Jurisprudência STJ 2021 Flashcards

1
Q

Onfende a privacidade a determinação judicial para que seja identificados todos os usuários que operaram em determinada área geogrática num determinado dia?

A

Resumo

A quebra do sigilo de dados armazenados não obriga a autoridade judiciária a indicar previamente as pessoas que estão sendo investigadas, até porque o objetivo precípuo dessa medida é justamente de proporcionar a identificação do usuário do serviço ou do terminal utilizado.

Logo, a ordem judicial para quebra do sigilo dos registros, delimitada por parâmetros de pesquisa em determinada região e por período de tempo, não se mostra medida desproporcional, porquanto, tendo como norte a apuração de gravíssimos crimes, não impõe risco desmedido à privacidade e à intimidade dos usuários possivelmente atingidos por tal diligência. STJ. 3ª Seção. RMS 61.302-RJ, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 26/08/2020 (Info 678).

Inteiro teor

A situação concreta, com adaptações, foi a seguinte:

Como é do conhecimento geral, em 14/03/2018, a então Vereadora do Rio de Janeiro (RJ) Marielle Franco, foi assassinada.

Instaurou-se inquérito policial para apurar o crime e o juiz, a requerimento do Ministério Público e da autoridade policial, determinou ao Google a identificação dos IPs ou Device IDs que tenham se utilizado do Google Maps e/ou do Waze no período compreendido entre 10/3/2018 a 14/3/2018, para realizar consulta do seguinte endereço de destino: Rua dos Inválidos, 122, ou Rua dos Inválidos, bem como os mesmos dados referentes a quem tenha se utilizado do Google Busca no período compreendido entre os mesmos dias, para realizar consultas dos seguintes parâmetros de pesquisa: Marielle Franco; Vereadora Marielle Franco; Agenda Vereadora Marielle; Casa das Pretas; Rua dos Inválidos, 122; ou Rua dos Inválidos. Pouco antes de ser assassinada, Marielle havia participado um evento no local chamado “Casa das Pretas”, na Rua dos Inválidos, na Lapa.

A investigação trabalha com a hipótese de que os autores do crime estavam seguindo a vítima desde esse local, de forma que sabiam, previamente, que ela estaria no evento.

Alegação da empresa

O Google alegou que o pedido não encontra amparo no ordenamento jurídico brasileiro, que não admite quebras de sigilo e interceptações genéricas, desprovidas de individualização razoável dos investigados.

Afirmou que seria indispensável a demonstração de indícios concretos de envolvimento de determinada pessoa na prática de crimes e que não há previsão legal para quebra de sigilo com base em meras coordenadas geográficas.

Argumentou, ainda, que as localizações geográficas indicadas pelo magistrado – e que teriam sido consultadas no Google Maps ou Waze – criam o risco concreto de se afetar um número muito elevado de pessoas inocentes.

A decisão do magistrado foi acertada? É possível a determinação de ordem judicial nesses termos?

SIM.

Proteção do sigilo pode ser afastada por decisão judicial fundamentada

Embora deva ser preservado na sua essência, é possível afastar a proteção ao sigilo quando presentes circunstâncias que denotem a existência de interesse público relevante, invariavelmente por meio de decisão proferida por autoridade judicial competente, suficientemente fundamentada, na qual se justifique a necessidade da medida para fins de investigação criminal ou de instrução processual criminal, sempre lastreada em indícios que devem ser, em tese, suficientes à configuração de suposta ocorrência de crime sujeito à ação penal pública.

Acesso a dados informáticos estáticos não é o mesmo que interceptação das comunicações

A determinação de quebra de dados informáticos estáticos, relativos a arquivos digitais de registros de conexão ou acesso a aplicações de internet e eventuais dados pessoais a eles vinculados, é absolutamente distinta daquela que ocorre com as interceptações das comunicações, as quais dão acesso ao fluxo de comunicações de dados, isto é, ao conhecimento do conteúdo da comunicação travada com o seu destinatário.

Há uma distinção conceitual entre a quebra de sigilo de dados armazenados e a interceptação do fluxo de comunicações.

O art. 5º, X, da CF/88 garante a inviolabilidade da intimidade e da privacidade, inclusive quando os dados informáticos constarem de banco de dados ou de arquivos virtuais mais sensíveis. Entretanto, o acesso a esses dados registrados ou arquivos virtuais não se confunde com a interceptação das comunicações e, por isso mesmo, a amplitude de proteção não pode ser a mesma.

Desse modo, o procedimento disciplinado pelo art. 2º da Lei nº 9.296/96 (Lei de Interceptação Telefônica) não se aplicam quando se busca obter dados pessoais estáticos armazenados em sistemas informatizados de um provedor de serviços de internet. A quebra do sigilo desses dados nesse caso na hipótese, corresponde à obtenção de registros informáticos existentes ou dados já coletados.

Marco Civil da Internet não exige individualização pessoal na decisão

Vale ressaltar que os arts. 22 e 23 do Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014) não exigem a indicação ou qualquer elemento de individualização pessoal na decisão judicial.

Assim, para que o magistrado possa requisitar dados pessoais armazenados por provedor de serviços de internet, mostra-se satisfatória a indicação dos seguintes elementos previstos na lei:

a) indícios da ocorrência do ilícito;
b) justificativa da utilidade da requisição; e
c) período ao qual se referem os registros.

Não é necessário que o magistrado fundamente a requisição com indicação da pessoa alvo da investigação, tampouco que justifique a indispensabilidade da medida, ou seja, que a prova da infração não pode ser realizada por outros meios.

Logo, a quebra do sigilo de dados armazenados não obriga a autoridade judiciária a indicar previamente as pessoas que estão sendo investigadas, até porque o objetivo precípuo dessa medida é justamente o de tentar identificar o usuário do serviço ou do terminal utilizado.

Decisão se mostra proporcional

Assim, a ordem judicial para quebra do sigilo dos registros, delimitada por parâmetros de pesquisa em determinada região e por período de tempo, não se mostra medida desproporcional, considerando que tem por objetivo a apuração de gravíssimos crimes, além do fato de que não impõe risco desmedido à privacidade e à intimidade dos usuários possivelmente atingidos por tal diligência.

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Q

É ilegal a busca e apreensão realizada sem mandado judicial em apartamento desabitado?

A

Resumo

Não há nulidade na busca e apreensão efetuada por policiais, sem prévio mandado judicial, em apartamento que não revela sinais de habitação, nem mesmo de forma transitória ou eventual, se a aparente ausência de residentes no local se alia à fundada suspeita de que o imóvel é utilizado para a prática de crime permanente. STJ. 5ª Turma. HC 588.445-SC, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 25/08/2020 (Info 678).

Inteiro teor

Imagine a seguinte situação hipotética:

A polícia recebeu relatos de que em determinado endereço havia drogas e armas escondidas.

Os agentes dirigiram-se até o local e ao chegarem viram que se tratava de uma quitinete.

Olhando do lado de fora, pela janela, os policiais perceberam que não havia qualquer móvel no seu interior, demonstrando que se tratava de imóvel desabitado.

Os policiais indagaram os vizinhos que afirmaram que não morava ninguém no local e que havia, de vez em quando, movimento de entrada e saída de pessoas do apartamento.

Os agentes adentraram então no local e ali encontram drogas e armas, confirmando-se que o imóvel era um esconderijo utilizado pelos traficantes.

Posteriormente, constatou-se que o imóvel pertencia a João que foi preso em flagrante ao chegar no local.

Essa prova foi válida ou houve nulidade por violação à inviolabilidade de domicílio?

A prova foi válida.

Vamos entender com calma.

A CF/88 prevê, em seu art. 5º, a garantia da inviolabilidade de domicílio:

Art. 5º (…) XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;

Havendo flagrante delito é possível ingressar na casa mesmo sem consentimento do morador, seja de dia ou de noite. Um exemplo comum no cotidiano é o caso do tráfico de drogas. Diversos verbos do art. 33 da Lei nº 11.343/2006 fazem com que este delito seja permanente:

Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Assim, se a casa do traficante funciona como boca-de-fumo, onde ele armazena e vende drogas, a todo momento estará ocorrendo o crime, considerando que ele está praticando os verbos “ter em depósito” e “guardar”.

Vale ressaltar, no entanto, que o STF e o STJ entendem que, no caso concreto, devem existir fundadas razões que indiquem que ali está sendo cometido um crime (flagrante delito). O STF possui uma tese fixada sobre o tema:

A entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas “a posteriori”, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticados. STF. Plenário. RE 603616/RO, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 4 e 5/11/2015 (repercussão geral – Tema 280) (Info 806).

O STJ também tem sido “rigoroso” com a exigência de demonstração das suspeitas. Nesse sentido:

A mera denúncia anônima, desacompanhada de outros elementos preliminares indicativos de crime, não legitima o ingresso de policiais no domicílio indicado, estando, ausente, assim, nessas situações, justa causa para a medida. STJ. 6ª Turma. HC 512.418/RJ, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 26/11/2019.

A existência de denúncia anônima da prática de tráfico de drogas somada à fuga do acusado ao avistar a polícia, por si sós, não configuram fundadas razões a autorizar o ingresso policial no domicílio do acusado sem o seu consentimento ou sem determinação judicial. STJ. 5ª Turma. RHC 89.853-SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 18/02/2020 (Info 666). STJ. 6ª Turma. RHC 83.501-SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 06/03/2018 (Info 623).

No entanto, a situação concreta é diferente.

No caso, após denúncia anônima detalhada de armazenamento de drogas e de armas, seguida de informações dos vizinhos de que não haveria residente no imóvel, de vistoria externa na qual não foram identificados indícios de ocupação, mas foi visualizada parte do material ilícito, policiais adentraram o local e encontraram grande quantidade de drogas.

Assim, sem desconsiderar a proteção constitucional de que goza a propriedade privada, ainda que desabitada, não se verifica nulidade na busca e apreensão efetuada por policiais, sem prévio mandado judicial, em apartamento que não revela sinais de habitação, nem mesmo de forma transitória ou eventual.

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Q

Como se deve interpretar o inciso V do § 3º do art. 112 da LEP (progressão da mulher gestante, mãe/responsável por pessoa com deficiência)? Associação criminosa preenche a hipótese do dispositivo?

§ 3º No caso de mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência, os requisitos para progressão de regime são, cumulativamente:

V - não ter integrado organização criminosa.

A

A Lei nº 13.769/2018 incluiu o § 3º no art. 112 da Lei de Execuções Penais - LEP, prevendo progressão de regime especial.

Esse § 3º afirmou que a mulher gestante ou que for mãe/responsável por crianças ou pessoas com deficiência poderá progredir de regime com 1/8 da pena cumprida (o que é um tempo menor do que a regra geral), mas desde que cumpridos alguns requisitos elencados no dispositivo.

Um dos requisitos para ter direito a essa progressão especial está no fato de que a reeducanda não pode ter “integrado organização criminosa” (inciso V).

Esse requisito deve ser interpretado de acordo com a definição de organização criminosa da Lei nº 12.850/2013.

Logo, essa expressão (“organização criminosa”) não pode ser interpretada em sentido amplo para abranger toda e qualquer associação criminosa. A pessoa só estará impedida de gozar da progressão com base nesse inciso em caso de ter praticado o crime previsto na Lei nº 12.850/2013. STJ. 6ª Turma. HC 522.651-SP, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 04/08/2020 (Info 678).

Inteiro teor

[…]

Não é legítimo que o julgador, em explícita violação ao princípio da taxatividade da lei penal, interprete extensivamente o significado de organização criminosa a fim de abranger todas as formas de societas sceleris. Isso fica ainda mais evidente porque o objetivo do legislador ao instituir esse § 3º ao art. 112 foi o de aumentar o âmbito de proteção às crianças ou pessoas com deficiência, reconhecidamente em situação de vulnerabilidade em razão de suas genitoras ou responsáveis encontrarem-se reclusas em estabelecimentos prisionais. A teleologia da norma e a existência de complemento normativo impõem exegese restritiva e não extensiva.

O Legislador, quando teve o intuito de referir-se a hipóteses de sociedades criminosas, o fez expressamente, conforme previsão contida no art. 52, § 1º, inciso I, § 3º, § 4º, inciso II, e § 5º, da Lei nº 7.210/1984, que distinguem organização criminosa de associação criminosa e milícia privada.

Assim, a pessoa só estará impedida de gozar da progressão com base nesse inciso em caso de ter praticado o crime previsto na Lei nº 12.850/2013.

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Q

O Juiz pode, de ofício, converter a prisão em flagrante em preventiva?

A

Depois da Lei nº 13.964/2019 (Pacote Anticrime), não é mais possível que o juiz, de ofício, converta a prisão em flagrante em prisão preventiva (é indispensável requerimento)

Não é possível a decretação “ex officio” de prisão preventiva em qualquer situação (em juízo ou no curso de investigação penal), inclusive no contexto de audiência de custódia, sem que haja, mesmo na hipótese da conversão a que se refere o art. 310, II, do CPP, prévia, necessária e indispensável provocação do Ministério Público ou da autoridade policial.

A Lei nº 13.964/2019, ao suprimir a expressão “de ofício” que constava do art. 282, § 2º, e do art. 311, ambos do CPP, vedou, de forma absoluta, a decretação da prisão preventiva sem o prévio requerimento das partes ou representação da autoridade policial.

Logo, não é mais possível, com base no ordenamento jurídico vigente, a atuação ‘ex officio’ do Juízo processante em tema de privação cautelar da liberdade.

A interpretação do art. 310, II, do CPP deve ser realizada à luz do art. 282, § 2º e do art. 311, significando que se tornou inviável, mesmo no contexto da audiência de custódia, a conversão, de ofício, da prisão em flagrante de qualquer pessoa em prisão preventiva, sendo necessária, por isso mesmo, para tal efeito, anterior e formal provocação do Ministério Público, da autoridade policial ou, quando for o caso, do querelante ou do assistente do MP. STJ. 5ª Turma. HC 590.039/GO, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 20/10/2020 (Info 682). STF. HC 188888/MG, Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 6/10/2020 (Info 994).

Em sentido contrário temos a posição minoritária da 6ª Turma do STJ, que deve ser superada em breve: mesmo após as inovações trazidas pelo Pacote Anticrime (Lei n. 13.964/2019), não há ilegalidade na conversão da prisão em flagrante em preventiva, de ofício, pelo magistrado (STJ. 6ª Turma. HC 605.305-MG, Rel. Min. Nefi Cordeiro, Rel. Acd. Min. Antonio Saldanha Palheiro, julgado em 06/10/2020).

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Q

A obrigação de revisar, a cada 90 dias, a necessidade de se manter a custódia cautelar (art. 316, parágrafo único, do CPP) também se aplica aos tribunais?

A

Resumo

O parágrafo único do art. 316 do CPP prevê o seguinte:

Parágrafo único. Decretada a prisão preventiva, deverá o órgão emissor da decisão revisar a necessidade de sua manutenção a cada 90 (noventa) dias, mediante decisão fundamentada, de ofício, sob pena de tornar a prisão ilegal.

A obrigação de revisar, a cada 90 (noventa) dias, a necessidade de se manter a custódia cautelar (art. 316, parágrafo único, do Código de Processo Penal) é imposta apenas ao juiz ou tribunal que decretar a prisão preventiva (julgador que a decretou inicialmente).

A norma contida no parágrafo único do art. 316 do CPP não se aplica aos Tribunais de Justiça e aos Tribunais Regionais Federais, quando em atuação como órgão revisor. STJ. 5ª Turma. AgRg no HC 569.701/SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 09/06/2020. STJ. 6ª Turma. HC 589.544-SC, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 08/09/2020 (Info 680).

Inteiro teor

Imagine agora a seguinte situação hipotética:​

No dia 02/02/2020, o juiz decretou a prisão em flagrante do réu.

No dia 15/04/2020, o juiz prolatou sentença condenando o réu a 8 anos de reclusão, mantendo a prisão cautelar.

O réu interpôs apelação.

No dia 15/09/2020, ou seja, mais de 90 dias depois da prolação da sentença, o Tribunal de Justiça ainda não julgou o recurso.

Diante disso, a defesa impetrou habeas corpus afirmando que não foi revista de ofício pelo TJ a necessidade de manutenção da segregação preventiva, conforme determina o art. 316 do CPP. Logo, deve ser reconhecido que a prisão se tornou ilegal e que o réu deverá ser colocado em liberdade.

A argumentação da defesa é acolhida pelo STJ?

NÃO.

A obrigação de revisar, a cada 90 (noventa) dias, a necessidade de se manter a custódia cautelar (art. 316, parágrafo único, do Código de Processo Penal) é imposta apenas ao juiz ou tribunal que decretar a prisão preventiva (julgador que a decretou inicialmente).

A norma contida no parágrafo único do art. 316 do CPP não se aplica aos Tribunais de Justiça e aos Tribunais Regionais Federais, quando em atuação como órgão revisor. STJ. 5ª Turma. AgRg no HC 569.701/SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 09/06/2020. STJ. 6ª Turma. HC 589.544-SC, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 08/09/2020 (Info 680).

Assim, considerando que, neste caso, não existe obrigação legal imposta ao Tribunal de Justiça de revisar, de ofício, a necessidade da manutenção da custódia cautelar, não há nenhuma ilegalidade a ensejar a ingerência do STJ.

DOD PLUS – INFORMAÇÕES COMPLEMENTARES

No exemplo concreto acima explicado, poderia ser invocado outro entendimento do STJ para se negar a liberdade pleiteada pelo réu. Isso porque o STJ possui julgados afirmando que depois da sentença condenatória, não deveria mais ser aplicado o art. 316 do CPP:

O dever de reavaliar periodicamente, a cada 90 dias, a necessidade da prisão preventiva cessa com a formação de um juízo de certeza da culpabilidade do réu, declarado na sentença

Com o fim de assegurar que a prisão não se estenda por período superior ao necessário, configurando verdadeiro cumprimento antecipado da pena, a alteração promovida pela Lei nº 13.964/2019 ao art. 316 do CPP estabeleceu que o magistrado revisará a cada 90 dias a necessidade da manutenção da prisão, mediante decisão fundamentada, sob pena de tornar a prisão ilegal.

A norma estabelece expressamente que a revisão da prisão, a cada 90 dias, cabe apenas ao órgão emissor da decisão, procedimento cabível, portanto, nas fases de investigação e persecução penal.

Encerrada a instrução e formada a culpa, com prolação da sentença, o §1º do art. 387 do CPP determina que “O juiz decidirá, fundamentadamente, sobre a manutenção ou, se for o caso, a imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar, sem prejuízo do conhecimento de apelação que vier a ser interposta”. Trata-se de uma imposição legal para uma última atuação do Magistrado, a qual representa o marco final para a revisão, de ofício, da prisão preventiva do condenado.

Assim, em uma interpretação sistemática, buscando manter a harmonia entre as duas regras do CPP - parágrafo único do art. 316 e §1º do art. 387 - o dever de reavaliar periodicamente, a cada 90 dias, a necessidade da prisão preventiva cessa com a formação de um juízo de certeza da culpabilidade do réu, declarado na sentença, e ingresso do processo na fase recursal. A partir de então, eventuais inconformismos com a manutenção da prisão preventiva deverão ser arguidos pela defesa nos autos do recurso ou por outra via processual adequada prevista no ordenamento jurídico. STJ. 5ª Turma. AgRg no HC 601.151/PB, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 17/11/2020.

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6
Q

Qual é o prazo para a progressão de regimento no caso de prática de homicídio qualificado por réu reincidente não específico em crime hediondo ?

A

Caso concreto: João está cumprindo pena por homicídio qualificado (crime hediondo), cometido em 2019. Vale ressaltar que João é reincidente genérico (não é reincidente específico; ele havia sido condenado anteriormente por receptação, que não é crime hediondo).

Diante disso, a previsão era a de que João tivesse direito à progressão de regime com 3/5 da pena (art. 2º, § 2º, da Lei nº 8.072/90). Ocorre que entrou em vigor a Lei nº 13.964/2019, que revogou o referido art. 2º, § 2º e instituiu novas regras de progressão no art. 112 da LEP.

Em qual inciso do art. 112 se enquadra o réu condenado por crime hediondo, com resultado morte, reincidente não específico (reincidente genérico)?

Essa situação não foi contemplada na lei. Os incisos VII e VIII do art. 112 exigem a reincidência específica.

Diante da ausência de previsão legal, deve-se fazer analogia in bonam partem e a ele deverá ser aplicada a mesma fração do condenado primário, ou seja, a regra do inciso VI, “a”, do art. 112 (50%):

Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos:

VI - 50% (cinquenta por cento) da pena, se o apenado for:

a) condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, com resultado morte, se for primário, vedado o livramento condicional;

Resumindo:

  • art. 2º, § 2º, da Lei nº 8.072/90: a fração mais grave deveria ser aplicada tanto ao reincidente específico como genérico. A Lei de Crimes Hediondos não fazia distinção entre a reincidência genérica e a específica para estabelecer o cumprimento de 3/5 da pena para fins de progressão de regime
  • incisos VII e VIII do art. 112 da LEP: a fração mais grave só se aplica para o reincidente específico. O condenado pela prática de crime hediondo, com resultado morte, mas reincidente em crime comum irá progredir como se fosse primário.

No exemplo dado, a Lei nº 13.964/2019 foi mais favorável porque o réu progredia com 3/5 (= 60%) e agora a fração é de 50% (art. 112, VI, “a”, da LEP). Logo, ela se aplica, neste ponto, aos fatos ocorridos antes da sua vigência. STJ. 6ª Turma. HC 581.315-PR, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 06/10/2020 (Info 681).

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7
Q

É indispensável a delimitação temporal para obter acesso a dados telemáticos para fins de investigações criminais?

A

Resumo

Não é necessário especificar a limitação temporal para os acessos requeridos pelo Ministério Público, por se tratar de dados estáticos, constantes nas plataformas de dados.

Apesar de o art. 22, III, da Lei nº 12.965/2014 (Marco Civil da Internet) determinar que a requisição judicial de registro deve conter o período ao qual se referem, tal quesito só é necessário para o fluxo de comunicações, sendo inaplicável nos casos de dados já armazenados que devem ser obtidos para fins de investigações criminais. STJ. 6ª Turma. HC 587.732-RJ, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 20/10/2020 (Info 682).

Inteiro teor

A situação concreta, com adaptações, foi a seguinte:

A juíza, ao deferir medida de busca e apreensão, afirmou que deveriam ser apreendidos aparelhos de telefonia celular, computadores, tablets, hard drives (HDs) e pen drives.

Além disso, na decisão, a magistrada deferiu o afastamento do sigilo dos dados telemáticos e informáticos (“quebra do sigilo”), autorizando que a Polícia tivesse acesso imediato aos dados armazenados nos aparelhos apreendidos, inclusive ao teor de conversações por meio de aplicativos de mensagem instantânea, tais como Whatsapp, Telegram, Instagram, Facebook Messenger etc.

A defesa impetrou habeas corpus afirmando que, para a juíza autorizar o acesso aos dados telemáticos, ela precisaria fazer a delimitação temporal, ou seja, ela teria que ter dito que os policiais podem acessar os dados referentes aos dias XX até YY.

Um dos dispositivos legais invocados pela defesa para fundamentar seu pedido foi o art. 22, III, da Lei nº 12.965/2014 (Marco Civil da Internet):

Art. 22. A parte interessada poderá, com o propósito de formar conjunto probatório em processo judicial cível ou penal, em caráter incidental ou autônomo, requerer ao juiz que ordene ao responsável pela guarda o fornecimento de registros de conexão ou de registros de acesso a aplicações de internet.

Parágrafo único. Sem prejuízo dos demais requisitos legais, o requerimento deverá conter, sob pena de inadmissibilidade:

(…) III - período ao qual se referem os registros.

A tese da defesa foi acolhida pelo STJ?

NÃO.

Para o acesso a dados telemáticos não é necessário a delimitação temporal para fins de investigações criminais. STJ. 6ª Turma. HC 587.732-RJ, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 20/10/2020 (Info 682).

Não é necessário especificar a limitação temporal para os acessos requeridos pelo Ministério Público, por se tratar de dados estáticos, constantes nas plataformas de dados.

Apesar de o art. 22, III, da Lei nº 12.965/2014 (Marco Civil da Internet) determinar que a requisição judicial de registro deve conter o período ao qual se referem, tal quesito só é necessário para o fluxo de comunicações, sendo inaplicável nos casos de dados já armazenados que devem ser obtidos para fins de investigações criminais.

No caso, não se trata de guarda e disponibilização dos registros de conexão e de acesso a aplicações de internet, e, acaso fosse, a autoridade policial ou o Ministério Público poderia requerer cautelarmente que o provedor de aplicações de internet, por ordem judicial, guardasse os registros de acesso à aplicação de internet, para finalidades de investigação criminal

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8
Q

O acordo de não persecução penal (ANPP) aplica-se a fatos ocorridos antes da Lei nº 13.964/2019?

A

Resumo

A Lei nº 13.964/2019 (“Pacote Anticrime”) inseriu o art. 28-A ao CPP, criando, no ordenamento jurídico pátrio, o instituto do acordo de não persecução penal (ANPP).

A Lei nº 13.964/2019, no ponto em que institui o ANPP, é considerada lei penal de natureza híbrida, admitindo conformação entre a retroatividade penal benéfica e o tempus regit actum.

O ANPP se esgota na etapa pré-processual, sobretudo porque a consequência da sua recusa, sua não homologação ou seu descumprimento é inaugurar a fase de oferecimento e de recebimento da denúncia.

O recebimento da denúncia encerra a etapa pré-processual, devendo ser considerados válidos os atos praticados em conformidade com a lei então vigente.

Dessa forma, a retroatividade penal benéfica incide para permitir que o ANPP seja viabilizado a fatos anteriores à Lei nº 13.964/2019, desde que não recebida a denúncia.

Assim, mostra-se impossível realizar o ANPP quando já recebida a denúncia em data anterior à entrada em vigor da Lei nº 13.964/2019. STJ. 5ª Turma. HC 607.003-SC, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 24/11/2020 (Info 683). STF. 1ª Turma. HC 191464 AgR, Rel. Roberto Barroso, julgado em 11/11/2020.

Inteiro teor

Acordo de não persecução penal (ANPP)

A Lei nº 13.964/2019 (“Pacote Anticrime”) inseriu o art. 28-A ao CPP, criando, no ordenamento jurídico pátrio, o instituto do acordo de não persecução penal (ANPP).

Consiste em um negócio jurídico pré-processual entre o Ministério Público e o investigado, juntamente com seu defensor, como alternativa à propositura de ação penal para certos tipos de crimes, principalmente no momento presente, em que se faz necessária a otimização dos recursos públicos e a efetivação da chamada Justiça multiportas, com a perspectiva restaurativa (Min. Reynaldo Soares da Fonseca).

Confira a redação do texto legal:

Art. 28-A. Não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, mediante as seguintes condições ajustadas cumulativa e alternativamente:

I - reparar o dano ou restituir a coisa à vítima, exceto na impossibilidade de fazê-lo;

II - renunciar voluntariamente a bens e direitos indicados pelo Ministério Público como instrumentos, produto ou proveito do crime;

III - prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período correspondente à pena mínima cominada ao delito diminuída de um a dois terços, em local a ser indicado pelo juízo da execução, na forma do art. 46 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal);

IV - pagar prestação pecuniária, a ser estipulada nos termos do art. 45 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), a entidade pública ou de interesse social, a ser indicada pelo juízo da execução, que tenha, preferencialmente, como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito; ou

V - cumprir, por prazo determinado, outra condição indicada pelo Ministério Público, desde que proporcional e compatível com a infração penal imputada.

(…) § 13. Cumprido integralmente o acordo de não persecução penal, o juízo competente decretará a extinção de punibilidade.

A norma que instituiu o ANPP é considerada uma norma penal ou processual penal?

As duas (híbrida).

As normas que tratam sobre o ANPP possuem natureza híbrida, ou seja, são normas de direito processual penal que, no entanto, também apresentam efeitos materiais (influenciam no direito penal).

Assim, a Lei nº 13.964/2019, no ponto em que institui o ANPP, é considerada lei penal de natureza híbrida, admitindo conformação entre a retroatividade penal benéfica e o tempus regit actum.

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Q

Para que se reconheça a nulidade pela inobservância da regra do art. 400 do CPP (interrogatório como último ato da instrução) é necessária a comprovação de prejuízo?

A

Há duas correntes:

SIM. É o entendimento da 5ª Turma do STJ:

No que tange à pretensão de reconhecimento da nulidade da instrução processual, desde o interrogatório, por suposta violação do art. 400, do CPP, a 5ª Turma do STJ consolidou o entendimento de que, para se reconhecer nulidade pela inversão da ordem de interrogatório, é necessário:

  • que o inconformismo da Defesa tenha sido manifestado tempestivamente, ou seja, na própria audiência em que realizado o ato, sob pena de preclusão; e
  • que seja comprovada a ocorrência de prejuízo que o réu teria sofrido com a citada inversão. STJ. 5ª Turma. AgRg no AREsp 1573424/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 08/09/2020.

NÃO. Existe julgado da 6ª Turma do STJ nesse sentido:

É desnecessária a comprovação de prejuízo para o reconhecimento da nulidade decorrente da não observância do rito previsto no art. 400 do CPP, o qual determina que o interrogatório do acusado seja o último ato a ser realizado.

Embora, em regra, a decretação da nulidade de determinado ato processual requeira a comprovação de prejuízo concreto para a parte - em razão do princípio do pas de nullité sans grief -, o prejuízo à defesa é evidente e corolário da própria inobservância da máxima efetividade das garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa. STJ. 6ª Turma. REsp 1.808.389-AM, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 20/10/2020 (Info 683). Obs: penso que prevalece a primeira corrente, havendo decisões da própria 6ª Turma do STJ também exigindo a comprovação do prejuízo (STJ. 6ª Turma. AgRg no REsp 1617950/MG, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, julgado em 03/11/2020).

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Q

Qual recurso cabível contra decisão que rejeita a homologação de acordo de colaboração premiada?

A

Realizado o acordo de colaboração premiada, ele será remetido ao juiz para análise e eventual homologação, nos termos do art. 4º, § 7º, da Lei nº 12.850/2013.

O magistrado poderá recusar a homologação da proposta que não atender aos requisitos legais e esse ato judicial tem conteúdo decisório, pois impede o meio de obtenção da prova.

Entretanto, não existe previsão normativa sobre o recurso cabível para a sua impugnação.

Diante da lacuna na lei, o STJ entende que a apelação criminal é o recurso apropriado para confrontar a decisão que recusar a homologação da proposta de acordo de colaboração premiada.

De toda forma, como existe dúvida objetiva quanto ao recurso cabível, não constitui erro grosseiro caso a parte ingresse com correição parcial contra a decisão do magistrado. Assim, mesmo sendo caso de apelação, se a parte ingressou com correição parcial no prazo de 5 dias, é possível conhecer da irresignação como apelação, aplicando-se o princípio da fungibilidade recursal (art. 579 do CPP). STJ. 6ª Turma. REsp 1.834.215-RS, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 27/10/2020 (Info 683).

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Q

O art. 226 do CPP estabelece formalidades para o reconhecimento de pessoas (reconhecimento pessoal). O descumprimento dessas formalidades enseja a nulidade do reconhecimento?

A

Resumo

O art. 226 do CPP estabelece formalidades para o reconhecimento de pessoas (reconhecimento pessoal). O descumprimento dessas formalidades enseja a nulidade do reconhecimento?

• NÃO. Posição pacífica da 5ª Turma.

As disposições contidas no art. 226 do CPP configuram uma recomendação legal, e não uma exigência absoluta. Assim, é válido o ato mesmo que realizado de forma diversa da prevista em lei. STJ. 5ª Turma. AgRg no AREsp 1665453/SP, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 02/06/2020.

• SIM. Há recente julgado da 6ª Turma do STJ, que fixou as seguintes conclusões:

1) O reconhecimento de pessoas deve observar o procedimento previsto no art. 226 do Código de Processo Penal, cujas formalidades constituem garantia mínima para quem se encontra na condição de suspeito da prática de um crime;
2) À vista dos efeitos e dos riscos de um reconhecimento falho, a inobservância do procedimento descrito na referida norma processual torna inválido o reconhecimento da pessoa suspeita e não poderá servir de lastro a eventual condenação, mesmo se confirmado o reconhecimento em juízo;
3) Pode o magistrado realizar, em juízo, o ato de reconhecimento formal, desde que observado o devido procedimento probatório, bem como pode ele se convencer da autoria delitiva a partir do exame de outras provas que não guardem relação de causa e efeito com o ato viciado de reconhecimento;
4) O reconhecimento do suspeito por simples exibição de fotografia(s) ao reconhecedor, a par de dever seguir o mesmo procedimento do reconhecimento pessoal, há de ser visto como etapa antecedente a eventual reconhecimento pessoal e, portanto, não pode servir como prova em ação penal, ainda que confirmado em juízo. STJ. 6ª Turma. HC 598.886-SC, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 27/10/2020 (Info 684).

Inteiro teor

Formalidades

O art. 226 do CPP descreve um procedimento para a realização do reconhecimento de pessoas e coisas:

1ª etapa: o indivíduo que tiver de fazer o reconhecimento será convidado a descrever a pessoa que deva ser reconhecida. Ex: a pessoa tem aproximadamente 1,80m, pele branca, cabelo preto, uma cicatriz no rosto etc.

2ª etapa: a pessoa, cujo reconhecimento se pretender, será colocada, se possível, ao lado de outras que com ela tiverem qualquer semelhança. Em seguida, pede-se para o indivíduo que fará o reconhecimento apontar qual é daquelas pessoas que estão lado a lado.

3ª etapa: algumas vezes, o fato de o indivíduo estar face a face com a pessoa a ser reconhecida pode gerar intimidação ou outra influência negativa que lhe impeça de dizer a verdade. Por isso, a lei permite que a pessoa a ser reconhecida não veja o indivíduo que fará o reconhecimento. Isso é feito, por exemplo, por meio de “vidros espelhados” nos quais somente um dos lados enxerga o outro.

Obs: vale ressaltar essa cautela só pode ser feita na fase de investigação pré-processual. Na fase da instrução criminal ou em plenário de julgamento a pessoa a ser reconhecida terá direito de também ver o indivíduo que está lhe reconhecendo, sendo esse auto feito ainda na presença do juiz, do Ministério Público e da defesa.

4ª etapa: será lavrado um auto pormenorizado narrando o que ocorreu no ato de reconhecimento. Esse auto deverá ser subscrito pela autoridade, pelo indivíduo que foi chamado para fazer o reconhecimento e por duas testemunhas presenciais. Obs: no caso de reconhecimento de objeto também deverão ser observadas, no que couber, as cautelas previstas para o reconhecimento pessoal (art. 227).

Obs2: se várias forem as pessoas chamadas a efetuar o reconhecimento de pessoa ou de objeto, cada uma fará a prova em separado, evitando-se qualquer comunicação entre elas (art. 228).

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Q

É possível a pronúncia do acusado baseada exclusivamente em elementos informativos obtidos na fase inquisitorial?

A

Resumo

  • NÃO. Haverá violação ao art. 155 do CPP. Além disso, muito embora a análise aprofundada seja feita somente pelo Júri, não se pode admitir, em um Estado Democrático de Direito, a pronúncia sem qualquer lastro probatório colhido sob o contraditório judicial, fundada exclusivamente em elementos informativos obtidos na fase inquisitorial. STJ. 5ª Turma. HC 560.552/RS, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 23/02/2021. STJ. 6ª Turma. HC 589.270, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 23/02/2021.
  • SIM. É possível admitir a pronúncia do acusado com base em indícios derivados do inquérito policial, sem que isso represente afronta ao art. 155. Embora a vedação imposta no art. 155 se aplique a qualquer procedimento penal, inclusive dos do Júri, não se pode perder de vista o objetivo da decisão de pronúncia não é o de condenar, mas apenas o de encerrar o juízo de admissibilidade da acusação (iudicium accusationis). Na pronúncia opera o princípio in dubio pro societate, porque é a favor da sociedade que se resolvem as dúvidas quanto à prova, pelo Juízo natural da causa. Constitui a pronúncia, portanto, juízo fundado de suspeita, que apenas e tão somente admite a acusação. Não profere juízo de certeza, necessário para a condenação, motivo pelo qual a vedação expressa do art. 155 do CPP não se aplica à referida decisão. STJ. 5ª Turma. AgRg no AgRg no AREsp 1702743/GO, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 15/12/2020. STJ. 6ª Turma. AgRg no AREsp 1609833/RS, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 06/10/2020.

Inteiro teor

Tese: NÃO

É ilegal a sentença de pronúncia fundamentada exclusivamente em elementos colhidos no inquérito policial.

O principal fundamento é o art. 155 do CPP:

Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas. A decisão de pronúncia é um mero juízo de admissibilidade da acusação, não sendo exigido, neste momento processual, prova incontroversa (bastam indícios suficientes de autoria e certeza da materialidade).

Muito embora a análise aprofundada seja feita somente pelo Júri, não se pode admitir, em um Estado Democrático de Direito, a pronúncia sem qualquer lastro probatório colhido sob o contraditório judicial, fundada exclusivamente em elementos informativos obtidos na fase inquisitorial. É possível admitir a pronúncia do acusado com base em indícios derivados do inquérito policial, sem que isso represente afronta ao art. 155. Embora a vedação imposta no art. 155 (decisão fundada exclusivamente em elementos informativos colhidos na investigação) se aplique a qualquer procedimento penal, inclusive dos do Júri, não se pode perder de vista que o objetivo da decisão de pronúncia não é o de condenar, mas apenas o de encerrar o juízo de admissibilidade da acusação (iudicium accusationis). Na pronúncia opera o princípio in dubio pro societate, porque é a favor da sociedade que se resolvem as dúvidas quanto à prova, pelo Juízo natural da causa. Constitui a pronúncia, portanto, juízo fundado de suspeita, que apenas e tão somente admite a acusação. Não profere juízo de certeza, necessário para a condenação, motivo pelo qual a vedação expressa do art. 155 do CPP não se aplica à referida decisão.

TESE: SIM

É possível admitir a pronúncia do acusado com base em indícios derivados do inquérito policial, sem que isso represente afronta ao art. 155.

Embora a vedação imposta no art. 155 (decisão fundada exclusivamente em elementos informativos colhidos na investigação) se aplique a qualquer procedimento penal, inclusive dos do Júri, não se pode perder de vista que o objetivo da decisão de pronúncia não é o de condenar, mas apenas o de encerrar o juízo de admissibilidade da acusação (iudicium accusationis).

Na pronúncia opera o princípio in dubio pro societate, porque é a favor da sociedade que se resolvem as dúvidas quanto à prova, pelo Juízo natural da causa. Constitui a pronúncia, portanto, juízo fundado de suspeita, que apenas e tão somente admite a acusação. Não profere juízo de certeza, necessário para a condenação, motivo pelo qual a vedação expressa do art. 155 do CPP não se aplica à referida decisão.

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Q

Na hipótese de suspeita de flagrância delitiva, qual a exigência, em termos de standard probatório, para que policiais ingressem no domicílio do suspeito sem mandado judicial?

A

Resumo

A prova da legalidade e da voluntariedade do consentimento para o ingresso na residência do suspeito incumbe, em caso de dúvida, ao Estado, e deve ser feita com declaração assinada pela pessoa que autorizou o ingresso domiciliar, indicando-se, sempre que possível, testemunhas do ato. Em todo caso, a operação deve ser registrada em áudio-vídeo e preservada a prova enquanto durar o processo.

Principais conclusões do STJ:

1) Na hipótese de suspeita de crime em flagrante, exige-se, em termos de standard probatório para ingresso no domicílio do suspeito sem mandado judicial, a existência de fundadas razões (justa causa), aferidas de modo objetivo e devidamente justificadas, de maneira a indicar que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito.
2) O tráfico ilícito de entorpecentes, em que pese ser classificado como crime de natureza permanente, nem sempre autoriza a entrada sem mandado no domicílio onde supostamente se encontra a droga. Apenas será permitido o ingresso em situações de urgência, quando se concluir que do atraso decorrente da obtenção de mandado judicial se possa objetiva e concretamente inferir que a prova do crime (ou a própria droga) será destruída ou ocultada.
3) O consentimento do morador, para validar o ingresso de agentes estatais em sua casa e a busca e apreensão de objetos relacionados ao crime, precisa ser voluntário e livre de qualquer tipo de constrangimento ou coação.
4) A prova da legalidade e da voluntariedade do consentimento para o ingresso na residência do suspeito incumbe, em caso de dúvida, ao Estado, e deve ser feita com declaração assinada pela pessoa que autorizou o ingresso domiciliar, indicando-se, sempre que possível, testemunhas do ato. Em todo caso, a operação deve ser registrada em áudio-vídeo e preservada tal prova enquanto durar o processo.
5) A violação a essas regras e condições legais e constitucionais para o ingresso no domicílio alheio resulta na ilicitude das provas obtidas em decorrência da medida, bem como das demais provas que dela decorrerem em relação de causalidade, sem prejuízo de eventual responsabilização penal do(s) agente(s) público(s) que tenha(m) realizado a diligência. STJ. 6ª Turma. HC 598.051/SP, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, julgado em 02/03/2021 (Info 687).

Inteiro teor

Imagine agora a seguinte situação hipotética:

Os policiais se deslocaram para o bairro Bom Jesus para verificar “denúncias anônimas”, recebidas pelo “disque denúncia”, de que estaria sendo praticado tráfico de drogas.

Ao chegarem no local, encontraram João na frente de uma casa.

Os policiais fizeram busca pessoal em João, mas não encontraram substância entorpecente.

Em seguida, os policiais perguntaram onde ficava a casa de João, tendo ele indicado.

Os policiais alegaram que João autorizou a entrada na residência para fins de busca e apreensão e que, ao revistarem o local, encontram grande quantidade de drogas escondida no armário.

João foi preso em flagrante e denunciado por tráfico de drogas.

Em seu interrogatório judicial, o réu negou veementemente que tenha autorizado a entrada dos policiais.

Essa apreensão foi lícita?

NÃO. O STJ entendeu que a busca foi ilícita, assim como todas as provas dela derivadas. Isso porque não houve comprovação de consentimento válido para o ingresso no domicílio do réu.

Na hipótese de suspeita de flagrância delitiva, qual a exigência, em termos de standard probatório*, para que policiais ingressem no domicílio do suspeito sem mandado judicial?

Para garantir a devida proteção da garantia constitucional à inviolabilidade do domicílio, os policiais deverão adotar as seguintes providências:

1) Autorização assinada pelo morador e por testemunhas

Os policiais deverão obter a autorização assinada pelo morador afirmando que permite a entrada, indicando, ainda, o nome de testemunhas que atestem que o morador consentiu com a entrada e que acompanhem a busca realizada. Isso deve ser registrado em auto circunstanciado.

Tal providência, aliás, já é determinada pelo art. 245, § 7º, do CPP, que prevê:

Art. 245. As buscas domiciliares serão executadas de dia, salvo se o morador consentir que se realizem à noite, e, antes de penetrarem na casa, os executores mostrarão e lerão o mandado ao morador, ou a quem o represente, intimando-o, em seguida, a abrir a porta. (…)

§ 7º Finda a diligência, os executores lavrarão auto circunstanciado, assinando-o com duas testemunhas presenciais, sem prejuízo do disposto no § 4º.

Embora esse dispositivo se refira ao cumprimento de mandado de busca e apreensão domiciliar, por óbvio ele também deve se aplicar para qualquer forma de busca e apreensão efetuada pelo Estado em domicílios de suspeitos, com ou sem mandado judicial.

2) A diligência deverá ser integralmente registrada em vídeo e áudio

Além disso, será de fundamental importância que se registre, em vídeo e áudio, toda a diligência, especialmente nas situações em que, por ausência justificada do formulário ou por impossibilidade qualquer de sua assinatura, seja indispensável comprovar o livre consentimento do morador para o ingresso domiciliar.

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14
Q

É possível a citação, no processo penal, via WhatsApp?

A

Resumo

É possível a utilização de WhatsApp para a citação de acusado, desde que sejam adotadas medidas suficientes para atestar a autenticidade do número telefônico, bem como a identidade do indivíduo destinatário do ato processual. STJ. 5ª Turma. HC 641.877/DF, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 09/03/2021 (Info 688).

Inteiro teor

A citação do acusado revela-se um dos atos mais importantes do processo. É por meio dela que o indivíduo toma conhecimento dos fatos que o Estado, por meio do jus puniendi lhe direciona e, assim, passa a poder demonstrar os seus contra-argumentos à versão acusatória (contraditório, ampla defesa e devido processo legal).

No Processo Penal, diversamente do que ocorre na seara Processual Civil, não se pode prescindir do processo para se concretizar o direito substantivo. É o processo que legitima a pena. Assim, em um primeiro momento, vários óbices impediriam a citação via WhatsApp, seja de ordem formal, haja vista a competência privativa da União para legislar sobre processo (art. 22, I, da CF/88), ou de ordem material, em razão da ausência de previsão legal e possível malferimento de princípios caros como o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa.

No entanto, por outro lado, não se pode fechar os olhos para a realidade. Excluir peremptória e abstratamente a possibilidade de utilização do WhatsApp para fins da prática de atos de comunicação processuais penais, como a citação e a intimação, não se revelaria uma postura comedida.

Não se trata de autorizar a confecção de normas processuais por tribunais, mas sim o reconhecimento, em abstrato, de situações que, com os devidos cuidados, afastariam, ao menos, a princípio, possíveis prejuízos ensejadores de futuras anulações. Isso porque a tecnologia em questão permite a troca de arquivos de texto e de imagens, o que possibilita ao oficial de justiça, com quase igual precisão da verificação pessoal, aferir a autenticidade do número telefônico, bem como da identidade do destinatário para o qual as mensagens são enviadas.

Além disso, não há falar em nulidade de ato processual sem demonstração de prejuízo ou, em outros termos, princípio pas nullité sans grief. Assim, é possível imaginar-se a utilização do WhatsApp para fins de citação na esfera penal, com base no princípio pas nullité sans grief.

De todo modo, para que seja admitida a citação por WhatsApp é indispensável que sejam tomados todos os cuidados possíveis para se comprovar a autenticidade não apenas do número telefônico com que o oficial de justiça realiza a conversa, mas também da identidade do destinatário das mensagens.

O WhatsApp permite a troca de arquivos de texto e de imagens, o que possibilita ao oficial de justiça, com quase igual precisão da verificação pessoal, aferir a autenticidade da conversa.

É possível imaginar-se, por exemplo, a exigência pelo agente público do envio de foto do documento de identificação do acusado, de um termo de ciência do ato citatório assinado de próprio punho, quando o oficial possuir algum documento do citando para poder comparar as assinaturas, ou qualquer outra medida que torne inconteste tratar-se de conversa travada com o verdadeiro denunciado.

De outro lado, a mera confirmação escrita da identidade pelo citando não nos parece suficiente. Necessário distinguir, porém, essa situação daquela em que, além da escrita pelo citando, há no aplicativo foto individual dele. Nesse caso, ante a mitigação dos riscos, diante da concorrência de três elementos indutivos da autenticidade do destinatário, número de telefone, confirmação escrita e foto individual, entende-se possível presumir-se que a citação se deu de maneira válida, ressalvado o direito do citando de, posteriormente, comprovar eventual nulidade, seja com registro de ocorrência de furto, roubo ou perda do celular na época da citação, com contrato de permuta, com testemunhas ou qualquer outro meio válido que autorize concluir de forma assertiva não ter havido citação válida.

Assim, é possível o uso da referida tecnologia para citação, desde que, com a adoção de medidas suficientes para atestar a identidade do indivíduo com quem se travou a conversa.

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15
Q

É válida a autorização expressa para busca e apreensão em sede de empresa investigada dada por pessoa que age como sua representante, mas que na verdade não o é?

A

Resumo

É válida, com base na teoria da aparência, a autorização expressa para que os policiais fizessem a busca e apreensão na sede de empresa investigada, autorização essa dada por pessoa que, embora tenha deixado de ser sócia formal, continuou assinando documentos como representante da empresa.

Caso concreto: policiais chegaram até a sede da empresa e, enquanto aguardavam decisão judicial para entrar no local, foram autorizados a fazer a busca e apreensão no imóvel. Essa autorização foi concedida por uma mulher que se apresentou como representante da empresa.

A mulher que concedeu a autorização, embora tenha deixado de ser formalmente sócia, continuou assinando documentos como representante da empresa.

A evidência de que ela ainda agia como representante da empresa é reforçada pelo fato de que tinha a chave do escritório sede da empresa e livre acesso a ele, não tendo sido barrada por nenhum dos empregados que estavam no local, nem mesmo pelo advogado da empresa que acompanhou toda a diligência.

Diante disso, o STJ afirmou que deveria ser aplicada, no caso concreto, a teoria da aparência.

Embora tal teoria tenha encontrado maior amplitude de aplicação jurisprudencial na seara civil, processual civil e no CDC, nada há que impeça sua aplicação também na seara penal. STJ. 5ª Turma. RMS 57.740-PE, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 23/03/2021 (Info 690).

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16
Q

No caso de expedição de carta rogatória para citação do acusado, o prazo prescricional fica suspenso até a sua juntada aos autos, cumprida?

A

O termo final da suspensão do prazo prescricional pela expedição de carta rogatória para citação do acusado no exterior é a data da efetivação da comunicação processual no estrangeiro, ainda que haja demora para a juntada da carta rogatória cumprida aos autos. STJ. 5ª Turma. REsp 1.882.330/SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 06/04/2021 (Info 691).

17
Q

Se o juiz, ilegalmente, decreta prisão preventiva de ofício e o MP, pouco após, faz o requerimento de prisão, poder-se-á consider o vício convalidado?

A

Resumo

O que acontece se o juiz decretar a prisão preventiva de ofício (sem requerimento)?

  • Regra: a prisão deverá ser relaxada por se tratar de prisão ilegal.
  • Exceção: se, após a decretação, a autoridade policial ou o Ministério Público requererem a prisão, o vício de ilegalidade que maculava a custódia é suprido (convalidado) e a prisão não será relaxada.

O posterior requerimento da autoridade policial pela segregação cautelar ou manifestação do Ministério Público favorável à prisão preventiva suprem o vício da inobservância da formalidade de prévio requerimento. STJ. 5ª Turma. AgRg RHC 136.708/MS, Rel. Min. Felix Fisher, julgado em 11/03/2021 (Info 691)

Inteiro teor

[…]

O vício decorrente do fato de a prisão ter sido decretada de ofício foi superado pelo posterior requerimento da autoridade policial pela prisão preventiva. Ficou, assim, garantida a higidez do feito, de modo que não se configura nenhuma nulidade passível de correção, tendo sido observado o devido processo legal.

Vale ressaltar que a eventual concessão da ordem no sentido de revogar a prisão preventiva seria inócua, considerando que tanto a autoridade policial, como o Ministério Público entendem que é caso de prisão preventiva. Assim, haveria novamente o requerimento, sendo, então, mais uma vez decretada a custódia cautelar.

18
Q

A superveniência da sentença condenatória prejudica o pedido de trancamento da ação penal por falta de justa causa feito em habeas corpus?

A

Resumo

Súmula 648-STJ: A superveniência da sentença condenatória prejudica o pedido de trancamento da ação penal por falta de justa causa feito em habeas corpus.

STJ. 3ª Seção. Aprovada em 14/04/2021, DJe 19/04/2021.

Inteiro teor

[…]

Diante desse cenário, o que acontece com o julgamento do habeas corpus? O Tribunal de Justiça irá apreciar o mérito do habeas corpus?

NÃO. A superveniência de sentença condenatória torna prejudicado o pedido feito no habeas corpus se buscava o trancamento da ação penal sob a alegação de falta de justa causa.

A sentença condenatória analisa a existência de justa causa de forma mais aprofundada, após a instrução penal com contraditório e ampla defesa. Logo, não faz mais sentido o Tribunal examinar a decisão de rejeição da absolvição sumária se já há uma nova decisão mais aprofundada. Será essa nova manifestação (sentença) que precisará ser analisada.

Logo, o réu terá que interpor apelação contra a sentença condenatória, recurso de cognição ampla por meio do qual toda a matéria será devolvida ao Tribunal, que terá a possibilidade de examinar se a condenação foi acertada, ou não.

E se a sentença tivesse sido absolutória? Se o juiz tivesse absolvido João, o HC também ficaria prejudicado?

SIM. Com maior razão, o habeas corpus estaria prejudicado, mas agora por outro motivo: falta de interesse processual já que a providência buscada pela defesa foi alcançada em 1ª instância.

[…]

Essa foi a explicação da súmula. Vejamos agora três situações correlatadas envolvendo habeas corpus.

Indaga-se: o habeas corpus fica prejudicado?

Depende:

  • se, na sentença, o juiz, para manter a prisão preventiva, se valeu dos mesmos fundamentos que havia utilizado na decisão anterior: o habeas corpus NÃO fica prejudicado. O Tribunal terá que apreciar.
  • se, na sentença, o juiz, para manter a prisão preventiva, se valeu de outros fundamentos diferentes do que já havia utilizado na decisão anterior: o habeas corpus fica prejudicado. Isso porque ainda que o Tribunal entendesse que os argumentos utilizados na decisão não foram corretos, o magistrado já mencionou outros fundamentos para a prisão, devendo esses novos argumentos serem também impugnados. Ex: na decisão que decretou a prisão preventiva, o juiz afirmou que o réu estaria ameaçando as testemunhas (prisão decretada por conveniência da instrução processual). Na sentença, o magistrado manteve a prisão preventiva sob a alegação de que existiria risco concreto de o réu fugir caso ele fosse solto (prisão para assegurar a aplicação da lei penal).

Situação 1:

O juiz, a requerimento do MP, decretou a prisão preventiva de Pedro.

A defesa impetrou habeas corpus no Tribunal de Justiça alegando que não estavam presentes os pressupostos da prisão preventiva. Logo, o advogado pediu, no habeas corpus, a revogação da prisão preventiva. Esse foi o pedido do writ.

Antes que o habeas corpus fosse julgado, o juiz prolatou sentença condenando Pedro pelo crime e, na oportunidade, manteve a prisão cautelar, negando o direito do réu de recorrer em liberdade.

A sentença penal condenatória superveniente que não permite ao réu recorrer em liberdade, somente prejudica o exame do recurso em habeas corpus quando contiver fundamentos diversos daqueles utilizados na decisão que decretou a prisão preventiva, o que não ocorreu no caso dos autos. STJ. 5ª Turma. RHC 105.673/MG, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 13/08/2019.

Situação 2: habeas corpus e concessão de suspensão condicional do processo

Imagine a seguinte situação hipotética:

João foi denunciado pela prática do crime de descaminho (art. 334, caput, do CP).

O juiz recebeu a denúncia e designou audiência. A defesa de Pedro impetrou habeas corpus no TRF pedindo o trancamento da ação penal por ausência de justa causa.

O habeas corpus ficou no TRF aguardando ser julgado. Antes que o writ fosse apreciado, chegou o dia da audiência.

Como a pena mínima deste delito é igual a 1 ano, o MP ofereceu proposta de suspensão condicional do processo.

João, acompanhado de seu advogado, aceitou a proposta pelo período de prova de 2 anos.

Diante disso, indaga-se: com a suspensão condicional do processo, o habeas corpus que estava pendente fica prejudicado ou o TRF deverá julgá-lo mesmo assim?

O Tribunal deverá julgar o habeas corpus. É a posição tranquila da jurisprudência:

O fato de o denunciado ter aceitado a proposta de suspensão condicional do processo formulada pelo Ministério Público (art. 89 da Lei nº 9.099/95) não constitui empecilho para que seja proposto e julgado habeas corpus em seu favor, no qual se pede o trancamento da ação penal. Isso porque o réu que está cumprindo suspensão condicional do processo fica em liberdade, mas ao mesmo tempo terá que cumprir determinadas condições impostas pela lei e pelo juiz e, se desrespeitá-las, o curso do processo penal retomará. Logo, ele tem legitimidade e interesse de ver o HC ser julgado para extinguir de vez o processo. STJ. 5ª Turma. RHC 41527-RJ, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 3/3/2015 (Info 557).

Situação 3: habeas corpus e transação penal

Imagine agora a seguinte situação hipotética:

Pedro foi denunciado pela prática de lesões corporais dolosas.

O juiz recebeu a denúncia.

A defesa de Pedro impetrou habeas corpus no Tribunal de Justiça pedindo o trancamento da ação penal por ausência de justa causa.

O habeas corpus ficou lá no TJ aguardando ser julgado. Enquanto isso, foi designada audiência.

No curso da audiência, o Ministério Público, melhor analisando os fatos, entendeu que houve lesões corporais culposas, infração de menor potencial ofensivo, prevista no art. 129, § 6º do Código Penal.

Assim, na própria audiência, o Promotor de Justiça pediu a desclassificação para lesões corporais culposas, pleito que foi acolhido pelo juiz.

Em seguida, o Promotor ofereceu proposta de transação penal, que foi aceita por João.

O juiz homologou o acordo de transação penal e tornou sem efeito a decisão de recebimento da denúncia.

A decisão que recebeu a denúncia foi anulada pelo juiz considerando que o benefício da transação penal ocorre antes do início da ação penal.

Como você lembra, havia um habeas corpus tramitando no TJ e que ainda não havia sido julgado. Diante disso, indaga-se: com a celebração da transação penal, o habeas corpus que estava pendente fica prejudicado ou o TJ deverá julgá-lo mesmo assim?

  • STJ: SIM. Fica prejudicado. A concessão do benefício da transação penal impede a impetração de habeas corpus em que se busca o trancamento da ação penal. STJ. 6ª Turma. HC 495148-DF, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, julgado em 24/09/2019 (Info 657).
  • STF: NÃO. Não impede e o TJ deverá julgar o mérito do habeas corpus. A realização de acordo de transação penal não enseja a perda de objeto de habeas corpus anteriormente impetrado.

A aceitação do acordo de transação penal não impede o exame de habeas corpus para questionar a legitimidade da persecução penal.

Embora o sistema negocial possa trazer aprimoramentos positivos em casos de delitos de menor gravidade, a barganha no processo penal pode levar a riscos consideráveis aos direitos fundamentais do acusado. Assim, o controle judicial é fundamental para a proteção efetiva dos direitos fundamentais do imputado e para evitar possíveis abusos que comprometam a decisão voluntária de aceitar a transação.

Não há qualquer disposição em lei que imponha a desistência de recursos ou ações em andamento ou determine a renúncia ao direito de acesso à Justiça. STF. 2ª Turma. HC 176785/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 17/12/2019 (Info 964).

19
Q

Citado o réu por edital, nos termos do art. 366 do CPP, o processo deve permanecer suspenso enquanto o réu não for localizado ou até que seja extinta a punibilidade pela prescrição?

A

Resumo

O art. 366 do CPP estabelece que se o acusado for citado por edital e não comparecer ao processo nem constituir advogado o processo e o curso da prescrição ficarão suspensos. Enquanto o réu não for localizado, o curso processual não pode ser retomado. STJ. 6ª Turma. RHC 135.970/RS, Rel. Min. Sebastião Reis Junior, julgado em 20/04/2021 (Info 693).

Inteiro teor

[…]

Considerando que a prescrição voltará a correr, é possível que o processo também volte a tramitar?

NÃO. Isso contraria o próprio sentido da alteração promovida no art. 366 pela Lei nº 9.271/96. Por ser a citação por edital uma ficção jurídica, pretendeu-se com a alteração legislativa obstar que alguém fosse processado e julgado sem que se tivesse a certeza de que tomara conhecimento do processo, em prejuízo à ampla defesa, ao contraditório e ao devido processo legal.

Além de não prestigiar as garantias inerentes ao devido processo legal, a retomada do processo coloca o réu em situação mais gravosa do que a suspensão do processo e da prescrição ad aeternum. Igualmente, não está em harmonia com diplomas internacionais, que, à luz da cláusula de abertura prevista no texto constitucional, têm força normativa interna e natureza supralegal. STF. Plenário. RE 600851, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 04/12/2020 (Repercussão Geral – Tema 438) (Info 1001).

O STJ acompanhou essa conclusão do STF:

Citado o réu por edital, nos termos do art. 366 do CPP, o processo deve permanecer suspenso enquanto perdurar a não localização do réu ou até que sobrevenha o transcurso do prazo prescricional. STJ. 6ª Turma. RHC 135.970/RS, Rel. Min. Sebastião Reis Junior, julgado em 20/04/2021 (Info 693).

Vale ressaltar que se trata de mudança de entendimento do STJ porque este Tribunal entendia, antes da decisão do STF no RE 600851, que esgotado o prazo máximo de suspensão processual, nos termos do art. 366 do CPP, feito deveria voltar a tramitar mesmo com a ausência do réu, mediante a constituição de defesa técnica (STJ. 6ª Turma. RHC 112.703/RS, Min. Nefi Cordeiro, DJe de 22/11/2019).

20
Q

É lícito o compartilhamento de dados bancários feito por órgão de investigação do país estrangeiro para a polícia brasileira, mesmo que, no Estado de origem, essas informações não tenham sido obtidas com autorização judicial, já que isso não é exigido naquele país?

A

Resumo

SIM

Caso concreto: a Procuradoria de Nova Iorque (EUA) compartilhou com a Polícia Federal do Brasil uma relação de brasileiros que mantinham contas bancárias nos EUA. A partir dessa informação, a Polícia Federal instaurou inquérito para apurar os fatos e representou pela quebra do sigilo bancário dos investigados. O juiz federal deferiu o pedido e expediu um MLAT aos EUA solicitando todos os detalhes das contas bancárias mantidas naquele país. Esses dados foram enviados.

O compartilhamento de dados feito pela Procuradoria de Nova Iorque com a Polícia Federal foi realizado sem autorização judicial. Mesmo assim, não há nulidade e tais elementos informativos podem ser utilizados no Brasil, já que, no Estado de origem, não era necessária autorização judicial.

Assim, não viola a ordem pública brasileira o compartilhamento direto de dados bancários pelos órgãos investigativos, mesmo que, no Estado de origem, sejam obtidos sem prévia autorização judicial, se a reserva de jurisdição não é exigida pela legislação daquele local. Ainda neste mesmo caso concreto, o STJ decidiu que a cooperação internacional feita pelo MLAT não será nula, ainda que não tenha sido concretizada com a intermediação das autoridades centrais do Brasil e dos EUA.

Respeitadas as garantias processuais do investigado, não há prejuízo na cooperação direta entre as agências investigativas, sem a participação das autoridades centrais. A ilicitude da prova ou do meio de sua obtenção somente poderia ser pronunciada se o réu demonstrasse alguma violação de suas garantias ou das específicas regras de produção probatória. STJ. 5ª Turma. AREsp 701.833/SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 04/05/2021 (Info 695).

21
Q

É legal a quebra do sigilo telefônico mediante a habilitação de chip da autoridade policial em substituição ao do investigado titular da linha?

A

Resumo

A Lei nº 9.296/96 não autoriza a suspensão do serviço telefônico ou do fluxo da comunicação telemática mantida pelo usuário, tampouco a substituição do investigado e titular da linha por agente indicado pela autoridade policial. STJ. 6ª Turma. REsp 1.806.792-SP, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 11/05/2021 (Info 696).

Inteiro teor

A situação concreta, com adaptações, foi a seguinte:

A Polícia Federal requereu ao Juiz Federal, com base na Lei nº 9.296/96, a quebra de sigilo telefônico para que fosse decretada a interceptação de determinados terminais telefônicos, mediante a habilitação temporária de SIMCARDS* (chips) indicados pela autoridade policial, em substituição às linhas do investigado.

* SIMCARD: card = cartão em inglês; “SIM” é a sigla da expressão inglesa “Subscriber Identity Module”, que significa módulo de identificação do assinante (comumente conhecido no Brasil como “chip”).

Explicando de forma mais simples: é como se a “linha telefônica” de cada investigado fosse redirecionada para aparelhos telefônicos em poder da polícia. Assim, por exemplo, quando alguém ligasse para um dos investigados, essa chamada iria ser redirecionada para um aparelho de celular que estaria na posse de algum policial.

Além disso, os policiais teriam acesso, em tempo real, aos dados enviados aos telefones dos investigados, como as chamadas recebidas e as mensagens criptografadas enviadas através de aplicativos de troca instantânea de conteúdo, como WhatsApp e Telegram, aos telefones dos investigados. Seria possível, inclusive, que a autoridade policial acessasse o “backup” das conversas trocadas nesses programas.

A medida pretendida pela autoridade policial englobava, portanto:

a) o fluxo das comunicações (a polícia teria acesso às mensagens e ligações dos investigados, instantaneamente); e também
b) os “dados” contidos nos celulares dos investigados (histórico das conversas e ligações).

Era, então, um misto de interceptação telefônica e acesso à base na qual se encontram os dados.

O pedido foi deferido pelo juiz.

A operadora de telefonia impetrou mandado de segurança contra a decisão alegando que a medida deferida não tem amparo na lei e que houve uma interferência direta na prestação do serviço público prestado pela concessionária.

A ordem foi concedida pelo TRF da 3ª Região.

O MPF interpôs recurso especial ao STJ defendendo a legalidade da decisão judicial.

Antes de adentrar ao mérito do caso, indaga-se: a empresa de telefonia possuía legitimidade para impetrar mandado de segurança neste caso, mesmo envolvendo direito de terceiros (investigados)?

A empresa de telefonia possuía, sim, legitimidade, no entanto, neste caso, ela não está diretamente defendendo interesse dos investigados, mas sim direito próprio de não sofrer interferência indevida no serviço público que ela presta.

Assim, a legitimidade ativa da empresa de telefonia foi reconhecida não para proteger direito dos usuários das linhas telefônicas que seriam prejudicados com a “interceptação telefônica”, mas sim para discutir a ausência de lei específica que amparasse a ordem judicial que determinou uma interferência direta na própria prestação do serviço público pela concessionária.

A tese do MPF foi acolhida pelo STJ? A quebra do sigilo telefônico mediante a habilitação de chip da autoridade policial em substituição ao do investigado está autorizada pela Lei nº 9.296/96? A prova colhida dessa maneira seria considerada válida?

NÃO.

É ilegal a quebra do sigilo telefônico mediante a habilitação de chip da autoridade policial em substituição ao do investigado titular da linha. STJ. 6ª Turma. REsp 1.806.792-SP, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 11/05/2021 (Info 696).

A Lei nº 9.296/96 não autoriza a suspensão do serviço telefônico ou do fluxo da comunicação telemática mantida pelo usuário, tampouco a substituição do investigado e titular da linha por agente indicado pela autoridade policial.

A decisão judicial que deferiu o pedido da autoridade policial permitiu a utilização de chip, em substituição ao do aparelho celular do usuário investigado, “pelo prazo de 15 (quinze) dias e a critério da autoridade policial, em horários previamente indicados, inclusive de madrugada.”

Se a operadora de telefonia não tivesse discordado da decisão judicial, o agente investigador, a critério da autoridade policial, teria acesso ilimitado e em tempo real a todas as chamadas e mensagens, inclusive via WhatsApp. Isso possibilitaria, inclusive, que os policiais enviassem mensagens ou excluíssem o conteúdo das mensagens, sem deixar vestígios, já que a operadora não armazena em nenhum servidor o teor das conversas dos usuários.

Qual a diferença entre a interceptação telefônica autorizada pela lei e o acesso à linha telefônica e aos dados do investigado da forma como determinado no caso concreto?

Na interceptação telefônica o agente investigador atua apenas como observador das conversas entre o interceptado e terceiros.

Por outro lado, na troca do chip habilitado, o agente investigador atua como efetivo participante das conversas, já que é possível a interação direta com os interlocutores, bem como o envio de mensagens a qualquer contato do interceptado. Além disso, seria possível, ainda, excluir, com total liberdade, e sem deixar vestígios, as mensagens enviadas pelo WhatsApp. E, nesse interregno, o investigado permaneceria com todos seus serviços de telefonia suspensos.

Assim, considerando que a interceptação telefônica e telemática deve se dar nos estritos limites da lei, por se tratar de providência que excepciona a garantia constitucional à inviolabilidade das comunicações (art. 5º, XII, da CF/88), não é possível interpretação extensiva com a finalidade de alargar as hipóteses nela previstas ou de criar procedimento diverso dos por ela autorizados.

O caso acima se assemelha a outro julgado do STJ envolvendo espelhamento de conversas do WhatsApp Web. Relembre abaixo:

É nula decisão judicial que autoriza o espelhamento do WhatsApp para que a Polícia acompanhe as conversas do suspeito pelo WhatsApp Web.

É nula decisão judicial que autoriza o espelhamento do WhatsApp via Código QR para acesso no WhatsApp Web.

Também são nulas todas as provas e atos que dela diretamente dependam ou sejam consequência, ressalvadas eventuais fontes independentes.

Não é possível aplicar a analogia entre o instituto da interceptação telefônica e o espelhamento, por meio do WhatsApp Web, das conversas realizadas pelo aplicativo WhatsApp. STJ. 6ª Turma. RHC 99735-SC, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 27/11/2018 (Info 640).

22
Q

Compete ao Juízo Federal ou ao Juízo Estadual do endereço do destinatário da droga, importada via Correio, processar e julgar o crime de tráfico internacional?

A

Resumo (mudança de entendimento)

No caso de importação da droga via correio, se o destinatário for conhecido porque consta seu endereço na correspondência, a Súmula 528/STJ deve ser flexibilizada para se fixar a competência no Juízo do local de destino da droga, em favor da facilitação da fase investigativa, da busca da verdade e da duração razoável do processo.

Importação da droga via postal (Correios) configura tráfico transnacional de drogas (art. 33 c/c art. 40, I, da Lei nº 11.343/2006). A competência para julgar esse delito será do local onde a droga foi apreendida ou do local de destino da droga?

  • Entendimento anterior do STJ: local de apreensão da droga Essa posição estava manifestada na Súmula 528 do STJ, aprovada em 13/05/2015: Súmula 528-STJ: Compete ao juiz federal do local da apreensão da droga remetida do exterior pela via postal processar e julgar o crime de tráfico internacional.
  • Entendimento atual do STJ: local de destino da droga. Na hipótese de importação da droga via correio cumulada com o conhecimento do destinatário por meio do endereço aposto na correspondência, a Súmula 528/STJ deve ser flexibilizada para se fixar a competência no Juízo do local de destino da droga, em favor da facilitação da fase investigativa, da busca da verdade e da duração razoável do processo. STJ. 3ª Seção. CC 177.882-PR, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 26/05/2021 (Info 698).

Inteiro teor

[…]

Entendimento anterior do STJ:

Local de apreensão da droga (no ex: SP)

Essa posição estava manifestada na Súmula 528 do STJ, aprovada em 13/05/2015:

Súmula 528-STJ: Compete ao juiz federal do local da apreensão da droga remetida do exterior pela via postal processar e julgar o crime de tráfico internacional.

Argumentos desse antigo entendimento: O CPP prevê que a competência é definida pelo local em que o crime se consumar: Art. 70. A competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução.

A conduta prevista no art. 33, caput, da Lei nº 11.343/2006 constitui delito formal, multinuclear, sendo que, para sua consumação, basta a execução de qualquer das condutas previstas no dispositivo legal.

No caso em tela, a pessoa que encomendou a droga praticou o verbo “importar”, que significa “fazer vir de outro país, estado ou município; trazer para dentro.” Logo, pode-se afirmar que o delito se consumou no instante em que o produto importado tocou o território nacional, entrada essa consubstanciada na apreensão da droga.

Vale ressaltar que, para que ocorra a consumação do delito de tráfico transnacional de drogas, é desnecessário que a correspondência chegue ao destinatário final. Se chegar, haverá mero exaurimento da conduta. A consumação (importação) ocorreu quando a encomenda entrou no território nacional.

Dessa forma, o delito se consumou no local de entrada da mercadoria, sendo esse o juízo competente, nos termos do art. 70 do CPP.

Entendimento atual do STJ:

Local de destino da droga (no ex: Londrina)

Na hipótese de importação da droga via correio cumulada com o conhecimento do destinatário por meio do endereço aposto na correspondência, a Súmula 528/STJ deve ser flexibilizada para se fixar a competência no Juízo do local de destino da droga, em favor da facilitação da fase investigativa, da busca da verdade e da duração razoável do processo.

STJ. 3ª Seção. CC 177.882-PR, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 26/05/2021 (Info 698).

Argumentos do novo entendimento: • O primeiro argumento decorre do bom senso. Em São Paulo desembarca a maioria das remessas importadas, via correios, do exterior. A existência de destinatário certo e devidamente identificado colocaria a Polícia Federal lotada no Estado de São Paulo para investigar indivíduo que residisse, v.g., em Porto Alegre, no Rio de Janeiro, em Boa Vista, em Cuiabá etc. Enfim, em qualquer lugar do Brasil para onde a encomenda estivesse endereçada.Isso dificultaria sobremaneira as investigações, quando não as inviabilizasse por completo;

• O segundo argumento decorre da regra que define a competência pelo lugar em que efetivamente se consuma a infração, circunstância esta essencial para a fixação da competência, nos termos do art. 70, do CPP. Para que haja a remessa da droga ao Brasil, é necessário que o importador entabule um negócio (evidentemente ilícito). Não é crível, ainda mais no âmbito do tráfico internacional, que alguém remeta drogas para o Brasil gratuitamente ou ofereça essa remessa como um presente sem ônus. É evidente que há um negócio espúrio preliminar à remessa do entorpecente. Assim, quando o importador acerta a remessa do entorpecente, efetua o pagamento do preço e se cerca dos cuidados para que receba o produto, o negócio se encontra aperfeiçoado, dependendo o seu êxito integral, tão somente, do efetivo recebimento da droga. Desse modo, a consumação da importação da droga ocorre no momento da entabulação do negócio jurídico. Logo, o local de apreensão da mercadoria em trânsito não se confunde com o local da consumação do delito, o qual já se encontrava perfeito e acabado desde a negociação.

[…]

Logo, para fins de concurso público, deve-se adotar essa expressão (“flexibilização da Súmula 528 do STJ”). Na prática, contudo, o que se percebe é que o enunciado foi superado, ou seja, seu entendimento não mais representa a jurisprudência atual do Tribunal e, na minha opinião, não resta outro caminho a não ser cancelar a súmula ou, no mínimo, alterar a sua redação. Tanto isso é verdade que o Min. Relator Joel Ilan Paciornik determinou que fosse encaminhada cópia da decisão “à Comissão de Jurisprudência para adequação da Súmula n. 528/STJ”.

Alguns poderiam argumentar que a Súmula 528 continua a ser aplicada nos casos em que a droga é remetida via postal, mas não se conhece o destinatário. Essa hipótese é improvável. Isso porque toda correspondência remetida já deve ter, necessariamente, o endereço do destinatário. Logo, me parece que, a partir de agora, se a droga foi remetida via postal, a competência sempre será do juízo do destinatário da droga. Este é o novo critério.

23
Q

A ausência de afirmação da autoridade policial de sua própria suspeição eiva de nulidade o processo judicial?

A

Resumo

Caso concreto: após a condenação, a defesa do réu descobriu que um dos Delegados que participou das investigações – conduzidas pelo Ministério Público – seria suspeito já que seu pai também teria envolvimento com a organização criminosa.

Logo, o Delegado deveria ter se declarado suspeito, nos termos do art. 107 do CPP: “Não se poderá opor suspeição às autoridades policiais nos atos do inquérito, mas deverão elas declarar-se suspeitas, quando ocorrer motivo legal.”

Para o STJ, contudo, o descumprimento do art. 107 do CPP - quando a autoridade policial deixa de afirmar sua própria suspeição - não gera, por si só, a nulidade do processo judicial, sendo necessária a demonstração do prejuízo suportado pelo réu.

O inquérito é uma peça de informação, destinada a auxiliar a construção da opinio delicti do MP. Vale ressaltar, inclusive, que o inquérito é uma peça facultativa. Logo, possíveis irregularidades ocorridas no inquérito policial não afetam a ação penal.

No caso concreto, dentre as provas que fundamentaram a condenação do réu, apenas a interceptação telefônica foi realizada com a participação do Delegado suspeito. A defesa, contudo, não se insurgiu contra o conteúdo material das conversas gravadas nem indicou que seriam falsas. Assim, como não foi demonstrado qualquer prejuízo causado pela suspeição, é inviável decretação de nulidade da condenação. STJ. 5ª Turma. REsp 1.942.942-RO, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 10/08/2021 (Info 704).

Inteiro teor

Imagine a seguinte situação adaptada:

João foi condenado pela prática do crime previsto no art. 218-B, § 2º, I, do Código Penal:

Art. 218-B. Submeter, induzir ou atrair à prostituição ou outra forma de exploração sexual alguém menor de 18 (dezoito) anos ou que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, facilitá-la, impedir ou dificultar que a abandone: Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos. (…)

§ 2º Incorre nas mesmas penas:

I - quem pratica conjunção carnal ou outro ato libidinoso com alguém menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos na situação descrita no caput deste artigo; (…)

Ficou provado que João era cliente de uma rede de prostituição de menores, organizada pela corré Daniela, tendo mantido relações sexuais com 7 vítimas adolescentes.

Após o trânsito em julgado, o advogado de João descobriu o seguinte:

  • o procedimento investigativo que apurou essa rede de prostituição foi instaurado pelo Ministério Público do Estado;
  • um dos agentes policiais que auxiliou o MP na investigação foi o Delegado de Polícia Civil Sandro;
  • durante as interceptações telefônicas, foi captada conversa entre Antônio e a investigada Daniela, na qual ele combina com a proxeneta (cafetina) a contratação de uma adolescente para relações sexuais. Em outras palavras, Antônio seria também um dos clientes da rede de prostituição;
  • ocorre que Antônio é pai de Sandro, um dos Delegados da investigação;

Revisão criminal

João ajuizou revisão criminal, com fundamento no art. 621, III, do CPP, alegando que somente após o trânsito em julgado da condenação, a defesa descobriu a filiação do delegado:

Art. 621. A revisão dos processos findos será admitida: (…) III - quando, após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena.

A condenação de João foi anulada em virtude desse fato?

NÃO

A suspeição da autoridade policial e seus efeitos sobre o processo judicial

Segundo prevê o art. 107 do CPP:

Art. 107. Não se poderá opor suspeição às autoridades policiais nos atos do inquérito, mas deverão elas declarar-se suspeitas, quando ocorrer motivo legal.

Essa previsão é bastante criticada em sede doutrinária. A despeito disso, continua válido e vigente, inexistindo declaração de sua não recepção pelo STF.

Para o STJ, o descumprimento do art. 107 do CPP não gera, por si só, a nulidade do processo judicial, sendo necessária a demonstração do prejuízo suportado pela parte ré.

Vale ressaltar que, segundo a tradicional compreensão doutrinária e pretoriana hoje predominante, o inquérito é uma peça de informação, destinada a auxiliar a construção da opinio delicti do órgão acusador.

Logo, possíveis irregularidades ocorridas no inquérito policial não afetam a ação penal. Importante lembrar que, ressalvadas as provas irrepetíveis, cautelares e antecipadas, nos termos do art. 155 do CPP, não há propriamente produção de provas na fase inquisitorial, mas apenas colheita de elementos informativos para subsidiar a convicção do Ministério Público quanto ao oferecimento (ou não) da denúncia. Também por isso, o inquérito é uma peça facultativa, como se depreende do art. 39, § 5º, do CPP:

Art. 39 (…) § 5º O órgão do Ministério Público dispensará o inquérito, se com a representação forem oferecidos elementos que o habilitem a promover a ação penal, e, neste caso, oferecerá a denúncia no prazo de quinze dias.

Todos os elementos colhidos no inquérito, quando integram a acusação e são considerados pela sentença, submetem-se ao contraditório no processo judicial, e é este o locus adequado para rebatê-los. Também as provas irrepetíveis, cautelares e antecipadas passam pelo crivo do contraditório, ainda que de forma diferida, cabendo à defesa o ônus de apontar possíveis vícios processuais e apresentar suas impugnações fáticas.

Por isso, como resta preservada a ampla possibilidade de debate dos elementos de prova em juízo, é correto manter incólume o processo mesmo diante de alguma irregularidade cometida na fase inquisitorial (desde que, é claro, não tenham sido descumpridas regras de licitude da atividade probatória).

Ausência de prejuízo no caso concreto

Dentre as provas que fundamentaram a condenação do réu, apenas a interceptação telefônica foi realizada com a participação do Delegado suspeito. A defesa, contudo, não se insurge contra o conteúdo material das conversas gravadas, tampouco indica serem falsas em alguma medida.

Assim, como não foi demonstrado qualquer prejuízo causado pela suspeição, é inviável decretação de nulidade da condenação.

24
Q

O novo parágrafo do art. 70 do CPP aplica-se aos crimes praticados antes de sua vigência?

A

Resumo

Nos crimes de estelionato, quando praticados mediante depósito, por emissão de cheques sem suficiente provisão de fundos em poder do sacado ou com o pagamento frustrado ou por meio da transferência de valores, a competência será definida pelo local do domicílio da vítima, em razão da superveniência de Lei nº 14.155/2021, ainda que os fatos tenham sido anteriores à nova lei.

Veja o § 4º do art. 70 que foi inserido no CPP pela Lei nº 14.155/2021:

Art. 70. (…) § 4º Nos crimes previstos no art. 171 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), quando praticados mediante depósito, mediante emissão de cheques sem suficiente provisão de fundos em poder do sacado ou com o pagamento frustrado ou mediante transferência de valores, a competência será definida pelo local do domicílio da vítima, e, em caso de pluralidade de vítimas, a competência firmar-se-á pela prevenção. STJ. 3ª Seção. CC 180.832-RJ, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 25/08/2021 (Info 706).

Inteiro teor

Vamos analisar três casos envolvendo estelionato para identificarmos as mudanças operadas pela novidade legislativa.

1) Estelionato praticado por meio de cheque falso (art. 171, caput, do CP)

Imagine a seguinte situação hipotética:

João, domiciliado no Rio de Janeiro (RJ), achou um cheque em branco. Ele foi, então, até Juiz de Fora (MG) e lá comprou inúmeras roupas de marca em uma loja da cidade. As mercadorias foram pagas com o cheque que ele encontrou, tendo João falsificado a assinatura.

Trata-se do crime de estelionato, na figura do caput do art. 171 do CP.

De quem será a competência territorial para julgar o delito?

Do juízo da comarca de Juiz de Fora (MG), local da obtenção da vantagem indevida. Existe até uma súmula tratando sobre o tema:

Súmula 48-STJ: Compete ao juízo do local da obtenção da vantagem ilícita processar e julgar crime de estelionato cometido mediante falsificação de cheque.

Aplica-se aqui o § 4º do art. 70 do CPP?

NÃO. Se você ler o § 4º verá que ele não trata da hipótese de estelionato praticado por meio de cheque falso. Logo, esse dispositivo não incide no presente caso.

A regra a ser aplicada, portanto, é a do caput do art. 70:

Art. 70. A competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução.

O estelionato se consumou no momento em que João comprou as mercadorias da loja, pagando com o cheque falsificado. Nesse instante houve a obtenção da vantagem ilícita e o dano patrimonial à loja.

Logo, nesta primeira hipótese, nenhuma mudança operada pela Lei nº 14.155/2021. Vale ressaltar que a Súmula 48 do STJ manteve-se válida com a novidade legislativa.

2) Estelionato praticado por meio de cheque sem fundo (art. 171, § 2º, VI)

Imagine a seguinte situação hipotética: Pedro, domiciliado no Rio de Janeiro (RJ), foi passar o fim de semana em Juiz de Fora (MG).

Aproveitando que estava ali, ele foi até uma loja da cidade e comprou inúmeras roupas de marca, que totalizaram R$ 4 mil. As mercadorias foram pagas com um cheque de titularidade de Pedro.

Vale ressaltar, no entanto, que Pedro sabia que em sua bancária havia apenas R$ 200,00, ou seja, que não havia fundos suficientes disponíveis. Ele agiu assim porque supôs que não teriam como responsabilizá-lo já que não morava ali.

Qual foi o crime cometido por Pedro?

Estelionato, no entanto, na figura equiparada do art. 171, § 2º, VI, do CP:

Art. 171. Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento: Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, de quinhentos mil réis a dez contos de réis. (…)

Fraude no pagamento por meio de cheque

VI - emite cheque, sem suficiente provisão de fundos em poder do sacado, ou lhe frustra o pagamento.

O cheque emitido por Pedro estava vinculado a uma agência bancária que se situa no Rio de Janeiro (RJ). Tendo isso em consideração, indaga-se: de quem será a competência territorial para julgar o delito?

Aqui houve uma grande alteração promovida pela Lei nº 14.155/2021:

Antes da Lei: a competência para julgar seria do juízo do Rio de Janeiro (RJ), local onde se situa a agência bancária que recusou o pagamento. Na teoria, o “dinheiro” que iria pagar a loja sairia da agência bancária na qual Pedro tinha conta, ou seja, no Rio de Janeiro. Quando a loja foi tentar sacar o cheque, lá em Juiz de Fora (MG), na teoria, a agência bancária localizada no RJ recusou o pagamento porque informou que ali não havia saldo suficiente. Nessas situações, a jurisprudência afirmava que a competência territorial era do local onde se situava a agência que recusou o pagamento:

Súmula 244-STJ: Compete ao foro do local da RECUSA processar e julgar o crime de estelionato mediante cheque sem provisão de FUNDOS.

Súmula 521-STF: O foro competente para o processo e julgamento dos crimes de estelionato, sob a modalidade da emissão dolosa de cheque sem provisão de FUNDOS, é o do local onde se deu a RECUSA do pagamento pelo sacado.

Depois da Lei: a competência passou a ser do local do domicílio da vítima, ou seja, do juízo de Juiz de Fora (MG). É o que prevê o novo § 4º do art. 70:

Art. 70. (…) § 4º Nos crimes previstos no art. 171 do (…) Código Penal, quando praticados (…) mediante emissão de cheques sem suficiente provisão de fundos em poder do sacado (…) a competência será definida pelo local do domicílio da vítima (…)

Isso significa que a Súmula 244 do STJ e a Súmula 521 do STF estão superadas.

O que é o cheque com pagamento frustrado mencionado no § 4º do art. 70 do CPP?

Ocorre quando o agente que emitiu o cheque tinha fundos disponíveis, no entanto, depois de emitir o cheque, ele saca o dinheiro que tinha no banco ou, então, simplesmente emite uma contraordem à instituição financeira afirmando que não é para ela pagar aquele cheque.

Em nosso exemplo, imagine que, depois de emitir a cártula em favor da loja, Pedro entra em contato com a instituição financeira e susta o cheque.

No que tange à competência, a regra é a mesma do cheque sem fundos.

3) Estelionato mediante depósito ou transferência de valores

Imagine a seguinte situação hipotética:

Carlos, morador de Goiânia (GO), viu um anúncio na internet que oferecia empréstimo “rápido e fácil”. Ele entrou em contato com a pessoa, que se identificou como Henrique.

Carlos combinou de receber um empréstimo de R$ 70 mil, no entanto, para isso, ele precisaria depositar uma parcela de R$ 1 mil a título de “custas” para a conta bancária de Henrique, vinculada a uma agência bancária localizada em São Paulo (SP).

Carlos efetuou o depósito e, então, percebeu que se tratava de uma fraude porque nunca recebeu o dinheiro do suposto empréstimo.

Quem será competente para processar e julgar este crime de estelionato: o juízo da comarca de Goiânia (onde foi feito o depósito) ou o juízo da comarca de São Paulo (local onde o dinheiro foi recebido)?

Aqui houve outra grande alteração promovida pela Lei nº 14.155/2021:

Antes da Lei: o juízo competente seria, neste exemplo, o da comarca de São Paulo. Nesse sentido:

No caso em que a vítima, induzida em erro, efetuou depósito em dinheiro e/ou transferência bancária para a conta de terceiro (estelionatário), a obtenção da vantagem ilícita ocorreu quando o estelionatário se apossou do dinheiro, ou seja, no momento em a quantia foi depositada em sua conta. STJ. 3ª Seção. CC 167.025/RS, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 14/08/2019. STJ. 3ª Seção. CC 169.053/DF, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 11/12/2019.

O fundamento era o caput do art. 70 do CPP:

Art. 70. A competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução.

Segundo decidiu o STJ, o estelionato consuma-se no momento e no local em que é auferida a vantagem ilícita. O prejuízo alheio, apesar de fazer parte do tipo penal, está relacionado à consequência do crime de estelionato e não à conduta propriamente.

O núcleo do tipo penal é obter vantagem ilícita, razão pela qual a consumação se dá no momento em que os valores entram na esfera de disponibilidade do autor do crime, o que somente ocorre quando o dinheiro ingressa efetivamente em sua conta corrente.

Resumindo

Estelionato que ocorre quando a vítima, induzida em erro, se dispõe a fazer depósitos ou transferências bancárias para a conta de terceiro (estelionatário): a competência era do local onde o estelionatário possuía a conta bancária.

Depois da Lei: a competência passou a ser do local do domicílio da vítima, ou seja, em nosso exemplo, do juízo de Goiânia (GO).

É o que prevê o novo § 4º do art. 70:

Art. 70. (…) § 4º Nos crimes previstos no art. 171 do (…) Código Penal, quando praticados mediante depósito (…) ou mediante transferência de valores, a competência será definida pelo local do domicílio da vítima (…)

E se houver mais de uma vítima, com domicílios em locais diferentes?

Utilizando novamente o terceiro exemplo acima mencionado. Suponhamos que Henrique aplicou o mesmo “golpe” do empréstimo não apenas em Carlos, mas também em Luísa (domiciliada em Curitiba/PR), em Ricardo (Rio Branco/AC), em Vitor (Fortaleza/CE) e em outras inúmeras vítimas.

De quem será a competência para julgar todas essas condutas?

A competência será definida por prevenção, ou seja, será competente para julgar todos as condutas o juízo do domicílio da vítima que tiver praticado o primeiro ato do processo ou medida relativa a este, nos termos do art. 83 do CPP:

Art. 83. Verificar-se-á a competência por prevenção toda vez que, concorrendo dois ou mais juízes igualmente competentes ou com jurisdição cumulativa, um deles tiver antecedido aos outros na prática de algum ato do processo ou de medida a este relativa, ainda que anterior ao oferecimento da denúncia ou da queixa (arts. 70, § 3º, 71, 72, § 2º, e 78, II, c).

É o que preconiza a parte final do § 4º do art. 70:

Art. 70. (…) § 4º Nos crimes previstos no art. 171 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), quando praticados mediante depósito, mediante emissão de cheques sem suficiente provisão de fundos em poder do sacado ou com o pagamento frustrado ou mediante transferência de valores, a competência será definida pelo local do domicílio da vítima, e, em caso de pluralidade de vítimas, a competência firmarse-á pela prevenção.

<u>Vigência </u>

A Lei nº 14.155/2021 entrou em vigor na data da sua publicação (28/05/2021).

APLICAÇÃO IMEDIATA DO NOVO § 4º DO ART. 70 DO CPP INSERIDO PELA LEI 14.155/2021

Esse novo § 4º do art. 70 do CPP aplica-se aos inquéritos policiais que estavam em curso quando entrou em vigor a Lei nº 14.155/2021?

SIM. A nova lei é norma processual, de forma que deve ser aplicada de imediato, ainda que os fatos tenham sido anteriores à nova lei, notadamente porque o processo ainda está em fase de inquérito policial.

Nos crimes de estelionato, quando praticados mediante depósito, por emissão de cheques sem suficiente provisão de fundos em poder do sacado ou com o pagamento frustrado ou por meio da transferência de valores, a competência será definida pelo local do domicílio da vítima, em razão da superveniência de Lei nº 14.155/2021, ainda que os fatos tenham sido anteriores à nova lei. STJ. 3ª Seção. CC 180.832-RJ, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 25/08/2021 (Info 706).

<u>Esse novo § 4º do art. 70 do CPP aplica-se aos processos penais que estavam em curso quando entrou em vigor a Lei nº 14.155/2021? O juízo que estava processando o crime deverá remeter o feito para o juízo do domicílio da vítima?</u>

O STJ não enfrentou expressamente essa pergunta, mas penso que a resposta é não. Vigora aqui o princípio da “perpetuatio jurisdictionis” (perpetuação da jurisdição), previsto no art. 43 do CPC/2015 e que pode ser aplicado ao processo penal por força do art. 3º do CPP.

Segundo esse princípio, uma vez iniciado o processo penal perante determinado juízo, nele deve prosseguir até seu julgamento. Assim, depois que o processo se iniciou perante um juízo, as modificações que ocorrerem serão consideradas, em regra, irrelevantes para fins de competência.

Exceções ao princípio da perpetuatio jurisdictionis: Existem duas mudanças que irão influenciar na competência, ou seja, duas situações em que o juízo que começou a ação penal deixará de ser competente para continuar o processo por força de fatos supervenientes. Veja:

a) Supressão do órgão judiciário: a lei (ou a CF) extingue o órgão judiciário (juízo) que era competente para aquele processo.

Ex: a EC 45/2004 extinguiu os Tribunais de Alçada e todos os recursos ali existentes foram redistribuídos.

b) Alteração da competência absoluta: pode acontecer de determinadas modificações do estado de fato ou de direito alterarem as regras de competência absoluta para julgar aquele crime.

Ex1: imaginemos que viesse uma EC retirando da Justiça Federal a competência para julgar delitos contra servidores públicos federais no exercício de suas funções;

Ex2: o crime doloso contra a vida praticado por militar contra civil, ainda que cometido em serviço, deixou de ser considerado crime militar e passou a ser crime comum por força da Lei nº 9.299/96, que alterou o art. 9º, parágrafo único, do CPM (atual § 1º, por força da Lei nº 13.491/2017).

A regra e as exceções estão previstas no art. 43 do CPC/2015 que, como vimos, aplica-se ao processo penal em virtude do art. 3º do CPP:

Art. 43. Determina-se a competência no momento do registro ou da distribuição da petição inicial, sendo irrelevantes as modificações do estado de fato ou de direito ocorridas posteriormente, salvo quando suprimirem órgão judiciário ou alterarem a competência absoluta.