Direito Falimentar e Recuperacional - André Flashcards
Quais são as principais alterações trazidas pela Lei 11.101\2005?
O principal destaque a ser feito acerca da Lei 11.101/2005 está relacionado à clara influência que ela sofreu do princípio da preservação da empresa, o qual, segundo alguns autores, tem origem remota na própria Constituição Federal, que acolheu a valorização do trabalho humano e a livre-iniciativa como princípios jurídicos fundamentais.
Dentre as principais alterações trazidas pela Lei 11.101/2005, já batizada de Lei de Recuperação de Empresas (LRE), podemos citar: (i) a substituição da ultrapassada figura da concordata pelo instituto da recuperação judicial; (ii) o aumento do prazo de contestação, de 24 horas para 10 dias; (iii) a exigência de que a impontualidade injustificada que embasa o pedido de falência seja relativa à dívida superior a 40 salários mínimos; (iv) a redução da participação do Ministério Público no processo falimentar; (v) a alteração de regras relativas ao síndico, que passa a ser chamado agora de administrador judicial; (vi) a mudança na ordem de classificação dos créditos e a previsão de créditos extraconcursais; (vii) a alteração nas regras relativas à ação revocatória; (viii) o fim da medida cautelar de verificação de contas; (ix) o fim do inquérito judicial para apuração de crime falimentar; e (x) a criação da figura da recuperação extrajudicial.
Qual é a natureza jurídica da falência: de direito processual ou de direito material?
Resumo
- Caráter híbrido ou complexo da falência, diante da confluência de normas processuais e materiais no arcabouço jurídico-falimentar.
Livro
O direito falimentar é extremamente complexo, razão pela qual se estabeleceu, há muito tempo, intrigante polêmica acerca da natureza jurídica da falência: afinal, seria ela instituto de direito material ou de direito processual?
Sérgio Campinho, acolhendo ensinamentos de Carvalho de Mendonça, afirma que a discussão em questão é “acadêmica e inócua” e lembra que ela atravessa os mais variados ramos da árvore jurídica, contendo normas “de fundo e de forma, não havendo que se falar na prevalência do caráter material ou processual do instituto, pois a feição híbrida lhe é peculiar”.
Com efeito, a despeito de a falência se desenvolver, conforme já ressaltamos, como uma execução concursal do devedor empresário insolvente, o que lhe confere natureza nitidamente processual, a legislação falimentar também regula, por exemplo, os efeitos da decretação da quebra em relação aos bens, à pessoa, aos contratos e aos atos do falido, situação em que estabelece preceitos de ordem claramente material.
Não há como deixar de reconhecer, pois, o caráter híbrido ou complexo da falência, diante da confluência de normas processuais e materiais no arcabouço jurídico-falimentar.
Quais são os princípios que orientam o processo de falência?
Resumo
- Princípio da preservação da empresa;
- Princípio da maximização dos ativos;
- Princípio da celeridade e economia processual.
Livro
Segundo o art. 75 da LRE, “a falência, ao promover o afastamento do devedor de suas atividades, visa a preservar e otimizar a utilização produtiva dos bens, ativos e recursos produtivos, inclusive os intangíveis, da empresa”.
O objetivo primordial do processo falimentar, segundo o dispositivo ora em análise, é “promover o afastamento do devedor de suas atividades” visando a “preservar e otimizar a utilização produtiva dos bens, ativos e recursos produtivos, inclusive os intangíveis, da empresa”. Aqui se destacam dois importantes princípios do Direito Falimentar moderno: (i) o princípio da preservação da empresa e (ii) o princípio da maximização dos ativos.
De fato, sabendo-se que empresa é uma atividade econômica organizada para produção ou circulação de bens ou serviços (art. 966 do Código Civil), nota-se que a decretação da falência do devedor (empresário individual ou sociedade empresária) não acarreta, necessariamente, o fim da atividade (empresa) que ele exercia. Essa atividade (empresa) pode continuar sob a responsabilidade de outro empresário (empresário individual ou sociedade empresária), caso ocorra, por exemplo, a venda do estabelecimento empresarial do devedor, nos termos do art. 140, I, da LRE.
Portanto, é por isso que a lei, no artigo em comento, fala em preservar e otimizar a utilização produtiva dos ativos, mesmo após o afastamento do devedor. Mantendo-se a empresa em funcionamento, evita-se que seus ativos – sobretudo ativos intangíveis, como uma marca – se desvalorizem ou se deteriorem, por exemplo. Isso contribui para que, no curso do processo falimentar, quando for realizada a venda dos bens, consigam-se interessados em adquirir o estabelecimento empresarial do devedor, dando continuidade à atividade que ele desenvolvia (princípio da preservação da empresa). Ademais, evitando-se a desvalorização e a deterioração, consegue-se fazer com que no momento da venda esta seja feita por um preço justo, o que em última análise interessa aos credores da massa, visto que o dinheiro arrecadado será usado para o pagamento de seus créditos (princípio da maximização dos ativos).
Por fim, registre-se também que o artigo em análise, em seu parágrafo único, ainda prevê que “o processo de falência atenderá aos princípios da celeridade e da economia processual”. Com efeito, quanto mais rápido o processo falimentar se desenvolver, melhor será para todos, haja vista que o tempo, nesse caso, só contribui para a desvalorização e a deterioração dos ativos do devedor e para o atraso no pagamento dos credores.
Quais são os pressupostos da falência?
Resumo
Pressuposto material subjetivo -> qualidade de empresário do devedor;
Pressuposto material objetivo -> insolvência do devedor;
Pressuposto formal -> sentença de falência.
Livro
A doutrina aponta que são três os pressupostos da falência: o primeiro, denominado de pressuposto material subjetivo, consiste na qualidade de empresário do devedor; o segundo, denominado de pressuposto material objetivo, é consubstanciado na insolvência do devedor; e o terceiro, por fim, denominado de pressuposto formal, é a sentença que a decreta.
Assim sendo, o regime de execução concursal especial a que nos referimos anteriormente só se instaura quando presentes os pressupostos acima listados: o devedor empresário, a sua insolvência e a consequente sentença judicial de decretação da falência.
[…]
Portanto, antes do início do processo falimentar propriamente dito, se estabelece toda uma fase pré-falimentar, que vai do pedido de falência até a sua eventual decretação. É o que passaremos a analisar a seguir.
A LRE aplica-se à sociedade simples?
Resumo
- Não se aplica à sociedade simples, associação cooperativa, fundação, partido político.
- Só se aplica aos empresários individuais e as sociedades empresárias.
- Não se aplica aos profissionais liberais.
Livro
[…] desde já fique claro que o uso da expressão devedor, no presente capítulo, é abrangente, englobando tanto o empresário individual quanto as sociedades empresárias, mas é nestas que o estudo vai ser focado, porque são elas, na prática, os principais agentes exploradores de atividade econômica do mercado.
Essa observação é imprescindível, porque a própria LRE possui um defeito gravíssimo, herdado da antiga lei de falência (DL 7.661/1945): a maioria dos seus dispositivos utiliza como referência o empresário individual, o que acaba gerando, para o intérprete, alguma dificuldade.
Da leitura do art. 1.º percebe-se que as regras da LRE não se aplicam a devedores civis, os quais se submetem, quando caracterizada a sua insolvência, às regras do concurso de credores, previstas no Código de Processo Civil. Assim, das pessoas jurídicas de direito privado (art. 44 do CC) apenas as sociedades empresárias e as EIRELI se submetem às regras da LRE. Portanto, uma associação, uma fundação, um partido político, uma organização religiosa ou uma sociedade simples não podem requerer recuperação ou ter sua falência requerida.
O mesmo ocorre com as cooperativas, as quais, por serem sociedades simples, independentemente do seu objeto social (art. 982, parágrafo único, do Código Civil), não podem requerer recuperação nem ter sua falência requerida. […]
Por fim, registre-se que os profissionais liberais (profissionais intelectuais – art. 966, parágrafo único, do Código Civil), em regra não são considerados empresários, não podendo também, pois, requerer recuperação nem ter sua falência requerida.
A LRE é aplicável às empresas estatais?
Resumo
- Havia polêmica antes da LRE, pois a CF exige tratamento idêntico ao de empresas privadas para as empresas pública exploradoras de atividade econômica.
- Com a LRE, a dúvida foi dissipada: não se submete a falência nem SEM nem EP, ainda que sejam exploradoras de atividade econômica.
Livro
Até a entrada em vigor da LRE, estabeleceu-se certa polêmica acerca da submissão ou não das empresas públicas e das sociedades de economia mista, quando exploradoras de atividade econômica, ao regime jurídico falimentar até então regulado pelo Decreto–lei 7.661/1945. As empresas públicas e sociedades de economia mista são entes integrantes da chamada Administração Pública indireta.
Podem ser prestadoras de serviços públicos ou exploradoras de atividade econômica, hipótese em que funcionam como instrumentos estatais para exploração direta de atividades econômicas, conforme disposto no art. 173, caput, da CF/1988.
A polêmica em foco, portanto, era alimentada, basicamente, pela disposição normativa constante do art. 173, § 1.º, II, da Constituição da República, o qual assim dispõe: “a lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização e bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre: (…) II – a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários”.
Interpretando o dispositivo constitucional acima transcrito, defendiam alguns autores que as empresas públicas e sociedades de economia mista, quando constituídas para a exploração de atividade econômica, deveriam submeter-se ao regime jurídico falimentar aplicável às empresas privadas. Contribuiu para esse entendimento se formar a revogação do art. 242 da LSA (Lei 6.404/1976), que expressamente excluía as sociedades de economia mista do procedimento falimentar. Essa revogação reforçou o posicionamento dos que defendiam a sujeição dessas entidades – e paralelamente das empresas públicas – ao regime jurídico falimentar.
Ocorre que, a partir da vigência da LRE, a discussão ganhou novos contornos, porque a referida lei, em seu art. 2.º, I, expressamente determinou que ela não se aplica a “empresa pública e sociedade de economia mista”, sem proceder a qualquer distinção entre as prestadoras de serviços públicos e as exploradoras de atividade econômica. Ademais, a Lei 13.303/2016, que regulamentou o art. 173, § 1.º, II, da CF/1988, silenciou sobre essa questão específica.
Diante de tal fato, pode-se afirmar, com certa segurança, que os regimes falimentar e recuperacional disciplinados na LRE não se aplicam às empresas públicas nem às sociedades de economia mista, ainda que sejam exploradoras de atividade econômica.
Quais sociedades empresariais não se submetem à LRE?
Dispõe o art. 2.º, II, da LRE que ela não se aplica a “instituição financeira pública ou privada, cooperativa de crédito, consórcio, entidade de previdência complementar, sociedade operadora de plano de assistência à saúde, sociedade seguradora, sociedade de capitalização e outras entidades legalmente equiparadas às anteriores”. Trata-se, basicamente, de agentes econômicos que atuam em mercados regulados.
A norma em questão deve ser interpretada com cuidado. Não se deve entender, pela simples leitura do dispositivo acima transcrito, que os agentes econômicos nele referidos estão completamente excluídos do regime falimentar estabelecido pela LRE. Na verdade, a situação desses agentes, ao que nos parece, não sofreu alteração, uma vez que eles, de fato, também não se submetiam, em princípio, ao Decreto-lei 7.661/1945, nosso antigo diploma falimentar. Tais agentes possuem, na verdade, leis específicas que disciplinam o tratamento jurídico de sua insolvência, submetendo-os a um processo especial de liquidação extrajudicial. Citem-se, por exemplo, a Lei 6.024/1974, aplicável às instituições financeiras, e o Decreto-lei 73/1966, aplicável às seguradoras.
Ocorre que essas leis específicas, em alguns casos, preveem a aplicação subsidiária da antiga legislação falimentar, como o art. 34 da Lei 6.024/1974, que elege como fonte subsidiária o Decreto-lei 7.661/1945. Pensando nisso, a própria LRE estabeleceu, em seu art. 197, que, “enquanto não forem aprovadas as respectivas leis específicas, esta Lei aplica–se subsidiariamente, no que couber, aos regimes previstos no Decreto-lei n.º 73, de 21 de novembro de 1966, na Lei n.º 6.024, de 13 de março de 1974, no Decreto-lei n.º 2.321, de 25 de fevereiro de 1987, e na Lei n.º 9.514, de 20 de novembro de 1997”.
Quem pode requerer a falência?
Segundo o art. 97 da LRE, “podem requerer a falência do devedor: I – o próprio devedor, na forma do disposto nos arts. 105 a 107 desta Lei; II – o cônjuge sobrevivente, qualquer herdeiro do devedor ou o inventariante; III – o cotista ou o acionista do devedor na forma da lei ou do ato constitutivo da sociedade; IV – qualquer credor”.
Observação:
A regra do art. 97, II, da LRE é aplicável ao empresário individual, e não à sociedade empresária.
Se o empresário individual falecer, seus sucessores podem ter interesse em dar continuidade à sua atividade ou não. Caso não tenham interesse em dar continuidade à empresa, em princípio cabe a eles promover o encerramento normal das atividades do empresário individual falecido, dando-se a devida baixa na Junta Comercial competente.
Pode ocorrer, todavia, de os sucessores perceberem que o empresário individual falecido estava em situação de insolvência, cabendo a eles, nesse caso, pedir a sua falência, com base no dispositivo legal em comento.
O devedor é obrigado, em caso de crise econômica insuperável, requerer a falência?
Resumo
- É obrigado, mas não é comum e a lei não prevê qualquer consequência no caso de não cumprimento do dever.
Livro
O pedido de falência feito pelo próprio devedor – chamado de autofalência –, apesar de estar previsto na lei, é hipótese raríssima na prática.
Na verdade, costuma o devedor em crise tomar duas atitudes, basicamente: (i) não aceitar que sua crise é irremediável, insistindo na atividade até ter, eventualmente, a sua falência decretada a pedido de terceiro, normalmente um credor; ou (ii) encerrar o exercício da atividade empresarial, muitas vezes sem a observância das regras legais impostas para tanto. Veja-se que a lei impõe ao devedor o dever de requerer a sua própria falência, determinando em seu art. 105 que “o devedor em crise econômico-financeira que julgue não atender aos requisitos para pleitear sua recuperação judicial deverá requerer ao juízo sua falência, expondo as razões da impossibilidade de prosseguimento da atividade empresarial, acompanhadas dos seguintes documentos: I – demonstrações contábeis referentes aos 3 (três) últimos exercícios sociais e as levantadas especialmente para instruir o pedido, confeccionadas com estrita observância da legislação societária aplicável e compostas obrigatoriamente de: a) balanço patrimonial; b) demonstração de resultados acumulados; c) demonstração do resultado desde o último exercício social; d) relatório do fluxo de caixa; II – relação nominal dos credores, indicando endereço, importância, natureza e classificação dos respectivos créditos; III – relação dos bens e direitos que compõem o ativo, com a respectiva estimativa de valor e documentos comprobatórios de propriedade; IV – prova da condição de empresário, contrato social ou estatuto em vigor ou, se não houver, a indicação de todos os sócios, seus endereços e a relação de seus bens pessoais; V – os livros obrigatórios e documentos contábeis que lhe forem exigidos por lei; VI – relação de seus administradores nos últimos 5 (cinco) anos, com os respectivos endereços, suas funções e participação societária”.
Ocorre que, não obstante a lei imponha ao devedor esse dever, não prevê nenhuma sanção para a hipótese de descumprimento, o que desestimula o devedor a seguir o comando legal.
O credor cujo crédito ainda não venceu pode requerer a falência do devedor?
Resumo
- Sim, bastando demonstrar a ocorrência de uma das hipóteses que justificam a falência;
- Se o devedor já deixou de pagar outros credores, ele certamente não terá condições de adimplir a dívida que se vencerá mais à frente.
Livro
Ainda sobre o pedido de falência formulado por credor do empresário, há uma questão interessante: é necessário que a dívida do devedor em relação a ele esteja vencida? Parece-nos que não. A obrigação do devedor em relação ao credor que pede a sua falência não precisa sequer estar vencida. Primeiro, porque o pedido de falência pode estar lastreado na prática de um dos atos de falência previstos no art. 94, III, da LRE, caso em que a demonstração inequívoca de que o devedor incidiu em uma daquelas condutas é por si só suficiente à caracterização de sua insolvência. Segundo, porque, se o devedor já está inadimplente, por exemplo, em relação a outros credores, está configurado o interesse de todos os credores – e não apenas dos que possuem títulos inadimplidos – na instauração da execução concursal. Afinal, se o devedor não está pagando seus credores de hoje, nada garante que ele pagará seus credores de amanhã. Ao contrário, tudo indica que ele não o fará.
O credor com garantia de direito real pode requerer a falência antes de executar a garantia?
Outra polêmica interessante acerca dos credores legitimados ao pedido de falência do devedor empresário é a relativa aos credores com garantia real. No regime da lei anterior, havia regra expressa disciplinando a questão. Tratava-se do art. 9.º, III, alínea b, segundo o qual esse credor só poderia requerer a falência do devedor se (i) renunciasse a garantia ou (ii) se provasse que a garantia já não era mais suficiente, em razão da depreciação do bem. A atual legislação falimentar silenciou, o que nos leva a crer que agora pode o credor com garantia real requerer a falência do devedor, independentemente de qualquer circunstância. Com efeito, se a lei afirma expressamente que qualquer credor pode requerer a falência do devedor, não cabe excepcionar onde a própria lei assim não o fez.
A Fazenda Pública pode requerer a falência?
Por fim, resta ainda a questão de saber se a Fazenda Pública pode requerer a falência do devedor. Não obstante exista controvérsia doutrinária sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça tem diversos precedentes no sentido de que a Fazenda Pública não tem legitimidade, nem interesse de agir, para pedir a falência do devedor. […]
Em suma: entende o STJ que, uma vez que a Fazenda Pública dispõe de instrumento específico para cobrança do crédito tributário, a Lei 6.380/1980 (Lei de Execuções Fiscais), falta-lhe interesse de agir para o pedido de falência. No mesmo sentido, foi aprovado o Enunciado 56 da I Jornada de Direito Comercial do CJF: “A Fazenda Pública não possui legitimidade ou interesse de agir para requerer a falência do devedor empresário”.
Qual o foro competente para o processo de falência?
Resumo
- Segundo a lei, é o do principal estabelecimento do devedor.
- Para o STJ, principal estabelecimento não é, necessariamente, a sede da sociedade, mas onde ela realiza a maior volume de atividades.
Livro
Vistos acima os sujeitos passivo e ativo do pedido de falência do devedor, resta saber onde deverá ser ajuizado o pedido. Segundo o art. 3.º da LRE, “é competente para homologar o plano de recuperação extrajudicial, deferir a recuperação judicial ou decretar a falência o juízo do local do principal estabelecimento do devedor ou da filial de empresa que tenha sede fora do Brasil”.
O conceito de principal estabelecimento, todavia, não corresponde à noção geral que a expressão suscita inicialmente. De fato, quando se fala em principal estabelecimento, vem em nosso pensamento, de imediato, a ideia de sede estatutária/contratual ou matriz administrativa da empresa. Trata-se, porém, de noção equivocada. Para o direito falimentar, a correta noção de principal estabelecimento está ligada ao aspecto econômico: é o local onde o devedor concentra o maior volume de negócios, o qual, frise-se, muitas vezes não coincide com o local da sede da empresa ou do seu centro administrativo. […]
Em suma, o STJ já decidiu que a expressão principal estabelecimento pode significar (embora os acórdãos sejam anteriores à LRE, o entendimento continua atual): (i) o centro vital das principais atividades do devedor; (ii) local onde o devedor mantém suas atividades e seu principal estabelecimento; (iii) local onde a atividade se mantém centralizada. Nesse sentido, confirase o Enunciado 465 do CJF: “Para fins do Direito Falimentar, o local do principal estabelecimento é aquele de onde partem as decisões empresariais, e não necessariamente a sede indicada no registro público”.
E há uma razão lógica para a regra do art. 3.º da LRE: é no local do principal estabelecimento do devedor onde se encontram, provavelmente, a maioria dos seus clientes e a maior parte do seu patrimônio, o que facilita sobremaneira a instauração do concurso de credores e a arrecadação dos seus bens. Por isso, ademais, que a competência é de natureza absoluta.
Para que se aceite o pedido de falência, é necessária a demonstração de insolvência econômica?
Resumo
- O que autoriza a falência é a verificação de uma das hipóteses da lei. Por isso, alguns dizem que se trata de insovência presumida.
- Não é necessária a demonstração de situação deficitária da empresa.
- A LRE adota o sistema da enumeração legal e da impontualidade injustificada.
Livro
No seu sentido técnico/econômico, a insolvência – também chamada de insolvabilidade – é o estado patrimonial do devedor caracterizado pela insuficiência do ativo para saldar o passivo. Assim, o devedor que possui patrimônio negativo – ativo menor que passivo – se diz insolvente. Se ele é empresário, poderá ter a sua falência decretada, a fim de estabelecer a sua execução concursal em obediência ao princípio da par conditio creditorum.
A doutrina costuma apontar, todavia, que a insolvência do empresário, como pressuposto para a decretação da falência, não deve ser compreendida no seu sentido técnico/ econômico acima referido, mas em um sentido jurídico, definido pela própria legislação falimentar. Nesse sentido, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:
(…) A insolvência econômica do devedor não é pressuposto para o requerimento ou decretação da falência. Verificadas as situações fáticas previstas em lei, abre-se aos legitimados a oportunidade para pedir a falência. (…) (REsp 733.060/MG, Rel. Min. Sidnei Beneti, 3.ª Turma, j. 24.11.2009, DJe 02.12.2009).
Cabe à lei, pois, definir os casos específicos em que se admite caracterizada a insolvência do empresário, razão pela qual alguns autores chegam a afirmar que se trata de uma insolvência presumida, mas nem sempre real.
Na doutrina brasileira, já se tornaram clássicas as lições de Rubens Requião acerca dos sistemas de determinação da insolvência existentes, bem como dos sistemas adotados pela legislação falimentar pátria. O autor apontava para a existência de quatro sistemas distintos, afirmando ainda que a legislação brasileira adotava dois deles.
O primeiro sistema é o do <strong>estado patrimonial deficitário</strong>, segundo o qual a insolvência restaria caracterizada quando se constatasse, efetivamente, a insuficiência do ativo do empresário para saldar o seu passivo. Esse sistema, em síntese, exige a demonstração da insolvência econômica do devedor, e por isso recebe duras críticas da doutrina comercialista, não obstante consista no sistema mais preciso e seguro para a real aferição do estado patrimonial do devedor.15 Esse sistema torna o processo pré-falimentar muito lento, em razão da necessidade de adoção de procedimentos contábeis para a análise do patrimônio do empresário. Além disso, ele também pode, em alguns casos, ensejar a decretação da falência de determinado empresário que, embora temporariamente insolvente, seja viável ou recuperável.
O segundo sistema é o da <strong>cessação de pagamentos</strong>, segundo o qual a insolvência do devedor estaria caracterizada quando ele parasse de efetuar o pagamento de suas dívidas, o que indicaria uma situação de impossibilidade de adimplemento das suas obrigações. Veja-se que esse sistema, ao contrário do primeiro, baseia-se fundamentalmente em uma presunção de insolvabilidade, porque em alguns casos a cessação de pagamentos pode significar uma crise temporária, não representando, realmente, um estado patrimonial de insolvência econômica.
O terceiro sistema, por sua vez, é o da <strong>impontualidade injustificada</strong>, segundo o qual o devedor se considera juridicamente insolvente quando não paga, injustificadamente, uma determinada obrigação líquida no seu vencimento. Perceba-se que nesse sistema a insolvência do devedor empresário também é presumida, no entanto, com ainda mais rigor que no sistema anterior, uma vez que neste basta a mera inadimplência isolada de uma dívida, enquanto naquele se exige a inadimplência reiterada.
Por fim, tem-se ainda o<strong> sistema da enumeração legal</strong>, segundo o qual a insolvência do devedor se caracteriza pela prática de determinados atos previstos taxativamente na legislação falimentar: são os chamados atos de falência, que correspondem a comportamentos do devedor que também presumem o seu estado de insolvabilidade, mesmo que ele, eventualmente, não esteja sequer impontual quanto ao pagamento de suas dívidas.
[…]
O Decreto-lei 7.661/1945 adotava dois sistemas para a determinação da insolvência do devedor: o da impontualidade e o da enumeração legal. A sistemática foi mantida pela Lei 11.101/2005, em seu art. 94.
É possível usar a falência como cobrança de dívidas?
Resumo
- Existia discussão antes da LRE sobre essa possibilidade.
- Havia se criado uma jurisprudência, embora não pacífica, de que pequenos valores não autorizariam o pedido de falência, pois não demonstrariam insolvência, mas mera iliquidez temporária. Falência era situação drástica e havia pouco prazo para defesa, de modo que o pedido podia se mostrar abusivo.
- Alguns autores, como Fábio Ulhoa, criticavam essa posição.
- Hoje a lei possibilita o pedido de falência de débito não inferior a 40 salários mínimos, o que é alvo de críticas do André.
- Credores podem ser reunir em litisconsórcio para atingir o limite.
Livro
De novidade em relação à legislação falimentar anterior tem-se a atual exigência de que a dívida seja superior a 40 salários mínimos. Nesse ponto, fica patente a tentativa do legislador de desestimular o uso da ação de falência como meio de cobrança de dívidas de pequeno valor, visto que elas se prestam a presumir, na verdade, uma situação de iliquidez do devedor (crise temporária, passageira), mas não de insolvência (crise mais séria). Segundo o legislador, as dívidas menores, de até quarenta salários mínimos, não são, por si sós, suficientes para caracterizar uma situação de inviabilidade da empresa, devendo o credor, nesse caso, tentar o recebimento de seu crédito pela via executiva ordinária.
Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça julgou dois recursos especiais (REsp 870.509 e REsp 959.695) que visavam a reformar acórdãos do Tribunal de Justiça de São Paulo que julgaram indevidos pedidos de falência feitos com base em dívidas inferiores a 40 salários mínimos, formulados na vigência da lei anterior (DL 7.661/1945). O STJ manteve as decisões do TJSP, mesmo tendo as ações sido ajuizadas antes da entrada em vigor da LRE. O mesmo aconteceu no REsp 598.881:
Comercial. Recurso especial. Falência. Decreto-lei 7.661/45. Títulos de valor insignificante frente ao princípio da preservação da empresa. Decreto de quebra. Descabimento. Precedentes. I. Nos termos da jurisprudência do STJ, “Apesar de o art. 1.º do Decreto-lei n.º 7.661/45 ser omisso quanto ao valor do pedido, não é razoável, nem se coaduna com a sistemática do próprio Decreto, que valores insignificantes provoquem a quebra de uma empresa. Nessas circunstâncias, há de prevalecer o princípio, também implícito naquele diploma, de preservação da empresa” (REsp 959695/SP, Relatora Ministra Nancy Andrighi, DJe 10/03/2009). Precedentes. II. Recurso especial não conhecido (REsp 598.881/SC, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, 4.ª Turma, j. 15.12.2009, DJe 08.02.2010).
O legislador foi infeliz na redação desse dispositivo, no nosso entender. Por que estabelecer um valor mínimo a priori, ignorando o fato de que no mercado há empresários individuais e sociedades empresárias com situações econômicas completamente distintas? Com efeito, uma dívida de 40 salários mínimos pode não representar nada para uma grande sociedade anônima, mas pode ser uma dívida muito grande para um empresário individual que explora um determinado microempreendimento.
É preciso destacar, porém, que, embora a LRE exija que a dívida seja superior a 40 salários mínimos, ela permite que os credores se reúnam para somar seus créditos, a fim de que o montante ultrapasse tal valor e lhes permita pedir, em litisconsórcio, a falência do devedor. É o que prevê o art. 94, § 1.º, da LRE: “credores podem reunir-se em litisconsórcio a fim de perfazer o limite mínimo para o pedido de falência com base no inciso I do caput deste artigo”.
Comentários meus:
Antes da LRE, havia discussão sobre se a falência poderia ser usada como instrumento de cobrança. Existiam julgados no STJ que afirmavam que sim e outros que não. Diziam alguns que, sendo pouco significativo o débito cobrado, não serviria ele para demonstrar insolvência, mas apenas iliquidez temporária. Vejam-se estes julgados:
Falência. Cobrança. Incompatibilidade. O processo de falência não deve ser desvirtuado para servir de instrumento de coação para a cobrança de dívidas. Considerando os graves resultados que decorrem da quebra da empresa, o seu requerimento merece ser examinado com rigor formal, e afastado sempre que a pretensão do credor seja tão somente a satisfação do seu crédito. Propósito que se caracterizou pelo requerimento de envio dos autos à Contadoria, para apurar o valor do débito, pelo posterior recebimento daquela quantia, acompanhado de pedido de desistência da ação. Recurso conhecido e provido (STJ, REsp 136.565/RS, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 14.06.1999, p. 198).
Falência. Requerimento. Pequeno credor. Licitude. Indeferimento. Substituição do processo executivo. Abuso inexistente. 1. O Ordenamento jurídico põe à disposição do credor lesado por inadimplemento de comerciante, dois caminhos, absolutamente lícitos, a saber: a) o primeiro – linear e barato – que é requerer a declaração da falência materializada pelo inadimplemento. Esta via, apesar de mais cômoda, é mais arriscada. De fato, se o devedor por descuido ou falta de dinheiro, não pagar no prazo assinalado, instaura-se o processo falimentar e a nota promissória perde a força executiva, para tornar-se reles título quirografário, despido de qualquer preferência; b) a segunda via é a cobrança executiva. Para percorrê-la, o credor é obrigado a localizar bens do devedor, indicá-los à penhora, pagar o oficial de justiça, para que efetue a citação e, depois, para que consume a penhora. Depois, com o processo suspenso, o exequente é obrigado a esperar o julgamento dos embargos. Por último, decorridos vários anos, é compelido a despender mais dinheiro, para os editais de praça ou leilão. Como se vê, este segundo caminho é consideravelmente lento e dispendioso. Obrigar o pequeno credor a segui-lo é colocar o Poder Judiciário a serviço do mau pagador, em patente injustiça. 2. Para obviar a declaração de falência o comerciante solvente e decente deve resgatar seus títulos, no próprio dia do vencimento. Em caso de protesto, honra a obrigação imediatamente, ou informa ao oficial de protesto, os motivos que justificam o não pagamento. Por exigir decência de todos os comerciantes, o Direito Positivo enxerga na inadimplência um sinal inconfundível de insolvência. 3. Em constatando que o comerciante “sem relevante razão de direito” não pagou, no vencimento, obrigação líquida, constante de título que legitime ação executiva, cumpre ao juiz declarar a falência. Não lhe é lícito furtar-se à declaração, a pretexto de que o credor está usando o pedido de falência, como substitutivo da ação de execução (STJ, 3.ª Turma, REsp 515.285/SC, Rel. Min. Castro Filho, Rel. p/ Acórdão Min. Humberto Gomes de Barros, DJ 07.06.2004, p. 220).
É indispensável o protesto do título judicial para que ele autorize o pedido de falência?
Resumo
- Para formulação do pedido de falência com base na impotualidade, é indispensável o protesto do título que materializa a obrigação inadimplida, seja ele título de crédito, seja ele título judicial. Interpretação do art. 94, I, e pár. 3, da LRE.
Livro
A LRE determina, no § 3.º do art. 94, que, “na hipótese do inciso I do caput deste artigo, o pedido de falência será instruído com os títulos executivos na forma do parágrafo único do art. 9.º desta Lei, acompanhados, em qualquer caso, dos respectivos instrumentos de protesto para fim falimentar nos termos da legislação específica”.
Portanto, fica claro que a única forma de demonstrar a impontualidade injustificada (sem relevante razão de direito, no dizer da lei) é o protesto do título. Não se admite nenhum outro meio de prova – documental, testemunhal ou pericial – para a comprovação do inadimplemento do devedor: apenas o protesto serve a essa finalidade. Sendo assim, qualquer título executivo que o credor possua contra o devedor deve ser levado a protesto, para só depois servir de base ao pedido de falência. Se o título que representa a dívida for um título de crédito, por exemplo, basta o seu protesto cambial, ainda que realizado fora do prazo previsto na legislação cambiária. Se, por outro lado, o título não comporta o protesto cambial – uma sentença ou um contrato, por exemplo –, deve ser tirado o chamado protesto especial para fins de falência. Nesse sentido, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça, citando precedente do Supremo Tribunal Federal, que é possível o protesto especial de uma decisão judicial, para fins de instruir o pedido de falência:
Protesto. Título judicial. Pedido de falência. Discute-se a necessidade ou não de protesto de título judicial para postular pedido de falência. O título judicial originou-se de um acordo celebrado em uma medida cautelar de sustação de protesto de outro título. De posse do título judicial inadimplido, pretendeu o recorrente credor o seu protesto para embasar pedido de quebra da devedora recorrida, que a levou ao ajuizamento de uma ação ordinária de cancelamento de protesto, com o deferimento da tutela antecipada, do qual decorre o agravo e o presente recurso. Pretendia o recorrente protestar o título judicial apenas para firmar o descumprimento do acordo, já que inexistia execução anterior, situação em que até se dispensaria o protesto, e forte na letra do art. 10 da LF, que não excepciona do protesto título algum e abarca também os judiciais. No STF, prevaleceu, por maioria, o entendimento que admite o protesto de sentença trabalhista para a instrução do pedido de quebra (RE 81.202-RS, 1.ª Turma). A Turma conheceu em parte do recurso e deu-lhe provimento para autorizar o protesto do título (REsp 252.134/SP, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. 25.11.2002).
[…]
Tratando-se de cheque, o protesto é indispensável, mesmo que nele conste a declaração de devolução da instituição financeira. É que essa declaração substitui o protesto para fins cambiais, mas não substitui o protesto para fins de falência.
Cite alguns dos assim chamados atos de falência.
Além de permitir o pedido de falência do devedor com fundamento na sua impontualidade injustificada, a legislação falimentar brasileira também possibilita que o pedido seja lastreado na prática dos chamados atos de falência, enumerados no inciso II do art. 94 (execução frustrada) e em rol taxativo constante das alíneas do seu inciso III.
Art. 94. Será decretada a falência do devedor que:
I – sem relevante razão de direito, não paga, no vencimento, obrigação líquida materializada em título ou títulos executivos protestados cuja soma ultrapasse o equivalente a 40 (quarenta) salários-mínimos na data do pedido de falência;
II – executado por qualquer quantia líquida, não paga, não deposita e não nomeia à penhora bens suficientes dentro do prazo legal; [“<em>Atente-se, ademais, que nessa situação a legislação sequer exige valor mínimo para a dívida, como fez na hipótese analisada no tópico antecedente. Assim, qualquer que seja o valor da dívida exequenda, se o devedor incorrer na tríplice omissão apontada, poderá ter sua falência requerida e eventualmente decretada.</em>”]
III – pratica qualquer dos seguintes atos, exceto se fizer parte de plano de recuperação judicial:
a) procede à liquidação precipitada de seus ativos ou lança mão de meio ruinoso ou fraudulento para realizar pagamentos;
b) realiza ou, por atos inequívocos, tenta realizar, com o objetivo de retardar pagamentos ou fraudar credores, negócio simulado ou alienação de parte ou da totalidade de seu ativo a terceiro, credor ou não;
c) transfere estabelecimento a terceiro, credor ou não, sem o consentimento de todos os credores e sem ficar com bens suficientes para solver seu passivo;
d) simula a transferência de seu principal estabelecimento com o objetivo de burlar a legislação ou a fiscalização ou para prejudicar credor;
e) dá ou reforça garantia a credor por dívida contraída anteriormente sem ficar com bens livres e desembaraçados suficientes para saldar seu passivo;
f) ausenta-se sem deixar representante habilitado e com recursos suficientes para pagar os credores, abandona estabelecimento ou tenta ocultar-se de seu domicílio, do local de sua sede ou de seu principal estabelecimento;
g) deixa de cumprir, no prazo estabelecido, obrigação assumida no plano de recuperação judicial.
§ 1º Credores podem reunir-se em litisconsórcio a fim de perfazer o limite mínimo para o pedido de falência com base no inciso I do caput deste artigo.
§ 2º Ainda que líquidos, não legitimam o pedido de falência os créditos que nela não se possam reclamar.
§ 3º Na hipótese do inciso I do caput deste artigo, o pedido de falência será instruído com os títulos executivos na forma do parágrafo único do art. 9º desta Lei, acompanhados, em qualquer caso, dos respectivos instrumentos de protesto para fim falimentar nos termos da legislação específica.
§ 4º Na hipótese do inciso II do caput deste artigo, o pedido de falência será instruído com certidão expedida pelo juízo em que se processa a execução.
§ 5º Na hipótese do inciso III do caput deste artigo, o pedido de falência descreverá os fatos que a caracterizam, juntando-se as provas que houver e especificando-se as que serão produzidas.
A execução frustrada, que autoriza a falência, caracteriza-se quando é nomeado bem para penhora, porém em valor insuficiente para satisfazer o credor? E se o bem é apresentado intempestivamente?
Resumo
- A inércia não precisa ser total.
- Se o bem é manifestamente insuficiente para cobrir a dívida, cabe o pedido de falência.
- A nomeação de bem, ainda que intempestiva, impede a falência (STJ).
Livro
Uma observação sobre a execução frustrada deve ser feita. No regime da lei anterior, sempre se entendeu que a configuração da chamada execução frustrada só se daria quando o devedor executado ficasse totalmente inerte. Parece que, com a redação dada ao inciso II do art. 94 da LRE, a situação mudou um pouco. Com efeito, a lei atual afirma que a execução frustrada se caracteriza quando o devedor “não paga, não deposita e não nomeia bens à penhora suficientes”, o que nos leva a crer que não é imprescindível a sua total inércia. Se o devedor executado, por exemplo, nomeia bens manifestamente insuficientes, estaria caracterizada também a execução frustrada, admitindo-se o requerimento de sua falência.
No entanto, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que não se caracteriza execução frustrada quando o devedor apresenta bens à penhora intempestivamente, ou seja, nesse caso o STJ entendeu que só há realmente a execução frustrada se o devedor de fato incidir na tríplice omissão.
(…) A nomeação de bens à penhora na execução singular, ainda que realizada de forma intempestiva, descaracteriza a execução frustrada, circunstância que impede o prosseguimento do pedido de falência com base no art. 2.º, inciso I, da antiga Lei de Quebras. (…) (REsp 741.053/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4.ª Turma, j. 20.10.2009, DJe 09.11.2009).
Da leitura do acórdão fica claro, todavia, que o STJ analisou o caso ainda à luz da legislação falimentar anterior.
Após decretada a falência, algum fato pode autorizar a transformação do processo de falência em processo de recuperação judicial?
Resumo
- Até a contestação do pedido de falência, é possível realizar o pedido de recuperação judicial.
- Depois de decretada a falência, não cabe mais o benefício da recuperação judicial.
- Na lei anterior, era possível.
Livro
A matéria de defesa mencionada no inciso VII do art. 96 da LRE (apresentação de pedido de recuperação judicial no prazo da contestação) está expressamente prevista no art. 95 da LRE: “dentro do prazo de contestação, o devedor poderá pleitear sua recuperação judicial”.
A norma em análise prevê um pedido de recuperação judicial incidental ao pedido de falência. Note-se bem que, nesse caso, o devedor ainda não é falido. Esse registro é importante porque a atual legislação falimentar não previu figura semelhante à antiga concordata suspensiva, que o devedor podia requerer mesmo depois de ter sua falência decretada. Na atual lei, ao contrário, a decretação da falência impede o devedor de obter o benefício da recuperação (art. 48, I, da LRE).
O depósito elisivo da falência pode ser usado em todas as hipóteses que autorizam o pedido de falência (art. 94)?
Resumo
- Há divergências na doutrina.
- Interpretado literalmente o art. 98 da LRE, o autor defende que o depósito elisivo só cabe na hipótese de impontualidade injustificada ou de execução frustrada.
- Fábio Ulhoa e jurisprudência discordam com base numa interpretação extensiva ao artigo.
Livro
No prazo de resposta, o devedor pode elidir a falência, assegurando-se de que o juiz não a decretará de maneira alguma. A elisão da falência é feita com o depósito em juízo do valor da dívida reclamada no pedido falimentar, devidamente corrigido e acrescido de juros e honorários advocatícios. É o que dispõe o art. 98, parágrafo único, da LRE, segundo o qual “nos pedidos baseados nos incisos I e II do caput do art. 94 desta Lei, o devedor poderá, no prazo da contestação, depositar o valor correspondente ao total do crédito, acrescido de correção monetária, juros e honorários advocatícios, hipótese em que a falência não será decretada e, caso julgado procedente o pedido de falência, o juiz ordenará o levantamento do valor pelo autor”.
[…]
Note-se ainda que o início do parágrafo único do art. 98 faz menção apenas aos pedidos de falência fundados na impontualidade injustificada e na execução frustrada, o que nos traz a seguinte questão: caso a falência tenha sido requerida com base na prática dos atos de falência descritos no art. 94, III, da LRE, cabe a elisão da falência, na forma prevista na norma ora em análise? Parece-nos que não. Primeiro, porque a interpretação a contrario sensu do dispositivo não deixa dúvidas: se ele fez referência específica aos incisos I e II, é porque teve a intenção clara e inequívoca de restringir o permissivo legal a esses dois casos. Segundo, porque, nas hipóteses de incidência nas condutas descritas como atos de falência, a presunção de insolvência do devedor independe do fato de ele, eventualmente, estar impontual quanto às suas obrigações. A doutrina e a jurisprudência, todavia, tendem a admitir o depósito elisivo em qualquer caso.
Fábio Ulhoa:
“Embora a lei não o preveja expressamente, deve ser admitido o depósito elisivo também nos pedidos de credor fundados em ato e falência, já que ele afasta a legitimidade do requerente. Assegurado, pelo depósito, o pagamento do crédito por ele titularizado, não tem interesse legítimo na instauração do concurso falimentar.”
É possível, no caso de improcedência do pedido de falência, condenar-se o credor ao pagamento de indenização na próprio processo de falência?
Resumo
- Sim, segundo o art. 101 da LRE:” Quem por dolo requerer a falência de outrem será condenado, na sentença que julgar improcedente o pedido, a indenizar o devedor, apurando-se as perdas e danos em liquidação de sentença.”
- Logo, o simples requerimento da falência não basta para fixação de indenização.
Livro
Quando a falência é denegada em razão da improcedência do pedido de falência, como o pedido do autor foi julgado improcedente pelo juiz, cabe a ele arcar com os ônus da sucumbência (custas e honorários advocatícios). E mais: de acordo com o art. 101 da LRE, o juiz poderá condenar o autor a pagar indenização ao devedor se entender que a ação falimentar foi requerida por dolo manifesto daquele, caso em que as perdas e danos serão apurados em liquidação de sentença. O § 1.º do referido dispositivo o complementa, determinando que, “havendo mais de 1 (um) autor do pedido de falência, serão solidariamente responsáveis aqueles que se conduziram na forma prevista no caput deste artigo”.
A regra do art. 101 da LRE tem uma finalidade clara e bastante justa: desestimular os pedidos de falência maliciosos, por meio dos quais o autor pretende apenas causar constrangimento ao devedor. Em termos processuais, tem-se em vista coibir a litigância de má-fé ou a litigância temerária. Devese ressaltar, porém, que nem todo pedido de falência julgado improcedente acarretará a imposição de tal indenização. Isso só deve acontecer quando o juiz da causa verificar que houve a intenção do autor do pedido de causar constrangimento ao réu. Nesse sentido, o STJ, à luz da legislação antiga (art. 20, parágrafo único do DL 7.661/1945), afastou o dolo do credor pelo fato de a lei exigir a demonstração do elemento subjetivo e nexo de causalidade para que se justifique a condenação, sendo insuficiente a simples propositura da ação falimentar para a caracterização destes (REsp 512.399/PE, Rel. Min. Luís Felipe Salomão, DJ 15.12.2008).
O devedor pode impugnar o pedido de falência e, ao mesmo tempo, realizar o depósito elisivo?
O segundo fundamento em que se pode basear a sentença denegatória da falência é a realização regular e tempestiva do depósito elisivo. É claro que o devedor pode fazer o depósito elisivo e contestar. Nesse caso, cabe ao juiz analisar os seus argumentos. Se acolhê-los, a falência será denegada não em razão do depósito elisivo, mas da improcedência do pedido do autor. Se o juiz, todavia, não acolher os argumentos do devedor, deveria, em tese, decretar a sua falência. Mas, como foi feito o depósito elisivo, ele a denegará, mandando o autor levantar a importância depositada.
Nesse caso, o pedido do autor foi julgado procedente, mas ainda assim a falência será denegada, em obediência ao disposto no art. 98, parágrafo único, da LRE, que já analisamos
A decisão que decreta a falência é uma sentença ou uma decisão intelocutória?
Resumo
- Há divergência na doutrina sobre o assunto.
- Para André, a decisão que decreta a falência “não põe fim à fase cognitiva do procedimento comum nem extingue a execução”, de modo que não poderia ser considerada sentença, nem mesmo sob a vigência do CPC\2015.
- A doutrina majoritária, contudo, entende que se trata de sentença.
Livro
Em primeiro lugar, cabe-nos perquirir se a sentença que decreta a falência do devedor se trata de ato judicial que pode realmente ser encaixado na categoria de sentença. De acordo com a doutrina e a sistemática processualista tradicionais, sentença era o ato judicial que encerrava o processo, com ou sem julgamento do mérito (antiga redação do art. 162, § 1.º, do Código de Processo Civil de 1973). Nesse sentido, era difícil entender a decisão que decreta a falência como uma sentença, visto que ela não encerra o processo falimentar, mas, ao contrário, dá início a ele. De fato, o processo falimentar se inicia com a sentença que decreta a quebra: ela é, pois, o seu ato inicial.
A reforma do processo de execução, levada a efeito pela Lei 11.232/2005, alterou a redação do art. 162, § 1.º, do Código de Processo Civil de 1973, o qual passou a designar a sentença como o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos seus arts. 267 e 269. O novo CPC, por sua vez, dispõe em seu art. 203, § 1.º, que “sentença é o pronunciamento por meio do qual o juiz, com fundamento nos arts. 485 e 487, põe fim à fase cognitiva do procedimento comum, bem como extingue a execução”. Parece-nos, pois, que ainda assim fica difícil entender a decisão que decreta a falência, tecnicamente, como uma sentença. Afinal, ela não põe fim à fase cognitiva do procedimento comum nem extingue a execução. Como exposto no parágrafo anterior, a decisão que decreta a falência apenas dá início ao processo falimentar, o qual só se encerrará, realmente, após a realização do ativo, o pagamento dos credores e a apresentação do relatório final por parte do administrador judicial (vide art. 156 da LRE).
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No que tange à decisão que julga procedente a ação de falência, parte da doutrina sustenta que é uma decisão interlocutória, como também há, majoritariamente, doutrinadores que sustentam que este ato do juiz seria uma sentença. Assim, salienta-se que a própria Lei n.º 11.101/05 não padroniza a terminologia que dá a este pronunciamento judicial, chamando às vezes de decisão, como nos artigos 99, parágrafo único, e 100, ambos da supracitada lei, e, às vezes, de sentença, conforme consta nos artigos 99, caput, e 180 da aludida lei.
Entretanto, não há dúvidas que a decisão que julga procedente a ação de falência se trata de uma sentença, seguindo o que diz a doutrina majoritária.
Qual é a natureza jurídica da decisão que decreta a falência?
Resumo
- Segundo o entendimento doutrinário majoritário e o STJ, a sentença possui natureza constitutiva.
- Cabe ação rescisória contra decisão que decreta a falência. Necessidade de interpretação ampla do conceito de “mérito”.
Livro
A legislação falimentar anterior e boa parte da doutrina comercialista se referem à sentença que decreta a falência como sentença declaratória da falência, o que também não corresponde, tecnicamente, à realidade. De fato, as sentenças declaratórias são aquelas que apenas declaram a existência de determinada relação jurídica ou apenas atestam a falsidade ou autenticidade de determinado documento. Seus efeitos, portanto, são retroativos. Já as sentenças constitutivas são aquelas que criam, modificam ou extinguem certa relação jurídica.
Diante disso, não há como negar que a sentença que decreta a falência possui natureza constitutiva, conforme entendimento majoritário na doutrina, dado que é ela que constitui o devedor em estado falimentar e instaura o regime de execução concursal do seu patrimônio. Assim, pois, “a sentença declaratória da falência não é declaratória, mas constitutiva, porque altera as relações entre os credores em concurso e a sociedade devedora falida, ao fazer incidir sobre elas as normas específicas do direito falimentar”.
No julgamento do REsp 1.780.442, a Terceira Turma do STJ enfrentou essa questão sobre a natureza jurídica da decisão que decreta a falência, com a finalidade de definir o cabimento de ação rescisória contra ela.
O entendimento doutrinário foi confirmado pela decisão do STJ: “o ato decisório que decreta a falência possui natureza de sentença constitutiva, pois sua prolação faz operar a dissolução da sociedade empresária, conduzindo à inauguração de um regime jurídico específico. Doutrina. Inteligência do art. 99 da Lei 11.101/2005”.
Assim, como o art. 485 do CPC/1973 (aplicável ao caso) previa o cabimento de ação rescisória contra sentenças de mérito, entendeu-se que a decisão que decreta a falência se enquadra no permissivo legal, inclusive porque “a doutrina e a jurisprudência, desde há muito, entendem que à expressão ‘sentença’, veiculada no dispositivo precitado [art. 485 do CPC/1973), deveria ser conferida uma abrangência mais ampla”.
O que é o termo legal de falência e o período suspeito?
Resumo
- Termo legal de falência, também chamado de período suspeito, é o período, antes da decretação da falência, em que “atos eventualmente praticados pelo falido são considerados suspeitos de fraude e, por isso, suscetíveis de investigação, podendo vir a ser declarados ineficazes em relação à massa” (STJ).
Livro
Uma das medidas mais importantes tomadas pelo juiz quando da decretação da falência do devedor é a fixação do termo legal da falência, conforme o que dispõe o inciso II do art. 99 da LRE.
Tratando-se, por exemplo, de pedido de falência fundado na impontualidade injustificada (art. 94, I), o termo legal deve ser fixado pelo juiz da seguinte maneira: na data da decretação da sentença (por exemplo, 08.05.2007), considera-se a data do primeiro protesto por falta de pagamento (por exemplo, 25.10.2006) – não necessariamente a do protesto do título que embasa a falência, mas a do primeiro protesto feito contra o devedor – retrotraindo-a por até 90 dias (no exemplo em questão, voltaríamos ao dia 27.07.2006). O período compreendido entre 27.07.2006 e 08.05.2007 corresponderia ao chamado termo legal da falência, que a doutrina, encampando uma expressão criada por Carvalho de Mendonça, também denomina de período suspeito.
Se o pedido é fundado na prática de atos de falência, considerar-seá a data do próprio pedido de falência, retrotraindo-a por até 90 dias. Se, todavia, a decretação é decorrente da convolação de recuperação em falência, considerar-se-á a data do respectivo requerimento da recuperação, também a retrotraindo por até 90 dias.
Sobre a importância e a finalidade da fixação do termo legal da falência, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:
(…) O termo legal da falência estabelece o espaço de tempo imediatamente anterior à declaração da falência dentro do qual os atos eventualmente praticados pelo falido são considerados suspeitos de fraude e, por isso, suscetíveis de investigação, podendo vir a ser declarados ineficazes em relação à massa. (…) (REsp 752.624/PR, Rel. Min. Sidnei Beneti, 3.ª Turma, j. 10.11.2009, DJe 23.11.2009).
A fixação do termo legal, portanto, delimita um lapso temporal imediatamente anterior à decretação da falência que será investigado pelos credores do devedor. Afinal, como bem destaca a doutrina, a decretação da quebra nunca pega o devedor de surpresa. Geralmente, como a falência é precedida de uma crise econômica lenta e gradual, o empresário devedor ou os sócios da sociedade empresária devedora, muitas vezes desesperados pela iminente possibilidade de instauração do processo falimentar, podem praticar atos que prejudiquem os interesses de credores, na tentativa de salvaguardar certos bens que poderiam, no futuro, ser arrecadados para a massa falida e servir ao pagamento das dívidas.
A LRE confere ao Juiz o poder geral de cautela para adotar que medidas?
O inciso VII do art. 99 da LRE confere ao juízo que decreta a falência um poder geral de cautela que lhe permite: (i) tomar medidas que salvaguardem os interesses das partes; (ii) decretar a prisão preventiva do empresário individual falido ou dos administradores da sociedade empresária falida; e (iii) autorizar a continuação provisória das atividades do devedor.
O administrador judicial é considerado funcionário público para fins penais?
Resumo
Sim, é considerado.
Livro
O principal auxiliar do juiz na condução do processo falimentar é o administrador judicial, que a legislação anterior chamava de síndico. Além de exercer as diversas atribuições de cunho administrativo que a lei lhe reserva (vide extenso rol do art. 22 da LRE), o administrador também é o representante legal da chamada massa falida subjetiva, comunidade de credores que se instala com a decretação da falência. Trata-se, enfim, de pessoa a quem o ordenamento jurídico-falimentar incumbiu tarefas relevantes, razão pela qual ele é considerado funcionário público para fins penais.
Qual é o valor limite da remuneração do administrador judicial?
Resumo
Sociedades empresárias normais: 5%
EPP ou ME: 2%
Livro
O valor da remuneração “não excederá 5% (cinco por cento) do valor devido aos credores submetidos à recuperação judicial ou do valor de venda dos bens na falência” (art. 24, § 1.º, da LRE), exceto no caso de microempresas e empresas de pequeno porte, para as quais a remuneração fica reduzida ao limite de 2% (dois por cento), conforme preceitua o art. 24, § 5.º, da LRE, com redação determinada pela LC 147/2014.
É obrigatória a instalação do Comitê de Credores? Qual é a sua composição?
Resumo
- O Comitê de Credores não é orgão obrigatório.
- Será composto de quatro pesssoas (uma indicada pelos credores trabalhistas; uma indicada pelos credores não sujeitos a rateio, ou seja, credores com garantia real e com privilégio especial; uma indicada pelos credores quirografários e com privilégio geral; e uma indicada pelos credores que são ME ou EPP)
Livro
De acordo com o art. 99, XII, o juiz, na sentença que decretar a falência, “determinará, quando entender conveniente, a convocação da assembleia geral de credores para a constituição de Comitê de Credores, podendo ainda autorizar a manutenção do Comitê eventualmente em funcionamento na recuperação judicial quando da decretação da falência”.
[…]
O comitê de credores é um importante órgão criado pela atual legislação falimentar. Sua criação se coaduna com a intenção do legislador de aumentar a participação dos credores nos processos que envolvem a crise do empresário.
Perceba-se que o comitê não é um órgão obrigatório nos processos de falência (bem como nos processos de recuperação, como veremos). O próprio juiz pode entender ser conveniente a sua criação (art. 99, XII), caso em que convocará a assembleia para que eleja os seus membros, respeitando-se a regra do dispositivo ora em análise. Quando não houver comitê, o administrador judicial exerce suas atribuições (art. 28).
Assim, o comitê, se houver, terá em regra quatro pessoas (uma indicada pelos credores trabalhistas; uma indicada pelos credores não sujeitos a rateio, ou seja, credores com garantia real e com privilégio especial; uma indicada pelos credores quirografários e com privilégio geral; e uma indicada pelos credores que são ME ou EPP). Cada membro terá dois suplentes. Dissemos que o comitê terá em regra quatro membros porque ele pode funcionar também com número inferior, caso uma das classes de credores não indique representante (§ 1.º). Formado o comitê, seus próprios membros elegerão o presidente (§ 3.º).
Como deve se dar a participação do MP no processo de falência?
Resumo
- Antes da LRE, a participação do Parquet era ampla.
- Com a LRE, que teve alguns dos artigos foram vetados, a participação do Ministério Público ficou reduzida às hipóteses previstas na lei.
- Exemplos: casos em que há indícios de responsabilidade penal do devedor (art. 22, § 4.º) e em que for determinada a alienação de bens do devedor (art. 142, § 7.º).
- Membros do MP não acolheram bem a mudança e continuam propondo a intervenção do MP em todos os processos.
Livro
A participação do membro do Ministério Público nos processos de falência (e também nos processos de recuperação de empresas) é um tema que, após a edição da LRE, trouxe polêmicos debates. Isso porque a legislação falimentar anterior previa, em seu art. 210, uma ampla participação do parquet no processo falimentar e em todas as ações em que a massa fosse parte ou interessada.
A LRE, por sua vez, trazia dispositivo com regra semelhante, que dava ampla atuação do Ministério Público nos processos falimentares e nas demais ações propostas pela massa falida ou contra ela. Tratava-se do art. 4.º, que dispunha o seguinte: “o representante do Ministério Público intervirá nos processos de recuperação judicial e de falência”. No mesmo sentido, o seu parágrafo único estabelecia que, “além das disposições previstas nesta Lei, o representante do Ministério Público intervirá em toda ação proposta pela massa falida ou contra ela”. Ocorre que essas duas normas foram vetadas pelo Poder Executivo.
O veto em referência não deixa dúvidas: a nova legislação falimentar brasileira reduziu sobremaneira a atuação do Ministério Público no processo falimentar, estando ela restrita, agora, aos casos em que a lei expressamente determinar a sua participação – como ocorre, por exemplo, nos casos em que há indícios de responsabilidade penal do devedor (art. 22, § 4.º) e em que for determinada a alienação de bens do devedor (art. 142, § 7.º).
[…]
Infelizmente, o entendimento acima transcrito não é comungado por todos, muito menos pelos próprios membros do parquet. Há notícia, por exemplo, de que no Rio de Janeiro, logo após a edição da lei, foi expedida recomendação formal (Recomendação 01/2005) pela Procuradoria-Geral de Justiça no sentido de que os promotores daquela unidade federativa continuassem atuando da mesma forma que atuavam sob a vigência da lei anterior.
Manoel Justino Bezerra Filho, manifestando opinião da qual discordamos veementemente, também se opõe ao veto ao art. 4º da LRE, afirmando que o mesmo é um reflexo da hipertrofia do Poder Executivo. E o autor vai além, defendendo que “sempre que necessário, o Ministério Público deve ser ouvido, zelando o juiz do processo para que os autos lhes sejam remetidos quando a situação, a critério judicial, assim recomendar”.
Em nossa opinião, o melhor entendimento é o da participação mínima do Ministério Público nos processos de falência (bem como nos processos de recuperação de empresas), sobretudo em obediência ao princípio da celeridade processual consagrado expressamente pelo art. 75, parágrafo único, da LRE. Com efeito, as sucessivas remessas dos autos ao órgão ministerial burocratizam o processo e atrasam a sua tramitação. O parquet só deve ser ouvido, portanto, quando a lei expressamente determinar a sua participação.
Deve o juiz ouvir o Ministério Público antes de prolatar a sentença que julga o pedido de falência?
Resumo
- Já antes da LRE, dispensava-se a participação do MP na fase pré-falimentar. O STJ manteve esse entendimento após a edição da lei.
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A matéria é extremamente polêmica. Para comprovar tal fato, confiram-se dois julgados recentes do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, com posicionamentos diametralmente opostos.
[…]
Ainda na vigência da lei antiga, entendia o Superior Tribunal de Justiça que era desnecessária a atuação do Ministério Público na chamada fase pré-falimentar (antes da prolação da sentença que denega ou decreta a falência):
(…) O procedimento estabelecido pelo DL n.º 7.661/45 previa, para a fase pré–falimentar, uma instrução sumária, própria das ações executórias, de sorte que, não havendo depósito elisivo e não sendo requerida a concessão do prazo previsto no art. 11, § 3.º, o Tribunal, após afastar os argumentos da defesa, podia de plano decretar a quebra. – Não havia no DL n.º 7.661/45 um único dispositivo que determinasse a intervenção do Ministério Público no processo pré-falimentar. A análise sistemática do art. 15, II, permite concluir que o Ministério Público somente deveria ter ciência do pedido de falência após a prolação da respectiva decisão de quebra. (…) (REsp 867.128/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3.ª Turma, j. 01.10.2009, DJe 18.11.2009).
E o STJ, felizmente, parece inclinado a seguir esse caminho, conforme se observa da leitura dos seguintes julgados:
Processual civil. Ministério Público. Atuação. Ausência. Nulidade. Inexistência. Ação de rescisão de contrato. Falência posterior da autora. Quantia ilíquida. Instrumentalidade das formas. 1 – Ocorrida a falência da autora em outro juízo e somente sete meses depois de ajuizada a presente demanda, onde se postula quantia ilíquida, a participação do Ministério Público é despicienda, sobrelevando a instrumentalidade das formas, apta a afastar eventual nulidade pela ausência de participação do Parquet, máxime em se tratando de direito disponível, que ainda não está em fase de liquidação. 2 – Recurso especial não conhecido (REsp 419.020/MG, Rel. Min. Fernando Gonçalves, 4.ª Turma, j. 20.10.2009, DJe 09.11.2009). Comercial e processo civil. Pedido de falência ajuizado na vigência do DL n.º 7.661/45. Intervenção do Ministério Público em ação conexa antes do trânsito em julgado da decisão que decreta a quebra. Possibilidade. Anulação do processo. Demonstração de prejuízo. Necessidade. 1. Na vigência do DL 7.661/45 era possível a intervenção do Ministério Público durante todo o procedimento de quebra, inclusive em sua fase pré-falimentar, alcançando também as ações conexas. 2. <strong>Com o advento da Lei 11.101/05, houve sensível alteração desse panorama, sobretudo ante a constatação de que o número excessivo de intervenções do Ministério Público vinha assoberbando o órgão e embaraçando o trâmite das ações falimentares. Diante disso, vetou-se o art. 4.º da Lei 11.101/05, que mantinha a essência do art. 210 do DL 7.661/45, ficando a atuação do Ministério Público, atualmente, restrita às hipóteses expressamente previstas em lei. </strong> 3. Tendo em vista o princípio da instrumentalidade das formas, a anulação do processo falimentar ou de ações conexas por ausência de intervenção ou pela atuação indevida do Ministério Público somente se justifica quando for caracterizado efetivo prejuízo à parte. 4. Recurso especial não provido (REsp 1.230.431/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. 18.10.2011, DJe 18.11.2011).
Processo civil. Intervenção do Ministério Público. Lei 11.101/05. Pedido de falência. Fase pré-falimentar. Desnecessidade. 1. <strong>O interesse público que justifica a intervenção do Ministério Público nos procedimentos falimentares não deve ser confundido com a repercussão econômica que toda quebra compreende, ou mesmo com interesses específicos de credores trabalhistas ou fiscais.</strong> 2. Não há, na Lei 11.101/05, qualquer dispositivo que determine a manifestação do Ministério Público em estágio anterior ao decreto de quebra nos pedidos de falência. Recurso especial a que se nega provimento (REsp 1.094.500/DF, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. 16.09.2010, DJe 20.10.2010).
Quais são os efeitos da decretação da falência?
Resumo
- Ver imagem
- Lembrar que a LRE muitas vezes fala apenas em empresário individual, mas suas normas se aplicam às sociedades empresárias, com as devidas adaptações. Isso ocorre muito no que diz respeito aos efeito da decretação da falência.
- Efeitos quanto à pessoa do devedor:
a) A falência dos sócios ocorre quando se trata de sociedade de responsabilidade ilimitada.
b) A inabilitação da sociedade limitada não atinge seus sócios (se for ilimitada, atinge-os). A inabilitação é automática.
c) Perda do direito de administração dos seus bens.
Efeitos quanto aos bens do devedor:
a) perde-se o direito de retenção de bens, que são passados ao administrador;
b) sócios não podem mais exercer direito de retirada;
c) compensação dos créditos (não se aplica aos transferidos após a falência, salvo se provenientes de cisão, fusão, incorporação ou mortes; nem aos transferidos quando já conhecido o estado de crise ecônomico-financeira);
d) não cabe juros contra a massa falida, se os ativos não bastarem para pagar os credores.
e) os contratos bilaterais não se rompem, necessariamente, por conta da decretação da falência, podendo o administrador judicial dar-lhes cumprimento quando for conveniente a preservação do ativo. Fábio Ulhoa adverte que essa regra só se aplica a contratos cujo cumprimento ainda não foi iniciado. Se a execução do contrato já foi iniciada, o credor deve habilitar seu crédito na falência.
Efeitos quanto aos credores do falido
a) Instauração do juízo universal.
b) Ficam de fora do juízo universal “causas trabalhistas, fiscais e aquelas não reguladas nesta Lei em que o falido figurar como autor ou litisconsorte ativo”. Devem-se acrescentar ainda as ações que demandam quantia ilíquida (art. 6.º, § 1.º, da LRE) e as ações em que for parte União ou entidade federal (art. 109, I, da CF/1988).
c) Suspensão da prescrição e das execuções contra o falido (há exceções).
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Efeitos quanto à pessoa do devedor:
1) Dissolução da sociedade
Como o estudo da falência, no presente capítulo, está enfocando preponderantemente as sociedades empresárias, o primeiro efeito da falência a ser destacado é, logicamente, a dissolução da sociedade. Afinal, com a decretação da quebra e a instauração do processo de execução concursal do devedor, haverá o encerramento da atividade empresarial e a consequente liquidação do patrimônio social para o posterior pagamento dos credores.
Mas a falência não atinge apenas a pessoa jurídica. Os membros que a compõem, ou seja, os sócios da sociedade empresária falida, também são atingidos, variando os efeitos sobre as suas pessoas a depender do tipo societário e da função que eles exerciam na sociedade.
Tratando-se de sociedade em que a responsabilidade dos sócios é ilimitada, prevê o art. 81 da LRE que a decretação da falência da sociedade também acarreta a decretação da falência dos sócios: “a decisão que decreta a falência da sociedade com sócios ilimitadamente responsáveis também acarreta a falência destes, que ficam sujeitos aos mesmos efeitos jurídicos produzidos em relação à sociedade falida e, por isso, deverão ser citados para apresentar contestação, se assim o desejarem”. Veja-se que nesse caso a repercussão da falência da sociedade sobre a pessoa dos sócios é tão relevante que a lei determina que eles devem ser também citados quanto aos termos da ação falimentar, para que possam se defender. O dispositivo transcrito ainda determina, em seu § 1.º, que a regra nele prevista “aplica-se ao sócio que tenha se retirado voluntariamente ou que tenha sido excluído da sociedade, há menos de 2 (dois) anos, quanto às dívidas existentes na data do arquivamento da alteração do contrato, no caso de não terem sido solvidas até a data da decretação da falência”. Em se tratando, em contrapartida, de sociedade em que os sócios respondem de forma limitada, eles em princípio não se submetem aos efeitos da falência, uma vez que quem faliu foi a sociedade, pessoa jurídica com existência e patrimônio distintos da pessoa dos sócios. Não obstante, caberá ao juízo da falência apurar eventual responsabilidade pessoal dos quotistas e administradores, conforme regra estabelecida no art. 82 da LRE, segundo a qual “a responsabilidade pessoal dos sócios de responsabilidade limitada, dos controladores e dos administradores da sociedade falida, estabelecida nas respectivas leis, será apurada no próprio juízo da falência, independentemente da realização do ativo e da prova da sua insuficiência para cobrir o passivo, observado o procedimento ordinário previsto no Código de Processo Civil”.
2) Inabilitação do empresário
[…] Mais uma vez é importante destacar a diferença entre o empresário individual e a sociedade empresária. Se a falência atinge um empresário individual, é ele, obviamente, que sofrerá o efeito específico do dispositivo legal em comento. No entanto, se a falência atinge uma sociedade empresária, a situação é diferente, uma vez que quem faliu foi a própria sociedade, e não seus sócios.
Assim, o empresário individual que vai à falência ou o sócio de responsabilidade ilimitada de uma sociedade que tem sua falência decretada, por exemplo, ficam impedidos de exercer qualquer atividade empresarial até que suas obrigações sejam consideradas extintas por sentença transitada em julgado.
Ressalte-se que essa inabilitação é automática, iniciando-se com a decretação da falência e terminando com a sentença de encerramento do processo falimentar (art. 156 da LRE). No entanto, deve-se ressalvar a hipótese de o falido ser condenado por crime falimentar, caso em que referida condenação também lhe impõe a pena acessória de inabilitação empresarial, e nesse caso essa inabilitação só cessará cinco anos após a extinção da punibilidade, nos termos do art. 181 da LRE.
3) Perda do direito de administração dos bens
Outro efeito importante da falência sobre a pessoa do devedor é a perda do direito de administração dos seus bens e da disponibilidade sobre eles, o que está previsto no art. 103 da LRE: “Desde a decretação da falência ou do sequestro, o devedor perde o direito de administrar os seus bens ou deles dispor”. A lei prevê apenas que o falido “poderá, contudo, fiscalizar a administração da falência, requerer as providências necessárias para a conservação de seus direitos ou dos bens arrecadados e intervir nos processos em que a massa falida seja parte ou interessada, requerendo o que for de direito e interpondo os recursos cabíveis” (parágrafo único).
Afinal, caso a falência não esteja sendo bem administrada, não são apenas os credores que serão prejudicados, mas também o próprio devedor, que tem a legítima expectativa de ver suas dívidas rapidamente honradas, na medida do possível, para que possa pedir no futuro a extinção de suas obrigações e voltar, eventualmente, a exercer atividade empresarial.
Efeitos quanto aos bens do devedor:
a) De acordo com o art. 116 da LRE, “a decretação da falência suspende: I – o exercício do direito de retenção sobre os bens sujeitos à arrecadação, os quais deverão ser entregues ao administrador judicial; II – o exercício do direito de retirada ou de recebimento do valor de suas quotas ou ações, por parte dos sócios da sociedade falida”.
A decretação da falência também acarreta “o vencimento antecipado das dívidas do devedor e dos sócios ilimitada e solidariamente responsáveis, com o abatimento proporcional dos juros, e converte todos os créditos em moeda estrangeira para a moeda do País, pelo câmbio do dia da decisão judicial” (art. 77 da LRE).
Ademais, prescreve o art. 122 da LRE que “compensam-se, com preferência sobre todos os demais credores, as dívidas do devedor vencidas até o dia da decretação da falência, provenha o vencimento da sentença de falência ou não, obedecidos os requisitos da legislação civil”. A regra do art. 122, todavia, não é absoluta, uma vez que o seu parágrafo único estabelece que “não se compensam: I – os créditos transferidos após a decretação da falência, salvo em caso de sucessão por fusão, incorporação, cisão ou morte; ou II – os créditos, ainda que vencidos anteriormente, transferidos quando já conhecido o estado de crise econômico-financeira do devedor ou cuja transferência se operou com fraude ou dolo”.
Por fim, determina o art. 124 da LRE que “contra a massa falida não são exigíveis juros vencidos após a decretação da falência, previstos em lei ou em contrato, se o ativo apurado não bastar para o pagamento dos credores subordinados”. Assim, em princípio fica suspensa a fluência de juros contra o devedor falido. Todavia, uma vez realizado o ativo e verificando-se que a massa possui recursos suficientes para saldar todos os seus credores, inclusive os subordinados, computam-se os juros normalmente e a massa deve pagá-los, conforme entendimento pacífico do Superior Tribunal de Justiça.
b) Os contratos do falido
Ao contrário do que se possa imaginar, os contratos do devedor falido não se extinguem de pleno direito em razão da decretação da falência. De acordo com o art. 117 da LRE, “os contratos bilaterais não se resolvem pela falência e podem ser cumpridos pelo administrador judicial se o cumprimento reduzir ou evitar o aumento do passivo da massa falida ou for necessário à manutenção e preservação de seus ativos, mediante autorização do Comitê”. De fato, muitas vezes a manutenção de certos vínculos contratuais pode ser extremamente interessante para a massa, do ponto de vista da maximização do seu ativo, uma vez que da continuidade do contrato podem advir recursos para o devedor, os quais posteriormente serão usados para saldar o seu passivo.
[…]
Ressalte-se, todavia, que, segundo alguns doutrinadores, notadamente Fábio Ulhoa Coelho, embora a redação do art. 117 da LRE não seja clara, ele se refere apenas aos contratos bilaterais que ainda não tiveram sua execução iniciada por qualquer uma das partes contratantes. Assim sendo, “a falência do contratante pode provocar a resolução do contrato em que ambas as partes assumem obrigações (sinalagmático) se a sua execução ainda não teve início por nenhuma delas”.22 Em contrapartida, se a execução do contrato já foi iniciada por alguma das partes, ou por ambas, não poderá ser resolvido o contrato, não se aplicando, nesse caso, a regra do art. 117 acima transcrita. Ocorrendo essa situação, a solução dependerá, segundo o referido autor, da posição assumida pelo devedor falido na relação contratual: (i) se ele é credor, caberá ao administrador judicial tomar as providências necessárias ao recebimento do crédito, que se incorporará à massa; (ii) se ele é devedor, caberá à parte contratante adversa habilitar o seu crédito no processo falimentar, a fim de receber o que lhe for devido no momento oportuno.
Efeito quanto aos credores do falido
a) instauração dos juízo universal
Decretada a falência pelo juízo competente, instaura-se o chamado juízo universal da falência, que atrairá para si todas – na verdade, quase todas – as ações que envolvam o devedor falido. Trata-se do que os doutrinadores chamam de aptidão atrativa do juízo falimentar, que passa a ser o juízo competente para processar e julgar todas as demandas de cunho patrimonial relativas ao devedor.
A matéria está traçada no art. 76 da LRE: “o juízo da falência é indivisível e competente para conhecer todas as ações sobre bens, interesses e negócios do falido, ressalvadas as causas trabalhistas, fiscais e aquelas não reguladas nesta Lei em que o falido figurar como autor ou litisconsorte ativo”. […]
A universalidade do juízo falimentar, todavia, não é absoluta, visto que há certas demandas judiciais, mencionadas no próprio art. 76 da LRE, que não são atraídas para ele: “causas trabalhistas, fiscais e aquelas não reguladas nesta Lei em que o falido figurar como autor ou litisconsorte ativo”. Devem-se acrescentar ainda as ações que demandam quantia ilíquida (art. 6.º, § 1.º, da LRE) e as ações em que for parte União ou entidade federal (art. 109, I, da CF/1988).
Quanto às ações não reguladas pela LRE em que a massa falida atue no polo ativo da relação processual, individualmente ou em litisconsórcio, cumpre frisar que estamos nos referindo apenas às ações não reguladas na LRE. Portanto, nas ações reguladas pela LRE, ainda que a massa falida seja autora ou litisconsorte ativa, o juízo falimentar será o juízo competente para processá-la e julgá-la. É o que ocorre, por exemplo, na hipótese de a massa falida ajuizar ação revocatória (art. 132 da LRE) contra o devedor. Como se trata de ação regulada na própria legislação falimentar, a competência para o seu processamento e julgamento é do juízo universal da falência, não obstante esteja a massa no polo ativo da demanda.
Por fim, vale lembrar que, de acordo com o art. 76, parágrafo único, da LRE, todas as ações do devedor falido, inclusive as que correm fora do juízo universal da falência, “terão prosseguimento com o administrador judicial, que deverá ser intimado para representar a massa falida, sob pena de nulidade do processo”. O administrador judicial passa a ser, pois, o representante legal da massa falida, atuando em juízo na defesa de seus interesses em todos os processos nos quais a mesma seja parte ou interessada.
b) suspensão da prescrição e das execuções contra o falido
No mesmo sentido da regra do art. 76 da LRE, que estabelece a formação do juízo universal da falência, o art. 6.º determina que “a decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário”. Essa suspensão será decretada na própria sentença que decreta a falência, conforme determinação do art. 99, V, da LRE.
Da mesma forma que a universalidade do juízo falimentar não é absoluta, a regra que estabelece a suspensão da prescrição e das ações e execuções contra o devedor falido também admite exceções. Em suma: embora a lei diga que a decretação da falência suspende a prescrição e o curso de “todas” as ações e execuções contra o devedor, a verdade é que não são todas as ações e execuções que se submetem a essa regra.
Ademais, quanto à expressão “sócio solidário” prevista na parte final do art. 6.º da LRE, o STJ tem entendido que ela não se refere aos sócios que, eventualmente, assumem a condição de fiadores ou avalistas da sociedade em determinados negócios jurídicos, mas apenas aos sócios de responsabilidade ilimitada presentes em alguns tipos societários específicos, como a sociedade em nome coletivo, por exemplo. Nesse sentido, foi aprovado o Enunciado 43 da I Jornada de Direito Comercial do CJF: “a suspensão das ações e execuções previstas no art. 6.º da Lei n. 11.101/2005 não se estende aos coobrigados do devedor”.
c)
A LRE impõe alguns deveres ao falido. Qual a consequência do não atendimento a esses deveres?
Resumo
A desobediência dos deveres pelo falido importa, depois da devida intimação para cumpri-los, em crime de desobediência.
Lei
Art. 104. A decretação da falência impõe ao falido os seguintes deveres:
I – assinar nos autos, desde que intimado da decisão, termo de comparecimento, com a indicação do nome, nacionalidade, estado civil, endereço completo do domicílio, devendo ainda declarar, para constar do dito termo:
a) as causas determinantes da sua falência, quando requerida pelos credores;
b) tratando-se de sociedade, os nomes e endereços de todos os sócios, acionistas controladores, diretores ou administradores, apresentando o contrato ou estatuto social e a prova do respectivo registro, bem como suas alterações;
c) o nome do contador encarregado da escrituração dos livros obrigatórios;
d) os mandatos que porventura tenha outorgado, indicando seu objeto, nome e endereço do mandatário;
e) seus bens imóveis e os móveis que não se encontram no estabelecimento;
f) se faz parte de outras sociedades, exibindo respectivo contrato;
g) suas contas bancárias, aplicações, títulos em cobrança e processos em andamento em que for autor ou réu;
II – depositar em cartório, no ato de assinatura do termo de comparecimento, os seus livros obrigatórios, a fim de serem entregues ao administrador judicial, depois de encerrados por termos assinados pelo juiz;
III – não se ausentar do lugar onde se processa a falência sem motivo justo e comunicação expressa ao juiz, e sem deixar procurador bastante, sob as penas cominadas na lei;
IV – comparecer a todos os atos da falência, podendo ser representado por procurador, quando não for indispensável sua presença;
V – entregar, sem demora, todos os bens, livros, papéis e documentos ao administrador judicial, indicando-lhe, para serem arrecadados, os bens que porventura tenha em poder de terceiros;
VI – prestar as informações reclamadas pelo juiz, administrador judicial, credor ou Ministério Público sobre circunstâncias e fatos que interessem à falência;
VII – auxiliar o administrador judicial com zelo e presteza;
VIII – examinar as habilitações de crédito apresentadas;
IX – assistir ao levantamento, à verificação do balanço e ao exame dos livros;
X – manifestar-se sempre que for determinado pelo juiz;
XI – apresentar, no prazo fixado pelo juiz, a relação de seus credores;
XII – <strong>examinar e dar parecer sobre as contas do administrador judicial.</strong>
Parágrafo único. Faltando ao cumprimento de quaisquer dos deveres que esta Lei lhe impõe, após intimado pelo juiz a fazê-lo, responderá o falido por crime de desobediência.
A cláusula arbitral impede que uma das partes formule pedido de falência?
Resumo
- Não. A cláusula arbitral não impede a execução do título e, com ainda mais razão, o pedido de falência.
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Havendo a decretação da falência, algumas questões que envolvem a arbitragem suscitam polêmica. Por exemplo: a existência de cláusula arbitral, que, como se sabe, afasta a atuação do Poder Judiciário para solução de litígios decorrentes daquele contrato, impedem que uma das partes requeira a decretação da falência da outra? A Terceira Turma do STJ entendeu que não. Decidiu-se que é possível a decretação de falência na hipótese de inadimplemento de títulos de crédito ligados a contrato no qual há previsão de convenção de arbitragem, visto que o inadimplemento serve de base tanto para dar início à execução por quantia certa quanto para fundamentar pedido de falência, sendo certo, ademais, que a convenção de arbitragem em nada afeta a executividade dos títulos de crédito, nem constitui causa impeditiva da deflagração do procedimento falimentar perante o Poder Judiciário. Confira-se a ementa do acórdão:
Direito processual civil e falimentar. Recurso especial. Embargos de declaração. Omissão, contradição ou obscuridade. Não ocorrência. Pedido de falência. Inadimplemento de títulos de crédito. Contrato com cláusula compromissória. Instauração prévia do juízo arbitral. Desnecessidade. (…) 2 – A convenção de arbitragem prevista em contrato não impede a deflagração do procedimento falimentar fundamentado no art. 94, I, da Lei n. 11.101/05. 3 – <strong>A existência de cláusula compromissória, de um lado, não afeta a executividade do título de crédito inadimplido. De outro lado, a falência, instituto que ostenta natureza de execução coletiva, não pode ser decretada por sentença arbitral. Logo, o direito do credor somente pode ser exercitado mediante provocação da jurisdição estatal.</strong> 4 – Admite-se a convivência harmônica das duas jurisdições – arbitral e estatal –, desde que respeitadas as competências correspondentes, que ostentam natureza absoluta. Precedente. 5 – Recurso especial não provido (REsp 1.277.725/AM, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3.ª Turma, j. 12.03.2013, DJe 18.03.2013).
Decretada a falência, o processo arbitral em andamento deve ser suspenso?
Resumo
- O entendimento majoritário é de que a arbitragem não se suspende, aplicando-se a ela a ressalva do art. 6.º, § 1.º, da LRE, que assim determina: “terá prosseguimento no juízo no qual estiver se processando a ação que demandar quantia ilíquida”.
Livro
Outra questão que se tem debatido é a seguinte: decretada a falência, caso exista procedimento arbitral já em curso, ele deve ser suspenso, nos termos do art. 6.º, caput, da LRE? O entendimento majoritário é de que a arbitragem não se suspende, aplicando–se a ela a ressalva do art. 6.º, § 1.º, da LRE, que assim determina: “terá prosseguimento no juízo no qual estiver se processando a ação que demandar quantia ilíquida”. Assim, o procedimento arbitral continua normalmente até que seja decidido. Se a decisão do árbitro impuser uma condenação pecuniária ao falido, o crédito será habilitado no processo falimentar, exatamente como ocorre com qualquer ação que demanda quantia ilíquida.
Pode ainda o árbitro, no curso do procedimento arbitral, determinar ao juízo falimentar a reserva de valores, nos termos do art. 6.º, § 3.º, da LRE. Vale salientar, porém, que nesses casos as partes provavelmente terão que abrir mão do sigilo que normalmente envolve os processos arbitrais, não apenas para permitir ao juízo arbitral a comunicação ao juízo falimentar (art. 6.º, §§ 3.º e 6.º, da LRE), mas também em nome do princípio da transparência que deve ser sempre observado nas demandas concursais.
O que ocorre com as execuções individuais após sua suspensão em razão da instauração da falência?
Sobre essa regra do art. 6.o e sua aplicação no caso de falência, a Terceira Turma do STJ entendeu que a suspensão das execuções individuais contra o devedor falido (art. 6.o, caput e art. 99, inciso V da LRE) só deve ser mantida enquanto houver possibilidade de reforma da decisão que decretou a falência.
Após isso, as execuções devem ser extintas. Decidiu-se que “exceto na hipótese de a decisão que decreta a falência ser reformada em grau de recurso, a suspensão das execuções terá força de definitividade, correspondendo à extinção do processo.” (REsp 1564021/MG).
Art. 6º A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário.
§ 1º Terá prosseguimento no juízo no qual estiver se processando a ação que demandar quantia ilíquida.
O que ocorre com a ação trabalhista após a instauração da falência?
Resumo
- Ela continua seu curso até definição do crédito.
- Contudo, o cálculo do crédito deve levar em conta a data da decretação da falência.
- O juiz trabalhista pode determinar a reserva de valores na falência para evitar prejuízos ao reclamante.
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Vê-se, pois, que o STJ decidiu que, uma vez decretada a quebra, as reclamações trabalhistas anteriormente intentadas devem ser ultimadas pela Justiça do Trabalho, que é absolutamente competente para o respectivo julgamento (art. 114 da CF/1988). Entretanto, definitivamente julgados e liquidados os créditos trabalhistas, a respectiva execução deles deve ser remetida ao juízo universal da falência, a quem compete classificar os créditos de acordo com ordem legal, em respeito a par conditio creditorum.
Sobre esse § 2.º do art. 6.º, foi editado o Enunciado 73 na II Jornada de Direito Comercial do CJF: “para que seja preservada a eficácia do disposto na parte final do § 2.º do artigo 6.º da Lei n. 11.101/05, é necessário que, no juízo do trabalho, o crédito trabalhista para fins de habilitação seja calculado até a data do pedido da recuperação judicial ou da decretação da falência, para não se ferir a par conditio creditorum e observarem-se os arts. 49, caput, e 124 da Lei n. 11.101/2005”.
Portanto, tanto as ações que demandam quantia ilíquida quanto as reclamações trabalhistas não se suspendem, continuando a tramitar no respectivo juízo até que se apure o valor do crédito. Todavia, pode ser que a demora na definição dos créditos discutidos nessas ações comprometa o direito dos respectivos credores, sobretudo se o processo de falência tramitar rapidamente. Pensando nisso, previu a LRE, no § 3.º do art. 6.º: “O juiz competente para as ações referidas nos §§ 1.º e 2.º deste artigo poderá determinar a reserva da importância que estimar devida na recuperação judicial ou na falência, e, uma vez reconhecido líquido o direito, será o crédito incluído na classe própria”.
Sendo assim, cabe aos interessados – por exemplo, o reclamante – pleitear, perante o juízo em que tramita o seu processo – no caso, o juízo trabalhista –, a reserva de valor. Assim, nesse exemplo dado, o Juiz do Trabalho determinaria ao juízo da falência que reservasse um valor determinado, para que, na eventualidade de aquele reclamante vencer a reclamação trabalhista, não ver frustrado seu direito de crédito em razão de a massa já ter usado seus recursos para pagamento dos demais credores.
Art. 6º A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário.
§ 2º É permitido pleitear, perante o administrador judicial, habilitação, exclusão ou modificação de créditos derivados da relação de trabalho, mas as ações de natureza trabalhista, inclusive as impugnações a que se refere o art. 8º desta Lei, serão processadas perante a justiça especializada até a apuração do respectivo crédito, que será inscrito no quadro-geral de credores pelo valor determinado em sentença.
Considerando que o texto do art. 6.º, § 7.º, da LRE, pode-se dizer que a falência suspende a execução fiscal? Entendendo-se que não se suspende, é correto afirmar que o juiz da execução fiscal pode determinar medidas constritivas contra o falido?
§ 7º As execuções de natureza fiscal não são suspensas pelo deferimento da recuperação judicial, ressalvada a concessão de parcelamento nos termos do Código Tributário Nacional e da legislação ordinária específica.
Resumo
- Há divergência na doutrina.
- STJ entende que suspensão não se aplica nem no caso de recuperação judicial nem no de falência.
- A não suspensão da execução, todavia, não autoriza que se realize constrições judiciais no bojo da execução fiscal, sob pena de violação do princípio da igualdade entre os credores. O juiz da execução deverá apenas comunicar o da falência, para que inclua o crédito no quadro-geral de credores.
Livro
Outra exceção prevista à regra de suspensão das ações e execuções contra o devedor falido é relativa às execuções fiscais (Lei 6.830/1980), uma vez que a Fazenda Pública, segundo o art. 187 do Código Tributário Nacional, não se sujeita a nenhum tipo de concurso de credores. Quanto a esse ponto, cumpre destacar que a LRE trouxe, segundo alguns autores, uma importante inovação, ao prever que as execuções fiscais não se suspendem apenas na recuperação judicial, conforme dispõe o art. 6.º, § 7.º, da LRE: “as execuções de natureza fiscal não são suspensas pelo deferimento da recuperação judicial, ressalvada a concessão de parcelamento nos termos do Código Tributário Nacional e da legislação ordinária específica”. Segundo esses autores, pela interpretação a contrario sensu desse dispositivo a decretação da falência suspende o curso da execução fiscal. É o que pensa, por exemplo, Manoel Justino Bezerra Filho, que assim se manifesta:
A nova lei trouxe inovação neste aspecto, pois permite o prosseguimento das execuções fiscais, apenas no caso de recuperação judicial, ressalvando unicamente esta situação no § 7.º do art. 6.º. Dessa forma, no sistema desta nova lei, decretada a falência, suspende-se a execução fiscal. <strong>O art. 187 do CTN, ao dizer que a cobrança judicial do crédito tributário não é sujeita a concurso de credores ou habilitação em falência, não dá permissão para a continuação da execução fiscal – apenas permite que o fisco, independentemente de procedimento de habilitação, informe seu crédito ao juiz da falência, para inclusão no quadro-geral de credores.</strong> Se acaso houver embargos de devedor em andamento, o feito continuará correndo ante o juízo original da execução, apenas até a solução dos embargos, por força o art. 76.
No entanto, o Superior Tribunal de Justiça decidiu, já na vigência da LRE, que a execução fiscal contra a massa falida não se suspende, podendo correr normalmente perante o juízo no qual foi proposta, mesmo que o juízo falimentar seja em outra circunscrição. O crédito fiscal deve, porém, respeitar a ordem de classificação dos créditos prevista na legislação falimentar (art. 83 da LRE).
[…]
De fato, a execução fiscal não deve ser suspensa em razão da decretação da falência do devedor. Aliás, isso é o que dispõe claramente a própria Lei 6.830/1980 (Lei de Execuções Fiscais), em seu art. 5.º: “a competência para processar e julgar a execução da Dívida Ativa da Fazenda Pública exclui a de qualquer outro Juízo, inclusive o da falência, da concordata, da liquidação, da insolvência ou do inventário”. […]
No entanto, embora a execução fiscal não se suspenda, isso não permite que o juízo da execução fiscal determine medidas constritivas contra o patrimônio do devedor após a sua falência, pois isso significaria excluir o crédito tributário da execução concursal falimentar, em clara violação do art. 83, III, da LRE e do princípio da par conditio creditorum. Assim, tomando conhecimento da decretação da quebra, o juízo da execução fiscal deve apenas comunicar ao juízo universal da falência o crédito tributário exequendo, a fim de que seja devidamente incluso no quadro-geral de credores.
Princípio da<em> par conditio creditorum</em>: O princípio<em> par conditio creditorum</em> ou princípio da igualdade entre credores é um princípio geral de Direito que determina que os credores de um devedor devem ser tratados de forma igual, sem prejuízo das diferenciações justificadas por razões objetivas.
Se no momento da decretação da falência, existir execução em andamento na qual já tenha sido penhorado bem do falido, como se deve proceder?
Resumo
- A legislação anterior tratava do tema de forma específica. A LRE foi omissa em relação ao assunto.
- Continua aplicável, porém, o entendimento formada na vigência da lei antiga: a) se o bem já tiver sido arrematado, só o valor remanescente - ou seja, aquilo que não tenha sido destinado ao credor - será remetido ao juízo da falência; b) se o bem não houver sido levado à hasta pública, deve-se fazê-lo, remetendo depois todo o valor para o juízo da falência.
- Aplicação do princípio da economia e celeridade processual.
- A suspensão da ação de execução, portanto, não ocorre no caso em que já há constrição de bem.
Livro
Um tema deveras polêmico relacionado à instauração do juízo universal da falência diz respeito ao tratamento que deve ser dispensado às execuções ajuizadas anteriormente ao decreto de falência nas quais já houve a realização de atos de constrição de bens, por exemplo, a penhora.
A antiga legislação falimentar continha regra específica sobre o assunto. Tratava-se do art. 24, § 1.º, que assim dispunha: “as ações ou execuções individuais dos credores, sob direitos e interesses relativos à massa falida, inclusive as dos credores particulares de sócio solidário da sociedade falida, ficam suspensas, desde que seja declarada a falência até o seu encerramento. § 1.º Achando-se os bens já em praça, com dia definitivo para arrematação, fixado por editais, far-se-á esta, entrando o produto para a massa. Se, porém, os bens já tiverem sido arrematados ao tempo da declaração da falência, somente entrará para a massa a sobra, depois de pago o exequente”. Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça tinha inúmeros precedentes […]
Em suma: o STJ entendia que a execução com penhora já realizada deveria prosseguir, com a realização da hasta pública e a consequente venda do bem. No entanto, o produto resultante da alienação dos bens, os quais foram penhorados antes da decretação da falência, deve ser remetido ao juízo universal da falência, a fim de que neste se proceda aos pagamentos de acordo com a ordem legal de preferência dos créditos, respeitando-se o princípio da par conditio creditorum.
A atual legislação, todavia, não contém regra específica. Não obstante, acreditamos que nada impede que se continue entendendo da mesma maneira. Afinal, se os bens foram arrematados antes da decretação da falência, nada justifica que o decreto de quebra posterior determine a remessa ao juízo falimentar do produto arrecadado com a arrematação. Deve-se privilegiar, nesse caso, o credor da execução individual, que teve todo o trabalho de conduzir o processo executivo até os seus atos finais. Assim, somente o eventual saldo remanescente deve ser enviado para a massa. Caso, em contrapartida, ainda não tenha ocorrido a venda do bem, deve-se proceder de forma diversa. Com efeito, nessa situação recomenda-se seja realizada a hasta pública – para que não sejam desperdiçados os atos processuais já praticados até aquele momento –, enviando-se apenas o produto arrecadado para o juízo falimentar. Não há como negar, pois, que nesse caso o credor da execução individual será de certa forma prejudicado, uma vez que todo o seu trabalho será aproveitado pelos demais credores habilitados no juízo da falência. E mais: caso ele não seja um credor privilegiado, pode até nem ser beneficiado com o produto arrecadado com a venda daquele(s) bem(ns) objeto de sua execução individual. Mas se deve agir assim em obediência ao princípio da par conditio creditorum.
Em suma: decretada a falência, a execução de quaisquer créditos contra o devedor falido deve ser feita no juízo universal da falência, ainda que se trate de crédito trabalhista ou tributário. Admite-se o prosseguimento da execução, excepcionalmente, apenas para que se ultimem alguns atos executórios já iniciados, em homenagem aos princípios da economia e celeridade processuais. Mesmo assim, o produto arrecadado deve ser remetido ao juízo falimentar, que o incorporará à massa e pagará os credores segundo a ordem de preferência determinada em lei. Nesse sentido, confiram-se as seguintes decisões do STJ, que explicam muito bem a questão […]
Qual a diferença entre massa falida objetiva e massa falida subjetiva?
O grande responsável pelo bom desenvolvimento do processo falimentar é o administrador judicial, que ficará encarregado de proceder, concomitantemente, ao (i) procedimento de arrecadação dos bens do devedor falido, o que dará origem à massa falida objetiva, e ao (ii) procedimento de verificação e habilitação dos créditos, o que dará origem à massa falida subjetiva.
Admite-se a adjudicação na falência?
Resumo
- Sim, mediante autorização judicial.
- Benefício: aceleração do trâmite falimentar.
Livro
Outra medida que pode ser tomada pelo juiz, com a oitiva prévia do comitê, se houver, é a autorização para que alguns credores, de forma individual ou coletiva, em razão dos custos e no interesse da massa falida, adquiram ou adjudiquem, de imediato, os bens arrecadados, pelo valor da avaliação, atendida a regra de classificação e preferência entre eles (art. 111 da LRE). Essa medida é muitas vezes interessante, porque evita a realização de leilão para a venda dos bens, acelerando o trâmite do processo falimentar.
Os atos praticados com intenção de prejudicar credores devem ser declarados ineficazes ou ter sua nulidade reconhecida? Em outras palavras, trata-se de ineficácia ou de nulidade?
Resumo
- Os atos praticados pelo falido no período suspeito podem ser considerados ineficazes.
- Nas hipóteses legais do art. 129, os atos serão considerados ineficazes.
- O art. 130, relativo à ação revocatória, fala em revogação dos atos praticados com a intenção de prejudicar credores.
- Embora a Lei use o termo “revogação”, o caso é de ineficácia. Tanto assim que o art. 136 atribui as mesmas consequências para os atos referidos no art. 129 e os atos de que cuida o art. 130.
- Trata-se de ineficácia subjetiva. Pode ocorrer fora do período suspeito. “[…] só terão reconhecida a sua ineficácia se forem provados (i) a intenção de prejudicar os credores, (ii) o conluio fraudulento entre o devedor e o terceiro que contratou com ele e (iii) o real prejuízo da massa.”
- Isso não ocorre nas hipóteses do art. 129 (ineficácia objetiva).
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A arrecadação dos bens do devedor falido não deve se restringir ao ativo que o devedor possui no momento em que sua falência foi decretada. Afinal, é bem possível que o devedor tenha se desfeito de bens que compunham seu ativo antes da decretação da quebra com o objetivo de evitar que tais bens fossem arrecadados no processo falimentar.
É justamente por esse motivo que, quando estudamos a sentença que decreta a falência do devedor, vimos que uma das principais medidas tomadas pelo juízo falimentar quando da sua prolação consiste na fixação do termo legal da falência, que irá delimitar o chamado período suspeito.
A principal finalidade da fixação do termo legal, como visto, é delimitar um lapso temporal prévio à decretação da falência que será investigado pelos credores, uma vez que durante esse período o empresário individual falido ou os administradores da sociedade empresária falida, por exemplo, pressentindo a futura decretação da quebra e temerosos quanto aos efeitos patrimoniais negativos advindos da instauração do processo falimentar, podem eventualmente ter praticado alguns atos que prejudiquem os interesses de credores.
Diante dessa inexorável realidade, a LRE contempla uma série de regras específicas que estabelecem a ineficácia de certos atos praticados pelo devedor falido antes da decretação da falência, e o reconhecimento da ineficácia desses atos perante a massa, consequentemente, permitirá que mais bens sejam incorporados a ela.
[…]
Antes de analisarmos especificamente os atos objetivamente e subjetivamente ineficazes perante a massa, cumpre esclarecer que há uma relevante diferença entre ineficácia e nulidade. A declaração de ineficácia do ato perante a massa não se confunde com a declaração de sua nulidade.
Os atos da sociedade falida considerados ineficazes pela Lei de Falências não produzem qualquer efeito jurídico perante a massa. Não são atos nulos ou anuláveis, ressalte-se, mas ineficazes. Quer dizer, sua validade não se compromete pela lei falimentar – embora de alguns deles até se pudesse cogitar de invalidação por vício social, nos termos da lei civil. Por isso, os atos referidos pela Lei de Falências como ineficazes diante da massa falida produzem, amplamente, todos os efeitos para os quais estavam preordenados em relação aos demais sujeitos de direito.
É bem verdade que a LRE, repetindo a técnica constante da lei anterior, usa expressões distintas para se referir aos atos objetivamente ineficazes e aos atos subjetivamente ineficazes. No primeiro caso, fala realmente em ineficácia perante a massa, que pode ser reconhecida até mesmo de ofício pelo juiz, enquanto no segundo caso fala em revogação, que só poderia ser reconhecida por meio de ação autônoma, a ação revocatória. Não obstante o uso equivocado da expressão revogação para os atos subjetivamente ineficazes (art. 130 da LRE [“São revogáveis os atos praticados com a intenção de prejudicar credores, provando-se o conluio fraudulento entre o devedor e o terceiro que com ele contratar e o efetivo prejuízo sofrido pela massa falida”]), não é exatamente isso o que ocorre com eles, na verdade. De fato, a consequência jurídica que a LRE atribui, tanto para os atos do art. 129 quanto para os atos do art. 130 é a ineficácia perante a massa, ou seja, trata-se de atos válidos, mas que não produzem nenhum efeito jurídico perante a massa falida.
Corrobora esse nosso entendimento – que, conforme demonstra a transcrição acima, não é isolado, mas compartilhado pela doutrina majoritária – a norma do art. 136 da LRE, segundo a qual “reconhecida a ineficácia ou julgada procedente a ação revocatória, as partes retornarão ao estado anterior, e o contratante de boa-fé terá direito à restituição dos bens ou valores entregues ao devedor”. Veja-se que a lei atribui os mesmos efeitos tanto à hipótese de reconhecimento de ineficácia (art. 129 – atos objetivamente ineficazes) quanto à hipótese de “revogação” decorrente da procedência da ação revocatória (art. 130 – atos subjetivamente ineficazes).
Em conclusão, pode-se dizer, então, que apesar de a LRE usar a expressão revogação para os atos do art. 130, eles são na verdade ineficazes perante a massa, assim como os atos do art. 129. A diferença, conforme será visto adiante, é que estes são objetivamente ineficazes, e aqueles são subjetivamente ineficazes.
OBSERVAÇÃO:
Ineficácia subjetiva: “no caso dos atos subjetivamente ineficazes, não há a previsão específica de condutas típicas do devedor nem a utilização de nenhum marco temporal como referência. Em princípio, portanto, qualquer ato do devedor que os credores julguem encaixar-se na previsão do art. 130 da LRE, independentemente da época de sua prática, pode ser questionado com o requerimento de declaração da sua ineficácia perante a massa.”
Cite alguns dos atos do falido que, segundo a lei, são considerados objetivamente ineficazes.
Trata-se do que a doutrina chama de atos objetivamente ineficazes, uma vez que o reconhecimento de sua ineficácia independe da demonstração de fraude do devedor ou de conluio com o terceiro que com ele contratou. Veja-se que os atos objetivamente ineficazes estão previstos em rol taxativo e sua prática, em geral, ocorreu em certo lapso temporal específico – que muitas vezes é justamente o denominado período suspeito, delimitado a partir da fixação do termo legal da falência.
Art. 129. São ineficazes em relação à massa falida, tenha ou não o contratante conhecimento do estado de crise econômico-financeira do devedor, seja ou não intenção deste fraudar credores:
I – o pagamento de dívidas não vencidas realizado pelo devedor dentro do termo legal, por qualquer meio extintivo do direito de crédito, ainda que pelo desconto do próprio título;
II – o pagamento de dívidas vencidas e exigíveis realizado dentro do termo legal, por qualquer forma que não seja a prevista pelo contrato;
III – a constituição de direito real de garantia, inclusive a retenção, dentro do termo legal, tratando-se de dívida contraída anteriormente; se os bens dados em hipoteca forem objeto de outras posteriores, a massa falida receberá a parte que devia caber ao credor da hipoteca revogada;
IV – a prática de atos a título gratuito, desde 2 (dois) anos antes da decretação da falência;
V – a renúncia à herança ou a legado, até 2 (dois) anos antes da decretação da falência;
VI – a venda ou transferência de estabelecimento feita sem o consentimento expresso ou o pagamento de todos os credores, a esse tempo existentes, não tendo restado ao devedor bens suficientes para solver o seu passivo, salvo se, no prazo de 30 (trinta) dias, não houver oposição dos credores, após serem devidamente notificados, judicialmente ou pelo oficial do registro de títulos e documentos;
VII – os registros de direitos reais e de transferência de propriedade entre vivos, por título oneroso ou gratuito, ou a averbação relativa a imóveis realizados após a decretação da falência, salvo se tiver havido prenotação anterior.
OBS: No inciso IV, por sua vez, é prevista como ato objetivamente ineficaz “a prática de atos a título gratuito, desde 2 (dois) anos antes da decretação da falência”. Embora nesse caso não se utilize o termo legal como referência, também se exige, para o reconhecimento da ineficácia do ato, que este tenha sido praticado em determinado lapso temporal prévio à decretação da quebra. Ora, já vimos, no capítulo 2, que é da essência do direito empresarial lidar com situações onerosas, dados a especulação e o intuito lucrativo típicos das atividades econômicas exercidas pelos empresários e pelas sociedades empresárias. O simples fato de o devedor falido ter praticado atos gratuitos, de mera liberalidade, em período no qual, supõe-se, ele já tinha consciência do seu estado de crise, por si só justifica o dispositivo em questão. Devem ser ressalvados, entretanto: (i) os atos gratuitos de valor irrisório, como as doações a entidades beneficentes e os brindes promocionais, e (ii) as gratificações pagas a diretores e empregados.
É eficaz em relação à massa falida a alienação de imóvel de sua propriedade ocorrida dentro do termo legal da falência, também denominado período suspeito, mas anteriormente à declaração da quebra?
Resumo
- É eficaz a venda realizada no período suspeito.
- A única restrição é que não se pode tranferir o imóvel por meio de registro após a decretação da falência, exceto se tiver havido prenotação do negócio do registro de imóveis.
Livro
Por fim, no inciso VII, a lei prevê a ineficácia objetiva dos “registros de direitos reais e de transferência de propriedade entre vivos, por título oneroso ou gratuito, ou a averbação relativa a imóveis realizados após a decretação da falência, salvo se tiver havido prenotação anterior”. Sabe-se que a oneração ou a alienação de bem imóvel só se aperfeiçoa, produzindo efeitos perante terceiros, depois de devidamente registrada no órgão competente, isto é, o cartório de registro de imóveis. Ora, se até a decretação da falência não tinha sido levado a efeito o registro, ele será completamente ineficaz perante a massa se feito após a sentença de quebra. A única exceção aberta pela norma em questão é a existência de prenotação anterior. Isso nos leva a concluir, pois, a contrario sensu, que a simples operação de venda de bens imóveis do devedor ou a mera constituição de garantia sobre eles, antes da decretação de sua falência – ainda que dentro do período suspeito –, é plenamente válida e eficaz. Esse sempre foi o entendimento pacífico do Superior Tribunal de Justiça, conforme demonstram os julgados a seguir transcritos:
Ação revocatória. Art. 52, VII, da Lei de Falências. Precedentes da Corte. 1. Como assentado na jurisprudência da Corte, “inocorrendo demonstração de fraude, <strong>é eficaz em relação à massa falida a alienação de imóvel de sua propriedade ocorrida dentro do termo legal da falência, também denominado período suspeito, mas anteriormente à declaração da quebra</strong>” (REsp n.º 246.667/SP, Relator o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 14.04.2003; na mesma linha: REsp n.º 168.401/RS, relator o Ministro Barros Monteiro, DJ de 17/2/03; REsp n.º 228.197/SP, de minha relatoria, DJ de 18/12/2000). 2. Recurso especial conhecido e provido. (STJ, REsp 681.798/PR, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ 22.08.2005, p. 271).
[…]
Ocorre que, se a venda foi feita, mas o registro respectivo não foi efetuado, não se poderá fazê-lo depois da sentença de quebra. É isso o que a regra em comento preceitua. E a razão para essa regra é bastante simples: caso se admitisse o registro posterior, estar-se-ia abrindo uma brecha perigosa, isto é, permitindo que se forjasse um contrato de compra e venda anterior à sentença, para justificar o registro posterior à quebra. Isso explica, ademais, o fato de a lei fazer uma única ressalva: a existência de prenotação anterior.