Contratos empresariais - André Flashcards

1
Q

Em que situações os CDC pode se aplicar a contratos celebrados entre empresários?

A

Resumo

  • Aplica-se quando o empresário é o destinatário fático e econômico do bem;
  • Aplica-se quando, ainda que não seja destinatário econômico, seja vulnerável.
  • Segundo o STJ, o fornecedor é quem deve provar a não vulnerabilidade.

Livro

[…]

Enfim, o STJ tem entendido que um empresário individual, uma EIRELI ou uma sociedade empresária não são considerados consumidores quando adquirem produtos ou serviços que são utilizados, direta ou indiretamente, na atividade econômica que exercem.

Está correto o entendimento do STJ, porque nesses casos há uma relação empresarial, e não uma relação de consumo. Nesse sentido, confira-se o Enunciado 20 da I Jornada de Direito Comercial do CJF: “Não se aplica o Código de Defesa do Consumidor aos contratos celebrados entre empresários em que um dos contratantes tenha por objetivo suprir-se de insumos para sua atividade de produção, comércio ou prestação de serviços”.

No entanto, quando o empresário individual, a EIRELI ou a sociedade empresária adquirem produtos ou serviços na qualidade de destinatários finais econômicos deles, o STJ entende configurada uma relação de consumo e aplica o CDC a tais relações.

[…]

O STJ também tem admitido a aplicação do CDC a relações entre empresários quando fica caracterizada a vulnerabilidade técnica, jurídica ou econômica de uma das partes.

[…]

Processo Civil e Consumidor. Agravo de instrumento. Concessão de efeito suspensivo. Mandado de segurança. Cabimento. Agravo. Deficiente formação do instrumento. Ausência de peça essencial. Não conhecimento. Relação de consumo. Caracterização. Destinação final fática e econômica do produto ou serviço. Atividade empresarial. Mitigação da regra. Vulnerabilidade da pessoa jurídica. Presunção relativa. (…) – A jurisprudência consolidada pela 2.ª Seção deste STJ entende que, a rigor, a efetiva incidência do CDC a uma relação de consumo está pautada na existência de destinação final fática e econômica do produto ou serviço, isto é, exige-se total desvinculação entre o destino do produto ou serviço consumido e qualquer atividade produtiva desempenhada pelo utente ou adquirente. Entretanto, o próprio STJ tem admitido o temperamento desta regra, com fulcro no art. 4.º, I, do CDC, fazendo a lei consumerista incidir sobre situações em que, apesar do produto ou serviço ser adquirido no curso do desenvolvimento de uma atividade empresarial, haja vulnerabilidade de uma parte frente à outra. – Uma interpretação sistemática e teleológica do CDC aponta para a existência de uma vulnerabilidade presumida do consumidor, inclusive pessoas jurídicas, visto que a imposição de limites à presunção de vulnerabilidade implicaria restrição excessiva, incompatível com o próprio espírito de facilitação da defesa do consumidor e do reconhecimento de sua hipossuficiência, circunstância que não se coaduna com o princípio constitucional de defesa do consumidor, previsto nos arts. 5.º, XXXII, e 170, V, da CF. <strong>Em suma, prevalece a regra geral de que a caracterização da condição de consumidor exige destinação final fática e econômica do bem ou serviço, mas a presunção de vulnerabilidade do consumidor dá margem à incidência excepcional do CDC às atividades empresariais, que só serão privadas da proteção da lei consumerista quando <u>comprovada, pelo fornecedor, </u>a não vulnerabilidade do consumidor pessoa jurídica. </strong>– Ao encampar a pessoa jurídica no conceito de consumidor, a intenção do legislador foi conferir proteção à empresa nas hipóteses em que, participando de uma relação jurídica na qualidade de consumidora, sua condição ordinária de fornecedora não lhe proporcione uma posição de igualdade frente à parte contrária. Em outras palavras, a pessoa jurídica deve contar com o mesmo grau de vulnerabilidade que qualquer pessoa comum se encontraria ao celebrar aquele negócio, de sorte a manter o desequilíbrio da relação de consumo. A “paridade de armas” entre a empresa-fornecedora e a empresa–consumidora afasta a presunção de fragilidade desta. Tal consideração se mostra de extrema relevância, pois uma mesma pessoa jurídica, enquanto consumidora, pode se mostrar vulnerável em determinadas relações de consumo e em outras não. Recurso provido (RMS 27.512/BA, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3.ª Turma, j. 20.08.2009, DJe 23.09.2009)

Portanto, pode-se concluir que, nas relações entre empresários: (i) em regra, não se aplica o CDC, porque nenhuma das partes assume a condição de destinatário final, já que os produtos ou serviços que são utilizados, direta ou indiretamente, na atividade econômica que exercem; (ii) aplica-se o CDC quando uma das partes, ainda que seja um empresário individual ou sociedade empresária, assuma a condição de destinatário final econômico do produto ou serviço; e (iii) aplica-se excepcionalmente o CDC, ainda que nenhuma das partes seja destinatária final do bem, mas ostente vulnerabilidade técnica, econômica ou jurídica em relação à outra.

CRÍTICA DO AUTOR:

Para finalizar, esclareço apenas que não concordo com esse alargamento da aplicação do CDC às relações entre empresários. O CDC é um microssistema legislativo específico que consagra um sistema de proteção do consumidor, entendido pelo legislador como parte contratual vulnerável, que precisa da tutela estatal. Na visão liberal adotada nesta obra, a própria existência do CDC, pois, é um erro, mas não cabe essa discussão neste espaço. O que cabe é apontar o erro maior ainda, que é a aplicação desse sistema protetivo a relações empresariais, nas quais a intervenção estatal deve ser a todo custo evitada, com as partes tendo ampla e irrestrita liberdade contratual e assumindo os riscos de suas contratações. Os entendimentos acima transcritos do STJ aumentam os custos de transação e trazem insegurança jurídica, o que, em última análise, acaba prejudicando justamente os consumidores, porque tais custos acabam sendo internalizados e refletem no geral um aumento dos preços.

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Q

Admite-se a intervenção do Estado nas relações empresariais com base no Código Civil? Ou seja, o dirigismo contratual também se aplica nessa esfera?

A

Resumo:

  • Segundo Ulhoa, as relações empresariais não são, em regra, assimétricas.
  • A assimetria que pode existir não deriva da vulnerabilidade ou da hipossuficiência, mas da dependência econômica (franquia, v.g. - Ulhoa, Fábio)
  • Intervenção contratual excepcional segundo STJ e enunciado da CJF.
  • Regra do mercado: o empresário que acerta, ganha; o que erra, perde. Intervenção gera distorções no mercado, cria risco moral e gera insegurança jurídica.
  • Lei da liberdade econômica consagrou a excepcionalidade da revisão.

Livro:

Ocorre que os muitos empresarialistas sempre sustentaram que no direito empresarial não se pode pressupor uma assimetria contratual, porque na relação entre empresários não há, em princípio, uma parte presumidamente vulnerável ou hipossuficiente, de modo que o dirigismo contratual deveria ser evitado ou, pelo menos, aplicado com mais cautela.

Analisando essa questão, Fábio Ulhoa Coelho defende que nos contratos empresariais o dirigismo contratual deve ser menor que em outras áreas do direito privado, uma vez que nem toda relação empresarial é assimétrica. Ademais, o autor entende que no direito empresarial a assimetria não deriva da vulnerabilidade nem da hipossuficiência, mas sim do que ele chama de dependência empresarial, que se faz presente quando um empresário tem que organizar sua atividade segundo diretrizes emanadas por outro empresário (é o que ocorre com frequência, por exemplo, nos contratos de colaboração: franquia, representação etc.). Segundo ele, somente quando caracterizada essa dependência é que se justificaria a proteção do contratante mais fraco no direito empresarial.

[…]

Do que se expôs acima, formulamos, nas edições anteriores desta obra, algumas conclusões importantes quanto à aplicação do Código Civil (na sua redação original) aos contratos empresariais: (i) nos contratos empresariais o dirigismo contratual deve ser aplicado apenas quando se constatar, no caso concreto, a existência excepcional de uma assimetria contratual; (ii) as regras contratuais protetivas do CC devem ser aplicadas aos contratos empresariais com cautela, sempre levando-se em conta a especificidade desses contratos, e (iii) princípios contratuais protetivos, como a função social dos contratos e a boa-fé objetiva, devem ser interpretados de forma diferente quando aplicados aos contratos empresariais.

Corroborando o que defendemos acima, confiram-se os seguintes acórdãos do STJ:

Direito empresarial. Contratos. Compra e venda de coisa futura (soja). Teoria da imprevisão. Onerosidade excessiva. Inaplicabilidade. 1. <strong>Contratos empresariais não devem ser tratados da mesma forma que contratos cíveis em geral ou contratos de consumo. Nestes admite-se o dirigismo contratual. Naqueles devem prevalecer os princípios da autonomia da vontade e da força obrigatória das avenças.</strong> 2. Direito Civil e Direito Empresarial, ainda que ramos do Direito Privado, submetem–se a regras e princípios próprios. O fato de o Código Civil de 2002 ter submetido os contratos cíveis e empresariais às mesmas regras gerais não significa que estes contratos sejam essencialmente iguais. (…) (REsp 936.741/GO, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, 4.ª Turma, j. 03.11.2011).

Conflito de competência. Cláusula de eleição de foro. Relação empresarial. Não incidência do Código de Defesa do Consumidor. I – É válida cláusula de eleição de foro consensualmente estipulada pelas partes em relação tipicamente empresarial, mormente quando se trata de produtores rurais que desenvolvem atividades de grande porte e contratam em igualdades de condições. Agravo Regimental improvido (AgRg no CC 68.062/SP, Rel. Min. Sidnei Beneti, 2.ª Seção, j. 13.10.2010, DJe 27.10.2010). Recurso especial. Direito civil e processual civil. Locação de espaço em shopping center. Ação de despejo por falta de pagamento. Aplicação do art. 54 da Lei de Locações. Cobrança em dobro do aluguel no mês de dezembro. Concreção do princípio da autonomia privada. Necessidade de respeito aos princípios da obrigatoriedade (“pacta sunt servanda”) e da relatividade dos contratos (“inter alios acta”). Manutenção das cláusulas contratuais livremente pactuadas. Recurso especial provido. 1. Afastamento pelo acórdão recorrido de cláusula livremente pactuada entre as partes, costumeiramente praticada no mercado imobiliário, prevendo, no contrato de locação de espaço em shopping center, o pagamento em dobro do aluguel no mês de dezembro. 2. <strong>O controle judicial sobre eventuais cláusulas abusivas em contratos empresariais é mais restrito do que em outros setores do Direito Privado, pois as negociações são entabuladas entre profissionais da área empresarial, observando regras costumeiramente seguidas pelos integrantes desse setor da economia. 3. Concreção do princípio da autonomia privada no plano do Direito Empresarial, com maior força do que em outros setores do Direito Privado, em face da necessidade de prevalência dos princípios da livre-iniciativa, da livre concorrência e da função social da empresa. </strong> 4. Recurso especial provido (REsp 1.409.849/PR, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, j. 26.04.2016, DJe 05.05.2016).

Mais uma vez corroborando nosso entendimento de que as regras originais do Código Civil sobre contratos, em razão do seu forte intervencionismo, não deviam ser aplicadas indistintamente a contratos civis e empresariais, mas sim respeitar as especificidades destes, confira-se o Enunciado 29 das Jornadas de Direito Comercial do CJF: “aplicam-se aos negócios jurídicos entre empresários a função social do contrato e a boa-fé objetiva (arts. 421 e 422 do Código Civil), em conformidade com as especificidades dos contratos empresariais”.

Enfim, sempre defendemos, nas edições anteriores desta obra, a importância de se fazer, pela via da interpretação, uma imprescindível distinção entre os contratos civis e empresariais, dada a nítida diferença que há entre eles. Com efeito, os contratos empresariais se caracterizam pela simetria natural entre os contratantes, não sendo justificável aplicar a eles certas regras originais do Código Civil que limitavam ou relativizavam a liberdade para a celebração de contratos.

Ademais, em homenagem aos princípios da livre-iniciativa, da livre concorrência e da propriedade privada (princípios constitucionais que sustentam o direito empresarial, conforme visto no Capítulo 1), sempre apontamos que os empresários devem ter total liberdade para realizar negócios – desde que lícitos, obviamente –, bem como assumir os riscos de contratações malfeitas. A regra de ouro do livre mercado é a seguinte: o empresário que acerta, ganha; o empresário que erra, perde. Portanto, a intervenção estatal prévia (dirigismo contratual) ou posterior (revisão judicial) nos contratos empresariais deturpa a lógica natural do livre mercado, cria risco moral e traz insegurança jurídica para as relações interempresariais.

Na linha do que sempre defendemos, a Lei 13.874/2019 (Lei da Liberdade Econômica) promoveu importantes alterações em algumas regras gerais do Código Civil sobre contratos, com o objetivo de diminuir o controle estatal sobre as relações privadas.

O art. 421 do CC ganhou um parágrafo único com a seguinte redação: “nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual”.

Houve ainda o acréscimo do art. 421-A ao texto do CC, que assim dispõe: “os contratos civis e empresariais presumem-se paritários e simétricos até a presença de elementos concretos que justifiquem o afastamento dessa presunção, ressalvados os regimes jurídicos previstos em leis especiais, garantido também que: I – as partes negociantes poderão estabelecer parâmetros objetivos para a interpretação das cláusulas negociais e de seus pressupostos de revisão ou de resolução; II – a alocação de riscos definida pelas partes deve ser respeitada e observada; e III – a revisão contratual somente ocorrerá de maneira excepcional e limitada”.

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Q

Qual é a diferença entre liberdade de contratar e liberdade contratual?

A

Resumo:

Liberdade de contratar: escolher com quem.

Liberdade contratual: liberdade para definir o conteúdo do contrato.

Livro:

O princípio fundamental da teoria geral do direito contratual é o da autonomia da vontade das partes contratantes, que está positivado no art. 421 do Código Civil: “a liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato”.

Alguns autores desdobram o princípio da autonomia da vontade em duas vertentes distintas. A primeira seria a que consagra a liberdade de contratar, que assegura a faculdade de realizar ou não um determinado contrato. A segunda seria a que consagra a chamada liberdade contratual, que permite às partes estabelecer livremente o conteúdo do contrato.

Assim, as partes são livres, em princípio, para (i) escolher com quem vão manter relações contratuais, (ii) delimitar o que vai ser objeto da relação contratual e (iii) fixar o conteúdo dessa mesma relação.

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Q

Quais são os limites à liberdade contratual?

A

Resumo:

  • Função social do contrato;
  • Ordem pública;
  • Bons constumes;
  • Outras normas;
  • Função social é desrespeitada quando o contrato causa prejuízo a direitos difusos ou coletivos de terceiros (CJF).

Livro:

Entende-se que a liberdade de contratar e a liberdade contratual asseguradas às partes de maneira ampla pelo princípio da autonomia da vontade não são absolutas, sendo limitadas não apenas pela necessidade de atendimento à sua função social, conforme determinação do art. 421 do Código Civil, mas também pelos preceitos de ordem pública e pelo respeito aos bons costumes.

Ora, o princípio da autonomia da vontade esbarra sempre na liberdade criada por lei de ordem pública. Esbarra, igualmente, na noção de bons costumes, ou seja, naquelas regras morais não reduzidas a escrito, mas aceitas pelo grupo social e que constituem o substrato ideológico inspirador do sistema jurídico.

A noção de ordem pública e o respeito aos bons costumes constituem, consequentemente, barreiras limitadores da liberdade individual em matéria de contrato.

[…]

Ademais, conforme já destacamos no tópico em que tratamos das diferenças entre contratos civis e contratos empresariais, o ordenamento jurídico, hodiernamente, tem procurado cada vez mais assegurar o equilíbrio contratual entre as partes contratantes, razão pela qual a própria legislação estipula limites, não raro, à autonomia da vontade, o que se convencionou chamar de dirigismo contratual.

[…]

Finalmente, cabe relembrar apenas que, no que tange ao cumprimento da função social do contrato empresarial, foi aprovado o Enunciado 26 da I Jornada de Direito Comercial do CJF, com o seguinte teor: “O contrato empresarial cumpre sua função social quando não acarreta prejuízo a direitos ou interesses, difusos ou coletivos, de titularidade de sujeitos não participantes da relação negocial”.

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5
Q

Em que consiste o princípio do consensualismo?

A

Resumo:

  • Basta o acordo de vontades.
  • Contrato consensual ≠ contrato real e contrato solene.
  • Exemplo de contrato real: mútuo, depósito, comodato.

Livro:

De acordo com o princípio do consensualismo ou do consentimento, basta para a constituição do vínculo contratual o acordo de vontade entre as partes, sendo, pois, desnecessária qualquer outra condição para que se aperfeiçoe o contrato.

Nem todos os contratos, todavia, podem ser classificados como consensuais. Fogem a essa regra os contratos reais, para os quais, além do consentimento, é imprescindível, para o aperfeiçoamento da relação contratual, a entrega de uma determinada coisa. É o que ocorre, por exemplo, no mútuo, no depósito, no comodato etc. Da mesma forma, fogem à regra da necessidade do mero consentimento das partes os contratos solenes, que se submetem a formalidades específicas, sem as quais a relação contratual não se aperfeiçoa.

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6
Q

Em que consiste o princípio da relatividade contratual? Esse princípio admite exceção?

A

Resumo:

  • Efeito somente entre as partes contratantes;
  • Efeito não pode ir além do objeto contratual;
  • Exceção ao princípio depende de lei (ex: seguro em favor de terceiro)
  • Teoria da aparência também excepciona o princípio.

Livro:

Segundo o princípio da relatividade dos contratos, entende-se que a relação contratual produz efeitos somente entre as partes contratantes – bem como aos seus herdeiros, salvo se o contrato é personalíssimo – e não se estende além do objeto da avença.

Em outras palavras, pode-se dizer que esse princípio possui um aspecto subjetivo e outro aspecto objetivo. Quanto ao seu aspecto subjetivo, entende-se que o contrato vale apenas entre as pessoas que contraíram o vínculo contratual, não produzindo efeitos perante terceiros estranhos à relação pactuada. De acordo com o seu aspecto objetivo, por outro lado, entende-se que o contrato está restrito ao seu objeto, não atingindo bens estranhos a este.

[…]

Tal princípio, entretanto, não é absoluto, existindo algumas exceções quanto à sua aplicação, ou seja, há contratos que, excepcionalmente, produzem efeitos em relação a terceiros não vinculados à relação contratual. É o que ocorre, por exemplo, no contrato de seguro em favor de terceiro. Ressalte-se, entretanto, que para que o contrato possa produzir efeitos sobre a esfera jurídica de terceiros estranhos ao pacto, é preciso que esta possibilidade esteja prevista expressamente em lei.

Teoria da aparência:

Uma questão interessante acerca do princípio da relatividade dos contratos e que tem repercussão específica relevante no âmbito das relações empresariais é a da possibilidade de uma relação contratual acarretar deveres para pessoa estranha, em razão da ocorrência de situações aparentes que possam levar a erro contratantes de boa-fé.

A discussão se dá em função da aplicação da chamada teoria da aparência, segundo a qual, em determinados casos específicos em que um contratante de boa-fé engana–se diante de uma situação aparente, tomando-a como verdadeira, podem ser criadas obrigações em relação a terceiros que não atuaram diretamente na constituição do vínculo contratual.

A teoria da aparência, segundo aponta a doutrina, merece ser aplicada especificamente, por exemplo, nas hipóteses de excesso de mandato ou de continuação de mandato encerrado, o que ocorre, não raro, em relações mercantis. Outra hipótese específica de aplicação da teoria da aparência se dá nos contratos de representação comercial, quando o representante se desvia das orientações do representado.

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7
Q

Em que consiste a teoria da imprevisão?

A

Resumo

  • Exceção ao princípio da força obrigatória dos contratos;
  • Possiblidade de resolução ou revisão do pacto em caso de eventos extraordinário e imprevisíveis que alterem as condições ecômicas existentes no momento da contratação.
  • Cláusula rebus sic stantibus.

Livro

Da mesma forma que o princípio da relatividade é excepcionado pela teoria da aparência, conforme vimos, o princípio da força obrigatória também é excepcionado pela aplicação da chamada teoria da imprevisão, representada pela cláusula rebus sic stantibus, segundo a qual os direitos e deveres assumidos em determinado contrato podem ser revisados se houver uma alteração significativa e imprevisível nas condições econômicas que originaram a constituição do vínculo contratual.

Ocorrendo tal alteração, pode acontecer de o cumprimento das obrigações contratuais assumidas se tornar demasiadamente oneroso para uma das partes, o que rompe o equilíbrio contratual e autoriza a revisão do contrato. Em síntese, pois, a cláusula rebus sic stantibus determina que a obrigatoriedade do contrato só deverá ser observada se as condições existentes no momento da celebração da avença se mantiverem inalteradas ou, pelo menos, sofrerem alterações que não afetem o equilíbrio contratual.

Portanto, quando acontecimentos extraordinários determinam radical alteração no estado de fato contemporâneo à celebração do contrato, acarretando consequências imprevisíveis, das quais decorre excessiva onerosidade no cumprimento da obrigação, o vínculo contratual pode ser resolvido ou, a requerimento do prejudicado, o juiz altera o conteúdo do contrato, restaurando o equilíbrio desfeito. Em síntese apertada: ocorrendo anormalidade da alea que todo contrato dependente de futuro encerra, pode-se operar sua resolução ou a redução das prestações.

Registre-se que o Código Civil esteve atento a essa cláusula rebus sic stantibus, permitindo que o contrato seja resolvido ou modificado em razão de alterações fáticas relevantes e imprevisíveis que tornem a execução do pacto muito onerosa para uma das partes. Nesse sentido, dispôs o art. 478 do Código Civil que “nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação”. O art. 479 do Código, por sua vez, permite uma solução alternativa, dispondo que “a resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar equitativamente as condições do contrato”. O mesmo faz o art. 480 do Código em relação aos contratos em que apenas uma das partes assume obrigações: “se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva”.

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8
Q

Admite-se a aplicação da teoria da imprevisão nos contratos empresariais?

A

Resumo:

  • Autor acha temerária a aplicação aos contratos empresariais.
  • Empresário, vislumbrando risco, deve se proteger por meio de hedge.
  • STJ aceita, mas tem sido rígido na interpretação do fato extraordinário que justifica sua aplicação (variação cambial ou ferrugem asiática não servem)
  • CJF: deve-se presumir a sofisticação dos empresário e respeitar a alocação de riscos por eles estabelecida.

Posição do autor:

No âmbito dos contratos empresariais, é temerário admitir a rescisão ou a revisão de contratos com base na onerosidade excessiva, ainda que esta seja decorrente de situações extraordinárias e imprevisíveis. Trata-se de uma regra que não pode ser aplicada indistintamente a contratos civis, contratos de consumo e contratos empresariais. Nas duas primeiras espécies de contrato, pode-se até aceitar a aplicação da teoria da imprevisão, mas nos contratos empresariais ela deve ser rechaçada.

Se um empresário celebra um contrato no qual ele vislumbra a possibilidade, ainda que mínima, de alterações circunstanciais que afetem a relação contratual, deve se precaver, por exemplo, por meio de um hedge.

O hedge é uma operação muito específica, usada principalmente no mercado de valores mobiliários (mercado de capitais). Traduzidas para o português, as expressões “hedge” ou “hedging” significam “cerca”, “proteção” ou “cobertura”, e isso ajuda a entender melhor o instituto, que visa a proteger um determinado agente econômico quanto a eventuais riscos de uma operação futura sujeita a oscilações naturais do seu mercado. Assim, o hedge, na verdade, não é um contrato típico, mas apenas uma operação ínsita a determinados negócios aleatórios (que envolvem risco), como os realizados no mercado de capitais, por exemplo.

Um exemplo bem simples de hedge é dado pela Exposição de Motivos da Resolução 272 do Conselho Monetário Nacional (CMN), que foi a primeira norma regulamentar das atividades de “hedging” no Brasil: “um exportador adquire, na época de colheita, uma mercadoria que será posteriormente vendida, a preços que poderão variar. Para se prevenir contra possíveis prejuízos causados pela oscilação de preços, o exportador vende a futuro igual quantidade na bolsa de mercadorias, para o prazo em que pretende efetivar a venda física das mercadorias estocadas. Quando ocorrer a venda das mercadorias, caso os preços tenham baixado, o prejuízo que terá em seus estoques de mercadorias será compensado pela liquidação do seu contrato a futuro, vendido a um preço mais caro, o que lhe dará um lucro”.

[…]

STJ:

No entanto, o mesmo STJ, corretamente, já negou a aplicação da teoria da imprevisão, em contratos empresariais, em casos de variação cambial, bem como em outras situações normais às atividades dos empresários, as quais não podem, portanto, serem consideradas fatos extraordinários e imprevisíveis.

Direito Civil e Comercial. Compra de safra futura de soja. Elevação do preço do produto. Teoria da imprevisão. Inaplicabilidade. Onerosidade excessiva. Inocorrência. 1. A cláusula rebus sic stantibus permite a inexecução de contrato comutativo – de trato sucessivo ou de execução diferida – se as bases fáticas sobre as quais se ergueu a avença alterarem-se, posteriormente, em razão de acontecimentos extraordinários, desconexos com os riscos ínsitos à prestação subjacente. 2. Nesse passo, em regra, é inaplicável a contrato de compra futura de soja a teoria da imprevisão, porquanto o produto vendido, cuja entrega foi diferida a um curto espaço de tempo, possui cotação em bolsa de valores e a flutuação diária do preço é inerente ao negócio entabulado. 3. A variação do preço da saca da soja ocorrida após a celebração do contrato não se consubstancia acontecimento extraordinário e imprevisível, inapto, portanto, à revisão da obrigação com fundamento em alteração das bases contratuais. 4. Ademais, a venda antecipada da soja garante a aferição de lucros razoáveis, previamente identificáveis, tornando o contrato infenso a quedas abruptas no preço do produto. Em realidade, não se pode falar em onerosidade excessiva, tampouco em prejuízo para o vendedor, mas tão somente em percepção de um lucro aquém daquele que teria, caso a venda se aperfeiçoasse em momento futuro. 5. Recurso especial conhecido e provido (REsp 849.228/GO, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4.ª Turma, j. 03.08.2010, DJe 12.08.2010).

Civil. Recurso especial. Ação revisional de contratos de compra e venda de safra futura de soja. Ocorrência de praga na lavoura, conhecida como “ferrugem asiática”. Onerosidade excessiva. Pedido formulado no sentido de se obter complementação do preço da saca de soja, de acordo com a cotação do produto em bolsa que se verificou no dia do vencimento dos contratos. Impossibilidade. Direito agrário. Contrato de compra e venda de soja. Fechamento futuro do preço, em data a ser escolhida pelo produtor rural. Ausência de abusividade. Emissão de Cédula de Produto Rural (CPR) em garantia da operação. Anulação do título, porquanto o adiantamento do preço consubstanciaria requisito fundamental. Reforma da decisão. Reconhecimento da legalidade da CPR. Precedentes. – <strong>Nos termos de precedentes do STJ, a ocorrência de “ferrugem asiática” não é fato extraordinário e imprevisível conforme exigido pelo art. 478 do CC/02.</strong> – A Lei 8.929/94 não impõe, como requisito essencial para a emissão de uma Cédula de Produto Rural, o prévio pagamento pela aquisição dos produtos agrícolas nela representados. A emissão desse título pode se dar para financiamento da safra, com o pagamento antecipado do preço, mas também pode ocorrer numa operação de “hedge”, na qual o agricultor, independentemente do recebimento antecipado do pagamento, pretende apenas se proteger contra os riscos de flutuação de preços no mercado futuro. Recurso especial conhecido e provido (REsp 858.785/ GO, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, Rel. p/ Acórdão Min. Nancy Andrighi, 3.ª Turma, j. 08.06.2010, DJe 03.08.2010).

Corretíssimo o posicionamento do STJ. Empresários são profissionais dos seus respectivos ramos de atividade, não podendo alegar a imprevisibilidade de situações que dizem respeito aos negócios que exploram.

Destaquem-se alguns enunciados sobre o tema aprovados na I Jornada de Direito Comercial do CJF:

Enunciado 23. Em contratos empresariais, é lícito às partes contratantes estabelecer parâmetros objetivos para a interpretação dos requisitos de revisão e/ou resolução do pacto contratual.

Enunciado 25. A revisão do contrato por onerosidade excessiva fundada no Código Civil deve levar em conta a natureza do objeto do contrato. Nas relações empresariais, deve-se presumir a sofisticação dos contratantes e observar a alocação de riscos por eles acordada.

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9
Q

Admite-se a cláusula de retrovenda em contrato de compra e venda de bem imóvel?

A

Resumo

Sim! O que não se admite é retrovenda para bem móvel.

Livro

A cláusula especial de retrovenda é aquela que assegura ao vendedor, nos contratos de compra e venda de bem imóvel, o direito de recomprar o bem vendido no prazo máximo de três anos após a venda. Essa cláusula está disciplinada pelo Código Civil em seu art. 505, que assim dispõe: “o vendedor de coisa imóvel pode reservar-se o direito de recobrá-la no prazo máximo de decadência de três anos, restituindo o preço recebido e reembolsando as despesas do comprador, inclusive as que, durante o período de resgate, se efetuaram com a sua autorização escrita, ou para a realização de benfeitorias necessárias”. Frise-se que a retrovenda, como é fácil perceber da leitura do dispositivo transcrito, só é possível quando o bem objeto do contrato for imóvel.

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10
Q

Admite-se a recompra do bem imóvel, cuja contrato de compra e venda continha cláusula de retrovenda, de terceiro adquirente?

A

O art. 507 do Código assegura a possibilidade de recompra do bem também aos sucessores do vendedor, e este direito pode ser exercido, inclusive, contra um terceiro adquirente. Eis o teor da norma: “o direito de retrato, que é cessível e transmissível a herdeiros e legatários, poderá ser exercido contra o terceiro adquirente”.

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11
Q

A retrovenda pode ser usada em substituição de hipoteca?

A

Resumo

  • A retrovenda não pode ser usada como garantia, pois isso significaria aceitar o pacto comissório, que é vedado pelo Código Civil para hipoteca.

Livro

Faça-se ainda um último registro: aponta Arnoldo Wald que a retrovenda tem sido muito usada como instituto de garantia, substituindo várias vezes a hipoteca. O autor destaca, entretanto, que essa prática é ilegal, assim como seria ilegal o uso de retrovenda nos contratos de promessa de compra e venda. Eis o que diz o autor:

A retrovenda tem sido utilizada no direito contemporâneo para garantia de direitos, substituindo muitas vezes a hipoteca e permitindo ao credor, na hipótese de não pagamento do devedor, ficar com o imóvel dado em garantia sem necessidade de venda em leilão, fazendo com que prevaleça uma espécie de pacto comissório, proibido pelo nosso direito no tocante à garantia hipotecária, em virtude do qual o credor, não pagando o débito, se tornaria proprietário do bem dado em garantia. Tal função da retrovenda não se ajusta às normas existentes e é técnica usurária que o direito deve combater. A praxe também introduziu a retrovenda nas promessas de compra e venda, sendo discutível a sua validade em tais casos.

A jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro passou a entender como nulo o pacto de retrovenda com finalidade usurária, bem como as adaptadas à promessa de compra e venda (na promessa, não há venda, logo, não pode haver retrovenda)

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Q

Qual é a consequência da inobservância do direito de preferência estabelecido em contrato de compra e venda?

A

Caso a cláusula especial da preempção não seja respeitada pelo comprador, claro que o Código lhe atribui responsabilidades. Nesse sentido, estabelece o art. 518 que “responderá por perdas e danos o comprador, se alienar a coisa sem ter dado ao vendedor ciência do preço e das vantagens que por ela lhe oferecem. Responderá solidariamente o adquirente, se tiver procedido de má-fé”.

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13
Q

Admite-se a venda com reserva de domínio de coisa imóvel?

A

Outra cláusula especial da compra e venda é a que assegura ao vendedor a reserva de domínio sobre a coisa vendida, até que o comprador pague integralmente o preço ajustado. Está regulada no art. 521 do Código, que assim dispõe: “na venda de coisa móvel, pode o vendedor reservar para si a propriedade, até que o preço esteja integralmente pago”. Perceba-se que essa cláusula especial de reserva de domínio só é possível quando o bem objeto do contrato for móvel.

Para que essa cláusula produza os seus efeitos legais perante terceiros, deve estar expressamente prevista no contrato, além de ser registrada em cartório, no local do domicílio do comprador. Nesse sentido é a regra do art. 522 do Código: “a cláusula de reserva de domínio será estipulada por escrito e depende de registro no domicílio do comprador para valer contra terceiros”.

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14
Q

Conceitue o contrato de comissão.

A

De acordo com o art. 693 do Código Civil, “o contrato de comissão tem por objeto a aquisição ou a venda de bens pelo comissário, em seu próprio nome, à conta do comitente”. Em suma: o comissário é um empresário que irá realizar negócios no interesse de um outro empresário, o comitente, mas os realizará em seu nome.

Portanto, o comissário age no interesse e seguindo as instruções do comitente, mas o faz em seu nome, ou seja, assumindo responsabilidade perante os terceiros com quem contrata. É o que prevê o art. 694 do Código, que assim dispõe: “o comissário fica diretamente obrigado para com as pessoas com quem contratar, sem que estas tenham ação contra o comitente, nem este contra elas, salvo se o comissário ceder seus direitos a qualquer das partes”.

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15
Q

Qual é a diferença entre contrato de mandato e contrato de comissão?

A

Atente-se para o fato de que essa regra do art. 694 é que distingue, claramente, a comissão do contrato de mandato, já que neste o mandatário age em nome do mandante, enquanto na comissão, conforme visto, o comissário age em seu próprio nome. Daí porque alguma doutrina chega a chamar a comissão de mandato sem representação. Isso é muito importante para o próprio sucesso do contrato de comissão mercantil, uma vez que em diversas situações o comitente não quer aparecer na relação. É o que ocorre, por exemplo, com grandes empresários, que muitas vezes usam comissários, porque se fossem negociar diretamente teriam dificuldades em barganhar preços e outras condições contratuais. É o que ocorre também nas negociações realizadas na Bolsa de Valores. Conforme menciona Paulo Sérgio Restiffe, “a comissão mercantil tem grande utilidade nos contratos celebrados em bolsa, bem como nas intermediações exercidas pelas agências de publicidade”.

Não obstante a distinção entre mandato e comissão, determina o art. 709 do Código que “são aplicáveis à comissão, no que couber, as regras sobre mandato”.

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16
Q

Em que consiste a cláusula del credere, que pode conter o contrato de comissão?

A

Por fim, registre-se que o contrato de comissão pode ostentar a chamada cláusula del credere. Conforme vimos, os riscos do negócio cabem ao comitente, já que o comissário, embora atue em seu próprio nome, o faz no interesse do comitente e à conta dele, seguindo, aliás, as suas instruções. Assim, se os terceiros com quem o comissário contratou não honrarem suas obrigações, o prejuízo deverá ser suportado pelo comitente, e não pelo comissário (art. 697). Todavia, havendo a previsão da cláusula del credere, o comissário assumirá a responsabilidade solidária juntamente com os terceiros com quem contratar. Claro que, nesse caso, como o risco de suas operações aumenta, ele será ainda mais diligente, e terá, obviamente, direito a uma comissão maior. A regra está disciplinada no art. 698 do Código: “se do contrato de comissão constar a cláusula del credere, responderá o comissário solidariamente com as pessoas com que houver tratado em nome do comitente, caso em que, salvo estipulação em contrário, o comissário tem direito a remuneração mais elevada, para compensar o ônus assumido”.

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17
Q

Em que consiste o contrato de representação comercial?

A

Resumo

  • Contrato em que o representante assume a incumbência de obter pedido de compra e venda para o representado.
  • Não faz sentido chamar de representação comercial, pois os pedidos obtidos pelo representante não vinculam o representado, que pode rejeitá-los.
  • O contrato de representação, embora não autorize em regra a celebração de contrato pelo representante, pode conter cláusula de mandato.
  • A subordinação do representante é empresarial, não pessoal. Se acabar resultando em subordinação pessoal, caracterizará relação trabalhista.

Livro

A representação comercial autônoma é modalidade especial de contrato de colaboração em que o colaborador, chamado de representante, assume a incumbência de obter pedidos de compra e venda para os produtos comercializados pelo colaborado, chamado de representado. Trata-se de contrato que possui regulamentação legal específica (Lei 4.886/1965, que sofreu relevantes alterações provocadas pela Lei 8.420/1992). Não obstante, o Código Civil também trouxe disciplina legal para esse contrato, denominando-o de contrato de agência (arts. 710 a 721), expressão que, segundo alguns autores, é mais apropriada.

O nome escolhido pelo legislador brasileiro, registro, não é o mais apropriado: a atividade típica do representante comercial não é representação, quer dizer, obter pedidos de compra dos produtos fabricados ou comercializados por certo empresário não significa praticar atos em nome deste. Ademais, <strong>os pedidos encaminhados pelo representante comercial não vinculam o representado, que pode simplesmente recusá-los. </strong>Se houvesse representação, no sentido em que tradicionalmente se entende o instituto no direito privado, os atos praticados pelo colaborador obrigariam o fornecedor, tal como no mandato. Por isso, melhor seria chamar o contrato de representação comercial de “agência”, denominação que lhe reservam, aliás, direitos estrangeiros, como o argentino e o espanhol. O Código Civil de 2002 empregou a expressão “agência” na identificação de contrato de colaboração assemelhado ao da representação comercial.3

Embora nós tenhamos optado por considerar representação comercial e agência como uma mesma figura contratual, é importante destacar que há autores que distinguem esses contratos, entendendo que a agência seria modalidade contratual de maior amplitude, que englobaria qualquer contrato firmado com pessoa que exerça a intermediação com habitualidade. São os casos, por exemplo, de agentes de atletas ou artistas.

De acordo com o art. 1.º da Lei 4.886/1965, “exerce a representação comercial autônoma a pessoa jurídica ou a pessoa física, sem relação de emprego, que desempenha, em caráter não eventual por conta de uma ou mais pessoas, a mediação para a realização de negócios mercantis, agenciando propostas ou pedidos, para transmiti-los aos representados, praticando ou não atos relacionados com a execução dos negócios”.

Perceba-se, pois, que a representação comercial não se confunde com o mandato, uma vez que o representante não tem poderes para concluir os negócios em nome do representado. Cabe a este, em última análise, aprovar ou não os pedidos de compra obtidos pelo representante. Não obstante tal distinção, a lei autoriza, no parágrafo único do seu art. 1.º, que a representação inclua também os poderes do mandato: “quando a representação comercial incluir poderes atinentes ao mandato mercantil, serão aplicáveis, quanto ao exercício deste, os preceitos próprios da legislação comercial”.

Perceba-se também que na representação comercial não se caracteriza nenhum tipo de relação empregatícia entre representante e representado. A subordinação existente entre ambos, conforme já apontamos, é eminentemente empresarial, e não pessoal. Essa subordinação diz respeito apenas à forma de organização empresarial do representante, que deve, obviamente, seguir determinadas instruções do representado. Caso, todavia, essa subordinação seja pessoal, e não meramente empresarial, descaracterizado estará o vínculo contratual da representação, havendo, na verdade, um contrato de trabalho ou um contrato de prestação de serviços. Nesse sentido, confiram-se decisões do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal Superior do Trabalho em que se destaca, claramente, que o importante para definir se há contrato de representação ou não é a análise do tipo de subordinação existente: se meramente empresarial, trata-se de representação; se pessoal, não se trata de representação.

Contrato. Venda. Assinatura. Jornal. Prestação. Serviço. Firmado que o contrato para a venda de assinaturas de jornal em questão foi cumprido com subordinação a regime de metas, prestação de contas diárias e com atuação do contratado no próprio endereço comercial da contratante, não há que se falar em contrato de representação comercial (Lei n. 4.886/1965), mas, sim, em de prestação de serviços (REsp 642.728-PR, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 20.09.2005, Informativo 261/2005).

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18
Q

A cláusula de exclusividade de zona e de representação são implícita no contrato de representação?

A

Resumo

  • A cláusula de exclusividade de zona é implícita.
  • Contudo, “a exclusividade de representação não se presume na ausência de ajustes expressos”.

Livro

No que tange, por sua vez, aos requisitos de que tratam as alíneas d, e e g [do art. 27], que mencionam a cláusula de exclusividade de zona, deve ser feita aqui uma observação especial. Essa cláusula é deveras importante nos contratos de colaboração, notadamente no de representação, uma vez que visa a assegurar ao colaborador (no caso, o representante) o retorno dos investimentos que ele fez para iniciar a colaboração (pesquisa de mercado, formação de estoque, campanhas publicitárias etc.). Assim, fica o colaborador (no caso, o representado) obrigado a não comercializar seus produtos na região do representante diretamente nem por meio de outro representante. Afinal, se isto fosse possível, o representante comercial que fez todo o trabalho de abertura daquele mercado referente à sua zona de exclusividade sofreria prejuízos consideráveis, uma vez que teve gastos para promover o produto. Assim, jamais conseguiria o representante praticar preços compatíveis, já que necessita embutir seus gastos nos preços. Portanto, a cláusula de exclusividade de zona é, em síntese, o segredo, no mais das vezes, para o sucesso de um contrato de colaboração. Nesse sentido, veja-se que a Lei 4.886/1965, com vistas a proteger o representante que possui exclusividade de zona, estipula, em seu art. 31, que “prevendo o contrato de representação a exclusividade de zona ou zonas, ou quando este for omisso, fará jus o representante à comissão pelos negócios aí realizados, ainda que diretamente pelo representado ou por intermédio de terceiros”.

Em suma: a cláusula de exclusividade de zona, nos contratos de representação, é implícita. O STJ já decidiu que essa cláusula deve ser observada até mesmo em contratos de representação comercial verbais.

Processual civil e comercial. Recurso especial. Contrato de representação. Embargos declaratórios. Omissão. Inocorrência. Rescisão imotivada. Exclusividade. Contrato verbal. Possibilidade. Interpretação de cláusulas contratuais e reexame de prova. (…) 2. Possibilidade da demonstração da existência de cláusula de exclusividade mesmo em contratos de representação firmados verbalmente, admitindo-se a respectiva prova por todos os meios em direito admitidos. Aplicação do art. 212 do CC/02 c/c os arts. 400 e segs. do CPC. Doutrina e jurisprudência desta Corte acerca do tema. 3. Estabelecida, no caso concreto, pelo acórdão recorrido a premissa de que o ajuste de representação comercial vigorava com cláusula de exclusividade, confirmada por prova testemunhal, inarredável a conclusão de que houve rescisão imotivada do contrato, pela contratação de novo representante para atuar na mesma zona anteriormente conduzida pela recorrida. (…) (REsp 846.543/RS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, 3.ª Turma, j. 05.04.2011, DJe 11.04.2011).

No entanto, ressalte-se que, de acordo com o parágrafo único do art. 31, “a exclusividade de representação não se presume na ausência de ajustes expressos”. Assim, embora a cláusula de exclusividade de zona seja implícita, a cláusula de exclusividade de representação não é: isso significa que o representante, salvo cláusula contratual expressa em contrário, pode trabalhar para outro(s) representado(s). Nesse sentido, aliás, dispõe expressamente o art. 41 da Lei 4.886/1965 que, “ressalvada expressa vedação contratual, o representante comercial poderá exercer sua atividade para mais de uma empresa e empregá-la em outros misteres ou ramos de negócios”.

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19
Q

Firmado o cotrato entre representado e cliente angariado pelo representante comercial, terá este direito à remuneração independente do pagamento do preço?

A

O art. 33, § 1.º, da Lei 4.886/1965 prevê, entretanto, que “nenhuma retribuição será devida ao representante comercial, se a falta de pagamento resultar de insolvência do comprador, bem como se o negócio vier a ser por ele desfeito ou for sustada a entrega de mercadorias devido à situação comercial do comprador, capaz de comprometer ou tornar duvidosa a liquidação”. Nada mais justo. Afinal, se a operação agenciada pelo representante não se consumar, não recebendo o representado o valor dos produtos, não deve pagar comissão. Em síntese: “se, adotadas as tentativas razoavelmente exigíveis para a cobrança, resultar não recebido o preço, não se constitui o direito à comissão, visto que o representante, no desenvolvimento de sua atividade de colaboração, assume risco empresarial semelhante ao do representado”.

20
Q

No caso de falência, o crédito do representante comercila se equipara ao trabalhista para fins de privilégio?

A

Registre-se que, conforme veremos com mais detalhes no capítulo seguinte, os créditos relativos às comissões do representante comercial autônomo são equiparados ao crédito trabalhista no processo de falência, em obediência ao disposto no art. 44 da Lei 4.886/1965: “no caso de falência do representado as importâncias por ele devidas ao representante comercial, relacionadas com a representação, inclusive comissões vencidas e vincendas, indenização e aviso prévio, serão considerados créditos da mesma natureza dos créditos trabalhistas”.

CUIDADO: no contrato de comissão é diferente.

Falindo o comitente, a comissão devida ao comissário é classificada no processo falimentar como crédito com privilégio geral, nos termos do art. 707 do Código: “o crédito do comissário, relativo a comissões e despesas feitas, goza de <strong>privilégio geral</strong>, no caso de falência ou insolvência do comitente”.

21
Q

Qual é o juízo competente para julgar ação relativa a representação comercial? Admite-se a cláusula de eleição de foro nesse contrato?

A

Resumo

  • Competência da Justiça comum, não da do Trabalho.
  • Foro competente de domicílio do representante.
  • Admite-se a cláusula de eleição de foro, inclusive em contrato de adesão.

Livro

O art. 39 da Lei 4.886/1965, por sua vez, traz importante regra, determinando o juízo competente para dirimir eventuais litígios entre representado e representante. Eis o que determina a regra legal em comento: “para julgamento das controvérsias que surgirem entre representante e representado é competente a Justiça Comum e o foro do domicílio do representante, aplicando-se o procedimento sumaríssimo previsto no art. 275 do Código de Processo Civil, ressalvada a competência do Juizado de Pequenas Causas”. Não obstante tal regra, o Superior Tribunal de Justiça vem decidindo que é possível às partes eleger outro foro, sendo válida tal previsão contratual, desde que o representante não seja hipossuficiente e que isso não obstaculize seu acesso à justiça.

Recurso especial. Direito civil e processual civil. Irresignação manejada na égide do CPC/73. Exceção de incompetência. Contrato de representação comercial. Cláusula de eleição de foro. Validade. 1. A competência territorial para dirimir controvérsias surgidas entre o representante comercial e o representado fixa-se, consoante previsto no art. 39 da Lei n.º 4.886/65, no foro do domicílio do representante comercial. 2. Referida competência é de ordem relativa e pode ser validamente afastada por cláusula de eleição de foro, mesmo inserida em contrato de adesão, caso não comprovada a hipossuficiência do representante comercial ou prejuízo ao seu direito de ampla defesa. 3. A superioridade econômica da empresa contratante não gera, por si só, a hipossuficiência da contratada, em especial, nos contratos de concessão empresarial. 4. Recurso especial provido (REsp 1.628.160/SC, Rel. Min. Moura Ribeiro, Terceira Turma, j. 18.10.2016, DJe 07.11.2016).

Ainda sobre a competência para o julgamento dos litígios entre o representante e o representado, merece destaque a polêmica que se estabeleceu a respeito do assunto após a edição da Emenda Constitucional 45/2004, que alterou a redação do art. 114 da Constituição Federal, o qual passou a prever a competência da Justiça do Trabalho para o julgamento de todas as ações oriundas da relação de trabalho (antes se falava na relação entre trabalhadores e empregadores). Com a mudança, entende-se atualmente que a Justiça do Trabalho é competente para julgar toda e qualquer demanda referente a uma relação de trabalho, em cujo conceito poderiam se incluir as relações mantidas, por exemplo, pelos profissionais liberais com seus clientes. Diante dessa nova realidade, questionou-se a conformidade do art. 39 da Lei 4.886/1965 com o novo texto constitucional, uma vez que as relações entre os representantes e os representados podem se inserir no conceito genérico de relação de trabalho. No entanto, o STJ entendeu que, mesmo após a EC 45/2004, continua sendo competente a Justiça Comum Estadual para processar e julgar as causas relativas aos contratos de representação comercial por se tratar de relação mercantil (empresarial).

22
Q

Admite-se a previsão de cláusula del credere nos contratos de representação comercial?

A

Por fim, destaque-se que, no contrato de representação comercial, é expressamente vedada a previsão da cláusula del credere, que analisamos quando do estudo do contrato de comissão mercantil. É o que preceitua o art. 43 da Lei 4.886/1965: “é vedada no contrato de representação comercial a inclusão de cláusulas del credere”.

Cláusula del credere: “[…] havendo a previsão da cláusula del credere, o comissário assumirá a responsabilidade solidária juntamente com os terceiros com quem contratar”.

23
Q

Em que consiste o contrato de concessão mercantil?

A

Nesse contrato específico de colaboração, um empresário, o concessionário, assume a obrigação de comercializar produtos fabricados por outro empresário, o concedente. Trata-se, em regra, de contrato atípico (distribuição), com exceção da concessão comercial relativa a veículos automotores terrestres, que é disciplinada especialmente pela Lei 6.729/1979, batizada de Lei Ferrari. Assim, em regra, as partes são livres para estipular as cláusulas do contrato de concessão mercantil, salvo, frise-se, no caso da concessão relativa a veículos automotores, em que o contrato se submete ao disposto na Lei 6.729/1979.

[…]

Sobre a distinção entre o contrato de distribuição (atípico) e o contrato de concessão mercantil de veículos automotores (típico), o STJ já decidiu pela inaplicabilidade da Lei Ferrari àquele, em razão de ela ser uma lei muito específica.

[…]

O contrato de concessão mercantil se caracteriza pelo fato de a subordinação empresarial existente entre as partes ser um pouco maior, ou seja, o concedente exerce sobre o concessionário um maior grau de ingerência na organização de sua atividade. Com efeito, como é muito comum nesses contratos que o concessionário assuma a obrigação de prestar assistência técnica aos consumidores dos produtos do concedente, por exemplo, justifica-se um maior controle do concedente sobre a atuação do concessionário.

Ressalte-se, por fim, que no contrato de concessão mercantil, que se configura como um contrato de distribuição-intermediação, é comum a presença de algumas cláusulas contratuais essenciais, dentre as quais podemos destacar: (i) a de exclusividade de distribuição, que obriga o concessionário a comercializar apenas produtos fabricados pelo concedente; (ii) a de exclusividade de zona (ou de territorialidade), que obriga, por outro lado, o concedente a só comercializar seus produtos na área de atuação do concessionário por intermédio deste.

Sobre o contrato de concessão de veículos automotores, o STJ já decidiu, mais de uma vez, que concedente e concessionária são solidariamente responsáveis perante o consumidor

24
Q

O que é uma instituição financeira?

A

De acordo com o art. 17 da referida lei, “consideram-se instituições financeiras, para os efeitos da legislação em vigor, as pessoas jurídicas públicas ou privadas, que tenham como atividade principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros”. Desse dispositivo, portanto, é que extraímos o conceito de atividade bancária que mencionamos acima.

A atividade bancária é exercida pelas instituições financeiras (bancos), as quais, segundo o art. 18 da Lei 4.595/1964, “somente poderão funcionar no País mediante prévia autorização do Banco Central da República do Brasil ou decreto do Poder Executivo, quando forem estrangeiras”. Ademais, devem essas instituições, quando privadas, constituir-se sob a forma de sociedade anônima, com exceção das chamadas cooperativas de crédito. É o que dispõe o art. 25 da lei em análise: “as instituições financeiras privadas, exceto as cooperativas de crédito, constituir-se-ão unicamente sob a forma de sociedade anônima, devendo a totalidade de seu capital com direito a voto ser representada por ações nominativas”.

25
Q

Admite-se a cobran;a de taxa para emissão de carnês referente a operações de crédito?

A

Em decorrência dessa submissão dos contratos bancários ao sistema de proteção previsto no CDC, o Conselho Monetário Nacional (CMN), entre outras regras, proibiu que os bancos cobrem de seus clientes qualquer taxa para emissão de boletos bancários ou carnês referentes a operações de crédito e de leasing. O STJ chegou a considerar legítima a cobrança de tais taxas, desde que pactuadas expressamente no contrato, mas a Segunda Seção do STJ, em julgamento de recursos especiais submetidos à sistemática dos recursos repetitivos – REsp 1.251.331 e REsp 1.255.573 –, pacificou o entendimento de que a TAC (tarifa de abertura de crédito) e a TEC (tarifa de emissão de carnê), ainda que recebam outra denominação, não podem mais ser cobradas, desde 30 de abril de 2008. Confiram–se as teses firmadas pela Corte Superior no referido julgamento:

1. Nos contratos bancários celebrados até 30.04.2008 (fim da vigência da Resolução CMN 2.303/96) era válida a pactuação das tarifas de abertura de crédito (TAC) e de emissão de carnê (TEC), ou outra denominação para o mesmo fato gerador, ressalvado o exame de abusividade em cada caso concreto; 2. Com a vigência da Resolução CMN 3.518/2007, em 30.04.2008, a cobrança por serviços bancários prioritários para pessoas físicas ficou limitada às hipóteses taxativamente previstas em norma padronizadora expedida pela autoridade monetária. Desde então, não mais tem respaldo legal a contratação da tarifa de emissão de carnê (TEC) e da tarifa de abertura de crédito (TAC), ou outra denominação para o mesmo fato gerador. Permanece válida a tarifa de cadastro expressamente tipificada em ato normativo padronizador da autoridade monetária, a qual somente pode ser cobrada no início do relacionamento entre o consumidor e a instituição financeira; 3. Podem as partes convencionar o pagamento do imposto sobre operações financeiras e de crédito (IOF) por meio de financiamento acessório ao mútuo principal, sujeitando-o aos mesmos encargos contratuais.

26
Q

O que são contratos bancários típicos e contratos bancários atípicos?

A

Registre-se que os contratos bancários podem ser típicos ou atípicos. Típicos são os que têm por objeto a atividade bancária propriamente dita. Atípicos, por sua vez, são os que têm por objeto operações correlatas ou acessórias à atividade bancária, como, por exemplo, o aluguel de cofre para a guarda de valores. Neste tópico, cuidaremos apenas dos contratos bancários típicos, que se subdividem, por sua vez, em próprios – depósito, mútuo, desconto etc. – e impróprios – alienação fiduciária em garantia, arrendamento mercantil (leasing), faturização (fomento mercantil ou factoring) e cartão de crédito.

27
Q

A cobrança de comissão de permanência pode ser feita de forma cumulada com os encargos moratórios?

A

Direito Comercial e Bancário. Contratos bancários sujeitos ao Código de Defesa do Consumidor. Princípio da boa-fé objetiva. Comissão de permanência. Validade da cláusula. Verbas integrantes. Decote dos excessos. Princípio da conservação dos negócios jurídicos. Artigos 139 e 140 do Código Civil alemão. Artigo 170 do Código Civil brasileiro. (…) 2. Nos contratos bancários sujeitos ao Código de Defesa do Consumidor, é válida a cláusula que institui comissão de permanência para viger após o vencimento da dívida. 3. A importância cobrada a título de comissão de permanência não poderá ultrapassar a soma dos encargos remuneratórios e moratórios previstos no contrato, ou seja: a) juros remuneratórios à taxa média de mercado, não podendo ultrapassar o percentual contratado para o período de normalidade da operação; b) juros moratórios até o limite de 12% ao ano; e c) multa contratual limitada a 2% do valor da prestação, nos termos do art. 52, § 1.º, do CDC. 4. Constatada abusividade dos encargos pactuados na cláusula de comissão de permanência, deverá o juiz decotá-los, preservando, tanto quanto possível, a vontade das partes manifestada na celebração do contrato, em homenagem ao princípio da conservação dos negócios jurídicos consagrado nos arts. 139 e 140 do Código Civil alemão e reproduzido no art. 170 do Código Civil brasileiro. 5. A decretação de nulidade de cláusula contratual é medida excepcional, somente adotada se impossível o seu aproveitamento. Recurso especial conhecido e parcialmente provido (REsp 1.058.114/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, Rel. p/ Acórdão Min. João Otávio de Noronha, 2.ª Seção, j. 12.08.2009, DJe 16.11.2010).

Conclui-se que (i) a cláusula contratual a qual prevê a cobrança da comissão de permanência não é potestativa, devendo ser calculada pela taxa média de mercado apurada pelo Banco Central do Brasil, de acordo com a espécie da operação, limitada à taxa do contrato; (ii) a comissão de permanência é admitida, desde que pactuada, apenas no período de inadimplência e não cumulada com os encargos da normalidade (juros remuneratórios e correção monetária) e/ou com os encargos moratórios (juros de mora e multa contratual).

A esse respeito, é importante também conferir as Súmulas 30, 294 e 296 do STJ:

Súmula 30: Comissão de Permanência – Correção Monetária – Cumulação. A comissão de permanência e a correção monetária são inacumuláveis (j. 09.10.1991, DJ 18.10.1991).

Súmula 294: Cláusula Potestativa – Comissão de Permanência – Taxa média de mercado. Não é potestativa a cláusula contratual que prevê a comissão de permanência, calculada pela taxa média de mercado apurada pelo Banco Central do Brasil, limitada à taxa do contrato (j. 12.05.2004, DJ 09.09.2004).

Súmula 296: Juros Remuneratórios – Comissão de Permanência – Inadimplência – Taxa média de mercado. Os juros remuneratórios, não cumuláveis com a comissão de permanência, são devidos no período de inadimplência, à taxa média de mercado estipulada pelo Banco Central do Brasil, limitada ao percentual contratado (j. 12.05.2004, DJ 09.09.2004).

28
Q

O reconhecimento da abusividade nos encargos contratuais descaracteriza a mora?

A

Orientação 2 – Configuração da mora a) O reconhecimento da abusividade nos encargos exigidos no período da normalidade contratual (juros remuneratórios e capitalização) descaracteriza a mora; b) Não descaracteriza a mora o ajuizamento isolado de ação revisional, nem mesmo quando o reconhecimento de abusividade incidir sobre os encargos inerentes ao período de inadimplência contratual.

Orientação 4 – Inscrição/manutenção em cadastro de inadimplentes a) A abstenção da inscrição/manutenção em cadastro de inadimplentes, requerida em antecipação de tutela e/ou medida cautelar, somente será deferida se, cumulativamente: i) a ação for fundada em questionamento integral ou parcial do débito; ii) houver demonstração de que a cobrança indevida se funda na aparência do bom direito e em jurisprudência consolidada do STF ou STJ; iii) houver depósito da parcela incontroversa ou for prestada a caução fixada conforme o prudente arbítrio do juiz; b) A inscrição/manutenção do nome do devedor em cadastro de inadimplentes decidida na sentença ou no acórdão observará o que for decidido no mérito do processo. Caracterizada a mora, correta a inscrição/manutenção.

(REsp 1.061.530/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, 2.ª Seção, j. 22.10.2008, DJe 10.03.2009).

29
Q

O que é o contrato de desconto bancário?

A

Resumo

  • Contrato em que o cliente cede um crédito ao banco para receber antecipadamente o valor, pagando um deságio.
  • Geralmente há a transferência de um título de crédito por endosso.
  • Banco tem direito de regresso contra o cliente.

Livro

O desconto bancário também é uma modalidade contratual muito utilizada na prática. Consiste, basicamente, na antecipação de pagamento ao cliente, que em troca cede ao banco determinado crédito, ainda que não vencido, contra ele mesmo ou contra terceiro. Esse crédito cedido geralmente é documentado por meio de um título de crédito, por exemplo, e o cliente assume perante o banco a responsabilidade pelo seu pagamento. Em síntese: o banco adianta ao cliente um determinado valor em dinheiro, e o cliente cede ao banco um título de crédito não vencido.

É claro que o banco, ao realizar essa operação, não antecipa ao cliente o valor total do crédito cedido, deduzindo um valor (deságio) que representará, justamente, o seu ganho econômico.

O desconto bancário também é um contrato real, uma vez que só se aperfeiçoa com a efetiva entrega do instrumento de crédito ao banco.

Por fim, registre-se que o ponto mais relevante no estudo do desconto bancário é o relativo ao direito de regresso do banco contra o cliente, no caso de o crédito cedido por este não ser honrado pelo devedor. É óbvio que essa possibilidade de voltar-se contra o cliente, no caso de inadimplemento do crédito cedido, atenua sobremaneira os riscos do banco, e é por isso que, conforme afirmamos acima, os descontos bancários geralmente são feitos com títulos de crédito, os quais são cedidos ao banco mediante endosso. Assim, além de o banco ter o direito de regresso contra o cliente que lhe endossa o título, protege-se contra eventuais exceções pessoais que não lhe digam respeito (princípio da inoponibilidade das exceções pessoais ao terceiro de boa-fé).

30
Q

O que é o contrato de abertura de crédito?

A

Resumo

  • É o cheque-especial.
  • Remunerado por juros e por uma comissão pela simples disponibilização. Bancos geralmente não cobram a última.

Livro

Outra modalidade típica de contrato bancário é a abertura de crédito. Por meio desse contrato, o banco põe à disposição do cliente uma quantia determinada de dinheiro, que ele poderá utilizar, caso necessite.

O ganho econômico do banco nessa operação está, basicamente, nos juros cobrados do cliente caso ele use a quantia disponibilizada. Na verdade, os bancos também podem cobrar do cliente uma comissão pela simples disponibilização do crédito, mas não costumam fazê-lo, por mera liberalidade que, na verdade, traduz-se em política negocial para atrair clientes. Assim, os bancos só costumam cobrar do cliente os juros e encargos a partir da efetiva utilização dos recursos disponibilizados, havendo casos até de bancos que, como sabemos, oferecem esse crédito sem nenhuma cobrança de juros nos primeiros dias. Enfim, a abertura de crédito é o contrato que, no linguajar comum, chamamos de cheque especial.

31
Q

O contrato de abertura de crédito pode servir como título executivo extrajudicial?

A

Resumo

Título extrajudicial não.

Ação monitória sim.

Livro

Relembre-se, ainda, que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça entende que o contrato de abertura de crédito não é título executivo extrajudicial, ainda que esteja acompanhado do extrato pormenorizado do débito. Eis o teor do Enunciado 233 da súmula de jurisprudência dominante do STJ: “o contrato de abertura de crédito, ainda que acompanhado de extrato da conta-corrente, não é título executivo”.

No entanto, não obstante o STJ não reconheça o contrato de abertura de crédito como título executivo extrajudicial, admite que ele embase a propositura de ação monitória. É o que estabelece o Enunciado Sumular 247: “o contrato de abertura de crédito em conta-corrente, acompanhado do demonstrativo de débito, constitui documento hábil ao ajuizamento da ação monitória”.

32
Q

Admite-se a realização de alienação fiduciária apenas entre o banco e o cliente, ou seja, sem a participação de terceiro alienante?

A

Em princípio, perceba-se que o contrato de alienação fiduciária, embora celebrado apenas entre o devedor-fiduciante (aquele que deseja adquirir um bem) e o credor-fiduciário (aquele que vai emprestar o valor necessário para a compra, ou seja, em regra, uma instituição financeira), tem a participação indireta de um terceiro agente econômico: o vendedor do bem (que, no exemplo acima, pode ser a concessionária de veículos que vende o automóvel). Não obstante, admite o Superior Tribunal de Justiça que o contrato de alienação fiduciária em garantia recaia sobre bem do próprio devedor-fiduciante. É o que dispõe o Enunciado 28 da súmula de jurisprudência dominante daquela corte: “o contrato de alienação fiduciária em garantia pode ter por objeto bem que já integrava o patrimônio do devedor”. É o que chamamos, no jargão do comércio, de refinanciamento, o que é feito geralmente por pessoas que estão em crise financeira momentânea e precisam de recursos imediatos: faz-se um empréstimo (mútuo) e entrega-se, em garantia do pagamento, um bem de sua propriedade, formalizando essa operação num contrato de alienação fiduciária em garantia.

33
Q

No contrato de alienação fiduciária, é cabível a alienação extrajudicial de bem em caso de inadimplemento independentemente de leilão?

A

Resumo

  • Sim, é possível a alienação extrajudicial.
  • Contudo, nesse caso, o credor perde a possibilidade de executar o contrato, pois não haverá liquidez e certeza.
  • Cabe, porém, monitória.
  • Para imóveis, é necessário leilão extrajudicial.

Livro

De acordo com o art. 2.º do Decreto-lei em referência, com a redação dada pela Lei 13.043/2014, “no caso de inadimplemento ou mora nas obrigações contratuais garantidas mediante alienação fiduciária, o proprietário fiduciário ou credor poderá vender a coisa a terceiros, independentemente de leilão, hasta pública, avaliação prévia ou qualquer outra medida judicial ou extrajudicial, salvo disposição expressa em contrário prevista no contrato, devendo aplicar o preço da venda no pagamento de seu crédito e das despesas decorrentes e entregar ao devedor o saldo apurado, se houver, com a devida prestação de contas”. Sobre esse dispositivo, decidiu o STJ:

Direito Civil e Processual Civil. Alienação fiduciária em garantia. Venda extrajudicial. Execução do saldo remanescente. Impossibilidade. Ausência de título certo e líquido. Precedentes da Quarta Turma. Recurso especial não conhecido. (…) 2. O § 5.º, do art. 66, da Lei n. 4.728⁄65, com redação dada pelo art. 1.º do DL n. 911/69, proclama que “o devedor continuará pessoalmente obrigado a pagar o saldo devedor apurado” com a venda extrajudicial do bem alienado fiduciariamente. <strong>Não se pode concluir, contudo, que a norma empresta eficácia executiva ao contrato celebrado anteriormente, com vistas ao recebimento do saldo remanescente. </strong>3. O credor pode alienar o bem apreendido como melhor lhe convier, uma vez que lhe é dado vender a coisa a terceiros, independentemente de leilão, hasta pública, avaliação prévia ou qualquer outra medida judicial ou extrajudicial, circunstância que evidencia a incerteza do saldo remanescente, uma vez que apurado à revelia do devedor. 4. A aplicação do art. 5.º do DL 911/69, por outro lado, não tem o alcance pretendido pelo recorrente. Isso porque não se está a dizer que após a venda extrajudicial poderá preferir o credor a via executiva para o recebimento do saldo devedor remanescente. Ao reverso, e por óbvio, tal dispositivo apenas concede ao credor a faculdade de optar pela via executiva ou pela busca e apreensão. Porém, optando o credor por essa última diretriz – busca e apreensão e posterior venda extrajudicial –, ser-lhe-á vedada a via executiva, por inexistência de título que a aparelhe. 5. Por tais fundamentos, não se há reconhecer certeza e liquidez ao saldo remanescente apurado com a venda extrajudicial do bem, porquanto realizada ao sabor e conveniência exclusiva do credor, ao largo do crivo do Poder Judiciário e sem o consentimento do consumidor, que é, sem dúvida, a parte mais frágil da relação jurídica em exame. 6. Recurso especial não conhecido (STJ, REsp 265.256-SP, Rel. Min. Luís Felipe Salomão, DJ 26.02.2009).

O entendimento do STJ é muito interessante: decidiu-se que, na alienação fiduciária, não se há de reconhecer certeza e liquidez de saldo remanescente apurado com a venda extrajudicial do bem feita à revelia do crivo do Poder Judiciário e sem o consentimento do consumidor, sendo, pois, inaplicável ao caso o art. 5.º do DL 911/1969. Isso porque não se quer dizer que, após a venda extrajudicial, poderá o credor preferir a via executiva para obter o saldo devedor remanescente. Ao contrário, tal norma concede ao credor apenas a faculdade de optar pela via executiva ou pela busca e apreensão. Se tiver optado pela última, descabe a via executiva por inexistir título a embasá-la (ver Informativo 382 do STJ). No entanto, cabe ação monitória, conforme disposto na Súmula 384 do STJ: “cabe ação monitória para haver saldo remanescente oriundo de venda extrajudicial de bem alienado fiduciariamente em garantia”.

OBS: no caso de imóveis é necessário leilão extrajudicial.

Nesse caso, cabe ao credor-fiduciário, então, promover leilão público para a venda do bem, nos termos do art. 27 da lei: “uma vez consolidada a propriedade em seu nome, o fiduciário, no prazo de trinta dias, contados da data do registro de que trata o § 7.º do artigo anterior, promoverá público leilão para a alienação do imóvel”. Os recursos arrecadados com a venda do bem serão usados para a quitação da dívida perante o credor-fiduciário. Havendo eventual saldo, ele será repassado para o devedor-fiduciante.

34
Q

No caso de alienação fiduciária de bem móvel, considera-se caracterizada a mora se a carta registrada com AR for recebida por pessoa diversa do devedor? É imprescindível que consta da notificação o valor do débito?

A

O mencionado art. 2.º, § 2.º, com a redação atualizada pela Lei 13.043/2014, assim dispõe: “a mora decorrerá do simples vencimento do prazo para pagamento e poderá ser comprovada por carta registrada com aviso de recebimento, não se exigindo que a assinatura constante do referido aviso seja a do próprio destinatário” (não há mais necessidade de protesto ou de que a carta seja expedida por intermédio de Cartório, como previsto na redação anterior dessa norma). E o § 3.º, por sua vez, regula os efeitos da mora, assim determinando: “a mora e o inadimplemento de obrigações contratuais garantidas por alienação fiduciária, ou a ocorrência legal ou convencional de algum dos casos de antecipação de vencimento da dívida facultarão ao credor considerar, de pleno direito, vencidas todas as obrigações contratuais, independentemente de aviso ou notificação judicial ou extrajudicial”. Sobre o tema da comprovação da mora, registre-se o disposto nos Enunciados 72 e 245 da súmula de jurisprudência do STJ, respectivamente: “a comprovação da mora é imprescindível à busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente”; “a notificação destinada a comprovar a mora nas dívidas garantidas por alienação fiduciária dispensa a indicação do valor do débito”.

35
Q

Em que consiste o contrato de arrendamento mercantil? Quais são as modalidades existentes?

A

Resumo

  • Contrato especial de locação que assegura ao locatário, ao final do contrato, locar o bem novamente, comprá-lo pagando o valor residual ou devolvê-lo.
  • Tipos: leasing financeiro, leasing operacional e leasing de retorno (lease back).
  • Leasing financeiro: bem não é da arrandante. Adequiri-o por indicação do arrendatário.
  • Leasing operacional: bem já é da arrendante.
  • Leasing retorno: bem é do arrendatário, que o aliena à arrendante.

Livro

Pode-se definir o contrato de arrendamento mercantil, também chamado de leasing, como um contrato especial de locação que assegura ao locatário a prerrogativa de adquirir o bem alugado ao final da avença, pagando, nesse caso, uma diferença chamada de valor residual.

Em síntese: o leasing ou arrendamento mercantil é um contrato de locação em que se asseguram ao arrendatário três opções ao final do aluguel: (i) renovar a locação; (ii) encerrar o contrato, não mais renovando a locação; (iii) comprar o bem alugado, pagando–se o valor residual. Enfim, “trata-se, na essência – e essas são suas notas conceituais – de um contrato de arrendamento com tríplice opção assegurada ao arrendatário (continuar o arrendamento, terminá-lo ou comprar o bem)”.49

O leasing não pode ser considerado um contrato típico: a Lei 6.099/1974 regula apenas o seu aspecto tributário. Mas essa lei se preocupou em definir essa modalidade contratual, fazendo-o em seu art. 1.º, parágrafo único, que assim dispõe: “considera-se arrendamento mercantil, para os efeitos desta Lei, o negócio jurídico realizado entre pessoa jurídica, na qualidade de arrendadora, e pessoa física ou jurídica, na qualidade de arrendatária, e que tenha por objeto o arrendamento de bens adquiridos pela arrendadora, segundo especificações da arrendatária e para uso próprio desta”. Portanto, conclui-se que nem todo contrato de locação de bens com opção final de compra pode ser considerado leasing ou arrendamento mercantil, para fins tributários: somente se esses contratos atenderem aos requisitos da norma ora em comento poderão ser assim qualificados. Nesse sentido, a própria lei determina, em seu art. 11, § 1.º, que “a aquisição pelo arrendatário de bens arrendados em desacordo com as disposições desta Lei, será considerada operação de compra e venda a prestação”.

[…]

De acordo com a Resolução 2.309/1996 do BACEN, mencionada acima, existem duas espécies de leasing: (i) financeiro e (ii) operacional.

O leasing financeiro é a modalidade típica de arrendamento mercantil, em que o bem arrendado não pertence à arrendadora, mas é indicado pelo arrendatário. Ela então deverá adquirir o bem indicado para depois alugá-lo ao arrendatário. Veja-se que nessa espécie de leasing, como a arrendadora tem um alto custo inicial, em razão da necessidade de adquirir o bem indicado pelo arrendatário, as prestações referentes ao aluguel devem ser suficientes para a recuperação desse custo. Por isso, caso seja feita a opção final de compra pelo arrendatário, o valor residual será de pequena monta.

O leasing operacional, por sua vez, se caracteriza pelo fato de o bem arrendado já ser da arrendadora, que então apenas o aluga ao arrendatário, sem ter o custo inicial de aquisição do bem, comprometendo-se também a prestar assistência técnica. Aliás, justamente pelo fato de a arrendadora não ter esse custo inicial de aquisição do bem, no leasing operacional a soma das prestações do aluguel não pode ultrapassar 75% do valor do bem. Portanto, nessa modalidade de arrendamento mercantil o valor residual, em caso de opção final de compra, geralmente é alto.

Registre-se ainda uma modalidade específica de leasing, chamada de lease back ou leasing de retorno. Neste, o bem arrendado era de propriedade do arrendatário, que o vende à arrendadora para depois arrendá-lo, podendo, obviamente, readquirir o bem ao final do contrato, caso se utilize da opção de compra pagando o valor residual.

36
Q

Qual é a diferença entre contrato de alienação fiduciária e de arrendamento mercantil?

A

É muito comum confundir o contrato de leasing com o contrato de alienação fiduciária em garantia, sobretudo porque muitas vezes o leasing é utilizado com verdadeiro financiamento, conforme se verá no tópico seguinte. No entanto, trata-se de modalidades contratuais bem diferentes. O leasing é, grosso modo, uma locação com opção de compra. Nem sempre, pois, o arrendatário quer adquirir o bem, e muitas vezes isso realmente não ocorre. O contrato de alienação fiduciária em garantia, todavia, é um contrato de aquisição de um bem, ou seja, ele instrumentaliza uma venda. Outra diferença importante entre esses dois contratos é a forma de cobrança do devedor em caso de inadimplemento. No caso do leasing, não se utiliza a busca e apreensão, mas uma ação de reintegração de posse.

Por fim, registre-se que o STJ editou a Súmula 369, segundo a qual “no contrato de arrendamento mercantil (leasing), ainda que haja cláusula resolutiva expressa, é necessária a notificação prévia do arrendatário para constituí-lo em mora” (Rel. Min. Fernando Gonçalves, em 16.02.2009).

37
Q

A diluição da cobrança do valor residual em garantia no contrato de leasing decaracteriza essa figura, fazendo com que o contrato seja tratado como um compra e venda a prazo?

A

Resumo

  • Havia divergência no STJ. No começo, entendeu-se que ocorria a descaracterização.
  • Depois, mudou-se a posição para aceitar a diluição do VRG, sob a influência do impacto econômico que a decisão contrária causaria.

Livro

Leasing. Arrendamento mercantil. VRG. Súm. n. 263-STJ. No caso, diante das divergências entre as Primeira e Segunda Seções, e a Súm. n. 263/STJ, editada por essa última, discutiu-se se a antecipação da cobrança do valor residual em garantia – VRG importa ou não em descaracterização do contrato de leasing; seja no âmbito do contrato propriamente dito, entre arrendador e arrendatário, seja quando considerado para fins tributários do Fisco. Prosseguindo o julgamento, a Corte Especial, preliminarmente, por maioria, conheceu dos embargos e, no mérito, também por maioria, contra o enunciado da Súm. n. 263-STJ, entendeu que o pagamento adiantado do VRG não descaracteriza o contrato de leasing. Considerou-se que a antecipação do VRG não afeta a intenção das partes. Pois é absolutamente desinfluente para a caracterização do contrato de leasing o fato de as partes estipularem preço simbólico ou de inexpressivo valor para o exercício da opção de compra do bem arrendado, ou se o arrendatário deposita antecipadamente, mensalmente, para o arrendador alguma importância em garantia do pagamento do valor residual (EREsp 213.828-RS, Rel. originário Min. Milton Luiz Pereira, Rel. p/ Acórdão Min. Cesar Asfor Rocha, j. 07.05.2003).

A partir desse julgamento, portanto, decidiu-se pelo cancelamento do Enunciado Sumular 263 e pela edição do Enunciado 293, que assim dispõe: “a cobrança antecipada do Valor Residual Garantido (VRG) não descaracteriza o contrato de arrendamento mercantil”.

38
Q

Em que consiste o contrato de factoring?

A

Resumo

  • O factoring pode envolver, ou não, a antecipação de valores.
  • Pode servir apenas para administração do crédito da empresa faturizada.
  • A empresa de factoring não precisa ser instituição financeira.

Livro

É muito comum, no mercado, que os empresários concedam crédito a seus clientes, como forma de alavancar suas vendas. Num cenário de economia estável e inflação baixa, o crédito assume uma função importantíssima para o desenvolvimento das atividades negociais. Ocorre que, ao conceder crédito, o empresário, além de assumir o risco da insolvência de seus clientes, chama para si uma tarefa a mais: a de administrar a sua carteira de devedores.

O contrato de factoring, pois, serve ao empresário justamente para lhe permitir uma melhor organização do seu negócio, atendendo principalmente aos interesses dos pequenos e médios empreendedores, que têm mais dificuldade de acesso ao crédito pelas vias normais do sistema financeiro nacional. Trata-se, enfim, de um contrato por meio do qual o empresário transfere a uma instituição financeira (que não precisa ser, necessariamente, um banco) as atribuições atinentes à administração do seu crédito. Algumas vezes, esse contrato também envolve a antecipação desse crédito ao empresário. Em síntese: a instituição financeira orienta o empresário acerca da concessão do crédito a seus clientes, antecipa o valor dos créditos que o empresário possui e assume o risco da inadimplência desses créditos.

[…]

O factoring envolve, portanto, uma técnica de gestão comercial, caracterizada pela participação do faturizador nos negócios do faturizado: o faturizador passa a orientar o faturizado na escolha dos seus clientes, na concessão de crédito a esses clientes etc. Isso, em última análise, é importante para o próprio faturizador, uma vez que irá minimizar os seus riscos. Afinal, se os clientes do faturizado forem escolhidos de forma mais criteriosa, menores serão as chances de que não honrem os títulos de crédito objeto da faturização.

[…]

Civil. Contrato de “factoring”. Julgamento extra petita. Exclusão do tema abordado de ofício. Juros remuneratórios. Lei de Usura. Incidência. Limitação. (…) II. As empresas de “factoring” não se enquadram no conceito de instituições financeiras, e por isso <u><strong>os juros remuneratórios estão limitados em 12% ao ano</strong></u>, nos termos da Lei de Usura. III. Recurso especial conhecido e parcialmente provido (REsp 1.048.341/RS, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, 4.ª Turma, j. 10.02.2009, DJe 09.03.2009).

INTERNET:

CONTRATO DE FACTORING. RECURSO ESPECIAL. CARACTERIZAÇÃO DOESCRITÓRIO DE FACTORING COMO INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. DESCABIMENTO.APLICAÇÃO DE DISPOSITIVOS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR À AVENÇA MERCANTIL, AO FUNDAMENTO DE SE TRATAR DE RELAÇÃO DE CONSUMO.INVIABILIDADE. 1. <strong>As empresas de factoring não são instituições financeiras, visto que suas atividades regulares de fomento mercantil não se amoldam ao conceito legal, tampouco efetuam operação de mútuo ou captação de recursos de terceiros. Precedentes. </strong>2. “A relação de consumo existe apenas no caso em que uma das partes pode ser considerada destinatária final do produto ou serviço. Na hipótese em que produto ou serviço são utilizados na cadeia produtiva, e não há considerável desproporção entre o porte econômico das partes contratantes, o adquirente não pode ser considerado consumidor e não se aplica o CDC, devendo eventuaisconflitos serem resolvidos com outras regras do Direito dasObrigações”. (REsp 836.823/PR, Rel. Min. SIDNEI BENETI, TerceiraTurma, DJ de 23.8.2010). 3. Com efeito, no caso em julgamento, verifica-se que a ora recorrida não é destinatária final, tampouco se insere em situação de vulnerabilidade, porquanto não se apresenta como sujeito mais fraco, com necessidade de proteção estatal, mas como sociedadeempresária que, por meio da pactuação livremente firmada com arecorrida, obtém capital de giro para operação de sua atividadeempresarial, não havendo, no caso, relação de consumo. 4. Recurso especial não provido.<br></br>(STJ - REsp: 938979 DF 2007/0075055-2, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 19/06/2012, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 29/06/2012)

39
Q

Qual é a diferença entre conventional factoring e maturity factoring?

A

Ressalte-se que essa antecipação dos valores não é obrigatória em todos os contratos de factoring, daí porque se distinguem duas espécies dessa modalidade contratual: (i) conventional factoring e (ii) maturity factoring. No conventional factoring há a antecipação dos valores referentes aos créditos do faturizado, mas o mesmo não ocorre no maturity factoring, em que há apenas a prestação de serviços de administração do crédito. Claro que no conventional factoring a remuneração da instituição financeira faturizadora costuma ser mais elevada, em razão do fato de ela antecipar ao cliente faturizado os valores dos seus créditos.

40
Q

O faturizador tem ação de regresso contra o faturizado?

A

Resumo

  • Em regra, não se admite o direito de regresso, mesmo no caso de endosso.
  • O autor critica a decisão. Diz que não faz sentido afirmar que isso é contra a natureza do contrato, pois se trata de um contrato atípico.
  • Deve-se preservar a autonomia de vontade.
  • O STJ já ressalvou num julgado que é possível resguardar o direito de regresso por meio de ajuste contratual.

Livro

Nas edições anteriores dessa obra, defendi que nos contratos de factoring, seja qual for a espécie – maturity ou conventional –, a instituição financeira deveria assumir o risco do inadimplemento dos créditos do faturizado que lhe são cedidos. Eu sustentava que isso distinguia o factoring do desconto bancário, e complementava afirmando que o faturizado, que cede o crédito à faturizadora, não deveria responder pela inadimplência dos créditos que cedeu, porque isso contrariaria a própria natureza do factoring. Cheguei a defender, absurdamente, que se deveria desconsiderar eventual endosso praticado no título cedido, atribuindo-lhe efeito de mera cessão civil de crédito.

O tema é deveras controvertido na doutrina. Porém, não é difícil perceber que a posição por mim defendida nas edições anteriores era absolutamente incongruente com a visão liberal que atribuo ao direito empresarial. Portanto, evoluí meu entendimento sobre o assunto.

O STJ possui acórdãos negando a possibilidade de exercício do direito de regresso do faturizador contra o faturizado, mas também julgados que o admitem:

[…]

Recurso especial. Títulos de crédito. Duplicatas sem causa. Protesto. Indenização por danos morais. Redução. 1. O contrato de factoring convencional é aquele que encerra a seguinte operação: a empresacliente transfere, mediante uma venda cujo pagamento dá-se à vista, para a empresa especializada em fomento mercantil, os créditos derivados do exercício da sua atividade empresarial na relação comercial com a sua própria clientela – os sacados, que são os devedores na transação mercantil. 2. Nada obstante os títulos vendidos serem endossados à compradora, não há por que falar em direito de regresso contra o cedente em razão do seguinte: (a) a transferência do título é definitiva, uma vez que feita sob o lastro da compra e venda de bem imobiliário, exonerando-se o endossante/cedente de responder pela satisfação do crédito; e (b) o risco assumido pelo faturizador é inerente à atividade por ele desenvolvida, ressalvada a hipótese de ajustes diversos no contrato firmado entres as partes. (…) (REsp 992.421/RS, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, Rel. p/ Acórdão Min. João Otávio de Noronha, 3.ª Turma, j. 21.08.2008, DJe 12.12.2008).

Cheque. Endosso. Factoring. Responsabilidade da endossante-faturizada pelo pagamento. – Salvo estipulação em contrário expressa na cártula, a endossante-faturizada garante o pagamento do cheque a endossatária-faturizadora (Lei do Cheque, Art. 21) (REsp 820.672/DF, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, 3.ª Turma, j. 06.03.2008, DJe 01.04.2008).

O entendimento de que é possível o direito de regresso, na nossa opinião, deve prevalecer.

Em primeiro lugar, é preciso destacar que isso, de maneira alguma, significaria que a empresa factoring estaria assumindo o papel de instituição financeira, porque o factoring se distingue do desconto bancário pelo fato de que neste a instituição financeira opera com recursos captados de terceiros, enquanto naquele o faturizador opera com recursos próprios. […]

Por outro lado, não há nenhuma razão para se defender que o exercício de direito de regresso do faturizador contra o faturizado seria contrário à própria essência do factoring, porque a tipicidade contratual (que no factoring sequer existe, frise-se) não pode ter o condão de vedar às partes a livre estipulação de cláusulas.

Ademais, sendo o factoring um contrato empresarial, deve prevalecer a autonomia da vontade, como temos defendido ao longo deste capítulo.

Vale frisar que a previsão da cláusula que garante o direito de regresso do faturizador contra o faturizado gera eficiências contratuais importantes, como a necessidade de o faturizado a escolher com mais critério, já que a eventual inadimplência deles lhe será prejudicial.

Portanto, se num contrato de factoring as partes livremente optaram por garantir o direito de regresso ao faturizador, por meio de cláusula contratual expressa ou simplesmente por meio do endosso dos títulos cedidos, esse direito do faturizador é legítimo. Não existe regra legal que impeça a previsão de tal cláusula ou que afaste a produção normal dos efeitos do endosso nesse caso.

41
Q

Qual a diferença entre factoring e agiotagem?

A

Resumo

  • No factoring há prestação de serviço de administração e as operações são constantes.
  • A faturizadora não pode cobrar mais de 12% de juros ao ano.

Livro

[…] registre-se que é preciso ter muito cuidado para não serem confundidas as operações de factoring com as atividades de agiotagem, as quais, embora sejam muito comuns, são ilegais. Assim, uma forma de se fazer a devida distinção é analisar se, efetivamente, são prestados os serviços de administração do crédito e se as operações são constantes ou esporádicas. Caso não sejam prestados tais serviços, havendo tão somente a antecipação de crédito, em caráter eventual, estar-se-á diante de agiotagem, e não de contrato de factoring. A relevância desses serviços de administração do crédito é tão importante para a caracterização do factoring que o Superior Tribunal de Justiça entende que as instituições financeiras que operam com faturização mercantil devem ser registradas no Conselho Regional de Administração (STJ, REsp 497.882/SC, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ 24.05.2007, p. 342).

[…]

Destaque-se ainda que, conforme orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, aplica-se aos contratos de factoring a limitação de juros de 12% ao ano, prevista na Lei de Usura. É que o STJ entende que o factoring não possui, de acordo com a Lei 4.595/1964, natureza de contrato bancário típico, razão pela qual, inclusive, as faturizadoras não precisam de autorização do Banco Central para funcionar nem lhes é aplicável a regra do dever de sigilo.

42
Q

Por que se diz que o contrato de seguro é um contrato dirigido?

A

Ressalte-se que normalmente esse acordo de vontades no contrato de seguro se dá pela simples adesão do segurado às cláusulas previamente estabelecidas pelo segurador, uma vez que se trata, em regra, de contrato de adesão. Porém, essas cláusulas, é bom destacar, são regulamentadas por um órgão estatal específico, a Superintendência de Seguros Privados (SUSEP), nos termos do que dispõe o Decreto-lei 73/1966 (com as atualizações promovidas pela Lei Complementar 126/2007), o que faz com que o seguro seja qualificado também como um contrato dirigido.

O contrato de seguro é dirigido, pois depende da aprovação do seu texto pelas autoridades administrativas (SUSEP – Superintendência de Seguros Privados), e é de adesão, pois o segurado não tem a possibilidade de discutir as cláusulas contratuais com o segurador, podendo apenas aceitá-las ou deixar de contratar. Muitas vezes, nem a liberdade de contratar, ou não, existe, pois a lei impõe a determinadas classes de pessoas o seguro obrigatório (acidentes de trabalho, de trânsito e outros).

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Q

O contrato de seguro é um contrato aleatório

A

Questão doutrinária que tem causado polêmica acerca do contrato de seguro diz respeito à sua natureza jurídica. Com efeito, sempre se afirmou que o seguro é um contrato aleatório, uma vez que nele “há, enfim, uma alternativa de ganho ou perda, não se sabendo qual das partes obterá a vantagem, ou sofrerá o prejuízo”, já que as partes contratantes não sabem, de início, se vai ocorrer ou não o evento danoso. Todavia, a partir da entrada em vigor do Código Civil de 2002, sustentam alguns autores que o seguro não seria mais um contrato aleatório, já que o Código estabelece como principal dever contratual da seguradora a obrigação certa de garantir o segurado contra riscos, o que implica, por exemplo, manter reservas suficientes para honrar os pagamentos dos prêmios, algo que não está submetido a nenhuma alea. É o que defende, por exemplo, Fábio Ulhoa Coelho:

Com a entrada em vigor do Código Civil de 2002, altera-se substancialmente o tratamento da matéria no direito brasileiro. Não há mais elementos para sustentar a natureza aleatória do contrato de seguro, entre nós. Isto porque a lei não define mais a obrigação de a seguradora pagar ao segurado (ou a terceiro beneficiário) uma determinada prestação, caso venha a ocorrer evento danoso futuro e incerto. Este pagamento é, na verdade, um dos aspectos da obrigação que a seguradora contrai ao contratar o seguro: a de garantir o segurado contra riscos.

Para dar cumprimento a essa obrigação – garantir os segurados contra riscos –, a seguradora não está só obrigada a pagar a prestação devida, nas hipóteses delineadas em contrato, mas deve adotar providências de gerenciamento empresarial com vistas a manter-se em condições econômicas, financeiras e patrimoniais para fazê-lo. Quando a seguradora não constitui reservas adequadas, ela não está apenas descumprindo normas administrativas da SUSEP; está também faltando ao cumprimento da obrigação de garantir seus segurados. Não há, em outros termos, nenhuma álea: executar o contrato de seguro significa administrar a empresa securitária de modo a garantir os seus segurados contra os riscos contratados.

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Q

O que são fundos de investimento?

A

No Brasil, estima-se que os fundos de investimento sejam responsáveis pela gestão de aproximadamente R$ 5 trilhões, o que corresponde a mais de 70% do PIB nacional.

A despeito desse relevante fato, até bem pouco tempo atrás não havia um tratamento legal específico dos fundos de investimento em nosso ordenamento jurídico, de modo que a pouca regulamentação legal deles tinha respaldo na Lei do Mercado de Capitais (6.385/1976) e nos arts. 49 e 50 da Lei 4.728/1965 (Lei do Mercado Financeiro). Mas em nenhuma dessas leis havia uma definição conceitual dos fundos, o que acabava sendo feito pela CVM, por meio de normas infralegais.

Esse contexto foi profundamente alterado pela edição da Lei 13.874/2019 (Lei da Liberdade Econômica), que incluiu os arts. 1.368-C a 1.368-F no Código Civil, dando um tratamento legal mais detalhado aos fundos de investimento.

Em resumo, a Lei da Liberdade Econômica (i) definiu o fundo de investimento como um condomínio de natureza especial, (ii) previu o registro do regulamento do fundo na CVM, dispensando o registro em cartório, (iii) possibilitou a limitação da responsabilidade de cada investidor ao valor de suas respectivas cotas, (iv) alterou o regime de responsabilidades dos prestadores de serviços (administrador, gestor etc.) do fundo e (v) permitiu a criação de classes de cotas, com direitos e obrigações distintos e patrimônios separados.

A Instrução CVM 555/2014, em seu art. 3.º, dizia o seguinte: “o fundo de investimento é uma comunhão de recursos, constituído sob a forma de condomínio, destinado à aplicação em ativos financeiros”. O art. 1.368-C do Código Civil, por sua vez, afirma que “o fundo de investimento é uma comunhão de recursos, constituído sob a forma de condomínio de natureza especial, destinado à aplicação em ativos financeiros, bens e direitos de qualquer natureza”.

Além de o caput do art. 1.368-C do CC afirmar expressamente que o fundo de investimento é um condomínio de natureza especial, o § 1.º determina que “não se aplicam ao fundo de investimento as disposições constantes do art. 1.314 ao 1.358-A” (condomínio geral).

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Q

O prestador de serviço responde por culpa pelo prejuízo que causar ao fundo de investimento? Os fundos de investimento submetem-se ao regime de liquidação extrajudicial?

A

O novo regramento legal também prevê que “os fundos de investimento respondem diretamente pelas obrigações legais e contratuais por eles assumidas, e os prestadores de serviços não respondem por essas obrigações, mas respondem pelos prejuízos que causarem quando procederem com dolo ou má-fé” (art. 1.368-E do CC), aplicando-se as regras de insolvência civil caso o fundo com limitação de responsabilidade não tenha patrimônio suficiente para responder por suas dívidas (art. 1.368-E, § 1.º, do CC).

Nesse ponto, têm sido feitas duas críticas ao texto legal: (i) previsão de que a responsabilidade dos prestadores de serviços se dará apenas em caso de dolo ou má-fé, mas não em casos de culpa; e (ii) submissão dos fundos com limitação de responsabilidade ao regime da insolvência civil, e não ao regime da liquidação extrajudicial da Lei 9.514/1997.

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Q

É admissível, nos fundos de investimento, a criação de cotas com direitos e obrigações distintos, com possibilidade de constituir patrimônio segregado para cada classe?

A

Outra novidade foi a previsão de que o regulamento pode estabelecer a criação de “classes de cotas com direitos e obrigações distintos, com possibilidade de constituir patrimônio segregado para cada classe” (art. 1.368-D, III, do CC). E esse patrimônio segregado “só responderá por obrigações vinculadas à classe respectiva, nos termos do regulamento” (art. 1.368-D, § 3.º, do CC). Essas regras permitem a criação de fundos de investimento complexos, com vários acervos de bens distintos e separados, sendo que cada um desses acervos será de titularidade de um grupo de condôminos específico, agrupados em função da classe de suas respectivas cotas (“subfundos”).