ele sido vítima de abuso sexual. Os profissionais de saúde relataram isso para a mãe que, mesmo com todasas evidências médicas, recusou-se a considerar essa possibilidade.
O atendimento psicológico identificou também um excessivo temor da criança em relação ao genitor.
Diante desse cenário, o Ministério Público ajuizou ação de destituição do poder familiar que foi julgado procedente.
Existiam provas no sentido de que houve abuso sexual cometido contra a criança. Apesar disso, os pais, de forma muito estranha, recusaram-se a dar credibilidade às evidências científicas colhidas no exame médico-hospitalar.
Além disso, o comportamento da criança revelou preocupante temor em relação ao genitor, conforme atestaram os serviços de atendimento especializados.
Com base no microssistema do ECA, à luz do Princípio da Integral Proteção à Criança e ao Adolescente, o Tribunal de Justiça concluiu que houve ação e omissão dos genitores em face do abuso sofrido. Essa omissão associada à negação deliberada dos graves fatos demonstram, claramente, a total incapacidade de exercício do poder parental, além da submissão do infante ao constante risco de violação da sua integridade física e psicológica.
STJ. 4ª Turma.AgInt no AREsp 2403637/SC, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 6/2/2024 (Info 800).
Criança e Adolescente
A avó tem a guarda judicial do neto e pediu para incluí-lo como seu dependente natural no plano de saúde. A operadora, contudo, negou tal enquadramento, oferecendo apenas a opção de inclusão como agregado. A discussão chegou no STJ. Afinal, a regra do art. 33, §3º, do ECA (“a guarda confere à criança ou adolescente a condição de dependente, para todos os fins e efeitos de direito, inclusive previdenciários) aplica-se também às relações privadas, como as formadas no contrato de plano de saúde?
Menor sob guarda é dependente natural
para o STJ, o ECA equipara aquele sob guarda ao filho natural
O menor sob guarda judicial do titular de plano de saúde deve ser equiparado a filho natural, impondo-se à operadora a obrigação de inscrevê-lo como dependente natural - e não como agregado - do guardião.
STJ. 3ª Turma.REsp 2.026.425-MS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 23/5/2023 (Info 776).
Criança e Adolescente
Para fins de autorização para apresentação artística, qual o limite da competência do juízo da comarca de domicílio da criança ou adolescente? Ele pode autorizar apresentações apenas na mesma comarca, ou para outras comarcas também?
Caso concreto: Lucas, adolescente, realiza shows como DJ (disc-jockey) em várias cidades. Ocorre que, em cada comarca que Lucas vai se apresentar, há a necessidade de uma nova autorização judicial (alvará judicial) para que ele participe do espetáculo público. Nem sempre isso é rápido e tem atrapalhado as suas apresentações artísticas. Por isso, ele pediu que a autorização do juízo de sua comarca valesse para todas outras.
Para qualquer comarca
Regra decorre do art. 147 do ECA
O STJ decidiu que:
1. não é possível que seja concedida autorização judicial ampla, geral e irrestrita, para que o adolescente participe de espetáculos públicos até que atinja a sua maioridade civil;
2. por outro lado, não é necessário que o adolescente formule pedidos individuais, a serem examinados e decididos em cada comarca em que ocorrerá a respectiva apresentação;
3. é possível que o juízo da comarca do domicílio do adolescente (art. 147 do ECA), conceda uma autorização para que o menor participe dos espetáculos públicos, inclusive em outras comarcas, estabelecendo previamente diretrizes mínimas para a participação.
STJ. 3ª Turma. REsp 1947740-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 05/10/2021 (Info 714)
Criança e Adolescente
O juiz pode aplicar a multa do art. 249 do ECA abaixo do mínimo legal de três salários mínimos?
Sim
Ponderação entre gravidade da conduta e finanças da família
A multa imposta será revertida em favor de um fundo gerido pelo Conselho dos Direitos da Criança do Adolescente do respectivo município (art. 214 do ECA). Além disso, esse dinheiro será pago pela mãe e, obviamente, desfalcará o patrimônio da entidade familiar na qual está inserida a criança ou adolescente que se pretende proteger.
Diante disso, é admissível a redução do valor da multa do art. 249 do ECA, inclusive aquém do mínimo legal de três salários-mínimos, levando-se em consideração, de um lado, a gravidade das condutas e, de outro lado, a hipossuficiência financeira ou a vulnerabilidade da família.
STJ. 3ª Turma. REsp 1995403/MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 23/08/2022 (Info 746)
Criança e Adolescente
A multa aos responsáveis (art. 249 do ECA) pode ser aplicada caso o adolescente complete 18 anos no curso da apuração da infração?
A dúvida é se a multa ter caráter preventivo ou punitivo
Sem problema algum
Multa não é apenas preventiva
A multa instituída pelo art. 249 do ECA não possui caráter meramente preventivo, mas também punitivo e pedagógico, de modo que não pode ser afastada sob fundamentação exclusiva do advento da maioridade civil da vítima dos fatos que determinaram a imposição da penalidade.
STJ. 4ª Turma. REsp 1653405-RJ, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 02/03/2021 (Info 687).
A desistência de adoção de criança na fase do estágio de convivência, caso decorrido já um longo lapso temporal, configura abuso de direito?
Lei permite desistir no estágio; dúvida é se o tempo gera abuso
Não necessariamente
- No caso concreto, os candidatos a pais não possuam condições financeiras para suportar os custos do tratamento de doença grave e incurável da criança, descoberta durante o estágio de convivência.
- Além disso, a mãe biológica contestou o processo de adoção e requereu, por sucessivas vezes, que a criança lhe fosse devolvida ou que lhe fosse deferido o direito de visitação.
- Importante compreender que o caso ocorreu antes de 2017, quando o ECA ainda não previa prazo máximo para o estágio de convivência. Atualmente, a lei prevê prazo de 90 dias, o que diminui o alcance da discussão deste caso.
STJ. 4ª Turma. REsp 1.842.749/MG, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 24/10/2023 (Info 795)
A mãe pode adotar a sua filha biológica que havia sido adotada quando criança por um casal?
Sim
- No caso, a mãe biológica manteve convivência com a filha e o casal que a adotou. Houve formação de laços afetivos, e os pais da criança concordaram com a adoção. A ideia não é desfazer o vínculo com os pais adotivos, mas apenas estabelecer mais um vínculo.
- Para o juiz, “O pedido contraria a lei, pois com trânsito em julgado da ação de adoção, a adotada perde qualquer vínculo com seus genitores. Assim, não seria possível à genitora adotar sua filha biológica. A lei também diz que a adoção é irrevogável, enfatizando, ainda mais, o seu caráter definitivo. Além do mais, caso fosse procedente tal ação, um perigoso precedente seria criado, o que significaria relativizar erroneamente o instituto, comprometendo a segurança jurídica das relações parentais decorrentes da adoção”
- STJ, contudo, discordou. para a Corte, a lei não proíbe que uma pessoa que já foi adotada anteriormente, seja novamente adotada.
- Assim, o pedido de nova adoção é juridicamente possível. A irrevogabilidade da primeira adoção visa proteger os interesses do menor adotado, vedando que os adotantes se arrependam da adoção efetivada, não impedindo uma nova adoção.
STJ. 4ª Turma. REsp 1293137/BA, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 11/10/2022 (Info 754)
O risco real de contaminação pela Covid-19 em casa de abrigo justifica a manutenção de criança de tenra idade com a família substituta? E se os meios empregados para obter a guarda da criança forem irregulares ou ilegais?
Se não há risco físico ou psicológico
Se a única questão for a burla ao cadastro de adoção, justifica
No caso concreto, a o juiz determinou que a criança ficasse em acolhimento institucional (“abrigo”) unicamente pelo fato de estarem presentes indícios de que houve burla ao cadastro de adoção, não tendo sido cogitado qualquer risco físico ou psicológico à criança.
Neste momento de situação pandêmica, apesar de aparentemente ter ocorrido a vedada “adoção à brasileira”, é preferível e recomendada a manutenção da criança em um lar já estabelecido, com uma família que a deseja como membro.
STJ. 3ª Turma.HC 735525/SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 21/6/2022(Info 742)
O ECA permite a adoção personalíssima nas hipóteses do §13 de seu artigo 50: adoção unilateral, a postulada por quem detém a tutela/guarda legal e por parente com o qual a criança ou adolescente mantenha vínculos de afinidade ou afetividade.
Qual o alcance do conceito de parente, para tal finalidade? É possível extrapolar a limitação contida no Código Civil (“Art. 1.592. São parentes em linha colateral ou transversal, até o quarto grau, as pessoas provenientes de um só tronco, sem descenderem uma da outra”), permitindo, por exemplo, que colaterais por afinidade mais distantes postulem a adoção personalíssima?
No caso, a genitora era filha da irmã da cunhada de um dos adotantes.
Família eudemonista
Na busca do melhor interesse, parentesco afetivo, e não o civil
- A CF/88 rompeu com os paradigmas clássicos de família. O conceito de “família” adotado pelo ECA é amplo, abarcando tanto a família natural como a extensa/ampliada, sendo a affectio familiae o alicerce jurídico imaterial que pontifica o relacionamento entre os seus membros, essa constituída pelo afeto e afinidade que, por serem elementos basilares do Direito das Famílias hodierno, devem ser evocados na interpretação jurídica voltada à proteção e melhor interesse das crianças e adolescentes.
- O art. 50, § 13, II, do ECA, ao afirmar que podem adotar os parentes que possuem afinidade/afetividade para com a criança, não promoveu qualquer limitação, a denotar, por esse aspecto, que a adoção por parente (consanguíneo, colateral ou por afinidade) é amplamente admitida quando demonstrado o laço afetivo.
- Em hipóteses como a tratada no caso, critérios absolutamente rígidos previstos na lei não podem preponderar, notadamente quando em foco o interesse pela prevalência do bem estar, da vida com dignidade do menor.
- A ordem cronológica de preferência das pessoas previamente cadastradas para adoção não tem um caráter absoluto, devendo ceder ao princípio do melhor interesse da criança e do adolescente.
STJ. 4ª Turma. REsp 1911099-SP, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 29/06/2021 (Info 703)
A diferença etária mínima de 16 anos entre adotante e adotado, prevista no art. 42, § 3º do ECA, pode ser relativizada?
Pode
O que prevalece é o melhor interesse da criança ou adolescente
STJ. 4ª Turma. REsp 1338616-DF, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 15/06/2021 (Info 701)
Os adotantes podem pedir a rescisão de sentença de adoção sob a alegação de perceberam, após a concessão, que a criança/adolescente não desejava ser filho deles (não queria, portanto, ser adotado)?
No caso concreto, o adolescente (13 anos) foi adotado por seus padrinhos, mas pouco tempo depois fugiu de casa, deixando carta afirmando que não queria ser adotado e tampouco estudar. Os pais, então, ajuizaram a rescisória, alegando que a concordância do adolescente (essencial para a adoção) não era real. E aí? A adoção é irrevogável mesmo neste caso?
Se adotando confirmar após os 18 anos
Novamente, o que prevalece é a proteção integral e o melhor interesse
- É possível, mesmo ante a regra da irrevogabilidade da adoção, a rescisão de sentença de adoção ao fundamento de que o adotado, à época da adoção, não a desejava verdadeiramente e de que, após atingir a maioridade, manifestou-se nesse sentido.
- A interpretação sistemática e teleológica do § 1º do art. 39 do ECA conduz à conclusão de que a irrevogabilidade da adoção não é regra absoluta, podendo ser afastada sempre que, no caso concreto, verificar-se que a manutenção da medida não apresenta reais vantagens para o adotado, tampouco é apta a satisfazer os princípios da proteção integral e do melhor interesse da criança e do adolescente.
STJ. 3ª Turma. REsp 1892782/PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 06/04/2021 (Info 691)
É admissível o uso do nome afetivo pela criança que se encontra sob guarda provisória dos adotantes, em tutela antecipatória deferida antes da prolação da sentença de mérito da ação de adoção?
Se preenchidos requisitos legais
Não basta, portanto, probabilidade de obter adoção
- A concessão de tutela antecipatória para deferimento do uso do nome afetivo pressupõe não apenas o exame da probabilidade do direito alegado e do risco de ineficácia do provimento final ou de dano irreparável ou de difícil reparação, mas, também, o exame da reversibilidade da tutela deferida e de que o dano resultante da concessão da medida não seja superior ao que se deseja evitar.
- Para o deferimento de tutela antecipatória que permita o uso do nome afetivo, é insuficiente averiguar apenas se é possível o desfecho positivo da ação de adoção, sendo igualmente imprescindível examinar, sobretudo sob o ponto de vista psicológico, se há efetivo benefício à criança com a imediata consolidação de um novo nome e se esse virtual benefício será maior do que o eventual prejuízo que decorreria do insucesso da adoção após a consolidação prematura de um novo nome.
- A decisão que concede a autorização do uso imediato do nome afetivo deve, obrigatoriamente, estar fundada elementos fático-probatórios científicos, exigindo-se a realização de estudo psicossocial especificamente realizado para essa finalidade, a fim de municiar o julgador de elementos técnicos aptos a tomada de uma decisão que alie, na medida certa, urgência, segurança e efetivo benefício à criança.
STJ. 3ª Turma. REsp 1878298/MG, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Rel. p/ Acórdão Min. Nancy Andrighi, julgado em 16/03/2021