Livro - Andre Flashcards

1
Q

Como se pode conceituar o Direito Empresarial?

A

Pode-se conceituar o direito empresarial, sucintamente, como o conjunto específico de normas (regras e princípios) que disciplinam a atividade econômica organizada para produção ou circulação e bens ou serviços (empresa) e aqueles que a exercem profissionalmente (empresários). Um alerta importante, no entanto, precisa ser feito: dadas a abrangência da expressão “empresa” e a amplitude das relações jurídicas firmadas pelos “empresários”, a interpretação literal do conceito de direito empresarial dado anteriormente pode nos levar a uma conclusão equivocada quanto ao âmbito de incidência de suas regras.

É preciso, pois, compreender que o direito empresarial “não está relacionado a toda a ordem jurídica do mercado, mas apenas à parte dela (…), que tem a ver com a organização da empresa e com a interação entre empresas”. É por isso que as normas sobre sociedades empresárias (que inserem no âmbito da organização da empresa) ou sobre falência e recuperação judicial (que se inserem no âmbito da interação entre empresas) integram o direito empresarial, mas não o integram as normas sobre relações de emprego ou sobre relações de consumo, já que “a relação entre empresas aparta-se daquela estabelecida entre as empresas e os consumidores, ou entre as empresas e os trabalhadores”.

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Q

Em sua origem, como foi concebida a teoria da empresa? Como se conceiturava esse termo?

A

Resumo

  • No início, ao transpor o fenômeno da empresa ao campo jurídico, ela adquiriu um sentido ambíguo, podendo ser identificado em 4 perfis para descrevê-la:

a) o perfil subjetivo, pelo qual a empresa seria uma pessoa (física ou jurídica, é preciso ressaltar), ou seja, o empresário; b) o perfil funcional, pelo qual a empresa seria uma “particular força em movimento que é a atividade empresarial dirigida a um determinado escopo produtivo”, ou seja, uma atividade econômica organizada; c) o perfil objetivo (ou patrimonial), pelo qual a empresa seria um conjunto de bens afetados ao exercício da atividade econômica desempenhada, ou seja, o estabelecimento empresarial; e d) o perfil corporativo, pelo qual a empresa seria uma comunidade laboral, uma instituição que reúne o empresário e seus auxiliares ou colaboradores, ou seja, “um núcleo social organizado em função de um fim econômico comum”.

  • O perfil corporativo, ligado ao fascismo, foi abandonado. As demais acepções, por sua vez, que analisam a empresa a partir de seus perfis subjetivo, objetivo e funcional, se referem, respectivamente, a três realidades distintas, mas intrinsecamente relacionadas: o empresário, o estabelecimento e a atividade empresarial.
  • Com a superação do teoria dos atos de comércio e a adoção da teoria da empresa, o termo passa a significar simplesmente atividade econômica organizada.

Livro

A definição do conceito jurídico de empresa é até hoje um problema para os doutrinadores do direito empresarial. Isso se dá porque empresa, como bem lembrou Asquini, é um fenômeno econômico que compreende a organização dos chamados fatores de produção: natureza, capital, trabalho e tecnologia.

Transposto o fenômeno econômico para o universo jurídico, a empresa acaba não adquirindo um sentido unitário, mas diversas acepções distintas. Daí porque o referido jurista italiano observou a empresa como um fenômeno econômico poliédrico, com quatro perfis distintos quando transposto para o Direito: a) o perfil subjetivo, pelo qual a empresa seria uma pessoa (física ou jurídica, é preciso ressaltar), ou seja, o empresário; b) o perfil funcional, pelo qual a empresa seria uma “particular força em movimento que é a atividade empresarial dirigida a um determinado escopo produtivo”, ou seja, uma atividade econômica organizada; c) o perfil objetivo (ou patrimonial), pelo qual a empresa seria um conjunto de bens afetados ao exercício da atividade econômica desempenhada, ou seja, o estabelecimento empresarial; e d) o perfil corporativo, pelo qual a empresa seria uma comunidade laboral, uma instituição que reúne o empresário e seus auxiliares ou colaboradores, ou seja, “um núcleo social organizado em função de um fim econômico comum”.96

De todas essas acepções de empresa mencionadas por Asquini, esta última, que a considera sob um perfil corporativo, está ultrapassada, pois só se sustentava a partir da ideologia fascista que predominava na Itália quando da edição do Código Civil de 1942 . As demais acepções, por sua vez, que analisam a empresa a partir de seus perfis subjetivo, objetivo e funcional, se referem, respectivamente, a três realidades distintas, mas intrinsecamente relacionadas: o empresário, o estabelecimento e a atividade empresarial.97

Enfim, a partir da desconstrução da teoria dos atos de comércio e da afirmação da teoria da empresa como critério delimitador do âmbito de incidência das regras do regime jurídico empresarial, o fenômeno econômico empresa, visto como organismo econômico em que há articulação dos fatores de produção (natureza, trabalho, capital e tecnologia) para atendimento das necessidades do mercado (produção e circulação de bens e serviços), é absorvido pelo direito empresarial com o sentido técnico jurídico de atividade econômica organizada.

É em torno da atividade econômica organizada, ou seja, da empresa, que vão gravitar todos os demais conceitos fundamentais do direito empresarial, sobretudo os conceitos de empresário (aquele que exerce profissionalmente atividade econômica organizada, isto é, exerce empresa) e de estabelecimento empresarial (complexo de bens usado para o exercício de uma atividade econômica organizada, isto é, para o exercício de uma empresa).

[…]

O Código Civil de 2002 tratou, no seu Livro II, Título I, do “Direito de Empresa”. Desapareceu a figura do comerciante e surgiu a figura do empresário (da mesma forma, não se falou mais em sociedade comercial, mas em sociedade empresária). A mudança, porém, não se limitou a aspectos terminológicos. Ao disciplinar o direito de empresa, o direito brasileiro se afastou, definitivamente, da ultrapassada teoria dos atos de comércio e incorporou a teoria da empresa ao nosso ordenamento jurídico, adotando o conceito de empresarialidade para delimitar o âmbito de incidência do regime jurídico comercial.

Não se fala mais em comerciante, como sendo aquele que pratica habitualmente atos de comércio. Fala-se agora em empresário, sendo este o que “exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços” (art. 966 do Código Civil).

Pois bem. Tendo o Código Civil de 2002 adotado a teoria da empresa, restou superado o ultrapassado e deficiente critério do Código Comercial de 1850, que definia o comerciante como aquele que pratica habitualmente atos de comércio. Com a edição do Código Civil de 2002, portanto, tornam-se obsoletas as noções de comerciante e de ato de comércio, que são substituídas pelos conceitos de empresário e de empresa.

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Q

Como se deu a evolução do Direito Comercial no mundo?

A

1 Fase:

  • Idade média: renascimento mercantil e ressurgimento da cidades;
  • Monopólio da jurisdição mercantil a cargo das Corporações de Ofício;
  • Aplicação dos usos e costumes mercantis pelos tribunais consulares;
  • “Codificação privada” do Direito Comecial; normas “pseudossistematizadas;
  • Caráter subjetivistas: mercantilidade das relações jurídicas definidas pelos sujeitos;
  • O direito comercial como direito dos comerciates.

2 Fase

  • Idade moderna: formação dos Estados Nacionais monárquicos;
  • Monopólio da jurisdicão a cargo do Estado;
  • Código de napoleão;
  • Bipartição do direito privado;
  • A teoria dos atos do comércio como critério delimitador da incidência do regimene jurídico-comercial;
  • Objetivação do direito comercial: mercantilidade da relação jurídica definida pelo seu objeto.

3 Fase

  • Código Civil Italiano de 1942;
  • A Unificação formal do direito privado;
  • A teoria da empresa como critério delimitador da incidência do regime jurídico-empresarial;
  • A empresa vista como atividade econômica organizada.
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4
Q

Quais as condições para que se aceite a regulamentação de profissão?

A

Resumo

  • Pode-se impor restrições à livre-iniciativa, como a exigência de diploma ou de filiação compulsória a um órgão regulamentador, somente quando há potencial lesivo no exercício de certa atividade.
  • No caso da tentativa de regulação da atividade de músico e de jornalísta, o STF invocou a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa, sem fazer menção à livre-iniciativa.

Livro

Felizmente, o entendimento predominante do Poder Executivo Federal tem sido o de que a imposição de restrições, como a exigência de diploma ou de filiação compulsória a um órgão regulamentador, só é legítima quando há potencial lesivo no exercício de certa atividade, isto é, quando houver a possibilidade de ocorrer dano à sociedade.

Nesse sentido, pode ser citado o veto integral à lei que regulamentou a profissão de designer, porque ela previa que somente os titulares de curso superior ou pessoas com experiência mínima de três anos até a data de sua publicação poderiam exercer a profissão, o que se considerou uma violação da livre-iniciativa, já que não há potencial lesivo na atividade regulamentada, de modo que o seu livre exercício não possibilita a ocorrência de dano à sociedade.

No mesmo sentido, pode ser citado o veto ao art. 2.o da Lei 12.467/2011, a qual regulamentou a profissão de sommelier (“aquele que executa o serviço especializado de vinhos em empresas de eventos gastronômicos, hotelaria, restaurantes, supermercados e enotecas e em comissariaria de companhias aéreas e marítimas”) e previa, no dispositivo legal vetado, que somente podiam exercer a referida profissão “os portadores de certificado de habilitação em cursos ministrados por instituições oficiais públicas ou privadas, nacionais ou estrangeiras, ou aqueles que, à data de promulgação desta Lei, estejam exercendo efetivamente a profissão há mais de 3 (três) anos”. O intuito de criação de reserva de mercado era claro, como ocorre em todos os projetos de lei semelhantes.

O Supremo Tribunal Federal também costuma se manifestar pela possibilidade da imposição de restrições à livre-iniciativa, como a exigência de diploma ou de filiação compulsória a um órgão regulamentador, somente quando há potencial lesivo no exercício de certa atividade, isto é, quando houver a possibilidade de ocorrer dano à sociedade.

Direito constitucional. Exercício profissional e liberdade de expressão. Exigência de inscrição em conselho profissional. Excepcionalidade. Arts. 5.º, IX e XIII, da Constituição. Nem todos os ofícios ou profissões podem ser condicionadas ao cumprimento de condições legais para o seu exercício. A regra é a liberdade. Apenas quando houver potencial lesivo na atividade é que pode ser exigida inscrição em conselho de fiscalização profissional. A atividade de músico prescinde de controle. Constitui, ademais, manifestação artística protegida pela garantia da liberdade de expressão (RE 414.426, Rel. Min. Ellen Gracie, Tribunal Pleno, j. 01.08.2011, DJe-194, Divulg. 07.10.2011, Public. 10.10.2011, Ement. vol-02604-01, p. 76).

Apesar de o Supremo Tribunal Federal, nos dois julgamentos supratranscritos, ter assegurado o livre exercício das profissões de jornalista e de músico, a leitura dos acórdãos deixa claro que ele não o fez em homenagem à livre-iniciativa, mas em homenagem à liberdade de imprensa e de expressão.

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5
Q

Dê alguns exemplos de restrições à livre-iniciativa chanceladas pelo STF.

A

Resumo

  • Possibilidade de cobrança de meia entrada em casas de esporte, diversão, cultura (prevalência do direito à educação, cultura e desporto);
  • Fixação de critérios para reajuste de mensalidade escolar (proteção do consumidor);
  • Probição de importação de pneumáticos usados (favorecimento do direito à saúde e ao meio ambiente equilibrado).
  • Horário de funcionamento de famárcias.

Livro

O que se percebe, pois, é que o princípio da livre-iniciativa vem sendo relativizado progressivamente, muito em função de uma mentalidade anticapitalista que incrivelmente se desenvolve em muitas pessoas, sobretudo entre os chamados “intelectuais” e entre aqueles que nos dominam e nos exploram: os burocratas do Estado.

O avanço do Estado sobre o mercado, com a consequente restrição da aplicação do princípio da livre-iniciativa, é tão grande que, se fizermos uma rápida pesquisa na jurisprudência dos nossos tribunais, veremos que ele sempre é deixado de lado quando confrontado com outros princípios “sociais”, como se pode ver a partir da leitura dos julgados a seguir, todos do Supremo Tribunal Federal:

Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n.o 7.844/92, do Estado de São Paulo. Meia entrada assegurada aos estudantes regularmente matriculados em estabelecimentos de ensino. Ingresso em casas de diversão, esporte, cultura e lazer. Competência concorrente entre a União, Estados-Membros e o Distrito Federal para legislar sobre direito econômico. Constitucionalidade. Livre-iniciativa e ordem econômica. Mercado. Intervenção do Estado na economia. Artigos 1.o, 3.o, 170, 205, 208, 215 e 217, § 3.o, da Constituição do Brasil. 1. É certo que a ordem econômica na Constituição de 1988 define opção por um sistema no qual joga um papel primordial a livre-iniciativa. Essa circunstância não legitima, no entanto, a assertiva de que o Estado só intervirá na economia em situações excepcionais. 2. Mais do que simples instrumento de governo, a nossa Constituição enuncia diretrizes, programas e fins a serem realizados pelo Estado e pela sociedade. Postula um plano de ação global normativo para o Estado e para a sociedade, informado pelos preceitos veiculados pelos seus artigos 1.º, 3.º e 170. 3. A livre-iniciativa é expressão de liberdade titulada não apenas pela empresa, mas também pelo trabalho. Por isso a Constituição, ao contemplá-la, cogita também da “iniciativa do Estado”; não a privilegia, portanto, como bem pertinente apenas à empresa. 4. Se de um lado a Constituição assegura a livre-iniciativa, de outro determina ao Estado a adoção de todas as providências tendentes a garantir o efetivo exercício do direito à educação, à cultura e ao desporto [artigos 23, inciso V, 205, 208, 215 e 217, § 3.o, da Constituição]. Na composição entre esses princípios e regras há de ser preservado o interesse da coletividade, interesse público primário. 5. O direito ao acesso à cultura, ao esporte e ao lazer, são meios de complementar a formação dos estudantes. 6. Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente (ADI 1.950, Rel. Min. Eros Grau, Tribunal Pleno, j. 03.11.2005, DJ 02.06.2006, p. 4, Ement. vol-02235-01, p. 52, LEXSTF v. 28, n. 331, 2006, p. 56-72, RT v. 95, n. 852, 2006, p. 146-153).

Ação direta de inconstitucionalidade. Lei 8.039, de 30 de maio de 1990, que dispõe sobre critérios de reajuste das mensalidades escolares e dá outras providencias. – Em face da atual Constituição, para conciliar o fundamento da livre-iniciativa e do princípio da livre concorrência com os da defesa do consumidor e da redução das desigualdades sociais, em conformidade com os ditames da justiça social, pode o Estado, por via legislativa, regular a política de preços de bens e de serviços, abusivo que é o poder econômico que visa ao aumento arbitrário dos lucros. – Não é, pois, inconstitucional a Lei 8.039, de 30 de maio de 1990, pelo só fato de ela dispor sobre critérios de reajuste das mensalidades das escolas particulares. – Exame das inconstitucionalidades alegadas com relação a cada um dos artigos da mencionada Lei. Ofensa ao princípio da irretroatividade com relação a expressão “marco” contida no parágrafo 5.o do artigo 2.o da referida Lei. Interpretação conforme a Constituição aplicada ao “caput” do artigo 2.o, ao parágrafo 5.o desse mesmo artigo e ao artigo 4.o, todos da Lei em causa. Ação que se julga procedente em parte, para declarar a inconstitucionalidade da expressão “marco” contida no parágrafo 5.o do artigo 2.o da Lei n.o 8.039/90, e, parcialmente, o “caput” e o parágrafo 2.o do artigo 2.o, bem como o artigo 4.o os três em todos os sentidos que não aquele segundo o qual de sua aplicação estão ressalvadas as hipóteses em que, no caso concreto, ocorra direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada (ADI 319 QO, Rel. Min. Moreira Alves, Tribunal Pleno, j. 03.03.1993, DJ 30.04.1993, p. 7.563, Ement. vol-01701-01, p. 36).

Agravo regimental. Suspensão de tutela antecipada. Importação de pneumáticos usados. Manifesto interesse público. Grave lesão à ordem e à saúde públicas. 1. Lei 8.437/92, art. 4.o. Suspensão de liminar que deferiu a antecipação dos efeitos da tutela recursal. Critérios legais. 2. Importação de pneumáticos usados. Manifesto interesse público. Dano Ambiental. Demonstração de grave lesão à ordem pública, considerada em termos de ordem administrativa, tendo em conta a proibição geral de não importação de bens de consumo ou matéria-prima usada. Precedentes. 3. Ponderação entre as exigências para preservação da saúde e do meio ambiente e o livre exercício da atividade econômica (art. 170 da Constituição Federal). 4. Grave lesão à ordem pública, diante do manifesto e inafastável interesse público à saúde e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225 da Constituição Federal). Precedentes. 5. Questão de mérito. Constitucionalidade formal e material do conjunto de normas (ambientais e de comércio exterior) que proíbem a importação de pneumáticos usados. Pedido suspensivo de antecipação de tutela recursal. Limites impostos no art. 4.º da Lei n.o 8.437/1992. Impossibilidade de discussão na presente medida de contracautela. 6. Agravo regimental improvido (STA 171 AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, Tribunal Pleno, j. 12.12.2007, DJe-036, Divulg. 28.02.2008, Public. 29.02.2008, Ement. vol-02309-01, p. 38).

Constitucional. Administrativo. Distribuição de combustíveis. TRR. Regulamentação DL 395/38. Recepção. Portaria Ministerial. Validade. 1. O exercício de qualquer atividade econômica pressupõe o atendimento aos requisitos legais e às limitações impostas pela Administração no regular exercício de seu poder de polícia, principalmente quando se trata de distribuição de combustíveis, setor essencial para a economia moderna. 2. O princípio da livre-iniciativa não pode ser invocado para afastar regras de regulamentação do mercado e de defesa do consumidor. 2. O DL 395/38 foi editado em conformidade com o art. 180 da CF de 1937 e, na inexistência da lei prevista no art. 238 da Carta de 1988, apresentava-se como diploma plenamente válido para regular o setor de combustíveis. Precedentes: RE 252.913 e RE 229.440. 3. A Portaria 62/95 do Ministério de Minas e Energia, que limitou a atividade do transportador-revendedor-retalhista, foi legitimamente editada no exercício de atribuição conferida pelo DL 395/38 e não ofendeu o disposto no art. 170, parágrafo único, da Constituição. 4. Recurso extraordinário conhecido e provido (RE 349.686, Rel. Min. Ellen Gracie, 2.ª Turma, j. 14.06.2005, DJ 05.08.2005, p. 119, Ement. vol-02199-06, p. 1.118, LEXSTF v. 27, n. 321, 2005, p. 309-314).

Direito constitucional e processual civil. Farmácia: horário de funcionamento. Matéria de competência municipal. Precedente do Plenário. Recurso extraordinário: pressupostos de admissibilidade. Agravo. 1. Como salientado na decisão agravada, “o Plenário do Supremo Tribunal Federal já decidiu, por unanimidade, no julgamento do RE 237.965-SP, publicado no DJ, 31.03.00, Rel. Ministro Moreira Alves, que a fixação de horário de funcionamento para farmácias é matéria de competência municipal, não procedendo, portanto, as alegações de violação aos princípios constitucionais da isonomia, da livre-iniciativa, da livre concorrência, da liberdade de trabalho, da busca do pleno emprego e ao direito do consumidor”. 2. Os fundamentos desse precedente foram resumidos na decisão agravada, que mencionou outros, e não infirmados pela agravante. 3. Agravo improvido (RE 321.796 AgR, Rel. Min. Sydney Sanches, 1.ª Turma, j. 08.10.2002, DJ 29.11.2002, p. 20, Ement. vol-02093-05, p. 904).

Da leitura das ementas dos acórdãos anteriormente transcritos se pode perceber a que ponto chegou a mentalidade estatista e anticapitalista do brasileiro. A ideia de que a livre-iniciativa é algo antagônico a outros princípios ditos “sociais” é deveras equivocada. A História é pródiga em exemplos que demonstram que as sociedades mais livres e que defendem com mais veemência o princípio da livre-iniciativa são mais desenvolvidas, social e economicamente, e ostentam menos desigualdades e mais qualidade de vida.

Basta olhar os rankings de liberdade econômica e os rankings de desenvolvimento social para se perceber que os países que possuem economias mais livres e abertas (menos burocracia, mais respeito à propriedade privada e aos contratos, pouca intervenção estatal no mercado, dentre outras características) são também os países mais bem colocados em termos de IDH (Índice de Desenvolvimento Humano). Da mesma forma, os países que possuem economias mais intervencionistas e fechadas ocupam geralmente as piores colocações em termos de IDH.

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6
Q

Qual o fundamento legal do princípio da função social da empresa e o que ele significa?

A

Resumo

  • O fundamento legal do princípio da função social da empresa decorre da função social da propriedade, que está entre os princípios gerais da atividade econômica (CF, art. 170, III).
  • Segundo esse princípio, a empresa não deve apenas atender os interesses individuais do empresário individual, do titular da EIRELI ou dos sócios da sociedade empresária, mas também os interesses difusos e coletivos de todos aqueles que são afetados pelo exercício dela (trabalhadores, contribuintes, vizinhos, concorrentes, consumidores etc.).

Livro

Obviamente, o mencionado art. 170 da Constituição Federal prevê a propriedade privada como um dos princípios gerais da atividade econômica (inciso II). Afinal, sem propriedade privada, especialmente quanto aos chamados bens de produção, não existe mercado.

O mesmo dispositivo constitucional, no entanto, também prevê a função social da propriedade como princípio geral da atividade econômica (inciso III).

É dessa combinação de princípios – propriedade privada e função social da propriedade – que decorre um dos mais alardeados princípios do direito empresarial: a função social da empresa.

O estudo desse princípio, no Brasil, remonta ao conhecido ensaio Função social de propriedade dos bens de produção, de autoria de Fábio Konder Comparato.

Empresa é uma atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços. Empresário é a pessoa, física (empresário individual) ou jurídica (sociedade empresária ou EIRELI), que exerce profissionalmente uma empresa (art. 966 do CC). E estabelecimento empresarial é o conjunto organizado de bens, materiais ou imateriais, usados no exercício de uma empresa (art. 1.142 do CC).

Assim, quando se fala em função social da empresa faz-se referência à atividade empresarial em si, que decorre do uso dos chamados bens de produção pelos empresários. Como a propriedade (ou o poder de controle) desses bens está sujeita ao cumprimento de uma função social, nos termos do art. 5.o, inciso XXIII, da CF/1988, o exercício da empresa (atividade econômica organizada) também deve cumprir uma função social específica, a qual, segundo Fábio Ulhoa Coelho, estará satisfeita quando houver criação de empregos, pagamento de tributos, geração de riqueza, contribuição para o desenvolvimento econômico, social e cultural do entorno, adoção de práticas sustentáveis e respeito aos direitos dos consumidores.

Enfim, a empresa não deve, segundo os defensores desse princípio, apenas atender os interesses individuais do empresário individual, do titular da EIRELI ou dos sócios da sociedade empresária, mas também os interesses difusos e coletivos de todos aqueles que são afetados pelo exercício dela (trabalhadores, contribuintes, vizinhos, concorrentes, consumidores etc.).

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7
Q

De forma bem geral, como se pode distinguir pratica de concorrência desleal do abuso do poder econômico?

A

A livre concorrência está expressamente elencada no art. 170 da CF/1988 como princípio geral da atividade econômica (inciso IV), e existem basicamente duas formas pelas quais o Estado se propõe a concretizar esse princípio: coibição das práticas de concorrência desleal, inclusive tipificando-as como crimes, e repressão ao abuso de poder econômico, caracterizando-os como infração contra a ordem econômica.

No primeiro caso, as sanções estão previstas nos arts. 183 e seguintes da Lei 9.279/1996, e o objeto da punição estatal são condutas que atingem um concorrente in concreto (por exemplo: contrafação de marca). No segundo caso, por sua vez, as sanções estão previstas no art. 36 da Lei 12.529/2011, e o objeto da punição estatal são condutas que atingem a concorrência in abstrato, isto é, o próprio ambiente concorrencial (por exemplo: formação de cartel).

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8
Q

Cite os princípios que norteiram a Lei de Liberdade Econômica.

A

A Lei 13.874/2019, conhecida como Lei da Liberdade Econômica, também se preocupou em estabelecer alguns princípios importantes que passam a reger as relações dos empresários com o Estado.

Art. 2.º São princípios que norteiam o disposto nesta Lei:

I – a liberdade como uma garantia no exercício de atividades econômicas;

II – a boa-fé do particular perante o poder público;

III – a intervenção subsidiária e excepcional do Estado sobre o exercício de atividades econômicas; e

IV – o reconhecimento da vulnerabilidade do particular perante o Estado.

Parágrafo único. Regulamento disporá sobre os critérios de aferição para afastamento do inciso IV do caput deste artigo, limitados a questões de má-fé, hipersuficiência ou reincidência.

O inciso I, que trata da “liberdade como uma garantia no exercício de atividades econômicas”, é um princípio legal que decorre da livre-iniciativa, a qual, conforme vimos, está expressamente consagrado no texto constitucional em diversas passagens, notadamente no caput do art. 170 da Carta Magna, onde aparece como fundamento da ordem econômica, e em seu parágrafo único.

Os incisos II e IV, que tratam da “boa-fé do particular perante o poder público” e do “reconhecimento da vulnerabilidade do particular perante o Estado”, consagram princípios de extrema relevância, os quais possuem dois vetores: de um lado, eles passam a orientar a própria Administração Pública; de outro, eles passam a nortear a interpretação do Poder Judiciário. Exemplifico: com base no inciso II, os órgãos do Poder Executivo devem privilegiar a autodeclaração do cidadão, especialmente o empreendedor, em vez de exigir documentos, certidões, comprovantes etc.; e com base no inciso IV, um magistrado pode inverter o ônus da prova em favor do cidadão, especialmente o empreendedor, numa demanda em que ele litiga contra o poder público.

Por fim, o inciso III, que trata da “intervenção subsidiária e excepcional do Estado sobre o exercício de atividades econômicas”, consagra outro princípio legal que está em plena consonância com o texto constitucional, especialmente os arts. 173 e 174 da Carta Magna: o primeiro deixa claro que o Estado só deve explorar diretamente atividade econômica em situações realmente excepcionais (segurança nacional ou relevante interesse coletivo), e o segundo determina que o Estado só deve criar normas para regular a atividade econômica com o objetivo de fiscalizar, incentivar e planejar, sendo que tal planejamento, no tocante ao setor privado, deve ser meramente indicativo.

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9
Q

Os costumes são fontes formais do Direito Empresarial?

A

Como fonte formal subsidiária do direito comercial/empresarial podem ser mencionados os usos e costumes mercantis, sobretudo porque o direito comercial, como visto, surgiu como um direito consuetudinário, baseado nas práticas mercantis dos mercadores medievais. Os usos e costumes surgem quando se verificam alguns requisitos básicos: normalmente exige-se que a prática seja (i) uniforme, (ii) constante, (iii) observada por certo período de tempo, (iv) exercida de boa-fé e (v) não contrária à lei.127

A doutrina distingue os usos em usos de direito (ou usos propriamente ditos) e usos de fato (ou usos convencionais). Os primeiros são aqueles que decorrem da própria lei, razão pela qual sua eficácia não decorre da vontade das partes, mas de imposição legal. Os segundos, por outro lado, são aqueles que surgem como decorrência da prática espontânea dos empresários em suas relações jurídicas cotidianas, como os contratos mercantis que se firmam constantemente. Pode-se citar como exemplo de uso de direito a disposição normativa constante do art. 488 do Código Civil, a qual dispõe que, nos contratos de compra e venda, “convencionada a venda sem fixação de preço ou de critérios para a sua determinação, se não houver tabelamento oficial, entende-se que as partes se sujeitaram ao preço corrente nas vendas habituais do vendedor”.

Registre-se que o Novo CPC determina, em seu art. 376, que “a parte que alegar direito (…) consuetudinário provar-lhe-á o teor e a vigência, se assim o juiz determinar”. Nesse ponto, é importante destacar que compete às Juntas Comerciais, conforme disposto no art. 8.o, inciso VI, da Lei 8.934/1994, “o assentamento dos usos e práticas mercantis”, após análise jurídica feita pela sua Procuradoria, devendo o juiz comunicar à Junta Comercial da região os costumes comerciais invocados e aplicados em juízo, para fins de registro em livro próprio.

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10
Q

As normas previstas no Código Civil relativa a contratos aplicam-se indistintamente aos contratos empresariais?

A

Finalmente, também como fonte formal subsidiária do direito comercial/empresarial devem ser citadas as normas civis,128 especialmente no campo das obrigações e dos contratos. A propósito, o Código Comercial de 1850 continha regra expressa nesse sentido em seu art. 121: “as regras e disposições do direito civil para os contratos em geral são aplicáveis aos contratos comerciais, com as modificações e restrições estabelecidas neste Código”. Após o Código Civil de 2002, continua ocorrendo o mesmo, já que as normas da parte de contratos do referido diploma legislativo (arts. 421 e ss.) aplicam-se indistintamente a contratos cíveis e empresariais, com o devido temperamento, é óbvio, quando aplicadas a estes. Esse temperamento é imprescindível porque o Código Civil de 2002, na parte relativa a contratos, foi fortemente influenciado pela teoria do dirigismo contratual, que prega a relativização dos princípios da autonomia da vontade das partes e da força obrigatória das avenças em prol de uma cada vez maior intervenção do estado nas relações negociais, algo que definitivamente não se coaduna com os contratos empresariais, nos quais devem sempre prevalecer a plena liberdade de contratar e a máxima liberdade contratual.

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Q

Segundo o autro, quais são os motivos para criação de um novo Código Comercial?

A

Eu, pessoalmente, entendo que um novo Código Comercial é necessário, basicamente, por dois motivos: (i) corrigir os tristes erros do Código Civil em relação ao direito empresarial e, sobretudo, (ii) defender o livre mercado.

A tentativa de unificação legislativa levada a efeito pelo Código Civil de 2002 trouxe graves problemas para o direito comercial (hoje também chamado de direito empresarial, conforme vimos), a saber: a) contratos cíveis e mercantis passaram a ter uma mesma “teoria geral”, ignorando-se a enorme distinção que há entre eles; b) normas gerais sobre títulos de crédito foram criadas, em total descompasso com as leis existentes, notadamente a Lei Uniforme de Genebra, incorporada há décadas ao nosso ordenamento jurídico em razão da assinatura de um Tratado Internacional; c) a sociedade limitada, antes submetida a um flexível e enxuto arcabouço normativo, tornou-se uma figura societária burocrática e engessada; d) institutos jurídicos receberam tratamento confuso e atécnico, gerando dificuldades interpretativas que trazem insegurança jurídica, como ocorre no caso da difícil distinção prática entre sociedades simples e empresárias; e) velhos costumes jurídicos consagrados na praxe forense, como a desnecessidade de outorga conjugal para prestação de aval por pessoa casada e a possibilidade de contratação de sociedade entre cônjuges independentemente do regime de bens, foram injustificadamente alterados; f) novas figuras jurídicas, já conhecidas no direito estrangeiro, perderam a chance de serem adotadas, como a sociedade limitada unipessoal e o empresário individual de responsabilidade limitada (recentemente, figura semelhante, a EIRELI – Empresa Individual de Responsabilidade Limitada, acabou sendo incorporada ao Código Civil pela Lei 12.441/2011).

A mera oportunidade de corrigir esses graves erros decorrentes da unificação legislativa, copiada da codificação italiana “fascista” de 1942, já seria motivo suficiente para a edição de um novo Código Comercial. Mas há também outro motivo, ainda mais importante: a defesa do livre mercado!

Exatamente no momento em que o Brasil vive uma oportunidade única de crescimento e prosperidade, aumenta exponencialmente a intervenção do Estado na economia, criando-se um paradoxo inexplicável e injustificável. Princípios básicos do regime capitalista, como livre-iniciativa e liberdade contratual, são solenemente desrespeitados. O Estado regula cada vez mais a economia, criando e sustentando duopólios e oligopólios em setores estratégicos, como aviação e telefonia. O Poder Judiciário se sente cada vez mais à vontade para intervir nos contratos, e relações empresariais simétricas sofrem pesadas limitações de um dirigismo contratual descabido. A carga tributária chega a percentuais proibitivos ao empreendedor, quebrando empresas e tirando a competitividade de produtos e serviços dos abnegados empresários brasileiros. As intocáveis leis trabalhistas, que só prejudicam os trabalhadores a que visam proteger, impedem a criação de empregos e burocratizam o mercado de trabalho. Os pacotes de socorro em tempos de crise distorcem a regra de competição empresarial, criando risco moral e favorecendo apenas os “empresários” bem relacionados. Em suma: não se tem um ambiente de livre mercado genuíno.

O observador mais atento pode questionar: um novo Código Comercial não resolve esses problemas. Para tanto, seria necessária uma profunda reforma do Estado. Em parte, é verdade. Mas muita coisa pode melhorar com a edição de um novo Código Comercial, desde que ele seja uma lei concisa e principiológica que, por exemplo: a) assegure a plena autonomia da vontade das partes, em respeito à simetria natural das relações contratuais empresariais; b) estimule a arbitragem como meio de solução de conflitos entre empresários; c) dê condições ao surgimento e desenvolvimento de órgãos autorregulatórios, sobretudo no mercado de capitais e no ambiente de fusões e aquisições; d) desburocratize os serviços de registro de empresas, assegurando a livre-iniciativa e a livre competição verdadeiras. Enfim, um código que se limite a assegurar, sem medo, a liberdade.

Não foi à toa que o direito comercial nasceu como um direito consuetudinário, a partir da compilação dos usos, costumes e práticas mercantis dos mercadores burgueses medievais. O genuíno direito comercial é a Lex Mercatoria, isto é, a regra que nasce da interação livre e voluntária dos que se dedicam ao exercício de atividade econômica. Um bom Código Comercial é o que, simplesmente, deixa o mercado funcionar.

O livre mercado, no Brasil (e no mundo também, infelizmente), vem sofrendo duros golpes, na medida em que se desenvolve esse estranho capitalismo de Estado. Por incrível que pareça, a edição de um novo Código Comercial é a última trincheira dos que acreditam no capitalismo e no ideal de liberdade que ele carrega consigo.

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Q

Conceitue o empresário, indicando e explicando as suas principais características.

A

Do conceito de empresário estabelecido no art. 966 do Código Civil (“considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços”), podemos extrair as seguintes expressões, que nos indicam os principais elementos indispensáveis à sua caracterização: a) profissionalmente; b) atividade econômica; c) organizada; d) produção ou circulação de bens ou de serviços.

Da primeira expressão destacada, pode-se extrair o seguinte: só será empresário aquele que exercer determinada atividade econômica de forma profissional, ou seja, que fizer do exercício daquela atividade a sua profissão habitual. Quem exerce determinada atividade econômica de forma esporádica, por exemplo, não será considerado empresário, não sendo abrangido, portanto, pelo regime jurídico empresarial. Em síntese, “importa que a atividade corresponda a um constante repetir-se, não podendo tratar-se da realização de um negócio ocasional de compra e venda ou de mediação”.

Ao destacarmos a expressão atividade econômica, por sua vez, queremos enfatizar que empresa é uma atividade exercida com intuito lucrativo. Afinal, conforme veremos, é característica intrínseca das relações empresariais a onerosidade. Mas não é só à ideia de lucro que a expressão atividade econômica remete. Ela indica também que o empresário, sobretudo em função do intuito lucrativo de sua atividade, é aquele que assume os seus riscos técnicos e econômicos.

[…]

A terceira expressão destacada – organizada – significa, como bem assinala a doutrina, que empresário é aquele que articula os fatores de produção (capital, mão de obra, insumos e tecnologia). No mesmo sentido, diz-se que o exercício de empresa pressupõe, necessariamente, a organização de pessoas e meios para o alcance da finalidade almejada. Como dizia Asquini, o empresário é responsável pela “prestação de um trabalho autônomo de caráter organizador”, e é isso, junto com a assunção dos riscos do empreendimento, que justifica a possibilidade de ele auferir lucro.

[…]

Por fim, a última expressão destacada demonstra a abrangência da teoria da empresa, em contraposição à antiga teoria dos atos de comércio, a qual, como visto, restringia o âmbito de incidência do regime jurídico comercial a determinadas atividades econômicas elencadas na lei. Para a teoria da empresa, em contrapartida, qualquer atividade econômica poderá, em princípio, submeter-se ao regime jurídico empresarial, bastando que seja exercida profissionalmente, de forma organizada e com intuito lucrativo. Sendo assim, a expressão produção ou circulação de bens ou de serviços deixa claro que nenhuma atividade econômica está excluída, a priori, do âmbito de incidência do direito empresarial.

E mais. Além de denotar a abrangência da teoria da empresa, a expressão em análise também nos permite concluir que só restará caracterizada a empresa quando a produção ou circulação de bens ou serviços destinar-se ao mercado, e não ao consumo próprio [aqui, pode-se incluir as cooperativas].

[…]

Uma última observação importante precisa ser feita: a partir do conceito de empresário pode-se estabelecer, logicamente, que empresa é uma atividade econômica organizada com a finalidade de fazer circular ou produzir bens ou serviços.7

Empresa é, portanto, uma atividade, algo abstrato. Empresário, por sua vez, é quem exerce empresa de modo profissional. Assim, deve-se atentar para o uso correto da expressão empresa, não a confundindo com a sociedade empresária (pessoa jurídica cujo objeto social é o exercício de uma empresa, isto é, de uma atividade econômica organizada), por exemplo.É errado, pois, dizer que “João e Maria constituíram uma empresa”, pois nesse caso o que eles constituíram foi uma sociedade empresária. […]

Também não se deve confundir, por exemplo, empresa com estabelecimento empresarial. Este é um complexo de bens que o empresário usa para exercer empresa, isto é, para exercer uma atividade econômica organizada.

Enfim, empresa é uma atividade econômica organizada, e empresário é a pessoa, física ou jurídica, que exerce uma empresa profissionalmente. Quando o empresário for pessoa física, nós o chamamos de empresário individual; quando o empresário for pessoa jurídica, estaremos diante ou de uma sociedade empresária ou de uma EIRELI (art. 980-A do CC).

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Q

O comerciante de perfumes que leva ele mesmo, à sacola, os produtos até os locais de trabalho ou residência dos potenciais consumidores de forma habital, mas sem contratar empregado, pode ser considerado empresário?

A

Fábio Ulhoa Coelho, ao analisar o requisito da organização para a caracterização da empresa, chega a afirmar que não se deve considerar como empresário aquele que não organiza nenhum dos fatores de produção.
A empresa é atividade organizada no sentido de que nela se encontram articulados, pelo empresário, os quatro fatores de produção: capital, mão de obra, insumos e tecnologia. Não é empresário quem explora atividade de produção ou circulação de bens ou serviços sem alguns desses fatores. O comerciante de perfumes que leva ele mesmo, à sacola, os produtos até os locais de trabalho ou residência dos potenciais consumidores explora atividade de circulação de bens, fá-lo com intuito de lucro, habitualidade e em nome próprio, mas não é empresário, porque em seu mister não contrata empregado, não organiza mão de obra. A tecnologia, ressalte-se, não precisa ser necessariamente de ponta, para que se caracterize a empresarialidade. Exige-se apenas que o empresário se valha dos conhecimentos próprios aos bens ou serviços que pretende oferecer ao mercado – sejam estes sofisticados ou de amplo conhecimento – ao estruturar a organização econômica.4
Não concordamos com o eminente jurista. Parecenos que essa ideia fechada de que a organização dos fatores de produção é absolutamente imprescindível para a caracterização do empresário vem perdendo força no atual contexto da economia capitalista. Com efeito, basta citar o caso dos microempresários, os quais, não raro, exercem atividade empresarial única ou preponderantemente com trabalho próprio. Pode-se citar também o caso dos empresários virtuais, que muitas vezes atuam completamente sozinhos, resumindo-se sua atividade à intermediação de produtos ou serviços por meio da internet.

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14
Q

O sócio de sociedade empresária pode ser considerado empresário?

A

Resumo

  • O sócio de sociedade empresarial não é considerado empresário. Não pode ser confundido com o empresário individual.
  • A responsabilidade dos sócios é subsidiária, enquanto a do empresário é direta.
  • O autor critica o Enunciado 5 da Jornada de Direito Comercial da CJF: “Quanto às obrigações decorrentes de sua atividade, o empresário individual tipificado no art. 966 do Código Civil responderá primeiramente com os bens vinculados à exploração de sua atividade econômica, nos termos do art. 1.024 do Código Civil.”

Livro

Quando se está diante de uma sociedade empresária, é importante atentar para o fato de que os seus sócios não são empresários: o empresário, nesse caso, é a própria sociedade, ente ao qual o ordenamento jurídico confere personalidade e, consequentemente, capacidade para adquirir direitos e contrair obrigações. Assim, pode-se dizer que expressão empresário designa um gênero, do qual são espécies o empresário individual (pessoa física) e a sociedade empresária (pessoa jurídica).

‘“5. A pessoa física, por meio de quem o ente jurídico pratica a mercancia, por óbvio, não adquire a personalidade desta. Nesse caso, comerciante é somente a pessoa jurídica, mas não o civil, sócio ou preposto, que a representa em suas relações comerciais. Em suma, não se há confundir a pessoa, física ou jurídica, que pratica objetiva e habitualmente atos de comércio, com aquela em nome da qual estes são praticados. O sócio de sociedade empresarial não é comerciante, uma vez que a prática de atos nessa qualidade é imputada à pessoa jurídica à qual está vinculada, esta sim, detentora de personalidade jurídica própria. Com efeito, deverá aquele sujeitar-se ao Direito Civil comum e não ao Direito Comercial, sendo possível, portanto, a decretação de sua insolvência civil. 6. Recurso especial não conhecido (REsp 785.101/MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4.ª Turma, j. 19.05.2009, DJe 01.06.2009).”

A grande diferença entre o empresário individual e a sociedade empresária é que esta, por ser uma pessoa jurídica, tem patrimônio próprio, distinto do patrimônio dos sócios que a integram. Assim, os bens particulares dos sócios, em princípio, não podem ser executados por dívidas da sociedade, senão depois de executados os bens sociais (nesse sentido, confira-se o disposto no art. 1.024 do Código Civil). O empresário individual, por sua vez, não goza dessa separação patrimonial, respondendo com todos os seus bens, inclusive os pessoais, pelo risco do empreendimento. Sendo assim, pode-se concluir que a responsabilidade dos sócios de uma sociedade empresária é subsidiária (já que primeiro devem ser executados os bens da própria sociedade), enquanto a responsabilidade do empresário individual é direta.

A respeito do assunto, foi aprovado o Enunciado 5 da I Jornada de Direito Comercial do CJF, com o seguinte teor: “Quanto às obrigações decorrentes de sua atividade, o empresário individual tipificado no art. 966 do Código Civil responderá primeiramente com os bens vinculados à exploração de sua atividade econômica, nos termos do art. 1.024 do Código Civil.” Por mais que eu possa ter simpatia pelo referido enunciado, é preciso destacar que ele é absolutamente contra legem. O art. 1.024 do CC é uma regra específica para as sociedades.

[…]

Portanto, enquanto a responsabilidade do empresário individual é direta e ilimitada, a responsabilidade do sócio de uma sociedade empresária é subsidiária (seus bens só podem ser executados após a execução dos bens sociais) e pode ser limitada, a depender do tipo societário utilizado

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15
Q

O que é a empresa individual de responsabilidade limitada - EIRELI?

A

Resumo

  • Segundo a lei, “A empresa individual de responsabilidade limitada será constituída por uma única pessoa titular da totalidade do capital social, devidamente integralizado, que não será inferior a 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no País”.
  • Para o autor, a lei foi mal redigida: não deveria ter utilizado o termo empresa, mas sim sociedade empresarial.
  • Deveria ela, também, segundo o autor, ter optado por uma das seguintes figuras jurídicas: (i) empresário individual de responsabilidade limitada ou (ii) sociedade limitada unipessoal.
  • Contudo, optou por essa figura, que prevê uma “empresa individual”, cujo capital social deve ter no mínimo 100 salários mínimos.

Livro e Lei

Art. 980-A. A empresa individual de responsabilidade limitada será constituída por uma única pessoa titular da totalidade do capital social, devidamente integralizado, que não será inferior a 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no País. (Incluído pela Lei nº 12.441, de 2011) (Vigência)

§ 1º O nome empresarial deverá ser formado pela inclusão da expressão “EIRELI” após a firma ou a denominação social da empresa individual de responsabilidade limitada. (Incluído pela Lei nº 12.441, de 2011) (Vigência)

§ 2º A pessoa natural que constituir empresa individual de responsabilidade limitada somente poderá figurar em uma única empresa dessa modalidade. (Incluído pela Lei nº 12.441, de 2011) (Vigência)

§ 3º A empresa individual de responsabilidade limitada também poderá resultar da concentração das quotas de outra modalidade societária num único sócio, independentemente das razões que motivaram tal concentração. (Incluído pela Lei nº 12.441, de 2011) (Vigência)

§ 4º ( VETADO) . (Incluído pela Lei nº 12.441, de 2011) (Vigência)

§ 5º Poderá ser atribuída à empresa individual de responsabilidade limitada constituída para a prestação de serviços de qualquer natureza a remuneração decorrente da cessão de direitos patrimoniais de autor ou de imagem, nome, marca ou voz de que seja detentor o titular da pessoa jurídica, vinculados à atividade profissional. (Incluído pela Lei nº 12.441, de 2011) (Vigência)

§ 6º Aplicam-se à empresa individual de responsabilidade limitada, no que couber, as regras previstas para as sociedades limitadas. (Incluído pela Lei nº 12.441, de 2011) (Vigência)

§ 7º Somente o patrimônio social da empresa responderá pelas dívidas da empresa individual de responsabilidade limitada, hipótese em que não se confundirá, em qualquer situação, com o patrimônio do titular que a constitui, ressalvados os casos de fraude. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

Jornadas de Direito Civil:

468) Art. 980-A. A empresa individual de responsabilidade limitada só poderá ser constituída por pessoa natural.
469) Arts. 44 e 980-A. A empresa individual de responsabilidade limitada (EIRELI) não é sociedade, mas novo ente jurídico personificado.
470) Art. 980-A. O patrimônio da empresa individual de responsabilidade limitada responderá pelas dívidas da pessoa jurídica, não se confundindo com o patrimônio da pessoa natural que a constitui, sem prejuízo da aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica.
471) Os atos constitutivos da EIRELI devem ser arquivados no registro competente, para fins de aquisição de personalidade jurídica. A falta de arquivamento ou de registro de alterações dos atos constitutivos configura irregularidade superveniente.
472) Art. 980-A. É inadequada a utilização da expressão “social” para as empresas individuais de responsabilidade limitada.
473) Art. 980-A, § 5.º. A imagem, o nome ou a voz não podem ser utilizados para a integralização do capital da EIRELI.

Jornadas de Direito Comercial

3) A Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – EIRELI não é sociedade unipessoal, mas um novo ente, distinto da pessoa do empresário e da sociedade empresária.
4) Uma vez subscrito e efetivamente integralizado, o capital da empresa individual de responsabilidade limitada não sofrerá nenhuma influência decorrente de ulteriores alterações no salário mínimo.
62) O produtor rural, nas condições mencionadas no art. 971 do CCB, pode constituir EIRELI.
92) A Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI) poderá ser constituída por pessoa natural ou por pessoa jurídica, nacional ou estrangeira, sendo a limitação para figurar em uma única EIRELI apenas para pessoa natural.
93) O cônjuge ou companheiro de titular de EIRELI é legitimado para ajuizar ação de apuração de haveres, para fins de partilha de bens, na forma do art. 600, parágrafo único, do Código de Processo Civil.

COMENTÁRIOS:

Infelizmente, a lei foi mal redigida. Como já vínhamos defendendo desde 2007, ano da 1.ª edição do nosso Curso de Direito Empresarial, o legislador deveria ter optado por duas figuras jurídicas: (i) empresário individual de responsabilidade limitada ou (ii) sociedade limitada unipessoal.

No primeiro caso, o empresário individual, pessoa física, ao iniciar o exercício de uma atividade empresarial, constituiria para tanto um patrimônio de afetação, que não se confundiria com seu patrimônio pessoal, e o registraria na Junta Comercial. Assim, as dívidas que contraísse em função do exercício de sua atividade empresarial, em princípio, não poderiam ser executadas no seu patrimônio pessoal.

No segundo caso, seria suprimida a exigência de pluralidade de sócios para a constituição de sociedade limitada, o que permitiria que uma pessoa, sozinha, fosse titular de 100% das quotas do seu capital social. Assim, o patrimônio social não se confundiria com o patrimônio pessoal do sócio, o qual não poderia, em princípio, ser executado para garantia de dívidas sociais.

Em ambos os casos, o objetivo seria o mesmo: permitir que um determinado empreendedor, individualmente, exercesse atividade empresarial limitando sua responsabilidade, em princípio, ao capital investido no empreendimento, ficando os seus bens particulares resguardados. Isso funcionaria como um estímulo ao empreendedorismo e acabaria com a prática, tão comum no Brasil, de constituição de sociedades limitadas em que um dos sócios tem percentual ínfimo do capital social (geralmente 1%) e nenhuma participação na gestão dos negócios sociais.

[…]

Como se vê, o legislador não optou por nenhuma das nomenclaturas sugeridas anteriormente. Preferiu chamar o novel instituto de “empresa individual de responsabilidade limitada”.

Nós, autores e professores de direito empresarial, sempre explicamos aos nossos leitores e alunos a distinção entre empresa (atividade econômica organizada) e empresário (pessoa que exerce atividade econômica organizada). Infelizmente, o legislador não conhece tal distinção.

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Q

Qual a crítica que se faz ao fato de o legislador ter exigido capital mínimo (100 S.M.) para constituição de EIRELI?

A

Regra polêmica sobre a EIRELI é a que exige capital mínimo (igual ou superior a 100 vezes o valor do maior salário mínimo vigente no país) para a sua constituição.

Com efeito, no Brasil não existe nenhuma regra legal que exija capital mínimo para a constituição de sociedades, razão pela qual é questionável a referida exigência para a constituição de EIRELI, a qual é objeto da ADI 4.637, perante o STF.

Na ação, proposta pelo PPS, alega-se que “o salário mínimo não pode ser utilizado como critério de indexação para a determinação do capital mínimo necessário para a abertura de empresas individuais de responsabilidade limitada”, uma vez que “tal exigência esbarra na notória vedação de vinculação do salário mínimo para qualquer fim, prevista no inciso IV do artigo 7.º da Constituição Federal”. Alega-se ainda violação do princípio da livre-iniciativa, previsto no art. 170 da CF/1988, uma vez que a exigência de capital mínimo “representa um claro cerceamento à possibilidade de abertura de empresas individuais de responsabilidade limitada por pequenos empreendedores”. O Ministério Público Federal já ofereceu parecer opinando pela improcedência da ação.

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17
Q

A EIRELI é um novo tipo de sociedade?

A

Resumo

  • A EIRELI, segundo o CC e interpretação da doutrina majoritária, é um novo tipo de sociedade (art. 44).
  • O autor critíca essa escolha.
  • Ressalta ainda que há doutrinadores que entendem ser ela uma subespécie de sociedade, assim como os partidos políticos e organizações religiosas são subespécies de associação.

Livro

Outro equívoco do legislador, no nosso entender, foi criar um novo tipo de pessoa jurídica, acrescentando um inciso ao rol das pessoas jurídicas de direito privado constante do art. 44 do CC. Não havia necessidade.

Se o intuito dele era criar um “empresário individual de responsabilidade limitada”, não precisava tê-lo colocado no rol de pessoas jurídicas de direito privado do art. 44 do CC. O empresário individual de responsabilidade limitada pode perfeitamente ser uma pessoa física, e a limitação de sua responsabilidade seria feita por meio da constituição de um patrimônio especial, formado pelos bens e dívidas afetados ao exercício de sua atividade econômica (patrimônio de afetação).

Em contrapartida, se o intuito do legislador era criar uma pessoa jurídica constituída por apenas um sócio, também era desnecessário acrescentar uma nova espécie de pessoa jurídica no rol do art. 44 do CC. Nesse caso, era só permitir que a sociedade limitada pudesse ser constituída por apenas um sócio, o qual seria titular de todas as quotas. Ter-se-ia, então, uma “sociedade limitada unipessoal”.

Preferiu o legislador, porém, seguir outro caminho. A EIRELI não é um empresário individual nem uma sociedade unipessoal: trata-se de uma nova espécie de pessoa jurídica de direito privado, que se junta às outras já existentes (sociedades, associações, fundações, partidos políticos e organizações religiosas).

Vale ressaltar, quanto a esse ponto, que alguns autores entendem que o simples fato de a EIRELI ter sido prevista em novo inciso acrescentado ao art. 44 do CC não é suficiente para caracterizá-la como nova espécie de pessoa jurídica. Para esses autores, a EIRELI seria uma subespécie da sociedade, assim como os partidos políticos e as organizações religiosas seriam subespécies da associação. Este não parece, entretanto, ser o entendimento majoritário, tanto que foi aprovado o Enunciado 3, da I Jornada de Direito Comercial, com o seguinte teor: “A Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – EIRELI não é sociedade unipessoal, mas um novo ente, distinto da pessoa do empresário e da sociedade empresária”.

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18
Q

A personalidade jurídica da EIRELI submete-se a desconsideração nos moldes do art. 50 do CC?

A

Resumo

  • A questão se tornou polêmica com a inclusão de um parágrafo no art. 980-A do CC, que repete em parte os termos do parágrafo vetado pela Presidente da República quando da edição desse artigo. Dizia o parágrafo vetado que o patrimônio da empresa individual não se confundiria em qualquer situação com o patrimônio da pessoa natural que a constitui.
  • O artigo foi vetado porque poderia inviabilizar a desconsideração da personalidade jurídica.
  • A Lei de Liberdade Econômica incluiu o § 7.º ao art. 980-A do CC, que assim estabelece: “somente o patrimônio social da empresa responderá pelas dívidas da empresa individual de responsabilidade limitada, hipótese em que não se confundirá, em qualquer situação, com o patrimônio do titular que a constitui, ressalvados os casos de fraude”.
  • Segundo o autor, “o objetivo da regra é estabelecer uma contrapartida à exigência de capital mínimo para a constituição de EIRELI: há o ônus de ter que integralizar um capital mínimo de pelo menos cem salários mínimos, mas há o bônus de maior proteção patrimonial do titular, cujos bens só responderão por dívidas da EIRELI em caso de fraude, o que, pelo menos em tese, é mais difícil de se caracterizar do que o abuso de personalidade jurídica previsto no art. 50 do Código Civil.”

Livro

Cumpre criticar também o veto da Presidenta da República ao § 4.º do art. 980-A, que tinha a seguinte redação: “§ 4.º Somente o patrimônio social da empresa responderá pelas dívidas da empresa individual de responsabilidade limitada, não se confundindo em qualquer situação com o patrimônio da pessoa natural que a constitui, conforme descrito em sua declaração anual de bens entregue ao órgão competente”.

Como se percebe, tal dispositivo era justamente o que assegurava a responsabilidade limitada daquele que constitui uma EIRELI, destacando a sua autonomia patrimonial. Era esse dispositivo que permitia a afetação de determinados bens e dívidas à “empresa”, separando claramente o patrimônio da EIRELI e o patrimônio da pessoa natural que a constituiu.

Das razões do veto, extrai-se a seguinte justificativa: “Não obstante o mérito da proposta, o dispositivo traz a expressão ‘em qualquer situação’, que pode gerar divergências quanto à aplicação das hipóteses gerais de desconsideração da personalidade jurídica, previstas no art. 50 do Código Civil. Assim, e por força do § 6.º do projeto de lei, aplicar-se-á à EIRELI as regras da sociedade limitada, inclusive quanto à separação do patrimônio”.

Vê-se, pois, que mesmo com o veto deve ser mantido o entendimento de que o patrimônio da EIRELI e o patrimônio da pessoal natural que a constitui não se confundem, o que garante a possibilidade de limitação de responsabilidade, pela aplicação do § 6.º do art. 980-A do CC, o qual determina a aplicação à EIRELI das regras da sociedade limitada. Tomara que os julgadores, com base nesse parágrafo, entendam que a responsabilidade do empreendedor que constitui uma EIRELI deve ser limitada.

Confira-se a respeito o Enunciado 470 da V Jornada de Direito Civil: “Art. 980-A. O patrimônio da empresa individual de responsabilidade limitada responderá pelas dívidas da pessoa jurídica, não se confundindo com o patrimônio da pessoa natural que a constitui, sem prejuízo da aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica.”

Parece-nos que o entendimento consagrado nesse enunciado deve ser revisto, em razão de a Lei 13.874/2019 (Lei da Liberdade Econômica) ter acrescentado o § 7.º ao art. 980-A do Código Civil, o qual praticamente ressuscitou o § 4.º que fora vetado.

Com efeito, diz a nova regra: “somente o patrimônio social da empresa responderá pelas dívidas da empresa individual de responsabilidade limitada, hipótese em que não se confundirá, em qualquer situação, com o patrimônio do titular que a constitui, ressalvados os casos de fraude”. Parece-nos que o objetivo da regra é estabelecer uma contrapartida à exigência de capital mínimo para a constituição de EIRELI: há o ônus de ter que integralizar um capital mínimo de pelo menos cem salários mínimos, mas há o bônus de maior proteção patrimonial do titular, cujos bens só responderão por dívidas da EIRELI em caso de fraude, o que, pelo menos em tese, é mais difícil de se caracterizar do que o abuso de personalidade jurídica previsto no art. 50 do Código Civil.

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19
Q

A EIRELI pode ser constituída por pessoa jurídica?

A

Questão extremamente polêmica sobre a EIRELI é a possibilidade de ela ser constituída por pessoa jurídica. O tema divide a doutrina especializada. Com efeito, pela leitura do caput do art. 980-A do CC, parece-me claro que a lei não proibiu que pessoa jurídica constituísse uma EIRELI, mas o entendimento que prevaleceu na V Jornada de Direito Civil foi o de que “a empresa individual de responsabilidade limitada só poderá ser constituída por pessoa natural”, conforme já mencionado.

Esse vinha sendo também o entendimento adotado pelas Juntas Comerciais, em obediência à Instrução Normativa 10 do DREI, que no item 1.12.2011 do anexo V dispunha que “não pode ser titular de EIRELI a pessoa jurídica, bem assim a pessoa natural impedida por norma constitucional ou por lei especial”.

No entanto, atendendo aos reclamos da doutrina, o DREI alterou seu posicionamento no início de 2017, passando a entender que “a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – EIRELI poderá ser constituída tanto por pessoa natural quanto por pessoa jurídica, nacional ou estrangeira” (item 1.2 do Anexo V da Instrução Normativa 38/2017).

Art. 980-A. A empresa individual de responsabilidade limitada será constituída por uma<strong> <u>única pessoa</u> </strong>titular da totalidade do capital social, devidamente integralizado, que não será inferior a 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no País.

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Q

Qual crítica que se faz à limitação quantitativa de constituição de EIRELI? Ele também se aplica a pessoas jurídicas?

A

Outra questão extremamente polêmica sobre a EIRELI é a regra do § 2.º do art. 980-A do CC, segundo a qual “a pessoa natural que constituir empresa individual de responsabilidade limitada somente poderá figurar em uma única empresa dessa modalidade”.

Ora, não consigo enxergar razão para essa regra. Se o objetivo da EIRELI é criar uma espécie de patrimônio de afetação para permitir que um empreendedor goze da limitação de responsabilidade sem precisar constituir sociedade com outrem, por que limitar essa prerrogativa? E se ele decidir empreender em áreas distintas, como deverá proceder? Constituirá uma EIRELI para explorar um empreendimento, mas no segundo terá que constituir sociedade? Não faz sentido.

Imagine-se, por exemplo, que um empreendedor possui uma lanchonete, para cuja exploração ele constituiu uma EIRELI. Depois de algum tempo, ele decide explorar também a atividade de prestação de serviços de informática, em outro local. Por que negar-lhe a possibilidade de constituir outra EIRELI para tanto? Essa regra precisa ser revista, a fim de não limitar o número de EIRELI que uma mesma pessoa natural pode constituir.

Vale salientar, porém, que essa proibição para constituição de mais de uma EIRELI se aplica apenas quando o titular é pessoa natural. Se o titular for pessoa jurídica, poderá constituir mais de uma EIRELI, conforme deixa claro a Instrução Normativa 38/2017 do DREI (item 1.2 do Anexo V). Nesse sentido, confira-se o Enunciado 92 das Jornadas de Direito Comercial do CJF: “a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI) poderá ser constituída por pessoa natural ou por pessoa jurídica, nacional ou estrangeira, sendo que a limitação para figurar em uma única EIRELI apenas para pessoa natural”.

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Q

Incapaz pode constituir EIRELI?

A

Por fim, é importante mencionar que o DREI – Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração definiu, no segundo semestre de 2018, que “não pode constituir EIRELI o incapaz, mesmo representado ou assistido”.

No entanto, meses depois o DREI alterou seu entendimento. Segundo o departamento, considerando que a EIRELI não se confunde com a figura do empresário individual, que ela é regida subsidiariamente pelas regras da sociedade limitada (art. 980-A, § 6.º), que é legalmente admitido que incapaz seja sócio de sociedade limitada (art. 974, § 3.º), que na EIRELI se permite que o titular nomeie terceiro como administrador e que não há vedação legal expressa, o incapaz pode constituir EIRELI, bastando que esteja devidamente representado ou assistido e que não exerça a administração da pessoa jurídica, delegando-a a um terceiro não impedido.

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Q

Cite os agentes que, embora exerçam atividade econômica, não são considerados empresários pelo CC.

A

Isso significa dizer que o conceito de empresário previsto no art. 966 do Código Civil, que, em princípio, parece englobar toda e qualquer pessoa, física (empresário individual) ou jurídica (sociedade empresária), que exerça toda e qualquer atividade econômica organizada, não é, na verdade, tão abrangente assim. Com efeito, existem agentes econômicos que, a despeito de exercerem atividades econômicas, não são considerados empresários pelo legislador, o que nos permite concluir também que existem atividades que, a despeito de serem atividades econômicas, não configuram empresa.

Esses agentes econômicos (indivíduos e sociedades que exercem atividade econômica não empresarial) não considerados empresários pelo Código Civil são basicamente o profissional intelectual (profissional liberal), a sociedade simples, o exercente de atividade rural e a sociedade cooperativa.

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Q

Em que situação o profissional liberal será considerado empresário?

A

Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.

Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa.

Comentários:

Parece, pois, que o Código Civil quer com isso dizer que, enquanto o profissional intelectual apenas exerce a sua atividade intelectual, ainda que com o intuito de lucro e mesmo contratando alguns auxiliares, ele não é considerado empresário para os efeitos legais. Enquanto o profissional intelectual está numa fase embrionária de atuação (é um profissional que atua sozinho, faz uso apenas de seu esforço, da sua capacidade intelectual), ele não é considerado empresário, não se submetendo, pois, ao regime jurídico empresarial.

Ora, é preciso lembrar que empresa é uma atividade econômica organizada, isto é, atividade em que há articulação dos fatores de produção, e no exercício de profissão intelectual essa organização dos fatores de produção assume importância secundária, às vezes irrelevante. No exercício de profissão intelectual, o essencial é a atividade pessoal do agente econômico, o que não acontece com o empresário.

Todavia, a partir do momento em que o profissional intelectual dá uma forma empresarial ao exercício de suas atividades (impessoalizando sua atuação e passando a ostentar mais a característica de organizador da atividade desenvolvida), será considerado empresário e passará a ser regido pelas normas do direito empresarial.

Enfim, “quando o prestador de serviços profissionais se ‘impessoaliza’, e os serviços, até então pessoalmente prestados, passam a ser oferecidos pela organização empresarial, perante a qual se torna um mero organizador”, será ele considerado empresário.

Nesse sentido, são bastante elucidativos os Enunciados 193, 194 e 195 do Conselho da Justiça Federal, aprovados na III Jornada de Direito Civil, realizada em 2005, os quais dispõem, respectivamente, que “o exercício das atividades de natureza exclusivamente intelectual está excluído do conceito de empresa”; “os profissionais liberais não são considerados empresários, salvo se a organização dos fatores de produção for mais importante que a atividade pessoal desenvolvida”; e “a expressão ‘elemento de empresa’ demanda interpretação econômica, devendo ser analisada sob a égide da absorção da atividade intelectual, de natureza científica, literária ou artística, como um dos fatores da organização empresarial”.

[…]

A título exemplificativo, quando se contrata um advogado, via de regra não se considera objetivamente o resultado de sua atuação, mas suas qualidades pessoais, que poderão permitir um bom resultado ao cliente. Nesse caso, não se pode dizer que o advogado seja um empresário, na medida em que a organização assume um papel secundário em relação à atividade pessoal do profissional.

Similar é a situação do médico que não exerce suas atividades em uma grande estrutura. O desempenho pessoal do médico será então o fator preponderante para a atividade, e não a sua organização. Se a atividade pessoal prevalece sobre a organização, não há falar em empresário.

Assim sendo, os profissionais liberais, em geral, não serão enquadrados no conceito de empresário, salvo se exercerem atividade em que sua atuação pessoal perca espaço para a organização dos fatores de produção, vale dizer, quando a organização for mais importante do que sua atividade pessoal.

[…]

Ora, em regra não se visualiza essa organização dos fatores de produção na atuação dos profissionais intelectuais, que não raro exercem suas atividades sem a necessidade de organizar um estabelecimento empresarial, vale dizer, sem a necessidade, por exemplo, de contratar funcionários, de criar uma marca, de fixar um ponto de negócio etc. (é o caso do músico que toca em festas de casamento, do professor que ministra aulas particulares, dentre outras situações). É por essa razão, em suma, que o profissional intelectual, em regra, não é considerado empresário segundo os fundamentos da teoria da empresa, adotada pelo nosso atual Código Civil.

No entanto, não se pode afirmar, peremptoriamente, que o profissional intelectual, no exercício de sua profissão, nunca organize os fatores de produção a ponto de constituir um verdadeiro estabelecimento empresarial para exercício de empresa. Aliás, na economia atual, rende um bom debate analisar se isso não tem se tornado a regra, em vez de mera exceção. Com efeito, o professor que se torna dono de um cursinho preparatório, ainda que continue a ministrar aulas nessa mesma instituição, é empresário. O músico que se torna dono de um centro de promoção de eventos, ainda que continue a tocar nas festas organizadas por ele, é empresário. Por quê? Porque, nesses casos, o exercício da profissão intelectual deixa de ser o fator principal do empreendimento, passando a ser um mero elemento de uma atividade econômica organizada a partir da articulação de diversos outros fatores de produção: contratação de funcionários, criação e registro de uma marca, fixação de um ponto de negócio. Por mais que aquele professor e aquele músico mencionados nos exemplos anteriores continuem a exercer suas respectivas profissões intelectuais, terão que assumir também a posição de organizadores do empreendimento. É isso o que caracteriza o empresário, como bem destacava Asquini.

Por fim, registre-se que um erro muito comum de análise da situação específica dos profissionais intelectuais é caracterizá-los como empresários em função da dimensão que sua atividade econômica adquire. O cerne da questão não é esse, mas, repita-se, a verificação da organização dos fatores de produção, de modo a se constatar a constituição de um verdadeiro estabelecimento empresarial, ainda que esse seja de pequeníssima dimensão.

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Q

O que é uma sociedade simples? Cite exemplos. Uma sociedade de profissionais liberais deve ser considerada uma sociedade simples?

A

Tudo o que se disse no tópico antecedente parece se referir exclusivamente a profissionais intelectuais que exercem suas atividades individualmente, na qualidade de pessoas físicas. Mas essa ideia é equivocada. A regra do art. 966, parágrafo único, do Código Civil vale também para as chamadas sociedades uniprofissionais, ou seja, sociedades constituídas por profissionais intelectuais cujo objeto social é justamente a exploração de suas profissões (por exemplo, uma sociedade formada por médicos para prestação de serviços médicos, uma sociedade formada por professores para prestação de serviços de ensino, uma sociedade formada por engenheiros para prestação de serviços de engenharia etc.).

Aliás, é quanto ao exercício de atividade intelectual em sociedade que a regra do art. 996, parágrafo único, do Código Civil suscita mais dificuldades de ordem prática.

Já se disse que o empresário, aquele que exerce atividade econômica organizada, pode ser uma pessoa física (empresário individual) ou uma pessoa jurídica (sociedade empresária).

Obviamente, a atuação das sociedades empresárias no mercado, hoje, é muito mais relevante do que a atuação dos empresários individuais. Estes, não raro, se dedicam a pequeníssimos empreendimentos, cabendo às sociedades empresárias, em contrapartida, os empreendimentos de médio e grande porte, além de muitos dos pequenos empreendimentos, também. E a razão para que a presença das sociedades empresárias no mercado seja mais marcante que a dos empresários individuais é simples: os empreendedores sempre procuram minimizar seu risco empresarial, e a melhor forma de fazê-lo é constituir uma sociedade, uma vez que, nesse caso, haverá a separação patrimonial e a possibilidade de limitação de responsabilidade.

Ora, se nem sempre o exercente de atividade econômica é considerado empresário, haja vista a regra excludente do parágrafo único do art. 966 do Código Civil, isso nos leva à conclusão de que também nem sempre uma sociedade será empresária, haja vista a possibilidade de se constituírem sociedades cujo objeto social seja a exploração da atividade intelectual dos seus sócios. Essas sociedades, antes chamadas de sociedades civis, são denominadas pelo atual Código Civil de sociedades simples.

O Código Civil estabelece, em seu art. 982, que “salvo as exceções expressas, considera-se empresária a sociedade que tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro (art. 967); e, simples, as demais”. Isso mostra que o que define uma sociedade como empresária ou simples é o seu objeto social. Há apenas duas exceções a essa regra, contidas no seu parágrafo único, o qual prevê que “independentemente de seu objeto, considera-se empresária a sociedade por ações; e, simples, a cooperativa”.

Diante do exposto, resta claro que as chamadas sociedades uniprofissionais – sociedades formadas por profissionais intelectuais cujo objeto social é a exploração da respectiva profissão intelectual dos seus sócios – são, em regra, sociedades simples, uma vez que nelas faltará, não raro, o requisito da organização dos fatores de produção, da mesma forma que ocorre com os profissionais intelectuais que exercem individualmente suas atividades.

No entanto, seguindo a diretriz do art. 966, parágrafo único, do Código Civil, nos casos em que o exercício da profissão intelectual dos sócios das sociedades uniprofissionais (que compõem o seu objeto social) constituir elemento de empresa, ou seja, nos casos em que as sociedades uniprofissionais explorarem seu objeto social com empresarialidade (organização dos fatores de produção), elas serão consideradas sociedades empresárias.

Em síntese: é o requisito da organização dos fatores de produção que caracteriza a presença do chamado elemento de empresa no exercício de profissão intelectual e que, consequentemente, faz com que o profissional intelectual receba a qualificação jurídica de empresário. Isso, obviamente, vale tanto para o exercício de profissão intelectual individualmente quanto para o exercício de profissão liberal em sociedade.

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Q

A sociedade que exerce atividade rural é considerada empresária? Se sim, qual a natureza jurídica do ato de reigistro na Junta Comercial?

A

Resumo

  • O registro na julta comercial é facultativo e tem efeito constitutivo.
  • Se aquele que exerce atividade econômica rural não se registrar na Junta Comercial, não será considerado empresário, para os efeitos legais (por exemplo, não se submeterá ao regime jurídico da Lei 11.101/2005, que trata da falência e da recuperação judicial e extrajudicial).
  • Se ele optar por se registrar, será considerado empresário para todos os efeitos legais.
  • O registro na Junta, portanto, constitui condição indispensável para sua caracterização como empresário e consequente submissão ao regime jurídico empresarial.

Livro

O Código Civil também se preocupou em dar um tratamento especial ao exercício de atividade econômica rural, excluindo aqueles que se dedicam à tal atividade da obrigatoriedade de registro na Junta Comercial, prevista no art. 967 do Código.

Todo empresário, antes de iniciar o exercício da atividade empresarial, tem que se registrar na Junta Comercial, seja empresário individual ou sociedade empresária. Para aqueles que exercem atividade econômica rural, todavia, o Código Civil concedeu a faculdade de se registrar ou não perante a Junta Comercial da sua unidade federativa.

Assim sendo, se aquele que exerce atividade econômica rural não se registrar na Junta Comercial, não será considerado empresário, para os efeitos legais (por exemplo, não se submeterá ao regime jurídico da Lei 11.101/2005, que trata da falência e da recuperação judicial e extrajudicial). Em contrapartida, se ele optar por se registrar, será considerado empresário para todos os efeitos legais. Esta regra está contida no art. 971 do Código Civil: “o empresário, cuja atividade rural constitua sua principal profissão, pode, observadas as formalidades de que tratam o art. 968 e seus parágrafos, requerer inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, caso em que, depois de inscrito, ficará equiparado, para todos os efeitos, ao empresário sujeito a registro”.

Confira-se, a respeito do tema, a seguinte decisão do STJ, na qual se entendeu que pequenos pecuaristas não se enquadram no conceito de comerciante (hoje substituído pelo conceito de empresário), razão pela qual não se sujeitam às regras do direito empresarial (falência e recuperação de empresas), e sim às regras do direito civil:

Pedido de autoinsolvência formulado por pecuaristas. Possibilidade. Atividade estranha ao direito comercial. Recurso especial parcialmente conhecido e, na extensão, provido. (…) 3. A moldura fática delineada no acórdão recorrido, de forma incontroversa, sinaliza que os recorrentes são pecuaristas que vivem da compra e venda de gado no meio rural, atividade civil típica, com estrutura simples. Com efeito, não sendo comerciantes, estarão impossibilitados de se valerem das regras específicas à atividade empresarial, como as referentes a falência, concordata ou recuperação judicial, aplicando-se-lhes o estatuto civil comum, sendo-lhes permitido o pedido de autoinsolvência civil. (REsp 474.107/MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4.ª Turma, j. 10.03.2009, DJe 27.04.2009).

Conclui-se, pois, que, para o exercente de atividade econômica rural, o registro na Junta Comercial tem natureza constitutiva, e não meramente declaratória, como de ordinário. Com efeito, o registro não é requisito para que alguém seja considerado empresário, mas apenas uma obrigação legal imposta aos praticantes de atividade econômica. Quanto ao exercente de atividade rural, essa regra é excepcionada, sendo o registro na Junta, pois, condição indispensável para sua caracterização como empresário e consequente submissão ao regime jurídico empresarial.

Ressalte-se que regra idêntica foi prevista para a sociedade que tem por objeto social a exploração de atividade econômica rural. Dispõe o Código Civil, em seu art. 984, que “a sociedade que tenha por objeto o exercício de atividade própria de empresário rural e seja constituída, ou transformada, de acordo com um dos tipos de sociedade empresária, pode, com as formalidades do art. 968, requerer inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis da sua sede, caso em que, depois de inscrita, ficará equiparada, para todos os efeitos, à sociedade empresária”.

Ainda a propósito do assunto, a Terceira Turma do STJ enfrentou uma questão interessante no julgamento do Recurso Especial 1.193.115/MT: produtores rurais não registrados na Junta Comercial podem obter o benefício da recuperação judicial, algo típico do regime jurídico empresarial? Houve divergência, mas prevaleceu a seguinte tese: sem registro na Junta, produtores rurais não são considerados empresários, para os efeitos legais, e não podem obter o benefício da recuperação judicial. No caso em questão, o produtor rural pediu a recuperação judicial e só fez seu registro na Junta Comercial após o ajuizamento do pedido, não cumprindo, assim, o requisito do caput do art. 48 da Lei 11.101/2005. […]

Mais recentemente foi aprovado outro enunciado nas Jornadas de Direito Comercial, dizendo o seguinte: “o produtor rural, pessoa natural ou jurídica, na ocasião do pedido de recuperação judicial, não precisa estar inscrito há mais de dois anos no Registro Público de Empresas Mercantis, bastando a demonstração de exercício de atividade rural por esse período e a comprovação da inscrição anterior ao pedido” (Enunciado 97).

Foi aprovado também o Enunciado 96, com o seguinte teor: “a recuperação judicial do empresário rural, pessoa natural ou jurídica, sujeita todos os créditos existentes na data do pedido, inclusive os anteriores à data da inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis”.

A 4.ª Turma do STJ enfrentou essa questão no julgamento do REsp 1.800.032/MT. Assim como ocorreu na 3.ª Turma, a decisão não foi unânime, mas dessa vez os Ministros entenderam que o produtor rural pode se beneficiar da recuperação judicial desde que tenha registro na Junta anterior ao ajuizamento do pedido. Na linha do Enunciado 97 das Jornadas de Direito Comercial, entendeu-se que esse registro, porém, não precisa ter sido feito há mais de dois anos, bastando apenas que se comprove o exercício de atividade rural há mais de dois anos, por quaisquer meios de prova. Por fim, decidiu-se também no mesmo sentido do Enunciado 96 das Jornadas de Direito Comercial, isto é, todos os créditos se sujeitarão ao plano de recuperação, inclusive aqueles constituídos antes do registro na Junta Comercial.

Finalmente, registre-se que na II Jornada de Direito Comercial foi aprovado o Enunciado 62, com o seguinte teor: “o produtor rural, nas condições mencionadas no art. 971 do Código Civil, pode constituir EIRELI”.

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Q

Sociedades de advogados podem ser consideradas sociedades empresárias?

A

O Código Civil não faz menção expressa nesse sentido, mas a Lei 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil) versa, em seus arts. 15 a 17, sobre a sociedade de advogados, dispondo que ela é uma “(…) sociedade simples de prestação de serviço de advocacia (…)” submetida à regulação específica prevista na referida lei.

Diante disso, afirma-se que a sociedade de advogados é uma sociedade de natureza civil – simples, na dicção do novo Código Civil de 2002 – e organizada sob a forma de sociedade em nome coletivo, ou seja, respondem todos os sócios de maneira solidária e ilimitada pelas obrigações sociais.

Ora, se aplicarmos à risca a regra do art. 966, parágrafo único, do Código Civil de 2002 às sociedades de advogados, forçoso seria reconhecer que os escritórios de advocacia com estrutura complexa – muito comuns hoje em dia, diga-se – deixam de ser sociedades simples para se tornarem sociedades empresárias, já que neles é fácil perceber a presença do chamado elemento de empresa (organização dos fatores de produção), além de a prestação dos serviços se tornar altamente “impessoalizada”. Afinal, qual seria a diferença deles para grandes hospitais dirigidos por médicos ou grandes escolas dirigidas por professores?

Analisando questões relacionadas ao direito tributário, o Superior Tribunal de Justiça já afirmou que as sociedades de advogados ostentam “índole empresarial”, não se distinguindo, no plano fático, das demais sociedades prestadoras de serviços constituídas por outros profissionais liberais. Confira-se:

Tributário. Contribuições ao SESC e ao SENAC. Empresa prestadora de serviços advocatícios. Art. 577 da CLT. Enquadramento sindical. Vinculação à Confederação Nacional do Comércio. Matéria pacificada. 1. As empresas prestadoras de serviços advocatícios são estabelecimentos de índole empresarial, por exercerem atividade econômica organizada com fins lucrativos, estando enquadradas na classificação do artigo 577 da CLT e seu anexo, e por conseguinte, vinculadas à Confederação Nacional do Comércio. Desta forma, sujeitam-se à incidência das contribuições instituídas pelo art. 3.º do DL 9.853/46, bem como pelo art. 4.º do DL 8.621/46. (Precedentes jurisprudenciais). (…) (AgRg no Ag 518.309/PR, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, 1.ª Turma, j. 16.12.2003, DJ 02.02.2004, p. 278).

Assim, entendo que as regras dos arts. 15 a 17 da Lei 8.906/1994 configuram uma clara exceção à regra do art. 966, parágrafo único, do Código Civil. Tais regras continuam em vigor, mesmo após a edição do Código, que é lei posterior, em razão da sua especialidade. Mas é de se pensar se não caberia ao legislador reformar a lei para adaptá-la aos ditames do novo Código.

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27
Q

O ordenamento veda o exerício de atividade empresarial por quais pessoas?

A

Resumo

  • Para ser empresário, a pessoa tem de estar em pleno gozo de suas capacidade civis e não ser impedida.
  • O Código Civil de 2002 não trouxe nenhum dispositivo normativo semelhante ao art. 2.º do Código Comercial de 1850, que arrolava diversos casos de impedimento legal ao exercício do comércio. Pode-se mencionar apenas o art. 1.011, § 1.º, do Código Civil, o qual prevê que “não podem ser administradores, além das pessoas impedidas por lei especial, os condenados a pena que vede, ainda que temporariamente, o acesso a cargos públicos; ou por crime falimentar, de prevaricação, peita ou suborno, concussão, peculato; ou contra a economia popular, contra o sistema financeiro nacional, contra as normas de defesa da concorrência, contra as relações de consumo, a fé pública ou a propriedade, enquanto perdurarem os efeitos da condenação”. Não obstante o dispositivo se referir aos administradores de sociedades, há autores que estendem esses impedimentos aos empresários individuais.
  • Atualmente, portanto, afora a regra anteriormente transcrita, os impedimentos legais ao exercício de atividade empresarial estão espalhados pelo arcabouço jurídico-normativo.
  • Normalmente, esses impedimentos estão em normas de direito público e visam a proteger a coletividade, evitando que esta negocie com determinadas pessoas em virtude de sua função ou condição ser incompatível com o exercício livre de atividade empresarial. Podem ser citados, como exemplos: o art. 117, X, da Lei 8.112/1990, relativo aos servidores públicos federais; o art. 36, I, da LC 35/1979 – Lei Orgânica da Magistratura Nacional –, relativo aos magistrados; o art. 44, III, da Lei 8.625/1993, relativo aos membros do Ministério Público; o art. 29 da Lei 6.880/1980, relativo aos militares.
  • Ressalte-se que ser sócio não é o mesmo que ser empresário.
  • Exceção: o art. 974 do Código Civil estabelece que “poderá o incapaz, por meio de representante ou devidamente assistido, continuar a empresa antes exercida por ele enquanto capaz, por seus pais ou pelo autor de herança”. O incapaz está na condição de empresário nesse caso, e não de sócio, o que é permitido pelo ordenamento jurídico sem nenhuma ressalva.

Livro

Conforme dissemos anteriormente, o empresário individual é a pessoa física que exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços (art. 966 do Código Civil).

O legislador não se preocupou apenas em conceituar o empresário individual, mas cuidou também de estabelecer um conjunto de regras gerais para a disciplina do exercício individual de empresa.

Nesse sentido, por exemplo, o Código Civil estabeleceu algumas vedações ao exercício individual de empresa. Essas vedações decorrem ou de proibições que a legislação estabelece (impedimentos legais), ou da incapacidade do agente econômico. Assim, dispõe o Código Civil, em seu art. 972, que “podem exercer a atividade de empresário os que estiverem em pleno gozo da capacidade civil e não forem legalmente impedidos”.

[…]

O Código Civil de 2002 não trouxe nenhum dispositivo normativo semelhante ao art. 2.º do Código Comercial de 1850, que arrolava diversos casos de impedimento legal ao exercício do comércio. Pode-se mencionar apenas o art. 1.011, § 1.º, do Código Civil, o qual prevê que “não podem ser administradores, além das pessoas impedidas por lei especial, os condenados a pena que vede, ainda que temporariamente, o acesso a cargos públicos; ou por crime falimentar, de prevaricação, peita ou suborno, concussão, peculato; ou contra a economia popular, contra o sistema financeiro nacional, contra as normas de defesa da concorrência, contra as relações de consumo, a fé pública ou a propriedade, enquanto perdurarem os efeitos da condenação”. Não obstante o dispositivo se referir aos administradores de sociedades, há autores que estendem esses impedimentos aos empresários individuais.17

Atualmente, portanto, afora a regra anteriormente transcrita, os impedimentos legais ao exercício de atividade empresarial estão espalhados pelo arcabouço jurídico-normativo.

Normalmente, esses impedimentos estão em normas de direito público e visam a proteger a coletividade, evitando que esta negocie com determinadas pessoas em virtude de sua função ou condição ser incompatível com o exercício livre de atividade empresarial. Podem ser citados, como exemplos: o art. 117, X, da Lei 8.112/1990, relativo aos servidores públicos federais; o art. 36, I, da LC 35/1979 – Lei Orgânica da Magistratura Nacional –, relativo aos magistrados; o art. 44, III, da Lei 8.625/1993, relativo aos membros do Ministério Público; o art. 29 da Lei 6.880/1980, relativo aos militares.

É preciso atentar para o fato de que a proibição é para o exercício de empresa, não sendo vedado, pois, que alguns impedidos sejam sócios de sociedades empresárias, uma vez que, nesse caso, quem exerce a atividade empresarial é a própria pessoa jurídica, e não seus sócios.

Deve-se desde logo acentuar que os sócios da sociedade empresária não são empresários. Quando pessoas (naturais) unem seus esforços para, em sociedade, ganhar dinheiro com a exploração empresarial de uma atividade econômica, elas não se tornam empresárias. A sociedade por elas constituída, uma pessoa jurídica com personalidade autônoma, sujeito de direito independente, é que será empresária, para todos os efeitos legais. Os sócios da sociedade empresária são empreendedores ou investidores, de acordo com a colaboração dada à sociedade (…). As regras que são aplicáveis ao empresário individual não se aplicam aos sócios da sociedade empresária – é muito importante aprender isto.18

O sócio, no entanto, não é, juridicamente, um empresário; é apenas o titular de um direito pessoal com expressão patrimonial econômica: uma ou mais frações ideais do patrimônio social, frações essas que são chamadas de quotas, nas sociedades contratuais e na sociedade cooperativa, e de ações, nas sociedades anônimas e nas sociedades em comandita por ações.

[…]

Por fim, destaque-se que, a propósito do assunto, o Código Civil estabelece, em seu art. 973, que “a pessoa legalmente impedida de exercer atividade própria de empresário, se a exercer, responderá pelas obrigações contraídas”. Portanto, as obrigações contraídas por um “empresário” impedido não são nulas. Ao contrário, elas terão plena validade em relação a terceiros de boa-fé que com ele contratarem.

OBSERVAÇÃO:

Ocorre que o próprio Código abre duas exceções, permitindo que o incapaz exerça individualmente empresa. A matéria está disciplinada no art. 974 do Código Civil, o qual prevê que “poderá o incapaz, por meio de representante ou devidamente assistido, continuar a empresa antes exercida por ele enquanto capaz, por seus pais ou pelo autor de herança”.

Antes de analisar detidamente o dispositivo em questão, cumpre fazer algumas observações acerca dele.

Em primeiro lugar, destaque-se que o art. 974 do Código Civil se refere ao exercício individual de empresa. Trata-se, pois, de casos em que o incapaz será autorizado a explorar atividade empresarial individualmente, ou seja, na qualidade de empresário individual (pessoa física). A possibilidade de o incapaz ser sócio de uma sociedade empresária configura situação totalmente distinta, já que o sócio de uma sociedade não é empresário

28
Q

O empresário individual que se torne incapaz poderá ter seus bens penhorados para satisfazer dívidas contraída após o advento de sua incapacidade?

A

Resumo

  • O Código Civil, no § 2.º do art. 974 do Código Civil, estabelece que “não ficam sujeitos ao resultado da empresa os bens que o incapaz já possuía, ao tempo da sucessão ou da interdição, desde que estranhos ao acervo daquela, devendo tais fatos constar do alvará que conceder a autorização”.
  • Trata-se de uma especialização patrimonial.
  • Aplica-se quando o incapaz é empresário individual, mas não quando é sócio de sociedade empresarial.

Livro

É preciso atentar, nesse ponto, para a interessante previsão contida no § 2.º do art. 974 do Código Civil, segundo a qual “não ficam sujeitos ao resultado da empresa os bens que o incapaz já possuía, ao tempo da sucessão ou da interdição, desde que estranhos ao acervo daquela, devendo tais fatos constar do alvará que conceder a autorização”.

Trata-se de uma novidade interessantíssima trazida pelo Código. No alvará em que se autorizará a continuação do exercício da empresa o juiz deverá relacionar os bens que o incapaz já possuía antes da interdição, bens estes que não se sujeitarão ao resultado da empresa, ou seja, que não poderão ser executados por dívidas contraídas em decorrência do exercício da atividade empresarial.24

Vale lembrar que o dispositivo em referência (art. 974), como já destacamos anteriormente, refere-se ao exercício individual de empresa (empresário individual). Ora, o patrimônio do empresário individual, em regra, é um só. Não há uma distinção entre os bens afetados ao exercício da empresa e os bens particulares, alheios à atividade empresarial. Essa separação patrimonial só ocorre em se tratando de sociedade empresária, hipótese em que a sociedade – uma pessoa jurídica – terá seu próprio patrimônio (patrimônio social), que não se confunde com o patrimônio particular de seus sócios: trata-se do princípio da autonomia patrimonial das pessoas jurídicas, o qual será analisado mais detalhadamente no capítulo referente ao direito societário. No caso do empresário individual, todavia, não há essa separação patrimonial, pois não há uma pessoa jurídica constituída para a exploração da atividade. É o próprio empresário, pessoa física, que responde com todos os seus bens pelas obrigações contraídas em decorrência do exercício da empresa.

Daí a grande novidade introduzida pela norma em comento. Ela permite, excepcionalmente, que se estabeleça uma certa especialização patrimonial no caso de o incapaz ser autorizado a continuar o exercício de empresa. Mesmo em se tratando, nesse caso, de empresário individual, haverá uma separação patrimonial. Os bens indicados no alvará – bens que já eram do incapaz antes da sua interdição e que não estavam afetados ao exercício da atividade empresarial – constituirão um patrimônio particular especial (patrimônio de afetação), o qual não se submeterá ao resultado da empresa, ou seja, não poderão ser executados em virtude de obrigações assumidas em consequência do exercício da atividade empresarial.

29
Q

O empresário individual pode alienar bem de sua propriedade sem autorização de seu cônjuge?

A

O Código Civil também trouxe algumas regras especiais aplicáveis ao empresário casado, regras que se aplicam, por óbvio, ao empresário individual, já que na sociedade empresária quem é o titular da empresa é a própria pessoa jurídica, a qual não pode casar.

De acordo com o art. 978 do Código Civil, “o empresário casado pode, sem necessidade de outorga conjugal, qualquer que seja o regime de bens, alienar os imóveis que integrem o patrimônio da empresa ou gravá-los de ônus real”. Sobre esse dispositivo legal, foi aprovado o Enunciado 6, da I Jornada de Direito Comercial do CJF, o qual foi substituído na II Jornada pelo Enunciado 58, com o seguinte teor: “O empresário individual casado é o destinatário da norma do art. 978 do CCB e não depende da outorga conjugal para alienar ou gravar de ônus real o imóvel utilizado no exercício da empresa, desde que exista prévia averbação de autorização conjugal à conferência do imóvel ao patrimônio empresarial no cartório de registro de imóveis, com a consequente averbação do ato à margem de sua inscrição no registro público de empresas mercantis”.

Já o art. 979 do Código Civil, por sua vez, determina que, “além de no Registro Civil, serão arquivados e averbados, no Registro Público de Empresas Mercantis, os pactos e declarações antenupciais do empresário, o título de doação, herança, ou legado, de bens clausulados de incomunicabilidade ou inalienabilidade”. Assim, se estes atos não forem devidamente registrados na Junta Comercial, o empresário não poderá opô-los contra terceiros.

30
Q

O registro do empresário na Junta Comercial é condição para que lhe seja aplicável o regime empresarial? Tem o empresário não registrado, por exemplo, direito a pedir a recuperação judicial?

A

É obrigação legal imposta a todo e qualquer empresário (empresário individual ou sociedade empresária) se inscrever na Junta Comercial antes de iniciar a atividade, sob pena de começar a exercer a empresa irregularmente. Trata-se de obrigação legal prevista no art. 967 do Código Civil, o qual dispõe ser “obrigatória a inscrição do empresário no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, antes do início de sua atividade”.

Saliente-se, porém, que o registro na Junta Comercial, embora seja uma formalidade legal imposta pela lei a todo e qualquer empresário individual ou sociedade empresária – com exceção daqueles que exercem atividade econômica rural (arts. 971 e 984) – não é requisito para a caracterização do empresário e sua consequente submissão ao regime jurídico empresarial. Quer se dizer com isso que, caso o empresário individual ou a sociedade empresária não se registrem na Junta Comercial antes do início de suas atividades, tal fato não implicará a sua exclusão do regime jurídico empresarial nem fará com que eles não sejam considerados, respectivamente, empresário individual e sociedade empresária. Afinal, conforme disposto no Enunciado 199 do CJF, aprovado na III Jornada de Direito Civil, “a inscrição do empresário ou sociedade empresária é requisito delineador de sua regularidade, e não da sua caracterização”. Sendo assim, se alguém começar a exercer profissionalmente atividade econômica organizada de produção ou circulação de bens ou serviços, mas não se registrar na Junta Comercial, será considerado empresário e se submeterá às regras do regime jurídico empresarial, embora esteja irregular, sofrendo, por isso, algumas consequências (por exemplo, a impossibilidade de requerer recuperação judicial – art. 48 da Lei 11.101/2005). Nesse sentido é também o Enunciado 198 do CJF: “A inscrição do empresário na Junta Comercial não é requisito para a sua caracterização, admitindo-se o exercício da empresa sem tal providência. O empresário irregular reúne os requisitos do art. 966, sujeitando-se às normas do Código Civil e da legislação comercial, salvo naquilo em que forem incompatíveis com a sua condição ou diante de expressa disposição em contrário.”

OBS:

Por fim, não custa repetir e lembrar: (i) a única exceção, como visto, em relação à obrigatoriedade do registro é a referente aos exercentes de atividade econômica rural, os quais possuem a simples faculdade de registrar-se na Junta Comercial, conforme estabelece o art. 971 do Código Civil, já analisado; (ii) a Lei 8.906/1994 (Estatuto da OAB), em seu art. 1.º, § 2.º, determina que os atos de registro de empresários individuais e de sociedades empresárias devem estar visados por um advogado (essa regra não se aplica, porém, às microempresas e empresas de pequeno porte, conforme art. 9.º, § 2.º, da Lei Complementar 123/2006).

31
Q

Qual a diferença entre filial, agência e sucursal?

A

O Código Civil ainda determina, em seu art. 969, que “o empresário que instituir sucursal, filial ou agência, em lugar sujeito à jurisdição de outro Registro Público de Empresas Mercantis, neste deverá também inscrevê-la, com a prova da inscrição originária”. E complementa, no parágrafo único do referido artigo: “em qualquer caso, a constituição do estabelecimento secundário deverá ser averbada no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede”.

Pode-se definir filial, juridicamente, como a sociedade empresária que atua sob a direção e administração de outra, chamada de matriz, mas mantém sua personalidade jurídica e o seu patrimônio, bem como preserva sua autonomia diante da lei e do público. Agência, por sua vez, pode ser conceituada como empresa especializada em prestação de serviços que atua especificamente como intermediária. E sucursal, por fim, é o ponto de negócio acessório e distinto do ponto principal, responsável por tratar dos negócios deste e a ele subordinado administrativamente.

32
Q

Qual Justiça é competente para apreciar mandado de segurança impetrado contra ato de Junta Comercial de indeferir o pedido de arquivamento de contrato social de uma determinada sociedade limitada, com base numa Instrução Normativa do DREI?

A

Resumo

  • A Junta Comercial está subordinada tecnicamente a órgão federal (DREI) e administrativamente ao Estado-membro respectivo. Firmou-se, com base nisso, inicialmente, o entendimento de que litígio relativo a matéria técnica, relacionado ao registro de empresa, a competência seria da Justiça Federal, em virtude do interesse na causa do DREI, conforme preceitua o art. 109, inciso I, da Constituição Federal.
  • No entanto, posteriormente o próprio STJ alterou um pouco essa jurisprudência, passando a entender que a Justiça Federal é competente para julgar os processos em que figura como parte a Junta Comercial somente nos casos em que se discute a lisura do ato praticado pela Junta ou nos casos de mandado de segurança impetrado contra ato de seu presidente.
  • Portanto, quando se tratar de demanda que envolve apenas questões particulares, como conflitos societários, a competência será da Justiça Estadual, ainda que no processo esteja sendo discutido um ato OU registro praticado pela Junta Comercial.

Livro

No seu art. 3.o, por sua vez, a Lei 8.934/1994 cria o SINREM (Sistema Nacional de Registro de Empresas Mercantis), sistema que regula o registro de empresa no Brasil. Esse sistema é composto por dois órgãos: “o Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração, órgão central do Sinrem, com as seguintes funções: a) supervisora, orientadora, coordenadora e normativa, na área técnica; e b) supletiva, na área administrativa; e II – As Juntas Comerciais, como órgãos locais, com funções executora e administradora dos serviços de registro”.

As Juntas Comerciais são responsáveis pela execução e administração dos atos de registro. São órgãos locais, que integram estrutura administrativa dos Estados-membros. Cada unidade federativa possui uma Junta Comercial, segundo disposição constante do art. 5.º da lei.

A doutrina costuma destacar que as Juntas Comerciais, por fazerem parte da estrutura administrativa dos Estados, mas se sujeitarem, no plano técnico, às normas e diretrizes baixadas pelo DREI, órgão central do SINREM e que integra a estrutura administrativa federal, possuem uma subordinação hierárquica híbrida. No plano técnico, as Juntas se submetem ao DREI, enquanto, no âmbito administrativo, elas se submetem à administração estadual: “as juntas comerciais subordinam-se administrativamente ao governo da unidade federativa de sua jurisdição e, tecnicamente, ao DREI, nos termos desta lei” (art. 6.º da Lei 8.934/1994). […]

Em razão desse caráter híbrido de subordinação das Juntas Comerciais (ao Estado–membro respectivo e ao DREI), o Superior Tribunal de Justiça consolidou entendimento de que há uma divisão de competência para apreciar ações judiciais em que a Junta Comercial seja parte. Tratando-se de matéria administrativa, a competência para processar e julgar as ações em que a Junta figure num dos polos da demanda é da Justiça comum estadual. Em contrapartida, em se tratando de matéria técnica, relativa ao registro de empresa, a competência passa a ser da Justiça Federal, em virtude do interesse na causa do DREI, conforme preceitua o art. 109, inciso I, da Constituição Federal.

Assim, por exemplo, se a Junta Comercial indeferir o pedido de arquivamento de contrato social de uma determinada sociedade limitada, com base numa Instrução Normativa do DREI, e essa sociedade resolver impetrar mandado de segurança contra tal decisão, deverá fazê-lo perante a Justiça Federal, porque, nesse caso, a Junta agiu sob orientação de um ente federal, o DREI.

Nesse sentido, podem ser citados os seguintes acórdãos do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, respectivamente:

Conflito de competência. Registro de comércio. As juntas comerciais estão, administrativamente, subordinadas aos Estados, mas as funções por elas exercidas são de natureza federal. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo Federal da 3.ª Vara de Londrina – SJ/SP (STJ, 2.ª Seção, CC 43.225/PR, Rel. Min. Ari Pargendler, j. 26.10.2005, DJ 01.02.2006, p. 425).

Conflito de competência. Mandado de segurança. Junta comercial. Os serviços prestados pelas juntas comerciais, apesar de criadas e mantidas pelos estados, são de natureza federal. Para julgamento de ato, que se compreenda nos serviços do registro de comércio, a competência é da justiça federal (STJ, CC 15.575/BA, Rel. Min. Cláudio Santos, j. 14.02.1996, DJ 22.04.1996).

Competência. Conflito. Justiça estadual e Justiça federal. Mandado de segurança contra ato do presidente da Junta Comercial do Estado de Minas Gerais. Competência ratione personae. Precedentes. Conflito procedente. I – Em se cuidando de mandado de segurança, a competência se define em razão da qualidade de quem ocupa o polo passivo da relação processual. II – As Juntas Comerciais efetuam o registro do comércio por delegação federal, sendo da competência da Justiça Federal, a teor do artigo 109-VIII, da Constituição, o julgamento de mandado de segurança contra ato do Presidente daquele órgão. III – Consoante o art. 32, I, da Lei 8.934/1994, o registro do comércio compreende “a matrícula e seu cancelamento: dos leiloeiros, tradutores públicos e intérpretes comerciais, trapicheiros e administradores de armazéns-gerais” (STJ, CC 31.357/MG, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 14.04.2003, p. 174).

[…]

No entanto, posteriormente o próprio STJ alterou um pouco essa jurisprudência, passando a entender que a Justiça Federal é competente para julgar os processos em que figura como parte a Junta Comercial somente nos casos em que se discute a lisura do ato praticado pela Junta ou nos casos de mandado de segurança impetrado contra ato de seu presidente. Eis um julgado que demonstra esse entendimento:

Recurso especial. Litígio entre sócios. Anulação de registro perante a junta comercial. Contrato social. Interesse da administração federal. Inexistência. Ação de procedimento ordinário. Competência da justiça estadual. Precedentes da segunda seção. 1. A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça tem decidido pela competência da Justiça Federal, nos processos em que figuram como parte a Junta Comercial do Estado, somente nos casos em que se discute a lisura do ato praticado pelo órgão, bem como nos mandados de segurança impetrados contra seu presidente, por aplicação do artigo 109, VIII, da Constituição Federal, em razão de sua atuação delegada. 2. Em casos em que particulares litigam acerca de registros de alterações societárias perante a Junta Comercial, esta Corte vem reconhecendo a competência da justiça comum estadual, posto que uma eventual decisão judicial de anulação dos registros societários, almejada pelos sócios litigantes, produziria apenas efeitos secundários para a Junta Comercial do Estado, fato que obviamente não revela questão afeta à validade do ato administrativo e que, portanto, afastaria o interesse da Administração e, consequentemente, a competência da Justiça Federal para julgamento da causa. Precedentes. Recurso especial não conhecido (REsp 678.405/RJ, 3.ª Turma, Rel. Min. Castro Filho, j. 16.03.2006, DJ 10.04.2006, p. 179).

Portanto, quando se tratar de demanda que envolve apenas questões particulares, como conflitos societários, a competência será da Justiça Estadual, ainda que no processo esteja sendo discutido um ato OU registro praticado pela Junta Comercial.

33
Q

Em que consistem os atos de matrícula, arquivamente e autenticação praticados por Juntas Comerciais? O registro da sociedade empresarial se faz por matrícula?

A

As Juntas Comerciais exercem função executiva no âmbito do SINREM, ou seja, são elas que executam os atos de registro dos empresários individuais, das sociedades empresárias e dos seus auxiliares. Os atos de registro praticados pelas Juntas Comerciais são: a) matrícula; b) arquivamento; c) autenticação (art. 32 da Lei 8.934/1994).

Matrícula é um ato de registro praticado pela Junta que se refere a alguns profissionais específicos, os chamados auxiliares do comércio: leiloeiros, tradutores públicos, intérpretes, trapicheiros e administradores de armazéns-gerais. Nesse caso, a Junta funciona, grosso modo, como órgão regulador da profissão.

O arquivamento é o ato de registro que diz respeito, basicamente, aos atos constitutivos da sociedade empresária, da EIRELI ou do empresário individual. Deve ser feito o arquivamento na Junta Comercial, segundo o art. 32, inciso II, da Lei 8.934/1994: “a) dos documentos relativos à constituição, alteração, dissolução e extinção de firmas mercantis individuais, sociedades mercantis e cooperativas; b) dos atos relativos a consórcio e grupo de sociedade de que trata a Lei 6.404, de 15 de dezembro de 1976; c) dos atos concernentes a empresas mercantis estrangeiras autorizadas a funcionar no Brasil; d) das declarações de microempresa; e) de atos ou documentos que, por determinação legal, sejam atribuídos ao Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins ou daqueles que possam interessar ao empresário e às empresas mercantis”.

[…]

Por fim, a autenticação é ato de registro que se refere aos instrumentos de escrituração contábil do empresário (livros empresariais) e dos agentes auxiliares do comércio. A autenticação é um requisito extrínseco de regularidade na escrituração, como se verá adiante.

34
Q

Os atos constitutivos das cooperativas devem ser arquivados na Junta Comercial?

A

Quanto ao arquivamento dos atos constitutivos das cooperativas nas Juntas Comerciais, conforme previsão constante da parte final da alínea “a” do dispositivo legal transcrito anteriormente, estabeleceu-se uma interessante polêmica sobre o tema após a entrada do Código Civil de 2002. Para Fábio Ulhoa Coelho, as cooperativas, por serem sociedades simples por determinação legal (art. 982, parágrafo único do Código Civil), submetem-se a registro no Cartório de Registro Civil das Pessoas Jurídicas, e não nas Juntas Comerciais (art. 1.150 do Código Civil). Todavia, Paulo Sérgio Restiffe e Nílson Reis Júnior defendem posição contrária, entendendo que as cooperativas devem ser registradas nas Juntas Comerciais, com base no art. 18 da Lei nº 5.764/1971 (Lei do Cooperativismo) e no art. 32, inciso II, alínea a, da Lei nº 8.934/1994 (Lei de Registro de Empresas Mercantis). No mesmo sentido, ademais, é o Enunciado 69 das Jornadas de Direito Civil do CJF: “as sociedades cooperativas são sociedades simples sujeitas à inscrição nas Juntas Comerciais”. Na prática, é isso o que tem prevalecido, isto é, o arquivamento dos atos constitutivos das cooperativas nas Juntas Comerciais.

35
Q

O ato de registro da alteração de contrato social em Junta Comercial tem efeito retroativo à data da alteração, ou surte efeito apenas a partir de seu deferimento?

A

Segundo o art. 36 da Lei 8.934/1994, “os documentos referidos no inciso II do art. 32 deverão ser apresentados a arquivamento na junta, dentro de 30 (trinta) dias contados de sua assinatura, a cuja data retroagirão os efeitos do arquivamento; fora desse prazo, o arquivamento só terá eficácia a partir do despacho que o conceder”. O Código Civil possui dispositivo normativo de igual teor. Trata-se do art. 1.151, §§ 1.º e 2.º. Dispõe ainda o § 3.º do artigo em comento que “as pessoas obrigadas a requerer o registro responderão por perdas e danos, em caso de omissão ou demora”.

É importante, pois, que uma alteração do contrato social, por exemplo, seja levada a registro na Junta Comercial dentro de 30 (trinta) contados da sua efetiva realização, uma vez que, se isso não for feito, a referida alteração contratual só será considerada eficaz perante terceiros após o deferimento do registro. Caso, porém, o registro seja feito dentro do prazo legal, a alteração contratual, quando deferida, considerar-se-á produzindo efeitos desde a data em que foi decidida pelos sócios. Em resumo: se o ato é levado a registro dentro do prazo legal de 30 dias, o registro opera efeitos ex tunc, retroagindo à data da sua efetiva realização. Em contrapartida, se o ato é levado a registro fora do prazo legal de 30 dias, produz efeitos ex nunc, ou seja, só se torna eficaz a partir do seu deferimento.

36
Q

É lícita a exigência de certidão de regularidade fiscal para o arquivamento de alteração contratual em Junta Comercial?

A

Resumo

  • Não é lícita a exigência, pois ela não está prevista na lei de regência, a qual é clara ao estabelecer que nenhum outro documento além daqueles que ela própria elenca podem ser exigidos.
  • O STJ tem considerado ilegais decretos estaduais que exigem esse documento.

Livro

Ainda sobre o exame das formalidades legais dos atos submetidos a registro nas Juntas Comerciais, cumpre destacar que elas não podem criar exigências não previstas na lei. Algumas Juntas, por exemplo, têm exigido a certidão de regularidade fiscal estadual para o registro de alteração contratual, mas tal exigência não está prevista na lei de regência (Lei 8.934/1994), nem em seu decreto federal regulamentar (Decreto 1.800/1996).

Com efeito, o art. 37 da Lei 8.934/1994 elenca os documentos que devem instruir os pedidos de arquivamento de atos constitutivos e suas respectivas alterações: “Art. 37. Instruirão obrigatoriamente os pedidos de arquivamento: I – o instrumento original de constituição, modificação ou extinção de empresas mercantis, assinado pelo titular, pelos administradores, sócios ou seus procuradores; II – declaração do titular ou administrador, firmada sob as penas da lei, de não estar impedido de exercer o comércio ou a administração de sociedade mercantil, em virtude de condenação criminal; III – a ficha cadastral segundo modelo aprovado pelo DREI; IV – os comprovantes de pagamento dos preços dos serviços correspondentes; V – a prova de identidade dos titulares e dos administradores da empresa mercantil”.

O parágrafo único do mencionado dispositivo legal, por sua vez, dispõe claramente que “além dos referidos neste artigo, nenhum outro documento será exigido das firmas individuais e sociedades referidas nas alíneas a, b e d do inciso II do art. 32”.

Por outro lado, o Decreto 1.800/1996, que regulamentou a Lei 8.934/1994, deixa claro em seu art. 34, parágrafo único, que outros documentos só podem ser exigidos se houver “expressa determinação legal”.

Assim, como a exigência de apresentação de certidão de regularidade fiscal geralmente está prevista em meros decretos estaduais, que sequer possuem leis estaduais respectivas, não há dúvidas de que ela é ilegal.

Nesse sentido, confiram-se as seguintes decisões do STJ:

Junta comercial. Exigência de regularidade fiscal estadual para registro de atos constitutivos e suas respectivas alterações. Ilegalidade. 1. A exigência de certidão de regularidade fiscal estadual para o registro de alteração contratual perante a Junta Comercial não está prevista na lei de regência (Lei n. 8.934/1994), nem no decreto federal que a regulamentou (Decreto n. 1.800/1996), mas em decreto estadual, razão pela qual se mostra ilegítima. 2. Recurso especial conhecido, mas não provido (REsp 724.015/ PE, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, j. 15.05.2012, DJe 22.05.2012).

[…]

Interpretando o mesmo art. 37 da Lei 8.934/1994, o STJ já considerou ilegal, por exemplo, protocolo firmado entre a Receita Federal e a Secretaria da Fazenda do Estado do Ceará, que exigia o prévio visto da Secretaria para o registro de atos na Junta Comercial. […]

Analogicamente, pode-se mencionar também o entendimento do STJ no sentido de considerar ilegítima a criação de empecilhos, mediante norma infralegal, para a inscrição e alteração dos dados cadastrais no CNPJ. […]

37
Q

Qual é a consequência da falta de escrituração pelo empresário? E da escrituração fraudada?

A

Resumo

  • A legislação falimentar considera crime a escrituração irregular, caso a falência do empresário seja decretada (arts. 178 e 180 da Lei 11.101/2005).
  • Os livros comerciais são equiparados a documento público para fins penais, sendo tipificada como crime a falsificação, no todo ou em parte, da escrituração comercial (art. 297, § 2.º, do Código Penal).

Livro

Outra obrigação legal imposta a todo empresário, seja ao empresário individual ou à sociedade empresária, é a necessidade de “seguir um sistema de contabilidade, mecanizado ou não, com base na escrituração uniforme de seus livros, em correspondência com a documentação respectiva, e a levantar anualmente o balanço patrimonial e o de resultado econômico” (art. 1.179 do Código Civil). Enfim, os empresários devem manter um sistema de escrituração contábil periódico, além de levantar, todo ano, dois balanços financeiros: o patrimonial e o de resultado econômico. A obrigação é tão importante que a legislação falimentar considera crime a escrituração irregular, caso a falência do empresário seja decretada (arts. 178 e 180 da Lei 11.101/2005). Ademais, pela importância que ostentam, os livros comerciais são equiparados a documento público para fins penais, sendo tipificada como crime a falsificação, no todo ou em parte, da escrituração comercial (art. 297, § 2.º, do Código Penal).

Embora a lei fale apenas em livros, os instrumentos de escrituração são: a) livros; b) conjunto de fichas ou folhas soltas; c) conjunto de folhas contínuas; d) microfichas extraídas a partir de microfilmagem por computador.

38
Q

Quem deve fazer a escrituração?

A

A escrituração do empresário é tarefa que a lei incumbe a profissional específico: o contabilista, o qual deve ser legalmente habilitado, ou seja, estar devidamente inscrito no seu órgão regulamentador da profissão (art. 1.182 do Código Civil). O referido dispositivo legal, todavia, ressalva os casos em que não exista contabilista habilitado na localidade, quando a tarefa de escrituração do empresário poderá ser exercida por outro profissional ou mesmo pelo próprio empresário.

39
Q

Quais livros são obrigatórios e quais são facultativos?

A

Resumo

  • O único livro obrigatório é o Diário.
  • Podem ser exigidos outros livros de certos empresários.
  • Os livros de que se fala são os empresariais. Livros relativos a relações trabalhista, tributária e previdenciária podem ser exigidos pela legislação.
  • São facultativo os livros Caixa, Razão, Estoque, Borrador, Conta Corrente.

Livro

A doutrina aponta que, atualmente, o único livro obrigatório comum a todo e qualquer empresário é o Diário, que pode ser substituído por fichas no caso de ser adotada escrituração mecanizada ou eletrônica (art. 1.180 do Código Civil). O livro Diário também pode ser substituído pelo livro Balancetes Diários e Balanços quando o empresário adotar o sistema de fichas de lançamentos (art. 1.185 do Código Civil).

Sendo o Diário o único livro obrigatório comum, são facultativos os livros Caixa, no qual se controlam as entradas e saídas de dinheiro, Estoque, Razão, que classifica o movimento das mercadorias, Borrador, que funciona como um rascunho do diário, e o Conta corrente, que é usado para as contas individualizadas de fornecedores ou clientes. Todavia, “no caso da escrituração resumida do ‘Diário’, os livros auxiliares tornam-se obrigatórios por conexão, para atendimento dos requisitos de clareza, precisão e segurança da escrita”.

Outros livros também poderão ser exigidos do empresário, por força de legislação fiscal, trabalhista ou previdenciária. Todavia, eles não podem ser considerados livros empresariais. Só recebem essa qualificação os livros que o empresário escritura em razão do disposto na legislação empresarial.

No livro Diário devem ser lançadas, “com individuação, clareza e caracterização do documento respectivo, dia a dia, por escrita direta ou reprodução, todas as operações relativas ao exercício da empresa”, podendo ser escriturado de forma resumida, conforme dispõe o art. 1.184, caput e § 1.º, do Código Civil. Também “serão lançados no Diário o balanço patrimonial e o de resultado econômico, devendo ambos ser assinados por técnico em Ciências Contábeis legalmente habilitado e pelo empresário ou sociedade empresária” (art. 1.184, § 2.º, do Código Civil).

Alguns livros específicos, todavia, são exigidos a certos empresários. É o caso, por exemplo, do livro de Registro de duplicatas, exigido dos empresários que trabalharem com a emissão de duplicatas mercantis. É o caso, também, das sociedades anônimas, que são obrigadas, pela Lei 6.404/1976, a escriturar uma série de livros específicos, como o livro de Registro de atas da assembleia, o livro de Registro de transferência de ações nominativas, entre outros (v. art. 100 da lei). Também existem livros obrigatórios especiais, que são exigidos em virtude do exercício de alguma profissão. É o caso, por exemplo, dos livros impostos pela legislação comercial aos leiloeiros e aos donos de armazéns-gerais. Com efeito, o art. 7.º, caput, do Decreto 1.102/1903, que obriga o dono de armazém-geral a escriturar livro de entrada e saída de mercadorias.

Afora esses livros obrigatórios, o empresário poderá escriturar outros, a seu critério (art. 1.179, § 1.º, do Código Civil).

40
Q

O microempresário e a empresa de pequeno porte também são obrigados a manter sistema de escrituração?

A

Resumo

  • O código dispensou o “pequeno empresário” das exigências relativas à necessidade de manter um sistema de escrituração e de levantar anualmente o balanço patrimonial e o resultado econômico.
  • O termo “pequeno empresário” é impreciso e divergia dos que vinham sendo adotados pela legislação até então, inclusive pela Constituição.
  • A doutrina havia firmado entendimento que o termo englobaria tanto a microempresa como a empresa de pequeno porte.
  • Contudo, a LC 123\2006 dispôs diferentemente, in verbis: “Considera-se pequeno empresário, para efeito de aplicação do disposto nos arts. 970 e 1.179 da Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002, o empresário individual caracterizado como microempresa na forma desta Lei Complementar que aufira receita bruta anual de até R$ 81.000,00 (oitenta e um mil reais)” (art. 68 c/c art. 18-A, § 1.º, da LC 123/2006, suprarreferida).

Livro

O art. 1.179, § 2.º, do Código Civil dispensa “o pequeno empresário a que se refere o art. 970” das exigências contidas no caput, relativas à necessidade de manter um sistema de escrituração e de levantar anualmente os balanços patrimonial e de resultado econômico. O art. 970, por sua vez, determina que “a lei assegurará tratamento favorecido, diferenciado e simplificado ao empresário rural e ao pequeno empresário, quanto à inscrição e aos efeitos daí decorrentes”.

O comando normativo contido no art. 970 do Código Civil foi infeliz, no nosso entender. Primeiro, porque a determinação para que se dê tratamento favorecido e simplificado a certos empresários já existe há muito tempo, e consta do próprio texto constitucional (art. 179 da CF/1988). Segundo, porque o uso da expressão pequeno empresário trouxe confusão aos intérpretes da norma, uma vez que a Constituição emprega as expressões Microempresário (ME) e Empresário de Pequeno Porte (EPP), que sempre foram corretamente repetidas pela legislação especial relativa ao tema (Lei 9.841/1999, antigo Estatuto da ME e da EPP, revogado, e LC 123/2006, atual Lei Geral das ME e EPP). Fica então a dúvida: será que a expressão utilizada pelo Código engloba tanto o microempresário quanto o empresário de pequeno porte? Ou se refere apenas ao segundo? Ou é uma expressão que traz uma terceira categoria, diferente das duas outras já conhecidas e referidas pelo texto constitucional?

A doutrina majoritária vinha entendendo que a expressão pequeno empresário, utilizada pelo Código Civil no seu art. 970, era abrangente, englobando tanto os microempresários quanto os empresários de pequeno porte. Nesse sentido, era, inclusive, o Enunciado 235 do CJF: “O pequeno empresário, dispensado da escrituração, é aquele previsto na Lei 9.841/99”. No entanto, a legislação que trata das microempresas e das empresas de pequeno porte no Brasil, esclareceu: “Considera-se pequeno empresário, para efeito de aplicação do disposto nos arts. 970 e 1.179 da Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002, o empresário individual caracterizado como microempresa na forma desta Lei Complementar que aufira receita bruta anual de até R$ 81.000,00 (oitenta e um mil reais)” (art. 68 c/c art. 18-A, § 1.º, da LC 123/2006, suprarreferida).

41
Q

Os livros comerciais fazem prova em favor do empresário?

A

Resumo

  • Em seu desfavor, as informações nele contidas possuem presunção de veracidade, independentemente da (in)correta escrituração.
  • Em litígios entre empresários, os livros, se devidamente escriturados, fazem prova em favor de seu subscritor.

Livro

Os livros empresariais são documentos que possuem força probante, sendo muitas vezes fundamentais para a resolução de um determinado litígio. Com efeito, o exame da escrituração do empresário pode ser útil para o deslinde de várias questões jurídicas relacionadas ao exercício de sua atividade. Do exame dos livros pode-se verificar a existência de relações contratuais, o seu respectivo adimplemento ou inadimplemento, uma fraude contábil, entre outras coisas. É por isso que a lei determina que os livros empresariais devem ser conservados em boa guarda, enquanto não ocorrer prescrição ou decadência no tocante aos atos neles consignados (art. 1.194 do Código Civil).

Sobre a eficácia probatória dos livros empresariais, dispõe o Novo Código de Processo Civil, em seu art. 417: “os livros empresariais provam contra o seu autor, sendo lícito ao empresário, todavia, demonstrar, por todos os meios permitidos em direito, que os lançamentos não correspondem à verdade dos fatos”. Vê-se, pois, que a eficácia probatória dos livros empresariais contra o empresário opera-se independentemente de os mesmos estarem corretamente escriturados. Nada impede, todavia, que o empresário demonstre, por outros meios de prova, que os lançamentos constantes daquela escrituração que lhe é desfavorável são equivocados.

Em contrapartida, para que os livros façam prova a favor do empresário é preciso que eles estejam regularmente escriturados, conforme disposição do art. 418 do novo Código de Processo Civil: “Os livros empresariais que preencham os requisitos exigidos por lei provam a favor de seu autor no litígio entre empresários”. Acrescente-se que “em regra, para provar a favor de seu proprietário contra terceiro, empresário ou não, não é necessária a apresentação dos documentos nos quais os assentos têm origem”.

42
Q

É permitido o acesso pelo juiz ao livros comerciais em qualquer ação?

A

Os livros empresariais são protegidos pelo sigilo, conforme determinação contida no art. 1.190 do Código Civil: “ressalvados os casos previstos em lei, nenhuma autoridade, juiz ou tribunal, sob qualquer pretexto, poderá fazer ou ordenar diligência para verificar se o empresário ou a sociedade empresária observam, ou não, em seus livros e fichas, as formalidades prescritas em lei”.

Observe-se que o dispositivo ressalva, de forma clara, os casos previstos em lei, ou seja, a legislação poderá prever situações excepcionais em que o sigilo empresarial que protege os livros do empresário não seja oponível.

O próprio Código estabelece uma dessas situações, ao dispor, no art. 1.193, que as restrições ao exame da escrituração não se aplicam às autoridades fazendárias, quando estas estejam no exercício da fiscalização tributária. No mesmo sentido, aliás, dispõe o art. 195 do Código Tributário Nacional: “para os efeitos da legislação tributária, não têm aplicação quaisquer disposições legais excludentes ou limitativas do direito de examinar mercadorias, livros, arquivos, documentos, papéis e efeitos comerciais ou fiscais, dos comerciantes industriais ou produtores, ou da obrigação destes de exibi-los”.

O Supremo Tribunal Federal, ponderando o direito ao sigilo empresarial dos empresários e o direito à fiscalização tributária das autoridades fazendárias, entende que o exame dos livros e documentos constantes da escrituração deve ater-se ao objeto da fiscalização. É o que dispõe o Enunciado 439 da súmula de jurisprudência dominante do STF: “estão sujeitos à fiscalização tributária ou previdenciária quaisquer livros comerciais, limitado o exame ao ponto objeto da investigação”.

O sigilo que protege os livros empresariais também pode ser “quebrado” por ordem judicial. A exibição dos livros empresariais, em obediência à ordem judicial, pode ser total ou parcial, havendo tratamento distinto para ambos os casos.

O Novo Código de Processo Civil trata do tema, estabelecendo, em seu art. 420, que “o juiz pode ordenar, a requerimento da parte, a exibição integral dos livros comerciais e dos documentos do arquivo: I – na liquidação de sociedade; II – na sucessão por morte de sócio; III – quando e como determinar a lei”. O Código Civil também cuida do assunto, preceituando, em seu art. 1.191, que “o juiz só poderá autorizar a exibição integral dos livros e papéis de escrituração quando necessária para resolver questões relativas a sucessão, comunhão ou sociedade, administração ou gestão à conta de outrem, ou em caso de falência”. Interpretando harmonicamente os dois dispositivos transcritos, pode-se concluir que a exibição integral dos livros só pode ser determinada a requerimento da parte – conforme determinação da norma processual – e somente nos casos expressamente previstos na lei (por exemplo, na liquidação da sociedade, na falência, entre outros).

Ressalte-se que, em se tratando de sociedade anônima, a Lei 6.404/1976, em seu art. 105, trouxe regra especial, determinando que a exibição total dos livros da S/A pode ser determinada por juiz quando houver requerimento de acionistas que representem pelo menos 5% do capital social, apontando violação ao estatuto ou à lei ou suspeita de graves irregularidades levadas a efeito por órgão da companhia.

[…]

A exibição parcial dos livros também está disciplinada em ambos os Códigos. O Novo Código de Processo Civil estabelece, em seu art. 421, que “o juiz pode, de ofício, ordenar à parte a exibição parcial dos livros e dos documentos, extraindo-se deles a suma que interessar ao litígio, bem como reproduções autenticadas”. O Código Civil, por sua vez, preceitua, em seu art. 1.191, § 1.º, que “o juiz ou tribunal que conhecer de medida cautelar ou de ação pode, a requerimento ou de ofício, ordenar que os livros de qualquer das partes, ou de ambas, sejam examinados na presença do empresário ou da sociedade empresária a que pertencerem, ou de pessoas por estes nomeadas, para deles se extrair o que interessar à questão”. A interpretação harmônica desses dispositivos nos leva à conclusão de que a exibição parcial dos livros empresariais pode ser determinada pelo julgador, a requerimento ou até mesmo de ofício, e em qualquer processo.

Ressalte-se que a exibição parcial dos livros não atinge os chamados livros auxiliares, uma vez que estes, por não serem obrigatórios, não são de existência presumida. Caso o requerente consiga provar, todavia, (i) que o empresário possui determinado livro auxiliar e (ii) que esse livro é indispensável para a prova de determinado fato, a exibição pode ser determinada, mesmo a parcial, estabelecendo-se presunção contra o empresário caso ele não o apresente.

43
Q

Qual a diferença entre nome empresarial, marca e nome fantasia?

A

Resumo

  • Considera-se nome empresarial (antiga “razão social”) a firma ou a denominação adotada para o exercício de empresa. Equipara-se ao nome empresarial, para os efeitos da proteção da lei, a denominação das sociedades simples, associações e fundações.
  • A marca é um sinal distintivo que identifica produtos ou serviços do empresário (art. 122 da Lei 9.279/1996). Sua disciplina está adstrita ao âmbito do direito de propriedade industrial.
  • O nome de fantasia, por sua vez, é a expressão que identifica o título do estabelecimento. Grosso modo, está para o nome empresarial assim como o apelido está para o nome civil.
  • Os sinais de propaganda, por fim, são aqueles que, embora não se destinem a identificar especificamente produtos ou serviços do empresário, exercem uma importante função de mercado: chamar a atenção dos consumidores.

Livro

É preciso tomar cuidado, todavia, para não confundir o nome empresarial com alguns outros importantes elementos de identificação do empresário, tais como a marca, o nome de fantasia (também chamado por alguns de título de estabelecimento ou insígnia), o nome de domínio e os chamados sinais de propaganda.

A marca é um sinal distintivo que identifica produtos ou serviços do empresário (art. 122 da Lei 9.279/1996). Sua disciplina está adstrita ao âmbito do direito de propriedade industrial e será oportunamente analisada.

O nome de fantasia, por sua vez, é a expressão que identifica o título do estabelecimento. Grosso modo, está para o nome empresarial assim como o apelido está para o nome civil. Muitas pessoas possuem apelidos e atendem por essa expressão nas suas relações informais com amigos e parentes, mas nas relações formais, obviamente, sempre se identificam com o seu nome civil. Assim também ocorre com os empresários: nos contratos ou nos documentos públicos, por exemplo, o empresário sempre se identificará com o seu nome empresarial, não obstante se identificar para seus consumidores por meio de panfletos, dos uniformes dos funcionários ou do layout do estabelecimento mediante o seu nome de fantasia.

[…]

Assim, por exemplo, se eu resolvesse ser empresário individual, explorando a atividade de comércio, edição e distribuição de livros, teria que me registrar na Junta Comercial e adotar uma expressão como nome empresarial. Eu poderia me registrar, por exemplo, com o seguinte nome: André Ramos Comércio, Edição e Distribuição de Livros. Esse seria o meu nome empresarial, registrado na Junta Comercial do Estado em que eu atuasse. Mas eu poderia identificar meu negócio com um nome de fantasia, usando a seguinte expressão: Livraria 12 de Julho. Esse seria o meu nome de fantasia. Caso eu resolvesse identificar os livros por mim editados, poderia criar uma marca e registrá-la, podendo ser a seguinte expressão: Livro 12. Essa seria minha marca, que identificaria meus produtos (os livros que eu editasse) e seria registrada no INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial). Eu poderia, por fim, desenvolver um site na internet para vender meus produtos e divulgar meu negócio, usando o endereço . Esse seria o meu nome de domínio. Perceba o leitor, portanto, que nome empresarial, nome de fantasia, marca e nome de domínio são coisas distintas e exercem funções distintas para o empresário que os utiliza (ver mais sobre nome de domínio em tópico específico do capítulo seguinte). Os sinais de propaganda, por fim, são aqueles que, embora não se destinem a identificar especificamente produtos ou serviços do empresário, exercem uma importante função de mercado: chamar a atenção dos consumidores.

A legislação anterior permitia o registro desses sinais no Instituto Nacional de Propriedade Industrial – INPI, o que garantia aos seus titulares o uso exclusivo, assim como ocorre com as marcas, por exemplo. A nova legislação (Lei 9.279/1996) deixou sem regulamentação os sinais de propaganda, fazendo menção a eles em apenas um dispositivo, por meio do qual lhe confere uma específica proteção penal (art. 195, inciso IV). Isso não significa, todavia, que o ordenamento jurídico não mais confira proteção às expressões de propaganda. Atualmente, elas são submetidas à fiscalização do Conselho de Autorregulamentação Publicitária – CONAR, criado como sociedade civil, em 1978, o qual, entretanto, só pode impor regras aos seus associados e aos profissionais do ramo de publicidade como, por exemplo, as agências de propaganda.

44
Q

O nome fantasia goza de proteção jurídica?

A

Infelizmente, o ordenamento jurídico-empresarial brasileiro não reserva proteção específica ao nome de fantasia ou título de estabelecimento. Sendo assim, na seara civil, sua proteção é feita com base na regra geral de proteção contra a prática de atos ilícitos, contemplada no art. 186 do Código Civil de 2002: “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Na seara penal, por sua vez, a proteção era conferida pelo art. 195 do Código Penal, revogado pela Lei 9.279/1996 (Lei de Propriedade Industrial, que, em seus arts. 191, 194 e 195, inciso V, passou a tratar do tema, assim dispondo: “reproduzir ou imitar, de modo que possa induzir em erro ou confusão, armas, brasões ou distintivos oficiais nacionais, estrangeiros ou internacionais, sem a necessária autorização, no todo ou em parte, em marca, título de estabelecimento, nome comercial, insígnia ou sinal de propaganda, ou usar essas reproduções ou imitações com fins econômicos. Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) meses, ou multa” (art. 191 da LPI); “usar marca, nome comercial, título de estabelecimento, insígnia, expressão ou sinal de propaganda ou qualquer outra forma que indique procedência que não a verdadeira, ou vender ou expor à venda produto com esses sinais. Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) meses, ou multa” (art. 194 da LPI); “comete crime de concorrência desleal quem: (…) V – usa, indevidamente, nome comercial, título de estabelecimento ou insígnia alheios ou vende, expõe ou oferece à venda ou tem em estoque produto com essas referências” (art. 195, inciso V, da LPI). Em síntese: o uso indevido de título de estabelecimento (nome de fantasia) de outro empresário, ainda que essa expressão não seja registrada como marca ou nome desse empresário, é crime.

45
Q

Se determinada sociedade empresária pretende registrar domínio na internet com seu nome empresarial, porém descobre que outra sociedade já o fez anteriormente, poderá reivindicar o direito ao domínio, sob alegação de direito exclusivo ao uso da denominação?

A

Resumo

  • A anterioridade do registro no nome empresarial no órgão competente não assegura, por si só, ao seu titular o direito de exigir a abstenção de uso do nome de domínio na rede mundial de computadores (internet) registrado por estabelecimento empresarial que também ostenta direitos acerca do mesmo signo distintivo.
  • A sociedade pode reivindicar o domínio demonstrando a má-fé na utilização do nome pelo seu primeiro requerente (STJ).

Livro

O nome de domínio é o endereço eletrônico dos sites dos empresários na internet, hoje muito usados para negociação de produtos e serviços, em razão do desenvolvimento do chamado comércio eletrônico (e-commerce ou e-business). A propósito, foi aprovado o Enunciado 7, da I Jornada de Direito Comercial do CJF: “O nome de domínio integra o estabelecimento empresarial como bem incorpóreo para todos os fins de direito.” Sobre nome de domínio, bem como sobre eventual conflito entre ele e o nome empresarial, decidiu o STJ que o simples fato de um empresário ou sociedade empresária ter registrado um nome empresarial que contenha uma determinada expressão não significa que ele tenha automaticamente o direito exclusivo de usar essa expressão como nome de domínio. Pode ocorrer, por exemplo, que aquela expressão já tenha sido usada por alguém em um nome de domínio. Nesse caso, o titular do nome empresarial registrado não pode, posteriormente, reclamar exclusividade, a não ser que demonstre má-fé do titular do nome de domínio. Confira-se a decisão do STJ:

Recurso especial. Ação de abstenção de uso. Nome empresarial. Nome de domínio na internet. Registro. Legitimidade. Contestação. Ausência de má-fé. Divergência jurisprudencial não demonstrada. Ausência de similitude fática. 1. A anterioridade do registro no nome empresarial no órgão competente não assegura, por si só, ao seu titular o direito de exigir a abstenção de uso do nome de domínio na rede mundial de computadores (internet) registrado por estabelecimento empresarial que também ostenta direitos acerca do mesmo signo distintivo. 2. No Brasil, o registro de nomes de domínio na internet é regido pelo princípio “First Come, First Served”, segundo o qual é concedido o domínio ao primeiro requerente que satisfizer as exigências para o registro. 3. A legitimidade do registro do nome do domínio obtido pelo primeiro requerente pode ser contestada pelo titular de signo distintivo similar ou idêntico anteriormente registrado – seja nome empresarial, seja marca. 4. Tal pleito, contudo, não pode prescindir da demonstração de má-fé, a ser aferida caso a caso, podendo, se configurada, ensejar inclusive o cancelamento ou a transferência do domínio e a responsabilidade por eventuais prejuízos. 5. No caso dos autos, não é possível identificar nenhuma circunstância que constitua sequer indício de má-fé na utilização do nome pelo primeiro requerente do domínio. 6. A demonstração do dissídio jurisprudencial pressupõe a ocorrência de similitude fática entre o acórdão atacado e os paradigmas. 7. Recurso especial não provido. (REsp 594404/DF, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, j. 05.09.2013, DJe 11.09.2013).

46
Q

Diferencie firma de denominação. Quais sociedades podem adotar uma e quais podem adotar a outra?

A

Resumo

  • A firma é uma espécie de nome empresarial formada por um nome civil (do próprio empresário, no caso de firma individual, do titular, no caso de EIRELI, ou de um ou mais sócios, no caso de firma social). É facultativo o acréscimo do ramo atividade empresarial.
  • A denominação pode ser formada por qualquer expressão linguística e o indicação do ram de atividade é obrigatório.
  • A firma é privativa de empresários individuais e sociedades de pessoas, enquanto a denominação é privativa de sociedades de capital (a EIRELI é uma exceção, podendo usar tanto firma quanto denominação).
  • Pode-se dizer que a firma é usada, em regra, pelos empresários individuais e pelas sociedades em que existam sócios de responsabilidade ilimitada (sociedade em nome coletivo, sociedade em comandita simples e sociedade em comandita por ações), enquanto a denominação é usada, em regra, pelas sociedades em que todos os sócios respondem de forma limitada (sociedade limitada e sociedade anônima).
  • Dissemos, em regra, porque a sociedade limitada pode usar firma social, e a sociedade em comandita por ações pode usar firma.
  • Cooperativa deve usar denominação.

Livro

A firma, que pode ser individual ou social, é espécie de nome empresarial, formada por um nome civil – do próprio empresário, no caso de firma individual, do titular, no caso de EIRELI, ou de um ou mais sócios, no caso de firma social. O núcleo da firma é, pois, sempre um nome civil (por exemplo, André Ramos ou A. Ramos). Destaque-se ainda que, na firma, pode ser indicado o ramo de atividade (nos exemplos já mencionados: André Ramos Cursos Jurídicos ou A. Ramos Cursos Jurídicos). Trata-se, portanto, de uma faculdade, nos termos do art. 1.156, parte final, do Código Civil, que dispõe claramente que o titular da firma pode aditar, se quiser, expressão que designe de forma mais precisa sua pessoa ou o ramo de sua atividade.

A denominação, que pode ser usada por certas sociedades ou pela EIRELI – o empresário individual somente opera sob firma –, pode ser formada por qualquer expressão linguística (o que alguns doutrinadores chamam de elemento fantasia) e a indicação do objeto social (ramo de atividade), é obrigatória (vide arts. 1.158, § 2.º, 1.160 e 1.161, todos do Código Civil).

A doutrina aponta, portanto, que a firma é privativa de empresários individuais e sociedades de pessoas, enquanto a denominação é privativa de sociedades de capital (a EIRELI é uma exceção, podendo usar tanto firma quanto denominação). Assim, pode-se dizer que a firma é usada, em regra, pelos empresários individuais e pelas sociedades em que existam sócios de responsabilidade ilimitada (sociedade em nome coletivo, sociedade em comandita simples e sociedade em comandita por ações), enquanto a denominação é usada, em regra, pelas sociedades em que todos os sócios respondem de forma limitada (sociedade limitada e sociedade anônima). Dissemos, em regra, porque a sociedade limitada pode usar firma social, e a sociedade em comandita por ações pode usar firma. Nesse sentido, dispõem os arts. 2.º e 3.º da IN/DREI 15/2013. O art. 2.º prevê que “firma é o nome utilizado pelo empresário individual, pela sociedade em que houver sócio de responsabilidade ilimitada e, de forma facultativa, pela sociedade limitada e pela empresa individual de responsabilidade limitada – EIRELI”. O art. 3.º, por sua vez, prevê que “denominação é o nome utilizado pela sociedade anônima e cooperativa e, em caráter opcional, pela sociedade limitada, em comandita por ações e pela empresa individual de responsabilidade limitada – EIRELI”.

Uma última informação importante acerca da distinção entre firma e denominação precisa ser feita: a firma, seja individual ou social, além de identificar o exercente da atividade empresarial como sujeito de direitos, exerce a função de assinatura do empresário ou da sociedade empresária, respectivamente; a denominação não exerce essa função, servindo apenas como elemento identificador. Por essa razão, o empresário individual deve assinar, nas suas relações empresariais, a sua firma individual (por exemplo, J. Silva Serviços de Informática), e não o seu nome civil (José da Silva, simplesmente). Do mesmo modo, o administrador de uma sociedade empresária que adote firma social deve assinar, nos contratos que celebrar em nome da pessoa jurídica, a própria firma social descrita no ato constitutivo (por exemplo, Silva e Ribeiro Serviços de Informática), e não seu nome civil. Em contrapartida, se a sociedade utiliza denominação social (por exemplo, SR Computadores Serviços de Informática LTDA.), o seu administrador, nos contratos que celebrar em nome da sociedade, deverá assinar o seu nome civil sobre a denominação social impressa ou escrita.

Assim sendo, a firma individual ou social possui a função específica de servir como a própria assinatura do empresário individual ou da sociedade empresária, respectivamente. Já a denominação, por sua vez, não funciona como assinatura.

OBS:

A sociedade anônima, por sua vez, opera sob denominação designativa do objeto social, integrada pelas expressões “sociedade anônima” ou “companhia”, por extenso ou abreviadamente, nos termos do art. 1.160 do Código Civil (por exemplo, Recife Alimentos S/A ou Recife Companhia de Alimentos ou Companhia Recife de Alimentos). O Código ainda destaca que “pode constar da denominação o nome do fundador, acionista, ou pessoa que haja concorrido para o bom êxito da formação da empresa” (art. 1.160, parágrafo único, do Código Civil).

FIRMA - Empresário individual, sociedade em nome coletivo e sociedade em comandita simples.

DENOMINAÇÃO - Sociedade anônima.

FIRMA OU DENOMINAÇÃO - Sociedade limitada, Sociedade em comandita por ações.

47
Q

Quais são os princípios que regem o nome empresarial?

A

Segundo o art. 34 da Lei 8.934/1994, “o nome empresarial obedecerá aos princípios da veracidade e da novidade”.

De acordo com o princípio da veracidade, o nome empresarial não poderá conter nenhuma informação falsa. Sendo a expressão que identifica o empresário em suas relações como tal, é imprescindível que o nome empresarial só forneça dados verdadeiros àquele que negocia com o empresário.

O sistema da veracidade ou autenticidade, que é o sistema do direito brasileiro (…), impõe que a firma seja constituída sob o patronímico do empresário individual e, quando firma social, sob o de sócios que a compõem. Se o empresário modifica o nome, como a mulher quando casa e adota o nome de família do marido, deve alterar a sua firma. O empresário individual, dessa forma, deve necessariamente adotar o seu nome civil, podendo abreviá-lo ou acrescê-lo de um elemento distintivo ou característico.

Exemplos de regras que incorporam o princípio da veracidade são os arts. 1.158, § 3.º (“a omissão da palavra ‘limitada’ determina a responsabilidade solidária e ilimitada dos administradores que assim empregarem a firma ou a denominação da sociedade”), e 1.165 (“o nome de sócio que vier a falecer, for excluído ou se retirar, não pode ser conservado na firma social”), ambos do Código Civil.

Ainda em obediência ao princípio da veracidade, pode ser que, em alguns casos, seja obrigatória a alteração do nome empresarial. Por exemplo: (i) quando se provar, posteriormente ao registro, a coexistência do nome registrado com outro já constante dos assentamentos da Junta Comercial; (ii) quando ocorrer a morte ou a saída de sócio cujo nome conste da firma da sociedade (nesse caso, interpretando-se harmonicamente os arts. 1.165 e 1.157, parágrafo único, do Código Civil, entende-se que se mantém a responsabilidade ilimitada do sócio retirante ou do espólio do sócio falecido, enquanto não for alterado o nome da sociedade); (iii) quando houver transformação, incorporação, fusão ou cisão da sociedade, entre outras situações específicas.

[…]

Por princípio da novidade, por sua vez, se entende a proibição de se registrar um nome empresarial igual ou muito parecido com outro já registrado. Com efeito, segundo o disposto no art. 1.163 do Código Civil, “o nome de empresário deve distinguir-se de qualquer outro já inscrito no mesmo registro”. O parágrafo único desse dispositivo prevê que “se o empresário tiver nome idêntico ao de outros já inscritos, deverá acrescentar designação que o distinga”. Cabe à Junta Comercial em que o empresário ou a sociedade empresária requereu o arquivamento de seus atos constitutivos proceder à análise da eventual colidência entre o nome empresarial levado a registro e outro nome empresarial já registrado, consultando seus assentamentos.

É preciso ressaltar, todavia, que a proteção ao nome empresarial quanto ao princípio da novidade se inicia automaticamente43 a partir do registro e é restrita ao território do Estado da Junta Comercial em que o empresário se registrou. Isso porque o art. 1.166 do Código Civil dispõe que “a inscrição do empresário, ou dos atos constitutivos das pessoas jurídicas, ou as respectivas averbações, no registro próprio, asseguram o uso exclusivo do nome nos limites do respectivo Estado”. […] Sendo assim, nada impede que um empresário com atividade na Bahia registre um nome empresarial idêntico ao de outro empresário, mais antigo, com atuação em Pernambuco, salvo se este obteve o direito de usar exclusivamente seu nome empresarial em todo o território nacional, conforme previsão do parágrafo único do art. 1.166 citado.

48
Q

O nome empresarial pode ser objeto de alienação?

A

Resumo

  • O Código Civil dispõe, em seu art. 1.164, que “o nome empresarial não pode ser objeto de alienação”, mas ressalva a possibilidade de o adquirente do estabelecimento empresarial continuar usando o antigo nome empresarial do alienante, precedido do seu e com a qualificação de sucessor, desde que o contrato de trespasse permita (art. 1.164, parágrafo único, do Código Civil)

Livro

Por fim, o Código Civil dispõe, em seu art. 1.164, que “o nome empresarial não pode ser objeto de alienação”, mas ressalva a possibilidade de o adquirente do estabelecimento empresarial continuar usando o antigo nome empresarial do alienante, precedido do seu e com a qualificação de sucessor, desde que o contrato de trespasse permita (art. 1.164, parágrafo único, do Código Civil: “o adquirente de estabelecimento, por ato entre vivos, pode, se o contrato o permitir, usar o nome do alienante, precedido do seu próprio, com a qualificação de sucessor”). Portanto, a regra do caput do art. 1.164 do Código Civil, que prevê a inalienabilidade do nome empresarial, deve ser interpretada em consonância com a regra do seu parágrafo único. Assim, embora o nome empresarial, em si, não possa ser vendido, é possível que, num contrato de alienação do estabelecimento empresarial (que é chamado de trespasse), ele seja negociado como elemento integrante desse próprio estabelecimento (fundo de empresa).

49
Q

Qual a finalidade da proteção do nome empresarial? Como se resolve o conflito entre sociedades empresariais que adotaram nomes semelhantes?

A

Resumo

  • Finalidade: identificar o empresário individual ou a sociedade empresária, tutelar a clientela, o crédito empresarial e, ainda os consumidores contra indesejáveis equívocos.
  • Para se resolver o conflito entre nomes, deve-se avaliar, primeiro: a) se há possibilidade de confusão entre os consumidores; b) se a atuação empresarial se dá em atividades diversas e inconfundíveis.
  • Havendo conflito insuperável, prevalece o registro anterior.

Jurisprudência

Direito empresarial. Proteção ao nome comercial. Conflito. Nome comercial e marca. Matéria suscitada nos embargos infringentes. Colidência entre nomes empresariais. Registro anterior. Uso exclusivo do nome. Áreas de atividades distintas. Ausência de confusão, prejuízo ou vantagem indevida no seu emprego. Proteção restrita ao âmbito de atividade da empresa. Recurso improvido. 1. Conflito entre nome comercial e marca, a teor do art. 59 da Lei n. 5.772/71. Interpretação. 2. Colidência entre nomes empresariais. Proteção ao nome comercial. Finalidade: identificar o empresário individual ou a sociedade empresária, tutelar a clientela, o crédito empresarial e, ainda os consumidores contra indesejáveis equívocos. 3. Utilização de um vocábulo idêntico – FIORELLA – na formação dos dois nomes empresariais – FIORELLA PRODUTOS TÊXTEIS LTDA e PRODUTOS FIORELLA LTDA. Ausência de emprego indevido, tendo em vista as premissas estabelecidas pela Corte de origem ao analisar colidência: a) ausência de possibilidade de confusão entre os consumidores; b) atuação empresarial em atividades diversas e inconfundíveis. 4. Tutela do nome comercial entendida de modo relativo. O registro mais antigo gera a proteção no ramo de atuação da empresa que o detém, mas não impede a utilização de nome em segmento diverso, sobretudo quando não se verifica qualquer confusão, prejuízo ou vantagem indevida no seu emprego. 5. Recurso a que se nega provimento (REsp 262.643/SP, Rel. Min. Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ/RS), 3.ª Turma, j. 09.03.2010, DJe 17.03.2010).

50
Q

O que é o estabelecimento empresarial?

A

Resumo

  • É errado falar que é o local que o empresário exerce sua atividade. O local – ponto de negócio – é apenas um dos elementos que compõem o estabelecimento empresarial.
  • O “estabelecimento comercial” é composto por patrimônio material e imaterial, constituindo exemplos do primeiro os bens corpóreos essenciais à exploração comercial, como mobiliários, utensílios e automóveis, e, do segundo, os bens e direitos industriais, como patente, nome empresarial, marca registrada, desenho industrial e o ponto […] (STJ).
  • O estabelecimento “representa a projeção patrimonial da empresa ou o organismo técnico-econômico mediante o qual o empresário atua.”

Livro

A expressão estabelecimento empresarial parece se referir, numa primeira leitura, ao local em que o empresário exerce sua atividade empresarial. Trata-se, todavia, de uma visão equivocada, que representa apenas uma noção vulgar da expressão, correspondendo tão somente ao sentido coloquial que ela possui para as pessoas em geral.

O conceito técnico-jurídico de estabelecimento empresarial, todavia, é algo mais complexo. No dizer de Oscar Barreto Filho, autor da mais completa obra sobre o tema no Brasil, “é o complexo de bens, materiais e imateriais, que constituem o instrumento utilizado pelo comerciante [hoje empresário] para a exploração de determinada atividade mercantil [hoje empresa]”.45 Já nas palavras de Sérgio Campinho:

O estabelecimento empresarial é integrado por bens de variadas espécies, que mantém cada um deles sua individualidade própria, mas que se encontram reunidos pelo empresário que os conjuga e organiza, de modo a apresentarem-se como uma unidade que lhe serve de instrumento para exercitar sua empresa.

Trata-se, em suma, de todo o conjunto de bens, materiais ou imateriais, que o empresário utiliza no exercício da sua atividade. Esta foi, aliás, a definição dada pelo legislador do Código Civil, que resolveu tratar especificamente do tema, ao contrário do que ocorria antes, já que até a edição do Código Civil de 2002 o estabelecimento era tratado basicamente na seara doutrinária. Com efeito, o art. 1.142 dispõe que “considera-se estabelecimento todo complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária”. Confira-se, a propósito, a seguinte decisão do STJ:

3. O “estabelecimento comercial” é composto por patrimônio material e imaterial, constituindo exemplos do primeiro os bens corpóreos essenciais à exploração comercial, como mobiliários, utensílios e automóveis, e, do segundo, os bens e direitos industriais, como patente, nome empresarial, marca registrada, desenho industrial e o ponto (…) (REsp 633.179/MT, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, j. 02.12.2010, DJe 01.02.2011).

Portanto, o local em que o empresário exerce suas atividades – ponto de negócio – é apenas um dos elementos que compõem o estabelecimento empresarial, o qual, como visto, é composto também de outros bens materiais (equipamentos, máquinas etc.) e até mesmo bens imateriais48 (marca, patente de invenção etc.).

[…]

Assim sendo, o estabelecimento não se confunde com a empresa, uma vez que esta, conforme visto, corresponde a uma atividade. Da mesma forma, o estabelecimento não se confunde com o empresário, já que este é uma pessoa física ou jurídica que explora essa atividade empresarial e é o titular dos direitos e obrigações dela decorrentes. Mas, embora estabelecimento, empresa e empresário sejam noções que não se confundem, são conceitos que se inter-relacionam, podendo-se dizer, pois, que o estabelecimento, como complexo de bens usado pelo empresário no exercício de sua atividade econômica, representa a projeção patrimonial da empresa ou o organismo técnico-econômico mediante o qual o empresário atua.

[…]

Assim, finalizando a ideia lançada no início deste tópico, a partir do momento em que um empresário (empresário individual ou sociedade empresária) se registra na Junta Comercial e adota um nome empresarial, poderá iniciar suas atividades, sendo preciso, para tanto, que organize seu estabelecimento empresarial. Sendo assim, se foi constituída uma sociedade empresária limitada para explorar a atividade de fabricação e venda de artigos em couro, será necessário alugar ou adquirir um ponto de negócio, comprar máquinas e equipamentos, adquirir insumos e matéria-prima, contratar funcionários, criar e registrar uma marca, desenvolver uma determina tecnologia de produção (que pode até ser patenteada) etc. Tudo isso comporá, portanto, o estabelecimento empresarial dessa sociedade.

51
Q

Todos os bens da sociedade empresarial integram o estabelecimento?

A

Resumo

  • Nem todos os bens que compõem o patrimônio são, necessariamente, componentes também do estabelecimento empresarial, uma vez que, para tanto, será imprescindível que o bem, seja ele material ou imaterial, esteja ligado ao exercício da atividade-fim do empresário.
  • Nas sociedades empresariais, é difícil distinguir o estabelecimento de seu patrimônio. É mais fácil fazê-lo quando se trata de empresário individual.
  • Um clube de lazer para funcionário é um exemplo de bem que não integra o estabelecimento de sociedade empresarial.

Livro

[…] antes de analisar mais detidamente as normas do Código Civil relativas ao estabelecimento empresarial, é preciso fazer uma observação relevante, que diz respeito à importância de não confundir o estabelecimento empresarial com o patrimônio do empresário. Este é todo o conjunto de bens, direitos, ações, posse e tudo o mais que pertença a uma pessoa física ou jurídica e seja suscetível de apreciação econômica. Vê-se, pois, que nem todos os bens que compõem o patrimônio são, necessariamente, componentes também do estabelecimento empresarial, uma vez que, para tanto, será imprescindível que o bem, seja ele material ou imaterial, guarde um liame com o exercício da atividade-fim do empresário.

Isso porque o estabelecimento empresarial é o instrumento utilizado pelo empresário para a realização de sua atividade empresarial, razão pela qual só o compõem aqueles bens que estejam ligados ao exercício da atividade.

Esta distinção é percebida com mais facilidade quando analisamos a figura do empresário individual. Com efeito, o patrimônio do empresário individual – que é pessoa física – constitui-se de todos os bens, direitos e tudo o mais que seja de sua titularidade. O seu patrimônio, portanto, engloba tanto aqueles bens usados para o exercício da atividade empresarial quanto os seus bens particulares, não afetados ao exercício da empresa. O estabelecimento empresarial desse empresário individual, entretanto, corresponde apenas àqueles bens – materiais ou imateriais – que estejam afetados ao desenvolvimento de suas atividades econômicas. O estabelecimento pode ser visto, portanto, como um patrimônio de afetação. Nas sociedades empresárias, a distinção é deveras mais difícil, uma vez que, em tese, todos os bens da sociedade estarão, provavelmente, afetados ao exercício da empresa. Mas se pode pensar, por exemplo, no caso de uma grande sociedade possuir um imóvel que funcione como uma sede social ou um clube para o lazer de seus funcionários. Nesse caso, o imóvel pertence ao patrimônio da sociedade, mas não integra o seu estabelecimento empresarial, posto não estar afetado ao exercício de sua atividade-fim. Em suma: sem esse imóvel a sociedade exerce sua atividade econômica normalmente.

Se a sociedade empresária possui determinados bens, que integram seu ativo imobilizado, mas que não são utilizados em seu processo produtivo ou mercantil stricto sensu, não fazem parte do seu estabelecimento empresarial (…). Ou seja, sem eles a sociedade empresária consegue exercer sua atividade normalmente.

Sobre o assunto, o STJ já decidiu que “as mercadorias do estoque constituem um dos elementos materiais do estabelecimento empresarial, visto tratar-se de bens corpóreos utilizados na exploração da sua atividade econômica” (REsp 1.079.781/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. 14.09.2010, DJe 24.09.2010).

52
Q

Qual é a natureza jurídica do estabelecimento?

A

Resumo

  • O estabelecimento é considerado uma universalidade de fato, uma vez que os elementos que o compõem formam uma coisa unitária exclusivamente em razão da destinação que o empresário lhes dá, e não em virtude de disposição legal.

Livro

Teorias universalistas: consideram o estabelecimento empresarial uma universalidade, mas se dividem entre a sua caracterização como uma universalidade de direito ou como uma universalidade de fato.

Universalidade, segundo a doutrina, é um conjunto de elementos que, quando reunidos, podem ser concebidos como coisa unitária, ou seja, algo novo e distinto que não representa a mera junção dos elementos componentes.

Segundo a doutrina civilista, o que distingue a universitas iuris da universitas facti é o liame que une as coisas componentes de uma e de outra universalidade: na universalidade de direito, a reunião dos bens que a compõem é determinada pela lei (por exemplo: massa falida, espólio); na universalidade de fato, a reunião dos bens que a compõem é determinada por um ato de vontade (por exemplo: biblioteca, rebanho).

A universalidade de fato se apresenta como conjunto ligado pelo entendimento particular; enquanto a universalidade de direito consiste na pluralidade de coisas corpóreas e incorpóreas, a que a lei, para certos efeitos, atribui o caráter de unidade (como na herança, no patrimônio, na massa falida, etc.).

A doutrina brasileira majoritária, seguindo mais uma vez as ideias suscitadas pela doutrina italiana sobre o tema, sempre considerou o estabelecimento empresarial uma universalidade de fato, uma vez que os elementos que o compõem formam uma coisa unitária exclusivamente em razão da destinação que o empresário lhes dá, e não em virtude de disposição legal.

[…]

Resumidamente, o estabelecimento consagra um conjunto de bens corpóreos e incorpóreos, constituindo uma universalidade de fato, que pode ser objeto de negócios jurídicos. Não se trata, portanto, de unidade complexa de bens destinados a um fim determinado em lei (universitas iuris), mas de um conjunto de bens com finalidade vinculada à vontade do seu dono, que é o empresário (universitas rerum ou facti). Cada bem integrante do estabelecimento dispõe de individualidade, mas está intrinsecamente ligado ao complexo dos bens dispostos pelo empresário para o exercício da empresa.

Ressalte-se, por fim, que, sendo o estabelecimento uma universalidade de fato, ou seja, um complexo de bens organizado pelo empresário, ele não compreende os contratos, os créditos e as dívidas. Eis mais uma distinção que pode ser feita, portanto, entre estabelecimento e patrimônio, uma vez que este, ao contrário daquele, compreende até mesmo as relações jurídicas – direitos e obrigações – do seu titular.

53
Q

O adquirente de estabelecimento sucede o alienante em todos os débitos?

A

Resumo

  • Há sucessão nas dívidas relativas aos negócios (dívidas que não tenham a ver com a atividade, não), desde que regularmente contabilizadas;
  • O devedor primitivo continua solidariamente obrigado pelo prazo de um ano, a partir, quanto aos créditos vencidos, da publicação, e, quanto aos outros, da data do vencimento.
  • Essa regra não se aplica às dívidas tributárias e trabalhistas.

Livro

O art. 1.146 do Código Civil trata da chamada sucessão empresarial, estabelecendo que “o adquirente do estabelecimento responde pelo pagamento dos débitos anteriores à transferência, desde que regularmente contabilizados, continuando o devedor primitivo solidariamente obrigado pelo prazo de um ano, a partir, quanto aos créditos vencidos, da publicação, e, quanto aos outros, da data do vencimento”.

Pode-se concluir, portanto, que o adquirente do estabelecimento empresarial responde pelas dívidas existentes – contraídas pelo alienante –, desde que regularmente contabilizadas, isto é, constantes da escrituração regular do alienante, pois foram essas as dívidas de que o adquirente teve conhecimento quando da efetivação do negócio, normalmente precedido de procedimento denominado due diligence (medidas investigatórias sobre a real situação econômica do empresário alienante e dos bens que compõem o seu estabelecimento empresarial).

OBSERVAÇÃO:

É preciso deixar bastante claro, também, que essa sistemática de sucessão obrigacional prevista no art. 1.146 do Código Civil só se aplica às dívidas negociais do empresário, decorrentes das suas relações travadas em consequência do exercício da empresa (por exemplo, dívidas com fornecedores ou financiamentos bancários). Em se tratando, todavia, de dívidas tributárias ou de dívidas trabalhistas, não se aplica o disposto no art. 1.146 do Código Civil, uma vez que a sucessão tributária e a sucessão trabalhista possuem regimes jurídicos próprios, previstos em legislação específica (arts. 133 do CTN e 448 da CLT, respectivamente).

Art. 133. A pessoa natural ou jurídica de direito privado que adquirir de outra, por qualquer título, fundo de comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou profissional, e continuar a respectiva exploração, sob a mesma ou outra razão social ou sob firma ou nome individual, responde pelos tributos, relativos ao fundo ou estabelecimento adquirido, devidos até à data do ato:

I - integralmente, se o alienante cessar a exploração do comércio, indústria ou atividade;

II - subsidiariamente com o alienante, se este prosseguir na exploração ou iniciar dentro de seis meses a contar da data da alienação, nova atividade no mesmo ou em outro ramo de comércio, indústria ou profissão.

Art. 448 - A mudança na propriedade ou na estrutura jurídica da empresa não afetará os contratos de trabalho dos respectivos empregados.

Art. 448-A. Caracterizada a sucessão empresarial ou de empregadores prevista nos arts. 10 e 448 desta Consolidação, as obrigações trabalhistas, inclusive as contraídas à época em que os empregados trabalhavam para a empresa sucedida, são de responsabilidade do sucessor.

Parágrafo único. A empresa sucedida responderá solidariamente com a sucessora quando ficar comprovada fraude na transferência.

54
Q

A alienação de alguns ativos da empresa transferem ao adquirente dele a responsabilidade pelos débitos da sociedade empresarial?

A

Resumo

  • Para que se considere aperfeiçoado um trespasse, é necessário que o conjunto de bens transferidos mantenham a funcionalidade do estabelecimento. Ou seja, há de haver a transferência da universalidade de fato.
  • Sem isso, não há transferência de débitos.

Livro

Ademais, essa sistemática do art. 1.146 do Código Civil, sobretudo os seus efeitos obrigacionais, só se aplica “quando o conjunto de bens transferidos importar a transmissão da funcionalidade do estabelecimento empresarial” (Enunciado 233 do CJF). A observação é extremamente importante, uma vez que a natureza jurídica de universalidade de fato do estabelecimento empresarial dificulta muitas vezes a identificação de quando há ou não o trespasse. Na justificativa ao enunciado em questão, explicou o seu autor:

(…) não se pode olvidar que o estabelecimento é caracterizado por sua funcionalidade. Portanto, para falar em trespasse de estabelecimento, é necessário que haja a transferência de elementos suficientes à preservação de sua funcionalidade como tal, ou seja, a universalidade adquirida deve ser idônea a operar como estabelecimento, ainda que tenha sido decotado algum de seus elementos originais.

A exigência, pois, de que, para a caracterização do trespasse e consequente produção dos seus efeitos jurídicos, sobretudo obrigacionais, se verifique a transmissão da funcionalidade do estabelecimento como tal configura um relevante critério objetivo que ajuda a identificar, de forma mais precisa, as situações em que realmente se aperfeiçoa o contrato de trespasse.

55
Q

A cláusula de não concorrência prevista no art. 1.147 do CC restringe a exploração da atividade pelo alienante em todo território nacional?

Art. 1.147. Não havendo autorização expressa, o alienante do estabelecimento não pode fazer concorrência ao adquirente, nos cinco anos subseqüentes à transferência.

Parágrafo único. No caso de arrendamento ou usufruto do estabelecimento, a proibição prevista neste artigo persistirá durante o prazo do contrato.

A

Resumo

  • Como o Código não diz, cabe ao Juiz delimitá-la. O autor apresenta a seguinte orientação, com base na jurisprudência francesa:

A área de interdição varia com a natureza do comércio ou indústria em causa (…) – mais pesada, em regra, numa exploração industrial do que num comércio local, como mais pesada num comércio por grosso do que num comércio de retalho (…) – e com a natureza da clientela.

  • O autor defende uma interpretação teleológica do dispositivo: para ele, a limitação somente deve ser aplicada quando houver desvio de clientela:

“Não se deve interpretar a norma do art. 1.147 do Código Civil de forma a significar que o alienante do estabelecimento não pode se restabelecer, simplesmente. O que o dispositivo normativo visa é coibir a concorrência desleal, caracterizada pelo desvio de clientela. Sendo assim, não havendo esse desvio, não incidirá a proibição”.

Livro

Uma última observação a ser feita a respeito da cláusula de não concorrência se refere ao seu âmbito territorial de aplicação. Afinal, qual seria o limite geográfico de atuação do alienante? A proibição de se restabelecer é ampla ou restrita quanto a esse aspecto? Poderia o alienante se restabelecer em outro Estado?

A restrição da concorrência, a que, em princípio, fica sujeito o alienante, tem, como é óbvio, limites espaciais e temporais, que o juiz pode fixar soberanamente desde que a lei não o faça [hoje, no Brasil, a lei o faz – art. 1.147 do CC]. Foi o que logo se intuiu na mais antiga jurisprudência francesa, como se intuiu que, normalmente, a interdição de estabelecimento deve restringir-se ao local ou às vizinhanças do negócios cedido (…) pode abranger um bairro afastado (…) ou envolver toda uma cidade (…) e mesmo repercutir-se no estrangeiro (…). O que se entende, em suma, é que a área de interdição varia com a natureza do comércio ou indústria em causa (…) – mais pesada, em regra, numa exploração industrial do que num comércio local, como mais pesada num comércio por grosso do que num comércio de retalho (…) – e com a natureza da clientela. Do ponto de vista temporal a ideia é a de que a interdição termina quando passou tempo suficiente para se consolidarem os valores sui generis nas mãos do adquirente.

Parece-nos que a resposta a essas indagações não pode ser resolvida, a priori, por meio de uma afirmação genérica que valha para qualquer situação. Caberá ao julgador, analisando as circunstâncias fáticas do caso concreto, verificar se o eventual restabelecimento do alienante configura, de fato, concorrência ao adquirente; e, ainda, se essa concorrência está, de fato, provocando um desvio de clientela prejudicial ao adquirente. O elemento teleológico de interpretação, nesse caso, é de extrema importância, no nosso entender.

Não se deve interpretar a norma do art. 1.147 do Código Civil de forma a significar que o alienante do estabelecimento não pode se restabelecer, simplesmente. O que o dispositivo normativo visa é coibir a concorrência desleal, caracterizada pelo desvio de clientela. Sendo assim, não havendo esse desvio, não incidirá a proibição.

OBSERVAÇÃO:

[…] a jurisprudência do CADE se consolidou no sentido de que a simples previsão de cláusula de não concorrência fora dos limites geográficos do mercado relevante deve ser repelida, porque tal cláusula só se justificaria como elemento acessório do contrato que instrumentaliza o ato de concentração. Assim, se a operação se restringe a um mercado relevante geográfico específico, a cláusula, por ser acessória à operação, deveria também se restringir a esse mercado. O mesmo raciocínio, frise-se, vale para a duração temporal da cláusula: se ela, por exemplo, se refere a uma operação que envolve transferência de tecnologia, seu prazo não deveria ser superior ao tempo necessário a essa transferência, segundo o CADE.

CRÍTICA DE ANDRÉ:

Considerando-se que o CADE, à luz do ordenamento jurídico vigente, pode – e deve – intervir nos contratos que instrumentalizam atos de concentração empresarial submetidos ao seu julgamento – situação com a qual não concordamos de forma alguma, é bom ressaltar –, resta então saber quando tal intervenção é legítima, segundo a própria legislação antitruste brasileira. E a resposta é: essa intervenção só será legítima quando a operação puder causar danos, efetivos ou potenciais, à livre concorrência. Trata-se de pressuposto à atuação interventiva da autoridade antitruste, já que é justamente a defesa da livre concorrência o interesse institucional que supostamente legitima a limitação da autonomia da vontade das partes.

Ora, ausente a possibilidade de a operação causar danos ao ambiente concorrencial, por que intervir no contrato? Qual o fundamento para a mitigação da liberdade contratual nesse caso?

Parece-nos que intervenção da autoridade antitruste nos contratos firmados entre os agentes econômicos, nesse caso, configura uma indevida intromissão do Estado na esfera privada. As partes requerentes possuem profissionais especializados que as orientam quanto à celebração dos contratos que instrumentalizam atos de concentração empresarial. Assim, com base no cotejo das circunstâncias do caso com a jurisprudência do CADE, pode-se prever, com segurança, que uma determinada operação será aprovada pelo Conselho, em razão da flagrante ausência de preocupações concorrenciais. Nesse caso, as partes podem pactuar livremente as cláusulas contratuais, dentre elas a que disciplina a obrigação de não concorrência do alienante do estabelecimento empresarial. E mais: na legítima expectativa de que a operação será aprovada pela autoridade antitruste, as partes podem ter precificado a obrigação de não concorrência. A determinação posterior de alteração do contrato pode, consequentemente, atingir seriamente a equação econômica do contrato.

Por tudo o que se expôs, pode-se concluir que as cláusulas de não concorrência, do ponto de vista do direito empresarial, são estipulações contratuais legítimas e justificáveis, porque se destinam a proteger o adquirente de estabelecimento empresarial (fundo de comércio) contra um possível desvio de clientela. O Estado não deveria interferir em tais negociações, em respeito à autonomia da vontade que preside os contratos entre empresários.

No entanto, não é isso o que se verifica na prática. O ordenamento jurídico brasileiro criou, infelizmente, um órgão antitruste e dotou tal órgão, mais infelizmente ainda, de competência para intervir nos contratos entre empresários e determinar a alteração de cláusulas de não concorrência, quanto aos seus aspectos material, territorial ou temporal.

O pior é que o CADE tem extrapolado suas atribuições, intervindo em atos de concentração nos quais ele mesmo afirma não existir potencial lesivo à livre concorrência. A reconhecida ausência de preocupações concorrenciais de um determinado ato de concentração não legitima a intervenção do CADE na autonomia de vontade das partes, não sendo possível, nesse caso, mesmo à luz do ordenamento jurídico vigente, que o Conselho condicione a aprovação da operação a uma alteração contratual, como tem feito usualmente nos casos de cláusula de não concorrência.

56
Q

O adquirente de estabelecimento comercial tem direito a manter o contrato locatícios firmado pelo alienante?

A

Resumo

  • Nos contratos que não tiverem caráter pessoal haverá sub-rogação do adquirente.
  • Há discussão sobre se o contrato de locação é, ou não, pessoal para esse fim. Já houve edição de enunciado (n. 64) das Jornadas de Direito Civil e posteriormente cancelamento (o E. n. 234 é hoje no sentido de que não há sub-rogação)
  • O Enunciado n. 8 da Jornada de Direito Comercial é no sentido de que há sub-rogação do adquirente no conrtato de locação, in verbis:

“A sub-rogação do adquirente nos contratos de exploração atinentes ao estabelecimento adquirido, <u><strong>desde que não possuam caráter pessoal</strong></u>, é a regra geral<u><strong>, incluindo o contrato de locação</strong></u>”.

  • Contrato advocatício é um exemplo de contrato pessoal.

Livro

Segundo o art. 1.148 do Código Civil, “salvo disposição em contrário, a transferência importa a sub-rogação do adquirente nos contratos estipulados para exploração do estabelecimento, se não tiverem caráter pessoal, podendo os terceiros rescindir o contrato em noventa dias a contar da publicação da transferência, se ocorrer justa causa, ressalvada, neste caso, a responsabilidade do alienante”.

Discussão interessante, decorrente da interpretação do dispositivo, é a referente ao contrato de locação. Com efeito, entende parte da doutrina – e esse entendimento é até mesmo anterior à vigência do Código Civil – que um exemplo de contrato que se mantém vigente após a realização do trespasse é o contrato de locação. Nesse sentido, aliás, dispunha o Enunciado 64 do CJF, aprovado na II Jornada de Direito Civil: “a alienação do estabelecimento empresarial importa, como regra, na manutenção do contrato de locação em que o alienante figurava como locatário”. Todavia, o referido enunciado foi cancelado na III Jornada de Direito Civil, realizada no ano seguinte, e substituído pelo Enunciado 234, o qual dispõe: “quando do trespasse do estabelecimento empresarial, o contrato de locação do respectivo ponto não se transmite automaticamente ao adquirente”. Mais recentemente, na I Jornada de Direito Comercial, foi aprovado o Enunciado 8, com o seguinte teor: “A sub-rogação do adquirente nos contratos de exploração atinentes ao estabelecimento adquirido, desde que não possuam caráter pessoal, é a regra geral, incluindo o contrato de locação”.

A matéria, como se pode perceber, é deveras polêmica. Na minha opinião, pela legislação brasileira (art. 13 da Lei 8.245/1991), o contrato de locação tem caráter pessoal (intuitu personae). Portanto, na interpretação do art. 1.148 do Código Civil, deve-se entender necessária a concordância prévia do locador do imóvel onde se situa o ponto de negócio para que o adquirente do estabelecimento suceda o alienante como locatário.

Outros contratos, como o de prestação de serviços específicos, também não se transmitem automaticamente ao adquirente do estabelecimento empresarial trespassado, uma vez que possuem caráter pessoal no seu cumprimento, razão pela qual não se submetem à regra geral de sub-rogação prevista no início do caput do art. 1.148 do Código Civil. O mesmo ocorre, também, com um contrato que se mantinha com um advogado ou escritório de advocacia.

57
Q

O trespasse implica a cessão dos crédito referentes ao estabelecimento? Ou seja, publicada a transferência, o devedores do estabelecimento ficam obrigado a pagar a dívida ao adquirente, e não mais ao antigo proprietário?

A

O art. 1.149 do Código Civil, por sua vez, prevê que “a cessão dos créditos referentes ao estabelecimento transferido produzirá efeito em relação aos respectivos devedores, desde o momento da publicação da transferência, mas o devedor ficará exonerado se de boa-fé pagar ao cedente”.

Dentre os bens materiais integrantes do estabelecimento comercial, a transferência implica também a cessão de todos os créditos contabilizados no ativo da empresa. A partir da publicação do ato de arquivamento de transferência na Junta Comercial, ocorrerá a produção dos efeitos jurídicos com relação aos créditos do estabelecimento perante terceiros, cabendo aos devedores da empresa, a partir desse momento, efetuar os pagamentos das dívidas vencidas e vincendas perante o adquirente, que se equipara ao cessionário dos créditos. Se o devedor, de boa-fé, pagar a dívida ao alienante do estabelecimento, ficará exonerado da obrigação, cabendo, então, ao adquirente proceder à cobrança contra o cedente.

58
Q

O sítio virtual de uma sociedade empresária pode ser considerado um ponto de negócio?

A

Um dos principais elementos do estabelecimento empresarial é o chamado ponto de negócio, local em que o empresário exerce sua atividade e se encontra com a sua clientela. Nos dias atuais, não se deve entender o ponto de negócio apenas como local físico, em função da proliferação dos negócios via internet. Assim, o ponto pode ter existência física ou virtual. Este seria o site, ou seja, o endereço eletrônico por meio do qual os clientes encontram o empresário. Em suma: o site de determinado empresário individual ou sociedade empresária é o seu ponto empresarial virtual ou ponto de negócio virtual.

59
Q

Em que consiste o direito de inerência ao ponto?

A

Resumo

  • O ponto é o local em que o empresário se estabelece. É um fato decisivo do negócio, e o empresário tem interesse em mantê-lo.
  • Direito de inerência ao ponto é o interesse, juridicamente protegido, do empresário relativo à permanência de sua atividade no local onde se encontra estabelecido.
  • Tal direito é concretizado pela possibilidade de renocação do contrato de aluguel, prevista pela Lei do Inquilinato.
  • Só deve ser assegurada ao empresário que realmente tenha agregado valor ao local onde exerce suas atividades, transformando-o em fator atrativo da clientela.
  • O direito se estende ao cessionário do negócio.
  • São previstas 5 hipóteses de exceção de retomada para impedir a renovação.
  • Caberá indenização caso o proprietário não der a destinação ao bem que justificou a não renovação.

Livro

O ponto – também chamado de “propriedade comercial” – é o local em que o empresário se estabelece. É um dos fatores decisivos para o sucesso do seu empreendimento. Por essa razão, o interesse voltado à permanência no ponto é prestigiado pelo direito. Não apenas porque a mudança do estabelecimento empresarial costuma trazer transtornos, despesas, suspensão da atividade, perda de tempo, mas principalmente porque pode acarretar prejuízos ou redução de faturamento em função da nova localização, o empresário tem interesse em manter o seu negócio no local em que se encontra. Claro que, por vezes, a mudança pode se revelar um fator de crescimento da atividade econômica explorada, mas isto cabe ao empresário dimensionar. Se ele considera mais útil ao seu negócio permanecer no local em que se encontra estabelecido, este seu interesse é legítimo e goza de tutela jurídica. Proponho denominar-se direito de inerência ao ponto o interesse, juridicamente protegido, do empresário relativo à permanência de sua atividade no local onde se encontra estabelecido.

A lei a que nos referimos anteriormente, a qual garante esse direito de inerência ao empresário locatário, é a Lei 8.245/1991, que, na seção III do capítulo II do Título I, cuida da chamada locação não residencial (rectius, locação empresarial).

Segundo o disposto no art. 51 da referida lei, “nas locações de imóveis destinados ao comércio, o locatário terá direito a renovação do contrato, por igual prazo, desde que, cumulativamente: I – o contrato a renovar tenha sido celebrado por escrito e com prazo determinado; II – o prazo mínimo do contrato a renovar ou a soma dos prazos ininterruptos dos contratos escritos seja de cinco anos; III – o locatário esteja explorando seu comércio, no mesmo ramo, pelo prazo mínimo e ininterrupto de três anos”.

Vê-se, pois, que a tutela especial que o ordenamento jurídico confere ao empresário locatário, consistente na possibilidade de requerer por meio de ação própria – a ação renovatória – a renovação compulsória do contrato de locação, só deve ser assegurada ao empresário que realmente tenha agregado valor ao local onde exerce suas atividades, transformando-o em fator atrativo da clientela.

Preenchendo, pois, os requisitos formal (contrato escrito e por prazo determinado), temporal (mínimo de cinco anos de relação contratual contínua) e material (mínimo de três anos na exploração de atividade no mesmo ramo) supramencionados, o empresário locatário passa a ter o já mencionado direito de inerência ao ponto, que poderá ser defendido em juízo por meio de uma ação renovatória do contrato de aluguel.

Quanto ao requisito temporal, destaque-se que o período contratual de 5 (cinco) anos exigido pela legislação não precisa, necessariamente, ter sido obtido por meio de um único contrato, podendo ser alcançado também pela soma dos prazos de vários contratos escritos, desde que a relação contratual não tenha sofrido interrupção. Quanto a esse assunto, vale ressaltar ainda que a lei estende a proteção do ponto ao cessionário ou sucessor da locação (art. 51, § 1.º, da Lei 8.245/1991). Sobre o tema, estabelece o Enunciado 482 da súmula de jurisprudência dominante do STF que “o locatário, que não for sucessor ou cessionário do que o precedeu na locação, não pode somar os prazos concedidos a este, para pedir a renovação do contrato, nos termos do Dec. 24.150 [diploma legislativo aplicável na época da aprovação do enunciado sumular]”.

[…]

Mas esse direito à renovação compulsória do contrato é absoluto? Parecenos que não. Com efeito, o direito de inerência do locatário está previsto em legislação ordinária (Lei 8.245/1991), e se choca frontalmente com o direito de propriedade do locador, o qual é protegido constitucionalmente (art. 5.º, inciso XXII, da CF/1988). Por essa razão, não se pode admitir que o direito de inerência do locatário aniquile totalmente o direito de propriedade do locador. Fosse assim, a legislação infraconstitucional em enfoque incorreria, irremediavelmente, em vício de inconstitucionalidade.

Sendo assim, a própria Lei 8.245/1991 estabelece alguns casos em que o locatário, mesmo tendo preenchido os requisitos que lhe asseguram, em tese, o direito de inerência ao ponto, não terá assegurado o direito à renovação do contrato de aluguel. Nesses casos, previstos expressamente na lei, o locador poderá retomar o imóvel locado, uma vez que o seu direito de propriedade prevalecerá sobre o direito do locatário de permanecer no local.

Essas hipóteses legais que autorizam a retomada do imóvel pelo locador, mesmo quando preenchidos os requisitos ao reconhecimento do direito de inerência do locatário, estão previstas nos arts. 52 e 72 da Lei 8.245/1991. Na ocorrência de uma delas, o locador vai poder fazer uso da chamada exceção de retomada. São cinco, ao todo, os casos previstos na lei. Se o locador tiver razão, e a ação for julgada improcedente, o juiz determinará a desocupação do imóvel, nos termos da lei.

A primeira hipótese (art. 72, inciso II) é a de o locatário fazer uma proposta insuficiente para a renovação do contrato de aluguel. Esta insuficiência é aferida em função do valor locativo real do imóvel. Assim, se o locatário, mesmo preenchendo os requisitos do art. 52 da lei, fizer uma nova proposta de aluguel abaixo do valor locativo do bem, o locador não será obrigado a renovar o contrato. Ressalte-se, porém, que “o locador deverá apresentar, em contraproposta, as condições de locação que repute compatíveis com o valor locativo real e atual do imóvel” (art. 72, § 1.º, da Lei 8.245/1991).

A segunda hipótese (art. 72, inciso III, da Lei 8.245/1991) é a de o locador possuir uma proposta de aluguel feita por um terceiro, em melhores condições que a proposta do locatário. Nesse caso, “o locador deverá juntar prova documental da proposta do terceiro, subscrita por este e por duas testemunhas, com clara indicação do ramo a ser explorado, que não poderá ser o mesmo do locatário”, podendo o locatário, “em réplica, aceitar tais condições para obter a renovação pretendida” (art. 72, § 2.º). Ressalte-se que nessa situação, todavia, embora possa retomar o imóvel, o locador deverá indenizar o locatário pela perda do ponto, conforme disposição contida no art. 52, § 3.º, da Lei 8.245/1991. Essa indenização será arbitrada pelo juiz para ressarcir os prejuízos e os lucros cessantes que o locatário tiver que arcar com mudança, perda do lugar e desvalorização do estabelecimento empresarial.

A terceira hipótese (art. 52, inciso I) é a de o locador precisar fazer uma reforma substancial no imóvel locado, seja “por determinação do Poder Público” ou “para fazer modificações de tal natureza que aumente o valor do negócio ou da propriedade”. O locador, na contestação, “deverá trazer prova da determinação do Poder Público ou relatório pormenorizado das obras a serem realizadas e da estimativa de valorização que sofrerá o imóvel, assinado por engenheiro devidamente habilitado” (art. 72, § 3.º).

A quarta hipótese (art. 52, inciso II, primeira parte) é a de o locador necessitar do imóvel para uso próprio, e a quinta hipótese (art. 52, inciso II, parte final) é a de ele precisar do imóvel para transferência de estabelecimento empresarial existente há mais de um ano cuja maioria do capital seja de sua titularidade ou de seu cônjuge, ascendente ou descendente.

Nestas duas últimas hipóteses, retomado o imóvel, este “não poderá ser destinado ao uso do mesmo ramo do locatário”, salvo se se tratava de locação-gerência, ou seja, aquela em que o aluguel também envolvia o próprio estabelecimento empresarial, com as instalações e pertences necessários ao exercício da atividade (art. 52, § 1.º, da Lei 8.245/1991). Alguns autores, notadamente Fábio Ulhoa Coelho, sustentam que essa restrição imposta pela norma supramencionada é inconstitucional, por estabelecer uma limitação desarrazoada ao direito de propriedade do locador. Segundo o autor, a retomada do imóvel para uso próprio imóvel não deveria sofrer nenhuma limitação. Em contrapartida, caso o locador queira se estabelecer no mesmo ramo de atividade em que o locatário atuava, deverá indenizá-lo pela perda do ponto.

Por fim, cumpre ressaltar que a lei determina que, nas últimas três hipóteses (reforma substancial, uso próprio ou transferência de estabelecimento empresarial), o locador tem um prazo de 03 (três) meses (salvo caso fortuito ou força maior), contados a partir da entrega do imóvel, para dar a este o destino alegado ou iniciar as obras determinadas pelo Poder Público ou que declarou pretender realizar, sob pena de ter que indenizar o locatário pelos prejuízos e lucros cessantes que tiver que arcar com mudança, perda do lugar e desvalorização do estabelecimento empresarial (art. 52, § 3.º, da Lei 8.245/1991).

O STJ também entende que o locatário tem direito à indenização se o locador der ao bem destinação diversa daquela declarada na ação renovatória.

60
Q

Qual é a natureza jurídica do contrato de shopping center?

A

Resumo

  • O autor defende que se trata de um contrato de locação sui generis.
  • A doutrina majoritária e o STJ dizem que é um contrato atípico misto, “ensejando locação de bens e serviçosensejando locação de bens e serviços”.
  • A remuneração se dá por percentual do faturamento.
  • Relação associativa entre empreendedor e lojistas, que envolve estratégia de fornecimento de bens e serviços e cuja finalidade principal é a rentabilidade pela venda de mercadorias, de que ambos se aproveitam.
  • Nesse tipo de contrato, não cabe alegar, para a retomada do imóvel, a necessidade do bem para uso próprio, nem para transferência de estabelecimento empresarial existente há mais de um ano cuja maioria do capital seja de sua titularidade ou de seu cônjuge, ascendente ou descendente (art. 52, § 2.º, da Lei 8.245/1991).

Livro

A doutrina diverge acerca da natureza jurídica do contrato de shopping center, dadas as suas peculiaridades. Entendemos que se trata de contrato de locação sui generis. Com efeito, não obstante o contrato de shopping center apresentar algumas características singulares, estas não são suficientes para retirar-lhe a natureza locatícia, tanto que a Lei de Locações (Lei 8.245/1991) disciplina o referido contrato, determinando, em seu art. 54, que “nas relações entre lojistas e empreendedores de shopping center, prevalecerão as condições livremente pactuadas nos contratos de locação respectivos e as disposições procedimentais previstas nesta Lei”. Todavia, o entendimento majoritário parece ser o de que se trata de contrato atípico misto. Aliás, essa natureza atípica mista foi expressamente identificada pelo Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial 178.908, em cuja ementa afirma-se que “os contratos de locação de espaços em shopping center são contratos atípicos, ensejando locação de bens e serviços”. Segundo a relatora, Ministra Eliana Calmon: “neste contrato atípico, falsamente chamado de contrato de locação, o traço marcante é a forma de remuneração, o chamado aluguel percentual, pois em vez de pagar quantia fixa, o lojista entrega parte do valor do seu faturamento (…). O aspecto mais interessante do shopping center e que o distingue como contrato atípico, é o propósito principal: relação associativa entre empreendedor e lojistas, que põem em prática um plano estratégico que mistura produtos e serviços, com vista a um fim comum: rentabilidade pela venda de mercadorias, da qual participam ambos”.

[…]

Por fim, destaque-se que a legislação admite a propositura de ação renovatória nos contratos de locação de espaços em shopping centers. Nesse caso, previu a lei que não cabe alegar, para a retomada do imóvel, a necessidade do bem para uso próprio, nem para transferência de estabelecimento empresarial existente há mais de um ano cuja maioria do capital seja de sua titularidade ou de seu cônjuge, ascendente ou descendente (art. 52, § 2.º, da Lei 8.245/1991).

61
Q

Em que consiste a cláusula de raio relativa aos contratos de shopping centers?

A

Resumo

  • Cláusula proibindo o locatário de também se instalar em shopping concorrente durante a vigência do negócio.
  • O CADE já impôs restrição a esse tipo de cláusula.
  • O autor tece críticas a decisão, afirmando que deve-se evitar a interferência estatal e privilegiar a autonomia da vontade.
  • O STJ já rejeitou alegação de abusividade da cláusula, enaltecendo o princípio da livre-iniciativa.

Livro

A cláusula de raio é comumente utilizada nos contratos de shopping center. Analisada sob a ótica do direito privado, em demandas entre lojistas e os respectivos shopping centers, os tribunais brasileiros já admitiram sua validade.

Apelação. Ação renovatória. Locação entre shopping center e lojista. Cláusula proibindo o locatário de também se instalar em shopping concorrente durante a vigência do negócio. Validade, em tese, da disposição contratual, denominada cláusula de raio. Relação peculiar oriunda do contrato celebrado entre shopping centers e lojistas, caracterizando, não uma mera locação, mas <strong>parceria de negócios</strong> entre empreendedor e lojistas. Ampla liberdade para a celebração de contratos do gênero, nos termos do art. 54 da Lei 8.245/91. (…) (TJSP, Apelação com Revisão 816.681-0/4, Rel. Des. Ricardo Pessoa de Mello Belli, j. 18.10.2005, DJ 25.10.2005).

No entanto, o CADE, ao analisar o tema sob a ótica do direito concorrencial, entendeu que em alguns casos ela viola o princípio da livre concorrência e pode configurar, pois, prática anticompetitiva.

Processo administrativo. Imposição de cláusula de raio aos lojistas nos contratos de locação comercial do Shopping Center Iguatemi. Irrazoabilidade. Conduta tendente ao fechamento do mercado relevante de shopping centers de alto padrão, configurando infração à ordem econômica, nos termos do art. 21, IV e V, c/c art. 20, I, da Lei 8.884/94. (…) (CADE, PA 08012.006636/1997-43, Rel. Cons. Luís Fernando Rigatto Vasconcelos, j. 04.09.2007).

Não podemos concordar com esse entendimento do CADE. Conforme veremos no capítulo sobre contratos empresariais, nestas relações a autonomia da vontade das partes deve prevalecer, evitando-se ao máximo a intervenção estatal. A propósito, foi esse o entendimento manifestado pela Quarta Turma do STJ em 2016, em julgamento no qual se considerou lícita a inserção de cláusula de raio em contratos de locação em shopping centers:

6. Na hipótese, a “cláusula de raio” inserta em contratos de locação de espaço em shopping center ou normas gerais do empreendimento não é abusiva, pois o shopping center constitui uma estrutura comercial híbrida e peculiar e as diversas cláusulas extravagantes insertas nos ajustes locatícios servem para justificar e garantir o fim econômico do empreendimento. 7. O controle judicial sobre eventuais cláusulas abusivas em contratos de cunho empresarial é restrito, face a concretude do princípio da autonomia privada e, ainda, em decorrência de prevalência da livre-iniciativa, do pacta sunt servanda, da função social da empresa e da livre concorrência de mercado.(REsp 1.535.727/RS, Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, j. 10.05.2016, DJe 20.06.2016).

62
Q

Em que consiste o aviamento?

A

Resumo

  • Aviamento: aptidão que um determinado estabelecimento possui para gerar lucros ao exercente da empresa. Embora não se confunda com a clientela, está a ela intrinsecamente relacionado.
  • A doutrina divide o aviamento em objetivo (qualidades do estabelecimento) e subjetivo (qualidados do empresário).
  • É em função do aviamento, sobretudo, que se calcula o valor de um estabelecimento empresarial.
  • Valor organizacional + valor dos bens, produzindo empresa lucrativa = aviamento.
  • Os bens da Microsoft tem um valor muito inferior àquele representado pela soma deles com sua articulação e sua capacidade de gerar lucros.

Livro

Aviamento é expressão que significa, em síntese, a aptidão que um determinado estabelecimento possui para gerar lucros ao exercente da empresa. Embora não se confunda com a clientela, está a ela intrinsecamente relacionado. Trata-se, enfim, de uma qualidade ou atributo do estabelecimento, que vai influir sobremaneira na sua valoração econômica.

A doutrina ainda costuma subdividir o aviamento em objetivo (ou real), quando derivado de condições objetivas, como o local do ponto, e subjetivo (ou pessoal), quando derivado de condições subjetivas, ligadas às qualidades pessoais do empresário.

É em função do aviamento, sobretudo, que se calcula o valor de um estabelecimento empresarial, como dito anteriormente. É por isso que muitas vezes um determinado estabelecimento é vendido por preço muito superior ao seu valor patrimonial, o qual representa apenas uma mera soma dos bens que o compõem. Para exemplificar, Gladston Mamede cita o caso da Microsoft, do bilionário Bill Gates, que em 1999 atingiu um valor de mercado igual a U$ 507,5 bilhões, o que lhe valeu o posto, naquele momento, de empresa mais cara da história. Pois bem. Não obstante seu valor de mercado fosse mais de quinhentos bilhões de dólares, a Microsoft possuía “apenas” U$ 11 bilhões em ativos reais e faturava anualmente U$ 15 bilhões, sendo então a 127.ª maior empresa do mundo.

Conforme demonstrado, o estabelecimento empresarial é composto por um conjunto de bens corpóreos e incorpóreos. Se, individualmente, somássemos o valor de cada um desses elementos, obteríamos a quantia X. Todavia, como esses elementos foram unidos pelo empresário ou sociedade racionalmente, de modo a constituir um todo produtivo capaz de gerar lucros, compondo uma empresa (atividade econômica), o valor do conjunto é X + Y. Ao valor organizacional acrescido aos bens que compõem o estabelecimento, de modo que constituam uma empresa produtora de riquezas, dá-se o nome de “aviamento” (achalandage).

63
Q

Em que consiste o fundo de comércio?

A

(…) 1. A jurisprudência desta Corte consolidou-se no sentido de incluir na indenização de empresa expropriada o valor do fundo de comércio. 2. O fundo de comércio é considerado patrimônio incorpóreo, sendo composto de bens como nome comercial, ponto comercial e aviamento, entendendo-se como tal a aptidão que tem a empresa de produzir lucros. 3. A empresa que esteja temporariamente paralisada ou com problemas fiscais, tal como intervenção estatal, não está despida do seu patrimônio incorpóreo, o qual oscila de valor, a depender do estágio de sua credibilidade no mercado. Situação devidamente sopesada pelo Tribunal de origem que adotou o arbitramento feito pelo perito, estimando o fundo de comércio em 1/3 (um terço) do patrimônio líquido ajustado a 31.05.1985. (…) (REsp 704.726/RS, Rel. Min. Eliana Calmon, 2.ª Turma, j. 15.12.2005, DJ 06.03.2006 p. 329).

64
Q

Qual a diferença entre clientela e freguesia?

A

Resumo

  • A clientela é uma manifestação externa do aviamento, significando todo o conjunto de pessoas que se relacionam constantemente com o empresário.
  • Portanto, a clientela, a exemplo do aviamento, também não é um elemento do estabelecimento, mas apenas uma qualidade ou um atributo dele.
  • A freguesia, por fim, “é um critério geográfico, sem vínculo de lealdade, representado por aquele núcleo transeunte, passageiro, que somente adquire produtos de determinado estabelecimento por razões particulares, pessoais, de ordem subjetiva, como a localização, a vizinhança, a comodidade ou o fato de por acaso ter passado pelo estabelecimento”.

Livro

A clientela, por sua vez, é o conjunto de pessoas que mantém com o empresário ou sociedade empresária relações jurídicas constantes. Alguns também usam a expressão freguesia, embora tecnicamente as expressões tenham significados distintos. A clientela é uma manifestação externa do aviamento, significando todo o conjunto de pessoas que se relacionam constantemente com o empresário. Sua proteção jurídica é determinada pelas normas do direito concorrencial e pelos diversos institutos técnico-jurídicos que viabilizam a livre-iniciativa e a livre concorrência. Portanto, a clientela, a exemplo do aviamento, também não é um elemento do estabelecimento, mas apenas uma qualidade ou um atributo dele.

A freguesia, por fim, “é um critério geográfico, sem vínculo de lealdade, representado por aquele núcleo transeunte, passageiro, que somente adquire produtos de determinado estabelecimento por razões particulares, pessoais, de ordem subjetiva, como a localização, a vizinhança, a comodidade ou o fato de por acaso ter passado pelo estabelecimento”. Fregueses, pois, são as pessoas que passam em frente ao ponto de negócio, em razão de sua localização geográfica.

65
Q

O contabilista responde por prejuízos suportados por terceiros caso tenha auxiliado na prática de caixa 2?

A

[…] não custa lembrar a regra do parágrafo único do art. 1.177, já mencionada no tópico antecedente, que prevê a responsabilidade solidária entre prepostos e preponentes, perante terceiros, quando o preposto agir dolosamente. Sendo assim, caso um contador, no exercício de suas funções, crie o chamado caixa dois, falsificando a escrituração do seu empresário preponente de forma dolosa, deve responder perante terceiros? A resposta, obviamente, é afirmativa, e a justificativa legal está justamente no art. 1.177, parágrafo único, do Código Civil.

Art. 1.177. Os assentos lançados nos livros ou fichas do preponente, por qualquer dos prepostos encarregados de sua escrituração, produzem, salvo se houver procedido de má-fé, os mesmos efeitos como se o fossem por aquele.

Parágrafo único. No exercício de suas funções, os prepostos são pessoalmente responsáveis, perante os preponentes, pelos atos culposos; e, perante terceiros, solidariamente com o preponente, pelos atos dolosos.

66
Q

O gerente é o administrador da pessoa jurídica?

A

Os gerentes [na acepção aqui utilizada] não se confundem com os administradores da pessoa jurídica. Estes últimos não são prepostos, mas representantes da pessoa jurídica, quer dizer, por atuarem na qualidade de mandatários dos sócios, como ocorre nas sociedades ditas de pessoas ou contratuais, quer como órgão seu, tal como se dá nas sociedades anônimas.

Segundo o art. 1.172 do Código Civil, “considera-se gerente o preposto permanente no exercício da empresa, na sede desta, ou em sucursal, filial ou agência”. Como o gerente é o preposto ao qual se atribuem funções de chefia, dispõe o art. 1.173 do Código Civil que, “quando a lei não exigir poderes especiais, considera-se o gerente autorizado a praticar todos os atos necessários ao exercício dos poderes que lhe foram outorgados”.

67
Q

O empresário pode se responsabilizado por atos do gerente que ultrapassem seus poderes?

A

Não obstante os poderes do gerente serem amplos, como dito anteriormente, pode o empresário, por óbvio, limitá-los. Nesse caso, para que a limitação produza efeitos perante terceiros, deverá o empresário (i) registrá-la na Junta Comercial, por meio de averbação junto ao ato constitutivo lá arquivado ou (ii) provar que a limitação de poderes era conhecida daquele que contratou com o gerente (art. 1.174 do Código Civil). Nessas situações, portanto, caso o gerente extrapole seus poderes, o empresário não responderá pelas obrigações contraídas perante terceiros, cabendo a eles voltar-se diretamente contra o gerente. Entendemos que isso contraria a teoria da aparência, gerando insegurança jurídica. A lei deveria ter previsto a responsabilidade do empresário pelos atos excessivos dos gerentes, resguardando a possibilidade de agirem em regresso contra eles quando provada atuação culposa ou dolosa.

Por fim, registre-se ainda que o gerente pode atuar, eventualmente, em seu nome, mas por conta do preponente empresário – como ocorre nos contratos de comissão mercantil, por exemplo, que serão analisados com detalhes oportunamente. Nesse caso, dispõe o art. 1.175 do Código Civil que “o preponente responde com o gerente pelos atos que este pratique em seu próprio nome, mas à conta daquele”.

Art. 1.174. As limitações contidas na outorga de poderes, para serem opostas a terceiros, dependem do arquivamento e averbação do instrumento no Registro Público de Empresas Mercantis, salvo se provado serem conhecidas da pessoa que tratou com o gerente.

Parágrafo único. Para o mesmo efeito e com idêntica ressalva, deve a modificação ou revogação do mandato ser arquivada e averbada no Registro Público de Empresas Mercantis.

Art. 1.175. O preponente responde com o gerente pelos atos que este pratique em seu próprio nome, mas à conta daquele.