Aplicação da lei no tempo Flashcards
Dois princípios
Princípio da irretroatividade da lei penal (art. 29º, n1º da CRP e art. 2º, n1º do CP) e princípio da aplicação retroativa da lei posterior mais favorável (art. 29º, n4º da CRP e art. 2º, n2º e n4º do CP)
Norma penal só se aplica para o futuro
Apenas pode haver condenação pela prática de crimes previstos em data anterior à prática do facto
Função garantística
Ninguém pode ser surpreendido com a condenação pela prática de um crime que à data da prática do facto não estava previsto
Principal fundamento
Ideia de necessidade da pena: destinada a alcançar certos fins
Se um facto deixar de constituir um crime
Povo, através dos seus representantes, decidem que aquele facto deixa de ter tutela penal (facto deixa deixa de ter dignidade penal)
Tempus delicti
Art. 3º do CP: o momento da prática do facto é o momento da atuação do agente ou deveria ter atuado (caso de omissão), independentemente do momento em que o resultado típico se tenha produzido
Crime: facto jurídico
Pode ser de execução instantânea ou duradoura: realiza-se em todos os momentos em que tiverem lugar os elementos que o constituem
Início da execução
Já há crime, na forma de tentativa, embora em alguns casos possa ficar impune (art. 22º)
Facto determinante para fixar o tempus delicti
Primeiro ato de execução (já há crime no início da execução)
Alteração das leis no decurso da prática do facto
Relevante a determinação do momento em que se considera que o facto foi praticado
Crimes omissivos
Ver qual foi o último momento em que a pessoa poderia ter adotado a conduta imposta pelo DP
Crimes instantâneos de execução complexa
Prolongam-se no tempo (ex.: morte por envenenamento em pequenas doses): evento do crime não se verifica durante todo o período de execução, correspondendo ao fim de execução ou posteriormente
Crimes instantâneos de execução complexa: aplicação da lei no tempo
Se durante o decurso do tempo surgir uma lei nova, ainda que mais gravosa, é esta a lei aplicável (agente pode sempre desistir de prosseguir a atividade criminosa, ficando impune do comportamento anterior
Crimes de execução permanente
Factos de atuação complexa: execução prolonga-se no tempo (início da execução não coincide com o fim)
Evento do crime
Ocorre desde o início da execução até ao fim (ex.: sequestro)
Crimes de execução permanente: duas soluções
- Aplicação da lei em vigor no início da execução: agente só podia contar com a valoração típica dessa lei
- Aplicação da lei em vigor no momento em que se verifica o fim da execução, mesmo sendo mais gravosa: o agente, até ao fim da execução, podia ter desistido, beneficiando do regime da desistência previsto nessa altura na globalidade (se vai beneficiar desse regime, deve-lhe ser aplicado sempre o regime previsto nessa altura)
Concurso de crimes
Momento relevante: momento da prática do último crime em concurso (é em função da prática do último crime que se há-de determinar o regime de concurso aplicável: aplicável retroativamente o regime posterior mais favorável)
Crime continuado
Agente adota condutas isoladamente consideradas e que podiam traduzir uma diversidade de crimes, mas a nossa lei equipará-os e tipifica-os num só crime (art. 69º: punido o comportamento mais grave da continuação criminoso)
Crime continuado: ponderação dos regimes globalmente
Não pode considerar-se isoladamente a pena aplicável a cada crime sem a consideração conjunta da pena aplicável ao crime continuado para determinar em concreto qual o regime mais favorável
Aplicação retroativa da lei mais favorável
- Descriminalização do facto: art. 2º, n2º
- Sucessão das leis penais: art. 2º, n4º
Descriminalização
Lei posterior que elimina o facto das infrações penais aplica-se retroativamente, mesmo que o caso tenha transitado em julgado
Facto deixa de ser crime
Cessou a razão que determinava o legislador a qualificar o facto como crime (não se justifica mais a punição)
Prevenção geral ou especial
Não há mais que prevenir aquele facto pois deixa de ter relevância penal
Retribuição e reintegração do agente
Não há mais motivo que justifique o castigo pela sua prática: ao praticar o facto, o agente não está a afrontar valores essenciais à vida em sociedade
Facto para ser crime
Conduta subsumível ao tipo legal de crime: facto ilícito e culposo (agente tem de ser imputável e tem de atuar com dolo)
Estamos perante uma descriminalização
- Revogação da norma incrimandora
- Modificação da norma incriminadora: eliminação da previsão do facto como crime
- Modificação da natureza jurídica do facto: perda da relevância criminal
- Novas regras determinantes da exclusão da ilicitude (causas de justificação)
- Novas regras determinantes da exclusão da culpa (causas de exculpação)
- Novas regras de prescrição e aministia: extinção da responsabilidade penal do agente pela prática do facto
Alteração dos elementos do tipo legal em sentido estrito
Lei nova altera a estrutura do tipo legal: acrescenta, retira ou substituí algum elemento que constava da lei antiga
Questão
Saber se determinado facto, praticado na vigência da lei antiga, foi descriminalizado ou continua a ser considerado crime de acordo com lei nova
Critério do facto concreto
- Facto praticado na vigência da LA continua a ser punível pela LN desde que tal facto seja subsumível formalmente a ambas as leis
- Verdadeira sucessão de leis, tendo se aplicar a lei mais favorável caso as penas tenham sido alteradas (art. 2º, n4º)
Crítica ao critério do facto concreto (Prof. Taipa de Carvalho)
- Permite que sejam retroativamente valoradas como tipicamente agravantes circunstâncias que na LA não o eram
- Menospreza a função de orientação e de previsibilidade que cabe à lei penal
Critério da continuidade valorativa-típica: supressão de elementos típicos da LA
Facto praticado na vigência da LA e a esta subsumível continua a ser punível, depois da entrada da LN: aplicação da lei penal mais favorável
Critério da continuidade valorativa-típica: troca de elementos típicos
Não existe uma relação de continuidade normativa-típica entre a LA e a LN: facto é despenalizado ou desqualificado penalmente
Critério da continuidade valorativa-típica: adição de novos elementos
Despenalização das condutas, mesmo que tais condutas preencham os requisitos da LN: aceitar a continuidade da punibilidade era valorar, retroativamente como típica, uma circunstância que na altura em que o facto foi praticado não era
Sucessão de leis
Facto punível pela LA continua a sê-lo pela LN
Aplica-se sempre o regime que se mostrar em concreto mais favorável ao delinquente
Lei que vigorava à prática do facto ou qualquer lei posterior mais favorável
Escolha de lei mais favorável
Em bloco, em conjunto e em concreto: comparação dos resultados da aplicação das leis ao caso concreto (não se podem escolher os elementos mais favoráveis de uma lei e de outra)
Modificação superveniente da norma incriminadora
- Norma determinante da pena em concreto mais favorável: penalidade mais baixa; diminuição, em concreto, da duração da pena de prisão ou do montante da multa; novas circunstâncias atenuantes ou substituição da pena de prisão por pena de multa
- Norma determinante de condições em concreto mais favoráveis ao cumprimento da pena: suspensão da execução da pena ou substituição da pena de prisão ou de multa por pena acessória mais favorável
Ressalva do caso julgado (versão originária do art. 2º, n4º): constitucional
- Necessidade de tutela do princípio da intangibilidade do caso julgado (justificava a restrição do direito fundamental à aplicação retroativa da lei mais favorável à luz do art. 18º, n2º)
- Prof. Figueiredo Dias: evitar o caos nos tribunais uma vez que todas as setenças transitadas em julgado teriam de ser revistas pelo tribunal para saber se a nova lei era em concreto mais favorável
Ressalva do caso julgado (versão originária do art. 2º, n4º): inconstitucional
- Violação do art. 29º, n4º: letra e espírito da lei não admitem ressalvas ou limites à aplicação da lei penal mais favorável
- Art. 29º, n5º (princípio ne bis in idem): traduz uma garantia do cidadão face ao poder punitivo estadual logo não pode constituir impedimento à concretização de mandados constitucionais que visam a proteção dos cidadãos
- Intangibilidade do caso julgado: não é absoluta
Eliminação da ressalva do caso julgado: lei 59/2007
- Se o condenado já tiver cumprido pena igual ou superior ao limite máximo previsto na nova lei: execução da pena cessa de imediato
- Qualquer outro caso: condenado tem de pedir a reabertura da audiência (art. 371º-A do CPP)
Ac. 164/2008
- Aplicação automática da lex mitior mediante a cessação instantânea da execução da pena quando, tendo nova lei mais favorável envolvido a diminuição do limite máximo previsto na moldura abstrata, o agente já tenha cumprido a pena correspondente a esse limite (art. 2º, n4º)
- Necessidade de reabertura da audiência, nos restantes casos (art. 371º-A) ainda que não tenha cumprido o novo limite máximo da pena de prisão aplicável ao crime em causa
Questão da produção de prova
Reabertura não é um novo julgamento: só pode haver produção de prova quando relevante para a determinação da sanção em virtude das alterações introduzidas pela nova lei
Questão da culpabilidade
Não é suscetível de alteração
Questão da suspensão da execução da pena de prisão
- Art. 50º, n2º: suspensão não pode ser superior à pena concreta
- Alteração resulta da própria lei: não é necessária a reabertura da audiência (aplicação analógica do art. 2º, n4º)
- Ac. 15/2009 de Uniformização de Jurisprudência: é preciso o requerimento para a reabertura da audiência nestes casos
Leis processuais materiais
Se a lei tem relação com a própria punição do agente: art. 5º do CPP (aplicação aos casos em julgamento) ou aplicação retroativa da lei mais favorável
Leis intermédias
Lei que não vigora ao tempo da prática do facto nem no momento em que é proferida a setença: aplicada nos casos de descriminalização e de aplicação da lei mais favorável
Leis temporárias
Destinam-se a vigorar durante um determinado período de tempo ou em que se verifiquem determinados circunstâncias excecionais
Podem ser revogadas
Legislador entende que são desajustadas, que não tutela valores essenciais ou que foram erroneamente decretadas
Caducidade
Decretada a vigorar durante um determinado período de tempo: alteradas as circunstâncias a lei deixa de se justificar e vigorar
Art. 2º, n3º do CP
Quando a lei valer para um determinado período de tempo, continua a ser punível o facto praticado durante esse período