Jurisprudência STF - 2020 Flashcards

1
Q

Pode-se instaurar ação penal a partir de elementos informativos colhidos em inquérito policial conduzido pela Polícia Federal, mas que não o deveria ter sido, por não se enquadrar o caso no art. 1º da Lei 10.446/2002?

A

Resumo

Caso concreto: a Polícia Federal, sob a supervisão do Ministério Público estadual e do Juízo de Direito, conduziu inquérito policial destinado a apurar crimes de competência da Justiça Estadual. Entendeu-se que a Polícia Federal não tinha atribuição para apurar tais delitos considerando que não se enquadravam nas hipóteses do art. 144, § 1º da CF/88 e do art. 1º da Lei nº 10.446/2002.

A despeito disso, o STF entendeu que não havia nulidade na ação penal instaurada com base nos elementos informativos colhidos.

O fato de os crimes de competência da Justiça Estadual terem sido investigados pela Polícia Federal não geram nulidade. Isso porque esse procedimento investigatório, presidido por autoridade de Polícia Federal, foi supervisionado pelo Juízo estadual (juízo competente) e por membro do Ministério Público estadual (que tinha a atribuição para a causa).

O inquérito policial constitui procedimento administrativo, de caráter meramente informativo e não obrigatório à regular instauração do processo-crime, cuja finalidade consiste em subsidiar eventual denúncia a ser apresentada pelo Ministério Público, razão pela qual irregularidades ocorridas não implicam, de regra, nulidade de processo-crime.

O art. 5º, LIII, da Constituição Federal, afirma que “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”. Esse dispositivo contempla o chamado “princípio do juiz natural”, princípio esse que não se estende para autoridades policiais, considerando que estas não possuem competência para julgar.

Logo, não é possível anular provas ou processos em tramitação com base no argumento de que a Polícia Federal não teria atribuição para investigar os crimes apurados.

A desconformidade da atuação da Polícia Federal com as disposições da Lei nº 10.446/2002 e eventuais abusos cometidos por autoridade policial, embora possam implicar responsabilidade no âmbito administrativo ou criminal dos agentes, não podem gerar a nulidade do inquérito ou do processo penal. STF. 1ª Turma. HC 169348/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 17/12/2019 (Info 964).

Info:

Imagine a seguinte situação hipotética:

O Procurador da República (membro do Ministério Público Federal) requisitou da Polícia Federal a instauração de inquérito policial para apurar eventuais crimes praticados por Maurício.

O Delegado de Polícia Federal instaurou, então, inquérito para investigar o cometimento das infrações previstas no art. 22 da Lei nº 7.492/86 (evasão de divisas) e art. 1º da Lei nº 9.613/98 (lavagem de dinheiro), ambos de competência da Justiça Federal.

Durante o inquérito, surgiram elementos informativos (“provas”) de que Maurício teria praticado outros crimes: estelionato e falsidade ideológica.

Vale ressaltar, no entanto, que, ao final da investigação, o MPF entendeu que o estelionato e a falsidade ideológica cometidos não eram de competência da Justiça Federal e, diante disso, o Procurador da República requereu ao Juiz Federal a remessa de cópias dos autos ao Ministério Público estadual.

O Promotor de Justiça (membro do Ministério Público estadual) requisitou que a Polícia Federal continuasse as investigações dos crimes estelionato e a falsidade ideológica, de modo que elas foram conduzidas por um Delegado Federal e supervisionados pelo Ministério Público estadual e pelo Juiz de Direito.

Com base nas investigações conduzidas pela Polícia Federal, o Promotor de Justiça ofereceu denúncia contra Maurício, que foi recebida pelo Juízo estadual.

A defesa do réu impetrou habeas corpus alegando que a Polícia Federal não tinha atribuição para atuar nas investigações considerando que a situação não se enquadrava em nenhuma das hipóteses previstas no art. 1º da Lei nº 10.446/2002.

Diante disso, pediu a nulidade de todos os atos judiciais decorrentes das investigações conduzidas pela Polícia Federal.

O pedido da defesa foi acolhido pelo STF?

NÃO.

Antes de entender o que afirmou o STF, é importante recordar o regime jurídico relacionado com as atribuições investigatórias da Polícia Federal.

A Polícia Federal investiga apenas crimes de competência da Justiça Federal?

NÃO.

Em regra, a Polícia Federal é responsável pela investigação dos crimes que são de competência da Justiça Federal. Isso porque uma das principais funções da PF é exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.

No entanto, a Polícia Federal investiga também outros delitos que não são de competência da Justiça Federal. As atribuições da Polícia Federal estão previstas inicialmente no art. 144 da CF/88:

Art. 144 (…)

§ 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a:

I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei;

II - prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência;

III - exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras;

IV - exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.

Inciso I do § 1º do art. 144 da CF/88

Se você observar a redação do inciso I do § 1º do art. 144 acima transcrito verá que ela é bem ampla, especialmente na sua parte final, que diz que compete à Polícia Federal apurar “outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei”.

Desse modo, a Polícia Federal tem atribuição para investigar crimes que tenham repercussão interestadual ou internacional e exijam repressão uniforme.

Que crimes são esses?

A CF/88 afirma que a relação desses crimes deverá ser prevista em lei.

Que lei é esta?

A Lei nº 10.446/2002, cuja ementa é a seguinte:

Dispõe sobre infrações penais de repercussão interestadual ou internacional que exigem repressão uniforme, para os fins do disposto no inciso I do § 1º do art. 144 da Constituição.

A Lei nº 10.446/2002, em seu art. 1º, traz uma lista de crimes que foram escolhidos pelo legislador e que podem ser investigados pela Polícia Federal.

No caso dos delitos previstos neste art. 1º, não importa se eles serão ou não julgados pela Justiça Federal.

A atribuição para investigá-los poderá ser da Polícia Federal independentemente disso.

Assim, quando houver repercussão interestadual ou internacional que exija repressão uniforme, a Polícia Federal poderá investigar as seguintes infrações penais:

I – seqüestro, cárcere privado e extorsão mediante seqüestro (arts. 148 e 159 do Código Penal), se o agente foi impelido por motivação política ou quando praticado em razão da função pública exercida pela vítima;

II – formação de cartel (incisos I, a, II, III e VII do art. 4º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990); e

III – relativas à violação a direitos humanos, que a República Federativa do Brasil se comprometeu a reprimir em decorrência de tratados internacionais de que seja parte; e

IV – furto, roubo ou receptação de cargas, inclusive bens e valores, transportadas em operação interestadual ou internacional, quando houver indícios da atuação de quadrilha ou bando em mais de um Estado da Federação.

V - falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais e venda, inclusive pela internet, depósito ou distribuição do produto falsificado, corrompido, adulterado ou alterado (art. 273 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal).

VI - furto, roubo ou dano contra instituições financeiras, incluindo agências bancárias ou caixas eletrônicos, quando houver indícios da atuação de associação criminosa em mais de um Estado da Federação.

VII – quaisquer crimes praticados por meio da rede mundial de computadores que difundam conteúdo misógino, definidos como aqueles que propagam o ódio ou a aversão às mulheres.

Obs: a Polícia Federal irá investigá-los sem prejuízo da responsabilidade das Polícias Militares e Civis dos Estados, ou seja, tais órgãos de segurança pública também poderão contribuir com as investigações.

Fora essa lista, a Polícia Federal poderá investigar outros crimes?

SIM.

A lista do art. 1º da Lei nº 10.446/2002 é exemplificativa. Assim, o Departamento de Polícia Federal poderá investigar outras infrações penais que não estejam nesta lista, desde que:

  • tal providência seja autorizada ou determinada pelo Ministro de Estado da Justiça;
  • a infração tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme.

Essa autorização mais genérica está prevista no parágrafo único do art. 1º da Lei nº 10.446/2002.

Voltando ao caso concreto. O STF entendeu que os crimes praticados por Maurício deveriam ter sido investigados pela Polícia Federal?

NÃO. Realmente, os crimes de estelionato e falsidade ideológica não eram de atribuição da Polícia Federal porque não se enquadravam nas hipóteses da Lei nº 10.446/2002.

A despeito disso não há que se falar em nulidade.

O procedimento inicialmente instaurado pela Polícia Federal decorreu de requisição do Ministério Público Federal, sendo destinado a investigar suposta prática de crimes, em tese, afetos à competência da Justiça Federal (evasão de divisas e lavagem de dinheiro).

O declínio, pelo Juízo Federal, da competência, ante indícios do cometimento de delitos sujeitos à Justiça Estadual cumpriu o “figurino legal”, ou seja, foi correto.

O fato de os crimes de estelionato e falsidade ideológica terem sido, mesmo depois da declinação de competência, investigados pela Polícia Federal não geram nulidade. Isso porque esse procedimento investigatório, presidido por autoridade de Polícia Federal, foi supervisionado pelo Juízo estadual (juízo competente) e por membro do Ministério Público estadual (que tinha a atribuição para a causa).

O inquérito policial constitui procedimento administrativo, de caráter meramente informativo e não obrigatório à regular instauração do processo-crime, cuja finalidade consiste em subsidiar eventual denúncia a ser apresentada pelo Ministério Público, razão pela qual irregularidades ocorridas não implicam, de regra, nulidade de processo-crime.

O art. 5º, LIII, da Constituição Federal, afirma que “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”. Esse dispositivo contempla o chamado “princípio do juiz natural”, princípio esse que não se estende para autoridades policiais, considerando que estas não possuem competência para julgar.

Logo, não é possível anular provas ou processos em tramitação com base no argumento de que a Polícia Federal não teria atribuição para investigar os crimes apurados.

A desconformidade da atuação da Polícia Federal com as disposições da Lei nº 10.446/2002 e eventuais abusos cometidos por autoridade policial, embora possam implicar responsabilidade no âmbito administrativo ou criminal dos agentes, não podem gerar a nulidade do inquérito ou do processo penal. STF. 1ª Turma. HC 169348/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 17/12/2019 (Info 964).

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2
Q

Pode-se restringir o acesso do investigado a informações documentadas no inquérito relativa a terceiros?

A

Mesmo que a investigação criminal tramite em segredo de justiça será possível que o investigado tenha acesso amplo autos, inclusive a eventual relatório de inteligência financeira do COAF, sendo permitido, contudo, que se negue o acesso a peças que digam respeito a dados de terceiros protegidos pelo segredo de justiça.

Essa restrição parcial não viola a súmula vinculante 14. Isso porque é excessivo o acesso de um dos investigados a informações, de caráter privado de diversas pessoas, que não dizem respeito ao direito de defesa dele. STF. 1ª Turma. Rcl 25872 AgR-AgR/SP, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 17/12/2019 (Info 964).

Info

O que o STF decidiu?

A 1ª Turma do STF julgou parcialmente procedente a reclamação para determinar ao Delegado de Polícia que disponibilize à defesa do reclamante acesso ao relatório do COAF, excluindo, no entanto, os trechos que não digam respeito a ele (João) e que contenham dados sigilosos de terceiros.

Conforme vimos acima, a investigação corre em segredo de justiça e o Relatório de Inteligência Financeira do COAF (ao qual se pretende acesso integral) menciona outros investigados, além do interessado.

Desse modo, deve ser deferido o pedido do reclamante para ter acesso aos autos, com exceção de eventuais peças protegidas pelo segredo de justiça, especialmente o relatório do COAF no que diz respeito a dados de terceiros.

A privacidade e a intimidade são asseguradas constitucionalmente, e se mostra excessivo o acesso de um dos investigados a informações, de caráter privado de diversas pessoas, que não dizem respeito ao direito de defesa dele

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3
Q

O fato de réu integrar milícia e de ter sido transferido para presídio federal de segurança máxima por conta de sua alta periculosidade constitui motivo para mantê-lo algemado durante sessão do júri?

A

É possível que o réu permaneça algemado durante o julgamento no Tribunal do Júri caso existam nos autos informações fornecidas pela polícia no sentido de que o acusado integra milícia, possui extensa folha de antecedentes criminais e foi transferido para presídio federal de segurança máxima justamente em virtude da sua alta periculosidade.

Não se pode desconsiderar o que está nos autos do processo e aquilo que foi informado pela polícia. A questão da periculosidade, ou não, do réu é assunto de polícia e não de juiz. Se a polícia informa que o réu é perigoso, o juiz que, normalmente, entra em contato com o réu pela primeira vez, tem de confiar na presunção de legitimidade da informação passada pela autoridade policial. Fora dos casos de abuso patente, é preciso dar credibilidade àquele que tem o encargo de zelar pela segurança pública, inclusive no âmbito do tribunal. Em casos assim, a decisão do juízo que mantém as algemas não viola a súmula vinculante 11. STF. 1ª Turma. Rcl 32970 AgR/RJ, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 17/12/2019 (Info 964).

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4
Q

Cabe HC contra decisão de Ministro do STF que decreta prisão preventiva de investigado?

A

Não cabe habeas corpus contra decisão de Ministro do STF que decreta a prisão preventiva de investigado ou réu.

Aplica-se, aqui, por analogia, o entendimento exposto no enunciado 606 da Súmula do STF. Súmula 606-STF: Não cabe habeas corpus originário para o Tribunal Pleno de decisão de turma, ou do plenário, proferida em habeas corpus ou no respectivo recurso. STF. Plenário. HC 162285 AgR/DF, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 19/12/2019 (Info 964)

O que a defesa do investigado deverá fazer neste caso?

Caso a parte deseje impugnar decisão monocrática proferida por Ministro do STF, o instrumento processual cabível é o agravo regimental, no prazo de 5 dias, nos termos do art. 39 da Lei nº 8.038/90 e art. 317 do Regimento Interno do STF.

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5
Q

A concessão do benefício da transação penal impede a impetração de habeas corpus em que se busca o trancamento da ação penal?

A

• STJ: SIM. Fica prejudicado.

A concessão do benefício da transação penal impede a impetração de habeas corpus em que se busca o trancamento da ação penal. STJ. 6ª Turma. HC 495.148-DF, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, julgado em 24/09/2019 (Info 657).

• STF: NÃO. Não impede e o TJ deverá julgar o mérito do habeas corpus.

A realização de acordo de transação penal não enseja a perda de objeto de habeas corpus anteriormente impetrado.

A aceitação do acordo de transação penal não impede o exame de habeas corpus para questionar a legitimidade da persecução penal.

Embora o sistema negocial possa trazer aprimoramentos positivos em casos de delitos de menor gravidade, a barganha no processo penal pode levar a riscos consideráveis aos direitos fundamentais do acusado. Assim, o controle judicial é fundamental para a proteção efetiva dos direitos fundamentais do imputado e para evitar possíveis abusos que comprometam a decisão voluntária de aceitar a transação.

Não há qualquer disposição em lei que imponha a desistência de recursos ou ações em andamento ou determine a renúncia ao direito de acesso à Justiça. STF. 2ª Turma. HC 176785/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 17/12/2019 (Info 964)

Info

Em razão dos riscos e problemas inerentes ao sistema negocial, o controle realizado pelo julgador deve também abranger certa verificação sobre a legitimidade da persecução penal, visto que o Estado não pode autorizar a imposição de uma pena em situações ilegítimas, como, por exemplo, em quadros de manifesta atipicidade da conduta ou extinção da punibilidade do imputado.

Assim, não se pode permitir que o aceite à transação penal inviabilize o questionamento judicial à persecução penal. Ou seja, não se pode aceitar que um habeas corpus, que, entre outros requerimentos, aponta a atipicidade da conduta, seja declarado prejudicado em razão do aceite à barganha penal.

Ainda que os acordos penais pressuponham, corretamente, a voluntariedade do réu, ou seja, a sua vontade não coagida no sentido de aceitar a imposição da pena proposta, há relevantes críticas ao sistema de justiça negocial, em razão de possíveis abusos que viciam a voluntariedade do réu e podem ocasionar, inclusive, o aceite ao acordo por pessoas inocentes.

Embora o sistema penal negocial possa acarretar aprimoramentos positivos em certas hipóteses, a barganha no processo penal inevitavelmente gera riscos consideráveis aos direitos fundamentais do imputado e deve ser estruturada de modo limitado, para evitar a imposição de penas pelo Estado de forma ilegítima.

Nesse sentido, o controle judicial sobre o acordo é medida fundamental para a proteção efetiva de direitos fundamentais, de modo a se autorizar o exercício do poder punitivo estatal somente em casos legítimos para tanto. Deve-se, então, assentar a abrangência e os critérios para tal juízo de homologação da barganha penal.

Ainda que o réu se conforme com a acusação e aceite a imposição da pena com o benefício proposto, não se pode aceitar que o poder punitivo estatal seja exercido sem o devido controle judicial. Por isso, em todos os casos, tanto em colaboração premiada como em transação penal ou suspensão condicional do processo há a submissão para homologação judicial.

O controle judicial não pode ser meramente formal e mecânico, ao passo que a imposição de uma pena pelo Estado, ainda que consentida pelo imputado, deve ocorrer de modo legítimo e em conformidade com os direitos fundamentais previstos constitucional e convencionalmente.

Por óbvio, tal análise se dará de modo compatível com o momento em que ocorre e os limites cognitivos da fase preliminar da persecução penal. Ou seja, não se espera que o julgador busque fundamentar sua decisão em provas além de qualquer dúvida razoável, o que seria necessário para uma sentença condenatória ao final do processo regular.

Contudo, na homologação do acordo penal, como a transação penal, o julgador precisa realizar controle sobre a legitimidade da persecução penal, de modo que casos de manifesta atipicidade da conduta narrada, extinção da punibilidade do imputado ou evidente inviabilidade da denúncia por ausência de justa causa acarretem a não homologação da proposta.

Pela própria lógica da legislação atual, a transação penal somente pode ser oferecida se não for caso de arquivamento, ou seja, se houver potencial oferecimento de denúncia apta a ensejar o início do processo penal. Não se pode admitir que a transação penal possa impor obrigações a imputado que nem poderia ser submetido à persecução penal por ausência de justa causa ou atipicidade da conduta, por exemplo.

A celebração do acordo, por si só, não afasta o interesse do imputado no habeas corpus. Primeiramente, o descumprimento das cláusulas da transação penal permite o prosseguimento do processo. Além disso, a transação penal somente pode ser oferecida uma vez a cada cinco anos, de maneira a demonstrar interesse do paciente em sua desconstituição, por meio de eventual concessão da ordem para o trancamento do processo. Por fim, inexiste qualquer disposição legal que imponha a desistência a recursos ou ações em andamento, tampouco determine a renúncia ao direito de acesso à Justiça.

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6
Q

O delatado possui o direito de ter acesso às declarações prestadas pelos colaboradores que o incriminem?

A

Resumo

O delatado possui o direito de ter acesso às declarações prestadas pelos colaboradores que o incriminem, desde que já documentadas e que não se refiram à diligência em andamento que possa ser prejudicada. STF. 2ª Turma. Rcl 30742 AgR/SP, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 4/2/2020 (Info 965).

Info

De fato, a colaboração premiada tem natureza jurídica de “meio de obtenção de prova”. A própria Lei nº 12.850/2013, recentemente alterada pelo “Pacote Anticrime”, prevê isso:

Art. 3º-A. O acordo de colaboração premiada é negócio jurídico processual e meio de obtenção de prova, que pressupõe utilidade e interesse públicos. (Incluído pela Lei nº 13.964/2019)

Vale ressaltar, no entanto, que, embora seja meio de obtenção de prova, a colaboração premiada é fenômeno complexo que envolve diversos atos com naturezas jurídicas distintas. Em conjunto com o acordo, há elementos de prova relevantes ao exercício do direito de defesa e do contraditório.

Em razão disso, o terceiro delatado por corréu, em termo de colaboração premiada, tem direito de ter acesso aos trechos nos quais citado, com fundamento na Súmula Vinculante 14.

Segundo essa SV, o acesso deve ser franqueado caso estejam presentes dois requisitos:

  • Um, positivo: o ato de colaboração deve apontar a responsabilidade criminal do requerente;
  • Outro, negativo: o ato de colaboração não deve referir-se à diligência em andamento.

[…]

(…) Tratando-se de colaboração premiada contendo diversos depoimentos, envolvendo diferentes pessoas e, possivelmente, diferentes organizações criminosas, tendo sido prestados em ocasiões diferentes, em termos de declaração separados, dando origem a diferentes procedimentos investigatórios, em diferentes estágios de diligências, não assiste a um determinado denunciado o acesso universal a todos os depoimentos prestados. O que a lei lhe assegura é o acesso aos elementos da colaboração premiada que lhe digam respeito. (…) STF. Plenário. Inq 3983, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 03/03/2016.

Mas o art. 7º da Lei nº 12.850/2013 não assegura o sigilo prévio?

Veja o que diz o dispositivo:

Art. 7º O pedido de homologação do acordo será sigilosamente distribuído, contendo apenas informações que não possam identificar o colaborador e o seu objeto.

Este sigilo tem dois objetivos básicos:

a) preservar os direitos assegurados ao colaborador, dentre os quais o de “ter nome, qualificação, imagem e demais informações pessoais preservados” (art. 5º, II) e o de “não ter sua identidade revelada pelos meios de comunicação, nem ser fotografado ou filmado, sem sua prévia autorização por escrito” (art. 5º, V, da Lei nº 12.850/2013); e
b) garantir o êxito das investigações (art. 7º, § 2º e art. 8, § 3º).

Ocorre que, mesmo antes da retirada do sigilo, será assegurado ao defensor, no interesse do representado, amplo acesso aos elementos de prova que digam respeito ao exercício do direito de defesa, devidamente precedido de autorização judicial, ressalvados os referentes às diligências em andamento. É o que preconiza o § 2º do art. 7º:

Art. 7º (…) § 2º O acesso aos autos será restrito ao juiz, ao Ministério Público e ao delegado de polícia, como forma de garantir o êxito das investigações, assegurando-se ao defensor, no interesse do representado, amplo acesso aos elementos de prova que digam respeito ao exercício do direito de defesa, devidamente precedido de autorização judicial, ressalvados os referentes às diligências em andamento.

Assim, a jurisprudência garante o acesso a todos os elementos de prova documentados nos autos dos acordos de colaboração, incluídas as gravações audiovisuais dos atos de colaboração de corréus, com o escopo de confrontá-los, e não para impugnar os termos dos acordos propriamente ditos (Rcl 21258 AgR).

Pacote anticrime

Vale ressaltar que a Lei nº 13.964/2019 alterou a redação do § 3º do art. 7º prevendo o seguinte:

Redação original: Art. 7º (…) § 3º O acordo de colaboração premiada deixa de ser sigiloso assim que recebida a denúncia, observado o disposto no art. 5º.

Redação dada pela Lei 13.964/2019: Art. 7º (…) § 3º O acordo de colaboração premiada e os depoimentos do colaborador serão mantidos em sigilo até o recebimento da denúncia ou da queixacrime, sendo vedado ao magistrado decidir por sua publicidade em qualquer hipótese.

A despeito desta nova redação, em tese mais restritiva, penso que o entendimento acima exposto pelo STF continua válido. Isso porque o objetivo da mudança legislativa não foi o de proibir o acesso dos depoimentos pelo delatado (até mesmo porque isso seria inconstitucional por violação à ampla defesa). A finalidade da alteração foi a de evitar que o acordo e os depoimentos fossem divulgados amplamente para os meios de comunicação, conforme se observou nos últimos anos.

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7
Q

É possível aplicar o art. 318 do CPP para conceder prisão domiciliar após o trânsito em julgado da sentença condenatória?

A

Resumo

Não é possível a concessão de prisão domiciliar para condenada gestante ou que seja mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência se já houver sentença condenatória transitada em julgado e ela não preencher os requisitos do art. 117 da LEP. STF. 1ª Turma. HC 177164/PA, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 18/2/2020 (Info 967).

Info

Art. 117. Somente se admitirá o recolhimento do beneficiário de regime aberto em residência particular quando se tratar de:

I - condenado maior de 70 (setenta) anos;

II - condenado acometido de doença grave;

III - condenada com filho menor ou deficiente físico ou mental;

IV - condenada gestante.

Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for:

I - maior de 80 (oitenta) anos;

II - extremamente debilitado por motivo de doença grave;

III - imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência;

IV - gestante;

V - mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos;

VI - homem, caso seja o único responsável pelos cuidados do filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos.

Parágrafo único. Para a substituição, o juiz exigirá prova idônea dos requisitos estabelecidos neste artigo.

Art. 318-A. A prisão preventiva imposta à mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência será substituída por prisão domiciliar, desde que:

I - não tenha cometido crime com violência ou grave ameaça a pessoa;

II - não tenha cometido o crime contra seu filho ou dependente.

Art. 318-B. A substituição de que tratam os arts. 318 e 318-A poderá ser efetuada sem prejuízo da aplicação concomitante das medidas alternativas previstas no art. 319 deste Código.

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8
Q

É necessário fundamentar a manutenção da prisão provisória ao rever sua necessidade após 90 dias?

A

A reforma legislativa operada pelo chamado “Pacote Anticrime” (Lei nº 13.964/2019) introduziu a revisão periódica dos fundamentos da prisão preventiva, por meio da inclusão do parágrafo único ao art. 316 do CPP.

A redação atual prevê que o órgão emissor da decisão deverá revisar a necessidade de sua manutenção a cada noventa dias, mediante decisão fundamentada, de ofício, sob pena de tornar ilegal a prisão preventiva:

Art. 316 (…) Parágrafo único. Decretada a prisão preventiva, deverá o órgão emissor da decisão revisar a necessidade de sua manutenção a cada 90 (noventa) dias, mediante decisão fundamentada, de ofício, sob pena de tornar a prisão ilegal.

Assim, a prisão preventiva é decretada sem prazo determinado. Contudo, o CPP agora prevê que o juízo que decretou a prisão preventiva deverá, a cada 90 dias, proferir uma nova decisão analisando se ainda está presente a necessidade da medida. Isso significa que a manutenção da prisão preventiva exige a demonstração de fatos concretos e atuais que a justifiquem. A existência desse substrato empírico mínimo, apto a lastrear a medida extrema, deverá ser regularmente apreciado por meio de decisão fundamentada.

A esse respeito, importante mencionar também o § 2º do art. 312 do CPP, inserido pelo Pacote Anticrime: “A decisão que decretar a prisão preventiva deve ser motivada e fundamentada em receio de perigo e existência concreta de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada.” STF. 2ª Turma. HC 179859 AgR/RS, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 3/3/2020 (Info 968).

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9
Q

A possibilidade de anulação da decisão do juri com fundamento no argumento de ser manifestamente contrária à prova dos autos viola o princípio do ne bis in idem?

A

A anulação de decisão do tribunal do júri, por ser manifestamente contrária à prova dos autos, não viola a regra constitucional que assegura a soberania dos veredictos do júri (art. 5º, XXXVIII, c, da CF/88).

Vale ressaltar, ainda, que não há contrariedade à cláusula de que ninguém pode ser julgado mais de uma vez pelo mesmo crime. Ainda que se forme um segundo Conselho de Sentença, o julgamento é um só, e termina com o trânsito em julgado da decisão. STF. 1ª Turma. RHC 170559/MT, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 10/3/2020 (Info 969).

Info

Ao proferir essa decisão determinando um novo júri, o TJ violou o princípio do non bis in idem processual, segundo o qual ninguém pode ser julgado duas vezes pelo mesmo fato?

NÃO. Não há contrariedade à cláusula de que ninguém pode ser julgado mais de uma vez pelo mesmo crime. Ainda que se forme um segundo Conselho de Sentença, o julgamento é um só, e termina com o trânsito em julgado da decisão.

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Q

Para ser decretada a medida de busca e apreensão com base em denúncia anônima?

A

Denúncias anônimas não podem embasar, por si sós, medidas invasivas como interceptações telefônicas, buscas e apreensões, e devem ser complementadas por diligências investigativas posteriores.

Se há notícia anônima de comércio de drogas ilícitas numa determinada casa, a polícia deve, antes de representar pela expedição de mandado de busca e apreensão, proceder a diligências veladas no intuito de reunir e documentar outras evidências que confirmem, indiciariamente, a notícia.

Se confirmadas, com base nesses novos elementos de informação o juiz deferirá o pedido.

Se não confirmadas, não será possível violar o domicílio, sendo a expedição do mandado desautorizada pela ausência de justa causa. O mandado de busca e apreensão expedido exclusivamente com apoio em denúncia anônima é abusivo. STF. 2ª Turma. HC 180709/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 5/5/2020 (Info 976).

Info

Procedimento a ser adotado pela autoridade policial em caso de “denúncia anônima”:

1) Realizar investigações preliminares para confirmar a credibilidade da “denúncia”;
2) Sendo confirmado que a “denúncia anônima” possui credibilidade (aparência mínima de procedência), instaura-se inquérito policial;
3) Instaurado o inquérito, a autoridade policial deverá buscar outros meios de prova que não a interceptação telefônica (como visto, esta é a ultima ratio). Se houver indícios concretos contra os investigados, mas a interceptação se revelar imprescindível para provar o crime, poderá ser requerida a quebra do sigilo telefônico ao magistrado.

Voltando ao caso concreto: não houve investigações preliminares

Não houve investigações complementares depois da denúncia anônima. Assim, o pedido e o deferimento da busca e apreensão se basearam unicamente na denúncia anônima.

Conforme já vimos acima, denúncias anônimas não podem embasar, por si sós, medidas invasivas como interceptações telefônicas, buscas e apreensões, e devem ser complementadas por diligências investigativas posteriores.

Se há notícia anônima de comércio de drogas ilícitas numa determinada casa, a polícia deve, antes de representar pela expedição de mandado de busca e apreensão, proceder a diligências veladas no intuito de reunir e documentar outras evidências que confirmem, indiciariamente, a notícia.

Se confirmadas, com base nesses novos elementos de informação, o juiz deferirá o pedido.

Se não confirmadas, não será possível violar o domicílio, sendo a expedição do mandado desautorizada pela ausência de justa causa.

O mandado expedido exclusivamente com apoio em denúncia anônima será abusivo.

Ausência de fundamentação

Além disso, a decisão judicial que autorizou a busca e apreensão carece de fundamentação. Não houve qualquer análise efetiva sobre a real necessidade da medida ou a consistência das informações contidas na denúncia anônima. Há, apenas, remissão a esses elementos e enquadramento genérico na norma processual.

É imperiosa para o juiz a demonstração, na motivação, de que a lei foi validamente aplicada no caso submetido à sua apreciação. A legalidade de uma decisão não resulta da simples referência ao texto legal, mas deve ser verificada concretamente pelo exame das razões pelas quais o juiz afirma ter aplicado a lei, pois somente tal exame pode propiciar o efetivo controle daquela demonstração.

A denúncia (ação penal) foi oferecida pelo Ministério Público exclusivamente com base nos elementos obtidos na busca e apreensão ilícita, motivo pelo qual o STF determinou o trancamento do processo penal por manifesta ausência de justa causa.

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11
Q

Terceiros que tenham sido mencionados pelos colaboradores podem obter acesso integral aos termos dos colaboradores desde que estejam presentes os requisitos positivo e negativo?

A

Resumo

A SV 14 prevê: É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa. Terceiros que tenham sido mencionados pelos colaboradores podem obter acesso integral aos termos dos colaboradores para viabilizar, de forma plena e adequada, sua defesa, invocando a SV 14?

SIM, desde que estejam presentes os requisitos positivo e negativo.

a) Requisito positivo: o acesso deve abranger somente documentos em que o requerente é de fato mencionado como tendo praticado crime (o ato de colaboração deve apontar a responsabilidade criminal do requerente); e
b) Requisito negativo: o ato de colaboração não se deve referir a diligência em andamento (devem ser excluídos os atos investigativos e diligências que ainda se encontram em andamento e não foram consubstanciados e relatados no inquérito ou na ação penal em tramitação). STF. 2ª Turma. Pet 7494 AgR/DF, rel. orig. Min. Edson Fachin, red. p/ o ac. Min. Gilmar Mendes, julgado em 19/5/2020 (Info 978).

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12
Q

A inobservância da ordem de inquirição do art. 212 acarreta nulidade?

A

A defesa alegou nulidade processual por desrespeito ao art. 212 do CPP, por ter o juízo inquerido diretamente as testemunhas. A magistrada que presidia a audiência reputou observados o contraditório e a ampla defesa, porque depois de perguntar, ela permitiu que os defensores e o MP fizessem questionamentos.

A 1ª Turma do STF discutiu se houve nulidade.

Dois Ministros (Marco Aurélio e Rosa Weber) consideraram que não foi respeitada a aludida norma processual. Assim, votaram por conceder a ordem de habeas corpus para declarar a nulidade processual a partir da audiência de instrução e julgamento. Os outros dois Ministros (Alexandre de Moraes e Luiz Fux) entenderam que não deveria ser declarada a nulidade do processo porque a alteração efetuada no art. 212 do CPP, ao permitir que as partes façam diretamente perguntas às testemunhas, não retirou do juiz, como instrutor do processo, a possibilidade de inquiri-las diretamente. Diante do empate na votação, prevaleceu a decisão mais favorável ao paciente. STF. 1ª Turma. HC 161658/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 2/6/2020 (Info 980).

Obs: prevalece no STF e no STJ que a inobservância do procedimento previsto no art. 212 do CPP pode gerar, quando muito, nulidade relativa, cujo reconhecimento depende da demonstração do prejuízo para a parte que a suscita (STF. 1ª Turma. HC 177530 AgR, Rel. Alexandre de Moraes, julgado em 20/12/2019).

Info

Prevalece que se trata de nulidade relativa.

A inobservância do procedimento previsto no art. 212 do CPP pode gerar, quando muito, nulidade relativa, cujo reconhecimento depende da demonstração do prejuízo para a parte que a suscita. A defesa trouxe argumentação genérica, sem demonstrar qualquer prejuízo concretamente sofrido, capaz de nulificar o julgado. Nesse contexto, incide a regra segundo a qual não haverá declaração de nulidade quando não demonstrado o efetivo prejuízo causado à parte (pas de nullité sans grief). STF. 1ª Turma. HC 177530 AgR, Rel. Alexandre de Moraes, julgado em 20/12/2019.

Não é possível anular o processo, por ofensa ao art. 212 do Código de Processo Penal, quando não verificado prejuízo concreto advindo da forma como foi realizada a inquirição das testemunhas, sendo certo que, segundo entendimento consolidado neste Superior Tribunal, o simples advento de sentença condenatória não tem o condão, por si só, de cristalizar o prejuízo indispensável para o reconhecimento da nulidade. STJ. 5ª Turma. AgRg no AREsp 1493757/SP, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 28/04/2020.

Assim, não deve ser acolhida a alegação de nulidade em razão da não observância da ordem de formulação de perguntas às testemunhas, estabelecida pelo art. 212 do CPP, se a parte não se desincumbiu do ônus de demonstrar o prejuízo decorrente da inversão da ordem de inquirição das testemunhas.

A demonstração de prejuízo, a teor do art. 563 do CPP, é essencial à alegação de nulidade.

[…]

Significa que houve mudança de entendimento do STF quanto ao argumento de nulidade relativa?

Penso que não. Houve um empate na votação e o resumo divulgado no Informativo não foi muito claro quanto à exata argumentação invocada pelos Ministros. Assim, entendo que ainda prevalece a posição explicada no sentido de que se trata de nulidade relativa.

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13
Q

Constitui nulidade a falta de abertura de prazo, após o encerramento da instrução, para manifestação das partes acerca do interesse na feitura de diligências complementares?

A

A falta de abertura de prazo, após o encerramento da instrução, para manifestação das partes acerca do interesse na feitura de diligências complementares constitui nulidade relativa, cujo reconhecimento pressupõe que o inconformismo seja veiculado em momento oportuno, ou seja, quando da apresentação de alegações finais. STF. 1ª Turma. HC 147584/RJ, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 2/6/2020 (Info 980).

O art. 402 do CPP prevê o seguinte:

Art. 402. Produzidas as provas, ao final da audiência, o Ministério Público, o querelante e o assistente e, a seguir, o acusado poderão requerer diligências cuja necessidade se origine de circunstâncias ou fatos apurados na instrução.

No caso, a defesa deixou de se insurgir nas alegações finais e nas razões de apelação. Além disso, no habeas corpus manejado não apontou quais diligências seriam requeridas se tivesse tido oportunidade.

A suposta nulidade está preclusa, tendo em vista que não ficou demonstrado efetivo prejuízo, devendo ser aplicado o art. 563 do CPP:

Art. 563. Nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa.

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14
Q

Cabe HC contra ato de decisão de Ministro do STF que decreta prisão preventiva?

A

Não cabe pedido de habeas corpus originário para o Tribunal Pleno contra ato de Ministro ou outro órgão fracionário da Corte.

Ex: não cabe habeas corpus contra decisão de Ministro do STF que decreta a prisão preventiva de investigado ou réu.

Aplica-se, aqui, por analogia, o entendimento exposto no enunciado 606 da Súmula do STF. Súmula 606-STF: Não cabe habeas corpus originário para o Tribunal Pleno de decisão de turma, ou do plenário, proferida em habeas corpus ou no respectivo recurso. STF. Plenário. HC 162285 AgR/DF, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 19/12/2019 (Info 964) STF. Plenário. HC 170263, Rel. Edson Fachin, julgado em 22/06/2020 (Info 985 – clipping)

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15
Q

É imprescindível a instauração de PAD para aplicação de sanção por falta grave na execução penal?

A

Resumo (Atualize o Info 564-STJ)

A oitiva do condenado pelo Juízo da Execução Penal, em audiência de justificação realizada na presença do defensor e do Ministério Público, afasta a necessidade de prévio Procedimento Administrativo Disciplinar (PAD), assim como supre eventual ausência ou insuficiência de defesa técnica no PAD instaurado para apurar a prática de falta grave durante o cumprimento da pena. STF. Plenário. RE 972598, Rel. Roberto Barroso, julgado em 04/05/2020 (Repercussão Geral –Tema 941) (Info 985 – clipping).

Inteiro teor

Para que seja aplicada a sanção disciplinar, é imprescindível a prévia realização de processo administrativo disciplinar, com contraditório e ampla defesa?

O STJ entendia que sim.

O Tribunal editou até um enunciado sobre o tema:

Súmula 533-STJ: Para o reconhecimento da prática de falta disciplinar no âmbito da execução penal, é imprescindível a instauração de procedimento administrativo pelo diretor do estabelecimento prisional, assegurado o direito de defesa, a ser realizado por advogado constituído ou defensor público nomeado. Aprovada em 10/06/2015, DJe 15/06/2015.

Tese levantada pelo MP

Ocorre que o Ministério Público não se conformou com essa posição e recorreu ao STF alegando que, se o apenado é ouvido em audiência judicial na qual ele tem a possibilidade de se defender (“justificar”) da alegação de que cometeu falta grave, essa audiência já supre a necessidade de processo administrativo disciplinar. Isso porque não haveria, neste caso, prejuízo.

O STF concordou com o argumento do MP?

SIM.

O STF tem entendido que a oitiva do condenado em audiência de justificação realizada na presença do defensor e do Ministério Público afasta a necessidade de prévio Procedimento Administrativo Disciplinar (PAD), assim como supre a eventual ausência ou a insuficiência de defesa técnica no PAD.

Se a audiência de justificação foi realizada, conseguiu-se alcançar, por outro meio, a finalidade essencial que era pretendida no procedimento administrativo disciplinar. Logo, não há que se falar em inobservância dos preceitos constitucionais do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LIV e LV, da CF/88).

O procedimento judicial conta com mais e maiores garantias que o procedimento administrativo. Esta é a razão pela qual a decisão administrativa sempre pode ser revista judicialmente, prevalecendo, sempre, a decisão judicial sobre a administrativa. É o chamado “sistema de jurisdição una”.

[…]

Mas o art. 59 da LEP fala que deve ser realizado procedimento administrativo disciplinar…

Veja o estabelece o art. 59:

Art. 59. Praticada a falta disciplinar, deverá ser instaurado o procedimento para sua apuração, conforme regulamento, assegurado o direito de defesa.

O art. 59 da LEP, ao exigir a instauração de um processo administrativo disciplinar, pretendeu impedir que houvesse a imposição arbitrária de sanções pela autoridade administrativa, sem que fosse assegurado o contraditório e a ampla defesa. No entanto, esse dispositivo não impede que a apuração da falta grave ocorra em juízo, com a observância dessas garantias. Assim, a realização da audiência de justificação supre a exigência do art. 59.

E o STJ?

O STJ passou a se curvar ao entendimento do STF. Nesse sentido:

(…) 4. Comprovado que se assegurou ao paciente o regular exercício do direito de defesa, na sede da audiência de justificação realizada no caso concreto, inexiste qualquer nulidade a ser sanada, nem constrangimento ilegal a ser reparado. (…) STJ. 6ª Turma. AgRg no HC 581.854/PR, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 04/08/2020.

Isso significa que está superada – apesar de não formalmente cancelada – a Súmula 533 do STJ. Também risque dos seus materiais a Tese 4 do Jurisprudência em Teses do STJ (Ed. 7), que tem a mesma redação da Súmula 533 do STJ.

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16
Q

No caso de o usuário de drogras ser encaminhado ao juízo, imediatamente após ser flagrado pela autoridade policial portando droga para consumo, quem lavrará o termo circunstanciado e determinará a realização de exame pericial: a autoridade policial ou a judicial?

A

Resumo

O STF, interpretando os §§ 2º e 3º do art. 48 da Lei nº 11.343/2006, afirmou que o autor do crime previsto no art. 28 da Lei nº 11.343/2006 deve ser encaminhado imediatamente ao juiz e o próprio magistrado irá lavrar o termo circunstanciado e requisitar os exames e perícias necessários.

Se não houver disponibilidade do juízo competente, deve o autor ser encaminhado à autoridade policial, que então adotará essas providências (termo circunstanciado e requisição).

Não há qualquer inconstitucionalidade nessa previsão. Isso porque a lavratura de termo circunstanciado e a requisição de exames e perícias não são atividades de investigação.

Considerando-se que o termo circunstanciado não é procedimento investigativo, mas sim uma mera peça informativa com descrição detalhada do fato e as declarações do condutor do flagrante e do autor do fato, deve-se reconhecer que a possibilidade de sua lavratura pela autoridade judicial (magistrado) não ofende os §§ 1º e 4º do art. 144 da Constituição, nem interfere na imparcialidade do julgador.

As normas dos §§ 2º e 3º do art. 48 da Lei nº 11.343/2006 foram editadas em benefício do usuário de drogas, visando afastá-lo do ambiente policial, quando possível, e evitar que seja indevidamente detido pela autoridade policial. STF. Plenário. ADI 3807, Rel. Cármen Lúcia, julgado em 29/06/2020 (Info 986 – clipping).

Inteiro teor

Procedimento no caso do crime do art. 28

O crime do art. 28 da LD é infração de menor potencial ofensivo. Em razão disso, o § 1º do art. 48 da Lei nº 11.343/2006 determina que se aplica o rito dos juizados especiais, com algumas peculiaridades previstas nos §§ 2º a 5º do mesmo artigo:

Art. 48. O procedimento relativo aos processos por crimes definidos neste Título rege-se pelo disposto neste Capítulo, aplicando-se, subsidiariamente, as disposições do Código de Processo Penal e da Lei de Execução Penal.

§ 1º O agente de qualquer das condutas previstas no art. 28 desta Lei, salvo se houver concurso com os crimes previstos nos arts. 33 a 37 desta Lei, será processado e julgado na forma dos arts. 60 e seguintes da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, que dispõe sobre os Juizados Especiais Criminais. (…)

Não haverá prisão em flagrante, devendo o usuário ser levado imediatamente para audiência judicial

Um ponto importante sobre o tema é que, no caso do art. 28 da LD, não haverá prisão em flagrante, devendo o autor do fato que foi encontrado com a droga ser encaminhado imediatamente ao juízo competente.

E o que acontece se não for possível encaminhar o usuário imediatamente para a presença do juiz?

Na falta do juiz competente, o indivíduo deverá ser levado para a autoridade policial que irá:

  • lavrar um termo circunstanciado de ocorrência (TCO);
  • requisitar os exames e perícias necessárias (inclusive exame de corpo de delito);
  • colher do autor do fato o compromisso (assinatura) de que ele irá comparecer à audiência judicial quando esta for designada.

Isso está previsto nos §§ 2º e 3º do art. 48 da Lei nº 11.343/2006:

Art. 48 (…)

§ 2º Tratando-se da conduta prevista no art. 28 desta Lei, não se imporá prisão em flagrante, devendo o autor do fato ser imediatamente encaminhado ao juízo competente ou, na falta deste, assumir o compromisso de a ele comparecer, lavrando-se termo circunstanciado e providenciando-se as requisições dos exames e perícias necessários.

§ 3º Se ausente a autoridade judicial, as providências previstas no § 2º deste artigo serão tomadas de imediato pela autoridade policial, no local em que se encontrar, vedada a detenção do agente.

Depois de encerradas as providências previstas no § 2º, o agente deverá ser submetido a exame de corpo de delito, se assim requerer ou se a autoridade policial entender conveniente, e, em seguida, ser liberado:

Art. 48 (…) § 4º Concluídos os procedimentos de que trata o § 2º deste artigo, o agente será submetido a exame de corpo de delito, se o requerer ou se a autoridade de polícia judiciária entender conveniente, e em seguida liberado.

Agora que você entendeu o panorama geral, vamos voltar um pouco para o momento em que o usuário de droga é encaminhado ao juiz (§ 2º). O que o magistrado irá fazer ao receber o autor do fato? É o juiz que deverá tomar as providências previstas no § 2º do art. 48 (lavrar termo circunstanciado, requisitar perícia etc.) ou isso é uma atribuição do Delegado?

Sobre o tema, surgiram duas correntes:

Posse/porte de drogas para consumo pessoal e encaminhamento do autor do fato ao juiz Qual é o papel da autoridade judicial no caso dos §§ 2º e 3º do art. 48 da Lei nº 11.343/2006? O juiz que irá lavrar o termo circunstanciado e requisitará os exames e perícias?

1ª corrente: NÃO

Cabe sempre à autoridade POLICIAL (e não ao juiz) a lavratura do termo circunstanciado e a requisição dos exames e perícias pertinentes.

“Encontrado com droga, [o autor] deve ser levado à presença da autoridade policial, pois a esta caberá avaliar, em primeiro lugar, se é consumo pessoal ou tráfico. Entendendo tratar-se de consumo, deve ser lavrado termo circunstanciado, direcionando o usuário ao Juizado Especial Criminal, onde poderá, transacionando, receber advertência ou ser obrigado a cumprir prestação de serviço à comunidade ou frequentar cursos e programas educativos. Inexistindo JECRIM disponível na localidade ou no momento da detenção do agente, lavra-se termo circunstanciado e providencia-se os demais exames e perícias. O autor da infração, segundo a lei, deve assumir o compromisso de comparecer ao JECRIM, quando chamado.” (NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 5ª ed. São Paulo: RT, 2010, p. 401)

2ª corrente: SIM

O autor da conduta do art. 28 deve ser encaminhado diretamente à autoridade judicial, que irá lavrar o termo circunstanciado e fará a requisição dos exames e perícias necessários.

Somente se não houver juiz é que tais providências serão tomadas pelo Delegado de Polícia.

“Normalmente, o agente que se encontra em posse de droga para consumo pessoal acaba sendo capturado por agente militar ou civil (ou federal). (…) Concretizada a captura do agente (e feita a apreensão da droga ou da planta tóxica) cabe ao condutor (pessoa que efetuou a captura) levar o autor do fato (imediatamente) ao juízo competente.

(…) A nova Lei de Drogas priorizou o “juízo competente”, em detrimento da autoridade policial. Ou seja: do usuário de droga não deve se ocupar a polícia (em regra). Esse assunto configura uma questão de saúde pessoal e pública, logo, não é um fato do qual deve cuidar a autoridade policial. A lógica da Lei nova pressupõe Juizados (ou juízes) de plantão, vinte e quatro horas. Isso seria o ideal. Sabemos, entretanto, que na prática nem sempre haverá juiz (ou Juizado) de plantão. (…) Se não existe autoridade judicial de plantão, uma vez capturado o agente do fato (com drogas ou planta tóxica), será ele conduzido à presença da autoridade policial (…) que tomará as providências indicadas no § 2º” (GOMES, Luiz Flávio. Lei de Drogas comentada. 6ª ed. São Paulo: RT, 2014).

Qual foi a corrente adotada pelo STF?

A segunda.

Para a Min. Cármen Lúcia, essa segunda interpretação é a que melhor atende à finalidade dos arts. 28 e 48 da Lei nº 11.343/2006, que buscaram a despenalização do usuário de drogas.

Assim, havendo disponibilidade do juízo competente, o autor do crime previsto no art. 28 da Lei nº 11.343/2006 deve ser até ele encaminhado imediatamente, para lavratura do termo circunstanciado e requisição dos exames e perícias necessários.

Se não houver disponibilidade do juízo competente, deve o autor ser encaminhado à autoridade policial, que então adotará as providências previstas no § 2º do art. 48 da Lei n. 11.343/2006.

Com a determinação de encaminhamento imediato do usuário de drogas ao juízo competente, afasta-se qualquer possibilidade de que o usuário de drogas seja preso em flagrante ou detido indevidamente pela autoridade policial. STF. Plenário. ADI 3807, Rel. Cármen Lúcia, julgado em 29/06/2020 (Info 986 – clipping).

Essa previsão (e interpretação) dos §§ 2º e 3º do art. 48 da Lei de Drogas possui alguma inconstitucionalidade? A previsão viola de algum modo o papel do juiz no sistema acusatório considerando que ele estaria praticando atos de investigação?

NÃO. Isso porque a lavratura de termo circunstanciado e a requisição de exames e perícias não são atividades de investigação.

Logo, os §§ 2º e 3º do art. 48 da Lei nº 11.343/2006 não atribuíram ao órgão judicial competências de polícia judiciária, considerando que a lavratura de termo circunstanciado de ocorrência NÃO configura, repito, ato de investigação.

Embora substitua o inquérito policial como principal peça informativa dos processos penais que tramitam nos juizados especiais, o termo circunstanciado não é procedimento investigativo. Segundo explica Ada Pellegrini Grinover, “o termo circunstanciado (…) nada mais é do que um boletim de ocorrência mais detalhado” (GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados especiais criminais: comentários à Lei 9.099, de 26.09.1995. 5ª ed. São Paulo: RT, 2005, p. 118).

17
Q

Compete necessariamente à Justiça Federal julgar os crimes dos arts. 241, 241-A e 241-B do ECA, se as condutas forem praticadas pela internet?

A

Resumo

Redação anterior da tese do Tema 393: Compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes consistentes em disponibilizar ou adquirir material pornográfico envolvendo criança ou adolescente (arts. 241, 241-A e 241-B da Lei nº 8.069/1990) quando praticados por meio da rede mundial de computadores. STF. Plenário. RE 628624/MG, Rel. orig. Min. Marco Aurélio, Red. p/ o acórdão Min. Edson Fachin, julgado em 28 e 29/10/2015 (Repercussão Geral – Tema 393) (Info 805).

Redação atual, modificada em embargos de declaração: Compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes consistentes em disponibilizar ou adquirir material pornográfico, acessível transnacionalmente, envolvendo criança ou adolescente, quando praticados por meio da rede mundial de computadores (arts. 241, 241-A e 241-B da Lei nº 8.069/1990). STF. Plenário. RE 628624 ED, Rel. Edson Fachin, julgado em 18/08/2020 (Repercussão Geral – Tema 393) (Info 990 – clipping).

Inteiro teor:

Inciso V do art. 109 da CF/88

O art. 109 da CF/88 prevê a competência da Justiça Federal comum em 1ª instância. Veja a hipótese trazida pelo inciso V:

Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: (…)

V - os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente;

Este inciso fixa competência criminal da Justiça Federal. Consiste em competência estabelecida em função da matéria.

Requisitos para aplicação do inciso V

Para que o delito seja de competência da Justiça Federal com base neste inciso, são necessários três requisitos:

a) que o fato seja previsto como crime em tratado ou convenção;
b) que o Brasil tenha assinado tratado/convenção internacional se comprometendo a combater essa espécie de delito;
c) que exista uma relação de internacionalidade entre a conduta criminosa praticada e o resultado que foi produzido ou que deveria ter sido produzido.

Relação de internacionalidade

A relação de internacionalidade ocorre quando:

  • iniciada a execução do crime no Brasil, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro;
  • iniciada a execução do crime no estrangeiro, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no Brasil.

Desse modo, não basta que o crime esteja previsto em tratado ou convenção internacional para ser julgado pela Justiça Federal.

Exemplos

Podemos citar os seguintes exemplos de crimes que poderão ser submetidos a julgamento pela Justiça Federal com fundamento no art. 109, V, da CF/88, desde que haja relação de internacionalidade, por serem previstos em tratados internacionais:

a) tráfico transnacional de drogas (art. 70, da Lei nº 11.343/2006);
b) tráfico internacional de arma de fogo (art. 18 da Lei nº 10.826/2003);
c) envio ilegal de criança ou adolescente para o exterior (art. 239 do ECA).

Todo crime praticado pela internet é de competência da Justiça Federal com base neste inciso V?

Todo crime praticado pela internet é de competência da Justiça Federal com base neste inciso V? Obviamente que não. Segundo entendimento pacífico da jurisprudência, o fato de o delito ter sido cometido pela rede mundial de computadores não atrai, por si só, a competência da Justiça Federal.

Para que o delito cometido por meio da internet seja julgado pela Justiça Federal, é necessário que ele preencha os requisitos acima explicados

Disponibilizar ou adquirir material pornográfico envolvendo criança ou adolescente

O ECA prevê três crimes que punem a conduta de disponibilizar ou adquirir material pornográfico envolvendo criança ou adolescente. Veja:

Art. 241. Vender ou expor à venda fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente: Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.

Art. 241-A. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, distribuir, publicar ou divulgar por qualquer meio, inclusive por meio de sistema de informática ou telemático, fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente: Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa. (…)

Art. 241-B. Adquirir, possuir ou armazenar, por qualquer meio, fotografia, vídeo ou outra forma de registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente: Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. (…)

De quem será a competência para julgar esses delitos caso tenham sido praticados por meio da internet?

O STF decidiu que a competência é da Justiça Federal, com base no art. 109, V, da CF/88.

Os delitos acima listados são crimes que o Brasil, por meio de tratado internacional, comprometeu-se a reprimir. Trata-se da Convenção sobre Direitos da Criança, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, aprovada pelo Decreto Legislativo 28/90 e pelo Decreto 99.710/90.

Se o crime é praticado por meio de página na internet, o vídeo ou a fotografia envolvendo a criança ou o adolescente em cenas de sexo ou de pornografia poderão ser visualizados em qualquer computador do mundo. Ocorre, portanto, a transnacionalidade do delito.

Vale ressaltar que, tendo sido divulgado o conteúdo pedófilo por meio de alguma página da internet, isso já é suficiente para configurar a relação de internacionalidade, porque o material se tornou acessível por alguém no estrangeiro. Não é necessário que se prove que alguém no estrangeiro efetivamente tenha acessado.

A tese firmada pelo STF, na época, ficou assim redigida:

Compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes consistentes em disponibilizar ou adquirir material pornográfico envolvendo criança ou adolescente (arts. 241, 241-A e 241-B da Lei nº 8.069/1990) quando praticados por meio da rede mundial de computadores. STF. Plenário. RE 628624/MG, Rel. orig. Min. Marco Aurélio, Red. p/ o acórdão Min. Edson Fachin, julgado em 28 e 29/10/2015 (Repercussão Geral – Tema 393) (Info 805).

Embargos de declaração

O Ministério Público Federal opôs embargos de declaração alegando contradição entre a redação da tese e o que foi decidido no acórdão. Isso porque a argumentação do voto falou que, para ser da competência da Justiça Federal, é indispensável que haja transnacionalidade. No entanto, na tese aprovada foi suprimida a locução “acessível transnacionalmente” que exprimia essa exigência.

Diante disso, o MPF argumentou que a falta dessa expressão poderia gerar o “indevido alargamento da competência da justiça federal”.

O que decidiu o STF?

O STF deu provimento aos embargos para alterar a redação da tese, incluindo a expressão “acessível transnacionalmente”. A nova tese ficou assim:

Compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes consistentes em disponibilizar ou adquirir material pornográfico, acessível transnacionalmente, envolvendo criança ou adolescente, quando praticados por meio da rede mundial de computadores (arts. 241, 241-A e 241-B da Lei nº 8.069/1990). STF. Plenário. RE 628624 ED, Rel. Edson Fachin, julgado em 18/08/2020 (Repercussão Geral – Tema 393) (Info 990 – clipping).

Esse esclarecimento foi necessário para se afastar a interpretação de que a competência da Justiça Federal abarcaria a comunicação eletrônica havida entre particulares em canais fechados dentro do território nacional.

Assim, não haverá, em princípio, competência da Justiça Federal quando o panorama fático revelar que houve apenas comunicação eletrônica entre particulares em canal de comunicação fechado, como, por exemplo, no caso de uma troca de e-mails ou em conversas privadas entre pessoas situadas no Brasil.

Em tais hipóteses, ficando demonstrado que o conteúdo permaneceu enclausurado (restrito) entre os participantes da conversa virtual, bem como que os envolvidos se conectaram por meio de computadores instalados em território nacional, não há que se cogitar na internacionalidade do resultado e, portanto, nem mesmo de que a competência seria da Justiça Federal.

Intepretação dada pelo STJ à tese fixada pelo STF no RE 628624/MG

Mesmo antes da alteração acima explicada, o STJ, interpretando a tese do STF, já estava decidindo que que, nos casos em que o crime é praticado por meio de troca de informações privadas, como nas conversas via Whatsapp ou por meio de chat na rede social Facebook, a competência será da Justiça ESTADUAL.

As conversas via Whatsapp ou chat do Facebook precisam de internet para acontecer. No entanto, nestes casos, a comunicação ocorre entre pessoas específicas, escolhidas pelo emissor da mensagem. Trata-se, portanto, de uma troca de informações privadas que não estão acessíveis a qualquer pessoa.

Diante disso, nestas hipóteses, não há competência da Justiça Federal porque a postagem de conteúdo pedófilo-pornográfico não foi feita em um ambiente propício ao livre acesso. Confira:

(…) 1. Conforme a orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal, em repercussão geral, no julgamento do RE n. 628.624/MG, a internacionalidade do delito exige, primeiro, que a publicação do material pornográfico tenha sido em “ambiência virtual de sítios de amplo e fácil acesso a qualquer sujeito, em qualquer parte do planeta, que esteja conectado à internet”, mas não só isso, é preciso também que “o material pornográfico envolvendo crianças ou adolescentes tenha estado acessível por alguém no estrangeiro, ainda que não haja evidências de que esse acesso realmente ocorreu.” (RE 628.624, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 29/10/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-062 DIVULG 05-04-2016 PUBLIC 06-04-2016).

  1. As instâncias ordinárias enfatizaram a inexistência de indícios de transnacionalidade do delito, com fulcro no laudo da Polícia Federal, frisando que a conduta limitou-se à troca de imagens entre pessoas residentes no Brasil por meio de conversa privada via e-mail. Assim, não há como acolher a tese de incompetência da Justiça Estadual. 3. Recurso em habeas corpus não provido. STJ. 5ª Turma. RHC 125.440/SE, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 09/06/2020.
18
Q

É lícita a prova decorrente da abertura de correspondência pelo Correio?

A

Resumo

Não é lícita a prova obtida por meio de abertura de carta, telegrama ou qualquer encomenda postada nos Correios, ante a inviolabilidade do sigilo das correspondências

Sem autorização judicial ou fora das hipóteses legais, é ilícita a prova obtida mediante abertura de carta, telegrama, pacote ou meio análogo. STF. Plenário. RE 1116949, Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. p/ Acórdão Min. Edson Fachin, julgado em 18/08/2020 (Repercussão Geral – Tema 1041) (Info 993).

Inteiro teor:

Imagine a seguinte situação hipotética:

João foi até uma agência dos Correios e contratou o envio de um pacote (uma caixa) como Sedex.

Horas depois, os funcionários responsáveis pela triagem desconfiaram do peso e do suposto conteúdo da embalagem, razão pela qual decidiram abri-la, ocasião em que constataram a existência de 36 frascos com líquido transparente. Submetido o material a perícia, verificou-se que se tratava de substância proibida, classificada como droga.

O pacote foi aberto sem autorização do remetente ou do Poder Judiciário. A prova obtida a partir disso é lícita? Essa prova poderá ser utilizada para condenar João?

Antes de responder a pergunta, é necessário fazer algumas considerações sobre o tema.

Sigilo da correspondência

A análise do caso envolve a interpretação do art. 5º, XII, da Constituição Federal que prevê o seguinte:

Art. 5º (…) XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;

A posição que prevalece no STF é a de que é possível a abertura de carta, telegrama, pacote ou meio análogo em duas situações:

a) quando houver prévia autorização judicial;
b) nas hipóteses em que a lei autoriza que os agentes públicos abram a correspondência. Neste caso, não é necessária autorização judicial porque se considera que, em razão da natureza do serviço, não há violação do sigilo.

Existe alguma lei que trate sobre o tema e preveja essas hipóteses?

SIM. O tema é tratado no art. 10 da Lei nº 6.538/78 (Leis dos Serviços Postais):

Art. 10. Não constitui violação de sigilo da correspondência postal a abertura de carta:

I - endereçada a homônimo, no mesmo endereço;

II - que apresente indícios de conter objeto sujeito a pagamento de tributos;

III - que apresente indícios de conter valor não declarado, objeto ou substância de expedição, uso ou entrega proibidos;

IV - que deva ser inutilizada, na forma prevista em regulamento, em virtude de impossibilidade de sua entrega e restituição.

Parágrafo único. Nos casos dos incisos II e III a abertura será feita obrigatoriamente na presença do remetente ou do destinatário.

As hipóteses de abertura de carta contempladas nesse artigo visam assegurar o funcionamento regular dos Correios.

Vale ressaltar que, mesmo tendo sido editado em 1978, considera-se que esse art. 10 da Lei nº 6.538/78 foi recepcionado pela CF/88. Isso porque a garantia do sigilo de correspondência já estava prevista na Constituição anterior com texto semelhante à Carta atual.

As hipóteses legais que autorizam a abertura das correspondências precisam ser proporcionais

As hipóteses previstas na lei como autorizadoras da violação das correspondências, para serem legítimas, precisam atender a um fim legítimo e que seja necessário em uma sociedade democrática.

Em outras palavras, exige-se que a restrição obedeça a um rígido teste de proporcionalidade.

Votos divergentes

Pela relevância do tema, acho importante mencionar também as posições dos Ministros que ficaram vencidos:

  • Min. Marco Aurélio: defendia a tese de que não é possível, em nenhuma hipótese, a abertura de carta, telegrama, pacote etc. sem prévia autorização judicial.
  • Min. Alexandre de Moraes: sustentava que seria possível a abertura da correspondência, mesmo sem autorização judicial, quando houvesse fundados indícios da prática de atividades ilícitas.

Voltando ao caso concreto. Essa prova poderá ser utilizada para condenar João?

NÃO. A hipótese até poderia se enquadrar no inciso III do art. 10 da Lei nº 6.538/78:

Art. 10. Não constitui violação de sigilo da correspondência postal a abertura de carta:

(…) III - que apresente indícios de conter valor não declarado, objeto ou substância de expedição, uso ou entrega proibidos;

No entanto, no caso concreto, os funcionários dos Correios deveriam ter seguido o procedimento previsto no parágrafo único do art. 10 e precisariam ter aberto a encomenda na presença do remetente ou do destinatário:

Art. 10 (…) Parágrafo único. Nos casos dos incisos II e III a abertura será feita obrigatoriamente na presença do remetente ou do destinatário.

Logo, como não foi cumprida a cautela legal, a prova foi considerada ilícita.

19
Q

Cabe apelação com fundamento no art. 593, III, “d”, do CPP (decisão manifestamente contrária à prova dos autos) se o júri absolver o réu?

A

Cabe apelação com fundamento no art. 593, III, “d”, do CPP (decisão manifestamente contrária à prova dos autos) se o júri absolver o réu?

STJ: SIM (posição pacífica).

STF: NÃO (posição majoritária).]

A 3ª Seção do STJ firmou o entendimento de que a anulação da decisão absolutória do Conselho de Sentença (ainda que por clemência), manifestamente contrária à prova dos autos, segundo o Tribunal de Justiça, por ocasião do exame do recurso de apelação interposto pelo Ministério Público (art. 593, III, “d”, do CPP), não viola a soberania dos veredictos. STJ. 5ª Turma. HC 560.668/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 18/08/2020.

A absolvição do réu, ante resposta a quesito genérico de absolvição previsto no art. 483, § 2º, do CPP, não depende de elementos probatórios ou de teses veiculadas pela defesa. Isso porque vigora a livre convicção dos jurados.

Em razão da norma constitucional que consagra a soberania dos veredictos, a sentença absolutória de Tribunal do Júri, fundada no quesito genérico de absolvição, não implica nulidade da decisão a ensejar apelação da acusação. Os jurados podem absolver o réu com base na livre convicção e independentemente das teses veiculadas, considerados elementos não jurídicos e extraprocessuais. STF. 1ª Turma. HC 178777/MG, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 29/9/2020 (Info 993).

Na reforma legislativa de 2008, alterou-se substancialmente o procedimento do júri, inclusive a sistemática de quesitação aos jurados. Inseriu-se um quesito genérico e obrigatório, em que se pergunta ao julgador leigo: “O jurado absolve o acusado?” (art. 483, III e §2º, CPP). Ou seja, o Júri pode absolver o réu sem qualquer especificação e sem necessidade de motivação.

Considerando o quesito genérico e a desnecessidade de motivação na decisão dos jurados, configura-se a possibilidade de absolvição por clemência, ou seja, mesmo em contrariedade manifesta à prova dos autos. Se ao responder o quesito genérico o jurado pode absolver o réu sem especificar os motivos, e, assim, por qualquer fundamento, não há absolvição com tal embasamento que possa ser considerada “manifestamente contrária à prova dos autos”.

Limitação ao recurso da acusação com base no art. 593, III, “d”, CPP, se a absolvição tiver como fundamento o quesito genérico (art. 483, III e §2º, CPP). Inexistência de violação à paridade de armas. Presunção de inocência como orientação da estrutura do processo penal. Inexistência de violação ao direito ao recurso (art. 8.2.h, CADH). Possibilidade de restrição do recurso acusatório. STF. 2ª Turma. HC 185068, Rel. Celso de Mello, Relator p/ Acórdão Gilmar Mendes, julgado em 20/10/2020.

Inteiro teor

Vale ressaltar, no entanto, que existem Ministros que já se manifestaram contrariamente a essa tese: Luiz Fux, Alexandre de Moraes, Roberto Barroso, Edson Fachin e Cármen Lúcia.

Repercussão Geral – Tema 1087

Vale ressaltar que a questão será pacificada quando o STF julgar o ARE 1225185 RG, submetido ao regime da repercussão geral. Trata-se do Tema 1087: Possibilidade de Tribunal de 2º grau, diante da soberania dos veredictos do Tribunal do Júri, determinar a realização de novo júri em julgamento de recurso interposto contra absolvição assentada no quesito genérico, ante suposta contrariedade à prova dos autos.

A definição quanto ao tema dependerá da posição que será adotada pelo Min. Nunes Marques e pelo julgador que suceder o Min. Marco Aurélio quando de sua aposentadoria.

Atualizar o Info 969 do STF

No Info 969, foi divulgada decisão em sentido contrário ao explicado acima: A anulação de decisão do tribunal do júri, por ser manifestamente contrária à prova dos autos, não viola a regra constitucional que assegura a soberania dos veredictos do júri (art. 5º, XXXVIII, c, da CF/88). Vale ressaltar, ainda, que não há contrariedade à cláusula de que ninguém pode ser julgado mais de uma vez pelo mesmo crime. Ainda que se forme um segundo Conselho de Sentença, o julgamento é um só, e termina com o trânsito em julgado da decisão.

A mudança de entendimento se deve à alteração na composição do colegiado, em razão da saída do Min. Luiz Fux para a Presidência da Corte e do ingresso do Min. Dias Toffoli na 1ª Turma.

O Min. Luiz Fux votava pela possibilidade da apelação, enquanto o Min. Dias Toffoli entende que deve prevalecer a soberania dos veredictos.

20
Q

A audiência de custódia constitui direito público subjetivo, de caráter fundamental. O que acontece se, injustificadamente, não for realizada a audiência de custódia? Na audiência de custódia, o juiz pode converter de ofício a prisão em flagrante em prisão preventiva?

A

Resumo

A audiência de custódia constitui direito público subjetivo, de caráter fundamental

A audiência de custódia (ou de apresentação) constitui direito público subjetivo, de caráter fundamental, assegurado por convenções internacionais de direitos humanos a que o Estado brasileiro aderiu, já incorporadas ao direito positivo interno (Convenção Americana de Direitos Humanos e Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos). Traduz prerrogativa não suprimível assegurada a qualquer pessoa. Sua imprescindibilidade tem o beneplácito do magistério jurisprudencial (ADPF 347 MC) e do ordenamento positivo doméstico (Lei nº 13.964/2019 e Resolução 213/2015 do CNJ). STF. HC 188888/MG, Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 6/10/2020 (Info 994).

O que acontece se, injustificadamente, não for realizada a audiência de custódia?

A ausência da realização da audiência de custódia qualifica-se como causa geradora da ilegalidade da própria prisão em flagrante, com o consequente relaxamento da privação cautelar da liberdade.

Se o magistrado deixar de realizar a audiência de custódia e não apresentar uma motivação idônea para essa conduta, ele estará sujeito à tríplice responsabilidade, nos termos do art. 310, § 3º do CPP. STF. HC 188888/MG, Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 6/10/2020 (Info 994).

Depois da Lei nº 13.964/2019 (Pacote Anticrime), não é mais possível que o juiz, de ofício, converta a prisão em flagrante em prisão preventiva (é indispensável requerimento)

Não é possível a decretação “ex officio” de prisão preventiva em qualquer situação (em juízo ou no curso de investigação penal), inclusive no contexto de audiência de custódia, sem que haja, mesmo na hipótese da conversão a que se refere o art. 310, II, do CPP, prévia, necessária e indispensável provocação do Ministério Público ou da autoridade policial. A Lei nº 13.964/2019, ao suprimir a expressão “de ofício” que constava do art. 282, § 2º, e do art. 311, ambos do CPP, vedou, de forma absoluta, a decretação da prisão preventiva sem o prévio requerimento das partes ou representação da autoridade policial.

Logo, não é mais possível, com base no ordenamento jurídico vigente, a atuação ‘ex officio’ do Juízo processante em tema de privação cautelar da liberdade.

A interpretação do art. 310, II, do CPP deve ser realizada à luz do art. 282, § 2º e do art. 311, significando que se tornou inviável, mesmo no contexto da audiência de custódia, a conversão, de ofício, da prisão em flagrante de qualquer pessoa em prisão preventiva, sendo necessária, por isso mesmo, para tal efeito, anterior e formal provocação do Ministério Público, da autoridade policial ou, quando for o caso, do querelante ou do assistente do MP. STJ. 5ª Turma. HC 590039/GO, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 20/10/2020. STF. HC 188888/MG, Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 6/10/2020 (Info 994).

Inteiro teor

Ocorre que a Lei nº 13.964/2019 revogou os trechos do CPP que previam a possibilidade de decretação da prisão preventiva ex officio. Veja:

Antes da Lei 13.964/2019

Art. 282. (…) § 2º As medidas cautelares serão decretadas pelo juiz, de ofício ou a requerimento das partes ou, quando no curso da investigação criminal, por representação da autoridade policial ou mediante requerimento do Ministério Público.

ATUALMENTE

Art. 282. (…) § 2º As medidas cautelares serão decretadas pelo juiz a requerimento das partes ou, quando no curso da investigação criminal, por representação da autoridade policial ou mediante requerimento do Ministério Público.

Conclusões:

Antes da Lei nº 13.964/2019, o juiz podia conceder medidas cautelares de ofício?

Com base na redação anterior do art. 282, § 2º do CPP, a posição majoritária era a seguinte:

  • Na fase do inquérito policial: NÃO. Aqui era necessário pedido ou requerimento. Exceção: conversão do flagrante em prisão preventiva.
  • Na fase judicial: SIM. O § 2º do art. 282 afirmava isso expressamente.

Após a Lei nº 13.964/2019, o juiz pode conceder medidas cautelares de ofício?

NÃO. A Lei alterou a redação do § 2º do art. 282 do CPP e acabou com a possibilidade.

Antes da Lei 13.964/2019

Art. 311. Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, de ofício, se no curso da ação penal, ou a requerimento do Ministério Público, do querelante ou doassistente, ou por representação da autoridade policial.

ATUALMENTE

Art. 311. Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial.

Conclusão: foi excluída expressamente a possibilidade que existia antes de que o juiz decretasse a prisão preventiva de ofício (sem requerimento).

E o art. 310 do CPP, foi alterado pelo Pacote Anticrime?

Apenas o caput, para deixar clara a indispensabilidade da realização da audiência de custódia. Confira:

Antes da Lei 13.964/2019

Art. 310. Ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deverá fundamentadamente: (…)

II - converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou

ATUALMENTE

Art. 310. Após receber o auto de prisão em flagrante, no prazo máximo de até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão, o juiz deverá promover audiência de custódia com a presença do acusado, seu advogado constituído ou membro da Defensoria Pública e o membro do Ministério Público, e, nessa audiência, o juiz deverá, fundamentadamente: (…)

II - converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou

Conclusão: o caput do art. 310 foi alterado para incluir, no texto do CPP, a obrigatoriedade da audiência de custódia. O inciso II não foi modificado.

21
Q

O descumprimento da regra do parágrafo único do art. 316 do CPP gera, para o preso, o direito de ser posto imediatamente em liberdade?

A

Resumo

A inobservância do prazo nonagesimal do art. 316 do Código de Processo Penal não implica automática revogação da prisão preventiva, devendo o juízo competente ser instado a reavaliar a legalidade e a atualidade de seus fundamentos. STF. Plenário. SL 1395 MC Ref/SP, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 14 e 15/10/2020 (Info 995)

Inteiro teor

Revisão periódica da necessidade da prisão preventiva

A prisão preventiva é decretada sem prazo determinado. Contudo, a Lei nº 13.964/2019 (Pacote Anticrime) alterou o CPP para impor a obrigação de que o juízo que ordenou a custódia, a cada 90 dias, proferira uma nova decisão analisando se ainda está presente a necessidade da medida.

Trata-se do novo parágrafo único do art. 316 do CPP:

Antes da Lei 13.964/2019

Art. 316. O juiz poderá revogar a prisão preventiva se, no correr do processo, verificar a falta de motivo para que subsista, bem como de novo decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem.

Não havia parágrafo único do art. 316.

ATUALMENTE

Art. 316. O juiz poderá, de ofício ou a pedido das partes, revogar a prisão preventiva se, no correr da investigação ou do processo, verificar a falta de motivo para que ela subsista, bem como novamente decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem.

Parágrafo único. Decretada a prisão preventiva, deverá o órgão emissor da decisão revisar a necessidade de sua manutenção a cada 90 (noventa) dias, mediante decisão fundamentada, de ofício, sob pena de tornar a prisão ilegal.

Imagine agora a seguinte situação hipotética:

O juiz decretou a prisão preventiva do réu. Passaram-se os 90 dias e o magistrado não proferiu nova decisão analisando a necessidade, ou não, de manutenção da custódia cautelar. Diante disso, a defesa impetrou habeas corpus afirmando que a prisão se tornou ilegal, conforme prevê expressamente a parte final do dispositivo. Isso significa que o réu deverá, obrigatoriamente, ser colocado em liberdade?

O descumprimento da regra do parágrafo único do art. 316 do CPP gera, para o preso, o direito de ser posto imediatamente em liberdade?

NÃO. A inobservância do prazo de 90 dias do parágrafo único do art. 316 do CPP não implica automática revogação da prisão preventiva.

O art. 316, parágrafo único, do CPP insere-se em um sistema, que deve ser interpretado harmonicamente, sob pena de se produzirem incongruências deletérias à processualística e à efetividade da ordem penal.

O parágrafo único precisa ser interpretado em conjunto com o caput. Logo, para que o indivíduo seja colocado em liberdade, o juiz precisa fundamentar a decisão na insubsistência dos motivos que determinaram a decretação da prisão preventiva, e não no mero decurso de prazos processuais.

O simples fato de ter passado o prazo não significa que a prisão se tornou ilegal

O Supremo Tribunal Federal não concorda com interpretações que associam, automaticamente, o excesso de prazo ao constrangimento ilegal da liberdade. Isso porque:

a) deve-se analisar a razoabilidade concreta da duração do processo, aferida à luz da complexidade de cada caso, considerados os recursos interpostos, a pluralidade de réus, crimes, testemunhas a serem ouvidas, provas periciais a serem produzidas etc.;
b) a Constituição Federal impõe o dever de motivação das decisões judiciais (art. 93, IX), que devem sempre se reportar às circunstâncias específicas dos casos concretos submetidos a julgamento, e não apenas aos textos abstratos das leis.

À luz desta compreensão jurisprudencial, o disposto no art. 316, parágrafo único, do CPP não conduz à revogação automática da prisão preventiva.

O que o dispositivo exige é uma fundamentação periódica

Ao estabelecer que “Decretada a prisão preventiva, deverá o órgão emissor da decisão revisar a necessidade de sua manutenção a cada 90 (noventa) dias, mediante decisão fundamentada, de ofício, sob pena de tornar a prisão ilegal”, o dispositivo não determina a revogação da prisão preventiva, mas apenas a necessidade de fundamentá-la periodicamente.

Não se trata de prazo prisional, mas sim prazo para prolação da decisão judicial

O parágrafo único do art. 316 não fala em prorrogação da prisão preventiva, não determina a renovação do título cautelar. Apenas dispõe sobre a necessidade de revisão dos fundamentos da sua manutenção.

Logo, não se trata de prazo prisional, mas sim de prazo fixado para a prolação de decisão judicial.

Desse modo, a ilegalidade decorrente da falta de revisão a cada 90 dias não produz o efeito automático da soltura, porque a liberdade, à luz do caput do dispositivo, somente é possível mediante decisão fundamentada do órgão julgador, no sentido da ausência dos motivos autorizadores da cautela, e não do mero transcorrer do tempo.

22
Q

Pais responsáveis por filhos menores de 12 anos tem direito à prisão preventiva domiciliar?

A

Tem direito à substituição da prisão preventiva pela prisão domiciliar — desde que observados os requisitos do art. 318 do Código de Processo Penal e não praticados crimes mediante violência ou grave ameaça ou contra os próprios filhos ou dependentes — os pais, caso sejam os únicos responsáveis pelos cuidados de menor de 12 anos ou de pessoa com deficiência, bem como outras pessoas presas, que não sejam a mãe ou o pai, se forem imprescindíveis aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 anos ou com deficiência. STF. 2ª Turma. HC 165704/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 20/10/2020 (Info 996).

Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for: (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).

I - maior de 80 (oitenta) anos; (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).

II - extremamente debilitado por motivo de doença grave; (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).

III - imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência; (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).

IV - gestante; (Redação dada pela Lei nº 13.257, de 2016)

V - mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos; (Incluído pela Lei nº 13.257, de 2016)

VI - homem, caso seja o único responsável pelos cuidados do filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos. (Incluído pela Lei nº 13.257, de 2016)

Parágrafo único. Para a substituição, o juiz exigirá prova idônea dos requisitos estabelecidos neste artigo.