Jurisprudência STF - 2021 Flashcards

1
Q

Se, na colaboração premiada, o colaborador aponte a existÊncia de outros crimes cuja competência para julgamento não pertence ao juízo perante o qual foram prestados os depoimentos, o que este deve fazer? Há modificação de competência?

A

Resumo

Os elementos de informação trazidos pelo colaborador a respeito de crimes que não sejam conexos ao objeto da investigação primária devem receber o mesmo tratamento conferido à descoberta fortuita ou ao encontro fortuito de provas em outros meios de obtenção de prova, como a busca e apreensão e a interceptação telefônica.

A colaboração premiada, como meio de obtenção de prova, não constitui critério de determinação, de modificação ou de concentração da competência. Assim, ainda que o agente colaborador aponte a existência de outros crimes e que o juízo perante o qual foram prestados seus depoimentos ou apresentadas as provas que corroborem suas declarações ordene a realização de diligências (interceptação telefônica, busca e apreensão etc.) para sua apuração, esses fatos, por si sós, não firmam sua prevenção. STF. 2ª Turma. HC 181978 AgR/RJ, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 10/11/2020 (Info 999).

Inteiro teor

Imagine a seguinte situação hipotética:

João está respondendo processo criminal na Justiça Federal acusado de ter cometido corrupção ativa e de integrar organização criminosa.

O processo tramita na Justiça Federal em razão de a corrupção ativa ter envolvido um órgão público federal (art. 109, IV, da CF/88).

João celebrou acordo de colaboração premiada e delatou Flávio (servidor público estadual), afirmando que ele recebeu vantagem indevida (“propina”) para praticar atos ilegais no exercício de seu cargo.

Vale ressaltar que o crime praticado por Flávio causou prejuízo à Administração Pública estadual, não envolvendo bens, interesses ou serviços da União.

Surgiu a seguinte dúvida: Flávio deverá ser julgado pela Justiça Federal (em conjunto com João – delator) ou pela Justiça Estadual?

Justiça Estadual.

Fatos delatados que não são conexos com o objeto do processo são considerados encontro fortuito.

Enquanto meio de obtenção de prova, os fatos relatados em colaboração premiada, quando não conexos com o objeto do processo que deu origem ao acordo, devem receber o tratamento conferido ao encontro fortuito de provas. STF. 2ª Turma. HC 181978 AgR/RJ, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 10/11/2020 (Info 999).

Sendo a colaboração premiada um meio de obtenção de prova, é possível que o agente colaborador traga informações (declarações, documentos, indicação de fontes de prova) a respeito de crimes que não tenham relação alguma com aqueles que, primariamente, sejam objeto da investigação.

Esses elementos informativos (art. 155, CPP) sobre crimes outros, sem conexão com a investigação primária devem receber o mesmo tratamento conferido à descoberta fortuita ou ao encontro fortuito de provas em outros meios de obtenção de prova, como a busca e apreensão e a interceptação telefônica.

Assim, em nosso exemplo hipotético, como não há relação direta entre o crime imputado a Flávio e os delitos de João que estão sendo apurados na Justiça Federal, deve-se considerar que a delação feita contra Flávio é mero encontro fortuito de provas e que deve ser apurado na Justiça competente, sem relação com o processo que já está em curso.

Colaboração premiada não fixa competência

A jurisprudência do STF é pacífica no sentido de que a colaboração premiada não fixa competência e os fatos relatados em colaboração premiada não geram prevenção.

O acordo de colaboração, como meio de obtenção de prova, não constitui critério de determinação, de modificação ou de concentração de competência. STF. 2ª Turma. HC 181978 AgR/RJ, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 10/11/2020 (Info 999).

Assim, ainda que o agente colaborador aponte a existência de outros crimes e que o juízo perante o qual foram prestados seus depoimentos ou apresentadas as provas que corroborem suas declarações ordene a realização de diligências (interceptação telefônica, busca e apreensão etc.) para sua apuração, esses fatos, por si sós, não firmam sua prevenção.

Separação entre a Justiça Federal e a Justiça Estadual é a regra

A regra no processo penal é o respeito ao princípio do juiz natural, com a devida separação das competências entre justiça estadual e justiça federal. Assim, para haver conexão ou continência, seria necessário que, além da mera coincidência de agentes, houvesse uma conexão fático-objetiva entre os fatos imputados em ambas ações penais.

Com a finalidade de viabilizar a instrução probatória e impedir a prolação de decisões contraditórias, a alteração da competência deve-se limitar às restritas situações em que houver o concurso de agentes em crime específico, simultâneo ou recíproco, nos casos de crimes cometidos com a finalidade de ocultar infração anterior, quando houver um liame probatório indispensável, ou nas hipóteses de duas pessoas serem acusadas do mesmo crime (arts. 76 e 77 do Código Penal).

No caso, o único vínculo fático-objetivo que sustentaria a tese da conexão instrumental seria a citação de Flávio em uma delação, no sentido de que ele integraria a suposta organização criminosa investigada na ação que tramita perante a justiça federal. Não obstante a coincidência parcial de réus nas ações penais, há autonomia na linha de acontecimentos que desvincula os fatos imputados ao paciente numa delas dos fatos descritos na outra.

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2
Q

A Constituição Estadual pode conferir foro por prerrogativa de funlção para Defensores Públicos e Procuradores do Estado?

A

É inconstitucional dispositivo de Constituição Estadual que confere foro por prerrogativa de função para Defensores Públicos e Procuradores do Estado. Constituição estadual não pode atribuir foro por prerrogativa de função a autoridades diversas daquelas arroladas na Constituição Federal. STF. Plenário. ADI 6501 Ref-MC/PA, ADI 6508 Ref-MC/RO, ADI 6515 Ref-MC/AM e ADI 6516 RefMC/AL, Rel. Min. Roberto Barroso, julgados em 20/11/2020 (Info 1000).

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3
Q

No caso do art. 366 do CPP (citação por edital), o prazo prescricional ficará suspenso por quanto tempo?

A

Resumo

Em caso de inatividade processual decorrente de citação por edital, ressalvados os crimes previstos na Constituição Federal como imprescritíveis, é constitucional limitar o período de suspensão do prazo prescricional ao tempo de prescrição da pena máxima em abstrato cominada ao crime, a despeito de o processo permanecer suspenso.

Art. 366. Se o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir advogado, ficarão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, podendo o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e, se for o caso, decretar prisão preventiva, nos termos do disposto no art. 312.

STF. Plenário. STF. Plenário. RE 600851, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 04/12/2020 (Repercussão Geral – Tema 438) (Info 1001).

No mesmo sentido: Súmula 415-STJ: O período de suspensão do prazo prescricional é regulado pelo máximo da pena cominada.

Inteiro teor

Principais argumentos do STF para essa conclusão

A regra geral prevista na Constituição Federal é a de que as pretensões penais são prescritíveis. Excepcionalmente, a CF/88 estabeleceu determinados crimes que são imprescritíveis:

Art. 5º (…)

XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;

XLIV - constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático;

Não é permitido que o legislador ordinário crie hipóteses de imprescritibilidade não previstas no texto constitucional. A imprescritibilidade é opção somente da CF.

Assim, ressalvados os crimes de racismo e as ações de grupos armados contra a ordem constitucional e o Estado Democrático, a regra é a prescritibilidade.

Diante disso, é compatível com a Constituição a interpretação conjunta do art. 366 do CPP com o art. 109, caput, do Código Penal, limitando o prazo de suspensão da prescrição ao tempo de prescrição do máximo da pena em abstrato prevista para o delito.

De um lado, a própria lógica da prescrição é que as pretensões sejam exercidas em prazo previamente delimitado no tempo. Ela visa trazer segurança jurídica. Caso essa limitação não exista, o que se tem, ao fim, é a imprescritibilidade. De outro, o legislador ordinário não está autorizado a criar outras hipóteses de imprescritibilidade penal.

Além disso, regular o prazo de suspensão da prescrição com o tempo de prescrição da pena máxima em abstrato cominada ao delito mostra-se condizente com o princípio da proporcionalidade e com a própria noção de individualização da pena.

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4
Q

A oitiva das testemunhas que são policiais é considerada como prova urgente para os fins do art. 366 do CPP (citação por edital)?

A

STJ

SIM. É a posição do STJ.

O fato de o agente de segurança pública atuar constantemente no combate à criminalidade faz com que ele presencie crimes diariamente. Em virtude disso, os detalhes de cada uma das ocorrências acabam se perdendo em sua memória. Essa peculiaridade justifica que os policiais sejam ouvidos como produção antecipada da prova testemunhal, pois além da proximidade temporal com a ocorrência dos fatos proporcionar uma maior fidelidade das declarações, possibilita ainda o registro oficial da versão dos fatos vivenciados por ele, o que terá grande relevância para a garantia da ampla defesa do acusado, caso a defesa técnica repute necessária a repetição do seu depoimento por ocasião da retomada do curso da ação penal. Nesse sentido: STJ. 6ª Turma. RHC 128.325/SP, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 08/09/2020.

STF

O STF não tem uma posição consolidada sobre o tema, havendo decisões em ambos os sentidos. Exemplos:

  • não admitindo: STF. 2ª Turma. HC 130038/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 3/11/2015;
  • admitindo: STF. 2ª Turma. HC 135386, Rel. Ricardo Lewandowski, Relator(a) p/ Acórdão: Gilmar Mendes, julgado em 13/12/2016.
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5
Q

A competência do JECrime é absoluta ou relativa?

A

Resumo

São constitucionais o art. 60 da Lei 9.099/95 e o art. 2º da Lei 10.259/2001, que preveem a possibilidade de infrações penais de menor potencial ofensivo não serem julgadas pelo Juizado Especial em casos de conexão ou continência

Os Juizados Especiais Criminais são dotados de competência relativa para julgamento das infrações penais de menor potencial ofensivo, razão pela qual se permite que essas infrações sejam julgadas por outro juízo com vis atractiva para o crime de maior gravidade, pela conexão ou continência, observados, quanto àqueles, os institutos despenalizadores, quando cabíveis. STF. Plenário. ADI 5264/DF, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 4/12/2020 (Info 1001).

Inteiro teor

[…]

Antes da Lei nº 13.313/2006

Art. 2º Compete ao Juizado Especial Federal Criminal processar e julgar os feitos de competência da Justiça Federal relativos às infrações de menor potencial ofensivo.

Parágrafo único. Consideram-se infrações de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, ou multa.

Depois da Lei nº 13.313/2006

Art. 2º Compete ao Juizado Especial Federal Criminal processar e julgar os feitos de competência da Justiça Federal relativos às infrações de menor potencial ofensivo, respeitadas as regras de conexão e continência.

Parágrafo único. Na reunião de processos, perante o juízo comum ou o tribunal do júri, decorrente da aplicação das regras de conexão e continência, observar-se-ão os institutos da transação penal e da composição dos danos civis.

ADI

A Procuradoria-Geral da República não concordou com a escolha feita pelo legislador e ajuizou ADI contra essa mudança operada pela Lei nº 13.313/2006.

Segundo alegou a PGR, o art. 98, I, da CF/88 determinou que as infrações de menor potencial ofensivo deveriam ser, obrigatoriamente, julgadas pelo Juizado Especial criminal:

Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão: I - juizados especiais, providos por juízes togados, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo ou togados e leigos, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau; (…)

Desse modo, a Lei nº 13.313/2006, ao estabelecer hipóteses na quais a infração de menor potencial ofensivo não será julgada pelo Juizado (conexão e continência), teria violado o art. 98, I, da CF/88.

Essa tese foi acolhida pelo STF? O pedido formulado na ADI foi acolhido?

NÃO. O STF, por unanimidade, julgou improcedente o pedido formulado na ADI e declarou a constitucionalidade das alterações promovidas pela Lei 13.313/2006.

Art. 98, I, da CF/88 não afirmou que apenas os Juizados Especiais criminais poderão julgar infrações de menor potencial ofensivo

O art. 98, I, da Constituição Federal garantiu aos processos nos quais julgadas infrações penais de menor potencial ofensivo a observância de peculiaridades procedimentais e a incidência de institutos despenalizadores. Entretanto, não há, na norma constitucional, determinação de exclusividade dos Juizados Especiais Criminais para o julgamento dos crimes de menor potencial ofensivo.

A especialização dos Juizados Especiais Criminais tem como objetivo tornar o procedimento célere e informal, bem como possibilitar a realização de transação penal e a composição dos danos, não sendo definida a competência jurisdicional em razão do direito material tutelado.

Há no §2º do art. 77 e no parágrafo único do art. 66 da Lei nº 9.099/95 outras duas causas modificativas da competência dos Juizados Especiais para o Juízo comum, a saber, a complexidade ou circunstâncias da causa que dificultem a formulação oral da peça acusatória e o réu não ser encontrado para a citação pessoal. Fosse absoluta a competência do Juizado Especial Criminal em razão da matéria, aquelasprevisões legais, não impugnadas por esta ação direta, ofenderiam o princípio do juiz natural, pois permitiriam o julgamento por órgão materialmente incompetente:

Art. 77 (…) § 2º Se a complexidade ou circunstâncias do caso não permitirem a formulação da denúncia, o Ministério Público poderá requerer ao Juiz o encaminhamento das peças existentes, na forma do parágrafo único do art. 66 desta Lei.

Art. 66. A citação será pessoal e far-se-á no próprio Juizado, sempre que possível, ou por mandado. Parágrafo único. Não encontrado o acusado para ser citado, o Juiz encaminhará as peças existentes ao Juízo comum para adoção do procedimento previsto em lei.

Nesse sentido, os institutos despenalizadores dos juizados constituem garantias individuais do acusado e devem ser asseguradas, independente do juízo em que tramitarem as infrações penais.

Assim, se praticada infração penal de menor potencial ofensivo em concurso com outra infração penal comum e deslocada a competência para a Justiça comum ou Tribunal do Júri, não há óbice, senão determinação constitucional, à aplicação dos institutos despenalizadores da transação penal e da composição civil dos danos quanto à infração de menor potencial ofensivo, em respeito ao devido processo legal.

Ademais, não se deve somar à pena máxima da infração de menor potencial ofensivo com a da infração conexa (de maior gravidade) para excluir a incidência da fase consensual e ser invocada como fator impeditivo da transação penal ou composição civil dos danos.

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6
Q

O reconhecimento de falta grave consistente na prática de fato definido como crime doloso no curso da execução penal depende do trânsito em julgado da condenação criminal?

A

Resumo

O reconhecimento de falta grave consistente na prática de fato definido como crime doloso no curso da execução penal dispensa o trânsito em julgado da condenação criminal no juízo do conhecimento, desde que a apuração do ilícito disciplinar ocorra com observância do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, podendo a instrução em sede executiva ser suprida por sentença criminal condenatória que verse sobre a materialidade, a autoria e as circunstâncias do crime correspondente à falta grave. STF. Plenário. RE 776823, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 04/12/2020 (Repercussão Geral – Tema 758) (Info 1001).

Inteiro teor

[…]

Súmula 526-STJ: O reconhecimento de falta grave decorrente do cometimento de fato definido como crime doloso no cumprimento da pena prescinde do trânsito em julgado de sentença penal condenatória no processo penal instaurado para apuração do fato.

Os três principais argumentos para sustentar esse entendimento são os seguintes:

1) Para configurar falta grave, o art. 52 da LEP não exige a condenação por crime doloso. O referido artigo menciona que a prática de fato previsto como crime doloso já representa falta grave.
2) Caso fosse necessário aguardar a condenação do réu com trânsito em julgado, a previsão do art. 52 seria inócua na prática, uma vez que um processo penal, para transitar em julgado, demora, em regra, anos, havendo assim possibilidade concreta de o réu terminar o cumprimento da pena anterior sem que tivesse sido julgado o novo delito cometido.
3) O procedimento administrativo de apuração e punição pela falta grave decorrente da prática de crime doloso deve respeitar a ampla defesa e o contraditório, de forma que não há prejuízo ao apenado.

E o STF?

O STF decidiu de maneira semelhante:

  • O reconhecimento de falta grave consistente na prática de fato definido como crime doloso no curso da execução penal dispensa o trânsito em julgado da condenação criminal, desde que a apuração do ilícito disciplinar ocorra com observância do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.
  • Essa apuração pode ocorrer mediante processo administrativo disciplinar ou por intermédio de audiência de justificação feita no juízo da execução penal;
  • A instrução em sede executiva (processo administrativo ou audiência de justificação) pode ser suprida por sentença criminal condenatória que verse sobre a materialidade, a autoria e as circunstâncias do crime correspondente à falta grave, ainda que essa sentença não tenha transitado em julgado.

[…]

Não há razão para se condicionar o reconhecimento de falta grave no curso de execução penal, consistente na prática de crime doloso, ao trânsito em julgado de condenação criminal no juízo de conhecimento. Enquanto no processo de conhecimento somente o trânsito em julgado da condenação criminal pode superar a presunção de não culpabilidade para se iniciar o cumprimento de pena, a decisão do juízo da execução, proferida após apuração de falta grave efetuada de modo válido, diante da dinamicidade da fase executiva e da necessidade de se assegurar a ordem no estabelecimento prisional, é apta a ensejar a imposição da sanção disciplinar, sem prejuízo, por certo, do direito recursal do apenado, inclusive, na busca de provimento de natureza suspensiva.

Exigir o trânsito em julgado do processo de conhecimento para a imposição de falta grave no juízo da execução penal seria como vincular a competência desempenhada por este àquela a ser exercida pelo juízo do conhecimento. Essa independência, contudo, é expressa de modo nítido na cisão de competências: o juízo natural destinado à definição das sanções de natureza penal decorrentes da prática do fato criminoso em si, submetido à esfera de atribuições do órgão jurisdicional com competência sobre o processo criminal de conhecimento, é diverso daquele a quem compete a fixação das sanções disciplinares resultantes da prática de falta grave no curso da execução penal, providência a cargo do juízo da execução, nos termos dos arts. 48, parágrafo único, e 118, I, da Lei de Execução Penal:

Art. 48. (…) Parágrafo único. Nas faltas graves, a autoridade representará ao Juiz da execução para os fins dos artigos 118, inciso I, 125, 127, 181, §§ 1º, letra d, e 2º desta Lei.

Art. 118. A execução da pena privativa de liberdade ficará sujeita à forma regressiva, com a transferência para qualquer dos regimes mais rigorosos, quando o condenado: I - praticar fato definido como crime doloso ou falta grave;

[…]

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7
Q

O acusado pode absolvido, no Tribunal do Júri, por clemência, se houver alegado legítima defesa da honra?

A

Resumo

Cabe apelação com fundamento no art. 593, III, “d”, do CPP (decisão manifestamente contrária à prova dos autos) se o júri absolver o réu?

STJ: SIM (posição pacífica).

STF: NÃO (posição majoritária).

A 3ª Seção do STJ firmou o entendimento de que a anulação da decisão absolutória do Conselho de Sentença (ainda que por clemência), manifestamente contrária à prova dos autos, segundo o Tribunal de Justiça, por ocasião do exame do recurso de apelação interposto pelo Ministério Público (art. 593, III, “d”, do CPP), não viola a soberania dos veredictos. STJ. 5ª Turma. HC 560.668/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 18/08/2020.

A absolvição do réu, ante resposta a quesito genérico de absolvição previsto no art. 483, § 2º, do CPP, não depende de elementos probatórios ou de teses veiculadas pela defesa. Isso porque vigora a livre convicção dos jurados. Em razão da norma constitucional que consagra a soberania dos veredictos, a sentença absolutória de Tribunal do Júri, fundada no quesito genérico de absolvição, não implica nulidade da decisão a ensejar apelação da acusação. Os jurados podem absolver o réu com base na livre convicção e independentemente das teses veiculadas, considerados elementos não jurídicos e extraprocessuais. STF. 1ª Turma. HC 178777/MG, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 29/9/2020 (Info 993).

Em face da reforma introduzida no procedimento do Tribunal do Júri (Lei 11.689/2008), é incongruente o controle judicial, em sede recursal (art. 593, III, “d”, do CPP), das decisões absolutórias proferidas com fundamento no art. 483, III e § 2º, do CPP. STF. 2ª Turma. RHC 192431 Segundo AgR/SP e RHC 192432 Segundo AgR/SP, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 23/2/2021 (Info 1007).

Na reforma legislativa de 2008, alterou-se substancialmente o procedimento do júri, inclusive a sistemática de quesitação aos jurados. Inseriu-se um quesito genérico e obrigatório, em que se pergunta ao julgador leigo: “O jurado absolve o acusado?” (art. 483, III e §2º, CPP). Ou seja, o Júri pode absolver o réu sem qualquer especificação e sem necessidade de motivação. Considerando o quesito genérico e a desnecessidade de motivação na decisão dos jurados, configura-se a possibilidade de absolvição por clemência, ou seja, mesmo em contrariedade manifesta à prova dos autos. Se ao responder o quesito genérico o jurado pode absolver o réu sem especificar os motivos, e, assim, por qualquer fundamento, não há absolvição com tal embasamento que possa ser considerada “manifestamente contrária à prova dos autos”. Limitação ao recurso da acusação com base no art. 593, III, “d”, CPP, se a absolvição tiver como fundamento o quesito genérico (art. 483, III e §2º, CPP). Inexistência de violação à paridade de armas. Presunção de inocência como orientação da estrutura do processo penal. Inexistência de violação ao direito ao recurso (art. 8.2.h, CADH). Possibilidade de restrição do recurso acusatório. STF. 2ª Turma. HC 185068, Rel. Celso de Mello, Relator p/ Acórdão Gilmar Mendes, julgado em 20/10/2020.

Observação: legítima defesa da honra. Caso a defesa lance mão, direta ou indiretamente, da tese inconstitucional de legítima defesa da honra (ou qualquer argumento que induza à tese), seja na fase pré-processual, processual ou no julgamento perante o tribunal do júri, estará caracterizada a nulidade da prova, do ato processual ou até mesmo dos debates por ocasião da sessão do júri (caso não obstada pelo Presidente do Júri), facultando-se ao titular da acusação recorrer de apelação na forma do art. 593, III, “a”, do CPP. STF. Plenário. ADPF 779, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 15/03/2021.

Inteiro teor:

[…]

E o STF?

A posição majoritária é no sentido de, tendo havido absolvição pelos jurados, não cabe apelação a ser interposta pelo Ministério Público nem mesmo na hipótese do art. 593, III, “d”, do CPP.

Nesse sentido:

A absolvição do réu, ante resposta a quesito genérico de absolvição previsto no art. 483, § 2º, do CPP, não depende de elementos probatórios ou de teses veiculadas pela defesa. Isso porque vigora a livre convicção dos jurados. STF. 1ª Turma. HC 178777/MG, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 29/9/2020 (Info 993).

[…]

– E A TESE DA LEGÍTIMA DEFESA DA HONRA?

A situação concreta foi a seguinte:

O Partido Democrático Trabalhista (PDT) ajuizou ADPF pedindo para que o STF confira interpretação conforme à Constituição ao art. 23, II e art. 25, do CP e ao art. 65 do CPP e deixe claro que não é juridicamente possível invocar a tese da legítima defesa da honra.

O autor alegou que a tese da legítima defesa da honra viola o art. 1º, III, o art. 3º, IV, e o art. 5º, LIV, da Constituição Federal.

Vale ressaltar que, quando se fala em legítima defesa da honra, para os fins desse julgado, está se referindo “ao perdão do autor de feminicídio ou agressão praticado contra a esposa ou companheira adúltera”.

Medida cautelar foi deferida

No dia 26/02/2021, o Min. Dias Toffoli, monocraticamente, concedeu parcialmente a medida cautelar pleiteada pelo autor.

No dia 15/03/2021, o STF se reuniu e referendou a medida cautelar.

Desse modo, o STF entendeu que a chamada “legítima defesa da honra” não encontra qualquer amparo no ordenamento jurídico pátrio. Vamos entender o que foi decidido.

Atecnia da tese da “legítima defesa da honra”

Inicialmente, cumpre ressaltar que “legítima defesa da honra” não é, tecnicamente, legítima defesa.

Tanto isso é verdade que essa tese é quase que exclusivamente invocada no Tribunal do Júri, no qual, em virtude da plenitude da defesa (art. 5º, XXXVIII, da CF/88), admite-se a utilização não apenas de argumentos jurídicos, mas também extrajurídicos.

A legítima defesa é uma das causas excludentes da ilicitude previstas no Código Penal, as quais, consoante o teor do art. 23, excluem a configuração de um crime, e, consequentemente, afastam a aplicação da lei penal, tendo em vista a condição específica em que foi praticado determinado fato típico:

Art. 23. Não há crime quando o agente pratica o fato: (…) II - em legítima defesa;

O art. 25 explica quando ficará caracterizada a legítima defesa:

Legítima defesa

Art. 25. Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.

Parágrafo único. Observados os requisitos previstos no caput deste artigo, considera-se também em legítima defesa o agente de segurança pública que repele agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém durante a prática de crimes.

Como se vê, o instituto caracteriza-se pela conjunção dos seguintes elementos:

a) agressão injusta (atual ou iminente);
b) proteção a direito próprio ou de terceiro;
c) uso moderado dos meios necessários para repelir essa agressão (proibição do excesso);
d) presença de um ânimo de defesa (animus defendendi). Isso porque é preciso que o agente saiba que atua nessa condição, ou, pelo menos, acredita agir assim.

A legítima defesa é uma hipótese excepcional na qual o ordenamento jurídico admite que se afaste a aplicação da lei penal. Logo, somente se justifica se estiverem preenchidos os requisitos acima listados.

Se os requisitos estiverem preenchidos, não há crime porque nesse caso o direito não atribui desvalor à conduta, já que ela foi praticada no exercício da proteção de um bem jurídico contra uma ofensa perpetrada por outrem.

Diante dessa breve exposição do instituto, constata-se que a “legítima defesa da honra”, na realidade, não configura tecnicamente “legítima defesa”.

A traição se encontra inserida no contexto das relações amorosas, sendo que tanto homens quanto mulheres estão suscetíveis de praticá-la ou de sofrê-la.

Eventual desvalor ou censura ao ato de traição é algo restrito aos âmbitos ético e moral. Logo, não existe o direito subjetivo de agir com violência contra uma pessoa que traiu.

Aliás, foi imbuído desse espírito e para evitar que a autoridade judiciária absolvesse o agente que agiu movido por ciúme ou outras paixões e emoções que o legislador ordinário inseriu no atual Código Penal a regra do art. 28, segundo a qual:

Art. 28. Não excluem a imputabilidade penal: I - a emoção ou a paixão; (…)

Conforme explica Fernando Capez:

“todos os direitos são suscetíveis de legítima defesa, tais como a vida, a liberdade, a integridade física, o patrimônio, a honra etc., bastando que esteja tutelado pela ordem jurídica. Dessa forma, o que se discute não é a possibilidade da legítima defesa da honra e sim a proporcionalidade entre a ofensa e a intensidade da repulsa. Nessa medida, não poderá, por exemplo, o ofendido, em defesa da honra, matar o agressor, ante a manifesta ausência de moderação. No caso de adultério, nada justifica a supressão da vida do cônjuge adúltero, não apenas pela falta de moderação, mas também devido ao fato de que a honra é um atributo de ordem personalíssima, não podendo ser considerada ultrajada por um ato imputável a terceiro, mesmo que este seja a esposa ou o marido do adúltero.” (Execução Penal – Simplificado. 15 ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 309-310).

Aquele que pratica feminicídio ou usa de violência, com a justificativa de reprimir um adultério não está a se defender, mas a atacar uma mulher de forma desproporcional de forma covarde e criminosa.

Assim sendo, o adultério não configura uma agressão injusta apta a excluir a antijuridicidade de um fato típico, pelo que qualquer ato violento perpetrado nesse contexto deve estar sujeito à repressão do direito penal.

Da ofensa constitucional à dignidade da pessoa humana, à vedação de discriminação e ao direito à vida e à igualdade

Apesar da alcunha de “legítima defesa”, instituto técnico-jurídico amplamente amparado no direito brasileiro, a chamada “legítima defesa da honra” corresponde, na realidade, a recurso argumentativo/retórico odioso, desumano e cruel utilizado pelas defesas de acusados de feminicídio ou agressões contra mulher para imputar às vítimas a causa de suas próprias mortes ou lesões, contribuindo imensamente para a naturalização e a perpetuação da cultura de violência contra as mulheres no Brasil.

A ideia que subjaz à “legítima defesa da honra” - perdão do autor de feminicídio ou agressão praticado contra a esposa ou companheira adúltera - tem raízes arcaicas no direito brasileiro, constituindo um ranço, na retórica de alguns operadores do direito, de institucionalização da desigualdade entre homens e mulheres e de tolerância e naturalização da violência doméstica, as quais não têm guarida na Constituição de 1988.

Com efeito, a “honra masculina” já foi um bem jurídico protegido pelo ordenamento jurídico brasileiro, como se verificava, à época da colônia, no Livro V, Título XXXVIII, das Ordenações Filipinas, no qual se concedia ao homem o direito de matar sua esposa quando flagrada em adultério. Isso não é mais tolerado. A ideia de legítima defesa da honra é anacrônica e remonta a uma concepção rigidamente hierarquizada de família, na qual a mulher ocupa posição subalterna e tem restringida sua dignidade e sua autodeterminação. Segundo essa percepção, o comportamento da mulher, especialmente no que se refere à sua conduta sexual, seria uma extensão da reputação do “chefe de família”, que, sentindo-se desonrado, agiria para corrigir ou cessar o motivo da desonra.

O argumento da “legítima defesa da honra” normaliza e reforça uma compreensão de desvalor da vida da mulher, tomando-a como ser secundário cuja vida pode ser suprimida em prol da afirmação de uma suposta honra masculina. Isso também está em descompasso com os objetivos fundamentais contidos no art. 3º da Carta Magna, especialmente os seguintes: “I - construir uma sociedade livre, justa e solidária”; e “IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.

Trata-se, além do mais, de tese que viola os direitos à vida e à igualdade entre homens e mulheres (art. 5º, caput e incisos I, da CF/88), também pilares de nossa ordem constitucional. A ofensa a esses direitos concretiza-se, sobretudo, no estímulo à perpetuação da violência contra a mulher e do feminicídio.

A aceitação da tese da legítima defesa da honra tem o potencial de estimular práticas violentas contra as mulheres ao exonerar seus perpetradores da devida sanção.

É dever do Estado criar mecanismos para coibir o feminicídio e a violência doméstica, a teor do que dispõe o art. 226, § 8º, da CF/88, segundo o qual o “Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.”.

Decorre da norma constitucional em tela não somente a obrigação do Estado de adotar condutas positivas, mas também o dever de não ser conivente e de não estimular a violência doméstica e o feminicídio.

Por todo o exposto, o STF concluiu que o argumento da tese da “legítima defesa da honra” é prática que não se sustenta à luz da Constituição de 1988, por ofensiva à dignidade da pessoa humana, à vedação de discriminação e aos direitos à igualdade e à vida, não devendo ser veiculada no curso do processo penal nas fases pré-processual e processual, sob pena de nulidade do respectivo ato postulatório e do julgamento, inclusive quando praticado no tribunal do júri.

Tribunal do júri e plenitude de defesa

A plenitude de defesa é princípio constitucional essencial à instituição do tribunal do júri e está inscrita no rol de direitos e garantias fundamentais da Carta Magna, nos termos do art. 5º, XXXVIII, “a”, da CF/88.

A Constituição garante aos réus submetidos ao tribunal do júri plenitude de defesa, no sentido de que são cabíveis argumentos jurídicos e não jurídicos – sociológicos, políticos e morais, por exemplo -, para a formação do convencimento dos jurados.

Apesar disso, a “legítima defesa da honra” consiste não apenas em um argumento atécnico e extrajurídico, mas também em uma estratégia cruel, ofensiva à dignidade da pessoa humana, aos direitos à igualdade e à vida e totalmente discriminatória contra a mulher, por contribuir com a perpetuação da violência doméstica e do feminicídio no país.

Com efeito, como bem colocou o Ministro do STJ Rogério Schietti, no julgamento do AREsp nº 1.553.933/SC, “é surpreendente ver ainda essa tese sustentada por profissional do Direito (…) como se a decisão judicial que afastou tão esdrúxula tese fosse contrária à lei penal. Como pretender lícito, ou conforme ao Direito (…), o comportamento de ceifar, covardemente a vida de uma mulher companheira[?]”

Logo a legítima defesa da honra, nessa perspectiva, não pode ser invocada como argumento jurídico ou não jurídico mesmo diante da plenitude de defesa própria do Tribunal do Júri.

A cláusula que garante a plenitude de defesa no Júri não pode se constituir em instrumento para a salvaguarda de práticas ilícitas.

Vale ressaltar que não existem garantias individuais de ordem absoluta, especialmente com escopo de salvaguardar práticas ilícitas (STF. 2ª Turma. RHC 132.115, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 9/3/17).

Assim, em uma ponderação de interesses, a dignidade da pessoa humana, a proibição de todas as formas de discriminação, o direito à igualdade e o direito à vida prevalecem sobre a plenitude da defesa, tendo em vista os riscos elevados e sistêmicos decorrentes da naturalização, da tolerância e do incentivo à cultura da violência doméstica e do feminicídio.

O art. 483, § 2º, do CPP e a soberania dos veredictos

O art. 483, III c/c o § 2º, do CPP prevê a possibilidade de, no Tribunal do Júri, ocorrer a absolvição genérica ou por clemência:

Art. 483. Os quesitos serão formulados na seguinte ordem, indagando sobre:

I – a materialidade do fato;

II – a autoria ou participação;

III – se o acusado deve ser absolvido;

IV – se existe causa de diminuição de pena alegada pela defesa;

V – se existe circunstância qualificadora ou causa de aumento de pena reconhecidas na pronúncia ou em decisões posteriores que julgaram admissível a acusação. (…)

§ 2º Respondidos afirmativamente por mais de 3 (três) jurados os quesitos relativos aos incisos I e II do caput deste artigo será formulado quesito com a seguinte redação: O jurado absolve o acusado?

O art. 593, III, “d”, do CPP, afirma que é possível interpor apelação contra a decisão dos jurados se o veredicto for manifestamente contrário à prova dos autos:

Art. 593. Caberá apelação no prazo de 5 (cinco) dias:

(…)

III - das decisões do Tribunal do Júri, quando:

(…)

d) for a decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos.

Ocorre que, em razão da previsão constitucional da soberania dos veredictos (art. 5º, XXXVIII, “c”), prevalece no STF o entendimento de que não cabe apelação com fundamento no art. 593, III, “d”, do CPP (decisão manifestamente contrária à prova dos autos) se o júri absolver o réu por clemência: […]

Como compatibilizar esse entendimento do STF acima explicado com a tese de que não se admite a legítima defesa da honra?

  • a maioria do STF continua entendendo que, em regra, o Ministério Público não pode recorrer de decisão absolutória do tribunal do júri baseada em quesito absolutório genérico (art. 483, III, c/c § 2º) alegando que a decisão foi manifestamente contrária à prova dos autos (art. 593, III, “d”, CPP). Isso não mudou;
  • o STF entende que o acusado de feminicídio não pode ser absolvido, na forma do art. 483, III, § 2º, do CPP, com base na tese da “legítima defesa da honra”;
  • assim, é proibido que a defesa, a acusação, a autoridade policial ou o magistrado utilizem, direta ou indiretamente, a tese de legítima defesa da honra (ou qualquer argumento que induza à tese) nas fases pré-processual ou processual penais, bem como durante julgamento perante o tribunal do júri;
  • se, mesmo com a proibição, houver a invocação/aceitação dessa tese, isso acarretará a nulidade do ato e do julgamento;
  • se a defesa lançar mão, direta ou indiretamente, da tese da legítima defesa da honra no plenário do júri e o réu for absolvido, será possível que o Ministério Público interponha apelação, mas não com base no art. 593, III, “d”, do CPP (decisão manifestamente contrária à prova dos autos) e sim com fundamento na nulidade do julgamento (art. 593, III, “a”, do CPP):

Art. 593. Caberá apelação no prazo de 5 (cinco) dias: (…) III - das decisões do Tribunal do Júri, quando: a) ocorrer nulidade posterior à pronúncia; (…)

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Q

É constitucional o art. 29, caput, da LEP, que permite que o preso que trabalhar receba 3/4 do salário-mínimo?

A

Resumo

O patamar mínimo diferenciado de remuneração aos presos previsto no art. 29, caput, da Lei nº 7.210/84 (Lei de Execução Penal - LEP) não representa violação aos princípios da dignidade humana e da isonomia, sendo inaplicável à hipótese a garantia de salário-mínimo prevista no art. 7º, IV, da Constituição Federal. STF. Plenário. ADPF 336/DF, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 27/2/2021 (Info 1007).

Inteiro teor

O preso não se sujeita ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT (art. 28, § 2º, da LEP) e seu trabalho possui finalidades educativa e produtiva, não podendo ser comparado com o trabalho das pessoas que não cumprem pena.

As pessoas que não cumprem pena têm garantido o salário-mínimo para satisfação de necessidades vitais básicas do trabalhador e de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social. Por outro lado, o preso já tem atendidas pelo Estado boa parte das necessidades vitais básicas que o salário-mínimo almeja satisfazer, tais como educação, alojamento, saúde, alimentação, vestuário e higiene.

Além disso, o preso recebe o benefício da remição da pena, na proporção de 1 dia de redução da sanção criminal para cada 3 dias de trabalho e o produto da remuneração deve ser direcionado para a indenização dos danos causados pelo crime, a assistência à família, para pequenas despe sas pessoais e para promover o ressarcimento ao Estado das despesas realizadas com a sua manutenção

Portanto, a legitimidade da diferenciação entre o trabalho do preso e o trabalho dos empregados em geral é evidenciada pela distinta lógica econômica do labor no sistema executório penal.

Assim, o trabalho do detento pode até mesmo ser subsidiado pelo Erário, de modo que o discrímen promova — em vez de violar — o mandamento de isonomia contido no art. 5º, caput, da CF, no seu aspecto material, além de não representar violação ao princípio da dignidade humana.

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Q

É constitucional dispositivo da Constituição Estadual que confere foro por prerrogativa de função, no Tribunal de Justiça, para o Delegado Geral da Polícia Civil?

A

Resumo

Extrapola a autonomia do estado previsão, em constituição estadual, que confere foro privilegiado a Delegado Geral da Polícia Civil.

A autonomia dos estados para dispor sobre autoridades submetidas a foro privilegiado não é ilimitada, não pode ficar ao arbítrio político do constituinte estadual e deve seguir, por simetria, o modelo federal. STF. Plenário. ADI 5591/SP, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 20/3/2021 (Info 1010).

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Q

O que acontece se o juiz não obedecer a regra do art. 212 do CPP? O que ocorre se o juiz iniciar as perguntas, inquirindo a testemunha antes das partes?

A

Resumo (Tema polêmico)

Não cabe ao juiz, na audiência de instrução e julgamento de processo penal, iniciar a inquirição de testemunha, cabendo-lhe, apenas, complementar a inquirição sobre os pontos não esclarecidos. STF. 1ª Turma. HC 187035/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 6/4/2021 (Info 1012)

Inteiro teor

1ª corrente: se o juiz inicia as perguntas há inobservância do art. 212 do CPP, o que gera a nulidade do ato. É como se fosse uma nulidade absoluta: Não cabe ao juiz, na audiência de instrução e julgamento de processo penal, iniciar a inquirição de testemunha, cabendo-lhe, apenas, complementar a inquirição sobre os pontos não esclarecidos. STF. 1ª Turma. HC 161658/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 2/6/2020 (Info 980). STF. 1ª Turma. HC 187035/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 6/4/2021 (Info 1012).

No caso concreto, a defesa alegou nulidade processual por desrespeito ao art. 212 do CPP, por ter o juízo inquerido diretamente as testemunhas. A magistrada que presidia a audiência reputou observados o contraditório e a ampla defesa, porque depois de perguntar, ela permitiu que os defensores e o MP fizessem questionamentos.

A 1ª Turma do STF, por maioria (3x2), entendeu que houve nulidade.

A alteração promovida pela Lei nº 11.690/2008 modificou substancialmente a sistemática procedimental da inquirição de testemunhas. As partes, em modelo mais consentâneo com o sistema acusatório, têm o protagonismo na audiência. Cabe-lhes a formulação de perguntas diretamente às testemunhas. Ao juiz, como presidente da audiência, cabe o controle do ato processual para que a prova seja produzida nos moldes legais e pertinentes ao caso. Ele não atua como mero espectador, mas exerce, no tocante à produção da prova testemunhal, especificamente quanto à formulação de perguntas às testemunhas, papel subsidiário, secundário, de modo que somente é legítima sua atividade instrutória após o prévio exercício do direito à prova pelas partes e para saneamento de dúvida quanto a aspectos não esclarecidos e relevantes. Não pode o magistrado, em substituição à atuação das partes, ser o protagonista do ato de inquirição e tomar para si o papel de primeiro questionador das testemunhas, mesmo porque compete às partes a comprovação do quanto alegado.

2ª corrente: o fato de o juiz iniciar a inquirição das testemunhas pode gerar, quando muito, nulidade relativa, cujo reconhecimento depende da demonstração do prejuízo para a parte que a suscita.

A inobservância do procedimento previsto no art. 212 do CPP pode gerar, quando muito, nulidade relativa, cujo reconhecimento depende da demonstração do prejuízo para a parte que a suscita. A defesa trouxe argumentação genérica, sem demonstrar qualquer prejuízo concretamente sofrido, capaz de nulificar o julgado. Nesse contexto, incide a regra segundo a qual não haverá declaração de nulidade quando não demonstrado o efetivo prejuízo causado à parte (pas de nullité sans grief). STF. 1ª Turma. HC 177530 AgR, Rel. Alexandre de Moraes, julgado em 20/12/2019.

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Q

O TJ pode, em recurso exclusivo da defesa, reduzir a pena privativa de liberdade e, em compensação, aumentar a pena de multa?

A

Resumo

Caracteriza manifesta ilegalidade, por violação ao princípio da “non reformatio in pejus”, a majoração da pena de multa por tribunal, na hipótese de recurso exclusivo da defesa. Isso porque, na apreciação de recurso exclusivo da defesa, o tribunal não pode inovar na fundamentação da dosimetria da pena, contra o condenado, ainda que a inovação não resulte em aumento da pena final. STF. 2ª Turma. RHC 194952 AgR/SP, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 13/4/2021 (Info 1013).

Inteiro teor

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12
Q

A falta da advertência quanto ao direito ao silêncio torna ilícita a prova obtida a partir dessa confissão?

A

Resumo

A CF/88 determina que as autoridades estatais informem os presos que eles possuem o direito de permanecer em silêncio (art. 5º, LXIII).

Esse alerta sobre o direito ao silêncio deve ser feito não apenas pelo Delegado, durante o interrogatório formal, mas também pelos policiais responsáveis pela voz de prisão em flagrante. Isso porque a todos os órgãos estatais impõe-se o dever de zelar pelos direitos fundamentais.

A falta da advertência quanto ao direito ao silêncio torna ilícita a prova obtida a partir dessa confissão. STF. 2ª Turma. RHC 170843 AgR/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 4/5/2021 (Info 1016).

Inteiro teor

A falta da advertência quanto ao direito ao silêncio é causa de nulidade absoluta?

O julgado acima comentado não aborda expressamente o tema. No entanto, existem julgados do próprio STF e do STJ afirmando que essa nulidade seria relativa e, portanto, dependeria da comprovação do prejuízo no caso concreto, além de estar sujeita à preclusão:

(…) A aventada nulidade, por não observância ao direito ao silêncio, e sua repercussão em toda cadeia processual, não se afigura evidente de plano, tanto por incidência, à espécie do princípio da pas de nulitte sans grief, como por demonstrada a preclusão da tese arguida. (…) STF. 2ª Turma. RHC 182519 AgR, Rel. Edson Fachin, julgado em 08/04/2021. (…)

INTERROGATÓRIO – DIREITO AO SILÊNCIO – ADVERTÊNCIA. Vício decorrente da ausência de advertência, em interrogatório, do direito de permanecer em silêncio há de ser aferido consideradas as circunstâncias do caso concreto, não surgindo configurado uma vez acompanhado o acusado de advogado, o qual não manifestou inconformismo. NULIDADE – INTERROGATÓRIO – OPORTUNIDADE. Nulidade referente a interrogatório deve ser alegada de imediato, implicando preclusão a ausência de protesto oportuno. STF. 1ª Turma. HC 144943, Rel. Marco Aurélio, julgado em 30/11/2020.

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Q

O que acontece se o juiz não obedecer a regra do art. 212? O que ocorre se o juiz iniciar as perguntas, inquirindo a testemunha antes das partes?

A

Existem duas correntes sobre o tema:

1ª corrente: se o juiz inicia as perguntas há inobservância do art. 212 do CPP, o que gera a nulidade do ato. É como se fosse uma nulidade absoluta:

Não cabe ao juiz, na audiência de instrução e julgamento de processo penal, iniciar a inquirição de testemunha, cabendo-lhe, apenas, complementar a inquirição sobre os pontos não esclarecidos. STF. 1ª Turma. HC 161658/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 2/6/2020 (Info 980). STF. 1ª Turma. HC 187035/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 6/4/2021 (Info 1012).

No caso concreto, a defesa alegou nulidade processual por desrespeito ao art. 212 do CPP, por ter o juízo inquerido diretamente as testemunhas. A magistrada que presidia a audiência reputou observados o contraditório e a ampla defesa, porque depois de perguntar, ela permitiu que os defensores e o MP fizessem questionamentos.

A 1ª Turma do STF, por maioria (3x2), entendeu que houve nulidade.

A alteração promovida pela Lei nº 11.690/2008 modificou substancialmente a sistemática procedimental da inquirição de testemunhas. As partes, em modelo mais consentâneo com o sistema acusatório, têm o protagonismo na audiência. Cabe-lhes a formulação de perguntas diretamente às testemunhas. Ao juiz, como presidente da audiência, cabe o controle do ato processual para que a prova seja produzida nos moldes legais e pertinentes ao caso. Ele não atua como mero espectador, mas exerce, no tocante à produção da prova testemunhal, especificamente quanto à formulação de perguntas às testemunhas, papel subsidiário, secundário, de modo que somente é legítima sua atividade instrutória após o prévio exercício do direito à prova pelas partes e para saneamento de dúvida quanto a aspectos não esclarecidos e relevantes.

Não pode o magistrado, em substituição à atuação das partes, ser o protagonista do ato de inquirição e tomar para si o papel de primeiro questionador das testemunhas, mesmo porque compete às partes a comprovação do quanto alegado.

2ª corrente: o fato de o juiz iniciar a inquirição das testemunhas pode gerar, quando muito, nulidade relativa, cujo reconhecimento depende da demonstração do prejuízo para a parte que a suscita.

A inobservância do procedimento previsto no art. 212 do CPP pode gerar, quando muito, nulidade relativa, cujo reconhecimento depende da demonstração do prejuízo para a parte que a suscita.

A defesa trouxe argumentação genérica, sem demonstrar qualquer prejuízo concretamente sofrido, capaz de nulificar o julgado. Nesse contexto, incide a regra segundo a qual não haverá declaração de nulidade quando não demonstrado o efetivo prejuízo causado à parte (pas de nullité sans grief). STF. 1ª Turma. HC 177530 AgR, Rel. Alexandre de Moraes, julgado em 20/12/2019.

[…]

Assim, não deve ser acolhida a alegação de nulidade em razão da não observância da ordem de formulação de perguntas às testemunhas, estabelecida pelo art. 212 do CPP, se a parte não se desincumbiu do ônus de demonstrar o prejuízo decorrente da inversão da ordem de inquirição das testemunhas.

A demonstração de prejuízo, a teor do art. 563 do CPP, é essencial à alegação de nulidade.

Essa segunda corrente parece ser majoritária, tendo sido adotada em provas de concurso

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Q

No julgamento de recurso exclusivo da defesa, o tribunal pode, se reduzir a pena privativa de liberdade, majorar a de multa?

A

Caracteriza manifesta ilegalidade, por violação ao princípio da “non reformatio in pejus”, a majoração da pena de multa por tribunal, na hipótese de recurso exclusivo da defesa. Isso porque, na apreciação de recurso exclusivo da defesa, o tribunal não pode inovar na fundamentação da dosimetria da pena, contra o condenado, ainda que a inovação não resulte em aumento da pena final. STF. 2ª Turma. RHC 194952 AgR/SP, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 13/4/2021 (Info 1013).

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15
Q

Homens tem direito à substituição da prisão preventiva na hipótese do art. 318 do CPP?

A

O HC 143641/SP beneficiou as presas mulheres (gestantes, puérperas e mães). Não mencionou nada, contudo, a respeito dos presos homens.

Diante disso, a DPU impetrou habeas corpus coletivo sustentando que a decisão proferida pelo STF no HC 143641/SP em favor das mulheres presas deveria ter seu alcance estendido a todos os presos que sejam os únicos responsáveis por pessoas na mesma situação, pelas mesmas razões e pelos mesmos fundamentos. Segundo a DPU, a decisão, ao tutelar direito das crianças filhas de mães presas, acabou por discriminar as que não têm mãe, mas encontram, em outros responsáveis, o sentimento e a proteção familiar, ferindo, assim, o princípio constitucional da igualdade.

O STF concordou com o pedido da DPU e decidiu que:

Tem direito à substituição da prisão preventiva pela prisão domiciliar — desde que observados os requisitos do art. 318 do Código de Processo Penal e não praticados crimes mediante violência ou grave ameaça ou contra os próprios filhos ou dependentes — os pais, caso sejam os únicos responsáveis pelos cuidados de menor de 12 anos ou de pessoa com deficiência, bem como outras pessoas presas, que não sejam a mãe ou o pai, se forem imprescindíveis aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 anos ou com deficiência. STF. 2ª Turma. HC 165704/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 20/10/2020 (Info 996)

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Q

O juiz pode usar como prova confissão feita pelo réu à autoridade policial que o prendeu em flagrante, sem que tenha sido advertido do direito ao silêncio? A falta de advertência constitui nulidade absoluta ou relativa?

A

Resumo

A CF/88 determina que as autoridades estatais informem os presos que eles possuem o direito de permanecer em silêncio (art. 5º, LXIII).

Esse alerta sobre o direito ao silêncio deve ser feito não apenas pelo Delegado, durante o interrogatório formal, mas também pelos policiais responsáveis pela voz de prisão em flagrante. Isso porque a todos os órgãos estatais impõe-se o dever de zelar pelos direitos fundamentais.

A falta da advertência quanto ao direito ao silêncio torna ilícita a prova obtida a partir dessa confissão. STF. 2ª Turma. RHC 170843 AgR/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 4/5/2021 (Info 1016).

Inteiro teor:

A situação concreta, com adaptações, foi a seguinte:

Débora foi abordada pela polícia em via pública.

Os agentes encontraram com ela um papelote de cocaína.

Ao realizar vistoria no veículo, os policiais localizaram mais dois papelotes.

Os policiais se dirigiram até a casa de Débora e lá encontraram outro papelote.

Débora foi presa em flagrante e denunciada pelo crime de tráfico de drogas (art. 33 da Lei nº 11.343/2006).

Os policiais militares, ao serem ouvidos em juízo como testemunhas, declararam que Débora, no momento da abordagem, confessou que vendia drogas.

No seu interrogatório, a ré confirmou a propriedade das drogas, mas alegou que seriam destinadas ao seu consumo.

O juiz condenou a ré utilizando como argumento o fato de que ela teria confessado a prática do crime no momento da prisão.

Para o STF, a condenação deve ser mantida?

NÃO.

Não se admite condenação baseada exclusivamente em declarações informais prestadas a policiais no momento da prisão em flagrante. STF. 2ª Turma. RHC 170843 AgR/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 4/5/2021 (Info 1016).

Preso deve ser informado do direito de ficar calado

A CF/88 determina que as autoridades estatais informem os presos que eles possuem o direito de permanecer em silêncio:

Art. 5º (…) LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado;

O direito ao silêncio, que assegura a não produção de prova contra si mesmo, constitui pedra angular do sistema de proteção dos direitos individuais e materializa uma das expressões do princípio da dignidade da pessoa humana.

A cláusula constitucional do direito ao silêncio guarda semelhanças com o “aviso de Miranda” (Miranda warning) do direito norte-americano.

Miranda warning

Conforme explica Leonardo Barreto Moreira Alves:

“Nesse contexto, interessante registrar que, nos Estados Unidos, há o instituto conhecido como Miranda warning ou Miranda rights (aviso de Miranda ou advertência de Miranda), que consiste na leitura dos direitos do preso feita pelo policial no momento da prisão, sob pena de se invalidar tudo aquilo que for dito pelo agente. Tal instituto tem origem no julgamento Miranda V. Arizona, realizado pela Suprema Corte norte-americana em 1966, em que se decidiu, por 5 (cinco) votos a 4 (quatro), que as declarações prestadas pela pessoa presa à polícia não teriam qualquer valor a não ser que ela fosse claramente informada 1) que tem o direito de ficar calada; 2) que tudo o que for dito pode ser utilizado contra ela; 3) que tem direito à assistência de defensor constituído ou nomeado.” (Manual de Processo Penal. Salvador: Juspodivm, 2021, p. 102).

Voltando ao caso concreto

No caso concreto, os responsáveis pela prisão não informaram a ré sobre seu direito de permanecer em silêncio.

Segundo o Min. Gilmar Mendes, esse alerta sobre o direito ao silêncio deve ser feito não apenas pelo Delegado, durante o interrogatório formal, mas também pelos policiais responsáveis pela voz de prisão em flagrante. Isso porque a todos os órgãos estatais impõe-se o dever de zelar pelos direitos fundamentais.

A falta da advertência quanto ao direito ao silêncio torna ilícita a prova obtida a partir dessa confissão.

Existe outro julgado recente no mesmo sentido:

(…) 3. Aviso de Miranda. Direitos e garantias fundamentais. A Constituição Federal impõe ao Estado a obrigação de informar ao preso seu direito ao silêncio não apenas no interrogatório formal, mas logo no momento da abordagem, quando recebe voz de prisão por policial, em situação de flagrante delito. 4. Inexistência de provas independentes no caso concreto. Nulidade da condenação. (…) STF. 2ª Turma. RHC 192798 AgR, Rel. Gilmar Mendes, julgado em 24/02/2021.

A falta da advertência quanto ao direito ao silêncio é causa de nulidade absoluta?

O julgado acima comentado não aborda expressamente o tema. No entanto, existem julgados do próprio STF e do STJ afirmando que essa nulidade seria relativa e, portanto, dependeria da comprovação do prejuízo no caso concreto, além de estar sujeita à preclusão:

(…) A aventada nulidade, por não observância ao direito ao silêncio, e sua repercussão em toda cadeia processual, não se afigura evidente de plano, tanto por incidência, à espécie do princípio da pas de nulitte sans grief, como por demonstrada a preclusão da tese arguida. (…) STF. 2ª Turma. RHC 182519 AgR, Rel. Edson Fachin, julgado em 08/04/2021. (…)

INTERROGATÓRIO – DIREITO AO SILÊNCIO – ADVERTÊNCIA. Vício decorrente da ausência de advertência, em interrogatório, do direito de permanecer em silêncio há de ser aferido consideradas as circunstâncias do caso concreto, não surgindo configurado uma vez acompanhado o acusado de advogado, o qual não manifestou inconformismo. NULIDADE – INTERROGATÓRIO – OPORTUNIDADE. Nulidade referente a interrogatório deve ser alegada de imediato, implicando preclusão a ausência de protesto oportuno. STF. 1ª Turma. HC 144943, Rel. Marco Aurélio, julgado em 30/11/2020.

(…) 4. No que concerne à alegada nulidade do depoimento prestado perante a autoridade policial, em virtude da ausência de informação a respeito do direito de permanecer em silêncio, consigno que, no moderno processo penal, eventual alegação de nulidade deve vir acompanhada da efetiva demonstração do prejuízo, o que não foi sequer indicado no presente recurso. Nesse contexto, a simples alegação de que o recorrente não foi alertado do seu direito ao silêncio, em nada repercute sobre a higidez processual. (…) STJ. 5ª Turma. RHC 77.238/PR, Rel. Min. Reynaldo Soares Da Fonseca, julgado em 11/05/2021.

(…) A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça é firme no sentido de que a ausência de informação quanto ao direito ao silêncio constitui nulidade relativa, dependendo da comprovação de efetivo prejuízo. (…) STJ. 6ª Turma. AgRg no HC 608.751/SP, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 23/03/2021.

17
Q

A Justiça Eleitoral é competente para processar e julgar crime comum conexo com crime eleitoral, ainda que haja o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva do delito eleitoral?

A

Resumo

SIM

Caso concreto: o ex-Governador de Minas Gerais, Eduardo Azeredo, com colaboração de outros agentes políticos, teria desviado recursos públicos e utilizado esse dinheiro para financiar sua campanha de reeleição no ano de 1998. Vale ressaltar que esse dinheiro utilizado na campanha não teria sido contabilizado na prestação de contas, caracterizando aquilo que se chama, na linguagem popular, de “caixa dois”.

Em tese, o agente teria praticado os seguintes crimes: a) corrupção passiva (art. 317 do CP); b) falsidade ideológica (art. 350 do Código Eleitoral); c) lavagem de dinheiro (art. 1º da Lei nº 9.613/98).

Dois crimes são de competência da Justiça estadual comum e um deles da Justiça Eleitoral. Como ficará a competência para julgar estes delitos? Serão julgados separadamente ou juntos? Qual será a Justiça competente? Justiça ELEITORAL. Competirá à Justiça Eleitoral julgar todos os delitos. Segundo entende o STF: Compete à Justiça Eleitoral julgar os crimes eleitorais e os comuns que lhes forem conexos (Inq 4435 AgR-quarto/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 13 e 14/3/2019).

Ocorre que, no caso concreto, há uma peculiaridade: ainda durante o inquérito, ficou reconhecida a prescrição da pretensão punitiva em relação ao crime eleitoral. Logo, houve arquivamento do inquérito no que tange ao crime eleitoral. Diante disso, indaga-se: mesmo assim, a Justiça Eleitoral continuará sendo competente para julgar os demais delitos? SIM. Mesmo operada a prescrição quanto ao crime eleitoral, subsiste a competência da Justiça Eleitoral. Trata-se de aplicação lógica do disposto no art. 81 do CPP. STF. 2ª Turma. RHC 177243/MG, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 29/6/2021 (Info 1024)

Inteiro teor

O caso concreto foi o seguinte:

O ex-Governador de Minas Gerais, Eduardo Azeredo, com colaboração de outros agentes políticos, teria desviado recursos públicos e utilizado esse dinheiro para financiarsua campanha de reeleição ao executivo estadual no ano de 1998.

Vale ressaltar que esse dinheiro utilizado na campanha não teria sido contabilizado na prestação de contas, caracterizando aquilo que se chama, na linguagem popular, de “caixa dois”.

Em tese, quais foram os delitos praticados?

a) corrupção passiva (art. 317 do CP): delito, em tese, da Justiça estadual comum:

Art. 317. Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.

b) falsidade ideológica (art. 350 do Código Eleitoral): crime de competência da Justiça Eleitoral.

Art. 350. Omitir, em documento público ou particular, declaração que dêle devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, para fins eleitorais: Pena - reclusão até cinco anos e pagamento de 5 a 15 dias-multa, se o documento é público, e reclusão até três anos e pagamento de 3 a 10 dias-multa se o documento é particular.

Parágrafo único. Se o agente da falsidade documental é funcionário público e comete o crime prevalecendo-se do cargo ou se a falsificação ou alteração é de assentamentos de registro civil, a pena é agravada.

c) lavagem de dinheiro (art. 1º da Lei nº 9.613/98): infração de competência da Justiça estadual comum (porque o crime antecedente é estadual).

Art. 1º Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal. Pena: reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e multa.

Vale ressaltar que todos os crimes praticados são conexos.

Dois crimes são de competência da Justiça estadual comum e um deles da Justiça Eleitoral. Como ficará a competência para julgar estes delitos? Serão julgados separadamente ou juntos? Qual será a Justiça competente?

Justiça ELEITORAL.

Competirá à Justiça Eleitoral julgar todos os delitos. Segundo entende o STF:

Compete à Justiça Eleitoral julgar os crimes eleitorais e os comuns que lhes forem conexos. STF. Plenário. Inq 4435 AgR-quarto/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 13 e 14/3/2019 (Info 933).

No concurso entre a jurisdição penal comum e a especial (como a eleitoral), prevalecerá esta na hipótese de conexão entre um delito eleitoral e uma infração penal comum. O fundamento para isso está no art. 35, II, do Código Eleitoral e no art. 78, IV, do CPP:

Art. 35. Compete aos juízes: (leia-se: juízes eleitorais) II - processar e julgar os crimes eleitorais e os comuns que lhe forem conexos, ressalvada a competência originária do Tribunal Superior e dos Tribunais Regionais;

Art. 78. Na determinação da competência por conexão ou continência, serão observadas as seguintes regras: (…) IV - no concurso entre a jurisdição comum e a especial, prevalecerá esta.

Assim, como há a presença do crime de doação eleitoral por meio de “caixa dois”, conduta que configura o crime eleitoral de falsidade ideológica (art. 350 do Código Eleitoral), a competência para julgar todos os delitos é atraída para a Justiça Eleitoral, considerado o princípio da especialidade:

A doação eleitoral por meio de “caixa 2” é uma conduta que configura crime eleitoral de falsidade ideológica (art. 350 do Código Eleitoral). A competência para processar e julgar este delito é da Justiça Eleitoral. A existência de crimes conexos de competência da Justiça Comum, como corrupção passiva e lavagem de capitais, não afasta a competência da Justiça Eleitoral, por força do art. 35, II, do CE e do art. 78, IV, do CPP. STF. 2ª Turma. PET 7319/DF, Rel. Min. Edson Fachin, Relator p/ Acórdão Min. Dias Toffoli, julgado em 27/3/2018 (Info 895).

Voltando ao caso concreto:

Ocorre que, no caso concreto, há uma peculiaridade: ainda durante o inquérito, ficou reconhecida a prescrição da pretensão punitiva em relação ao crime eleitoral. Logo, houve arquivamento do inquérito no que tange ao crime eleitoral.

Diante disso, indaga-se: mesmo assim, a Justiça Eleitoral continuará sendo competente para julgar os demais delitos?

SIM. Mesmo operada a prescrição quanto ao crime eleitoral, subsiste a competência da Justiça Eleitoral. Trata-se de aplicação lógica do disposto no art. 81 do CPP, o qual afirma:

Art. 81. Verificada a reunião dos processos por conexão ou continência, ainda que no processo da sua competência própria venha o juiz ou tribunal a proferir sentença absolutória ou que desclassifique a infração para outra que não se inclua na sua competência, continuará competente em relação aos demais processos.

Fixada a competência da Justiça Eleitoral por conexão ou continência, essa permanece para os demais feitos, mesmo quando não mais subsistirem processos de sua competência própria em razão de sentença absolutória ou de desclassificação da infração.

18
Q

Quais foram as principais conclusão do STF a respeito da “Operação Jabuti”? Qual é a justiça competente para julgar crime de corrupção passiva envolvendo o Sistema S? Os conselhos seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) possuem legitimidade para ingressar com reclamação perante o Supremo Tribunal Federal (STF) em defesa dos interesses concretos e das prerrogativas de seus associados?

A

Resumo

Caso concreto: “OSD”, advogado acusado da prática de diversos crimes, celebrou acordo de colaboração premiada com o MPF de 1ª instância, homologado pelo Juízo Federal de 1ª instância. O delator acusou 23 advogados de realizarem contratações “alegadamente fictícias”, entre os anos de 2012 e 2018, relacionando o fato à suposta prática de crimes contra a Administração Pública, tais como corrupção ativa e corrupção passiva e conectando esses fatos a autoridades detentoras de foro por prerrogativa de função no STF, razão pela qual teria havido usurpação de competência da Corte para homologar o acordo. O Juízo Federal, após o recebimento da denúncia, teria determinado a realização de buscas e apreensões criminais nos escritórios de advocacia e em endereços residenciais de diversos advogados delatados.

A OAB/DF, OAB/SP, OAB/AL e OAB/RJ ajuizaram reclamação, no STF, contra a decisão que homologou esse acordo de colaboração premiada. Os reclamantes alegaram, dentre outros argumentos, que o MPF de 1ª instância não teria atribuição para firmar o acordo com o delator considerando que o signatário estaria delatando autoridades com foro por prerrogativa de função, de sorte que estaria havendo uma violação às atribuições da Procuradoria-Geral da República. Ademais, o juízo federal de 1ª instância não teria competência para homologar o acordo, por usurpar a competência do STF.

Principais conclusões do STF:

1) Os conselhos seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) possuem legitimidade para ingressar com reclamação perante o Supremo Tribunal Federal (STF) em defesa dos interesses concretos e das prerrogativas de seus associados, nos termos da expressa previsão legal.
2) No caso concreto, entendeu-se que os reclamantes não demonstraram a usurpação de competência do STF. A despeito disso, o STF afirmou que se constatou que foram praticadas ilegalidades flagrantes e, diante disso, a Corte reputou ser possível a concessão de “habeas corpus” de ofício em sede de reclamação constitucional, nos termos do art. 193, II, do RISTF e do art. 654, § 2º, do CPP.
3) Compete à Justiça estadual processar e julgar fatos envolvendo entidades integrantes do denominado “Sistema S”.
4) Além de violar prerrogativas da advocacia, a deflagração de amplas, inespecíficas e desarrazoadas medidas de busca e apreensão em desfavor de advogados pode evidenciar a prática de “fishing expedition”.
5) Extrai-se do art. 394 e seguintes do CPP que a produção probatória após o oferecimento da denúncia deve ocorrer em juízo, com as garantias do contraditório e da ampla defesa. STF. 2ª Turma. Rcl 43479/RJ, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 10/8/2021 (Info 1025).

Inteiro teor

[…]

Incompetência do juízo federal

A investigação e, posteriormente, a ação penal apuravam um suposto desvio de recursos pertencentes ao Senac (Serviço Social do Comércio), Sesc (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial) e Fecomércio (Federação do Comércio).

Ocorre que as entidades do “Sistema S” (Sesc, Senac, Sebrae) são pessoas jurídicas de direito privado dotadas de recursos próprios, definitivamente incorporados aos seus patrimônios, ainda que com base em contribuições parafiscais pagas pelos contribuintes e a elas repassadas imediatamente pela Receita Federal. Portanto, mesmo que esses recursos sejam fiscalizados pelo Tribunal de Contas da União, não se trata de recursos que integram os bens ou o patrimônio da União.

Logo, a apuração desses eventuais delitos não seria de competência da Justiça Federal tendo em vista que a regra prevista no art. 109, IV, da CF/88 exige que o interesse da União seja direto e específico, não sendo suficiente o interesse genérico da coletividade:

Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: (…)IV - os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral;

19
Q

Em que consiste o fishing expedition?

A

Busca e apreensão

A jurisprudência do STF confere interpretação estrita e rígida às normas que possibilitam a realização de busca e apreensão, em especial quando direcionadas a advogados no exercício de sua profissão. Na situação em apreço, não foram observados os requisitos legais nem as prerrogativas da advocacia, com ampla deflagração de medidas que objetivaram “pescar” provas contra os advogados denunciados e possíveis novos investigados.

Ressalta-se que, ao deferir a busca e apreensão, a autoridade reclamada não demonstrou a imprescindibilidade em concreto da medida para o processamento dos fatos. Além de violar prerrogativas da advocacia, a deflagração de amplas, inespecíficas e desarrazoadas medidas de busca e apreensão em desfavor de advogados pode evidenciar a prática de “fishing expedition”. STF. 2ª Turma. Rcl 43479/RJ, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 10/8/2021 (Info 1025)

Fishing expedition (muita atenção a essa terminologia!)

Fishing expedition consiste em “uma investigação especulativa indiscriminada, sem objetivo certo ou declarado, que ‘lança’ suas redes com a esperança de ‘pescar’ qualquer prova, para subsidiar uma futura acusação. Ou seja, é uma investigação prévia, realizada de maneira muito ampla e genérica para buscar evidências sobre a prática de futuros crimes. Como consequência, não pode ser aceita no ordenamento jurídico brasileiro, sob pena de malferimento das balizas de um processo penal democrático de índole Constitucional.” (MELO E SILVA, Philipe Benoni. Fishing Expedition: a pesca predatória por provas por parte dos órgãos de investigação. Disponível em: http://jota.info/artigos/fishing-expedition-21012017).

Nas palavras do Min. Gilmar Mendes, a prática da fishing expedition consiste em “investigações genéricas para buscar elementos incriminatórios aleatoriamente, sem qualquer embasamento prévio” (HC 163461).

Assim, as fishing expeditions são “investigações meramente especulativas ou randômicas, de caráter exploratório, também conhecidas como diligências de prospecção, simplesmente vedadas pelo ordenamento jurídico brasileiro” (Min. Celso de Mello, RE 1055941/SP).

Na doutrina alemã, Bernd Schunemann chama de “efeito hidra”, consistente na busca permanentemente ampliada (estendida) e com isso invasiva, com a finalidade de alcançar vestígios de fatos que inclusive se desconhece. (SCHÜNEMANN, Bernd. La Reforma del Proceso Penal. Madrid: Dykinson, 2005, p. 33, citado por ROSA, Alexandre Morais da; MENDES, Tiago Bunning. Limites para evitar o fishing expedition: análise da decisão do Min. Celso de Mello no Inq. 4.831/DF. Disponível em https://canalcienciascriminais.com.br/limites-para-evitar-o-fishing-expedition-analise-da-decisao/)

20
Q

As constituições estaduais podem instituir novas hipóteses de foro por prerrogativa de função além daquelas previstas na Constituição Federal ?

A

Resumo

É inconstitucional norma de constituição estadual que estende o foro por prerrogativa de função a autoridades não contempladas pela Constituição Federal de forma expressa ou por simetria. STF. Plenário. ADI 6501/PA, ADI 6508/RO, ADI 6515/AM e ADI 6516/AL, Rel. Min. Roberto Barroso, julgados em 20/8/2021 (Info 1026).

Inteiro teor

A Constituição Estadual pode conferir foro por prerrogativa de função para Defensores Públicos e Procuradores do Estado?

NÃO.

É inconstitucional dispositivo de Constituição Estadual que confere foro por prerrogativa de função para Defensores Públicos e Procuradores do Estado. Isso porque a Constituição Federal não confere prerrogativa de função para Defensores Públicos nem para Procuradores do Estado. Logo, a Constituição Estadual não poderia ter estendido o foro por prerrogativa de função a essas autoridades.

Prerrogativa de função é excepcional e deve ser interpretada restritivamente

As normas que estabelecem o foro por prerrogativa de função são excepcionais e devem ser interpretadas restritivamente, não cabendo ao legislador constituinte estadual estabelecer foro por prerrogativa de função a autoridades diversas daquelas listadas na Constituição Federal, a qual não cita Defensores Públicos nem Procuradores.

Em atenção ao princípio republicano, ao princípio do juiz natural e ao princípio da igualdade, a regra geral é que todos devem ser processados pelos mesmos órgãos jurisdicionais. Apenas a fim de assegurar a independência e o livre exercício de alguns cargos, admite-se a fixação do foro privilegiado. No mesmo sentido:

A Constituição Federal estabelece, como regra, com base no princípio do juiz natural e no princípio da igualdade, que todos devem ser processados e julgados pelos mesmos órgãos jurisdicionais. Em caráter excepcional, o texto constitucional estabelece o chamado foro por prerrogativa de função com diferenciações em nível federal, estadual e municipal. Impossibilidade de a Constituição Estadual, de forma discricionária, estender o chamado foro por prerrogativa de função àqueles que não abarcados pelo legislador federal. STF. Plenário. ADI 2553, Rel. Gilmar Mendes, Relator p/ Acórdão: Alexandre de Moraes, julgado em 15/05/2019 (Info 940).

Procuradores da ALE e Delegados de Polícia também não podem ter foro por prerrogativa de função

É inconstitucional dispositivo da Constituição Estadual que confere foro por prerrogativa de função, no Tribunal de Justiça, para Procuradores do Estado, Procuradores da ALE, Defensores Públicos e Delegados de Polícia. STF. Plenário. ADI 2553/MA, Rel. Min. Gilmar Mendes, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 15/5/2019 (Info 940).

É inconstitucional dispositivo da Constituição Estadual que confere foro por prerrogativa de função, no Tribunal de Justiça, para Procuradores do Estado, Procuradores da ALE, Defensores Públicos e Delegados de Polícia.

A CF/88, apenas excepcionalmente, conferiu prerrogativa de foro para as autoridades federais, estaduais e municipais. Assim, não se pode permitir que os Estados possam, livremente, criar novas hipóteses de foro por prerrogativa de função. STF. Plenário. ADI 2553/MA, Rel. Min. Gilmar Mendes, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 15/5/2019 (Info 940).