Jurisprudência STF - 2020 Flashcards
Pode-se instaurar ação penal a partir de elementos informativos colhidos em inquérito policial conduzido pela Polícia Federal, mas que não o deveria ter sido, por não se enquadrar o caso no art. 1º da Lei 10.446/2002?
Resumo
Caso concreto: a Polícia Federal, sob a supervisão do Ministério Público estadual e do Juízo de Direito, conduziu inquérito policial destinado a apurar crimes de competência da Justiça Estadual. Entendeu-se que a Polícia Federal não tinha atribuição para apurar tais delitos considerando que não se enquadravam nas hipóteses do art. 144, § 1º da CF/88 e do art. 1º da Lei nº 10.446/2002.
A despeito disso, o STF entendeu que não havia nulidade na ação penal instaurada com base nos elementos informativos colhidos.
O fato de os crimes de competência da Justiça Estadual terem sido investigados pela Polícia Federal não geram nulidade. Isso porque esse procedimento investigatório, presidido por autoridade de Polícia Federal, foi supervisionado pelo Juízo estadual (juízo competente) e por membro do Ministério Público estadual (que tinha a atribuição para a causa).
O inquérito policial constitui procedimento administrativo, de caráter meramente informativo e não obrigatório à regular instauração do processo-crime, cuja finalidade consiste em subsidiar eventual denúncia a ser apresentada pelo Ministério Público, razão pela qual irregularidades ocorridas não implicam, de regra, nulidade de processo-crime.
O art. 5º, LIII, da Constituição Federal, afirma que “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”. Esse dispositivo contempla o chamado “princípio do juiz natural”, princípio esse que não se estende para autoridades policiais, considerando que estas não possuem competência para julgar.
Logo, não é possível anular provas ou processos em tramitação com base no argumento de que a Polícia Federal não teria atribuição para investigar os crimes apurados.
A desconformidade da atuação da Polícia Federal com as disposições da Lei nº 10.446/2002 e eventuais abusos cometidos por autoridade policial, embora possam implicar responsabilidade no âmbito administrativo ou criminal dos agentes, não podem gerar a nulidade do inquérito ou do processo penal. STF. 1ª Turma. HC 169348/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 17/12/2019 (Info 964).
Info:
Imagine a seguinte situação hipotética:
O Procurador da República (membro do Ministério Público Federal) requisitou da Polícia Federal a instauração de inquérito policial para apurar eventuais crimes praticados por Maurício.
O Delegado de Polícia Federal instaurou, então, inquérito para investigar o cometimento das infrações previstas no art. 22 da Lei nº 7.492/86 (evasão de divisas) e art. 1º da Lei nº 9.613/98 (lavagem de dinheiro), ambos de competência da Justiça Federal.
Durante o inquérito, surgiram elementos informativos (“provas”) de que Maurício teria praticado outros crimes: estelionato e falsidade ideológica.
Vale ressaltar, no entanto, que, ao final da investigação, o MPF entendeu que o estelionato e a falsidade ideológica cometidos não eram de competência da Justiça Federal e, diante disso, o Procurador da República requereu ao Juiz Federal a remessa de cópias dos autos ao Ministério Público estadual.
O Promotor de Justiça (membro do Ministério Público estadual) requisitou que a Polícia Federal continuasse as investigações dos crimes estelionato e a falsidade ideológica, de modo que elas foram conduzidas por um Delegado Federal e supervisionados pelo Ministério Público estadual e pelo Juiz de Direito.
Com base nas investigações conduzidas pela Polícia Federal, o Promotor de Justiça ofereceu denúncia contra Maurício, que foi recebida pelo Juízo estadual.
A defesa do réu impetrou habeas corpus alegando que a Polícia Federal não tinha atribuição para atuar nas investigações considerando que a situação não se enquadrava em nenhuma das hipóteses previstas no art. 1º da Lei nº 10.446/2002.
Diante disso, pediu a nulidade de todos os atos judiciais decorrentes das investigações conduzidas pela Polícia Federal.
O pedido da defesa foi acolhido pelo STF?
NÃO.
Antes de entender o que afirmou o STF, é importante recordar o regime jurídico relacionado com as atribuições investigatórias da Polícia Federal.
A Polícia Federal investiga apenas crimes de competência da Justiça Federal?
NÃO.
Em regra, a Polícia Federal é responsável pela investigação dos crimes que são de competência da Justiça Federal. Isso porque uma das principais funções da PF é exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.
No entanto, a Polícia Federal investiga também outros delitos que não são de competência da Justiça Federal. As atribuições da Polícia Federal estão previstas inicialmente no art. 144 da CF/88:
Art. 144 (…)
§ 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a:
I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei;
II - prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência;
III - exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras;
IV - exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.
Inciso I do § 1º do art. 144 da CF/88
Se você observar a redação do inciso I do § 1º do art. 144 acima transcrito verá que ela é bem ampla, especialmente na sua parte final, que diz que compete à Polícia Federal apurar “outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei”.
Desse modo, a Polícia Federal tem atribuição para investigar crimes que tenham repercussão interestadual ou internacional e exijam repressão uniforme.
Que crimes são esses?
A CF/88 afirma que a relação desses crimes deverá ser prevista em lei.
Que lei é esta?
A Lei nº 10.446/2002, cuja ementa é a seguinte:
Dispõe sobre infrações penais de repercussão interestadual ou internacional que exigem repressão uniforme, para os fins do disposto no inciso I do § 1º do art. 144 da Constituição.
A Lei nº 10.446/2002, em seu art. 1º, traz uma lista de crimes que foram escolhidos pelo legislador e que podem ser investigados pela Polícia Federal.
No caso dos delitos previstos neste art. 1º, não importa se eles serão ou não julgados pela Justiça Federal.
A atribuição para investigá-los poderá ser da Polícia Federal independentemente disso.
Assim, quando houver repercussão interestadual ou internacional que exija repressão uniforme, a Polícia Federal poderá investigar as seguintes infrações penais:
I – seqüestro, cárcere privado e extorsão mediante seqüestro (arts. 148 e 159 do Código Penal), se o agente foi impelido por motivação política ou quando praticado em razão da função pública exercida pela vítima;
II – formação de cartel (incisos I, a, II, III e VII do art. 4º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990); e
III – relativas à violação a direitos humanos, que a República Federativa do Brasil se comprometeu a reprimir em decorrência de tratados internacionais de que seja parte; e
IV – furto, roubo ou receptação de cargas, inclusive bens e valores, transportadas em operação interestadual ou internacional, quando houver indícios da atuação de quadrilha ou bando em mais de um Estado da Federação.
V - falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais e venda, inclusive pela internet, depósito ou distribuição do produto falsificado, corrompido, adulterado ou alterado (art. 273 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal).
VI - furto, roubo ou dano contra instituições financeiras, incluindo agências bancárias ou caixas eletrônicos, quando houver indícios da atuação de associação criminosa em mais de um Estado da Federação.
VII – quaisquer crimes praticados por meio da rede mundial de computadores que difundam conteúdo misógino, definidos como aqueles que propagam o ódio ou a aversão às mulheres.
Obs: a Polícia Federal irá investigá-los sem prejuízo da responsabilidade das Polícias Militares e Civis dos Estados, ou seja, tais órgãos de segurança pública também poderão contribuir com as investigações.
Fora essa lista, a Polícia Federal poderá investigar outros crimes?
SIM.
A lista do art. 1º da Lei nº 10.446/2002 é exemplificativa. Assim, o Departamento de Polícia Federal poderá investigar outras infrações penais que não estejam nesta lista, desde que:
- tal providência seja autorizada ou determinada pelo Ministro de Estado da Justiça;
- a infração tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme.
Essa autorização mais genérica está prevista no parágrafo único do art. 1º da Lei nº 10.446/2002.
Voltando ao caso concreto. O STF entendeu que os crimes praticados por Maurício deveriam ter sido investigados pela Polícia Federal?
NÃO. Realmente, os crimes de estelionato e falsidade ideológica não eram de atribuição da Polícia Federal porque não se enquadravam nas hipóteses da Lei nº 10.446/2002.
A despeito disso não há que se falar em nulidade.
O procedimento inicialmente instaurado pela Polícia Federal decorreu de requisição do Ministério Público Federal, sendo destinado a investigar suposta prática de crimes, em tese, afetos à competência da Justiça Federal (evasão de divisas e lavagem de dinheiro).
O declínio, pelo Juízo Federal, da competência, ante indícios do cometimento de delitos sujeitos à Justiça Estadual cumpriu o “figurino legal”, ou seja, foi correto.
O fato de os crimes de estelionato e falsidade ideológica terem sido, mesmo depois da declinação de competência, investigados pela Polícia Federal não geram nulidade. Isso porque esse procedimento investigatório, presidido por autoridade de Polícia Federal, foi supervisionado pelo Juízo estadual (juízo competente) e por membro do Ministério Público estadual (que tinha a atribuição para a causa).
O inquérito policial constitui procedimento administrativo, de caráter meramente informativo e não obrigatório à regular instauração do processo-crime, cuja finalidade consiste em subsidiar eventual denúncia a ser apresentada pelo Ministério Público, razão pela qual irregularidades ocorridas não implicam, de regra, nulidade de processo-crime.
O art. 5º, LIII, da Constituição Federal, afirma que “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”. Esse dispositivo contempla o chamado “princípio do juiz natural”, princípio esse que não se estende para autoridades policiais, considerando que estas não possuem competência para julgar.
Logo, não é possível anular provas ou processos em tramitação com base no argumento de que a Polícia Federal não teria atribuição para investigar os crimes apurados.
A desconformidade da atuação da Polícia Federal com as disposições da Lei nº 10.446/2002 e eventuais abusos cometidos por autoridade policial, embora possam implicar responsabilidade no âmbito administrativo ou criminal dos agentes, não podem gerar a nulidade do inquérito ou do processo penal. STF. 1ª Turma. HC 169348/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 17/12/2019 (Info 964).
Pode-se restringir o acesso do investigado a informações documentadas no inquérito relativa a terceiros?
Mesmo que a investigação criminal tramite em segredo de justiça será possível que o investigado tenha acesso amplo autos, inclusive a eventual relatório de inteligência financeira do COAF, sendo permitido, contudo, que se negue o acesso a peças que digam respeito a dados de terceiros protegidos pelo segredo de justiça.
Essa restrição parcial não viola a súmula vinculante 14. Isso porque é excessivo o acesso de um dos investigados a informações, de caráter privado de diversas pessoas, que não dizem respeito ao direito de defesa dele. STF. 1ª Turma. Rcl 25872 AgR-AgR/SP, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 17/12/2019 (Info 964).
Info
O que o STF decidiu?
A 1ª Turma do STF julgou parcialmente procedente a reclamação para determinar ao Delegado de Polícia que disponibilize à defesa do reclamante acesso ao relatório do COAF, excluindo, no entanto, os trechos que não digam respeito a ele (João) e que contenham dados sigilosos de terceiros.
Conforme vimos acima, a investigação corre em segredo de justiça e o Relatório de Inteligência Financeira do COAF (ao qual se pretende acesso integral) menciona outros investigados, além do interessado.
Desse modo, deve ser deferido o pedido do reclamante para ter acesso aos autos, com exceção de eventuais peças protegidas pelo segredo de justiça, especialmente o relatório do COAF no que diz respeito a dados de terceiros.
A privacidade e a intimidade são asseguradas constitucionalmente, e se mostra excessivo o acesso de um dos investigados a informações, de caráter privado de diversas pessoas, que não dizem respeito ao direito de defesa dele
O fato de réu integrar milícia e de ter sido transferido para presídio federal de segurança máxima por conta de sua alta periculosidade constitui motivo para mantê-lo algemado durante sessão do júri?
É possível que o réu permaneça algemado durante o julgamento no Tribunal do Júri caso existam nos autos informações fornecidas pela polícia no sentido de que o acusado integra milícia, possui extensa folha de antecedentes criminais e foi transferido para presídio federal de segurança máxima justamente em virtude da sua alta periculosidade.
Não se pode desconsiderar o que está nos autos do processo e aquilo que foi informado pela polícia. A questão da periculosidade, ou não, do réu é assunto de polícia e não de juiz. Se a polícia informa que o réu é perigoso, o juiz que, normalmente, entra em contato com o réu pela primeira vez, tem de confiar na presunção de legitimidade da informação passada pela autoridade policial. Fora dos casos de abuso patente, é preciso dar credibilidade àquele que tem o encargo de zelar pela segurança pública, inclusive no âmbito do tribunal. Em casos assim, a decisão do juízo que mantém as algemas não viola a súmula vinculante 11. STF. 1ª Turma. Rcl 32970 AgR/RJ, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 17/12/2019 (Info 964).
Cabe HC contra decisão de Ministro do STF que decreta prisão preventiva de investigado?
Não cabe habeas corpus contra decisão de Ministro do STF que decreta a prisão preventiva de investigado ou réu.
Aplica-se, aqui, por analogia, o entendimento exposto no enunciado 606 da Súmula do STF. Súmula 606-STF: Não cabe habeas corpus originário para o Tribunal Pleno de decisão de turma, ou do plenário, proferida em habeas corpus ou no respectivo recurso. STF. Plenário. HC 162285 AgR/DF, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 19/12/2019 (Info 964)
O que a defesa do investigado deverá fazer neste caso?
Caso a parte deseje impugnar decisão monocrática proferida por Ministro do STF, o instrumento processual cabível é o agravo regimental, no prazo de 5 dias, nos termos do art. 39 da Lei nº 8.038/90 e art. 317 do Regimento Interno do STF.
A concessão do benefício da transação penal impede a impetração de habeas corpus em que se busca o trancamento da ação penal?
• STJ: SIM. Fica prejudicado.
A concessão do benefício da transação penal impede a impetração de habeas corpus em que se busca o trancamento da ação penal. STJ. 6ª Turma. HC 495.148-DF, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, julgado em 24/09/2019 (Info 657).
• STF: NÃO. Não impede e o TJ deverá julgar o mérito do habeas corpus.
A realização de acordo de transação penal não enseja a perda de objeto de habeas corpus anteriormente impetrado.
A aceitação do acordo de transação penal não impede o exame de habeas corpus para questionar a legitimidade da persecução penal.
Embora o sistema negocial possa trazer aprimoramentos positivos em casos de delitos de menor gravidade, a barganha no processo penal pode levar a riscos consideráveis aos direitos fundamentais do acusado. Assim, o controle judicial é fundamental para a proteção efetiva dos direitos fundamentais do imputado e para evitar possíveis abusos que comprometam a decisão voluntária de aceitar a transação.
Não há qualquer disposição em lei que imponha a desistência de recursos ou ações em andamento ou determine a renúncia ao direito de acesso à Justiça. STF. 2ª Turma. HC 176785/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 17/12/2019 (Info 964)
Info
Em razão dos riscos e problemas inerentes ao sistema negocial, o controle realizado pelo julgador deve também abranger certa verificação sobre a legitimidade da persecução penal, visto que o Estado não pode autorizar a imposição de uma pena em situações ilegítimas, como, por exemplo, em quadros de manifesta atipicidade da conduta ou extinção da punibilidade do imputado.
Assim, não se pode permitir que o aceite à transação penal inviabilize o questionamento judicial à persecução penal. Ou seja, não se pode aceitar que um habeas corpus, que, entre outros requerimentos, aponta a atipicidade da conduta, seja declarado prejudicado em razão do aceite à barganha penal.
Ainda que os acordos penais pressuponham, corretamente, a voluntariedade do réu, ou seja, a sua vontade não coagida no sentido de aceitar a imposição da pena proposta, há relevantes críticas ao sistema de justiça negocial, em razão de possíveis abusos que viciam a voluntariedade do réu e podem ocasionar, inclusive, o aceite ao acordo por pessoas inocentes.
Embora o sistema penal negocial possa acarretar aprimoramentos positivos em certas hipóteses, a barganha no processo penal inevitavelmente gera riscos consideráveis aos direitos fundamentais do imputado e deve ser estruturada de modo limitado, para evitar a imposição de penas pelo Estado de forma ilegítima.
Nesse sentido, o controle judicial sobre o acordo é medida fundamental para a proteção efetiva de direitos fundamentais, de modo a se autorizar o exercício do poder punitivo estatal somente em casos legítimos para tanto. Deve-se, então, assentar a abrangência e os critérios para tal juízo de homologação da barganha penal.
Ainda que o réu se conforme com a acusação e aceite a imposição da pena com o benefício proposto, não se pode aceitar que o poder punitivo estatal seja exercido sem o devido controle judicial. Por isso, em todos os casos, tanto em colaboração premiada como em transação penal ou suspensão condicional do processo há a submissão para homologação judicial.
O controle judicial não pode ser meramente formal e mecânico, ao passo que a imposição de uma pena pelo Estado, ainda que consentida pelo imputado, deve ocorrer de modo legítimo e em conformidade com os direitos fundamentais previstos constitucional e convencionalmente.
Por óbvio, tal análise se dará de modo compatível com o momento em que ocorre e os limites cognitivos da fase preliminar da persecução penal. Ou seja, não se espera que o julgador busque fundamentar sua decisão em provas além de qualquer dúvida razoável, o que seria necessário para uma sentença condenatória ao final do processo regular.
Contudo, na homologação do acordo penal, como a transação penal, o julgador precisa realizar controle sobre a legitimidade da persecução penal, de modo que casos de manifesta atipicidade da conduta narrada, extinção da punibilidade do imputado ou evidente inviabilidade da denúncia por ausência de justa causa acarretem a não homologação da proposta.
Pela própria lógica da legislação atual, a transação penal somente pode ser oferecida se não for caso de arquivamento, ou seja, se houver potencial oferecimento de denúncia apta a ensejar o início do processo penal. Não se pode admitir que a transação penal possa impor obrigações a imputado que nem poderia ser submetido à persecução penal por ausência de justa causa ou atipicidade da conduta, por exemplo.
A celebração do acordo, por si só, não afasta o interesse do imputado no habeas corpus. Primeiramente, o descumprimento das cláusulas da transação penal permite o prosseguimento do processo. Além disso, a transação penal somente pode ser oferecida uma vez a cada cinco anos, de maneira a demonstrar interesse do paciente em sua desconstituição, por meio de eventual concessão da ordem para o trancamento do processo. Por fim, inexiste qualquer disposição legal que imponha a desistência a recursos ou ações em andamento, tampouco determine a renúncia ao direito de acesso à Justiça.
O delatado possui o direito de ter acesso às declarações prestadas pelos colaboradores que o incriminem?
Resumo
O delatado possui o direito de ter acesso às declarações prestadas pelos colaboradores que o incriminem, desde que já documentadas e que não se refiram à diligência em andamento que possa ser prejudicada. STF. 2ª Turma. Rcl 30742 AgR/SP, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 4/2/2020 (Info 965).
Info
De fato, a colaboração premiada tem natureza jurídica de “meio de obtenção de prova”. A própria Lei nº 12.850/2013, recentemente alterada pelo “Pacote Anticrime”, prevê isso:
Art. 3º-A. O acordo de colaboração premiada é negócio jurídico processual e meio de obtenção de prova, que pressupõe utilidade e interesse públicos. (Incluído pela Lei nº 13.964/2019)
Vale ressaltar, no entanto, que, embora seja meio de obtenção de prova, a colaboração premiada é fenômeno complexo que envolve diversos atos com naturezas jurídicas distintas. Em conjunto com o acordo, há elementos de prova relevantes ao exercício do direito de defesa e do contraditório.
Em razão disso, o terceiro delatado por corréu, em termo de colaboração premiada, tem direito de ter acesso aos trechos nos quais citado, com fundamento na Súmula Vinculante 14.
Segundo essa SV, o acesso deve ser franqueado caso estejam presentes dois requisitos:
- Um, positivo: o ato de colaboração deve apontar a responsabilidade criminal do requerente;
- Outro, negativo: o ato de colaboração não deve referir-se à diligência em andamento.
[…]
(…) Tratando-se de colaboração premiada contendo diversos depoimentos, envolvendo diferentes pessoas e, possivelmente, diferentes organizações criminosas, tendo sido prestados em ocasiões diferentes, em termos de declaração separados, dando origem a diferentes procedimentos investigatórios, em diferentes estágios de diligências, não assiste a um determinado denunciado o acesso universal a todos os depoimentos prestados. O que a lei lhe assegura é o acesso aos elementos da colaboração premiada que lhe digam respeito. (…) STF. Plenário. Inq 3983, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 03/03/2016.
Mas o art. 7º da Lei nº 12.850/2013 não assegura o sigilo prévio?
Veja o que diz o dispositivo:
Art. 7º O pedido de homologação do acordo será sigilosamente distribuído, contendo apenas informações que não possam identificar o colaborador e o seu objeto.
Este sigilo tem dois objetivos básicos:
a) preservar os direitos assegurados ao colaborador, dentre os quais o de “ter nome, qualificação, imagem e demais informações pessoais preservados” (art. 5º, II) e o de “não ter sua identidade revelada pelos meios de comunicação, nem ser fotografado ou filmado, sem sua prévia autorização por escrito” (art. 5º, V, da Lei nº 12.850/2013); e
b) garantir o êxito das investigações (art. 7º, § 2º e art. 8, § 3º).
Ocorre que, mesmo antes da retirada do sigilo, será assegurado ao defensor, no interesse do representado, amplo acesso aos elementos de prova que digam respeito ao exercício do direito de defesa, devidamente precedido de autorização judicial, ressalvados os referentes às diligências em andamento. É o que preconiza o § 2º do art. 7º:
Art. 7º (…) § 2º O acesso aos autos será restrito ao juiz, ao Ministério Público e ao delegado de polícia, como forma de garantir o êxito das investigações, assegurando-se ao defensor, no interesse do representado, amplo acesso aos elementos de prova que digam respeito ao exercício do direito de defesa, devidamente precedido de autorização judicial, ressalvados os referentes às diligências em andamento.
Assim, a jurisprudência garante o acesso a todos os elementos de prova documentados nos autos dos acordos de colaboração, incluídas as gravações audiovisuais dos atos de colaboração de corréus, com o escopo de confrontá-los, e não para impugnar os termos dos acordos propriamente ditos (Rcl 21258 AgR).
Pacote anticrime
Vale ressaltar que a Lei nº 13.964/2019 alterou a redação do § 3º do art. 7º prevendo o seguinte:
Redação original: Art. 7º (…) § 3º O acordo de colaboração premiada deixa de ser sigiloso assim que recebida a denúncia, observado o disposto no art. 5º.
Redação dada pela Lei 13.964/2019: Art. 7º (…) § 3º O acordo de colaboração premiada e os depoimentos do colaborador serão mantidos em sigilo até o recebimento da denúncia ou da queixacrime, sendo vedado ao magistrado decidir por sua publicidade em qualquer hipótese.
A despeito desta nova redação, em tese mais restritiva, penso que o entendimento acima exposto pelo STF continua válido. Isso porque o objetivo da mudança legislativa não foi o de proibir o acesso dos depoimentos pelo delatado (até mesmo porque isso seria inconstitucional por violação à ampla defesa). A finalidade da alteração foi a de evitar que o acordo e os depoimentos fossem divulgados amplamente para os meios de comunicação, conforme se observou nos últimos anos.
É possível aplicar o art. 318 do CPP para conceder prisão domiciliar após o trânsito em julgado da sentença condenatória?
Resumo
Não é possível a concessão de prisão domiciliar para condenada gestante ou que seja mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência se já houver sentença condenatória transitada em julgado e ela não preencher os requisitos do art. 117 da LEP. STF. 1ª Turma. HC 177164/PA, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 18/2/2020 (Info 967).
Info
Art. 117. Somente se admitirá o recolhimento do beneficiário de regime aberto em residência particular quando se tratar de:
I - condenado maior de 70 (setenta) anos;
II - condenado acometido de doença grave;
III - condenada com filho menor ou deficiente físico ou mental;
IV - condenada gestante.
Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for:
I - maior de 80 (oitenta) anos;
II - extremamente debilitado por motivo de doença grave;
III - imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência;
IV - gestante;
V - mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos;
VI - homem, caso seja o único responsável pelos cuidados do filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos.
Parágrafo único. Para a substituição, o juiz exigirá prova idônea dos requisitos estabelecidos neste artigo.
Art. 318-A. A prisão preventiva imposta à mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência será substituída por prisão domiciliar, desde que:
I - não tenha cometido crime com violência ou grave ameaça a pessoa;
II - não tenha cometido o crime contra seu filho ou dependente.
Art. 318-B. A substituição de que tratam os arts. 318 e 318-A poderá ser efetuada sem prejuízo da aplicação concomitante das medidas alternativas previstas no art. 319 deste Código.
É necessário fundamentar a manutenção da prisão provisória ao rever sua necessidade após 90 dias?
A reforma legislativa operada pelo chamado “Pacote Anticrime” (Lei nº 13.964/2019) introduziu a revisão periódica dos fundamentos da prisão preventiva, por meio da inclusão do parágrafo único ao art. 316 do CPP.
A redação atual prevê que o órgão emissor da decisão deverá revisar a necessidade de sua manutenção a cada noventa dias, mediante decisão fundamentada, de ofício, sob pena de tornar ilegal a prisão preventiva:
Art. 316 (…) Parágrafo único. Decretada a prisão preventiva, deverá o órgão emissor da decisão revisar a necessidade de sua manutenção a cada 90 (noventa) dias, mediante decisão fundamentada, de ofício, sob pena de tornar a prisão ilegal.
Assim, a prisão preventiva é decretada sem prazo determinado. Contudo, o CPP agora prevê que o juízo que decretou a prisão preventiva deverá, a cada 90 dias, proferir uma nova decisão analisando se ainda está presente a necessidade da medida. Isso significa que a manutenção da prisão preventiva exige a demonstração de fatos concretos e atuais que a justifiquem. A existência desse substrato empírico mínimo, apto a lastrear a medida extrema, deverá ser regularmente apreciado por meio de decisão fundamentada.
A esse respeito, importante mencionar também o § 2º do art. 312 do CPP, inserido pelo Pacote Anticrime: “A decisão que decretar a prisão preventiva deve ser motivada e fundamentada em receio de perigo e existência concreta de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada.” STF. 2ª Turma. HC 179859 AgR/RS, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 3/3/2020 (Info 968).
A possibilidade de anulação da decisão do juri com fundamento no argumento de ser manifestamente contrária à prova dos autos viola o princípio do ne bis in idem?
A anulação de decisão do tribunal do júri, por ser manifestamente contrária à prova dos autos, não viola a regra constitucional que assegura a soberania dos veredictos do júri (art. 5º, XXXVIII, c, da CF/88).
Vale ressaltar, ainda, que não há contrariedade à cláusula de que ninguém pode ser julgado mais de uma vez pelo mesmo crime. Ainda que se forme um segundo Conselho de Sentença, o julgamento é um só, e termina com o trânsito em julgado da decisão. STF. 1ª Turma. RHC 170559/MT, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 10/3/2020 (Info 969).
Info
Ao proferir essa decisão determinando um novo júri, o TJ violou o princípio do non bis in idem processual, segundo o qual ninguém pode ser julgado duas vezes pelo mesmo fato?
NÃO. Não há contrariedade à cláusula de que ninguém pode ser julgado mais de uma vez pelo mesmo crime. Ainda que se forme um segundo Conselho de Sentença, o julgamento é um só, e termina com o trânsito em julgado da decisão.
Para ser decretada a medida de busca e apreensão com base em denúncia anônima?
Denúncias anônimas não podem embasar, por si sós, medidas invasivas como interceptações telefônicas, buscas e apreensões, e devem ser complementadas por diligências investigativas posteriores.
Se há notícia anônima de comércio de drogas ilícitas numa determinada casa, a polícia deve, antes de representar pela expedição de mandado de busca e apreensão, proceder a diligências veladas no intuito de reunir e documentar outras evidências que confirmem, indiciariamente, a notícia.
Se confirmadas, com base nesses novos elementos de informação o juiz deferirá o pedido.
Se não confirmadas, não será possível violar o domicílio, sendo a expedição do mandado desautorizada pela ausência de justa causa. O mandado de busca e apreensão expedido exclusivamente com apoio em denúncia anônima é abusivo. STF. 2ª Turma. HC 180709/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 5/5/2020 (Info 976).
Info
Procedimento a ser adotado pela autoridade policial em caso de “denúncia anônima”:
1) Realizar investigações preliminares para confirmar a credibilidade da “denúncia”;
2) Sendo confirmado que a “denúncia anônima” possui credibilidade (aparência mínima de procedência), instaura-se inquérito policial;
3) Instaurado o inquérito, a autoridade policial deverá buscar outros meios de prova que não a interceptação telefônica (como visto, esta é a ultima ratio). Se houver indícios concretos contra os investigados, mas a interceptação se revelar imprescindível para provar o crime, poderá ser requerida a quebra do sigilo telefônico ao magistrado.
Voltando ao caso concreto: não houve investigações preliminares
Não houve investigações complementares depois da denúncia anônima. Assim, o pedido e o deferimento da busca e apreensão se basearam unicamente na denúncia anônima.
Conforme já vimos acima, denúncias anônimas não podem embasar, por si sós, medidas invasivas como interceptações telefônicas, buscas e apreensões, e devem ser complementadas por diligências investigativas posteriores.
Se há notícia anônima de comércio de drogas ilícitas numa determinada casa, a polícia deve, antes de representar pela expedição de mandado de busca e apreensão, proceder a diligências veladas no intuito de reunir e documentar outras evidências que confirmem, indiciariamente, a notícia.
Se confirmadas, com base nesses novos elementos de informação, o juiz deferirá o pedido.
Se não confirmadas, não será possível violar o domicílio, sendo a expedição do mandado desautorizada pela ausência de justa causa.
O mandado expedido exclusivamente com apoio em denúncia anônima será abusivo.
Ausência de fundamentação
Além disso, a decisão judicial que autorizou a busca e apreensão carece de fundamentação. Não houve qualquer análise efetiva sobre a real necessidade da medida ou a consistência das informações contidas na denúncia anônima. Há, apenas, remissão a esses elementos e enquadramento genérico na norma processual.
É imperiosa para o juiz a demonstração, na motivação, de que a lei foi validamente aplicada no caso submetido à sua apreciação. A legalidade de uma decisão não resulta da simples referência ao texto legal, mas deve ser verificada concretamente pelo exame das razões pelas quais o juiz afirma ter aplicado a lei, pois somente tal exame pode propiciar o efetivo controle daquela demonstração.
A denúncia (ação penal) foi oferecida pelo Ministério Público exclusivamente com base nos elementos obtidos na busca e apreensão ilícita, motivo pelo qual o STF determinou o trancamento do processo penal por manifesta ausência de justa causa.
Terceiros que tenham sido mencionados pelos colaboradores podem obter acesso integral aos termos dos colaboradores desde que estejam presentes os requisitos positivo e negativo?
Resumo
A SV 14 prevê: É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa. Terceiros que tenham sido mencionados pelos colaboradores podem obter acesso integral aos termos dos colaboradores para viabilizar, de forma plena e adequada, sua defesa, invocando a SV 14?
SIM, desde que estejam presentes os requisitos positivo e negativo.
a) Requisito positivo: o acesso deve abranger somente documentos em que o requerente é de fato mencionado como tendo praticado crime (o ato de colaboração deve apontar a responsabilidade criminal do requerente); e
b) Requisito negativo: o ato de colaboração não se deve referir a diligência em andamento (devem ser excluídos os atos investigativos e diligências que ainda se encontram em andamento e não foram consubstanciados e relatados no inquérito ou na ação penal em tramitação). STF. 2ª Turma. Pet 7494 AgR/DF, rel. orig. Min. Edson Fachin, red. p/ o ac. Min. Gilmar Mendes, julgado em 19/5/2020 (Info 978).
A inobservância da ordem de inquirição do art. 212 acarreta nulidade?
A defesa alegou nulidade processual por desrespeito ao art. 212 do CPP, por ter o juízo inquerido diretamente as testemunhas. A magistrada que presidia a audiência reputou observados o contraditório e a ampla defesa, porque depois de perguntar, ela permitiu que os defensores e o MP fizessem questionamentos.
A 1ª Turma do STF discutiu se houve nulidade.
Dois Ministros (Marco Aurélio e Rosa Weber) consideraram que não foi respeitada a aludida norma processual. Assim, votaram por conceder a ordem de habeas corpus para declarar a nulidade processual a partir da audiência de instrução e julgamento. Os outros dois Ministros (Alexandre de Moraes e Luiz Fux) entenderam que não deveria ser declarada a nulidade do processo porque a alteração efetuada no art. 212 do CPP, ao permitir que as partes façam diretamente perguntas às testemunhas, não retirou do juiz, como instrutor do processo, a possibilidade de inquiri-las diretamente. Diante do empate na votação, prevaleceu a decisão mais favorável ao paciente. STF. 1ª Turma. HC 161658/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 2/6/2020 (Info 980).
Obs: prevalece no STF e no STJ que a inobservância do procedimento previsto no art. 212 do CPP pode gerar, quando muito, nulidade relativa, cujo reconhecimento depende da demonstração do prejuízo para a parte que a suscita (STF. 1ª Turma. HC 177530 AgR, Rel. Alexandre de Moraes, julgado em 20/12/2019).
Info
Prevalece que se trata de nulidade relativa.
A inobservância do procedimento previsto no art. 212 do CPP pode gerar, quando muito, nulidade relativa, cujo reconhecimento depende da demonstração do prejuízo para a parte que a suscita. A defesa trouxe argumentação genérica, sem demonstrar qualquer prejuízo concretamente sofrido, capaz de nulificar o julgado. Nesse contexto, incide a regra segundo a qual não haverá declaração de nulidade quando não demonstrado o efetivo prejuízo causado à parte (pas de nullité sans grief). STF. 1ª Turma. HC 177530 AgR, Rel. Alexandre de Moraes, julgado em 20/12/2019.
Não é possível anular o processo, por ofensa ao art. 212 do Código de Processo Penal, quando não verificado prejuízo concreto advindo da forma como foi realizada a inquirição das testemunhas, sendo certo que, segundo entendimento consolidado neste Superior Tribunal, o simples advento de sentença condenatória não tem o condão, por si só, de cristalizar o prejuízo indispensável para o reconhecimento da nulidade. STJ. 5ª Turma. AgRg no AREsp 1493757/SP, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 28/04/2020.
Assim, não deve ser acolhida a alegação de nulidade em razão da não observância da ordem de formulação de perguntas às testemunhas, estabelecida pelo art. 212 do CPP, se a parte não se desincumbiu do ônus de demonstrar o prejuízo decorrente da inversão da ordem de inquirição das testemunhas.
A demonstração de prejuízo, a teor do art. 563 do CPP, é essencial à alegação de nulidade.
[…]
Significa que houve mudança de entendimento do STF quanto ao argumento de nulidade relativa?
Penso que não. Houve um empate na votação e o resumo divulgado no Informativo não foi muito claro quanto à exata argumentação invocada pelos Ministros. Assim, entendo que ainda prevalece a posição explicada no sentido de que se trata de nulidade relativa.
Constitui nulidade a falta de abertura de prazo, após o encerramento da instrução, para manifestação das partes acerca do interesse na feitura de diligências complementares?
A falta de abertura de prazo, após o encerramento da instrução, para manifestação das partes acerca do interesse na feitura de diligências complementares constitui nulidade relativa, cujo reconhecimento pressupõe que o inconformismo seja veiculado em momento oportuno, ou seja, quando da apresentação de alegações finais. STF. 1ª Turma. HC 147584/RJ, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 2/6/2020 (Info 980).
O art. 402 do CPP prevê o seguinte:
Art. 402. Produzidas as provas, ao final da audiência, o Ministério Público, o querelante e o assistente e, a seguir, o acusado poderão requerer diligências cuja necessidade se origine de circunstâncias ou fatos apurados na instrução.
No caso, a defesa deixou de se insurgir nas alegações finais e nas razões de apelação. Além disso, no habeas corpus manejado não apontou quais diligências seriam requeridas se tivesse tido oportunidade.
A suposta nulidade está preclusa, tendo em vista que não ficou demonstrado efetivo prejuízo, devendo ser aplicado o art. 563 do CPP:
Art. 563. Nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa.
Cabe HC contra ato de decisão de Ministro do STF que decreta prisão preventiva?
Não cabe pedido de habeas corpus originário para o Tribunal Pleno contra ato de Ministro ou outro órgão fracionário da Corte.
Ex: não cabe habeas corpus contra decisão de Ministro do STF que decreta a prisão preventiva de investigado ou réu.
Aplica-se, aqui, por analogia, o entendimento exposto no enunciado 606 da Súmula do STF. Súmula 606-STF: Não cabe habeas corpus originário para o Tribunal Pleno de decisão de turma, ou do plenário, proferida em habeas corpus ou no respectivo recurso. STF. Plenário. HC 162285 AgR/DF, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 19/12/2019 (Info 964) STF. Plenário. HC 170263, Rel. Edson Fachin, julgado em 22/06/2020 (Info 985 – clipping)
É imprescindível a instauração de PAD para aplicação de sanção por falta grave na execução penal?
Resumo (Atualize o Info 564-STJ)
A oitiva do condenado pelo Juízo da Execução Penal, em audiência de justificação realizada na presença do defensor e do Ministério Público, afasta a necessidade de prévio Procedimento Administrativo Disciplinar (PAD), assim como supre eventual ausência ou insuficiência de defesa técnica no PAD instaurado para apurar a prática de falta grave durante o cumprimento da pena. STF. Plenário. RE 972598, Rel. Roberto Barroso, julgado em 04/05/2020 (Repercussão Geral –Tema 941) (Info 985 – clipping).
Inteiro teor
Para que seja aplicada a sanção disciplinar, é imprescindível a prévia realização de processo administrativo disciplinar, com contraditório e ampla defesa?
O STJ entendia que sim.
O Tribunal editou até um enunciado sobre o tema:
Súmula 533-STJ: Para o reconhecimento da prática de falta disciplinar no âmbito da execução penal, é imprescindível a instauração de procedimento administrativo pelo diretor do estabelecimento prisional, assegurado o direito de defesa, a ser realizado por advogado constituído ou defensor público nomeado. Aprovada em 10/06/2015, DJe 15/06/2015.
Tese levantada pelo MP
Ocorre que o Ministério Público não se conformou com essa posição e recorreu ao STF alegando que, se o apenado é ouvido em audiência judicial na qual ele tem a possibilidade de se defender (“justificar”) da alegação de que cometeu falta grave, essa audiência já supre a necessidade de processo administrativo disciplinar. Isso porque não haveria, neste caso, prejuízo.
O STF concordou com o argumento do MP?
SIM.
O STF tem entendido que a oitiva do condenado em audiência de justificação realizada na presença do defensor e do Ministério Público afasta a necessidade de prévio Procedimento Administrativo Disciplinar (PAD), assim como supre a eventual ausência ou a insuficiência de defesa técnica no PAD.
Se a audiência de justificação foi realizada, conseguiu-se alcançar, por outro meio, a finalidade essencial que era pretendida no procedimento administrativo disciplinar. Logo, não há que se falar em inobservância dos preceitos constitucionais do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LIV e LV, da CF/88).
O procedimento judicial conta com mais e maiores garantias que o procedimento administrativo. Esta é a razão pela qual a decisão administrativa sempre pode ser revista judicialmente, prevalecendo, sempre, a decisão judicial sobre a administrativa. É o chamado “sistema de jurisdição una”.
[…]
Mas o art. 59 da LEP fala que deve ser realizado procedimento administrativo disciplinar…
Veja o estabelece o art. 59:
Art. 59. Praticada a falta disciplinar, deverá ser instaurado o procedimento para sua apuração, conforme regulamento, assegurado o direito de defesa.
O art. 59 da LEP, ao exigir a instauração de um processo administrativo disciplinar, pretendeu impedir que houvesse a imposição arbitrária de sanções pela autoridade administrativa, sem que fosse assegurado o contraditório e a ampla defesa. No entanto, esse dispositivo não impede que a apuração da falta grave ocorra em juízo, com a observância dessas garantias. Assim, a realização da audiência de justificação supre a exigência do art. 59.
E o STJ?
O STJ passou a se curvar ao entendimento do STF. Nesse sentido:
(…) 4. Comprovado que se assegurou ao paciente o regular exercício do direito de defesa, na sede da audiência de justificação realizada no caso concreto, inexiste qualquer nulidade a ser sanada, nem constrangimento ilegal a ser reparado. (…) STJ. 6ª Turma. AgRg no HC 581.854/PR, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 04/08/2020.
Isso significa que está superada – apesar de não formalmente cancelada – a Súmula 533 do STJ. Também risque dos seus materiais a Tese 4 do Jurisprudência em Teses do STJ (Ed. 7), que tem a mesma redação da Súmula 533 do STJ.