Nova conceção da Lei Flashcards
Rosseau
Rosseau insere-se na linha da narrativa contratualista, iniciada com o Estado-natureza. A sua doutrina concebia o sujeito-individuo como um Homem intrinsecamente bom, cuja natureza originária seria corrompida pela apropriação dos bens.
Rosseau adorou um ponto de vista plenamente revolucionário e transformador- que rompeu veemente com as estruturas políticas sociais e culturais do Antigo Regime- e afirmou que aquilo que caracterizava os Homens no seu Estado natural era a circunstância de se apresentarem como livres e iguais uns perante os outros. Defendia que devíamos tratar a sociedade como se fosse uma associação com os seus sócios.
O grande desafio consistia em encontrar uma forma de associação legítima que, por um lado, defendesse cada associado e os bens que estavam na sua posse de qualquer prepotência ou exercício da força e, por outro lado, garantisse que cada um, unindo-se a todos oso outros, não obedecesse senão a si próprio, permanecendo tão livre quanto era antes.
Teríamos de abandonar o ideal do Estado absoluto para conseguir atingir este ideal.
A partir da introdução de uma nova conceção de lei, vemos a ideia de um Estado de direito, isto é, uma sociedade que se vai organizar no estado de direito, identificado na Lei;
Assim, a solução foi encontrada através do direito, com o surgimento de uma nova conceção da lei (já que, nesta altura, direito e lei identificavam-se integralmente), alicerçada no poder legislativo enquanto expressão fundamental da vontade geral: um ato de todo o povo, através dos seus representantes, sobre e para todo o povo, inconfundível com as vontades empíricas, reais. A vontade de cada sujeito devia ser considerada num determinado contexto real e histórico, submetida aos desejos, pulsões e interesses particulares dos indivíduos. Do somatório das vontades particulares resultava a vontade de todos. A vontade geral invocava ser necessário que a vontade de todos se exprimisse autenticamente em termos universalmente racionais. Quando convertida em vontade geral, a vontade de todos previa a conexão direta aos interesses e às situações contingentes desses interesses. A lei geral consistia na racionalização da vontade de todos.
As leis eram, então, estritamente racionais:
- Assimilavam a estrutura hipotético- condicional (Se -> Então). Na hipótese/previsão, a lei previa em abstrato um tipo de problema ou situação e na estatuição/injunção determinava a consequência desse problema. Tratando identicamente os casos semelhantes, garantia-se a igualdade
- Possuíam características que garantiam a universalidade racional das suas formulações:
o Generalidade: universalidade racional na perspetiva dos sujeitos: todos eram, simultaneamente, titulares e destinatários da lei. As proposições normativas eram criações de todo o povo (representados no Parlamente, sobre e para todo o povo.
o Abstração: universalidade racional na perspetiva das situações: as proposições normativas não
identificavam casos concretos; tipificavam problemas da vida que pudessem ocorrer;
Kant
Kant, profundo admirador de Rosseau, assimilou a sua proposta naquilo que este teve de fundamental.
Kant recusou a possibilidade de encontrar os princípios da filosofia prática numa antropologia empírica e fenoménica (característica que distinguia o Homem do Estado-natureza) e propôs-se a compreender estes princípios na sua autonomia noménica, ideal-regulativa, como autênticas leis a priori que o Homem atingiria enquanto ser racional e inteligível, ao ponto de reconhecer que o abandono do Estado Natural devia ser entendido já como um dever cívico.
O Estado-natureza era um estado de liberdade externa desprovida de leis, com carácter provisório. Comportava já as relações de direito privado que, ainda assim, só se converteriam plenamente em juridicidade com a união da vontade de todos através de um contrato social (conjunto de leis universalmente promulgadas) para que o Homem se sentisse seguro contra a violência.
Para a ética (ponto de vista interno da motivação pelo dever), a máxima seria “age de tal modo que a máxima da tua vontade possa sempre ser considerada um princípio de legislação universal”. Já para o direito (ponto de vista externo da mera conformidade à norma do comportamento), a lei universal da razão seria: “age exteriormente de tal sorte que o livre uso do teu arbítrio possa concordar com a liberdade do outro segundo uma lei geral de liberdade”.
A liberdade em Kant correspondia ao estado de compossibilidade entre os arbítrios de todos os associados. Distinguia-se impreterivelmente o arbítrio (este, por sua vez, associado ao exercício da vontade pessoal, individual num contexto real, materialmente contingente, fenoménico).
As características enunciadas por Rosseau, Kant acrescentou:
- Formalidade em sentido estrito: a lei deveria estabelecer restrições que tornassem plausível o propósito da compossibilidade dos arbítrios, o direito atribuiria a cada sujeito um território, dentro do qual poderia exercer em pleno o seu arbítrio, desde que respeitasse em limites formais que lhe eram impostos;
o Nessa relação recíproca do arbítrio, a componente jurídica não atendia à matéria do arbítrio (o fim, o propósito intencionado pelo sujeito), mas à forma na relação entre os arbítrios. O modo como o sujeito utilizava as faculdades que a lei concedia ficava no seu livre-arbítrio. A vontade individual deveria ser exercida em pleno, só seria juridicamente relevante (pela negativa) a interferência do direito nesse exercício caso fossem ultrapassados os limites formais por ele estabelecidos, sob pena de o sujeito que os violou comprometer a liberdade.
A lei era considerada como a mais sublime das instituições. O direito passou a estar associado apenas a características formais, ao que acrescia o fundamento imanente que o sistema das normas proporcionava à racionalidade: os princípios, normas e conceitos estavam ordenados de modo horizontal, ao invés de se organizarem através de uma estrutura hierarquizante.
Rosseau e Kant viveram durante o Antigo Regime, pelo que os seus pensamentos só foram concretizáveis com a criação do Estado demoliberal, na sequência das Revoluções Liberais (particularmente a Revolução Francesa). Ainda assim, apesar do êxito histórico imediato das suas ideias, as mesmas acabaram empobrecidas pelo liberalismo, especialmente o personalismo ético kantiano, traduzido na representação de um Reino dos Fins, de acordo com o qual devíamos agir de tal modo que usássemos a humanidade como um fim e nunca apenas como um meio.