Parte I - 3. Direito Penal na sociedade do risco Flashcards
O que é Espiritualização do bem jurídico (desmaterialização (espiritualização, dinamização
ou liquefação) do bem jurídico)?
Parte da doutrina adota
posicionamento crítico em relação à expansão inadequada e ineficaz da tutela penal em razão desses novos bens jurídicos de caráter coletivo. Argumenta-se que tais bens são formulados de modo vago e impreciso, ensejando a
denominada desmaterialização (espiritualização, dinamização
ou liquefação) do bem jurídico, em virtude de estarem sendo criados
sem qualquer substrato material, distanciados da lesão perceptível dos interesses dos indivíduos (ex.: mercado econômico; ordem
tributária; moralidade pública; sentimento do povo; saúde pública etc.).
0 discurso crítico sustenta que não mais se protege bem jurídico, mas funções, consistentes em objetivos perseguidos pelo Estado ou, ainda, condições prévias para a fruição de bens jurídicos individuais.
Como bem sintetiza Marta Machado, “na perspectiva da teoria do bem jurídico, as consequências desse referem-se a uma significativa mudança na compreensão do conceito de bem jurídico, consistente no seu distanciamento da objetividade natural, bem como do eixo individual, para focar a intervenção
penal na proteção de bens jurídicos universais ou coletivos, de perfis cada vez mais vagos e abstratos - 0 que visivelmente destoa das premissas clássicas que dão o caráter concreto e antropocêntrico do bem a ser protegido. Trata-se do
denominado processo de desmaterialização do bem jurídico” (Sociedade de Risco e Direito Penal: uma avaliação de novas tendências político-criminais, 2005, p. 107).
O que são delitos de acumulação?
Em relação ao princípio da lesividade, argumenta-se que, como os novos tipos penais tutelam objetos que se caracterizam pelas grandes dimensões, resta difícil imaginar que a conduta de apenas uma pessoa possa lesá-lo de forma
efetiva ou mesmo causar um perigo concreto, de sorte que a lesividade só existe por uma ficção. Mesmo no caso de se vislumbrar uma possível lesão na soma de ações individuais reiteradas e no acúmulo dos resultados de todas (delitos de
acumulação/Kumulationsdelikte), seria inadmissível a punição individual, pois o fato isolado não apresenta lesividade. Exemplo (delito cumulativo): uma pessoa
que pesca sem autorização legal um determinado peixe não lesa expressivamente o bem jurídico (meio ambiente), mas a soma de várias pessoas pescando poderá causar lesão. Por isso que se pune uma conduta isolada, mesmo que sem lesividade aparente.
O que são delitos de transgressão?
Se não há lesividade (como nos delitos de acumulação), o que se estará punindo é o desrespeito ou
desobediência a uma norma, ou seja, uma simples infração do dever (o que se denomina de crimes de transgressão), de sorte que esses fatos devem ser tratados por outros modos de controle social, como 0 Direito Administrativo. Caso contrário, estaremos diante de uma administrativização do Direito Penal.
O que é o Direito de Intervenção?
Na doutrina alemã, Winfried Hassemer (Três temas de Direito Penal. Porto Alegre: Fundação Escola Superior do Ministério Público, 1993, p. 95) sustenta a
necessidade da criação de um novo sistema para tutelar os novos bens jurídicos, chamado de direito de intervenção. Estaria situado entre 0 Direito Penal e o Direito Administrativo. Caracteriza-se pela aplicação de sanção de natureza não penal e pela flexibilização de garantias processuais, mas com julgamento afeto a uma autoridade judiciária e não a uma administrativa.
Hassemer critica o Direito Penal clássico como modo de controle da nova criminalidade em face de sua ineficácia, pois é voltado ao indivíduo e não aos atuais grupos, pessoas jurídicas e organizações sociais. Em relação ao Direito Administrativo, assevera que as autoridades administrativas não possuem independência necessária para aplicação das penalidades. Por isso, propõe a criação desse novo ramo (Direito de intervenção) para o combate da criminalidade moderna, voltado para o risco e não para o dano, de sorte que deve ser célere e de eficácia preventiva, já que os eventuais danos podem ser de grande dimensão.
O que é Direito Penal de velocidades?
Na Ciência Penal espanhola, Jesús-María Silva Sánchez (A Expansão do Direito Penal: Aspectos da política criminal nas sociedades pós-industriais, 2002, p. 144-147) propõe um dualismo do Direito Penal (primeira e segunda velocidades) para legitimar a sua expansão.
O chamado Direito Penal de primeira velocidade seria o conhecido Direito
Penal clássico (“da prisão”), caracterizado pela morosidade, pois assegura todos
os critérios clássicos de imputação e os princípios penais e processuais penais
tradicionais, mas permite a aplicação da pena de prisão. Essa forma de Direito
Penal deve ser utilizada quando houver lesão ou perigo concreto de lesão a um
bem individual e, eventualmente, a um bem supraindividual.
Por sua vez, o Direito Penal de segunda velocidade seria 0 Direito Penal
caracterizado pela possibilidade de flexibilização de garantias penais e
processuais. Nesse âmbito, admite-se a criação de crimes de perigo presumido
e de crimes de acumulação. No entanto, para esses delitos não se deve cominar
a pena de prisão, mas sim as penas restritivas de direitos e pecuniárias.
Por último, o Direito Penal de terceira velocidade ou Direito Penal da pena de
prisão seria marcado pela “relativização de garantias político-criminais, regras de
imputação e critérios processuais”. Sustenta que essa terceira velocidade existe no Direito Penal socioeconômico e que nesse caso deveria ser reconduzida a uma das duas outras velocidades (ob. cit., p. 148). Mas, por outro lado, não descarta a possibilidade de sobrar espaço a essa terceira velocidade, como nos casos de delinquência patrimonial profissional, de delinquência sexual
violenta e reiterada, ou nos casos de criminalidade organizada e terrorismo.
Nessa perspectiva, aduz Sánchez que: “Sem negar que a ‘terceira velocidade’ do Direito Penal descreve um âmbito que se deveria aspirar a reduzir a mínima expressão, aqui se acolherá com reservas a opinião de que a existência de um espaço de Direito Penal de privação de liberdade com regras de imputação e processuais menos estritas que as do Direito Penal da primeira velocidade, com certeza, é, em alguns âmbitos excepcionais, e por tempo limitado, inevitável”
(ob. cit., p. 148-149). 0 Direito Penal do inimigo é uma das manifestações dessa
terceira velocidade.
Sobre a quarta velocidade do Direito Penal (neopunitivismo), vide Capítulo I, item 2.8.