6. NORMA CONSTITUCIONAL Flashcards
Diferencie regras e prinípios.
Segundo o filósofo do Direito norte-americano Ronald Dworkin, princípio é “um padrão que deve ser observado, não porque vá promover ou assegurar uma situação econômica, política ou social considerada desejável, mas porque é uma exigência de justiça ou equidade ou alguma outra dimensão da moralidade”712. Para o autor, a diferença entre princípios e regras jurídicas é de natureza lógica. Segundo ele, “princípios e regras distinguem-se quanto à natureza da orientação que oferecem. As regras são aplicáveis à maneira do tudo ou nada. Dados os fatos que uma regra estipula, então ou a regra é válida, e neste caso a resposta que ela fornece deve ser aceita, ou não é válida, e neste caso em nada contribui para a decisão”713.
Por sua vez, enquanto as regras possuem apenas a dimensão da validade, os princípios também têm a dimensão do peso714. Segundo Dworkin, “os princípios possuem uma dimensão que as regras não têm – a dimensão do peso ou importância […], aquele que vai resolver o conflito tem de levar em conta a força relativa de cada um”715. As regras são diferentes, já que, “se duas regras estão em conflito, uma suplanta a outra em virtude de sua importância maior. Se duas regras entram em conflito, uma delas não pode ser válida. […] Um sistema jurídico pode regular esses conflitos através de outras regras, que dão precedência à regra promulgada pela autoridade de grau superior, à regra promulgada mais recentemente, à regra mais específica ou outra coisa desse gênero”716.
Dworkin alerta, com razão, que “a forma de um padrão nem sempre deixa claro se ele é uma regra ou um princípio. […] Em muitos casos a distinção é difícil de estabelecer”717. Outrossim, os princípios costumam atuar de forma mais vigorosa nas questões judiciais difíceis (“hard cases”), como a utilização de células tronco embrionárias, interrupção da gravidez do feto anencefálico ou o caso “Riggs contra Palmer”, muito utilizado pelo filósofo norte-americano718,
Robert Alexy entende que, enquanto as regras contêm determinações no âmbito fático e juridicamente possível, princípios são as normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Segundo o constitucionalista alemão, “o ponto decisivo na distinção entre regras e princípios é que os princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Princípios são, por conseguinte, mandamentos de otimização, que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida devida de sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas. O âmbito das possibilidades jurídicas é determinado pelos princípios e regras colidentes”720.
Assim, em resumo, enquanto as regras são normas de conteúdo mais determinado, delimitado, claro, preciso, os princípios são normas de conteúdo mais amplo, vago, indeterminado, impreciso. O que diferencia a regra do princípio não é o assunto da norma jurídica, mas a forma através da qual ela é tratada. Por exemplo, o assunto “transporte” é tratado pela Constituição de forma diversa. Há um princípio constitucional, no art. 6º da Constituição Federal (alterado pela Emenda Constitucional n. 90/2015), de que o “transporte” é um direito social. Trata-se de um princípio (a Constituição não diz a amplitude desse direito, os limites de sua proteção etc.)
Como se soluiona o conflito entre regras e princípios?
Por fim, o conflito entre regras e princípios é resolvido de forma diversa. O conflito entre regras é resolvido por meio dos métodos tradicionais de solução das antinomias, ensejando, muitas vezes, a revogação da norma. Os métodos tradicionais de solução das antinomias são: a) critério hierárquico; b) critério cronológico; c) critério da especialidade.
O conflito entre princípios é resolvido na análise do caso concreto, fazendo-se uma ponderação dos princípios, verificando-se o peso, a importância de cada princípio, como citou Ronald Dworkin. No caso concreto, faz-se um juízo de proporcionalidade entre os princípios emconflito para verificar qual princípio deve prevalecer.
E se houver o conflito entre uma
regra e um princípio? Qual deverá prevalecer?
A pergunta, na realidade, parte de um pressuposto equivocado. Isso porque, embora não exista hierarquia entre regras e princípios, existe uma anterioridade lógica entre eles. Explico: as regras (normas específicas e objetivas) nascem dos princípios (normas amplas e abstratas). As regras sobre a eleição presidencial (art. 77) decorrem do princípio da democracia (art. 1º, parágrafo único, CF). Dessa maneira, quando há o aparente conflito entre regras e princípios, na realidade, está havendo o conflito entre um princípio constitucional e outro princípio constitucional, do qual nasceu a regra em análise. Assim, o que se deve fazer, no caso concreto, é a análise, por meio do sopesamento ou ponderação, do conflito entre os dois princípios constitucionais em conflito.
O que é Norma Constitucional Interposta?
A norma constitucional interposta é uma nomenclatura criada pelo renomado constitucionalista italiano Gustavo Zagrebelsky. Como é sabido por todos, muitos dispositivos constitucionais fazem remissão a uma norma infraconstitucional regulamentadora (“nos termos da lei”, “na forma da lei”, “segundo a lei” etc.). Segundo Zagrebelsky, como essas normas infraconstitucionais cumprem um mandamento constitucional e regulamentam a Constituição, também seriam normas constitucionais: as normas constitucionais interpostas. Segundo o referido autor, mesmo não sendo normas formalmente constitucionais (não estão no texto da Constituição), devem ser consideradas normas materialmente constitucionais. Na prática, sendo normas constitucionais, poderiam ser utilizadas como parâmetro no controle de constitucionalidade.