Polifarmácia Flashcards
O que é polifarmácia?
Dentro desse contexto, estudos mostram que a maioria (80 a 90%) dos idosos utilizam pelo menos um medicamento e 30 a 40% fazem uso de polifarmácia (5 ou mais medicamentos concomitantes) (Rozenfeld, 2003). Esse padrão de consumo medicamentoso, associado às doenças e alterações próprias do envelhecimento, desencadeia constantemente efeitos colaterais e interações medicamentosas com graves consequências a pacientes nessa faixa etária, conforme melhor visualizado na Figura 93.1.
O envelhecimento populacional é uma realidade brasileira. O número de idosos no Brasil passou de 3 milhões em 1960, para 7 milhões em 1975, e 20 milhões em 2008 – um aumento de quase 700% em menos de 50 anos. Essa realidade é considerada mundial, visto que alguns países, como Itália e Japão, possuem mais de 30% de idosos em suas sociedades (Veras, 2009).
Esse novo cenário coloca em xeque as políticas públicas de saúde (devido a maior demanda de utilização de serviços médicos, maior utilização de medicamentos, maior utilização dos recursos da previdência) e a própria forma do cuidar médico (aumento de doenças crônicas, tempo de consulta e cuidados paliativos) (Veras, 2009).
Particularmente no idoso, em função das alterações nos processos de farmacocinética (que incluem absorção, distribuição, metabolismo e excreção dos fármacos) e farmacodinâmica (efeito dos fármacos nos órgãos e tecidos) (Williams, 2002), deve-se sempre ter especial atenção na prescrição de medicamentos, podendo ser necessário o ajuste de doses ou a avaliação da adequação desse medicamento frente às mudanças nos padrões farmacológicos com o envelhecimento.
As consequências do amplo uso de medicamentos têm impacto no âmbito clínico e econômico, repercutindo na segurança do paciente. E, a despeito dos efeitos dramáticos que as mudanças orgânicas decorrentes do envelhecimento ocasionam na resposta aos medicamentos, a intervenção farmacológica é, ainda, a mais utilizada para o cuidado à pessoa idosa. De fato, o uso de medicamentos constitui hoje uma epidemia entre idosos, cuja ocorrência tem como cenário o aumento exponencial da prevalência de doenças crônicas e das sequelas que acompanham o avançar da idade, o poder da indústria farmacêutica e do marketing dos medicamentos e a medicalização presente na formação de parte expressiva dos profissionais da saúde (Secoli, 2010).
Com o aumento da expectativa de vida da população, aumenta o contingente de portadores de doenças crônicas não transmissíveis, que demandam assistência contínua e na qual os medicamentos têm um papel importante. O uso de vários medicamentos pode causar problemas tais como :
Com o aumento da expectativa de vida da população, aumenta o contingente de portadores de doenças crônicas não transmissíveis, que demandam assistência contínua e na qual os medicamentos têm um papel importante. O uso de vários medicamentos pode causar problemas tais como o aumento do risco do uso de medicamentos inadequados (incluindo interações medicamentosas e duplicação de terapia), a não adesão ao tratamento e a ocorrência de efeitos adversos (Williams, 2002).
Como pode ser definido o termo Polifarmácia?
Apesar de “polifarmácia” ser um termo constantemente utilizado na prática clínica, seu conceito ainda não é consensual, envolvendo várias definições diferentes. Polifarmácia pode ser definida como: “uso de 5 ou mais medicamentos”, “uso de pelo menos um medicamento potencialmente inapropriado” ou ainda “mais medicamentos usados do que clinicamente indicados”. Na maioria dos estudos, o primeiro conceito de “vários medicamentos (5 ou mais) sendo usados de forma concomitante” é o mais utilizado (Elmsthl e Linder, 2013).
A prevalência de polifarmácia varia nos diferentes países, compreendendo 27 a 59% em pacientes ambulatoriais e 46 a 84% em pacientes internados (Elmsthl e Linder, 2013). No Brasil, a prevalência de polifarmácia varia por região, conforme visualizado no Quadro 93.1.
Sendo assim, o uso simultâneo de vários medicamentos deve ser sempre avaliado com cautela na população idosa, pois ao mesmo tempo que podem contribuir para a manutenção da capacidade funcional e da qualidade de vida, se utilizados de forma incorreta, podem comprometê-las. Assim, ao prescrever medicamentos a idosos, deve-se estar atento a essa relação risco-benefício.
O que são afecções iatrogênicas?
Consideram-se como afecções iatrogênicas aquelas decorrentes da intervenção do médico e/ou de seus auxiliares, seja ela certa ou errada, justificada ou não, mas da qual resultam consequências prejudiciais para a saúde do paciente
Quais são os dois termos utilizados para cascata iatrogênica?
No Brasil, o processo conhecido como cascata iatrogênica é utilizado para descrever a situação em que o efeito adverso de um fármaco é interpretado incorretamente como nova condição médica que exige nova prescrição, sendo o paciente exposto ao risco de desenvolver efeitos prejudiciais adicionais relacionados ao tratamento potencialmente desnecessário (Secoli, 2010), conforme visualizado na Figura 93.2.
Entretanto, na literatura científica internacional temos dois termos que trazem dois conceitos diferentes e merecem ser destacados:
■Cascade iatrogenesis ou cascata iatrogênica que é “o desenvolvimento de complicações médicas múltiplas associadas com redução dos mecanismos para lidar com estressores externos”, tendo como exemplo um paciente com dor pós-operatória que é muito sedado, evoluindo para insuficiência respiratória, levando a necessidade de ventilação mecânica e que, subsequentemente, desenvolve uma pneumonia associada à ventilação mecânica (Rothschild et al., 2000)
■Prescribing iatrogenesis (Rochon e Gurwitz, 1997) ou iatrogenia prescritiva que “ocorre quando um evento adverso** **é interpretado incorretamente como nova condição médica que exige nova prescrição, conforme já colocado anteriormente na Figura 93.2.
A tomada de medicamentos envolve sequência de etapasm quais são elas? (5)
A tomada de medicamentos envolve sequência de etapas – prescrição, comunicação, dispensação, administração e acompanhamento clínico – o que a torna um ato complexo e vulnerável às iatrogenias, particularmente em idosos. Este processo pode ser prevenido já na etapa inicial da prescrição.
Os pacientes idosos estão especialmente sujeitos à ocorrência de eventos iatrogênicos. Muitas vezes são tratados como qualquer outro paciente adulto, sem que se leve em consideração a singularidade do processo de senescência e senilidade. Desta forma, a prevalência dos eventos iatrogênicos na população idosa pode ser elevada, posto que estas pessoas não estão recebendo um tratamento caracterizado para sua idade e assim ficam mais suscetíveis aos erros dos profissionais da saúde (dos Santos e Cedim, 2009).
Diante do exposto, é possível constatar que a ocorrência de eventos iatrogênicos adquire maior importância nos idosos, uma vez que tanto a incidência quanto a intensidade das manifestações e complicações provocadas são maiores nessa população.
Qual o principal fator de risco para iatrogenia e reações adversas?
O número de medicamentos é o principal fator de risco para iatrogenia e reações adversas, havendo relação exponencial entre a polifarmácia e a probabilidade de reação adversa, interações medicamentosas e medicamentos inapropriados para idosos (Williams, 2002).
Conceitue reação adversa a medicamento
A Organização Mundial da Saúde (OMS) define “reação adversa a medicamento” (RAM) como “qualquer efeito prejudicial ou indesejado que se manifeste após a administração do medicamento, em doses normalmente utilizadas no homem para profilaxia, diagnóstico ou tratamento de uma enfermidade” (Kawano et al., 2006).
As RAM em pessoas idosas são um grave problema de saúde pública, uma vez que os idosos são mais propensos a RAM por causa de mudanças fisiológicas próprias do envelhecimento que alteram a farmacocinética e a farmacodinâmica dos fármacos. Em função disso, há uma preocupação na literatura em relação a medicamentos considerados inadequados para os idosos, eventos adversos, polifarmácia, redundância terapêutica e potenciais interações medicamentosas. Esses fatores, quando combinados com a automedicação e prescrição inadequada, contribuem para o fracasso terapêutico e geram custos desnecessários (Filho et al., 2004).
Os eventos adversos relacionados ao medicamento podem ser considerados como um dos principais fatores associados à morbidade e à mortalidade nos serviços de saúde. Nesse contexto, ressalta-se a possibilidade de se experimentarem problemas com medicamentos mesmo quando estes são corretamente utilizados (Filho et al., 2004).
Cabe lembrar que, no âmbito da Geriatria, muitas reações adversas a medicamentos podem apresentar-se como síndromes geriátricas ou por meio de outros sintomas, como por exemplo: confusão mental, incontinência urinária, fraqueza excessiva, alterações do sono, quedas e déficit cognitivo (Sloan, 2011).
De modo geral, as RAM são associadas a desfechos negativos da terapia. Elas podem influenciar a relação médico-paciente, uma vez que a confiança no profissional pode ser abalada; retardar o tratamento, pois muitas podem assemelhar-se a manifestações clínicas típicas de doenças, demorando para serem identificadas; limitar a autonomia do idoso e afetar a qualidade de vida. Em muitos casos o tratamento da RAM abrange a inclusão de novos medicamentos na terapêutica, elevando o risco da cascata iatrogênica. O ideal, quando possível, é realizar a suspensão ou redução da dose do medicamento (Secoli, 2010).
Quais são os medicamentos inapropriados mais comuns utilizados pelos idosos?
Devido às mudanças fisiológicas no organismo do idoso que alteram a farmacocinética e a farmacodinâmica dos medicamentos, algumas categorias de medicamentos passaram a ser consideradas impróprias para o uso nessa população, seja por falta de eficácia terapêutica ou por um risco aumentado de efeitos adversos que supera seus benefícios quando comparadas com outras categorias de medicamentos, devendo ter seu uso evitado (Lucchetti et al., 2011).
Conforme o avançar da idade, o uso de farmacoterapia geralmente aumenta, elevando o risco do uso de medicamentos potencialmente inapropriados (MPI). MPI são definidos como “medicamentos cujo uso deve ser evitado em idosos, uma vez que possuem um risco elevado de reações adversas para esta população, evidência insuficiente de benefícios e sendo que há uma alternativa terapêutica mais segura e tão ou mais eficaz disponível” (Lucchetti et al., 2011). A prescrição de MPI é um sério motivo de preocupação para saúde pública, já que pode ter profundas consequências para a saúde dos pacientes e impor uma carga substancial sobre os cuidados do sistema de saúde (Fick et al., 2003).
Determinados medicamentos são considerados inapropriados ou potencialmente inapropriados na velhice devido ao maior risco de intolerância relacionada com eventos adversos farmacodinâmicos ou farmacocinéticos ou interações fármaco – doença (Gallagher e O’Mahony, 2008). Estudos mostram que os medicamentos inapropriados mais prescritos são os benzodiazepínicos de meia-vida longa e os anti-histamínicos que, por provocarem sedação prolongada, aumentam o risco de quedas e fraturas, e os antidepressivos tricíclicos que, por terem propriedades anticolinérgicas, podem agravar quadros de constipação intestinal e retenção urinária em idosos, prejudicando, dessa forma, a qualidade de vida desses indivíduos (Gorzoni et al., 2012).
Em um estudo publicado em 2011, cerca de 25% dos medicamentos disponíveis no Programa Farmácia Dose Certa (programa para fornecimento de medicamentos gratuitos em São Paulo) eram potencialmente inapropriados para idosos de acordo com os critérios de Beers-Fick e a maioria desses medicamentos poderiam ser substituídos por outros mais adequados para essa faixa etária (Lucchetti et al., 2011).
Para identificar medicamentos potencialmente inapropriados para idosos, diversos critérios estão sendo amplamente utilizados na prática clínica e na educação médica. O uso de critérios que avaliem a segurança dos medicamentos usados em pacientes idosos torna-se especialmente importante quando a informação clínica adquirida é insuficiente (Fick et al., 2003), sendo que as listas de medicamentos potencialmente inapropriados (MPI) aos idosos são auxiliares úteis na prática clínica para prevenir a prescrição inapropriada (Gorzoni et al., 2012). As versões dos critérios de Beers e outros (Beers et al., 1991) e posteriormente a de Beers-Fick (Fick et al., 2003) tornaram-se as mais citadas e utilizadas mundialmente.
A prevalência do uso de medicamentos inapropriados para idosos varia de 11,5 a 62,5%, dependendo do tipo de paciente, país e critério adotado. O Quadro 93.2 mostra a porcentagem de prescrição inapropriada de acordo com alguns estudos brasileiros.
O aumento exponencial da prevalência de doenças crônicas e de sequelas que acompanham o avançar da idade está entre as causas do alto consumo de medicamentos por idosos, que pode ter como consequências a ocorrência de eventos adversos e interações medicamentosas, prejudiciais à saúde dessa população (Secoli, 2010). A presença de várias doenças concomitantes está associada ao consumo de número significativo e simultâneo de fármacos. Assim, deve fazer parte da prática clínica a revisão periódica dos medicamentos utilizados por idosos.
Diante do exposto, nota-se que as listas e/ou os critérios para detecção de medicamentos inapropriados são úteis tanto para detecção de seu uso quanto para a não prescrição desses fármacos (Gorzoni et al., 2008). A seguir, serão descritos os principais critérios utilizados na prática clínica e pesquisas.
CONSENSO BRASILEIRO
consenso brasileiro
Em 2015, foram publicados dados preliminares de um consenso brasileiro de especialistas (Oliveira et al., 2015) sobre o uso de medicamentos potencialmente inapropriados para idosos brasileiros. Por meio de uma avaliação utilizando o método de Delphi, foram analisados 22 critérios de Beers (2012) com 11 critérios de STOPP (2006) e 9 critérios de ambos. Na lista parcial foram incluídos 42 critérios contendo medicamentos utilizados no Brasil, que não deveriam ser utilizados em idosos independentemente da condição clínica. Provavelmente, no futuro teremos a oficialização desses critérios para nossa realidade, necessitando então da validação dos mesmos no cenário nacional (Oliveira et al., 2015).