Jurisprudência STJ 2020 Flashcards
Se, na sentença condenatória, não foi reconhecida a reincidência do réu, poderá o juízo da execução penal reconhecer essa circunstância, depois, para fins de conceder ou não os benefícios, como, por exemplo, a progressão de regime?
Resumo
Suponhamos que na sentença condenatória não constou que o apenado é reincidente. O juízo da execução, contudo, na fase de cumprimento da pena, percebeu que o condenado é reincidente. O juízo da execução penal poderá reconhecer essa circunstância negativa no momento de analisar se concede ou não os benefícios (ex: progressão).
O Juízo da Execução pode promover a retificação do atestado de pena para constar a reincidência, com todos os consectários daí decorrentes, ainda que não esteja reconhecida expressamente na sentença penal condenatória transitada em julgado. STJ. 3ª Seção. EREsp 1.738.968-MG, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 27/11/2019 (Info 662).
Inteiro teor
[…]
O juízo da execução penal poderá determinar a retificação do atestado de pena e considerar, para todos os efeitos, que o condenado é reincidente mesmo isso não tendo constado expressamente na sentença?
SIM.
Na condução da execução penal, o magistrado deverá fazer cumprir aquilo que consta na sentença (título executivo penal) a respeito do quantum da pena, do regime inicial, bem como do fato de ter sido a pena privativa de liberdade substituída ou não por restritiva de direitos.
Por outro lado, as condições pessoais do condenado, como, por exemplo, a reincidência, podem e devem ser analisadas pelo juízo da execução penal, independentemente de tal condição ter sido considerada na sentença condenatória. Isso porque é também atribuição do juízo da execução individualizar a pena.
Conforme explica a doutrina:
“A individualização da pena no processo de conhecimento visa aferir e quantificar a culpa exteriorizada no fato passado. A individualização no processo de execução visa propiciar oportunidade para o livre desenvolvimento presente e efetivar a mínima dessocialização possível. Daí caber à autoridade judicial adequar a pena às condições pessoais do sentenciado.” (BARROS, Carmen Silvia de Moraes. A Individualização da Pena na Execução Penal. São Paulo: RT, 2001, p. 23).
A individualização da pena se realiza, essencialmente, em três momentos:
a) na cominação da pena em abstrato ao tipo legal, pelo Legislador;
b) na sentença penal condenatória, pelo Juízo de conhecimento; e
c) na execução penal, pelo Juízo das Execuções.
O reconhecimento da reincidência apenas pelo juízo da execução penal representaria reformatio in pejus ou afronta à coisa julgada?
NÃO. Isso porque não há desrespeito ao comando da sentença considerando que não haverá o agravamento da pena estabelecida no título executivo nem modificação do regime inicial para um mais severo.
O reconhecimento da reincidência ocorrerá para fins de progressão de regime, livramento condicional e outros institutos diretamente ligados à execução penal e que não são tratados na sentença condenatória.
O reconhecimento da reincidência no processo de conhecimento possui fins específicos, quais sejam, agravar a pena e trazer mais rigor ao regime prisional inicial.
O reconhecimento da reincidência no processo de execução tem outras finalidades, que estão diretamente relacionadas com os benefícios do cumprimento da pena.
Assim, a intangibilidade da sentença penal condenatória transitada em julgado não retira do Juízo das Execuções Penais o dever de adequar o cumprimento da sanção penal às condições pessoais do réu.
A competência para julgar estelionato que ocorre mediante depósito ou transferência bancária é de que foro?
Na hipótese em que o estelionato se dá mediante vantagem indevida, auferida mediante o depósito em favor de conta bancária de terceiro, a competência deverá ser declarada em favor do juízo no qual se situa a conta favorecida.
No caso em que a vítima, induzida em erro, efetuou depósito em dinheiro e/ou transferência bancária para a conta de terceiro (estelionatário), a obtenção da vantagem ilícita ocorreu quando o estelionatário se apossou do dinheiro, ou seja, no momento em a quantia foi depositada em sua conta. STJ. 3ª Seção. CC 167.025/RS, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 14/08/2019. STJ. 3ª Seção. CC 169.053-DF, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 11/12/2019 (Info 663).
Não confundir:
- estelionato que ocorre por meio do saque (ou compensação) de cheque clonado, adulterado ou falsificado: a competência é do local onde a vítima possui a conta bancária. Isso porque, nesta hipótese, o local da obtenção da vantagem ilícita é aquele em que se situa a agência bancária onde foi sacado o cheque adulterado, ou seja, onde a vítima possui conta bancária. Aplica-se o raciocínio da súmula 48 do STJ (Compete ao juízo do local da obtenção da vantagem ilícita processar e julgar crime de estelionato cometido mediante falsificação de cheque.)
- estelionato que ocorre quando a vítima, induzida em erro, se dispõe a fazer depósitos ou transferências bancárias para a conta de terceiro (estelionatário): a competência é do local onde o estelionatário possui a conta bancária. Isso porque, neste caso, a obtenção da vantagem ilícita ocorre quando o estelionatário efetivamente se apossa do dinheiro, ou seja, no momento em que ele é depositado em sua conta.
Inteiro teor
Nos termos do art. 70 do CPP, a competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumou a infração e o estelionato, crime tipificado no art. 171 do CP, que consuma-se no local e momento em que é auferida a vantagem ilícita.
O prejuízo alheio, apesar de fazer parte do tipo penal, está relacionado à consequência do crime de estelionato e não à conduta propriamente.
O núcleo do tipo penal é obter vantagem ilícita, razão pela qual a consumação se dá no momento em que os valores entram na esfera de disponibilidade do autor do crime, o que somente ocorre quando o dinheiro ingressa efetivamente em sua conta corrente.
Cuidado com o Jurisprudência em Teses
A tese 9 do Jurisprudência em Teses nº 84 do STJ afirma o seguinte:
9) O delito de estelionato é consumado no local em que se verifica o prejuízo à vítima.
Cuidado porque essa tese não pode ser tomada de forma absoluta e não se aplica, por exemplo, para a hipótese acima explicada. Assim, no caso de estelionato que ocorre quando a vítima, induzida em erro, se dispõe a fazer depósitos ou transferências bancárias para a conta de terceiro (estelionatário): a competência é do local onde o estelionatário possui a conta bancária.
Admite-se a realização de audiência de custódia por meio de videoconferência?
Resumo
A audiência de custódia, no caso de mandado de prisão preventiva cumprido fora do âmbito territorial da jurisdição do Juízo que a determinou, deve ser efetivada por meio da condução do preso à autoridade judicial competente na localidade em que ocorreu a prisão. Não se admite, por ausência de previsão legal, a sua realização por meio de videoconferência, ainda que pelo Juízo que decretou a custódia cautelar. STJ. 3ª Seção. CC 168.522-PR, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 11/12/2019 (Info 663).
Inteiro teor
[…]
A audiência de custódia deve ser realizada apenas em casos de prisão em flagrante ou também nas demais espécies de prisão (exs: prisão preventiva, prisão temporária etc)?
Também nas demais espécies. Nesse sentido, veja o que diz o art. 13 da Resolução 213/2015 do CNJ:
Art. 13. A apresentação à autoridade judicial no prazo de 24 horas também será assegurada às pessoas presas em decorrência de cumprimento de mandados de prisão cautelar ou definitiva, aplicando-se, no que couber, os procedimentos previstos nesta Resolução.
Parágrafo único. Todos os mandados de prisão deverão conter, expressamente, a determinação para que, no momento de seu cumprimento, a pessoa presa seja imediatamente apresentada à autoridade judicial que determinou a expedição da ordem de custódia ou, nos casos em que forem cumpridos fora da jurisdição do juiz processante, à autoridade judicial competente, conforme lei de organização judiciária local.
A nova redação o art. 287 do CPP, dada pela Lei nº 13.964/2019, também indica que não apenas a prisão em flagrante, mas também as prisões decorrentes de mandado (ex: prisão preventiva) ensejam a realização de audiência de custódia. Veja:
Art. 287. Se a infração for inafiançável, a falta de exibição do mandado não obstará a prisão, e o preso, em tal caso, será imediatamente apresentado ao juiz que tiver expedido o mandado, para a realização de audiência de custódia.
Imagine agora a seguinte situação hipotética:
O Juízo Federal da 4ª Vara de Guarulhos decretou a prisão preventiva de João.
O cumprimento do mandado de prisão ocorreu na cidade de Curitiba/PR, sendo o preso levado para a Superintendência da Polícia Federal no Paraná.
O Juízo Federal da 4ª Vara de Guarulhos foi informado de que houve a prisão. Ele, então, expediu carta precatória para que um dos Juízes Federais de Curitiba fizesse a audiência de custódia.
A carta precatória foi distribuída para o Juízo Federal da 2ª Vara de Curitiba, que se declarou incompetente para a realização do ato por entender que a audiência de custódia poderia ser realizada pelo Juízo Deprecante (Juízo Federal da 4ª Vara de Guarulhos) por meio de videoconferência.
O Juízo Federal da 4ª Vara de Guarulhos não concordou com a providência, razão pela qual ficou configurado conflito negativo de competência, a ser resolvido pelo STJ (art. 105, I, “d”, da CF/88).
O STJ concordou com o argumento do Juízo Federal de Curitiba? A audiência deverá ser realizada por videoconferência?
NÃO.
A Resolução nº 213 do CNJ é clara ao estabelecer que, no caso de cumprimento de mandado de prisão fora da jurisdição do Juiz que a determinou, a apresentação do preso, para a audiência de custódia, deve ser feita à autoridade competente na localidade em que ocorreu a prisão, de acordo com a Lei de Organização Judiciária local.
Uma das finalidades precípuas da audiência de custódia é verificar se houve respeito aos direitos e garantias constitucionais da pessoa presa. Esse exame precisa ser feito pelo magistrado com jurisdição na localidade em que ocorreu a prisão. É essa autoridade judicial que tem competência para tomar medidas para resguardar a integridade do preso, bem assim de fazer cessar agressões aos seus direitos fundamentais, e também determinar a apuração das responsabilidades, caso haja relato de que houve prática de torturas e maus tratos.
Justamente por isso, a realização por videoconferência atenta contra ratio essendi (razão de ser) da audiência de custódia.
Outro motivo apontado pelo STJ foi a ausência de previsão legal. Assim, também porque não há previsão legal de audiência de custódia por meio de videoconferência, compete a sua realização ao Juízo com jurisdição na localidade em que se deu o cumprimento do mandado de prisão preventiva.
[…]
Lei nº 13.964/2019
Vale ressaltar que o caso acima foi analisado antes da Lei nº 13.964/2019. No entanto, penso que a solução seria a mesma porque essa Lei não disciplinou o tema de forma diferente da Resolução do CNJ, que continuará a ser aplicada para os casos omissos do CPP.
Onde deve ocorrer a audiência de custódia de autoridade com foro por prerrogativa de função?
No caso de prisão em flagrante delito da competência originária de Tribunal, a apresentação do preso poderá ser feita a um juiz que o Presidente do Tribunal ou Relator designar para esse fim.
Se o preso estiver internado ou impossibilitado de comparecer à audiência de custódia, o que o juiz deve fazer?
Estando a pessoa presa acometida de grave enfermidade, ou havendo circunstância comprovadamente excepcional que a impossibilite de ser apresentada ao juiz no prazo do caput, deverá ser assegurada a realização da audiência no local em que ela se encontre e, nos casos em que o deslocamento se mostre inviável, deverá ser providenciada a condução para a audiência de custódia imediatamente após restabelecida sua condição de saúde ou de apresentação.
Quem participa da audiência? Os agentes policiais que realizaram a prisão participam?
A audiência de custódia será realizada na presença do Ministério Público e da Defensoria Pública, caso a pessoa detida não possua defensor constituído. É vedada a presença dos agentes policiais responsáveis pela prisão ou pela investigação durante a audiência de custódia (IMPORTANTE).
(Cespe – Defensor Público – DPE – DF/2019 – adaptada) Na audiência de custódia, caso não tenha advogado particular, o preso poderá contar com a assistência de defensor público, que acompanhará o ato na presença do juiz, do promotor de justiça, do secretário de audiência e dos policiais que promoveram a prisão. (ERRADO)
Se a pessoa presa em flagrante delito constituir advogado até o término da lavratura do auto de prisão em flagrante, o Delegado de polícia deverá notificá-lo, pelos meios mais comuns, tais como correio eletrônico, telefone ou mensagem de texto, para que compareça à audiência de custódia.
O que o juiz deverá perguntar e fazer durante a audiência de custódia? Ele pode formular perguntas que ajudem a esclarecer o caso criminal a ser posteriormente examinado na ação própria?
Na audiência de custódia, a autoridade judicial entrevistará a pessoa presa em flagrante, devendo:
1) esclarecer o que é a audiência de custódia, ressaltando as questões a serem analisadas pela autoridade judicial;
2) assegurar que a pessoa presa não esteja algemada, salvo em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, devendo a excepcionalidade ser justificada por escrito;
3) dar ciência sobre seu direito de permanecer em silêncio;
4) questionar se lhe foi dada ciência e efetiva oportunidade de exercício dos direitos constitucionais inerentes à sua condição, particularmente o direito de consultar-se com advogado ou defensor público, o de ser atendido por médico e o de comunicar-se com seus familiares;
5) indagar sobre as circunstâncias de sua prisão ou apreensão;
6) perguntar sobre o tratamento recebido em todos os locais por onde passou antes da apresentação à audiência, questionando sobre a ocorrência de tortura e maus tratos e adotando as providências cabíveis;
7) verificar se houve a realização de exame de corpo de delito, determinando sua realização nos casos em que:
a) não tiver sido realizado;
b) os registros se mostrarem insuficientes;
c) a alegação de tortura e maus tratos referir-se a momento posterior ao exame realizado;
d) o exame tiver sido realizado na presença de agente policial;
8) abster-se de formular perguntas com finalidade de produzir prova para a investigação ou ação penal relativas aos fatos objeto do auto de prisão em flagrante;
9) adotar as providências a seu cargo para sanar possíveis irregularidades;
10) averiguar, por perguntas e visualmente, hipóteses de gravidez, existência de filhos ou dependentes sob cuidados da pessoa presa em flagrante delito, histórico de doença grave, incluídos os transtornos mentais e a dependência química, para analisar o cabimento de encaminhamento assistencial e da concessão da liberdade provisória, sem ou com a imposição de medida cautelar.
(Cespe – Defensor Público – DPE – DF/2019 – adaptada) Na audiência de custódia, ao entrevistar o preso, o juiz deverá abster-se de formular perguntas com a finalidade de produzir provas sobre os fatos objeto do auto da prisão em flagrante, mas deverá indagar acerca do tratamento recebido nos locais por onde o autuado passou antes da apresentação à audiência, questionando sobre a ocorrência de tortura e maus tratos. (CERTO)
O MP pode formular perguntas na audiência de custódia?
Após o juiz ouvir a pessoa presa, deverá conceder a palavra ao Ministério Público e depois à defesa técnica, para que estes façam reperguntas compatíveis com a natureza do ato, devendo indeferir as perguntas relativas ao mérito dos fatos que possam constituir eventual imputação.
Os policiais se deslocaram para o bairro Bom Jesus para verificar “denúncias anônimas”, recebidas pelo “disque denúncia”, de que estaria sendo praticado tráfico de drogas.
Ao chegarem no local, viram que João correu quando avistou a polícia.
Os policiais perseguiram João e entraram na casa para onde ele correu.
Ao revistarem a residência, encontraram grande quantidade de drogas no interior da na casa. João foi preso em flagrante pela prática de tráfico de drogas (art. 33 da Lei nº 11.343/2006).
Nesse caso, a prisão em flagrante atendeu ao ditames legais?
Resumo
A existência de denúncia anônima da prática de tráfico de drogas somada à fuga do acusado ao avistar a polícia, por si sós, não configuram fundadas razões a autorizar o ingresso policial no domicílio do acusado sem o seu consentimento ou sem determinação judicial. STJ. 5ª Turma. RHC 89.853-SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 18/02/2020 (Info 666). STJ. 6ª Turma. RHC 83.501-SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 06/03/2018 (Info 623).
Inteiro teor
Voltando ao nosso exemplo:
O STJ, ao analisar um caso semelhante ao que foi narrado como exemplo, entendeu que o ingresso na residência de João foi ilegal.
Em que pese eventual boa-fé dos policiais militares, não havia elementos objetivos, seguros e racionais, que justificassem a invasão de domicílio.
Os policiais procederam à abordagem de João tão somente com base em denúncias anônimas recebidas por meio de canal telefônico. Não havia, contudo, referência a prévia investigação policial para verificar a possível veracidade das informações recebidas. Também não se tratava de averiguação de denúncia robusta e atual acerca da ocorrência de tráfico naquele local.
A mera denúncia anônima, desacompanhada de outros elementos preliminares indicativos de crime, não legitima o ingresso de policiais no domicílio indicado, estando, ausente, assim, nessas situações, justa causa para a medida. STJ. 6ª Turma. HC 512.418/RJ, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 26/11/2019.
Vale ressaltar que o STJ afirmou que “não se está a exigir diligências profundas, mas sim breve averiguação, como, por exemplo, ‘campana’ próxima à residência para verificar a movimentação na casa e outros elementos de informação que possam ratificar à notícia anônima.”
O fato de haverem avistado o investigado João empreender fuga não poderia, de igual forma, justificar a invasão da residência considerando que os policiais não viram se ele estava na posse de substância entorpecente, tendo havido a perseguição pelo simples fato de ele ter corrido. Nesse sentido:
(…) Hipótese em que a invasão de domicílio pelos policiais se fundou tão somente no fato de o paciente ter adentrado rapidamente a sua residência quando avistou a viatura, o que não caracteriza elemento objetivo, seguro e racional apto a justificar a medida. STJ. 6ª Turma. HC 435.465/SP, Rel. p/ Acórdão Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 09/10/2018.
Dessa forma, como decorrência da Doutrina dos Frutos da Árvore Envenenada (ou venenosa, visto que decorre da fruits of the poisonous tree doctrine, de origem norte-americana), consagrada no art. 5º, LVI, da CF/88, é nula a prova derivada de conduta ilícita - no caso, a apreensão da droga após a invasão desautorizada do domicílio do réu.
Cabe mandado de segurança contra decisão do juiz de 1ª instância que indefere o desbloqueio de bens e valores?
Não é admissível a impetração de mandado de segurança contra ato jurisdicional que defere o desbloqueio de bens e valores. Isso porque se trata de decisão definitiva que, apesar de não julgar o mérito da ação, coloca fim ao procedimento incidente.
O procedimento adequado para a restituição de bens é o incidente legalmente previsto para este fim. O instrumento processual para impugnar a decisão que resolve esse incidente é a apelação, sendo incabível a utilização de mandado de segurança como sucedâneo do recurso legalmente previsto. STJ. 6ª Turma. REsp 1.787.449-SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 10/03/2020 (Info 667).
O processamento do réu pela prática da conduta descrita no art. 28 da Lei de Drogas no curso do período de prova deve ser considerado como causa de revogação obrigatória ou facultativa da suspensão condicional do processo?
Resumo
A suspensão será obrigatoriamente revogada se, no curso do prazo o beneficiário vier a ser processado por outro crime (art. 89, § 3º da Lei nº 9.099/95). Trata-se de causa de revogação obrigatória.
Por outro lado, a suspensão poderá ser revogada pelo juiz se o acusado vier a ser processado, no curso do prazo, por contravenção (art. 89, § 4º). Trata-se de causa de revogação facultativa.
O processamento do réu pela prática da conduta descrita no art. 28 da Lei de Drogas no curso do período de prova deve ser considerado como causa de revogação FACULTATIVA da suspensão condicional do processo.
A contravenção penal tem efeitos primários mais deletérios que o crime do art. 28 da Lei de Drogas. Assim, mostra-se desproporcional que o mero processamento do réu pela prática do crime previsto no art. 28 da Lei nº 11.343/2006 torne obrigatória a revogação da suspensão condicional do processo, enquanto o processamento por contravenção penal ocasione a revogação facultativa. STJ. 5ª Turma. REsp 1.795.962-SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 10/03/2020 (Info 668).
Inteiro teor
O pedido do Ministério Público encontra abrigo na jurisprudência do STJ? Trata-se de hipótese de revogação obrigatória?
NÃO. O art. 28 da Lei nº 11.343/2006 (porte de droga para uso próprio), apesar de configurar crime, tem recebido um tratamento diferenciado por parte da jurisprudência.
Não gera reincidência
Um exemplo desse tratamento diferenciado: mesmo sendo crime, o STJ entende que a condenação anterior pelo art. 28 da Lei de Drogas NÃO configura reincidência.
Argumento principal: se a contravenção penal, que é punível com pena de prisão simples, não configura reincidência, mostra-se desproporcional utilizar o art. 28 da LD para fins de reincidência, considerando que este delito é punido apenas com “advertência”, “prestação de serviços à comunidade” e “medida educativa”, ou, seja, sanções menos graves e nas quais não há qualquer possibilidade de conversão em pena privativa de liberdade pelo descumprimento.
Há de se considerar, ainda, que a própria constitucionalidade do art. 28 da LD está sendo fortemente questionada.
Nesse sentido: STJ. 5ª Turma. HC 453437/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 04/10/2018.
Não impede a concessão do benefício do § 4º do art. 33 nem a pena restritiva de direitos
Além disso, vem-se entendendo que a prévia condenação pela prática da conduta descrita no art. 28 da Lei nº 11.343/2006, justamente por não configurar a reincidência, não pode obstar, por si só, a concessão de benefícios como a incidência da causa de redução de pena prevista no § 4º do art. 33 da mesma lei ou a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos.
Esse mesmo raciocínio pode ser aplicado para a revogação da suspensão condicional do processo
A prática de contravenção penal é causa de revogação facultativa da suspensão condicional do processo.
Logo, esse mesmo tratamento deve ser conferido para o caso de cometimento do crime do art. 28 da Lei de Drogas.
Mostra-se desproporcional que o mero processamento do réu pela prática do crime previsto no art. 28 da Lei nº 11.343/2006 torne obrigatória a revogação da suspensão condicional do processo (art. 89, § 3º, da Lei nº 9.099/95), enquanto que o processamento por contravenção penal (que tem efeitos primários mais deletérios) ocasione a revogação facultativa (art. 89, § 4º, da Lei nº 9.099/95).
Dessa forma, o STJ entendeu ser mais razoável que o fato de o réu estar sendo processado pela prática do crime previsto no art. 28 da Lei nº 11.343/2006 seja analisado como causa facultativa de revogação do benefício da suspensão condicional do processo.
É possível a impetração de habeas corpus e a interposição de recurso de forma concomitante?
Resumo
O habeas corpus, quando impetrado de forma concomitante com o recurso cabível contra o ato impugnado, será admissível apenas se:
a) for destinado à tutela direta da liberdade de locomoção ou
b) se traduzir pedido diverso do objeto do recurso próprio e que reflita mediatamente na liberdade do paciente.
Nas demais hipóteses, o habeas corpus não deve ser admitido e o exame das questões idênticas deve ser reservado ao recurso previsto para a hipótese, ainda que a matéria discutida resvale, por via transversa, na liberdade individual. STJ. 3ª Seção. HC 482.549-SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 11/03/2020 (Info 669).
Inteiro teor
Assim, se o habeas corpus tiver por objeto a tutela direta da liberdade de locomoção (ex: HC que busca, tão somente, a concessão do direito de recorrer em liberdade), esse writ será conhecido mesmo que tenha sido impetrado de forma concomitante com o recurso.
Nas hipóteses, contudo, em que o habeas corpus possuir, além do pedido de tutela direta da liberdade coarctada pela sentença, objeto(s) idêntico(s) ao da apelação, somente será admissível o conhecimento do writ, pelo Tribunal, da parte relativa à prisão (isso, claro, se houver insurgência nesse sentido). Caberá ao recurso de apelação, dotado de amplo espectro cognitivo, o exame das outras questões suscitadas pela defesa.
Por sua vez, na hipótese de o réu se encontrar em liberdade e o objeto do habeas corpus ser idêntico ao do recurso de apelação, em todos os termos, não há como permitir o prosseguimento do remédio heroico, diante da opção específica, pelo legislador, de prever o recurso próprio como meio regular de se impugnarem decisões expressamente previstas no âmbito de cabimento do recurso. O habeas corpus, nesse caso, estará sendo nitidamente utilizado de forma desvirtuada, como meio de contornar as especificidades de tramitação do recurso de apelação, usualmente mais demorado.
Ainda que não tenha havido a unificação de pena, o cumprimento de pena num processo interrompe a prescrição relativa a delito objeto de outro processo?
Resumo
De acordo com o parágrafo único do art. 116 do Código Penal, “depois de passada em julgado a sentença condenatória, a prescrição não corre durante o tempo em que o condenado está preso por outro motivo”.
Ao interpretar o referido dispositivo legal, o STJ pacificou o entendimento de que o cumprimento de pena imposta em outro processo, ainda que em regime aberto ou em prisão domiciliar, impede o curso da prescrição executória.
Assim, não há que se falar em fluência do prazo prescricional, o que impede o reconhecimento da extinção de sua punibilidade.
O fato de o prazo prescricional não correr durante o tempo em que o condenado está preso por outro motivo não depende da unificação das penas. STJ. 5ª Turma. AgRg no RHC 123.523-SP, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 13/04/2020 (Info 670).
É possível, em ato de cooperação jurídica em matéria penal, que a autoridade estrageira, mediante autorização da brasileira, faça a inquirição do acusado em território brasileiro?
Resumo
Caso concreto: o Tribunal de Paris solicitou cooperação jurídica em matéria penal, na modalidade auxílio direto, a fim de que fossem realizadas diversas diligências no Brasil, dentre as quais a oitiva de investigado e busca e apreensão no seu endereço, para subsidiar apuração criminal que ocorre na Justiça da França. O pedido da autoridade francesa foi embasado em Acordo de Cooperação Judiciária em Matéria Penal, na Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção e na Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade Organizada Transnacional. O pleito foi encaminhado ao Ministério da Justiça do Brasil, que o remeteu ao Procurador-Geral da República o qual, por sua vez, designou Procurador da República atuante no Rio de Janeiro para a execução das diligências. O Membro do Ministério Público Federal requereu o deferimento das medidas assecuratórias ao Juízo da 9ª Vara Federal do Rio de Janeiro, no que foi atendido.
O investigado impetrou habeas corpus sustentando a nulidade de sua oitiva porque todas as perguntas foram formuladas direta e exclusivamente pela Autoridade Judiciária francesa que acompanhava o Membro do Ministério Público Federal nomeado para realizar as diligências.
O STJ concordou com o pedido da defesa.
O ato de delegação da condução e direção de produção de prova oral à autoridade estrangeira, a fim de que esta proceda diretamente à inquirição da testemunha ou do investigado, não encontra qualquer tipo de respaldo constitucional, legal ou jurisprudencial. Trata-se de ato eivado de nulidade absoluta, por ofensa à soberania nacional, o qual não pode produzir efeitos dentro de investigações penais que estejam dentro das atribuições das autoridades brasileiras. STJ. 6ª Turma. RHC 102.322-RJ, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 12/05/2020 (Info 672).
Inteiro teor
Imagine a seguinte situação adaptada:
O Tribunal de Paris solicitou cooperação jurídica em matéria penal, na modalidade auxílio direto, a fim de que fossem realizadas diversas diligências no Brasil, dentre as quais a oitiva de investigado e busca e apreensão no seu endereço, para subsidiar apuração criminal que ocorre na Justiça da França.
O pedido da autoridade francesa foi embasado em Acordo de Cooperação Judiciária em Matéria Penal, na Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção e na Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade Organizada Transnacional.
O pleito foi encaminhado ao Ministério da Justiça do Brasil, que o remeteu ao Procurador-Geral da República o qual, por sua vez, designou Procurador da República atuante no Rio de Janeiro para a execução das diligências.
O Membro do Ministério Público Federal requereu o deferimento das medidas assecuratórias ao Juízo da 9ª Vara Federal do Rio de Janeiro, no que foi atendido.
O investigado impetrou habeas corpus sustentando:
a) a ausência de exequatur pelo STJ no pedido de cooperação jurídica internacional;
b) a nulidade de sua oitiva porque todas as perguntas foram formuladas direta e exclusivamente pela Autoridade Judiciária francesa que acompanhava o Membro do Ministério Público Federal nomeado para realizar as diligências.
O STJ concordou com os argumentos da defesa?
SIM.
Primeiro argumento: era necessário exequatur do STJ no caso concreto?
SIM.
Conforme já explicado, o pleito foi encaminhado ao Ministério da Justiça do Brasil, que o remeteu ao PGR, o qual, por sua vez, designou Procurador da República para a execução das diligências.
O membro do MPF requereu o deferimento das medidas assecuratórias ao Juízo da Vara Federal do Rio de Janeiro, no que foi atendido. As diligências foram cumpridas.
No entendimento do MPF, o pedido da França não consistia em carta rogatória, enquadrando-se como mero pedido de auxílio direto (que não precisa de exequatur).
O STJ, contudo, discordou e entendeu que era sim necessário exequatur, considerando que existente decisão judicial estrangeira a ser submetida ao crivo daquele Tribunal, nos termos do art. 105, I, “i”, da CF/88: Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça: (…) i) a homologação de sentenças estrangeiras e a concessão de exequatur às cartas rogatórias;
A carta rogatória e o auxílio direto, apesar de conviverem no ordenamento jurídico como sistemas de cooperação internacional em matéria penal, são institutos com ritos e procedimentos diversos, principalmente, em razão das normas aplicáveis e da origem da decisão que ensejou o pedido estrangeiro.
Na carta rogatória passiva, há decisão judicial oriunda da justiça rogante que precisa ser executada e cumprida no Estado rogado, cabendo ao STJ o juízo de delibação, sem, contudo, adentrar-se no mérito da decisão oriunda do país estrangeiro.
No auxílio direto passivo, há um pedido de assistência do Estado alienígena diretamente ao Estado rogado, para que este preste as informações solicitadas ou provoque a Justiça Federal para julgar a providência requerida (medida acautelatórias), conforme o caso concreto.
Tudo isso baseado em Acordo ou Tratado Internacional de cooperação.
- carta rogatória passiva: decisão judicial estrangeira precisa ser executada e cumprida no Brasil. Precisa de exequatur do STJ.
- auxílio direto passivo: o Estado estrangeira está solicitando apenas informações ou pedindo que a Justiça Federal decrete alguma medida acautelatória. Não precisa de exequatur.
No caso concreto, o Promotor da República de Paris denunciou e solicitou investigação, e o juiz de instrução julgou necessárias as providências “para a manifestação da verdade”.
O juízo estrangeiro, ao deferir a produção da prova requerida pelo Ministério Público, emitiu pronunciamento jurisdicional. Isso significa dizer que houve um juízo de valor realizado pelo Juízo alienígena sobre a necessidade e adequação da colheita de prova.
Assim, a decisão judicial estrangeira deve ser submetida ao juízo delibatório do STJ, assegurando-se às partes as garantias do devido processo legal, sem, contudo, adentrar-se no mérito da decisão proveniente do país rogante.
É importante frisar que não se trata de mero ato judicial formal de encaminhamento de pedido de cooperação, mas de ato com caráter decisório proferido pelo poder judiciário francês no exercício típico da função jurisdicional.
Portanto, a concessão do exequatur era imprescindível na hipótese, pois, existente decisão judicial estrangeira a ser submetida ao crivo do STJ, o caso concreto amolda-se à definição de carta rogatória, devendo, portanto, haver a anulação dos procedimentos já realizados.
Não respeitada a competência adequada para o processamento da cooperação internacional em território nacional, nos termos do art. 105, inciso I, alínea “i”, da Constituição da República, impõe-se a anulação do feito desde o seu início.
Segundo argumento
Pela análise da gravação de vídeo da mencionada audiência é capaz de comprovar a veracidade da alegação da defesa de que as autoridades estrangeiras dirigiram e conduziram, por cerca de cinco horas seguidas, o ato de produção de prova oral. A autoridade brasileira apenas deu início ao ato e passou a palavra para a autoridade estrangeira que formulou todas as perguntas.
Assim, o membro do Ministério Público Federal, ao qual foi confiada a realização do mencionado ato, desobedeceu ordem expressa da Procuradoria Geral da República, a qual fez constar a exigência de que a autoridade brasileira não apenas estivesse presente durante todo ato, como também o dirigisse.
A presença da autoridade estrangeira é permitida no ato, mas desde que não interfira, direta ou indiretamente, na direção da audiência. Essa, com efeito, é a melhor interpretação a ser dada aos dispositivos do Acordo de Cooperação Judiciária em Matéria Penal entre o Brasil e a França (Decreto nº 3.324/1999), os quais demonstram nítida preocupação com os limites dos atos de cooperação ali previstos, a bem da preservação da soberania dos Estados requerente e requerido.
Em outras palavras, o ato de delegação, expressa ou tácita, da condução e direção de produção de prova oral à autoridade estrangeira, a fim de que esta proceda diretamente à inquirição da testemunha ou do investigado, não encontra qualquer tipo de respaldo constitucional, legal ou jurisprudencial.
Conclusões
Diante disso, o STJ reconheceu que, no caso concreto:
a) houve decisão judicial estrangeira que deveria ter sido submetida ao juízo delibatório do STJ, assegurando-se às Partes as garantias do devido processo legal, sem, contudo, adentrar-se no mérito da decisão proveniente do País rogante; e
b) deve-se reconhecer a nulidade da oitiva do investigado, porque todas as perguntas foram formuladas direta e exclusivamente pela autoridade judiciária francesa que acompanhava o membro do Ministério Público Federal nomeado para realizar as diligências.
Admite-se a figura do assistente de defesa no processo penal?
Resumo
A Ordem dos Advogados do Brasil não tem legitimidade para atuar como assistente de defesa de advogado réu em ação penal. Isso porque, no processo penal, a assistência é apenas da acusação, não existindo a figura do assistente de defesa. STJ. 5ª Turma.RMS 63.393-MG, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 23/06/2020 (Info 675). STJ. 6ª Turma. REsp 1815460/RJ, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 23/06/2020.
Inteiro teor
[…]
Assistente de defesa
Assim como existe o assistente de acusação, diversos doutrinadores sustentam a ideia de que seria possível falarmos em assistência de defesa (ou assistente da defesa). No caso do assistente de acusação existe previsão expressa no CPP. Por outro lado, o CPP não fala nada sobre assistente de defesa.
Alguns autores afirmam que o art. 72 da Lei dos Juizados Especiais teria admitido, ainda que de forma tímida, a intervenção do responsável civil pelos danos como assistente de defesa. Assim, se a infração de menor potencial ofensivo foi cometida por determinada pessoa, no entanto, outro indivíduo é que será o responsável pelo pagamento da indenização caso haja condenação, então, neste caso, esse responsável civil poderia intervir no processo como assistente de defesa. Veja a explicação de Renato Brasileiro:
“A lei processual penal pátria não faz referência à figura do assistente da defesa. No entanto, a despeito do silêncio do legislador, considerando que a Lei dos Juizados, ao se referir à audiência preliminar, faz menção ao comparecimento do autor do fato delituoso, da vítima e do responsável civil pelos danos causados, todos acompanhados por advogado (Lei nº 9.099/95, art. 72), há quem entenda que esse responsável civil figura como verdadeiro assistente da defesa. Isso porque, considerando que a reparação do dano nas infrações de menor potencial ofensivo acarreta renúncia ao direito de queixa ou de representação, com a consequente extinção da punibilidade se se tratar de crime de ação penal privada ou pública condicionada à representação, é evidente o interesse do responsável civil em auxiliar o autor do fato na imediata composição civil dos danos, nos termos do art. 74, parágrafo único, da Lei nº 9.099/95.” (LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. Salvador: Juspodivm, 2020, p. 1362-1363).
Guilherme de Souza Nucci menciona que existe previsão legal expressa de que a OAB atue como assistente de defesa, no caso do art. 49, parágrafo único da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da Advocacia):
Art. 49. Os Presidentes dos Conselhos e das Subseções da OAB têm legitimidade para agir, judicial e extrajudicialmente, contra qualquer pessoa que infringir as disposições ou os fins desta lei.
Parágrafo único. As autoridades mencionadas no caput deste artigo têm, ainda, legitimidade para intervir, inclusive como assistentes, nos inquéritos e processos em que sejam indiciados, acusados ou ofendidos os inscritos na OAB.
Confira os comentários de Nucci a respeito dessa previsão:
“O dispositivo deve ser adaptado ao contexto do processo penal, tornando possível que a OAB atue como assistente de acusação em caso envolvendo advogado como réu, cuja demanda desperte o interesse de toda a classe dos advogados. Entretanto, é preciso salientar que a Lei 8.906/94 autoriza, expressamente, a assistência, também, do advogado que seja réu ou querelado, pois se refere à intervenção em inquéritos e processos em que sejam indiciados (nítida hipótese criminal), acusados ou ofendidos (em igual prisma) os inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil. Dessa forma, nos moldes propostos pelo Código de Processo Civil, aplicado por analogia neste caso de lacuna do Processo Penal, a OAB pode atuar como assistente da defesa, quando possui interesse de que a sentença seja favorável ao réu-advogado, nos termos do art. 119 do CPC/2015: ‘pendendo causa entre 2 (duas) ou mais pessoas, o terceiro juridicamente interessado em que a sentença seja favorável a uma delas poderá intervir no processo para assisti-la’.” (Código de Processo Penal comentado. 19ª ed., 2020, p. 1027)
O STJ admite a figura do assistente de defesa?
NÃO. O STJ afirma que não existe a figura do assistente de defesa no processo penal nem mesmo na hipótese do art. 49, parágrafo único, da Lei nº 8.906/94. Nesse sentido:
No sistema do Código de Processo Penal, não há a figura do assistente como parte autônoma, que poderia livremente dirigir sua atuação em amparo a qualquer uma das partes litigantes. A assistência é apenas da acusação, inexistindo assistente da defesa. STJ. 6ª Turma. RMS 32.235/PE, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 25/03/2014.
Veja abaixo um caso concreto envolvendo pedido da OAB para intervir como assistente de defesa:
João, advogado, foi denunciado pelo Ministério Público, acusado de estelionato (art. 171, caput, do CP).
A Ordem dos Advogados do Brasil – Seção de Minas Gerais pediu a sua intervenção no processo penal como assistente da defesa do réu.
Vale ressaltar que, no caso concreto, o interesse jurídico que legitimaria a intervenção da OAB se circunscreve ao fato de que o réu é advogado inscrito em seus quadros. Em outras palavras, a OAB pediu a intervenção pelo simples fato de o acusado ser advogado.
A OAB afirmou que seu pedido encontra fundamento legal no art. 49, parágrafo único, da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da Advocacia).
O juiz e o TJ/MG negaram o pleito e a questão chegou até o STJ.
O STJ concordou com o pedido de intervenção feita pela OAB?
NÃO. A previsão contida no art. 49, parágrafo único, do Estatuto da OAB, deve ser interpretada em congruência com as normas processuais penais e o CPP não contempla a figura do assistente de defesa.
A legitimidade prevista no art. 49, parágrafo único, do Estatuto da OAB somente se verifica em situações que afetem interesses ou prerrogativas da categoria dos advogados, não autorizando a intervenção dos Presidentes dos Conselhos e das Subseções da OAB, como assistentes da defesa, pela mera condição de advogado do acusado.
A qualidade de advogado ostentada por qualquer das partes, por si só, não legitima a Ordem dos Advogados do Brasil à assistência, devendo prevalecer, no pedido de ingresso em ação penal como assistente da defesa, o disposto no Código de Processo Penal.
No caso concreto, conforme já explicado, o interesse jurídico que legitimaria a intervenção da OAB se circunscreve ao fato de que o réu na ação penal é advogado inscrito em seus quadros. Isso não é motivo idôneo.
Ressalte-se que mesmo na seara civil e administrativa, o STJ tem exigido a demonstração do interesse jurídico na intervenção de terceiros, que somente se identifica, no caso da OAB, quando a demanda trata das prerrogativas de advogados ou das “disposições ou fins” do Estatuto da Advocacia, conforme se depreende da leitura do caput do art. 49 da Lei nº 8.906/94.