[AC] Direito Processual Penal e Execução Penal Flashcards
As notícias anônimas (“denúncias anônimas”) autorizam a propositura de ação penal ou a investigação preliminar? E o emprego de métodos invasivos de investigação, como interceptação telefônica ou busca e apreensão?
As notícias anônimas (“denúncias anônimas”) não autorizam, por si sós, a propositura de ação penal ou mesmo, na fase de investigação preliminar, o emprego de métodos invasivos de investigação, como interceptação telefônica ou busca e apreensão. Entretanto, elas podem constituir fonte de informação e de provas que não podem ser simplesmente descartadas pelos órgãos do Poder Judiciário. Procedimento a ser adotado pela autoridade policial em caso de “denúncia anônima”:
- Realizar investigações preliminares para confirmar a credibilidade da “denúncia”;
- Sendo confirmado que a “denúncia anônima” possui aparência mínima de procedência, instaura-se inquérito policial;
- Instaurado o inquérito, a autoridade policial deverá buscar outros meios de prova que não a interceptação telefônica (esta é a ultima ratio). Se houver indícios concretos contra os investigados, mas a interceptação se revelar imprescindível para provar o crime, poderá ser requerida a quebra do sigilo telefônico ao magistrado.
STF. 1ª Turma. HC 106152/MS, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 29/3/2016 (Info 819).
Não é possível decretar medida de busca e apreensão com base unicamente em “denúncia anônima”
STF. 1ª Turma. HC 106152/MS, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 29/3/2016 (Info 819).
Não é possível decretar interceptação telefônica com base unicamente em “denúncia anônima”
STJ. 6ª Turma. HC 204.778/SP, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 04/10/2012.
O fato de a revista íntima ser realizada com base em denúncia anônima torna necessariamente ilícita a prova dela obtida?
É ilícita a prova obtida por meio de revista íntima realizada com base unicamente em denúncia anônima. Caso concreto: a diretora da unidade prisional recebeu uma ligação anônima dizendo que Rafaela, que iria visitar seu marido João, tentaria entrar no presídio com droga. Diante disso, a diretora ordenou que a agente penitenciária fizesse uma revista minuciosa em Rafaela. Na revista íntima efetuada, a agente penitenciária encontrou droga escondida na vagina da visitante. Rafaela confessou que estava levando a droga para seu marido. A prova colhida é ilícita.
STJ. 6ª Turma. REsp 1.695.349-RS, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 08/10/2019 (Info 659).
O fato de um dos interlocutores de uma conversa não ter ciência de que ela está sendo gravada torna ilícito seu uso como meio de prova?
As inovações do Pacote Anticrime na Lei n. 9.296/1996 não alteraram o entendimento de que é lícita a prova consistente em gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem conhecimento do outro.
STJ. 6ª Turma. HC 512.290-RJ, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 18/08/2020 (Info 677).
É lícita a prova obtida por meio de abertura de carta, telegrama ou encomenda postada nos Correios, ou tal prática ofende a inviolabilidade do sigilo das correspondências?
Sem autorização judicial ou fora das hipóteses legais, é ilícita a prova obtida mediante abertura de carta, telegrama, pacote ou meio análogo.
STF. Plenário. RE 1116949, Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. p/ Acórdão Min. Edson Fachin, julgado em 18/08/2020 (Repercussão Geral – Tema 1041) (Info 993).
O réu estava sendo investigado pela prática do crime de tráfico de drogas. Presentes os requisitos constitucionais e legais, o juiz autorizou a interceptação telefônica para apurar o tráfico. Por meio dos diálogos, descobriu-se que o acusado foi o autor de um homicídio. A prova obtida a respeito da prática de homicídio é lícita, ou o fato de a mesmo a interceptação telefônica tendo sido decretada para investigar outro delito que não tinha relação com o crime contra a vida a invalida?
A prova obtida a respeito da prática do homicídio é LÍCITA, mesmo a interceptação telefônica tendo sido decretada para investigar outro delito que não tinha relação com o crime contra a vida. Na presente situação, tem-se aquilo que o Min. Alexandre de Moraes chamou de “crime achado”, ou seja, uma infração penal desconhecida e não investigada até o momento em que, apurando-se outro fato, descobriu-se esse novo delito. Para o Min. Alexandre de Moraes, a prova é considerada lícita, mesmo que o “crime achado” não tenha relação (não seja conexo) com o delito que estava sendo investigado, desde que tenham sido respeitados os requisitos constitucionais e legais e desde que não tenha havido desvio de finalidade ou fraude.
STF. 1ª Turma. HC 129678/SP, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 13/6/2017 (Info 869).
Imagine uma situação em que o agente lotado em agência de inteligência, sob identidade falsa, representa o ofendido nas negociações da extorsão. Essa situação configura infiltração policial (a atrair a disciplina legal sobre o tema)?
Não há infiltração policial quando um agente lotado em agência de inteligência, sob identidade falsa, apenas representa o ofendido nas negociações da extorsão, sem se introduzir ou se infiltrar na organização criminosa com o propósito de identificar e angariar a confiança de seus membros ou obter provas sobre a estrutura e o funcionamento do bando.
STJ. 6ª Turma. HC 512.290-RJ, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 18/08/2020 (Info 677).
Ação controlada do art. 8º, § 1º da Lei nº 12.850/2013 exige apenas comunicação** ou **autorização prévia da autoridade judicial?
A ação controlada prevista no § 1º do art. 8º da Lei nº 12.850/2013 independe de autorização, bastando sua comunicação prévia à autoridade judicial.
STJ. 6ª Turma. HC 512.290-RJ, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 18/08/2020 (Info 677).
É legal o auxílio da agência de inteligência ao Ministério Público Estadual durante procedimento criminal instaurado para apurar graves crimes em contexto de organização criminosa?
É legal o auxílio da agência de inteligência ao Ministério Público Estadual durante procedimento criminal instaurado para apurar graves crimes em contexto de organização criminosa.
STJ. 6ª Turma. HC 512.290-RJ, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 18/08/2020 (Info 677).
Irregularidade verificada em inquérito policial leva à anulação do processo penal correspondente?
A suspeição de autoridade policial não é motivo de nulidade do processo, pois o inquérito é mera peça informativa, de que se serve o Ministério Público para o início da ação penal. Assim, é inviável a anulação do processo penal por alegada irregularidade no inquérito, pois, segundo jurisprudência firmada no STF, as nulidades processuais estão relacionadas apenas a defeitos de ordem jurídica pelos quais são afetados os atos praticados ao longo da ação penal condenatória.
STF. 2ª Turma. RHC 131450/DF, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 3/5/2016 (Info 824).
Indiciamento é atribuição exclusiva da autoridade policial?
Sim
- STJ. 5ª Turma. RHC 47.984-SP, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 4/11/2014 (Info 552).*
- STF. 2ª Turma. HC 115015/SP, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 27/8/2013 (Info 717).*
As investigações envolvendo autoridades com foro privativo no STF somente podem ser iniciadas após autorização formal do STF. Isso significa que qualquer diligência investigatória envolvendo autoridades com foro privativo no STF precisa ser previamente requerida e autorizada pelo STF?
As investigações envolvendo autoridades com foro privativo no STF somente podem ser iniciadas após autorização formal do STF. De igual modo, as diligências investigatórias envolvendo autoridades com foro privativo no STF precisam ser previamente requeridas e autorizadas pelo STF.
As investigações envolvendo autoridades com foro privativo no STF somente podem ser iniciadas após autorização formal do STF. De igual modo, qualquer diligência investigatória envolvendo autoridades com foro privativo no STF precisa ser previamente requerida e autorizada pelo STF. Diante disso, indaga-se: depois de o PGR requerer alguma diligência investigatória, antes de o Ministro Relator decidir, é necessário que a defesa do investigado seja ouvida e se manifeste sobre o pedido?
NÃO. As diligências requeridas pelo Ministério Público Federal e deferidas pelo Ministro-Relator são meramente informativas, não suscetíveis ao princípio do contraditório. Desse modo, não cabe à defesa controlar, “ex ante”, a investigação, o que acabaria por restringir os poderes instrutórios do Relator. Assim, o Ministro poderá deferir, mesmo sem ouvir a defesa, as diligências requeridas pelo MP que entender pertinentes e relevantes para o esclarecimento dos fatos.
STF. 2ª Turma. Inq 3387 AgR/CE, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 15/12/2015 (Info 812).
É necessário que o Ministério Público requeira ao TJ autorização para investigar a autoridade com foro privativo naquele Tribunal?
Não há necessidade de prévia autorização do Judiciário para a instauração de inquérito ou procedimento investigatório criminal contra investigado com foro por prerrogativa de função. Isso porque não existe norma exigindo essa autorização, seja na Constituição Federal, seja na legislação infraconstitucional. Logo, não há razão jurídica para condicionar a investigação de autoridade com foro por prerrogativa de função a prévia autorização judicial.
STJ. 5ª Turma. REsp 1563962/RN, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 08/11/2016.
ATENÇÃO!
Investigação envolvendo autoridades com foro privativo no STF: é necessária prévia autorização judicial (STF Inq 2411 QO).
Investigação envolvendo autoridades com foro privativo em outros tribunais: não é necessária prévia autorização judicial (REsp 1563962/RN).
Em regra, a autoridade com foro por prerrogativa de função pode ser indiciada. Quais são as exceções previstas em lei a tal regra (são duas)? E para indiciar autoridade com foro por prerrogativa de função, é necessário que a autoridade policial obtenha autorização do Judiciário?
Existem duas exceções previstas em lei de autoridades que não podem ser indiciadas: a) Magistrados (art. 33, parágrafo único, da LC 35/79); b) Membros do Ministério Público (art. 18, parágrafo único, da LC 75/93 e art. 41, parágrafo único, da Lei nº 8.625/93). Excetuadas as hipóteses legais, é plenamente possível o indiciamento de autoridades com foro por prerrogativa de função. No entanto, para isso, é indispensável que a autoridade policial obtenha uma autorização do Tribunal competente para julgar esta autoridade.
Ex: em um inquérito criminal que tramita no STJ para apurar crime praticado por Governador de Estado, o Delegado de Polícia constata que já existem elementos suficientes para realizar o indiciamento do investigado. Diante disso, a autoridade policial deverá requerer ao Ministro Relator do inquérito no STJ autorização para realizar o indiciamento do referido Governador.
NÃO É O MINISTRO RELATOR QUEM IRÁ FAZER O INDICIAMENTO. Este ato é privativo da autoridade policial. O Ministro Relator irá apenas autorizar que o Delegado realize o indiciamento.
STF. Decisão monocrática. HC 133835 MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 18/04/2016 (Info 825).
Em quais casos é possível desarquivar um inquérito policial, e em que casos não é possível (são seis hipóteses)?
1) Ausência de pressuposto processual ou de condição da ação penal - SIM
2) Falta de justa causa para a ação penal (não há indícios de autoria ou prova da materialidade) - SIM
3) Atipicidade (fato narrado não é crime) - NÃO
4) Existência manifesta de causa excludente de ilicitude - STJ: NÃO STF: SIM
5) Existência manifesta de causa excludente de culpabilidade - NÃO
6) Existência manifesta de causa extintiva da punibilidade - NÃO (Exceção: certidão de óbito falsa)
O acordo de não persecução penal (ANPP) aplica-se a fatos ocorridos antes da Lei nº 13.964/2019?
Desde que não recebida a denúncia
A Lei nº 13.964/2019 (“Pacote Anticrime”) inseriu o art. 28-A ao CPP, criando, no ordenamento jurídico pátrio, o instituto do acordo de não persecução penal (ANPP). A Lei nº 13.964/2019, no ponto em que institui o ANPP, é considerada lei penal de natureza híbrida, admitindo conformação entre a retroatividade penal benéfica e o tempus regit actum.
O ANPP se esgota na etapa pré-processual, sobretudo porque a consequência da sua recusa, sua não homologação ou seu descumprimento é inaugurar a fase de oferecimento e de recebimento da denúncia. O recebimento da denúncia encerra a etapa pré-processual, devendo ser considerados válidos os atos praticados em conformidade com a lei então vigente. Dessa forma, a retroatividade penal benéfica incide para permitir que o ANPP seja viabilizado a fatos anteriores à Lei nº 13.964/2019, desde que não recebida a denúncia. Assim, mostra-se impossível realizar o ANPP quando já recebida a denúncia em data anterior à entrada em vigor da Lei nº 13.964/2019.
- STJ. 5ª Turma. HC 607.003-SC, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 24/11/2020 (Info 683).*
- STF. 1ª Turma. HC 191464 AgR, Rel. Roberto Barroso, julgado em 11/11/2020.*
O Poder Judiciário pode impor ao MP a obrigação de ofertar ANPP, caso presentes todos os seus requisitos autorizadores?
O Poder Judiciário não pode impor ao Ministério Público a obrigação de ofertar acordo de não persecução penal (ANPP). Não cabe ao Poder Judiciário, que não detém atribuição para participar de negociações na seara investigatória, impor ao MP a celebração de acordos.
Não se tratando de hipótese de manifesta inadmissibilidade do ANPP, a defesa pode requerer o reexame de sua negativa, nos termos do art. 28-A, § 14, do CPP, não sendo legítimo, em regra, que o Judiciário controle o ato de recusa, quanto ao mérito, a fim de impedir a remessa ao órgão superior no MP. Isso porque a redação do art. 28-A, § 14, do CPP determina a iniciativa da defesa para requerer a sua aplicação.
STF. 2ª Turma. HC 194677/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 11/5/2021 (Info 1017).
Crimes cometidos por brasileiro no exterior são de competência da Justiça Federal ou Estadual?
O fato de o delito ter sido cometido por brasileiro no exterior, por si só, não atrai a competência da justiça federal.
STF. 1ª Turma. HC 105461/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 29/3/2016 (Info 819).
Em caso de conexão entre crime de competência da Justiça comum (federal ou estadual) e crime eleitoral, de quem é a competência para conhecer tais crimes?
Compete à Justiça Eleitoral julgar os crimes eleitorais e os comuns que lhes forem conexos. Cabe à Justiça Eleitoral analisar, caso a caso, a existência de conexão de delitos comuns aos delitos eleitorais e, em não havendo, remeter os casos à Justiça competente.
STF. Plenário. Inq 4435 AgR-quarto/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 13 e 14/3/2019 (Info 933).
Por regra, compete à Justiça Eleitoral julgar os crimes eleitorais e os comuns que lhes forem conexos. E se houver prescrição da pretensão punitiva do delito eleitoral?
Mesmo operada a prescrição quanto ao crime eleitoral, subsiste a competência da Justiça Eleitoral. Trata-se de aplicação lógica do disposto no art. 81 do CPP.
STF. 2ª Turma. RHC 177243/MG, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 29/6/2021 (Info 1024).
O fato de os agentes, utilizando-se de formulários falsos da Receita Federal, terem se passado por Auditores desse órgão com intuito de obter vantagem financeira ilícita de particulares atrai a competência da Justiça Federal?
O fato de os agentes, utilizando-se de formulários falsos da Receita Federal, terem se passado por Auditores desse órgão com intuito de obter vantagem financeira ilícita de particulares não atrai, por si só, a competência da Justiça Federal. Isso porque, em que pese tratar-se de uso de documento público, observa-se que a falsidade foi empregada, tão somente, em detrimento de particular. Assim sendo, se se pudesse cogitar de eventual prejuízo sofrido pela União, ele seria apenas reflexo, na medida em que o prejuízo direto está nitidamente limitado à esfera individual da vítima, uma vez que as condutas em análise não trazem prejuízo direto e efetivo a bens, serviços ou interesses da União, de suas entidades autárquicas ou empresas públicas (art. 109, IV, da CF).
STJ. 3ª Seção. CC 141.593-RJ, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 26/8/2015 (Info 568).
Como é classificado o delito do art. 240 do ECA (“produzir, reproduzir, dirigir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, cena de sexo explícito ou pornográfica, envolvendo criança ou adolescente”)? Material, formal ou de mera conduta? Dano ou perigo (concreto ou abstrato)? É crime próprio ativa ou passivamente? É tipo misto alternativo ou cumulativo?
Crime formal (consumação antecipada): o delito se consuma independentemente da ocorrência de um resultado naturalístico. Assim, a ocorrência de efetivo abalo psíquico e moral sofrido pela criança ou adolescente é mero exaurimento do crime, sendo irrelevante para a sua consumação¹. De igual forma, se forem filmadas mais de uma criança ou adolescente, no mesmo contexto fático, haverá crime único.
Crime comum: o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa.
Crime de subjetividade passiva própria: exige-se uma condição especial da vítima (no caso, exige-se que a vítima seja criança ou adolescente).
Tipo misto alternativo: o legislador descreveu duas ou mais condutas (verbos). No entanto, se o sujeito praticar mais de um verbo, no mesmo contexto fático e contra o mesmo objeto material, responderá por um único crime, não havendo concurso de crimes nesse caso. Logo, se o agente fotografou e filmou o ato sexual, no mesmo contexto fático, haverá crime único.
STJ. 5ª Turma. PExt no HC 438.080-MG, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 27/08/2019 (Info 655).
1 (observação pessoal: de acordo com a aula de temas avançados de penal, o resultado naturalístico é aquele tangível, que ocorre no mundo natural; exclui justamente os estados de ânimo, os abalos psíquicos e morais… esta explicação, portanto, não seria a mais adequada)
A quem compete processar e julgar os crimes consistentes em disponibilizar ou adquirir material pornográfico envolvendo criança ou adolescente (arts. 241, 241-A e 241-B do ECA), quando praticados por meio da rede mundial de computadores (internet)?
Compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes consistentes em disponibilizar ou adquirir material pornográfico envolvendo criança ou adolescente (arts. 241, 241-A e 241-B do ECA), quando praticados por meio da rede mundial de computadores (internet).
STF. Plenário. RE 628624/MG, Rel. Orig. Min. Marco Aurélio, Red. p/ o acórdão Min. Edson Fachin, julgado em 28 e 29/10/2015 (repercussão geral) (Info 805).
Se ficar constatada a internacionalidade da conduta: JUSTIÇA FEDERAL. Ex: publicação do material feita em sites que possam ser acessados por qualquer sujeito, em qualquer parte do planeta, desde que esteja conectado à internet.
Nos casos em que o crime é praticado por meio de troca de informações privadas, como nas conversas via Whatsapp ou por meio de chat na rede social Facebook: JUSTIÇA ESTADUAL. Isso porque tanto no aplicativo WhatsApp quanto nos diálogos (chat) estabelecido na rede social Facebook, a comunicação se dá entre destinatários escolhidos pelo emissor da mensagem. Trata-se de troca de informação privada que não está acessível a qualquer pessoa. Desse modo, como em tais situações o conteúdo pornográfico não foi disponibilizado em um ambiente de livre acesso, não se faz presente a competência da Justiça Federal.
STJ. 3ª Seção. CC 150.564-MG, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 26/4/2017 (Info 603).
Crimes ambientais envolvendo animais silvestres, em extinção, exóticos ou protegidos por compromissos internacionais são de competência da Justiça Federal?
Compete à Justiça Federal processar e julgar o crime ambiental de caráter transnacional que envolva animais silvestres, ameaçados de extinção e espécimes exóticas ou protegidas por compromissos internacionais assumidos pelo Brasil.
STF. Plenário. RE 835558/SP, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 9/2/2017 (repercussão geral) (Info 853)
A quem compete processar e julgar o crime de esbulho possessório de imóvel vinculado ao Programa Minha Casa Minha Vida?
O art. 161, § 1º, inciso II, do Código Penal, incrimina a conduta de invadir terreno ou edifício alheio, para o fim de esbulho possessório, com violência a pessoa ou grave ameaça, ou mediante concurso de mais de duas pessoas. A vítima do crime de esbulho possessório, tipificado no art. 161, § 1º, II, do Código Penal é o possuidor direto, pois é quem exercia o direito de uso e fruição do bem. Na hipótese de imóvel alienado fiduciariamente, é o devedor fiduciário que ostenta essa condição, pois o credor fiduciário possui tão-somente a posse indireta.
A Caixa Econômica Federal, enquanto credora fiduciária e, portanto, possuidora indireta, não é a vítima do referido delito. Contudo, no âmbito cível, a empresa pública federal possui legitimidade concorrente para propor eventual ação de reintegração de posse, diante do esbulho ocorrido. A sua legitimação ativa para a ação possessória demonstra a existência de interesse jurídico na apuração do crime, o que é suficiente para fixar a competência penal federal, nos termos do art. 109, IV, da CF/88. Os imóveis que integram o Programa Minha Casa Minha Vida são adquiridos, em parte, com recursos orçamentários federais. Tal fato evidencia o interesse jurídico da União na apuração do crime de esbulho possessório em relação a esse bem, ao menos enquanto for ele vinculado ao mencionado Programa, ou seja, quando ainda em vigência o contrato por meio do qual houve a compra do bem e no qual houve o subsídio federal, o que é a situação dos autos.
STJ. 3ª Seção. CC 179.467-RJ, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 09/06/2021 (Info 700).
A quem compete julgar crime a bordo de balão?
Compete à Justiça Estadual o julgamento de crimes ocorridos a bordo de balões de ar quente tripulados. Os balões de ar quente tripulados não se enquadram no conceito de “aeronave” (art. 106 da Lei nº 7.565/86), razão pela qual não se aplica a competência da Justiça Federal prevista no art. 109, IX, da CF/88).
STJ. 3ª Seção. CC 143.400-SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 24/04/2019 (Info 648).
A quem compete julgar fraudes praticadas na administração de operadora de plano de saúde que não seja seguradora?
Compete à justiça estadual o processamento e julgamento de ação penal que apura supostas fraudes praticadas por administrador na gestão de operadora de plano de saúde não caracterizada como seguradora.
A Lei nº 9.656/98 autoriza que os planos de saúde possam ser constituídos por diferentes formas jurídicas. Existem planos de saúde que são cooperativas, outros que são sociedades empresárias, entidades de autogestão etc. A Lei nº 10.185/2001 permite que sociedades seguradoras possam atuar como “plano de saúde”. Dessa forma, existem alguns planos de saúde que são “entidades seguradoras”. Outros planos, no entanto, são cooperativas, entidades de autogestão etc. Se a operadora de plano de saúde for uma “seguradora”, aí sim ela será considerada como instituição financeira. Caso contrário, ela não se enquadrará no art. 1º, caput ou parágrafo único, da Lei nº 7.492/86.
STJ. 3ª Seção. CC 148.110-MG, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Rel. para acórdão Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 23/11/2016 (Info 595).
A quem compete processar e julgar civil denunciado pelos crimes de falsificação e de uso de documento falso quando se tratar de falsificação da Caderneta de Inscrição e Registro (CIR) ou de Carteira de Habilitação de Amador (CHA), ambas expedidas pela Marinha do Brasil?
Súmula vinculante 36-STF: Compete à Justiça Federal comum processar e julgar civil denunciado pelos crimes de falsificação e de uso de documento falso quando se tratar de falsificação da Caderneta de Inscrição e Registro (CIR) ou de Carteira de Habilitação de Amador (CHA), ainda que expedidas pela Marinha do Brasil.
Havendo corréus com e sem prerrogativa de foro no STF, qual é a regra: o desmembramento de inquéritos ou de ações penais, ou seu julgamento conjunto pelo STF? Em que caso tal regra será superada?
O desmembramento de inquéritos ou de ações penais de competência do STF deve ser a regra geral, admitida exceção nos casos em que os fatos relevantes estejam de tal forma relacionados, que o julgamento em separado possa causar prejuízo relevante à prestação jurisdicional.
STF. Plenário. Inq 3515 AgR/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 13/2/2014 (Info 735).
As normas da Constituição de 1988 que estabelecem as hipóteses de foro por prerrogativa de função devem ser interpretadas restritivamente. Isso significa que ele se aplica apenas aos crimes que tenham sido praticados durante o exercício do cargo e em razão dele? Se o crime foi praticado antes de o indivíduo ser diplomado como Deputado Federal, a competência será do STF ou da Justiça Comum?
As normas da Constituição de 1988 que estabelecem as hipóteses de foro por prerrogativa de função devem ser interpretadas restritivamente, aplicando-se apenas aos crimes que tenham sido praticados durante o exercício do cargo e em razão dele. Assim, por exemplo, se o crime foi praticado antes de o indivíduo ser diplomado como Deputado Federal, não se justifica a competência do STF, devendo ele ser julgado pela 1ª instância mesmo ocupando o cargo de parlamentar federal. Além disso, mesmo que o crime tenha sido cometido após a investidura no mandato, se o delito não apresentar relação direta com as funções exercidas, também não haverá foro privilegiado. Foi fixada, portanto, a seguinte tese:
O foro por prerrogativa de função aplica-se apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas.
STF. Plenário. AP 937 QO/RJ, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 03/05/2018 (Info 900).
A regra é que foros especiais por prerrogativa de função se aplicam apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionado às funções desempenhadas. Há, contudo, uma grande exceção a tal regra, admitida pelo STJ. Qual é, e porque se entendeu necessário excepcionar tal regra?
O Superior Tribunal de Justiça é o tribunal competente para o julgamento nas hipóteses em que, não fosse a prerrogativa de foro (art. 105, I, da CF/88), o desembargador acusado houvesse de responder à ação penal perante juiz de primeiro grau vinculado ao mesmo tribunal. Assim, mesmo que o crime cometido pelo Desembargador não esteja relacionado com as suas funções, ele será julgado pelo STJ se a remessa para a 1ª instância significar que o réu seria julgado por um juiz de primeiro grau vinculado ao mesmo tribunal que o Desembargador. A manutenção do julgamento no STJ tem por objetivo preservar a isenção (imparcialidade e independência) do órgão julgador.
STJ. Corte Especial. QO na APn 878-DF, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 21/11/2018 (Info 639).
O STJ é ou não competente para julgar crime praticado por Governador no exercício do mandato se o agente deixou o cargo (para ser senador, por exemplo) e atualmente voltou a ser Governador por força de uma nova eleição?
O STJ é incompetente para julgar crime praticado durante mandato anterior de Governador, ainda que atualmente ocupe referido cargo por força de nova eleição. Como o foro por prerrogativa de função exige contemporaneidade e pertinência temática entre os fatos em apuração e o exercício da função pública, o término de um determinado mandato acarreta, por si só, a cessação do foro por prerrogativa de função em relação ao ato praticado nesse intervalo.
(o caso analisado envolvia a eleição para senador no meio do caminho; não se aplica, portanto, a reeleições, para as quais é pacífico o entendimento de continuidade do foro por prerrogativa de função)
STJ. Corte Especial. QO na APn 874-DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 15/05/2019 (Info 649).
O STF fixou, em 2018, a tese de que “o foro por prerrogativa de função aplica-se apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas”. Há, contudo, um marco processual, um momento processual a partir do qual, mesmo cessado o exercício do cargo, não será alterada a competência do foro por prerrogativa. Que marco é esse?
Após o final da instrução processual, com a publicação do despacho de intimação para apresentação de alegações finais, a competência para processar e julgar ações penais NÃO SERÁ MAIS AFETADA em razão de o agente público vir a ocupar outro cargo ou deixar o cargo que ocupava, qualquer que seja o motivo.
STF. Plenário. AP 937 QO/RJ, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 03/05/2018 (Info 900).
É possível a citação, no processo penal, via WhatsApp?
É possível a utilização de WhatsApp para a citação de acusado, desde que sejam adotadas medidas suficientes para atestar a autenticidade do número telefônico, bem como a identidade do indivíduo destinatário do ato processual.
STJ. 5ª Turma. HC 641.877/DF, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 09/03/2021 (Info 688).
Em caso de inatividade processual decorrente de citação por edital, a suspensão da prescrição se prolonga indefinidamente, ou há um limite? O que o STF diz?
Em caso de inatividade processual decorrente de citação por edital, ressalvados os crimes previstos na Constituição Federal como imprescritíveis, é constitucional limitar o período de suspensão do prazo prescricional ao tempo de prescrição da pena máxima em abstrato cominada ao crime, a despeito de o processo permanecer suspenso.
STF. Plenário. STF. Plenário. RE 600851, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 04/12/2020 (Repercussão Geral – Tema 438) (Info 1001).
No mesmo sentido: Súmula 415-STJ. O período de suspensão do prazo prescricional é regulado pelo máximo da pena cominada.
Citado o réu por edital, nos termos do art. 366 do CPP, o processo deve permanecer suspenso enquanto o réu não for localizado ou, para evitar a extinção da punibilidade pela prescrição, é possível retomar sua marcha?
O art. 366 do CPP estabelece que se o acusado for citado por edital e não comparecer ao processo nem constituir advogado o processo e o curso da prescrição ficarão suspensos. Enquanto o réu não for localizado, o curso processual não pode ser retomado.
STJ. 6ª Turma. RHC 135.970/RS, Rel. Min. Sebastião Reis Junior, julgado em 20/04/2021 (Info 693).
O CPP afirma que, se for expedida uma carta rogatória para citar um acusado no exterior, o prazo prescricional ficará suspenso até que ela seja cumprida: “Art. 368. Estando o acusado no estrangeiro, em lugar sabido, será citado mediante carta rogatória, suspendendo-se o curso do prazo de prescrição até o seu cumprimento”. Até quando o prazo prescricional fica suspenso? Até o cumprimento da carta ou até a sua juntada aos autos?
O termo final da suspensão do prazo prescricional pela expedição de carta rogatória para citação do acusado no exterior é a data da efetivação da comunicação processual no estrangeiro, _ainda que haja demora para a juntada da carta_rogatória cumprida aos autos.
STJ. 5ª Turma. REsp 1.882.330/SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 06/04/2021 (Info 691).
Decisão proferida em audiência de custódia reconhecendo a atipicidade do fato faz coisa julgada?
A decisão que, na audiência de custódia, determina o relaxamento da prisão em flagrante sob o argumento de que a conduta praticada é atípica não faz coisa julgada. Assim, esta decisão não vincula o titular da ação penal, que poderá oferecer acusação contra o indivíduo narrando os mesmos fatos e o juiz poderá receber essa denúncia.
STF. 1ª Turma. HC 157.306/SP, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 25/9/2018 (Info 917).
A audiência de custódia constitui direito público subjetivo? O acusado pode exigí-la, quaisquer que sejam as circunstâncias pelas quais ela eventualmente não tenha sido realizada?
A audiência de custódia (ou de apresentação) constitui direito público subjetivo, de caráter fundamental, assegurado por convenções internacionais de direitos humanos a que o Estado brasileiro aderiu, já incorporadas ao direito positivo interno (Convenção Americana de Direitos Humanos e Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos). Traduz prerrogativa não suprimível assegurada a qualquer pessoa. Sua imprescindibilidade tem o beneplácito do magistério jurisprudencial (ADPF 347 MC) e do ordenamento positivo doméstico (Lei nº 13.964/2019 e Resolução 213/2015 do CNJ).
STF. HC 188888/MG, Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 6/10/2020 (Info 994).
É possível que o juiz, de ofício, converta a prisão em flagrante em prisão preventiva?
Não é possível a decretação “ex officio” de prisão preventiva em qualquer situação (em juízo ou no curso de investigação penal), inclusive no contexto de audiência de custódia, sem que haja, mesmo na hipótese da conversão a que se refere o art. 310, II, do CPP, prévia, necessária e indispensável provocação do Ministério Público ou da autoridade policial. A Lei nº 13.964/2019, ao suprimir a expressão “de ofício” que constava do art. 282, § 2º, e do art. 311, ambos do CPP, vedou, de forma absoluta, a decretação da prisão preventiva sem o prévio requerimento das partes ou representação da autoridade policial.
Logo, não é mais possível, com base no ordenamento jurídico vigente, a atuação ‘ex officio’ do Juízo processante em tema de privação cautelar da liberdade. A interpretação do art. 310, II, do CPP deve ser realizada à luz do art. 282, § 2º e do art. 311, significando que se tornou inviável, mesmo no contexto da audiência de custódia, a conversão, de ofício, da prisão em flagrante de qualquer pessoa em prisão preventiva, sendo necessária, por isso mesmo, para tal efeito, anterior e formal provocação do Ministério Público, da autoridade policial ou, quando for o caso, do querelante ou do assistente do MP.
- STJ. 5ª Turma. HC 590039/GO, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 20/10/2020.*
- STF. HC 188888/MG, Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 6/10/2020 (Info 994).*
A obrigação de revisar, a cada 90 dias, a necessidade de se manter a custódia cautelar (art. 316, parágrafo único, do CPP) é imposta apenas ao juiz ou tribunal que decretar a prisão preventiva, ou a qualquer um com quem estiver o processo?
A obrigação de revisar, a cada 90 dias, a necessidade de se manter a custódia cautelar (art. 316, parágrafo único, do CPP) é imposta apenas ao juiz ou tribunal que decretar a prisão preventiva.
STJ. 6ª Turma. HC 589.544-SC, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 08/09/2020 (Info 680).
O descumprimento da regra do parágrafo único do art. 316 do CPP (revisão, a cada 90 dias, da necessidade de se manter a custódia cautelar) gera, para o preso, o direito de ser posto em liberdade?
A inobservância do prazo nonagesimal do art. 316 do Código de Processo Penal não implica automática revogação da prisão preventiva, devendo o juízo competente ser instado a reavaliar a legalidade e a atualidade de seus fundamentos.
STF. Plenário. SL 1395 MC Ref/SP, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 14 e 15/10/2020 (Info 995).
O STF pacificou que, após o pacote anticrime, não é possível que o juiz, de ofício, decrete a prisão preventiva. Se o juiz, ainda assim, o decretou, o vício pode ser convalidado pela posterior requisição pela autoridade policial ou o MP?
O que acontece se o juiz decretar a prisão preventiva de ofício (sem requerimento)?
REGRA: a prisão _deverá ser relaxada_por se tratar de prisão ilegal.
EXCEÇÃO: se, após a decretação, a autoridade policial ou o Ministério Público requererem a prisão, o vício de ilegalidade que maculava a custódia é suprido (convalidado) e a prisão não será relaxada. O posterior requerimento da autoridade policial pela segregação cautelar ou manifestação do Ministério Público favorável à prisão preventiva suprem o vício da inobservância da formalidade de prévio requerimento.
STJ. 5ª Turma. AgRg RHC 136.708/MS, Rel. Min. Felix Fisher, julgado em 11/03/2021 (Info 691).
Pais e outros responsáveis por menor de 12 anos ou por pessoa com deficiência possuem direito à prisão domiciliar?
Tem direito à substituição da prisão preventiva pela prisão domiciliar — desde que observados os requisitos do art. 318 do Código de Processo Penal e não praticados crimes mediante violência ou grave ameaça ou contra os próprios filhos ou dependentes — os pais, caso sejam os únicos responsáveis pelos cuidados de menor de 12 anos ou de pessoa com deficiência, bem como outras pessoas presas, que não sejam a mãe ou o pai, se forem imprescindíveis aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 anos ou com deficiência.
STF. 2ª Turma. HC 165704/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 20/10/2020 (Info 996).
O prazo em dobro do caput do art. 229 do CPC/2015 se aplica aos processos em autos eletrônicos?
Em regra, é cabível a aplicação analógica do prazo em dobro previsto no art. 229 do CPC/2015 ao prazo previsto no art. 4º da Lei nº 8.038/90 (“Apresentada a denúncia ou a queixa ao Tribunal, far-se-á a notificação do acusado para oferecer resposta no prazo de quinze dias”).
No entanto, não cabe a aplicação subsidiária do art. 229, caput, do CPC/2015 em inquéritos e ações penais originárias em que os atos processuais das partes são praticados por via eletrônica e todos os interessados — advogados e membros do Ministério Público — têm acesso amplo e simultâneo ao inteiro teor dos autos. Incide aqui a regra de exceção do § 2º do art. 229: “§ 2º Não se aplica o disposto no caput aos processos em autos eletrônicos”
STF. 2ª Turma. Inq 3980 QO/DF, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 7/6/2016 (Info 829).
O fato de o juiz ser “duro” no interrogatório pode ser interpretado como quebra da imparcialidade?
A condução do interrogatório do réu de forma firme e até um tanto rude durante o júri não importa, necessariamente, em quebra da imparcialidade do magistrado e em influência negativa nos jurados.
STJ. 6ª Turma. HC 410.161-PR, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 17/04/2018 (Info 625).
O CPP, ao tratar sobre a condução coercitiva, prevê que “Art. 260. Se o acusado não atender à intimação para o interrogatório, reconhecimento ou qualquer outro ato que, sem ele, não possa ser realizado, a autoridade poderá mandar conduzi-lo à sua presença”. Houve quem alegasse, contudo, que a expressão “para o interrogatório”, prevista no art. 260 do CPP, não foi recepcionada pela Constituição Federal. O que o STF disse, e sob qual fundamento?
O STF declarou que a expressão “para o interrogatório”, prevista no art. 260 do CPP, não foi recepcionada pela Constituição Federal. Assim, caso seja determinada a condução coercitiva de investigados ou de réus para interrogatório, tal conduta poderá ensejar:
- a responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade
- a ilicitude das provas obtidas
- a responsabilidade civil do Estado.
Modulação dos efeitos: o STF afirmou que o entendimento acima não desconstitui (não invalida) os interrogatórios que foram realizados até a data do julgamento, ainda que os interrogados tenham sido coercitivamente conduzidos para o referido ato processual.
STF. Plenário. ADPF 395/DF e ADPF 444/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgados em 13 e 14/6/2018 (Info 906).
Os processos criminais que tramitam perante o STF e o STJ tem seu procedimento regido pela Lei nº 8.038/90. A citada lei prevê em seu artigo 7º que “recebida a denúncia ou a queixa, o relator designará dia e hora para o interrogatório […]”, ou seja, o interrogatório abre a instrução, e não a encerra. Nesse contexto, pergunta-se: Nos processos criminais que tramitam perante o STF e o STJ, aplica-se a norma da Lei nº 8.038/90, com o interrogatório abrindo a instrução, ou a alteração mais recente do CPP, que prevê o interrogatório com o último ato de instrução? Prevalece o critério cronológico ou o da especialidade?
Nos processos criminais que tramitam perante o STF e o STJ, cujo procedimento é regido pela Lei nº 8.038/90, o interrogatório também é o último ato de instrução. Apesar de não ter havido uma alteração específica do art. 7º da Lei 8.038/90, com base no CPP, entende-se que o interrogatório é um ato de defesa, mais bem exercido depois de toda a instrução, porque há possibilidade do contraditório mais amplo. Assim, primeiro devem ser ouvidas todas as testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa para, só então, ser realizado o interrogatório.
STF. 1ª Turma. AP 1027/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Luís Roberto Barroso, julgado em 2/10/2018 (Info 918).
Caso seja advogado e esteja atuando em causa própria, o acusado pode assistir interrogatório do corréu?
Se houver mais de um acusado, cada um dos réus não terá direito de acompanhar o interrogatório dos corréus. Segundo o CPP, havendo mais de um acusado, eles deverão ser interrogados separadamente (art. 191).
Ex.: João e Pedro são réus em uma ação penal. No momento em que forem ser interrogados, um não poderá ouvir o depoimento do outro. Logo, quando João for ser interrogado, Pedro terá que sair da sala, ficando, contudo, seu advogado presente. No instante em que Pedro for prestar seus esclarecimentos, será a vez de João deixar o recinto, ficando representado por seu advogado.
Se o réu for advogado e estiver atuando em causa própria, mesmo assim deverá ser aplicada a regra do art. 191 do CPP. Em outras palavras, quando o corréu for ser interrogado, o acusado (que atua como advogado) terá que sair da sala de audiência.
STF. 2ª Turma. HC 101021/SP, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 20/5/2014 (Info 747).
É constitucional a Resolução do CNJ que proíbe o juiz de prorrogar a interceptação telefônica durante o plantão judiciário ou durante o recesso do fim de ano?
É inconstitucional a Resolução do CNJ que proíbe o juiz de prorrogar a interceptação telefônica durante o plantão judiciário ou durante o recesso do fim de ano.
STF. Plenário. ADI 4145/DF, Rel. Min. Edson Fachin, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 26/4/2018 (Info 899).
Caso concreto: o homem passava pela catraca de uma das estações da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), com uma mochila nas costas, quando foi abordado por dois agentes de segurança privados da empresa. Os seguranças acreditavam que se tratava de vendedor ambulante e fizeram uma revista, tendo encontrado dois tabletes de maconha na mochila do passageiro. O homem foi condenado pelo TJ/SP por tráfico de drogas (art. 33 da Lei nº 11.343/2006). O réu recorreu ao STJ sustentando que a prova obtida em revista pessoal feita por agentes de segurança particular é necessariamente ilícita. O que o STJ decidiu?
O STJ entendeu que a prova usada na condenação foi ilícita considerando que obtida mediante revista pessoal ilegal feita pelos agentes da CPTM. Segundo a CF/88 e o CPP, somente as autoridades judiciais, policiais ou seus agentes, estão autorizados a realizarem a busca domiciliar ou pessoal. Diante disso, a 5ª Turma do STJ concedeu habeas corpus para absolver e mandar soltar um homem acusado de tráfico de drogas e condenado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo com base em prova recolhida em revista pessoal feita por agentes de segurança privada da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM).
STJ. 5ª Turma. HC 470.937/SP, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 04/06/2019 (Info 651).
As informações obtidas em entrevista realizada pela autoridade policial com o investigado, durante a busca e apreensão em sua residência, ainda que sem assistência de advogado e sem a comunicação de seus direitos, pode ser utilizada como prova?
É nula a “entrevista” realizada pela autoridade policial com o investigado, durante a busca e apreensão em sua residência, sem que tenha sido assegurado ao investigado o direito à prévia consulta a seu advogado e sem que ele tenha sido comunicado sobre seu direito ao silêncio e de não produzir provas contra si mesmo. Trata-se de um “interrogatório travestido de entrevista”, havendo violação do direito ao silêncio e à não autoincriminação.
STF. 2ª Turma. Rcl 33711/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 11/6/2019 (Info 944).
A determinação judicial para identificação de todos os usuários que operaram em determinada área geográfica é válida ou ofende a proteção à privacidade e à intimidade?
A quebra do sigilo de dados armazenados não obriga a autoridade judiciária a indicar previamente as pessoas que estão sendo investigadas, até porque o objetivo precípuo dessa medida é justamente de proporcionar a identificação do usuário do serviço ou do terminal utilizado. Logo, a ordem judicial para quebra do sigilo dos registros, delimitada por parâmetros de pesquisa em determinada região e por período de tempo, não se mostra medida desproporcional, porquanto, tendo como norte a apuração de gravíssimos crimes, não impõe risco desmedido à privacidade e à intimidade dos usuários possivelmente atingidos por tal diligência.
STJ. 3ª Seção. RMS 61.302-RJ, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 26/08/2020 (Info 678).
Pessoa residente no Brasil foi ameaçada por e-mail enviado de conta hospedada no exterior. Neste caso, a Justiça brasileira é competente para determinar que a empresa responsável pela conta identifique o titular do e-mail?
Pessoa residente no Brasil foi ameaçada por e-mail enviado de conta hospedada no exterior; Justiça brasileira é competente para determinar que a empresa responsável pela conta identifique o titular do e-mail
STJ. 3ª Turma. REsp 1.745.657-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 03/11/2020 (Info 683).
Para o acesso a dados telemáticos é necessária a delimitação temporal para fins de investigações criminais?
Não é necessário especificar a limitação temporal para os acessos requeridos pelo Ministério Público, por se tratar de dados estáticos, constantes nas plataformas de dados. Apesar de o art. 22, III, da Lei nº 12.965/2014 (Marco Civil da Internet) determinar que a requisição judicial de registro deve conter o período ao qual se referem, tal quesito só é necessário para o fluxo de comunicações, sendo inaplicável nos casos de dados já armazenados que devem ser obtidos para fins de investigações criminais.
STJ. 6ª Turma. HC 587.732-RJ, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 20/10/2020 (Info 682).
É possível aplicar multa contra o WhatsApp pelo fato de a empresa não interceptar as mensagens trocadas pelo aplicativo por alegadamente serem protegidas por criptografia de ponta a ponta?
Caso concreto: o juiz expediu ordem para que o WhatsApp interceptasse as mensagens trocadas por determinados investigados, suspeitos de integrarem uma organização criminosa que estariam ainda praticando crimes. O WhatsApp respondeu que não consegue cumprir a determinação judicial por impedimentos de ordem técnica. Isso porque as mensagens trocadas via aplicativo são criptografadas de ponta a ponta. O magistrado não concordou com o argumento e aplicou multa contra a empresa.
Segundo a opinião dos especialistas, realmente não é possível a interceptação de mensagens criptografadas do WhatsApp devido à adoção de criptografia forte pelo aplicativo. Ao utilizar a criptografia de ponta a ponta, a empresa está criando um mecanismo de proteção à liberdade de expressão e de comunicação privada, garantia reconhecida expressamente na Constituição Federal (art. 5º, IX).
A criptografia é, portanto, um meio de se assegurar a proteção de direitos que, em uma sociedade democrática, são essenciais para a vida pública. A criptografia protege os direitos dos usuários da internet, garantindo a privacidade de suas comunicações. Logo, é do interesse do Estado brasileiro encorajar as empresas e as pessoas a utilizarem a criptografia e manter o ambiente digital com a maior segurança possível para os usuários.
Em alguns casos a criptografia é utilizada para acobertar a prática de crimes, como, por exemplo, os casos de pornografia infantil e de condutas antidemocráticas, como manifestações xenófobas, racistas e intolerantes, que ameaçam o Estado de Direito. A partir daí, indaga-se: o risco à segurança pública representado pelo uso da criptografia justifica restringir ou proibir a sua adoção pelas empresas?
O tema está sendo apreciado pelo STF na ADPF 403 e na ADI 5527, que foi iniciado com os votos dos Ministros Edson Fachin e Rosa Weber, tendo sido suspenso em razão de pedido de vista. Apesar de o julgamento dessas ações constitucionais ainda não ter sido concluído, a 3ª Seção do STJ, em harmonia com os votos já proferidos pelos Ministros do STF, chegou à conclusão de que “o ordenamento jurídico brasileiro não autoriza, em detrimento da proteção gerada pela criptografia de ponta a ponta, em benefício da liberdade de expressão e do direito à intimidade, sejam os desenvolvedores da tecnologia multados por descumprirem ordem judicial incompatível com encriptação. Os benefícios advindos da criptografia de ponta a ponta se sobrepõem às eventuais perdas pela impossibilidade de se coletar os dados das conversas dos usuários da tecnologia. Diante disso, o recurso foi provido para afastar a multa aplicada pelo magistrado ante a impossibilidade fática, no caso concreto, de cumprimento da ordem judicial, haja vista o emprego da criptografia de ponta-a-ponta”.
STJ. 3ª Seção. RMS 60.531-RO, Rel. Min. Nefi Cordeiro, Rel. Acd. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 09/12/2020 (Info 684).
O simples fato de ter sido realizada sem autorização judicial prévia torna nula as provas obtidas pela polícia por meio da extração de dados e de conversas registradas no WhatsApp presentes no celular do suposto autor de fato delituoso? E se o aparelho tiver sido apreendido no momento da prisão em flagrante?
Sem prévia autorização judicial, são nulas as provas obtidas pela polícia por meio da extração de dados e de conversas registradas no WhatsApp presentes no celular do suposto autor de fato delituoso, ainda que o aparelho tenha sido apreendido no momento da prisão em flagrante.
STJ. 6ª Turma. RHC 51.531-RO, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 19/4/2016 (Info 583).
A polícia pode acessar conversas do Whatsapp da vítima morta, cujo celular foi entregue pela sua esposa, sem prévia autorização judicial?
Não há ilegalidade na perícia de aparelho de telefonia celular pela polícia, sem prévia autorização judicial, na hipótese em que seu proprietário - A VÍTIMA - foi morto, tendo o referido telefone sido entregue à autoridade policial por sua esposa.
STJ. 6ª Turma. RHC 86.076-MT, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Rel. Acd. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 19/10/2017 (Info 617).
Decisão judicial que autoriza o espelhamento do WhatsApp para que a Polícia acompanhe as conversas do suspeito pelo WhatsApp Web é necessariamente nula? É possível aplicar a analogia entre o instituto da interceptação telefônica e o espelhamento?
É nula decisão judicial que autoriza o espelhamento do WhatsApp via Código QR para acesso no WhatsApp Web. Também são nulas todas as provas e atos que dela diretamente dependam ou sejam consequência, ressalvadas eventuais fontes independentes. Não é possível aplicar a analogia entre o instituto da interceptação telefônica e o espelhamento, por meio do WhatsApp Web, das conversas realizadas pelo aplicativo WhatsApp.
STJ. 6ª Turma. RHC 99.735-SC, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 27/11/2018 (Info 640).
É lícita a prova obtida mediante conduta da autoridade policial que atende, ainda que sem autorização, o telefone móvel do acusado e se passa pela pessoa sob investigação?
Não tendo a autoridade policial permissão do titular da linha telefônica, ou mesmo da Justiça, para ler mensagens nem para atender ao telefone móvel da pessoa sob investigação e travar conversa por meio do aparelho com qualquer interlocutor que seja se passando por seu dono, a prova obtida dessa maneira arbitrária é ilícita. No caso concreto, o policial atendeu ao telefone do condutor, sem autorização para tanto, e passou-se por ele para fazer a negociação de drogas e provocar o flagrante. Esse policial também obteve acesso, sem autorização pessoal nem judicial, aos dados do aparelho de telefonia móvel em questão, lendo as mensagens.
STJ. 6ª Turma. HC 511.484-RS, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 15/08/2019 (Info 655).
A quebra do sigilo telefônico mediante a habilitação de chip da autoridade policial em substituição ao do investigado titular da linha é lícita?
A Lei nº 9.296/96 não autoriza a suspensão do serviço telefônico ou do fluxo da comunicação telemática mantida pelo usuário, tampouco a substituição do investigado e titular da linha por agente indicado pela autoridade policial.
STJ. 6ª Turma. REsp 1.806.792-SP, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 11/05/2021 (Info 696).
É necessariamente ilícito o compartilhamento de dados bancários feito por órgão de investigação do país estrangeiro para a polícia brasileira, quando no Estado de origem essas informações não tenham sido obtidas com autorização judicial?
Caso concreto: a Procuradoria de Nova Iorque (EUA) compartilhou com a Polícia Federal do Brasil uma relação de brasileiros que mantinham contas bancárias nos EUA. A partir dessa informação, a Polícia Federal instaurou inquérito para apurar os fatos e representou pela quebra do sigilo bancário dos investigados. O juiz federal deferiu o pedido e expediu um MLAT aos EUA solicitando todos os detalhes das contas bancárias mantidas naquele país. Esses dados foram enviados. O compartilhamento de dados feito pela Procuradoria de Nova Iorque com a Polícia Federal foi realizado sem autorização judicial. Mesmo assim, não há nulidade e tais elementos informativos podem ser utilizados no Brasil, já que, no Estado de origem, não era necessária autorização judicial.
Assim, não viola a ordem pública brasileira o compartilhamento direto de dados bancários pelos órgãos investigativos, mesmo que, no Estado de origem, sejam obtidos sem prévia autorização judicial, se a reserva de jurisdição não é exigida pela legislação daquele local. Ainda neste mesmo caso concreto, o STJ decidiu que a cooperação internacional feita pelo MLAT não será nula, ainda que não tenha sido concretizada com a intermediação das autoridades centrais do Brasil e dos EUA. Respeitadas as garantias processuais do investigado, não há prejuízo na cooperação direta entre as agências investigativas, sem a participação das autoridades centrais. A ilicitude da prova ou do meio de sua obtenção somente poderia ser pronunciada se o réu demonstrasse alguma violação de suas garantias ou das específicas regras de produção probatória.
STJ. 5ª Turma. AREsp 701.833/SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 04/05/2021 (Info 695).
A busca em veículo é equiparada à busca pessoal ou residencial? Ela precisa de mandado judicial para a sua realização, ou este é dispensável?
A apreensão de documentos no interior de veículo automotor constitui uma espécie de “busca pessoal” e, portanto, não necessita de autorização judicial quando houver fundada suspeita de que em seu interior estão escondidos elementos necessários à elucidação dos fatos investigados. Exceção: será necessária autorização judicial quando o veículo é destinado à habitação do indivíduo, como no caso de trailers, cabines de caminhão, barcos, entre outros, quando, então, se inserem no conceito jurídico de domicílio.
- STF. 2ª Turma. RHC 117767/DF, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 11/10/2016 (Info 843).*
- STJ. 6ª Turma. HC 216.437-DF, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 20/9/2012.*
É válida a autorização expressa para busca e apreensão em sede de empresa investigada dada por pessoa que age como sua representante, caso mais a frente se verifique que ela não tinha poderes para tal?
É válida, com base na teoria da aparência, a autorização expressa para que os policiais fizessem a busca e apreensão na sede de empresa investigada, autorização essa dada por pessoa que, embora tenha deixado de ser sócia formal, continuou assinando documentos como representante da empresa. Caso concreto: policiais chegaram até a sede da empresa e, enquanto aguardavam decisão judicial para entrar no local, foram autorizados a fazer a busca e apreensão no imóvel. Essa autorização foi concedida por uma mulher que se apresentou como representante da empresa. A mulher que concedeu a autorização, embora tenha deixado de ser formalmente sócia, continuou assinando documentos como representante da empresa.
A evidência de que ela ainda agia como representante da empresa é reforçada pelo fato de que tinha a chave do escritório sede da empresa e livre acesso a ele, não tendo sido barrada por nenhum dos empregados que estavam no local, nem mesmo pelo advogado da empresa que acompanhou toda a diligência.
Diante disso, o STJ afirmou que deveria ser aplicada, no caso concreto, a teoria da aparência. Embora tal teoria tenha encontrado maior amplitude de aplicação jurisprudencial na seara civil, processual civil e no CDC, nada há que impeça sua aplicação também na seara penal.
STJ. 5ª Turma. RMS 57.740-PE, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 23/03/2021 (Info 690).
Falta de mandado invalida busca e apreensão em apartamento desabitado?
Não há nulidade na busca e apreensão efetuada por policiais, sem prévio mandado judicial, em apartamento que não revela sinais de habitação, nem mesmo de forma transitória ou eventual, se a aparente ausência de residentes no local se alia à fundada suspeita de que o imóvel é utilizado para a prática de crime permanente.
STJ. 5ª Turma. HC 588.445-SC, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 25/08/2020 (Info 678).
João, médico, estava sendo investigado por, supostamente, ter adulterado prontuários de pacientes internados em clínica psiquiátrica, com o objetivo de camuflar ilicitudes que ocorriam no local. A autoridade policial formulou representação ao juiz pedindo a busca e apreensão na clínica psiquiátrica e na residência do investigado. O magistrado deferiu a medida e a polícia apreendeu diversos prontuários médicos que haviam sido assinados pelo investigado. João impetrou habeas corpus alegando que a apreensão foi ilícita, considerando que na decisão que autorizou a medida não existia autorização específica para a apreensão de prontuários médicos. Segundo a defesa, os prontuários são documentos sigilosos e, portanto, só poderiam ter sido recolhidos com autorização judicial específica. O caso chegou a STJ. O que ele disse? Caso o documento buscado seja de natureza sigilosa, é necessário que mandado de busca e apreensão detalhe o tipo de documento a ser apreendido ?
Embora os prontuários possam conter dados sigilosos, foram apreendidos a partir da imprescindível autorização judicial prévia. O fato de o mandado de busca não ter feito uma discriminação específica é irrelevante, até porque os prontuários médicos encontram-se inseridos na categoria de documentos em geral. Ademais, vale frisar que o sigilo do qual se revestem os prontuários médicos pertence única e exclusivamente aos pacientes, não ao médico. Assim, caso houvesse a violação do direito à intimidade, essa ofensa teria que ser arguida pelos seus titulares (pacientes) e não pelo investigado.
STJ. 6ª Turma. RHC 141.737/PR, Rel. Min. Sebastião Reis Junior, julgado em 27/04/2021 (Info 694).
Ausência de intimação pessoal da Defensoria Pública deverá ser alegada na primeira oportunidade, sob pena de preclusão?
A não observância da intimação pessoal da Defensoria Pública deve ser impugnada imediatamente, na primeira oportunidade processual, sob pena de preclusão. No caso concreto, a Defensoria Pública não foi intimada pessoalmente do dia de julgamento da apelação. No entanto, apesar de a Defensoria Pública ter oposto embargos de declaração contra o acórdão, nada falou sobre esse vício, só suscitando tal alegação no momento em que interpôs recuso especial. O STF entendeu que houve preclusão.
STF. 2ª Turma. HC 133476, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 14/6/2016 (Info 830).
É possível a fixação de astreintes em desfavor de terceiros, não participantes do processo, pela demora ou não cumprimento de ordem emanada do Juízo Criminal?
As normas do processo civil aplicam-se de forma subsidiária ao processo penal (art. 3º do CPP). O poder geral de cautela do processo civil também pode ser aplicado, em regra, ao processo penal. O emprego de cautelares inominadas só é proibido no processo penal se atingir a liberdade de ir e vir do indivíduo. Diante da finalidade da multa cominatória, que é conferir efetividade à decisão judicial, é possível sua aplicação em demandas penais. Assim, o terceiro pode perfeitamente figurar como destinatário da multa. Vale ressaltar que essa multa não se confunde com a multa por litigância de má-fé. A multa por litigância de má-fé não é admitida no processo penal.
STJ. 3ª Seção. REsp 1.568.445-PR, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Rel. Acd. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 24/06/2020 (Info 677).
É possível ao juízo criminal efetivar o bloqueio via Bacen-Jud ou a inscrição em dívida ativa dos valores arbitrados a título de astreintes?
Por derivar do poder geral de cautela, cabe ao magistrado, diante do caso concreto, avaliar qual a melhor medida coativa ao cumprimento da determinação judicial, não havendo impedimento ao emprego do sistema BACEN-JUD.
STJ. 3ª Seção. REsp 1.568.445-PR, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Rel. Acd. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 24/06/2020 (Info 677).
É possível que o magistrado, a qualquer tempo revise o valor desproporcional das astreintes? E de ofício?
O valor das astreintes é estabelecido sob a cláusula rebus sic stantibus, de maneira que, quando se tornar irrisório ou exorbitante ou desnecessário, pode ser modificado ou até mesmo revogado pelo magistrado, a qualquer tempo, até mesmo de ofício, ainda que o feito esteja em fase de execução ou cumprimento de sentença, não havendo falar em preclusão ou ofensa à coisa julgada.
STJ. Corte Especial. EAREsp 650.536/RJ, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 07/04/2021 (Info 691).
O acordo de colaboração premiada pode ser celebrado por Delegado de Polícia, ou isso ofende a titularidade da ação penal pública conferida pela CF ao Ministério Público?
O delegado de polícia pode formalizar acordos de colaboração premiada, na fase de inquérito policial, respeitadas as prerrogativas do Ministério Público, o qual deverá se manifestar, sem caráter vinculante, previamente à decisão judicial. Os §§ 2º e 6º do art. 4º da Lei nº 12.850/2013, que preveem essa possibilidade, são constitucionais e não ofendem a titularidade da ação penal pública conferida ao Ministério Público pela Constituição (art. 129, I).
STF. Plenário. ADI 5508/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 20/6/2018 (Info 907).
Qual o papel do Poder Judiciário no acordo de colaboração premiada?
A colaboração é um meio de obtenção de prova cuja iniciativa não se submete à reserva de jurisdição (não exige autorização judicial), diferentemente do que ocorre nas interceptações telefônicas ou na quebra de sigilo bancário ou fiscal. Nesse sentido, as tratativas e a celebração da avença são mantidas exclusivamente entre o Ministério Público e o pretenso colaborador. O Poder Judiciário é convocado ao final dos atos negociais apenas para aferir os requisitos legais de existência e validade, com a indispensável homologação.
STF. Plenário. Pet 7074/DF, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 21, 22, 28 e 29/6/2017 (Info 870).
Qual o recurso adequado para impugnar a decisão que recusa a homologação do acordo de colaboração premiada? Cabe, aqui, a aplicação do princípio da fungibilidade caso haja erro nessa interposição?
A apelação criminal é o recurso adequado para impugnar a decisão que recusa a homologação do acordo de colaboração premiada, mas ante a existência de dúvida objetiva é cabível a aplicação do princípio da fungibilidade
STJ. 6ª Turma. REsp 1.834.215-RS, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 27/10/2020 (Info 683).
Cabe habeas corpus contra a decisão que não homologa ou que homologa apenas parcialmente o acordo de colaboração premiada?
Sim
Cabe habeas corpus contra a decisão que não homologa ou que homologa apenas parcialmente o acordo de colaboração premiada
STF. 2ª Turma. HC 192063/RJ, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 2/2/2021 (Info 1004).
Se a delação do colaborador mencionar fatos criminosos que teriam sido praticados por autoridade (ex: Governador) e que teriam que ser julgados por foro privativo (ex: STJ), de quem é a competência para celebrar e para homologar o respectivo acordo de colaboração? E se o delator não tiver foro privilegiado?
Se a delação do colaborador mencionar fatos criminosos que teriam sido praticados por autoridade (ex: Governador) e que teriam que ser julgados por foro privativo (ex: STJ), este acordo de colaboração deverá, obrigatoriamente, ser celebrado pelo Ministério Público respectivo (PGR), com homologação pelo Tribunal competente (STJ). Assim, se os fatos delatados tiverem que ser julgados originariamente por um Tribunal (foro por prerrogativa de função), o próprio acordo de colaboração premiada deverá ser homologado por este respectivo Tribunal, mesmo que o delator não tenha foro privilegiado.
A delação de autoridade com prerrogativa de foro atrai a competência do respectivo Tribunal para a respectiva homologação e, em consequência, do órgão do Ministério Público que atua perante a Corte. Se o delator ou se o delatado tiverem foro por prerrogativa de função, a homologação da colaboração premiada será de competência do respectivo Tribunal.
STF. 2ª Turma. HC 151605/PR, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 20/3/2018 (Info 895).