positivismo legalista reconhecido nas suas coordenadas caracterizadoras Flashcards
Coordenada Político-institucional
O positivismo radicou na compreensão do Estado como um Estado moderno de contratualismo individualista ou Estado representativo demoliberal. Foi este Estado que originou o Estado de Direito de legalidade formal, no século XIX. Pretendia dar uma dimensão jurídica a um problema político-social: o resultante do encontro das liberdades. Este estado constituiu a tentativa histórico-cultural de solucionar juridicamente o problema do poder, dominando-o.
O Estado de legalidade formal estruturava-se em 3 princípios:
* Princípio da separação-divisão de poderes
* Princípio da legalidade
* Princípio da independência judical
Coordenada Político-institucional- Princípio da Separação-divisão de poderes
− Autonomizado primeiro por Montesquieu e, parcialmente, por Locke no seu sentido
pragmaticamente negativo, isto é, estritamente político. Montesquieu, inspirado pela experiência do parlamentarismo inglês (onde a democracia surgiu paulatinamente, sem ruturas e planificações racionais prévias), compreendeu que a única via suscetível de garantir a defesa da liberdade num horizonte societário constituído por diversos estratos consistia na moderação do poder, através de um sistema de “pesos e contrapesos”. Nas suas próprias palavras, de forma a evitar o abuso do poder por parte do Homem, seria necessário que o “poder travasse o poder”: os poderes repartidos compensar-se-iam reciprocamente e controlar-se-iam uns aos outros, pondo termo ao despotismo do Estado absoluto imediatamente anterior.
§ Poder legislativo: era confiado ao Parlamento dividido em duas camâras- uma constituída por membros da nobreza (Câmara dos Lordes) e outra por membros do Terceiro Estado (Câmara dos Comuns) - poque se regulavam mutuamente. A assembleia legislativa era o vértice da estrutura funcional do Estado, pois era aí que se afirmava a vontade geral, o poder legislativo tornou-se o “Supreme power”;
§ Poder executivo: cabia ao monarca;
§ Poder judicial: era nulo e invisível, sem autonomia constitutiva. Os julgadores podiam ser compreendidos como autónomos, seres inanimados cuja competência seria meramente a de declarar em concreto a vontade expressa na lei, em outras palavras, o juiz deveria ser “a boca que pronuncia as palavras da lei”, conhecendo as eis, trá-las para os casos em concreto. Admitindo que esta era uma tarefa bastante simples, não seria necessária a existência de um órgão permanente de juízes- estes deveriam ser recrutados periodicamente do Terceiro estado, conhecendo as leis e trazendo-as para os casos em concreto.
Os poderes executivo e judicial deixaram de se afirmar como político-socialmente autónomos e passaram a ter o seu quadro de atuação definido pelo poder supremo: eram as leis do poder legislativo que prescreviam o seu modo de atuar. Deu-se, assim, a transmutação do normativismo moderno-iluminista (lei como mero enquadrante da ação concreta) em positivismo legalista (lei como critérios imediatos da ação concreta, ditados pelo poder legislativo).
Com Kant e Rosseau, este princípio não era mais do que um corolário institucional da conceção moderno-iluminista da lei, livre de qualquer consideração pragmática e negativa, que permitia identificar um Estado ideal e autónomo construído segundo os puros princípios do Direito- associado à compreensão do imperativo categórico. Na perspetiva dos dois autores, qualquer Estado continha em si 3 poderes, unificados pela vontade geral:
§ Poder soberano (legislativo): na pessoa do legislador, deve ser a expressão da vontade geral, tornando-se o “supreme power”;
§ Poder executivo: na pessoa do governante (em respeito à lei);
§ Poder judicial: na pessoa do juiz (que atribuía a cada um aquilo que lhe pertencia;
A organização do poder assemelhava-se a um silogismo prático: o poder legislativo, que criava a lei resultante da vontade geral, seria a premissa maior; o poder executivo, que a aplicava, seria a premissa menor (subsunção à lei); e o poder judicial, que surgia autónomo e com a responsabilidade de trazer para o plano concreto individual a voz da vontade geral- atribuindo a cada um aquilo que lhe pertencia-, seria a conclusão.
Coordenada Político-institucional- Princípio da legalidade
o A lei era entendida como estatuto geral, abstrato e formal da prática política e da ação concreta,
estando na base de toda a vida de relação. Os poderes executivo e judicial tinham, portanto, de atuar cumprindo, de modo estrito, o prescrito pela lei. Este princípio integrava duas exigências fundamentais:
§ Supremacia ou prevalência da lei: projetava a lei como ato de vontade Estadual que prevalecia sobre todos os outros atos do Estado. O poder judicial era o pronúncio das palavras da lei e o poder executivo atuava dentro dos limites por ele impostos.
§ Reserva da lei: tomava a lei como o único domínio possível de juridicidade: toda a determinação normativa em matéria juridicamente relevantes deveria ter como experiência constitutiva a lei.
o O princípio da legalidade conferia legitimidade à atuação dos diferentes poderes: o poder legislativo era legítimo porque era exercido pelos representantes da vontade geral através de critérios gerais e abstratos; os outros dois poderes eram legítimos por verem a sua atuação submetida à lei. Para além disso, este princípio traduzia o duplo postulado do legalismo: não havia leis que não fossem normas nem normas jurídicas que não fossem leis; o direito eram um sistema de normas gerais e abstratas prescrito pela vontade legisladora enquanto vontade geral coletiva do povo.
o As compreensões legalista e normativista do direito não têm a necessariamente de coincidir:
§ Compreensão legalista: significa ver na lei o modo exclusivo (ou pelo menos, dominante e determinante) da constituição, criação, manifestação e objetivação do jurídico, imputado a uma voluntas prescritiva político-constitucionalmente institucionalizada. Coloca-se um problema associado às fontes de direito. Recusa-se que o direito se possa constituir por via da experiência consuetudinária ou jurisdicional.
§ Conceção normativista: significa pensar o jurídico como um sistema constituído exclusivamente por normas racionalmente autossubsistentes e exigir que todo o discurso juridicamente relevante envolva como dimensão irrenunciável a possibilidade de universalização associada à ratio da norma-regra (enquanto proposição hipotético- condicional de dever-ser geral e abstrata). Daqui resulta a possibilidade de conhecer e interpretar esse direito abstrato.
o Com efeito, é possível ser-se legalista sem se ser normativista, reconduzindo o direito à voluntas do poder legislativo, mas admitindo que as leis assim prescritas não se exprimam todas através de programas condicionais “Se -> Então” (programas finais, …); ou sustentando uma posição normativista, mas reconhecendo diversos modos de constituição de direito (jurisdicionais, consuetudinários, …).
o Assim, o que aconteceu no contexto prático-cultural do Iluminismo resultou de uma conjugação do legalismo e do normativismo: de um legalismo incondicionalmente normativista e de um normativismo exclusivamente alimentado por um legalismo.
Coordenada Político-institucional- Princípio da independência judicial
o Traduzia-se na mera obediência do juiz à lei. As normas legais eram critérios normativos
racionalmente universais e não imposições concretas de decisão, intencionando-se que o juiz não recebesse ordens de ninguém (de qualquer outro poder) aquando da decisão de casos concretos. Ao ser a mera boca que pronunciava a lei, o juiz libertava-se da sujeição de poderes, surgindo como independente e neutro garantindo que as prescrições da vontade geral se cumpriam em cada caso sem prescrições da vontade geral se cumpriam em cada caso sem restrições na sua universalidade racional. O julgador devia proferir uma sentença, dizendo o que era o Direito em cada caso, de forma neutra e impessoal. Falava-se, a propósito da mera aplicação do direito pela função judicial, do paradigma de aplicação:
§ O juiz teria perante si o direito-lei pré-determinado, reconstruído racionalmente e interpretado em abstrato, sem qualquer interferência do mundo dos casos concretos. Ser- lhe-ia exigido abstrair-se do problema para poder interpretar a norma em abstrato, não comprometendo a sua juridicidade resultante da sua universalidade.
§ A esta exigência acrescia a de reconduzir o mundo dos casos e acontecimentos a factos empíricos desarticulados, discretos, que o juiz-sujeito iria organizar consoante as exigências de articulação que a hipótese norma lhe oferecessse.
§ Seria o esquema lógico-dedutivo do silogismo subsuntivo a garantir a relação entre o geral e o particular sem implicações normativas
Premissa Maior: a proposição normativa reconhecida no seu programa condicional (a uma hipótese “Se”, a previsão, corresponde a consequência “então”, a estatuição) e já previamente interpretada em abstrato, determinando as notas características da hipótese e reconduzindo-a a conceitos cada vez mais abstratos
» À hipótese H, caracterizada de modo pleno pelas qualidades x,y e z, corresponde a consequência jurídica C.
Premissa menos: a subsunção propriamente dita, a situação concreta subsumível à hipótese (cujo núcleo é por sua vez constituído por um silogismo lógico). Um dado problema, comprovado na sua factualidade empírica e discreta, é um exemplar concreto inscrito da hipótese (e das características que esta comporta), assimilado pelas possibilidades de representação ou previsão da norma em causa
» P apresenta as qualidades x, y e z; logo, P é um caso singular e concreto inscrito na hipótese geral e abstrata H.
Conclusão: a solução, a consequência jurídica prescrita na estatuição da norma que vigorará o problema concreto.
» Sendo P uma espécie do género de H, para o problema P vigora a consequência jurídica C.
Coordenada estritamente jurídica- A lei enquanto imperativo ou formale legis
A lei como comando, prescrição ou estatuição normativa, resultante da vontade geral representada pelo poder legislativo. Assim, impõem-se e vincula os atos de todos os cidadãos, isto é, cada norma vincula quaisquer casos em que estejam presentes as características previstas em abstrato na hipótese da norma.
Coordenada estritamente jurídica-
A lei enquanto norma racionalmente universal
A lei com as características da generalidade, da abstração e da formalidade, às quais acrescia agora, a permanência ou estabilidade (se não mesmo a imutabilidade). Esta estabilidade significava que a lei não tinha em conta a contingência e a mutabilidade do histórico- concreto e acabou por garantir a segurança dos sujeitos que atuavam na economia de mercado. Para garantir esta permanência, a lei devia estar organizada sub specie codicis, isto é, em códigos, de modo a atingir-se a unidade e a completude.
Características da Coordenada Axiológico-jurídica
*Generalidade
* Abstração
*Formalidade em sentido estrito
Permanência
A axiologia do positivismo tinha um carácter meramente formal e, com efeito, desconsiderava o conteúdo das leis desde que estas fossem gerais, abstratas e formais e garantissem a igualdade visada. O positivismo foi um pensamento formal, até nos valores que defendeu.
Coordenada Axiológico-jurídica- Generalidade
Funda-se na liberdade, que está na origem da construção da societas. Ao excluir o arbítrio e os privilégios, possibilita a consumação de uma exigência valorativa de igualdade dos sujeitos associados perante a lei, permitindo afirmar uma superação da estrutura do Antigo Regime, que se caracterizava pela diferenciação de estatutos normativo-jurídicos para as várias ordens sociais e delegava funções legislativas ao monarca, que não era destinatário dessas leis. Nota-se também a ideia de circularidade, em Rosseau, e a recusa de obedecer senão a si próprio.
Coordenada Axiológico-jurídica- Abstração
Associa-se a uma dimensão de igualdade no sentido de parificação na perspetiva das situações e, simultaneamente, à possibilidade de racionalizar o futuro e, consequentemente, assegurar a permanência e a estabilidade no tratamento dos casos semelhantes: uma única norma podia ser aplicada em todas as situações da vida futuras suscetíveis de serem submetidas na sua hipótese (se a norma identificasse uma situação concreta, esgotava-se nessa mesma situação).
Coordenada Axiológico-jurídica- Formalidade em sentido Estrito
Ao definir o quadro normativo das possibilidades de atuação e autodeterminação dos sujeitos, o Direito não interfere nem impõe fins aos destinatários das normas; permite, antes, a cada um a prossecução dos seus fins e a realização lograda dos seus arbítrios, cumprindo uma função político-socialmente estatuária de garantia e assegurando a ordem das liberdades de um modo igual e objetivo, permanente e seguro.
Coordenada Axiológico-jurídica- Permaência
É apresentada enquanto condição de segurança em dois sentidos distintos:
o Segurança através do direito: dada a circunstância de o direito estar objetivado na lei através das normas que preveem determinadas situações e se dirigem ao futuro, é possível aos sujeitos conhecerem os efeitos e as consequências jurídicas das suas condutas. Tal facto privilegia o
liberalismo individualista.
o Segurança do direito: resulta da precisão e do rigor na formulação e na enunciação dos critérios
jurídicos, permitindo aos sujeitos-destinatários conhecerem as hipóteses e as estatuições que estão em causa. Contribuem para esta estabilidade os códigos.
Coordenada Funcional
Até ao século XVIII o Direito e o pensamento jurídico identificavam-se, entendendo-se que um jurista a fazer doutrina estava a refletir acerca do Direito, pelo que a sua atividade tinha as mesmas funções intenções prático- normativas que o próprio direito.
Verificou-se uma cisão intencional entre um direito-objeto pressuposto- cuja criação ou constituição estava entregue a um poder Estatual (legislativo) e o pensamento jurídico- intencionalmente teorético e juridicamente autónomo- que se lhe dirige.
Antes da rutura, aberta pelo objetivismo historicista, todos os degraus do pensamento jurídico (não esquecendo a filosofia prática ou iuris naturalis scientia) eram orientados por intenções prático- normativas, partilhadas por ambos no projeto-procura do direito. Ambos visavam a realização do justo concreto.
A partir da mesma, passou-se a considerar que o pensamento jurídico devia ser a ciência do Direito, analisando, estudando, descrevendo e sistematizando conceitualmente as normas, que eram o seu objeto. Deste modo, pretendia-se dominar teoreticamente a prática através da neutralidade da ciência jurídica.
Coordenada epistemológico-metodológica
Deu-se a distinção entre a criação (que cabia ao órgão legislativo) e a aplicação (entregue ao órgão judicial) do direito. Havia um confronto entre a contingência prático-material e político-ideológica que sustentava o processo de criação do direito e a pureza formalmente jurídica do processo cognitivo e da ciência do direito que o tornava possível. Não admita que o cientismo se tenha projetado nesta problemática, já que o direito também pretendia ser ciência, com um objeto de estudo.
O jurista devia conhecer o direito-objeto que lhe era dado por vários órgãos; no entanto, pouco lhe interessava o conteúdo do direito, desde que este fosse formalmente válido. A neutralidade perante o concreto conteúdo do objeto era justificada por uma determinante político-ideológica (que reconduzia exclusivamente o direito- legalidade à vontade geral) e por outra de carácter cultural (que rompia com a radiação do direito na filosofia prática). O jurista do positivismo legalista deparava-se epistemologicamente, assim com os temas de uma ciência do direito preocupada em sistematizar conceitualmente a fragmentária matéria jurídica.
Assim, para o positivismo legalista apenas importava ter um conhecimento exegético da lei, através da mobilização de regras da hermenêutica filológica tradicional, de modo a conceitualizar o conteúdo histórico- concretamente contingente das normas.