Jurisprudência STJ 2020 Flashcards

1
Q

Se, na sentença condenatória, não foi reconhecida a reincidência do réu, poderá o juízo da execução penal reconhecer essa circunstância, depois, para fins de conceder ou não os benefícios, como, por exemplo, a progressão de regime?

A

Resumo

Suponhamos que na sentença condenatória não constou que o apenado é reincidente. O juízo da execução, contudo, na fase de cumprimento da pena, percebeu que o condenado é reincidente. O juízo da execução penal poderá reconhecer essa circunstância negativa no momento de analisar se concede ou não os benefícios (ex: progressão).

O Juízo da Execução pode promover a retificação do atestado de pena para constar a reincidência, com todos os consectários daí decorrentes, ainda que não esteja reconhecida expressamente na sentença penal condenatória transitada em julgado. STJ. 3ª Seção. EREsp 1.738.968-MG, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 27/11/2019 (Info 662).

Inteiro teor

[…]

O juízo da execução penal poderá determinar a retificação do atestado de pena e considerar, para todos os efeitos, que o condenado é reincidente mesmo isso não tendo constado expressamente na sentença?

SIM.

Na condução da execução penal, o magistrado deverá fazer cumprir aquilo que consta na sentença (título executivo penal) a respeito do quantum da pena, do regime inicial, bem como do fato de ter sido a pena privativa de liberdade substituída ou não por restritiva de direitos.

Por outro lado, as condições pessoais do condenado, como, por exemplo, a reincidência, podem e devem ser analisadas pelo juízo da execução penal, independentemente de tal condição ter sido considerada na sentença condenatória. Isso porque é também atribuição do juízo da execução individualizar a pena.

Conforme explica a doutrina:

“A individualização da pena no processo de conhecimento visa aferir e quantificar a culpa exteriorizada no fato passado. A individualização no processo de execução visa propiciar oportunidade para o livre desenvolvimento presente e efetivar a mínima dessocialização possível. Daí caber à autoridade judicial adequar a pena às condições pessoais do sentenciado.” (BARROS, Carmen Silvia de Moraes. A Individualização da Pena na Execução Penal. São Paulo: RT, 2001, p. 23).

A individualização da pena se realiza, essencialmente, em três momentos:

a) na cominação da pena em abstrato ao tipo legal, pelo Legislador;
b) na sentença penal condenatória, pelo Juízo de conhecimento; e
c) na execução penal, pelo Juízo das Execuções.

O reconhecimento da reincidência apenas pelo juízo da execução penal representaria reformatio in pejus ou afronta à coisa julgada?

NÃO. Isso porque não há desrespeito ao comando da sentença considerando que não haverá o agravamento da pena estabelecida no título executivo nem modificação do regime inicial para um mais severo.

O reconhecimento da reincidência ocorrerá para fins de progressão de regime, livramento condicional e outros institutos diretamente ligados à execução penal e que não são tratados na sentença condenatória.

O reconhecimento da reincidência no processo de conhecimento possui fins específicos, quais sejam, agravar a pena e trazer mais rigor ao regime prisional inicial.

O reconhecimento da reincidência no processo de execução tem outras finalidades, que estão diretamente relacionadas com os benefícios do cumprimento da pena.

Assim, a intangibilidade da sentença penal condenatória transitada em julgado não retira do Juízo das Execuções Penais o dever de adequar o cumprimento da sanção penal às condições pessoais do réu.

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2
Q

A competência para julgar estelionato que ocorre mediante depósito ou transferência bancária é de que foro?

A

Na hipótese em que o estelionato se dá mediante vantagem indevida, auferida mediante o depósito em favor de conta bancária de terceiro, a competência deverá ser declarada em favor do juízo no qual se situa a conta favorecida.

No caso em que a vítima, induzida em erro, efetuou depósito em dinheiro e/ou transferência bancária para a conta de terceiro (estelionatário), a obtenção da vantagem ilícita ocorreu quando o estelionatário se apossou do dinheiro, ou seja, no momento em a quantia foi depositada em sua conta. STJ. 3ª Seção. CC 167.025/RS, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 14/08/2019. STJ. 3ª Seção. CC 169.053-DF, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 11/12/2019 (Info 663).

Não confundir:

  • estelionato que ocorre por meio do saque (ou compensação) de cheque clonado, adulterado ou falsificado: a competência é do local onde a vítima possui a conta bancária. Isso porque, nesta hipótese, o local da obtenção da vantagem ilícita é aquele em que se situa a agência bancária onde foi sacado o cheque adulterado, ou seja, onde a vítima possui conta bancária. Aplica-se o raciocínio da súmula 48 do STJ (Compete ao juízo do local da obtenção da vantagem ilícita processar e julgar crime de estelionato cometido mediante falsificação de cheque.)
  • estelionato que ocorre quando a vítima, induzida em erro, se dispõe a fazer depósitos ou transferências bancárias para a conta de terceiro (estelionatário): a competência é do local onde o estelionatário possui a conta bancária. Isso porque, neste caso, a obtenção da vantagem ilícita ocorre quando o estelionatário efetivamente se apossa do dinheiro, ou seja, no momento em que ele é depositado em sua conta.

Inteiro teor

Nos termos do art. 70 do CPP, a competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumou a infração e o estelionato, crime tipificado no art. 171 do CP, que consuma-se no local e momento em que é auferida a vantagem ilícita.

O prejuízo alheio, apesar de fazer parte do tipo penal, está relacionado à consequência do crime de estelionato e não à conduta propriamente.

O núcleo do tipo penal é obter vantagem ilícita, razão pela qual a consumação se dá no momento em que os valores entram na esfera de disponibilidade do autor do crime, o que somente ocorre quando o dinheiro ingressa efetivamente em sua conta corrente.

Cuidado com o Jurisprudência em Teses

A tese 9 do Jurisprudência em Teses nº 84 do STJ afirma o seguinte:

9) O delito de estelionato é consumado no local em que se verifica o prejuízo à vítima.

Cuidado porque essa tese não pode ser tomada de forma absoluta e não se aplica, por exemplo, para a hipótese acima explicada. Assim, no caso de estelionato que ocorre quando a vítima, induzida em erro, se dispõe a fazer depósitos ou transferências bancárias para a conta de terceiro (estelionatário): a competência é do local onde o estelionatário possui a conta bancária.

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3
Q

Admite-se a realização de audiência de custódia por meio de videoconferência?

A

Resumo

A audiência de custódia, no caso de mandado de prisão preventiva cumprido fora do âmbito territorial da jurisdição do Juízo que a determinou, deve ser efetivada por meio da condução do preso à autoridade judicial competente na localidade em que ocorreu a prisão. Não se admite, por ausência de previsão legal, a sua realização por meio de videoconferência, ainda que pelo Juízo que decretou a custódia cautelar. STJ. 3ª Seção. CC 168.522-PR, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 11/12/2019 (Info 663).

Inteiro teor

[…]

A audiência de custódia deve ser realizada apenas em casos de prisão em flagrante ou também nas demais espécies de prisão (exs: prisão preventiva, prisão temporária etc)?

Também nas demais espécies. Nesse sentido, veja o que diz o art. 13 da Resolução 213/2015 do CNJ:

Art. 13. A apresentação à autoridade judicial no prazo de 24 horas também será assegurada às pessoas presas em decorrência de cumprimento de mandados de prisão cautelar ou definitiva, aplicando-se, no que couber, os procedimentos previstos nesta Resolução.

Parágrafo único. Todos os mandados de prisão deverão conter, expressamente, a determinação para que, no momento de seu cumprimento, a pessoa presa seja imediatamente apresentada à autoridade judicial que determinou a expedição da ordem de custódia ou, nos casos em que forem cumpridos fora da jurisdição do juiz processante, à autoridade judicial competente, conforme lei de organização judiciária local.

A nova redação o art. 287 do CPP, dada pela Lei nº 13.964/2019, também indica que não apenas a prisão em flagrante, mas também as prisões decorrentes de mandado (ex: prisão preventiva) ensejam a realização de audiência de custódia. Veja:

Art. 287. Se a infração for inafiançável, a falta de exibição do mandado não obstará a prisão, e o preso, em tal caso, será imediatamente apresentado ao juiz que tiver expedido o mandado, para a realização de audiência de custódia.

Imagine agora a seguinte situação hipotética:

O Juízo Federal da 4ª Vara de Guarulhos decretou a prisão preventiva de João.

O cumprimento do mandado de prisão ocorreu na cidade de Curitiba/PR, sendo o preso levado para a Superintendência da Polícia Federal no Paraná.

O Juízo Federal da 4ª Vara de Guarulhos foi informado de que houve a prisão. Ele, então, expediu carta precatória para que um dos Juízes Federais de Curitiba fizesse a audiência de custódia.

A carta precatória foi distribuída para o Juízo Federal da 2ª Vara de Curitiba, que se declarou incompetente para a realização do ato por entender que a audiência de custódia poderia ser realizada pelo Juízo Deprecante (Juízo Federal da 4ª Vara de Guarulhos) por meio de videoconferência.

O Juízo Federal da 4ª Vara de Guarulhos não concordou com a providência, razão pela qual ficou configurado conflito negativo de competência, a ser resolvido pelo STJ (art. 105, I, “d”, da CF/88).

O STJ concordou com o argumento do Juízo Federal de Curitiba? A audiência deverá ser realizada por videoconferência?

NÃO.

A Resolução nº 213 do CNJ é clara ao estabelecer que, no caso de cumprimento de mandado de prisão fora da jurisdição do Juiz que a determinou, a apresentação do preso, para a audiência de custódia, deve ser feita à autoridade competente na localidade em que ocorreu a prisão, de acordo com a Lei de Organização Judiciária local.

Uma das finalidades precípuas da audiência de custódia é verificar se houve respeito aos direitos e garantias constitucionais da pessoa presa. Esse exame precisa ser feito pelo magistrado com jurisdição na localidade em que ocorreu a prisão. É essa autoridade judicial que tem competência para tomar medidas para resguardar a integridade do preso, bem assim de fazer cessar agressões aos seus direitos fundamentais, e também determinar a apuração das responsabilidades, caso haja relato de que houve prática de torturas e maus tratos.

Justamente por isso, a realização por videoconferência atenta contra ratio essendi (razão de ser) da audiência de custódia.

Outro motivo apontado pelo STJ foi a ausência de previsão legal. Assim, também porque não há previsão legal de audiência de custódia por meio de videoconferência, compete a sua realização ao Juízo com jurisdição na localidade em que se deu o cumprimento do mandado de prisão preventiva.

[…]

Lei nº 13.964/2019

Vale ressaltar que o caso acima foi analisado antes da Lei nº 13.964/2019. No entanto, penso que a solução seria a mesma porque essa Lei não disciplinou o tema de forma diferente da Resolução do CNJ, que continuará a ser aplicada para os casos omissos do CPP.

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4
Q

Onde deve ocorrer a audiência de custódia de autoridade com foro por prerrogativa de função?

A

No caso de prisão em flagrante delito da competência originária de Tribunal, a apresentação do preso poderá ser feita a um juiz que o Presidente do Tribunal ou Relator designar para esse fim.

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5
Q

Se o preso estiver internado ou impossibilitado de comparecer à audiência de custódia, o que o juiz deve fazer?

A

Estando a pessoa presa acometida de grave enfermidade, ou havendo circunstância comprovadamente excepcional que a impossibilite de ser apresentada ao juiz no prazo do caput, deverá ser assegurada a realização da audiência no local em que ela se encontre e, nos casos em que o deslocamento se mostre inviável, deverá ser providenciada a condução para a audiência de custódia imediatamente após restabelecida sua condição de saúde ou de apresentação.

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6
Q

Quem participa da audiência? Os agentes policiais que realizaram a prisão participam?

A

A audiência de custódia será realizada na presença do Ministério Público e da Defensoria Pública, caso a pessoa detida não possua defensor constituído. É vedada a presença dos agentes policiais responsáveis pela prisão ou pela investigação durante a audiência de custódia (IMPORTANTE).

(Cespe – Defensor Público – DPE – DF/2019 – adaptada) Na audiência de custódia, caso não tenha advogado particular, o preso poderá contar com a assistência de defensor público, que acompanhará o ato na presença do juiz, do promotor de justiça, do secretário de audiência e dos policiais que promoveram a prisão. (ERRADO)

Se a pessoa presa em flagrante delito constituir advogado até o término da lavratura do auto de prisão em flagrante, o Delegado de polícia deverá notificá-lo, pelos meios mais comuns, tais como correio eletrônico, telefone ou mensagem de texto, para que compareça à audiência de custódia.

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7
Q

O que o juiz deverá perguntar e fazer durante a audiência de custódia? Ele pode formular perguntas que ajudem a esclarecer o caso criminal a ser posteriormente examinado na ação própria?

A

Na audiência de custódia, a autoridade judicial entrevistará a pessoa presa em flagrante, devendo:

1) esclarecer o que é a audiência de custódia, ressaltando as questões a serem analisadas pela autoridade judicial;
2) assegurar que a pessoa presa não esteja algemada, salvo em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, devendo a excepcionalidade ser justificada por escrito;
3) dar ciência sobre seu direito de permanecer em silêncio;
4) questionar se lhe foi dada ciência e efetiva oportunidade de exercício dos direitos constitucionais inerentes à sua condição, particularmente o direito de consultar-se com advogado ou defensor público, o de ser atendido por médico e o de comunicar-se com seus familiares;
5) indagar sobre as circunstâncias de sua prisão ou apreensão;
6) perguntar sobre o tratamento recebido em todos os locais por onde passou antes da apresentação à audiência, questionando sobre a ocorrência de tortura e maus tratos e adotando as providências cabíveis;
7) verificar se houve a realização de exame de corpo de delito, determinando sua realização nos casos em que:
a) não tiver sido realizado;
b) os registros se mostrarem insuficientes;
c) a alegação de tortura e maus tratos referir-se a momento posterior ao exame realizado;
d) o exame tiver sido realizado na presença de agente policial;
8) abster-se de formular perguntas com finalidade de produzir prova para a investigação ou ação penal relativas aos fatos objeto do auto de prisão em flagrante;
9) adotar as providências a seu cargo para sanar possíveis irregularidades;
10) averiguar, por perguntas e visualmente, hipóteses de gravidez, existência de filhos ou dependentes sob cuidados da pessoa presa em flagrante delito, histórico de doença grave, incluídos os transtornos mentais e a dependência química, para analisar o cabimento de encaminhamento assistencial e da concessão da liberdade provisória, sem ou com a imposição de medida cautelar.

(Cespe – Defensor Público – DPE – DF/2019 – adaptada) Na audiência de custódia, ao entrevistar o preso, o juiz deverá abster-se de formular perguntas com a finalidade de produzir provas sobre os fatos objeto do auto da prisão em flagrante, mas deverá indagar acerca do tratamento recebido nos locais por onde o autuado passou antes da apresentação à audiência, questionando sobre a ocorrência de tortura e maus tratos. (CERTO)

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8
Q

O MP pode formular perguntas na audiência de custódia?

A

Após o juiz ouvir a pessoa presa, deverá conceder a palavra ao Ministério Público e depois à defesa técnica, para que estes façam reperguntas compatíveis com a natureza do ato, devendo indeferir as perguntas relativas ao mérito dos fatos que possam constituir eventual imputação.

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9
Q

Os policiais se deslocaram para o bairro Bom Jesus para verificar “denúncias anônimas”, recebidas pelo “disque denúncia”, de que estaria sendo praticado tráfico de drogas.

Ao chegarem no local, viram que João correu quando avistou a polícia.

Os policiais perseguiram João e entraram na casa para onde ele correu.

Ao revistarem a residência, encontraram grande quantidade de drogas no interior da na casa. João foi preso em flagrante pela prática de tráfico de drogas (art. 33 da Lei nº 11.343/2006).

Nesse caso, a prisão em flagrante atendeu ao ditames legais?

A

Resumo

A existência de denúncia anônima da prática de tráfico de drogas somada à fuga do acusado ao avistar a polícia, por si sós, não configuram fundadas razões a autorizar o ingresso policial no domicílio do acusado sem o seu consentimento ou sem determinação judicial. STJ. 5ª Turma. RHC 89.853-SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 18/02/2020 (Info 666). STJ. 6ª Turma. RHC 83.501-SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 06/03/2018 (Info 623).

Inteiro teor

Voltando ao nosso exemplo:

O STJ, ao analisar um caso semelhante ao que foi narrado como exemplo, entendeu que o ingresso na residência de João foi ilegal.

Em que pese eventual boa-fé dos policiais militares, não havia elementos objetivos, seguros e racionais, que justificassem a invasão de domicílio.

Os policiais procederam à abordagem de João tão somente com base em denúncias anônimas recebidas por meio de canal telefônico. Não havia, contudo, referência a prévia investigação policial para verificar a possível veracidade das informações recebidas. Também não se tratava de averiguação de denúncia robusta e atual acerca da ocorrência de tráfico naquele local.

A mera denúncia anônima, desacompanhada de outros elementos preliminares indicativos de crime, não legitima o ingresso de policiais no domicílio indicado, estando, ausente, assim, nessas situações, justa causa para a medida. STJ. 6ª Turma. HC 512.418/RJ, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 26/11/2019.

Vale ressaltar que o STJ afirmou que “não se está a exigir diligências profundas, mas sim breve averiguação, como, por exemplo, ‘campana’ próxima à residência para verificar a movimentação na casa e outros elementos de informação que possam ratificar à notícia anônima.”

O fato de haverem avistado o investigado João empreender fuga não poderia, de igual forma, justificar a invasão da residência considerando que os policiais não viram se ele estava na posse de substância entorpecente, tendo havido a perseguição pelo simples fato de ele ter corrido. Nesse sentido:

(…) Hipótese em que a invasão de domicílio pelos policiais se fundou tão somente no fato de o paciente ter adentrado rapidamente a sua residência quando avistou a viatura, o que não caracteriza elemento objetivo, seguro e racional apto a justificar a medida. STJ. 6ª Turma. HC 435.465/SP, Rel. p/ Acórdão Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 09/10/2018.

Dessa forma, como decorrência da Doutrina dos Frutos da Árvore Envenenada (ou venenosa, visto que decorre da fruits of the poisonous tree doctrine, de origem norte-americana), consagrada no art. 5º, LVI, da CF/88, é nula a prova derivada de conduta ilícita - no caso, a apreensão da droga após a invasão desautorizada do domicílio do réu.

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10
Q

Cabe mandado de segurança contra decisão do juiz de 1ª instância que indefere o desbloqueio de bens e valores?

A

Não é admissível a impetração de mandado de segurança contra ato jurisdicional que defere o desbloqueio de bens e valores. Isso porque se trata de decisão definitiva que, apesar de não julgar o mérito da ação, coloca fim ao procedimento incidente.

O procedimento adequado para a restituição de bens é o incidente legalmente previsto para este fim. O instrumento processual para impugnar a decisão que resolve esse incidente é a apelação, sendo incabível a utilização de mandado de segurança como sucedâneo do recurso legalmente previsto. STJ. 6ª Turma. REsp 1.787.449-SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 10/03/2020 (Info 667).

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11
Q

O processamento do réu pela prática da conduta descrita no art. 28 da Lei de Drogas no curso do período de prova deve ser considerado como causa de revogação obrigatória ou facultativa da suspensão condicional do processo?

A

Resumo

A suspensão será obrigatoriamente revogada se, no curso do prazo o beneficiário vier a ser processado por outro crime (art. 89, § 3º da Lei nº 9.099/95). Trata-se de causa de revogação obrigatória.

Por outro lado, a suspensão poderá ser revogada pelo juiz se o acusado vier a ser processado, no curso do prazo, por contravenção (art. 89, § 4º). Trata-se de causa de revogação facultativa.

O processamento do réu pela prática da conduta descrita no art. 28 da Lei de Drogas no curso do período de prova deve ser considerado como causa de revogação FACULTATIVA da suspensão condicional do processo.

A contravenção penal tem efeitos primários mais deletérios que o crime do art. 28 da Lei de Drogas. Assim, mostra-se desproporcional que o mero processamento do réu pela prática do crime previsto no art. 28 da Lei nº 11.343/2006 torne obrigatória a revogação da suspensão condicional do processo, enquanto o processamento por contravenção penal ocasione a revogação facultativa. STJ. 5ª Turma. REsp 1.795.962-SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 10/03/2020 (Info 668).

Inteiro teor

O pedido do Ministério Público encontra abrigo na jurisprudência do STJ? Trata-se de hipótese de revogação obrigatória?

NÃO. O art. 28 da Lei nº 11.343/2006 (porte de droga para uso próprio), apesar de configurar crime, tem recebido um tratamento diferenciado por parte da jurisprudência.

Não gera reincidência

Um exemplo desse tratamento diferenciado: mesmo sendo crime, o STJ entende que a condenação anterior pelo art. 28 da Lei de Drogas NÃO configura reincidência.

Argumento principal: se a contravenção penal, que é punível com pena de prisão simples, não configura reincidência, mostra-se desproporcional utilizar o art. 28 da LD para fins de reincidência, considerando que este delito é punido apenas com “advertência”, “prestação de serviços à comunidade” e “medida educativa”, ou, seja, sanções menos graves e nas quais não há qualquer possibilidade de conversão em pena privativa de liberdade pelo descumprimento.

Há de se considerar, ainda, que a própria constitucionalidade do art. 28 da LD está sendo fortemente questionada.

Nesse sentido: STJ. 5ª Turma. HC 453437/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 04/10/2018.

Não impede a concessão do benefício do § 4º do art. 33 nem a pena restritiva de direitos

Além disso, vem-se entendendo que a prévia condenação pela prática da conduta descrita no art. 28 da Lei nº 11.343/2006, justamente por não configurar a reincidência, não pode obstar, por si só, a concessão de benefícios como a incidência da causa de redução de pena prevista no § 4º do art. 33 da mesma lei ou a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos.

Esse mesmo raciocínio pode ser aplicado para a revogação da suspensão condicional do processo

A prática de contravenção penal é causa de revogação facultativa da suspensão condicional do processo.

Logo, esse mesmo tratamento deve ser conferido para o caso de cometimento do crime do art. 28 da Lei de Drogas.

Mostra-se desproporcional que o mero processamento do réu pela prática do crime previsto no art. 28 da Lei nº 11.343/2006 torne obrigatória a revogação da suspensão condicional do processo (art. 89, § 3º, da Lei nº 9.099/95), enquanto que o processamento por contravenção penal (que tem efeitos primários mais deletérios) ocasione a revogação facultativa (art. 89, § 4º, da Lei nº 9.099/95).

Dessa forma, o STJ entendeu ser mais razoável que o fato de o réu estar sendo processado pela prática do crime previsto no art. 28 da Lei nº 11.343/2006 seja analisado como causa facultativa de revogação do benefício da suspensão condicional do processo.

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12
Q

É possível a impetração de habeas corpus e a interposição de recurso de forma concomitante?

A

Resumo

O habeas corpus, quando impetrado de forma concomitante com o recurso cabível contra o ato impugnado, será admissível apenas se:

a) for destinado à tutela direta da liberdade de locomoção ou
b) se traduzir pedido diverso do objeto do recurso próprio e que reflita mediatamente na liberdade do paciente.

Nas demais hipóteses, o habeas corpus não deve ser admitido e o exame das questões idênticas deve ser reservado ao recurso previsto para a hipótese, ainda que a matéria discutida resvale, por via transversa, na liberdade individual. STJ. 3ª Seção. HC 482.549-SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 11/03/2020 (Info 669).

Inteiro teor

Assim, se o habeas corpus tiver por objeto a tutela direta da liberdade de locomoção (ex: HC que busca, tão somente, a concessão do direito de recorrer em liberdade), esse writ será conhecido mesmo que tenha sido impetrado de forma concomitante com o recurso.

Nas hipóteses, contudo, em que o habeas corpus possuir, além do pedido de tutela direta da liberdade coarctada pela sentença, objeto(s) idêntico(s) ao da apelação, somente será admissível o conhecimento do writ, pelo Tribunal, da parte relativa à prisão (isso, claro, se houver insurgência nesse sentido). Caberá ao recurso de apelação, dotado de amplo espectro cognitivo, o exame das outras questões suscitadas pela defesa.

Por sua vez, na hipótese de o réu se encontrar em liberdade e o objeto do habeas corpus ser idêntico ao do recurso de apelação, em todos os termos, não há como permitir o prosseguimento do remédio heroico, diante da opção específica, pelo legislador, de prever o recurso próprio como meio regular de se impugnarem decisões expressamente previstas no âmbito de cabimento do recurso. O habeas corpus, nesse caso, estará sendo nitidamente utilizado de forma desvirtuada, como meio de contornar as especificidades de tramitação do recurso de apelação, usualmente mais demorado.

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13
Q

Ainda que não tenha havido a unificação de pena, o cumprimento de pena num processo interrompe a prescrição relativa a delito objeto de outro processo?

A

Resumo

De acordo com o parágrafo único do art. 116 do Código Penal, “depois de passada em julgado a sentença condenatória, a prescrição não corre durante o tempo em que o condenado está preso por outro motivo”.

Ao interpretar o referido dispositivo legal, o STJ pacificou o entendimento de que o cumprimento de pena imposta em outro processo, ainda que em regime aberto ou em prisão domiciliar, impede o curso da prescrição executória.

Assim, não há que se falar em fluência do prazo prescricional, o que impede o reconhecimento da extinção de sua punibilidade.

O fato de o prazo prescricional não correr durante o tempo em que o condenado está preso por outro motivo não depende da unificação das penas. STJ. 5ª Turma. AgRg no RHC 123.523-SP, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 13/04/2020 (Info 670).

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14
Q

É possível, em ato de cooperação jurídica em matéria penal, que a autoridade estrageira, mediante autorização da brasileira, faça a inquirição do acusado em território brasileiro?

A

Resumo

Caso concreto: o Tribunal de Paris solicitou cooperação jurídica em matéria penal, na modalidade auxílio direto, a fim de que fossem realizadas diversas diligências no Brasil, dentre as quais a oitiva de investigado e busca e apreensão no seu endereço, para subsidiar apuração criminal que ocorre na Justiça da França. O pedido da autoridade francesa foi embasado em Acordo de Cooperação Judiciária em Matéria Penal, na Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção e na Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade Organizada Transnacional. O pleito foi encaminhado ao Ministério da Justiça do Brasil, que o remeteu ao Procurador-Geral da República o qual, por sua vez, designou Procurador da República atuante no Rio de Janeiro para a execução das diligências. O Membro do Ministério Público Federal requereu o deferimento das medidas assecuratórias ao Juízo da 9ª Vara Federal do Rio de Janeiro, no que foi atendido.

O investigado impetrou habeas corpus sustentando a nulidade de sua oitiva porque todas as perguntas foram formuladas direta e exclusivamente pela Autoridade Judiciária francesa que acompanhava o Membro do Ministério Público Federal nomeado para realizar as diligências.

O STJ concordou com o pedido da defesa.

O ato de delegação da condução e direção de produção de prova oral à autoridade estrangeira, a fim de que esta proceda diretamente à inquirição da testemunha ou do investigado, não encontra qualquer tipo de respaldo constitucional, legal ou jurisprudencial. Trata-se de ato eivado de nulidade absoluta, por ofensa à soberania nacional, o qual não pode produzir efeitos dentro de investigações penais que estejam dentro das atribuições das autoridades brasileiras. STJ. 6ª Turma. RHC 102.322-RJ, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 12/05/2020 (Info 672).

Inteiro teor

Imagine a seguinte situação adaptada:

O Tribunal de Paris solicitou cooperação jurídica em matéria penal, na modalidade auxílio direto, a fim de que fossem realizadas diversas diligências no Brasil, dentre as quais a oitiva de investigado e busca e apreensão no seu endereço, para subsidiar apuração criminal que ocorre na Justiça da França.

O pedido da autoridade francesa foi embasado em Acordo de Cooperação Judiciária em Matéria Penal, na Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção e na Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade Organizada Transnacional.

O pleito foi encaminhado ao Ministério da Justiça do Brasil, que o remeteu ao Procurador-Geral da República o qual, por sua vez, designou Procurador da República atuante no Rio de Janeiro para a execução das diligências.

O Membro do Ministério Público Federal requereu o deferimento das medidas assecuratórias ao Juízo da 9ª Vara Federal do Rio de Janeiro, no que foi atendido.

O investigado impetrou habeas corpus sustentando:

a) a ausência de exequatur pelo STJ no pedido de cooperação jurídica internacional;
b) a nulidade de sua oitiva porque todas as perguntas foram formuladas direta e exclusivamente pela Autoridade Judiciária francesa que acompanhava o Membro do Ministério Público Federal nomeado para realizar as diligências.

O STJ concordou com os argumentos da defesa?

SIM.

Primeiro argumento: era necessário exequatur do STJ no caso concreto?

SIM.

Conforme já explicado, o pleito foi encaminhado ao Ministério da Justiça do Brasil, que o remeteu ao PGR, o qual, por sua vez, designou Procurador da República para a execução das diligências.

O membro do MPF requereu o deferimento das medidas assecuratórias ao Juízo da Vara Federal do Rio de Janeiro, no que foi atendido. As diligências foram cumpridas.

No entendimento do MPF, o pedido da França não consistia em carta rogatória, enquadrando-se como mero pedido de auxílio direto (que não precisa de exequatur).

O STJ, contudo, discordou e entendeu que era sim necessário exequatur, considerando que existente decisão judicial estrangeira a ser submetida ao crivo daquele Tribunal, nos termos do art. 105, I, “i”, da CF/88: Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça: (…) i) a homologação de sentenças estrangeiras e a concessão de exequatur às cartas rogatórias;

A carta rogatória e o auxílio direto, apesar de conviverem no ordenamento jurídico como sistemas de cooperação internacional em matéria penal, são institutos com ritos e procedimentos diversos, principalmente, em razão das normas aplicáveis e da origem da decisão que ensejou o pedido estrangeiro.

Na carta rogatória passiva, há decisão judicial oriunda da justiça rogante que precisa ser executada e cumprida no Estado rogado, cabendo ao STJ o juízo de delibação, sem, contudo, adentrar-se no mérito da decisão oriunda do país estrangeiro.

No auxílio direto passivo, há um pedido de assistência do Estado alienígena diretamente ao Estado rogado, para que este preste as informações solicitadas ou provoque a Justiça Federal para julgar a providência requerida (medida acautelatórias), conforme o caso concreto.

Tudo isso baseado em Acordo ou Tratado Internacional de cooperação.

  • carta rogatória passiva: decisão judicial estrangeira precisa ser executada e cumprida no Brasil. Precisa de exequatur do STJ.
  • auxílio direto passivo: o Estado estrangeira está solicitando apenas informações ou pedindo que a Justiça Federal decrete alguma medida acautelatória. Não precisa de exequatur.

No caso concreto, o Promotor da República de Paris denunciou e solicitou investigação, e o juiz de instrução julgou necessárias as providências “para a manifestação da verdade”.

O juízo estrangeiro, ao deferir a produção da prova requerida pelo Ministério Público, emitiu pronunciamento jurisdicional. Isso significa dizer que houve um juízo de valor realizado pelo Juízo alienígena sobre a necessidade e adequação da colheita de prova.

Assim, a decisão judicial estrangeira deve ser submetida ao juízo delibatório do STJ, assegurando-se às partes as garantias do devido processo legal, sem, contudo, adentrar-se no mérito da decisão proveniente do país rogante.

É importante frisar que não se trata de mero ato judicial formal de encaminhamento de pedido de cooperação, mas de ato com caráter decisório proferido pelo poder judiciário francês no exercício típico da função jurisdicional.

Portanto, a concessão do exequatur era imprescindível na hipótese, pois, existente decisão judicial estrangeira a ser submetida ao crivo do STJ, o caso concreto amolda-se à definição de carta rogatória, devendo, portanto, haver a anulação dos procedimentos já realizados.

Não respeitada a competência adequada para o processamento da cooperação internacional em território nacional, nos termos do art. 105, inciso I, alínea “i”, da Constituição da República, impõe-se a anulação do feito desde o seu início.

Segundo argumento

Pela análise da gravação de vídeo da mencionada audiência é capaz de comprovar a veracidade da alegação da defesa de que as autoridades estrangeiras dirigiram e conduziram, por cerca de cinco horas seguidas, o ato de produção de prova oral. A autoridade brasileira apenas deu início ao ato e passou a palavra para a autoridade estrangeira que formulou todas as perguntas.

Assim, o membro do Ministério Público Federal, ao qual foi confiada a realização do mencionado ato, desobedeceu ordem expressa da Procuradoria Geral da República, a qual fez constar a exigência de que a autoridade brasileira não apenas estivesse presente durante todo ato, como também o dirigisse.

A presença da autoridade estrangeira é permitida no ato, mas desde que não interfira, direta ou indiretamente, na direção da audiência. Essa, com efeito, é a melhor interpretação a ser dada aos dispositivos do Acordo de Cooperação Judiciária em Matéria Penal entre o Brasil e a França (Decreto nº 3.324/1999), os quais demonstram nítida preocupação com os limites dos atos de cooperação ali previstos, a bem da preservação da soberania dos Estados requerente e requerido.

Em outras palavras, o ato de delegação, expressa ou tácita, da condução e direção de produção de prova oral à autoridade estrangeira, a fim de que esta proceda diretamente à inquirição da testemunha ou do investigado, não encontra qualquer tipo de respaldo constitucional, legal ou jurisprudencial.

Conclusões

Diante disso, o STJ reconheceu que, no caso concreto:

a) houve decisão judicial estrangeira que deveria ter sido submetida ao juízo delibatório do STJ, assegurando-se às Partes as garantias do devido processo legal, sem, contudo, adentrar-se no mérito da decisão proveniente do País rogante; e
b) deve-se reconhecer a nulidade da oitiva do investigado, porque todas as perguntas foram formuladas direta e exclusivamente pela autoridade judiciária francesa que acompanhava o membro do Ministério Público Federal nomeado para realizar as diligências.

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Q

Admite-se a figura do assistente de defesa no processo penal?

A

Resumo

A Ordem dos Advogados do Brasil não tem legitimidade para atuar como assistente de defesa de advogado réu em ação penal. Isso porque, no processo penal, a assistência é apenas da acusação, não existindo a figura do assistente de defesa. STJ. 5ª Turma.RMS 63.393-MG, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 23/06/2020 (Info 675). STJ. 6ª Turma. REsp 1815460/RJ, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 23/06/2020.

Inteiro teor

[…]

Assistente de defesa

Assim como existe o assistente de acusação, diversos doutrinadores sustentam a ideia de que seria possível falarmos em assistência de defesa (ou assistente da defesa). No caso do assistente de acusação existe previsão expressa no CPP. Por outro lado, o CPP não fala nada sobre assistente de defesa.

Alguns autores afirmam que o art. 72 da Lei dos Juizados Especiais teria admitido, ainda que de forma tímida, a intervenção do responsável civil pelos danos como assistente de defesa. Assim, se a infração de menor potencial ofensivo foi cometida por determinada pessoa, no entanto, outro indivíduo é que será o responsável pelo pagamento da indenização caso haja condenação, então, neste caso, esse responsável civil poderia intervir no processo como assistente de defesa. Veja a explicação de Renato Brasileiro:

“A lei processual penal pátria não faz referência à figura do assistente da defesa. No entanto, a despeito do silêncio do legislador, considerando que a Lei dos Juizados, ao se referir à audiência preliminar, faz menção ao comparecimento do autor do fato delituoso, da vítima e do responsável civil pelos danos causados, todos acompanhados por advogado (Lei nº 9.099/95, art. 72), há quem entenda que esse responsável civil figura como verdadeiro assistente da defesa. Isso porque, considerando que a reparação do dano nas infrações de menor potencial ofensivo acarreta renúncia ao direito de queixa ou de representação, com a consequente extinção da punibilidade se se tratar de crime de ação penal privada ou pública condicionada à representação, é evidente o interesse do responsável civil em auxiliar o autor do fato na imediata composição civil dos danos, nos termos do art. 74, parágrafo único, da Lei nº 9.099/95.” (LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. Salvador: Juspodivm, 2020, p. 1362-1363).

Guilherme de Souza Nucci menciona que existe previsão legal expressa de que a OAB atue como assistente de defesa, no caso do art. 49, parágrafo único da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da Advocacia):

Art. 49. Os Presidentes dos Conselhos e das Subseções da OAB têm legitimidade para agir, judicial e extrajudicialmente, contra qualquer pessoa que infringir as disposições ou os fins desta lei.

Parágrafo único. As autoridades mencionadas no caput deste artigo têm, ainda, legitimidade para intervir, inclusive como assistentes, nos inquéritos e processos em que sejam indiciados, acusados ou ofendidos os inscritos na OAB.

Confira os comentários de Nucci a respeito dessa previsão:

“O dispositivo deve ser adaptado ao contexto do processo penal, tornando possível que a OAB atue como assistente de acusação em caso envolvendo advogado como réu, cuja demanda desperte o interesse de toda a classe dos advogados. Entretanto, é preciso salientar que a Lei 8.906/94 autoriza, expressamente, a assistência, também, do advogado que seja réu ou querelado, pois se refere à intervenção em inquéritos e processos em que sejam indiciados (nítida hipótese criminal), acusados ou ofendidos (em igual prisma) os inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil. Dessa forma, nos moldes propostos pelo Código de Processo Civil, aplicado por analogia neste caso de lacuna do Processo Penal, a OAB pode atuar como assistente da defesa, quando possui interesse de que a sentença seja favorável ao réu-advogado, nos termos do art. 119 do CPC/2015: ‘pendendo causa entre 2 (duas) ou mais pessoas, o terceiro juridicamente interessado em que a sentença seja favorável a uma delas poderá intervir no processo para assisti-la’.” (Código de Processo Penal comentado. 19ª ed., 2020, p. 1027)

O STJ admite a figura do assistente de defesa?

NÃO. O STJ afirma que não existe a figura do assistente de defesa no processo penal nem mesmo na hipótese do art. 49, parágrafo único, da Lei nº 8.906/94. Nesse sentido:

No sistema do Código de Processo Penal, não há a figura do assistente como parte autônoma, que poderia livremente dirigir sua atuação em amparo a qualquer uma das partes litigantes. A assistência é apenas da acusação, inexistindo assistente da defesa. STJ. 6ª Turma. RMS 32.235/PE, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 25/03/2014.

Veja abaixo um caso concreto envolvendo pedido da OAB para intervir como assistente de defesa:

João, advogado, foi denunciado pelo Ministério Público, acusado de estelionato (art. 171, caput, do CP).

A Ordem dos Advogados do Brasil – Seção de Minas Gerais pediu a sua intervenção no processo penal como assistente da defesa do réu.

Vale ressaltar que, no caso concreto, o interesse jurídico que legitimaria a intervenção da OAB se circunscreve ao fato de que o réu é advogado inscrito em seus quadros. Em outras palavras, a OAB pediu a intervenção pelo simples fato de o acusado ser advogado.

A OAB afirmou que seu pedido encontra fundamento legal no art. 49, parágrafo único, da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da Advocacia).

O juiz e o TJ/MG negaram o pleito e a questão chegou até o STJ.

O STJ concordou com o pedido de intervenção feita pela OAB?

NÃO. A previsão contida no art. 49, parágrafo único, do Estatuto da OAB, deve ser interpretada em congruência com as normas processuais penais e o CPP não contempla a figura do assistente de defesa.

A legitimidade prevista no art. 49, parágrafo único, do Estatuto da OAB somente se verifica em situações que afetem interesses ou prerrogativas da categoria dos advogados, não autorizando a intervenção dos Presidentes dos Conselhos e das Subseções da OAB, como assistentes da defesa, pela mera condição de advogado do acusado.

A qualidade de advogado ostentada por qualquer das partes, por si só, não legitima a Ordem dos Advogados do Brasil à assistência, devendo prevalecer, no pedido de ingresso em ação penal como assistente da defesa, o disposto no Código de Processo Penal.

No caso concreto, conforme já explicado, o interesse jurídico que legitimaria a intervenção da OAB se circunscreve ao fato de que o réu na ação penal é advogado inscrito em seus quadros. Isso não é motivo idôneo.

Ressalte-se que mesmo na seara civil e administrativa, o STJ tem exigido a demonstração do interesse jurídico na intervenção de terceiros, que somente se identifica, no caso da OAB, quando a demanda trata das prerrogativas de advogados ou das “disposições ou fins” do Estatuto da Advocacia, conforme se depreende da leitura do caput do art. 49 da Lei nº 8.906/94.

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Q

É possível reconhecer a inimputabilidade do réu sem a instauração de incidente de insanidade mental?

A

Resumo

O art. 149 do CPP, ao exigir que o acusado seja submetido a exame médico-legal, não contempla hipótese de prova legal ou tarifada.

A despeito disso, a partir de uma interpretação sistemática das normais processuais penais que regem a matéria, deve-se concluir que o reconhecimento da inimputabilidade ou semiimputabilidade do réu (art. 26, caput e parágrafo único do CP) depende da prévia instauração de incidente de insanidade mental e do respectivo exame médico-legal nele previsto.

Vale ressaltar, por fim, que o magistrado poderá discordar das conclusões do laudo, desde que o faça por meio de decisão devidamente fundamentada. STJ. 6ª Turma. REsp 1.802.845-RS, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 23/06/2020 (Info 675).

Inteiro teor

Isso significa que o art. 149 do CPP prevê hipótese de “prova legal ou tarifada”?

NÃO. O art. 149 do CPP não contempla hipótese de prova legal ou tarifada.

No processo penal brasileiro, em consequência do sistema da persuasão racional, o juiz forma sua convicção pela livre apreciação da prova (art. 155 do CPP).

Assim, em regra, não existe prova legal ou tarifada no processo penal brasileiro.

 (Defensor DPE/MA 2018 FCC) Vige como regra em nosso ordenamento processual penal o sistema de valoração de provas denominado “prova legal ou tarifada” (errado)

Logo, o art. 149 do CPP não é uma exceção ao sistema da persuasão racional nem configura hipótese de prova tarifada.

A despeito de não ser prova tarifada, o certo é que esse exame assume uma inegável importância quando se busca comprovar inimputabilidade (art. 26, caput, do CP) ou a semi-imputabilidade (art. 26, parágrafo único, do CP). Isso porque o Código Penal adotou expressamente o critério biopsicológico e o magistrado não possui os conhecimentos técnicos para aferir a saúde mental do réu, tampouco a sua capacidade de se autodeterminar.

Conforme explica Renato Brasileiro:

“(…) o exame de insanidade mental é de fundamental importância para o reconhecimento da doença mental à época do crime e no momento atual. Ainda que outras provas indiquem a necessidade de realização do exame (v.g., certidão de interdição), jamais poderão suprir esta prova pericial. Afinal, levando-se em consideração que o Código Penal adota, em regra, o sistema biopsicológico para o reconhecimento da imputabilidade (art. 26, caput), é de fundamental importância aferir não só a presença de doença mental, ou de desenvolvimento mental incompleto ou retardado, mas também se, por conta disso, teve o acusado suprimida sua capacidade de entendimento e de autodeterminação à época do fato delituoso.” (LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. Salvador: Juspodivm, 2020, p. 1295).

Isso significa que o juiz fica vinculado às conclusões do laudo pericial, que será elaborado após o exame médico-legal?

NÃO. O juiz não ficará adstrito (vinculado) ao laudo. O magistrado pode aceitar as conclusões ou rejeitálas no todo ou em parte (art. 182 do CPP).

O que se está dizendo é que o exame médico-legal é indispensável para o juiz formar a sua convicção, ainda que, de forma motivada, ele possa, excepcionalmente, discordar das conclusões do perito. Sobre o tema, confira a lição de Gustavo Badaró:

(…) Em princípio, aplica-se ao laudo que resulta do incidente de insanidade mental a regra geral das perícias, prevista no art. 182 do CPP, segundo a qual o juiz não fica vinculado aos laudos periciais, podendo aceitá-los ou rejeitá-los, no todo ou em parte, o que é uma decorrência da máxima de que o juiz é o peritus peritorum. Todavia, em virtude da elevada especialização técnica da questão de definir ou não a ocorrência de insanidade mental no momento da prática da infração penal, será muito difícil que o juiz, sem qualquer outro elemento técnico, possa divergir do laudo pericial.” (BADARÓ, Gustavo. Processo Penal. Rio de Janeiro: Campus, 2012, p. 249)

17
Q

Como se define a competência da Justiça Militar para julgar crime praticado por militar?

A

Resumo

Para a definição da competência da justiça militar, faz-se necessária a observância do:

  • critério subjetivo (delito praticado por militar em atividade, em serviço ou não),
  • aliado ao critério objetivo (vulneração de bem jurídico caro ao serviço e ao meio militar, a ser analisada no caso concreto).

Ex: policial militar estava em sua casa, de folga. Ele e a esposa começaram a discutir por ciúmes. Embriagado, ele ameaçou matar a esposa. Com medo, a mulher se trancou no banheiro e ligou para a polícia. Foi deslocada uma viatura com dois policiais militares para atender a ocorrência. Quando os policiais chegaram, o agressor fugiu, mas antes atirou contra eles e contra a viatura.

A fuga e a resistência do policial militar, contextualizada com disparos de arma de fogo contra colegas e contra viatura da corporação, são suficientes para configurar a vulneração da regularidade da Polícia Militar, cujo primado se pauta pela hierarquia e disciplina. STJ. 5ª Turma. HC 550.998-MG, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 23/06/2020 (Info 675).

Inteiro teor

Imagine a seguinte situação hipotética:

João, policial militar, estava em sua casa, de folga.

Ele e a esposa começaram a discutir por ciúmes e João, embriagado, ameaçou matar a esposa.

Com medo, a mulher se trancou no banheiro e ligou para a polícia.

Rapidamente foi deslocada uma viatura com dois policiais militares para atender a ocorrência. Quando os policiais chegaram ao local, o agressor fugiu, mas antes atirou contra eles e contra a viatura.

A dúvida ficou por conta da competência. Quem será competente para julgar essa tentativa de homicídio: Justiça Comum estadual ou Justiça Militar estadual?

Justiça Militar.

Um dos policiais foi, inclusive, atingido pelos disparos.

João foi acusado de tentativa de homicídio.

Competência da Justiça Militar

Compete à Justiça Militar processar e julgar os crimes militares, assim definidos em lei (art. 124 da CF/88).

O art. 124 da CF/88 adotou, portanto, a tipificação do delito como critério objetivo para definir se a competência é, ou não, da Justiça Militar.

Desse modo, a competência para julgar o fato será da Justiça militar sempre que a lei considerar determinado crime como sendo militar.

A regra acima vale também para a Justiça Militar estadual?

SIM. A CF/88, ao tratar sobre a competência da Justiça Militar estadual, também adota o critério objetivo da natureza jurídica do crime (militar ou não) para definir a competência desta.

Há, porém, duas importantes distinções:

1ª) a Justiça Militar estadual possui não apenas competências criminais, mas também administrativodisciplinares.

2ª) no âmbito estadual, a Justiça castrense jamais julgará civil (Súmula 53-STJ: Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar civil acusado de prática de crime contra instituições militares estaduais).

Veja o dispositivo constitucional:

Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição.

(…) § 4º Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças.

Ok. Entendi que a competência da Justiça Militar depende da previsão em lei. Existe lei tratando sobre isso?

SIM. A lei que define quais são os crimes militares é o Código Penal Militar (Decreto-Lei 1.001/1969).

  • No art. 9º do CPM são conceituados os crimes militares em tempo de paz.
  • No art. 10 do CPM são definidos os crimes militares em tempo de guerra.

Assim, para verificar se o fato pode ser considerado crime militar, sendo, portanto, de competência da Justiça Militar, é preciso que ele se amolde em uma das hipóteses previstas nos arts. 9º e 10 do CPM.

Alínea “a” do inciso II do art. 9º

Veja a redação do art. 9º, II, “a”, do CPM:

Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz:

(…) II – os crimes previstos neste Código e os previstos na legislação penal, quando praticados:

a) por militar em situação de atividade ou assemelhado, contra militar na mesma situação ou assemelhado; (…)

O inciso II do art. 9º do CPM fornece definição de crime militar que traz consigo um elemento subjetivo, qual seja a condição de militar.

Assim, é crime militar aquele praticado por “militar em situação de atividade”…

O que é “militar em situação de atividade”?

O Código Penal Militar traz um norte de quem é o “militar em situação de atividade”. Em interpretação autêntica, ele diz:

Art. 22. É considerada militar, para efeito da aplicação deste Código, qualquer pessoa que, em tempo de paz ou de guerra, seja incorporada às forças armadas, para nelas servir em posto, graduação, ou sujeição à disciplina militar.

A Constituição Federal também parece caminhar no mesmo sentido:

Art. 142. (…) § 3º Os membros das Forças Armadas são denominados militares, aplicando-se-lhes, além das que vierem a ser fixadas em lei, as seguintes disposições: (…)

II - o militar em atividade que tomar posse em cargo ou emprego público civil permanente, ressalvada a hipótese prevista no art. 37, inciso XVI, alínea “c”, será transferido para a reserva, nos termos da lei;

III - o militar da ativa que, de acordo com a lei, tomar posse em cargo, emprego ou função pública civil temporária, não eletiva, ainda que da administração indireta, ressalvada a hipótese prevista no art. 37, inciso XVI, alínea “c”, ficará agregado ao respectivo quadro e somente poderá, enquanto permanecer nessa situação, ser promovido por antiguidade, contando-se-lhe o tempo de serviço apenas para aquela promoção e transferência para a reserva, sendo depois de dois anos de afastamento, contínuos ou não, transferido para a reserva, nos termos da lei;

(…) V - o militar, enquanto em serviço ativo, não pode estar filiado a partidos políticos;

Ao explicar o art. 9º, II, “a”, do CPM, Cícero Coimbra dá um conceito para militar da ativa (militar em situação de atividade):

“para a configuração dessa hipótese jurídica, consideraremos militar da ativa o militar que exerce suas funções rotineiras no serviço militar que lhe é afeto, mesmo que no momento do crime esteja licenciado, de folga, em trajes civis e fora do quartel. Em suma, a situação de atividade inicia-se com a incorporação e encerra-se com a exclusão do miliciano da força a que pertence ou com sua passagem para a inatividade.” (NEVES, Cícero Robson Coimbra. Manual de direito penal militar. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 271).

Militar da ativa é o mesmo que militar em serviço?

O tema é polêmico:

Para os fins do art. 9º, II, do CPM, quando se fala em “militar em situação de atividade” exige-se que ele esteja em exercício efetivo? Exige-se que o militar esteja trabalhando no momento dos fatos?

1 CORRENTE

NÃO.

• Militar em serviço: exige-se que, no momento da conduta, o agente esteja no exercício efetivo de atividade militar. Ex: art. 202 do CPM:

Embriaguez em serviço

Art. 202. Embriagar-se o militar, quando em serviço, ou apresentar-se embriagado para prestá-lo: Pena - detenção, de seis meses a dois anos.

• Militar em situação de atividade (militar da ativa): são os militares que estão em atividade, ou seja, aqueles que não estão na reserva. Não importa para esse conceito saber se o militar estava ou não de folga.

Nesse sentido:

Não há incompetência da Justiça Militar, uma vez que tanto o recorrente quanto as vítimas eram policiais militares da ativa, embora o acusado estivesse de folga durante a prática delitiva. STJ. 6ª Turma. AgRg no RHC 91.473/RJ, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 15/03/2018.

2 CORRENTE

SIM.

Para que seja considerado crime militar e, portanto, de competência da Justiça Militar, exige-se que, além da qualidade de militar da ativa, a prática da conduta tenha ocorrido durante o exercício efetivo do serviço militar.

Compete à Justiça Militar julgar crime cujo autor e vítima sejam militares, desde que ambos estejam em serviço e em local sujeito à administração militar.

O mero fato de a vítima e de o agressor serem militares não faz com que a competência seja obrigatoriamente da Justiça Militar. O cometimento de delito por militar contra vítima militar somente será de competência da Justiça Castrense nos casos em que houver vínculo direto com o desempenho da atividade militar. STF. 1ª Turma. HC 135019/SP, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 20/09/2016 (Info 840).

O crime imputado foi praticado por militar contra militares, porém fora de situação de atividade e de local sujeito à administração militar, o que atrai a competência da Justiça comum. STF. 2ª Turma. HC 131076, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 01/12/2015.

3 CORRENTE (INTERMEDIÁRIA)

Para a definição da competência da justiça militar, faz-se necessária a observância do:

  • critério subjetivo (delito praticado por militar em atividade, em serviço ou não),
  • aliado ao critério objetivo (vulneração de bem jurídico caro ao serviço e ao meio militar, a ser analisada no caso concreto). STJ. 5ª Turma. HC 550.998-MG, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 23/06/2020 (Info 675).

Ex: policial militar estava em sua casa, de folga. Ele e a esposa começaram a discutir por ciúmes. Embriagado, ele ameaçou matar a esposa. Com medo, a mulher se trancou no banheiro e ligou para a polícia.

Foi deslocada uma viatura com dois policiais militares para atender a ocorrência. Quando os policiais chegaram, o agressor fugiu, mas antes atirou contra eles e contra a viatura.

A fuga e a resistência do policial militar, contextualizada com disparos de arma de fogo contra colegas e contra viatura da corporação, são suficientes para configurar a vulneração da regularidade da Polícia Militar, cujo primado se pauta pela hierarquia e disciplina.

DOD PLUS – cuidado para não confundir no momento da prova com esse outro entendimento:

Compete à Justiça comum (Tribunal do Júri) o julgamento de homicídio praticado por militar contra outro quando ambos estejam fora do serviço ou da função no momento do crime

Compete à Justiça comum (Tribunal do Júri) o julgamento de homicídio praticado por militar contra outro quando ambos estejam fora do serviço ou da função no momento do crime.

Caso concreto: Francisco era soldado da Polícia Militar do Estado do Maranhão. Samuel era cabo da Polícia Militar do Estado do Piauí. Determinado dia, Francisco, que se encontrava de férias, passeava em Teresina (PI). Samuel percebeu que Francisco estava armado e, mesmo estando de folga, abordou o soldado indagando sobre a arma. Iniciou-se uma discussão e Francisco atirou três vezes contra Samuel, que faleceu em razão dos disparos.

A vítima e o réu - ambos policiais militares à época dos fatos - estavam fora de serviço quando iniciaram a discussão. Logo, não se pode falar que houve crime militar, devendo, portanto, o réu ser julgado pela Justiça Comum estadual (Tribunal do Júri). STJ. 3ª Seção. CC 170201-PI, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 11/03/2020 (Info 667).

18
Q

É possível a fixação de astreintes em desfavor de terceiros, não participantes do processo, pela demora ou não cumprimento de ordem emanada do Juízo Criminal?

A

Resumo

As normas do processo civil aplicam-se de forma subsidiária ao processo penal (art. 3º do CPP).

O poder geral de cautela do processo civil também pode ser aplicado, em regra, ao processo penal. O emprego de cautelares inominadas só é proibido no processo penal se atingir a liberdade de ir e vir do indivíduo.

Diante da finalidade da multa cominatória, que é conferir efetividade à decisão judicial, é possível sua aplicação em demandas penais.

Assim, o terceiro pode perfeitamente figurar como destinatário da multa.

Vale ressaltar que essa multa não se confunde com a multa por litigância de má-fé. A multa por litigância de má-fé não é admitida no processo penal. STJ. 3ª Seção. REsp 1.568.445-PR, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Rel. Acd. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 24/06/2020 (Info 677).

É possível ao juízo criminal efetivar o bloqueio via Bacen-Jud ou a inscrição em dívida ativa dos valores arbitrados a título de astreintes

Por derivar do poder geral de cautela, cabe ao magistrado, diante do caso concreto, avaliar qual a melhor medida coativa ao cumprimento da determinação judicial, não havendo impedimento ao emprego do sistema Bacen-Jud. STJ. 3ª Seção. REsp 1.568.445-PR, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Rel. Acd. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 24/06/2020 (Info 677).

Inteiro teor

Imagine a seguinte situação adaptada:

Foi instaurado inquérito policial para apurar o crime do art. 241-a do ECA:

Art. 241-A. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, distribuir, publicar ou divulgar por qualquer meio, inclusive por meio de sistema de informática ou telemático, fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente: Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.

O juiz acolheu representação da autoridade policial e determinou ao Facebook que fornecesse dados cadastrais, logs de acesso, dados armazenados, inclusive fotografias exibidas, álbuns de fotos, vídeos, recados, depoimentos, listas de amigos do investigado e de comunidades das quais o perfil dele fosse membro.

O magistrado fixou multa de R$ 10 mil por dia de descumprimento.

O Facebook cumpriu a determinação judicial com 10 dias de atraso.

[…]

Voltando ao caso concreto: o juiz poderia ter fixado essa multa? É possível que o juízo criminal imponha multa mesmo que o destinatário não seja investigado ou réu?

SIM.

É possível a fixação de astreintes em desfavor de terceiros, não participantes do processo, pela demora ou não cumprimento de ordem emanada do Juízo Criminal. STJ. 3ª Seção. REsp 1.568.445-PR, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Rel. Acd. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 24/06/2020 (Info 677).

O Código de Processo Penal trata sobre multa cominatória (astreintes)?

NÃO. Não se trata, contudo, de um óbice à aplicação das astreintes. Isso porque essa multa é prevista no CPC e as normas de processo civil aplicam-se de forma subsidiária ao processo penal. Essa é a conclusão a que chega a doutrina e a jurisprudência a partir da leitura do art. 3º do CPP:

Art. 3º A lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito.

Desse modo, é possível a aplicação das normas processuais civis ao processo penal, desde que haja lacuna a ser suprida.

A lei processual penal não tratou, detalhadamente, de todos os poderes conferidos ao julgador no exercício da jurisdição. Portanto, quando houver omissão, legitima-se a aplicação subsidiária do CPC.

Multa cominatória é um instrumento para que as decisões judiciais tenham efetividade (sejam cumpridas na prática)

A multa cominatória surge, no direito brasileiro, como uma alternativa à crise de inefetividade das decisões. Trata-se de um meio de se “infiltrar na vontade humana” até então intangível e, por coação psicológica, demover o particular de possível predisposição de descumprir determinada obrigação.

Diante da finalidade da multa cominatória, que é conferir efetividade à decisão judicial, deve-se concluir pela possibilidade de sua aplicação em demandas penais.

Um dos fundamentos para a aplicação da multa cominatória é o poder geral de cautela do juiz. Admite-se o chamado “poder geral de cautela” no processo penal?

O tema é polêmico, no entanto, prevalece na jurisprudência do STJ que SIM.

O poder geral de cautela do processo civil também pode ser aplicado, em regra, ao processo penal. O emprego de cautelares inominadas só é proibido no processo penal se atingir a liberdade de ir e vir do indivíduo.

Nas palavras do Min. Ribeiro Dantas:

“Aplica-se o poder geral de cautela ao processo penal, só havendo restrição a ele, conforme reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal, na ADPF 444/DF, no que diz respeito às cautelares pessoais, que de alguma forma restrinjam o direito de ir e vir da pessoa.

O princípio do nemo tenetur se detegere e da vedação à analogia in malam partem são garantias em favor da defesa (ao investigado, ao indiciado, ao acusado, ao réu e ao condenado), não se estendendo a quem não esteja submetido à persecução criminal. Até porque, apesar de ocorrer incidentalmente em uma relação jurídico-processual-penal, não existe risco de privação de liberdade de terceiros instados a cumprir a ordem judicial, especialmente no caso dos autos, em que são pessoas jurídicas. Trata-se, pois, de poder conferido ao juiz, inerente à própria natureza cogente das decisões judiciais.”

Confira recente julgado do STJ:

Além do mais, por força do poder geral de cautela, de forma excepcional e motivada, não há óbice ao magistrado impor ao investigado ou acusado medida cautelar atípica, a fim de evitar a prisão preventiva, isto é, mesmo que não conste literalmente do rol positivado no art. 319 do CPP, o alcance das hipóteses típicas pode ser ampliado para, observados os ditames do art. 282 do CPP, aplicar medida constritiva adequada e necessária à espécie ou, ainda, pode ser aplicada medida prevista em outra norma do ordenamento. STJ. 6ª Turma. HC 469.453/SP, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 19/09/2019

Teoria dos poderes implícitos

A teoria dos poderes implícitos também é um fundamento autônomo que, por si só, justificaria a aplicação de astreintes pelos magistrados. Nesse sentido:

A legalidade da imposição de astreintes a terceiros descumpridores de decisão judicial encontra amparo também na teoria dos poderes implícitos, segundo a qual, uma vez estabelecidas expressamente as competências e atribuições de um órgão estatal, desde que observados os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, ele está implicitamente autorizado a utilizar os meios necessários para poder exercer essas competências.

Nessa toada, se incumbe ao magistrado autorizar a quebra de sigilo de dados telemáticos, pode ele se valer dos meios necessários e adequados para fazer cumprir sua decisão, tanto mais quando a medida coercitiva imposta (astreintes) está prevista em lei. STJ. 5ª Turma. AgRg no RMS 55.050/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 03/10/2017.

No caso, o Facebook não é investigado nem réu. Isso significa que ele não é parte, mas sim terceiro. É possível que as astreintes incidam sobre “terceiro” no processo penal?

SIM. Sem dúvidas quanto a isso.

No processo penal, a irregularidade não se verifica quando imposta a multa coativa a terceiro.

Haveria sim invalidade se essa multa incidisse sobre o réu. Isso porque nesse caso teríamos uma clara violação ao princípio do nemo tenetur se detegere

. Portanto, não há óbices à aplicação da multa cominatória a terceiros, ainda que em sede de processo penal. Vale observar, a propósito, a existência de dispositivos expressos, no Código de Processo Penal, que estipulam multa ao terceiro que não colabora com a justiça criminal. É o caso, por exemplo, do art. 219 (multa para a testemunha faltosa) e do art. 436, § 2º (multa para quem se recusa injustificadamente a participar como jurado).

Marco Civil da Internet

No caso concreto, tem-se um outro elemento importante.

O Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014) prevê expressamente a possibilidade da aplicação de multa ao descumpridor de suas normas quanto à guarda e disponibilização de registros e conteúdos:

Art. 10. A guarda e a disponibilização dos registros de conexão e de acesso a aplicações de internet de que trata esta Lei, bem como de dados pessoais e do conteúdo de comunicações privadas, devem atender à preservação da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das partes direta ou indiretamente envolvidas. (…)

§ 2º O conteúdo das comunicações privadas somente poderá ser disponibilizado mediante ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer, respeitado o disposto nos incisos II e III do art. 7º.

Art. 12. Sem prejuízo das demais sanções cíveis, criminais ou administrativas, as infrações às normas previstas nos arts. 10 e 11 ficam sujeitas, conforme o caso, às seguintes sanções, aplicadas de forma isolada ou cumulativa:

(…) II - multa de até 10% (dez por cento) do faturamento do grupo econômico no Brasil no seu último exercício, excluídos os tributos, considerados a condição econômica do infrator e o princípio da proporcionalidade entre a gravidade da falta e a intensidade da sanção;

No ponto, poderia surgir a dúvida quanto à aplicabilidade das astreintes a terceiro não integrante da relação jurídico-processual . Entretanto, é curioso notar que, no processo penal, a irregularidade não se verifica quando imposta a multa coativa a terceiro. Haveria, sim, invalidade se ela incidisse sobre o réu, pois ter-se-ia clara violação ao princípio do nemo tenetur se detegere. Na prática jurídica, não se verifica empecilho à aplicação ao terceiro e, na doutrina majoritária, também se entende que o terceiro pode perfeitamente figurar como destinatário da multa. Ademais, não é exagero lembrar, ainda, que o Marco Civil da Internet traz expressamente a possibilidade da aplicação de multa ao descumpridor de suas normas quanto à guarda e disponibilização de registros conteúdos. Por fim, vale observar, a propósito, a existência de dispositivos expressos, no próprio Código de Processo Penal, que estipulam multa ao terceiro que não colabora com a justiça criminal (arts. 219 e 436, § 2º).

Astreintes não é o mesmo que multa por litigância de má-fé

Cuidado para não confundir. A multa cominatória é diferente da multa por litigância de má-fé.

A jurisprudência do STJ é firme no sentido de que a multa por litigância de má-fé não tem previsão no CPP e não pode ser aplicada ao processo penal.

É pacífico o entendimento do Superior Tribunal de Justiça de que, em virtude da vedação à analogia in malam partem e pela ausência de disposição expressa no Código de Processo Penal, é descabida a imposição de multa por litigância de má-fé em processos de natureza criminal. STJ. 6ª Turma. HC 452.713/PR, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 25/09/2018.

Veja como o tema já foi cobrado em prova:  (Analista MPE/CE 2020 CEBRASPE) O STJ admite, por analogia, a imposição de multa por litigância de má-fé em processo penal. (errado)

 (Promotor MP/GO 2019) Consoante jurisprudência dominante do STJ, no âmbito do processo penal é incabível a fixação de multa por litigância de má-fé à defesa que abusa do direito de recorrer, interpondo, por exemplo, inúmeros recursos vazios e infundados de natureza evidentemente protelatória, tão somente com o intuito de procrastinar o trânsito em julgado da condenação. (certo)

É possível ao juízo criminal efetivar o bloqueio via Bacen-Jud ou a inscrição em dívida ativa dos valores arbitrados a título de astreintes?

SIM.

Por derivar do poder geral de cautela, cabe ao magistrado, diante do caso concreto, avaliar qual a melhor medida coativa ao cumprimento da determinação judicial, não havendo impedimento ao emprego do sistema Bacen-Jud. STJ. 3ª Seção. REsp 1.568.445-PR, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Rel. Acd. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 24/06/2020 (Info 677).

Uma vez intimada a pessoa jurídica para o cumprimento da ordem judicial, o que se espera é a sua concretização. No entanto, caracterizada a mora no seu cumprimento, o magistrado não pode ficar à mercê de um procedimento próprio à espera da realização da ordem, que pode não ser cumprida

. Em razão da natureza das astreintes e do poder geral de cautela do magistrado, este deve ter uma maneira para estimular o terceiro ao cumprimento da ordem judicial, sobretudo pela relevância para o deslinde de condutas criminosas.

Fica-se, então, na ponderação entre esses valores: de um lado, o interesse da coletividade, que pode ser colocado a perder pelo descumprimento ou mora; do outro, o patrimônio eventualmente constrito, que, inclusive, pode ser posteriormente liberado.

Por fim, é importante enfatizar não haver um procedimento legal específico, nem tampouco previsão de instauração do contraditório. Como visto, por derivar do poder geral de cautela, cabe ao magistrado, diante do caso concreto, avaliar qual a melhor medida coativa ao cumprimento da determinação judicial, não havendo impedimento ao emprego do sistema Bacen-Jud.

Caso ocorra o descumprimento e haja o recolhimento da multa, quem será o destinatário dos valores?

• No processo civil: o valor da multa deve ser revertido em favor da pessoa que seria beneficiada com a conduta que deveria ter sido cumprida. É que o prevê atualmente, de forma expressa, o art. 537, § 2º do CPC:

Art. 537 (…) § 2º O valor da multa será devido ao exequente.

• No processo penal: os valores deverão ser revertidos ao Estado (em sentido amplo). Logo, se aplicada a multa pela Justiça federal, eventuais valores bloqueados serão revertidos em favor da União; se, porém, a medida foi adotada pela Justiça estadual, os valores deverão ficar com o Estado-membro respectivo.

19
Q

Considera-se infiltração policial o agente representar a vítima nas negociações de extorção?

A

Resumo

Não há infiltração policial quando agente lotado em agência de inteligência, sob identidade falsa, apenas representa o ofendido nas negociações da extorsão, sem se introduzir ou se infiltrar na organização criminosa com o propósito de identificar e angariar a confiança de seus membros ou obter provas sobre a estrutura e o funcionamento do bando. STJ. 6ª Turma. HC 512.290-RJ, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 18/08/2020 (Info 677).

Inteiro teor

Imagine a seguinte situação hipotética:

João e Pedro, dois fiscais do Instituto de Proteção Ambiental, foram até determinada empresa com o intuito de averiguar a ocorrência de supostos ilícitos ambientais.

Esses dois fiscais disseram ao proprietário da empresa que havia inúmeras irregularidades no local e exigiram R$ 100 mil para não lavrarem auto de infração.

O proprietário pagou R$ 20 mil na hora e combinou de entregar os R$ 80 mil restantes na semana seguinte.

O responsável pela empresa relatou o fato ao Ministério Público que decidiu investigar diretamente o caso, requisitando o auxílio da agência de inteligência da Secretaria de Estado de Segurança do Rio de Janeiro, que organizou um plano para reunir provas e prender em flagrante os fiscais.

Alguns dias depois, João ligou para o celular do proprietário da empresa. Como parte do plano, quem atendeu a chamada foi Ricardo (policial militar que estava cedido à agência de inteligência). Ele se identificou como sendo Tiago, gerente da empresa. João exigiu o restante do pagamento e Ricardo combinou um local para entregar a quantia.

João explicou que, por questões de segurança dele, quem iria pegar o dinheiro seria Lucas, um dos seus comandados.

Assim, no dia designado, Ricardo/Tiago foi até o local ajustado e encontrou com Lucas.

Ricardo/Tiago se identificou como policial, explicou que Lucas também estava praticando crime e ofereceu a ele que poderia fazer um acordo de colaboração premiada. Ele aceitou, o acordo foi homologado pela Justiça e passou a cooperar com as investigações.

Lucas foi entregar o dinheiro da propina para João e Pedro e, com um celular escondido, gravou toda a conversa na qual os servidores confessaram a prática deste e de outros delitos.

HOUVE, NO CASO, INFILTRAÇÃO POLICIAL?

Prova ilícita

João, Pedro e outros membros da organização criminosa foram denunciados pela prática de extorsão.

No processo, suscitaram a ilicitude das provas colhidas. Isso porque, segundo alegou a defesa, no caso concreto, houve uma “infiltração policial”, técnica de investigação que somente pode ser realizada com prévia autorização judicial, conforme exige o art. 10 da Lei nº 12.850/2013:

Art. 10. A infiltração de agentes de polícia em tarefas de investigação, representada pelo delegado de polícia ou requerida pelo Ministério Público, após manifestação técnica do delegado de polícia quando solicitada no curso de inquérito policial, será precedida de circunstanciada, motivada e sigilosa autorização judicial, que estabelecerá seus limites.

A defesa dos acusados alegou, portanto, que Ricardo atuou como policial infiltrado, sob identidade falsa (Tiago), e que isso só seria permitido se tivesse havido autorização judicial.

O que é a infiltração de agentes?

A infiltração de agentes é uma técnica especial de investigação por meio da qual um policial, escondendo sua real identidade, finge ser também um criminoso a fim de ingressar na organização criminosa e, com isso, poder coletar elementos informativos a respeito dos delitos que são praticados pelo grupo, identificando os seus integrantes, sua forma de atuação, os locais onde moram e atuam, o produto dos delitos e qualquer outra prova que sirva para o desmantelamento da organização e para ser utilizado no processo penal.

Características

A doutrina aponta três características básicas que marcam o instituto:

a) a dissimulação, ou seja, a ocultação da condição de agente oficial e de suas verdadeiras intenções;
b) o engano, considerando que toda a operação de infiltração se apoia numa encenação que permite ao agente obter a confiança do suspeito; e
c) a interação, isto é, uma relação direta e pessoal entre o agente e o autor potencial. Nesse sentido: MASSON, Cleber; MARÇAL, Vinícius. Crime organizado. 2ª ed. São Paulo: Método, 2016, p. 272/273.

Infiltração policial na legislação brasileira

Essa técnica de investigação está prevista, atualmente, em quatro diplomas normativos:

  • art. 53, I, da Lei nº 11.343/2006 (Lei de Drogas);
  • art. 10 da Lei nº 12.850/2013 (Lei do Crime Organizado);
  • arts. 190-A a 190-E do ECA, inseridos pela Lei nº 13.441/2017;
  • art. 1º, § 6º da Lei nº 9.613/98 (Lei de Lavagem de Dinheiro), inserido pela Lei nº 13.964/2019.

Lei de Drogas (art. 53, I)

Principais características:

  • Não prevê prazo máximo.
  • Não disciplina procedimento a ser adotado.

Lei do Crime Organizado (arts. 10 a 14)

Principais características:

  • Prazo de 6 meses, podendo ser sucessivamente prorrogada.
  • Só poderá ser adotada se a prova não puder ser produzida por outros meios disponíveis.

ECA (arts. 190-A a 190-E)

Principais características:

  • Prazo de 90 dias, sendo permitidas renovações, mas o prazo total da infiltração não poderá exceder 720 dias.
  • Só poderá ser adotada se a prova não puder ser produzida por outros meios disponíveis.
  • A infiltração de agentes ocorre apenas na internet.

Lei de Lavagem de Dinheiro (art. 1º, § 6º)

A Lei nº 13.964/2019 inseriu dispositivo na Lei de Lavagem prevendo o seguinte:

Art. 1º (…) § 6º Para a apuração do crime de que trata este artigo, admite-se a utilização da ação controlada e da infiltração de agentes.

Procedimento da infiltração policial na Lei nº 12.850/2013

Pedido e legitimidade

A infiltração de agentes de polícia em tarefas de investigação deverá ser pedida ao Juiz mediante:

  • representação do Delegado de Polícia; ou
  • requerimento do Ministério Público.

Requisitos do pedido

O requerimento do Ministério Público ou a representação do delegado de polícia para a infiltração de agentes deverão conter:

  • a demonstração da necessidade da medida;
  • o alcance das tarefas dos agentes;
  • os nomes ou apelidos das pessoas investigadas (quando isso for possível); e
  • o local da infiltração.

Distribuição sigilosa

O pedido de infiltração será sigilosamente distribuído, de forma a não conter informações que possam indicar a operação a ser efetivada ou identificar o agente que será infiltrado.

As informações quanto à necessidade da operação de infiltração serão dirigidas diretamente ao Juiz competente.

Manifestação técnica do Delegado

Se o requerimento for formulado pelo MP no curso de inquérito policial, antes de o Juiz decidir deverá haver manifestação técnica do Delegado.

Oitiva do MP

Na hipótese de representação do Delegado de Polícia, o Juiz competente, antes de decidir, ouvirá o Ministério Público.

 (Delegado PC/SP 2018 Vunesp) A infiltração de agentes de polícia em tarefas de investigação dependerá de representação do Delegado de Polícia, descrevendo indícios seguros na necessidade de obter as informações por meio desta operação, ao juiz competente que poderá autorizar, de forma circunstanciada, motivada e sigilosa, cientificando, posteriormente, o Ministério Público para o devido acompanhamento. (errado)

Prazo para decisão

O Juiz decidirá o pedido no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, após manifestação do MP na hipótese de representação do delegado de polícia.

Decisão judicial

A decisão do Juiz autorizando a infiltração deve ser:

a) prévia;
b) circunstanciada;
c) motivada; e
d) sigilosa.

Além disso, a decisão deverá:

  • estabelecer os limites da infiltração; e
  • adotar as medidas necessárias para o êxito das investigações e a segurança do agente infiltrado.

Requisitos

1) houver indícios da prática de infração penal que trata o art. 1º da Lei nº 12.850/2013

Obs: mesmo que o delito investigado não seja o de organização criminosa, caso seja necessária a infiltração policial, deverão ser observados, por analogia, os requisitos da Lei nº 12.850/2013;

Obs2: a Lei do Tráfico de Pessoas e a Lei de Terrorismo preveem a possibilidade de aplicação da infiltração com base na Lei nº 12.850/2013.

2) se a prova não puder ser produzida por outros meios disponíveis.

Assim, a infiltração é técnica de investigação subsidiária (a infiltração é a ultima ratio).

Prazo

A infiltração será autorizada pelo prazo de até 6 meses.

Este prazo poderá ser objeto de renovações (no plural), desde que comprovada sua necessidade.

Relatório

Findo o prazo previsto para a infiltração, o agente infiltrado deverá elaborar um relatório circunstanciado que será apresentado ao Juiz competente, que imediatamente cientificará o Ministério Público.

Além desse relatório final, o Delegado ou o MP também poderão exigir, a qualquer tempo durante o inquérito policial, que o agente infiltrado apresente um relatório da atividade de infiltração.

Risco ao agente

Havendo indícios seguros de que o agente infiltrado sofre risco iminente, a operação será sustada (suspensa) mediante requisição do Ministério Público ou pelo Delegado de Polícia, dando-se imediata ciência ao Ministério Público e à autoridade judicial.

Informações sobre a infiltração deverão acompanhar a denúncia

Os autos contendo as informações da operação de infiltração acompanharão a denúncia do Ministério Público, quando serão disponibilizados à defesa, assegurando-se a preservação da identidade do agente.

Eventuais crimes praticados pelo agente infiltrado

Não é punível, no âmbito da infiltração, crime praticado pelo agente infiltrado no curso da investigação, quando for inexigível dele conduta diversa.

Excessos

O agente que não guardar, em sua atuação, a devida proporcionalidade com a finalidade da investigação, responderá pelos excessos praticados.

Direitos do agente infiltrado

São direitos do agente:

I - recusar ou fazer cessar a atuação infiltrada;

II - ter sua identidade alterada, podendo até mesmo alterar seu nome (art. 9º da Lei nº 9.807/99), além de usufruir das medidas de proteção a testemunhas;

III - ter seu nome, sua qualificação, sua imagem, sua voz e demais informações pessoais preservadas durante a investigação e o processo criminal, salvo se houver decisão judicial em contrário;

IV - não ter sua identidade revelada, nem ser fotografado ou filmado pelos meios de comunicação, sem sua prévia autorização por escrito.

Conforme vimos acima, a infiltração policial consiste em técnica por meio da qual o agente entra

“no seio da organização criminosa, passando a integrá-la como se criminoso fosse – na verdade, como se um novo integrante fosse. Agindo assim, penetrando no organismo e participando das atividades diárias, das conversas, problemas e decisões, como também por vezes de situações concretas, ele passa a ter condições de melhor compreendê-la para melhor combatê-la através do repasse de informações às autoridades.” (MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime organizado – aspectos gerais e mecanismos legais. São Paulo: Atlas: 2007, p. 54)

No mesmo sentido é a lição de Denilson Feitoza Pacheco, para quem

“infiltração é a introdução de agente público, dissimuladamente quanto à finalidade investigativa (provas e informações) e/ou operacional (“dado negado” ou de difícil acesso) em quadrilha, bando, organização criminosa ou associação criminosa ou, ainda, em determinadas hipóteses (como crimes de drogas), no âmbito social, profissional ou criminoso do suposto autor de crime, a fim de obter provas que possibilitem, eficazmente, prevenir, detectar, reprimir ou, enfim, combater a atividade criminosa deles.” (PACHECO, Denilson Feitoza. Direito processual penal: teoria, crítica e práxis. 6ª ed. rev., ampl. e atual. Niterói: Impetus, 2009, p. 820).

Na hipótese, não há que se falar em infiltração policial, uma vez que o agente lotado na agência de inteligência, sob identidade falsa, apenas representou o ofendido nas negociações da extorsão, sem se introduzir ou se infiltrar na organização criminosa com o propósito de identificar e angariar a confiança de seus membros ou obter provas sobre a estrutura e o funcionamento do bando.

20
Q

É lícita a gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro ?

A

Resumo

As inovações do Pacote Anticrime na Lei n. 9.296/1996 não alteraram o entendimento de que é lícita a prova consistente em gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem conhecimento do outro. STJ. 6ª Turma. HC 512.290-RJ, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 18/08/2020 (Info 677).

Inteiro teor

Imagine a seguinte situação hipotética:

João e Pedro, dois fiscais do Instituto de Proteção Ambiental, foram até determinada empresa com o intuito de averiguar a ocorrência de supostos ilícitos ambientais.

Esses dois fiscais disseram ao proprietário da empresa que havia inúmeras irregularidades no local e exigiram R$ 100 mil para não lavrarem auto de infração.

O proprietário pagou R$ 20 mil na hora e combinou de entregar os R$ 80 mil restantes na semana seguinte.

O responsável pela empresa relatou o fato ao Ministério Público que decidiu investigar diretamente o caso, requisitando o auxílio da agência de inteligência da Secretaria de Estado de Segurança do Rio de Janeiro, que organizou um plano para reunir provas e prender em flagrante os fiscais.

Alguns dias depois, João ligou para o celular do proprietário da empresa. Como parte do plano, quem atendeu a chamada foi Ricardo (policial militar que estava cedido à agência de inteligência). Ele se identificou como sendo Tiago, gerente da empresa. João exigiu o restante do pagamento e Ricardo combinou um local para entregar a quantia.

João explicou que, por questões de segurança dele, quem iria pegar o dinheiro seria Lucas, um dos seus comandados.

Assim, no dia designado, Ricardo/Tiago foi até o local ajustado e encontrou com Lucas.

Ricardo/Tiago se identificou como policial, explicou que Lucas também estava praticando crime e ofereceu a ele que poderia fazer um acordo de colaboração premiada. Ele aceitou, o acordo foi homologado pela Justiça e passou a cooperar com as investigações.

Lucas foi entregar o dinheiro da propina para João e Pedro e, com um celular escondido, gravou toda a conversa na qual os servidores confessaram a prática deste e de outros delitos.

[…]

Outro argumento da defesa foi o de que a gravação ambiental da conversa, realizada por Lucas (colaborador premiado), teria sido ilegal. Essa tese é acolhida pela jurisprudência?

NÃO. Vamos entender com calma.

Captação ambiental

Ocorre quando são registrados sons ou imagens envolvendo a conversa ou o comportamento de duas ou mais pessoas em um determinado ambiente, como um escritório, um restaurante, a entrada de um prédio etc.

Captação em sentido amplo

Apesar de haver posições em sentido contrário, a expressão “captação” ambiental deve ser tomada como um gênero, do qual são espécies a interceptação, a escuta e a gravação ambiental. Vejamos:

INTERCEPTAÇÃO ambiental

Ocorre quando um terceiro capta o diálogo ou as imagens envolvendo duas ou mais pessoas, sem que nenhum dos alvos saiba.

Ex: polícia, com autorização judicial, instala um microfone e um gravador escondidos no gabinete de um servidor público investigado por corrupção

ESCUTA ambiental

Ocorre quando um terceiro capta o diálogo ou as imagens envolvendo duas ou mais pessoas, sendo que um dos alvos sabe que está sendo realizada a escuta.

Ex: polícia filma o momento em que determinado empresário (ciente da filmagem) entrega quantia em dinheiro exigida por fiscal corrupto.

GRAVAÇÃO ambiental

Ocorre quando o diálogo ou as imagens envolvendo duas ou mais pessoas é captado, sendo que um dos alvos é o autor dos registros. Também é chamada de gravação ambiental clandestina (obs: a palavra “clandestina” está empregada não na acepção de “ilícito”, mas sim no sentido de “feito às ocultas”).

Ex: mulher instala uma câmera na casa e filma o momento em que o ex-marido ameaça matála.

Antes da Lei nº 13.964/2019 (Pacote Anticrime), para que houvesse a interceptação ou escuta ambiental era necessária autorização judicial?

Depende:

  • Se as pessoas investigadas estivessem em um ambiente público ou de acesso público: prevalecia o entendimento de que não havia necessidade de autorização judicial, considerando que não havia violação à privacidade e muito menos à intimidade. É o caso, por exemplo, da filmagem de um crime que ocorre em plena rua;
  • Se a captação ocorresse um local de acesso restrito: era necessária a autorização judicial. É o caso da captação ambiental realizada em um escritório ou em uma residência. Neste sentido, confira-se os seguintes precedentes:

Conforme destacou o Ilustre Ministro Sepúlveda Pertence, ao proferir seu voto no julgamento do habeas corpus n. 87.341-3/PR, “[…] não há nenhuma ilicitude na documentação cinematográfica da prática de um crime, a salvo, é claro, se o agente se encontra numa situação de intimidade. Obviamente não é o caso de uma corrupção passiva praticada em repartição pública. (STF, HC 87.341/PR, 1.ª Turma, Rel Min. EROS GRAU, DJ de 03/03/2006.) (…) STJ. 5ª Turma. HC 118860/SP, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 02/12/2010.

(…) Não configura prova ilícita gravação feita em espaço público, no caso, rodovia federal, tendo em vista a inexistência de “situação de intimidade” (HC n. 87341-3, Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Julgamento: 07.02.2006) (…) STJ. 3ª Seção. MS 12429/DF, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 23/05/2007.

E a gravação ambiental?

Prevalecia o seguinte entendimento: em regra, a gravação ambiental, realizada por um dos interlocutores, prescinde de autorização judicial:

É lícita a prova consistente em gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem conhecimento do outro.STF. Plenário. RE 583937 QO-RG, Rel. Min. Cezar Peluso, julgado em 19/11/2009 (Repercussão Geral – Tema 237).

Assim, se “A” e “B” estão conversando, “A” pode gravar essa conversa mesmo que “B” não saiba. Para a jurisprudência, a gravação de conversa feita por um dos interlocutores sem o conhecimento dos demais é considerada lícita. Nesse sentido:

 (Promotor MP/SP 2019) A realização de gravação ambiental por um dos interlocutores sem conhecimento do outro é considerada lícita. (certo)

A única exceção em que haveria ilicitude se dá no caso em que a conversa era amparada por sigilo (ex: advogados e clientes, padres e fiéis).

E, agora, com a Lei nº 13.964/2019?

A Lei nº 13.964/2019 inseriu o art. 8º-A na Lei nº 9.296/96 exigindo, de forma genérica, a prévia autorização judicial para a captação ambiental:

Art. 8º-A. Para investigação ou instrução criminal, poderá ser autorizada pelo juiz, a requerimento da autoridade policial ou do Ministério Público, a captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos, quando:

I - a prova não puder ser feita por outros meios disponíveis e igualmente eficazes; e

II - houver elementos probatórios razoáveis de autoria e participação em infrações criminais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos ou em infrações penais conexas.

§ 1º O requerimento deverá descrever circunstanciadamente o local e a forma de instalação do dispositivo de captação ambiental. (Incluído pela Lei 13.964/2019)

§ 2º (VETADO).

§ 3º A captação ambiental não poderá exceder o prazo de 15 (quinze) dias, renovável por decisão judicial por iguais períodos, se comprovada a indispensabilidade do meio de prova e quando presente atividade criminal permanente, habitual ou continuada. (Incluído pela Lei 13.964/2019)

§ 4º (VETADO).

§ 5º Aplicam-se subsidiariamente à captação ambiental as regras previstas na legislação específica para a interceptação telefônica e telemática.

Vale ressaltar, contudo, que continua sendo desnecessária a autorização judicial em caso de captação ambiental realizada por um dos interlocutores. A Lei acolheu a interpretação da jurisprudência e foi inserido o art. 10-A, § 1º na Lei nº 9.296/96, com a seguinte redação:

Art. 10-A (…) § 1º Não há crime se a captação é realizada por um dos interlocutores.

Desse modo, pode-se afirmar o seguinte:

As inovações do Pacote Anticrime na Lei nº 9.296/96 não alteraram o entendimento de que é LÍCITA (válida) a prova consistente em gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem conhecimento do outro. STJ. 6ª Turma. HC 512.290-RJ, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 18/08/2020 (Info 677).

A gravação ambiental realizada por colaborador premiado, um dos interlocutores da conversa, sem o consentimento dos outros, é lícita, ainda que obtida sem autorização judicial, e pode ser validamente utilizada como meio de prova no processo penal.

No caso, Lucas decidiu colaborar com a Justiça e, munido com equipamentos estatais, registrou a conversa que entabulou com os comparsas no momento da entrega do dinheiro.

21
Q

PARA QUE HAJA AÇÃO CONTROLADA É NECESSÁRIA PRÉVIA AUTORIZAÇÃO JUDICIAL?

A

Resumo

Ação controlada do art. 8º, § 1º da Lei nº 12.850/2013 exige apenas comunicação prévia (e não autorização judicial)

A ação controlada prevista no § 1º do art. 8º da Lei nº 12.850/2013 independe de autorização, bastando sua comunicação prévia à autoridade judicial. STJ. 6ª Turma. HC 512.290-RJ, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 18/08/2020 (Info 677).

OBS: LEI DE DROGAS E LEI DE LAVAGEM DE CAPITAIS EXIGEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL.

Inteiro teor

Atuação retardada da autoridade responsável

Se a autoridade (seja ela policial ou administrativa) constatar que existe uma infração penal em curso, ela deverá tomar as providências necessárias para que esta prática cesse imediatamente, devendo até mesmo realizar a prisão da pessoa que se encontre em flagrante delito.

A experiência demonstrou, contudo, que, em algumas oportunidades, é mais interessante, sob o ponto de vista da investigação, que a autoridade aguarde um pouco antes de intervir imediatamente e prender o agente que está praticando o ilícito. Isso ocorre porque em determinados casos se a autoridade esperar um pouco mais, retardando o flagrante, poderá descobrir outras pessoas envolvidas na prática da infração penal, reunir provas mais robustas, conseguir recuperar o produto ou proveito do crime, enfim, obter maiores vantagens para a persecução penal.

Conceito

Ação controlada é…

  • uma técnica especial de investigação
  • por meio da qual a autoridade policial ou administrativa (ex: Receita Federal, corregedorias),
  • mesmo percebendo que existem indícios da prática de um ato ilícito em curso,
  • retarda (atrasa, adia, posterga) a intervenção neste crime para um momento posterior,
  • com o objetivo de conseguir coletar mais provas,
  • descobrir coautores e partícipes da empreitada criminosa,
  • recuperar o produto ou proveito da infração ou
  • resgatar, com segurança, eventuais vítimas.

Nomenclatura

A ação controlada é também denominada de “flagrante prorrogado, retardado ou diferido”.

Previsão legislativa

A ação controlada é prevista nos seguintes dispositivos legais:

Convenção de Palermo (Decreto 5.015/2004):

Artigo 20

Técnicas especiais de investigação

1. Se os princípios fundamentais do seu ordenamento jurídico nacional o permitirem, cada Estado Parte, tendo em conta as suas possibilidades e em conformidade com as condições prescritas no seu direito interno, adotará as medidas necessárias para permitir o recurso apropriado a entregas vigiadas e, quando o considere adequado, o recurso a outras técnicas especiais de investigação, como a vigilância eletrônica ou outras formas de vigilância e as operações de infiltração, por parte das autoridades competentes no seu território, a fim de combater eficazmente a criminalidade organizada.

(…)

4. As entregas vigiadas a que se tenha decidido recorrer a nível internacional poderão incluir, com o consentimento dos Estados Partes envolvidos, métodos como a intercepção de mercadorias e a autorização de prosseguir o seu encaminhamento, sem alteração ou após subtração ou substituição da totalidade ou de parte dessas mercadorias.

Lei nº 11.343/2006 (Lei de Drogas):

Art. 53. Em qualquer fase da persecução criminal relativa aos crimes previstos nesta Lei, são permitidos, além dos previstos em lei, mediante autorização judicial e ouvido o Ministério Público, os seguintes procedimentos investigatórios:

(…) II - a não-atuação policial sobre os portadores de drogas, seus precursores químicos ou outros produtos utilizados em sua produção, que se encontrem no território brasileiro, com a finalidade de identificar e responsabilizar maior número de integrantes de operações de tráfico e distribuição, sem prejuízo da ação penal cabível. Parágrafo único. Na hipótese do inciso II deste artigo, a autorização será concedida desde que sejam conhecidos o itinerário provável e a identificação dos agentes do delito ou de colaboradores.

Lei nº 9.613/98 (Lei de Lavagem de Capitais):

Art. 1º (…) § 6º Para a apuração do crime de que trata este artigo, admite-se a utilização da ação controlada e da infiltração de agentes. (Incluído pela Lei nº 13.964/2019)

Art. 4º-B. A ordem de prisão de pessoas ou as medidas assecuratórias de bens, direitos ou valores poderão ser suspensas pelo juiz, ouvido o Ministério Público, quando a sua execução imediata puder comprometer as investigações. (Incluído pela Lei nº 12.683/2012) (…)

Lei nº 12.850 (Lei do Crime Organizado):

Art. 8º Consiste a ação controlada em retardar a intervenção policial ou administrativa relativa à ação praticada por organização criminosa ou a ela vinculada, desde que mantida sob observação e acompanhamento para que a medida legal se concretize no momento mais eficaz à formação de provas e obtenção de informações.

Para que ocorra a ação controlada é necessária prévia autorização judicial?

A resposta irá depender do tipo de crime que está sendo investigado. Se a ação controlada envolver crimes:

  • da Lei de Drogas ou de Lavagem de Dinheiro: SIM. Será necessária prévia autorização judicial porque o art. 52, II, da Lei nº 11.343/2006 e o art. 4ºB da Lei nº 9.613/98 assim o exigem.
  • praticados por organização criminosa: NÃO. Neste caso será necessário apenas que a autoridade (policial ou administrativa) avise o juiz que irá realização ação controlada. Veja o que diz o § 1º do art. 8º da Lei nº 12.850/2013:

Art. 8º (…) § 1º O retardamento da intervenção policial ou administrativa será previamente comunicado ao juiz competente que, se for o caso, estabelecerá os seus limites e comunicará ao Ministério Público.

A ação controlada consistiu no acompanhamento dos passos de Lucas e da entrega do dinheiro a João e Pedro, havendo o retardamento da prisão em flagrante. No caso concreto, o Poder Judiciário sabia da ação controlada considerando que essa programada do dinheiro constava como sendo uma das obrigações do colaborador premiado.

Limites à ação controlada

O § 1º do art. 8º da Lei nº 12.850/2013 afirma que, depois de o juiz ser comunicado sobre a realização da ação controlada ele poderá estabelecer limites a essa prática.

Ex1: o juiz poderá estabelecer limite de tempo para a ação controlada, de forma que depois disso, por exemplo, a autoridade deverá obrigatoriamente intervir (24h, 2 dias, uma semana etc.).

Ex2: o magistrado poderá determinar a autoridade policial que não permita determinadas condutas que violem de forma muito intensa ou irreversível o bem jurídico. Seria o caso de o juiz alertar o Delegado: em caso de ofensa à integridade física de vítimas, que a força policial deverá intervir imediatamente, evitando lesões corporais ou morte.

Apesar de o § 1º falar apenas em limites, penso que o juiz poderá também simplesmente indeferir a ação controlada, determinando a imediata intervenção policial sempre que não estiverem previstos os requisitos legais ou quando a postergação não for recomendada. Ex1: se não envolver organização criminosa considerando que não estaria previsto o requisito legal. Ex2: se a polícia descobriu o cativeiro de uma vítima e há interceptação telefônica afirmando que irão matá-la a qualquer momento.

Procedimento no caso da comunicação da ação controlada (art. 8º da Lei nº 12.850/2013)

1) A autoridade policial ou administrativa comunica o juiz sobre a realização da ação controlada, demonstrando a conveniência da medida e o planejamento de atuação;
2) No setor de protocolo da Justiça, a comunicação deverá ser sigilosamente distribuída, de forma a não conter informações que possam indicar a operação a ser efetuada;
3) O juiz comunicará o Ministério Público acerca do procedimento e poderá estabelecer limites à ação controlada;
4) Até o encerramento da diligência, o acesso aos autos será restrito ao juiz, ao Ministério Público e ao delegado de polícia, como forma de garantir o êxito das investigações;

Ação controlada envolvendo transposição de fronteiras

Se a ação controlada envolver transposição de fronteiras, o retardamento da intervenção policial ou administrativa somente poderá ocorrer com a cooperação das autoridades dos países que figurem como provável itinerário ou destino do investigado, de modo a reduzir os riscos de fuga e extravio do produto, objeto, instrumento ou proveito do crime (art. 9º da Lei nº 12.850/2013).

 (Delegado PC/MG Fumarc 2018) Mesmo que envolva a transposição de fronteiras, não haverá necessidade de cooperação do país tido como provável destino do investigado. (errado)

5) Ao término da diligência, a autoridade policial ou administrativa deverá elaborar um auto circunstanciado acerca da ação controlada.

22
Q

Outro ponto questionado pela defesa foi o fato de o Ministério Público não ter requisitado o auxílio da polícia na investigação dos fatos, mas sim da agência de inteligência da Secretaria de Segurança Pública. Houve alguma ilegalidade nesse procedimento?

A

NÃO.

É legal o auxílio da agência de inteligência ao Ministério Público Estadual durante procedimento criminal instaurado para apurar graves crimes em contexto de organização criminosa. STJ. 6ª Turma. HC 512.290-RJ, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 18/08/2020 (Info 677)

A atividade de inteligência desempenhada por agências dos estados consiste no exercício de ações especializadas para identificar, avaliar e acompanhar ameaças reais ou potenciais na esfera de segurança pública.

Essa atividade alcança diversos campos de atuação. Um deles é a inteligência policial judiciária. Entre suas finalidades está não só subsidiar o planejamento estratégico de políticas públicas, mas também assessorar com informações as ações de prevenção e repressão de atos criminosos.

Apesar de não se confundir com a investigação, nem se esgotar com o objetivo desta, uma vez que a inteligência de segurança pública opera na busca incessante de dados, o resultado de suas operações pode, ocasionalmente, ser aproveitado no processo penal para subsidiar a produção de provas, desde que materializado em relatório técnico.

O Ministério Público é legitimado a promover, por autoridade própria, procedimentos investigatórios criminais e, além disso, exerce o controle externo das polícias.

No caso em apreço, o Parquet optou por não utilizar a estrutura da própria Polícia Civil para auxiliá-lo no procedimento apuratório criminal, e é incabível criar limitação alheia ao texto constitucional para o exercício conjunto da atividade investigativa pelos órgãos estatais.

A atribuição de polícia judiciária conferida às polícias civil e federal não torna nula a colheita de elementos informativos por outras fontes.

Ademais, o art. 3º, VIII, da Lei nº 12.850/2013 permite a cooperação entre as instituições públicas na busca de dados de interesse da investigação.

23
Q

O tempo excedido, na frequência escolar, ao limite legal de 12 horas a cada 3 dias pode ser considerado para fins de remição da pena?

A

O art. 126 da Lei de Execuções Penais prevê duas hipóteses de remição da pena: por trabalho ou por estudo.

Para fins de remição da pena pelo trabalho, a jornada não pode ser superior a 8 horas. O STJ, contudo, entende que eventuais horas extras devem ser computadas quando excederem a oitava hora diária, hipótese em que se admite o cômputo do excedente para fins de remição de pena.

No caso da remição pelo estudo, o reeducando poderá remir 1 dia de pena a cada 12 horas de atividade, divididas, no mínimo, em 3 dias.

O STJ entende que, se o reeducando estudar mais que 12 horas, isso deverá ser considerado para fins de remição da pena. STJ. 5ª Turma. AgRg no AREsp 1720688/SC, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 06/10/2020.