Contratos empresariais - André Flashcards
Em que situações os CDC pode se aplicar a contratos celebrados entre empresários?
Resumo
- Aplica-se quando o empresário é o destinatário fático e econômico do bem;
- Aplica-se quando, ainda que não seja destinatário econômico, seja vulnerável.
- Segundo o STJ, o fornecedor é quem deve provar a não vulnerabilidade.
Livro
[…]
Enfim, o STJ tem entendido que um empresário individual, uma EIRELI ou uma sociedade empresária não são considerados consumidores quando adquirem produtos ou serviços que são utilizados, direta ou indiretamente, na atividade econômica que exercem.
Está correto o entendimento do STJ, porque nesses casos há uma relação empresarial, e não uma relação de consumo. Nesse sentido, confira-se o Enunciado 20 da I Jornada de Direito Comercial do CJF: “Não se aplica o Código de Defesa do Consumidor aos contratos celebrados entre empresários em que um dos contratantes tenha por objetivo suprir-se de insumos para sua atividade de produção, comércio ou prestação de serviços”.
No entanto, quando o empresário individual, a EIRELI ou a sociedade empresária adquirem produtos ou serviços na qualidade de destinatários finais econômicos deles, o STJ entende configurada uma relação de consumo e aplica o CDC a tais relações.
[…]
O STJ também tem admitido a aplicação do CDC a relações entre empresários quando fica caracterizada a vulnerabilidade técnica, jurídica ou econômica de uma das partes.
[…]
Processo Civil e Consumidor. Agravo de instrumento. Concessão de efeito suspensivo. Mandado de segurança. Cabimento. Agravo. Deficiente formação do instrumento. Ausência de peça essencial. Não conhecimento. Relação de consumo. Caracterização. Destinação final fática e econômica do produto ou serviço. Atividade empresarial. Mitigação da regra. Vulnerabilidade da pessoa jurídica. Presunção relativa. (…) – A jurisprudência consolidada pela 2.ª Seção deste STJ entende que, a rigor, a efetiva incidência do CDC a uma relação de consumo está pautada na existência de destinação final fática e econômica do produto ou serviço, isto é, exige-se total desvinculação entre o destino do produto ou serviço consumido e qualquer atividade produtiva desempenhada pelo utente ou adquirente. Entretanto, o próprio STJ tem admitido o temperamento desta regra, com fulcro no art. 4.º, I, do CDC, fazendo a lei consumerista incidir sobre situações em que, apesar do produto ou serviço ser adquirido no curso do desenvolvimento de uma atividade empresarial, haja vulnerabilidade de uma parte frente à outra. – Uma interpretação sistemática e teleológica do CDC aponta para a existência de uma vulnerabilidade presumida do consumidor, inclusive pessoas jurídicas, visto que a imposição de limites à presunção de vulnerabilidade implicaria restrição excessiva, incompatível com o próprio espírito de facilitação da defesa do consumidor e do reconhecimento de sua hipossuficiência, circunstância que não se coaduna com o princípio constitucional de defesa do consumidor, previsto nos arts. 5.º, XXXII, e 170, V, da CF. <strong>Em suma, prevalece a regra geral de que a caracterização da condição de consumidor exige destinação final fática e econômica do bem ou serviço, mas a presunção de vulnerabilidade do consumidor dá margem à incidência excepcional do CDC às atividades empresariais, que só serão privadas da proteção da lei consumerista quando <u>comprovada, pelo fornecedor, </u>a não vulnerabilidade do consumidor pessoa jurídica. </strong>– Ao encampar a pessoa jurídica no conceito de consumidor, a intenção do legislador foi conferir proteção à empresa nas hipóteses em que, participando de uma relação jurídica na qualidade de consumidora, sua condição ordinária de fornecedora não lhe proporcione uma posição de igualdade frente à parte contrária. Em outras palavras, a pessoa jurídica deve contar com o mesmo grau de vulnerabilidade que qualquer pessoa comum se encontraria ao celebrar aquele negócio, de sorte a manter o desequilíbrio da relação de consumo. A “paridade de armas” entre a empresa-fornecedora e a empresa–consumidora afasta a presunção de fragilidade desta. Tal consideração se mostra de extrema relevância, pois uma mesma pessoa jurídica, enquanto consumidora, pode se mostrar vulnerável em determinadas relações de consumo e em outras não. Recurso provido (RMS 27.512/BA, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3.ª Turma, j. 20.08.2009, DJe 23.09.2009)
Portanto, pode-se concluir que, nas relações entre empresários: (i) em regra, não se aplica o CDC, porque nenhuma das partes assume a condição de destinatário final, já que os produtos ou serviços que são utilizados, direta ou indiretamente, na atividade econômica que exercem; (ii) aplica-se o CDC quando uma das partes, ainda que seja um empresário individual ou sociedade empresária, assuma a condição de destinatário final econômico do produto ou serviço; e (iii) aplica-se excepcionalmente o CDC, ainda que nenhuma das partes seja destinatária final do bem, mas ostente vulnerabilidade técnica, econômica ou jurídica em relação à outra.
CRÍTICA DO AUTOR:
Para finalizar, esclareço apenas que não concordo com esse alargamento da aplicação do CDC às relações entre empresários. O CDC é um microssistema legislativo específico que consagra um sistema de proteção do consumidor, entendido pelo legislador como parte contratual vulnerável, que precisa da tutela estatal. Na visão liberal adotada nesta obra, a própria existência do CDC, pois, é um erro, mas não cabe essa discussão neste espaço. O que cabe é apontar o erro maior ainda, que é a aplicação desse sistema protetivo a relações empresariais, nas quais a intervenção estatal deve ser a todo custo evitada, com as partes tendo ampla e irrestrita liberdade contratual e assumindo os riscos de suas contratações. Os entendimentos acima transcritos do STJ aumentam os custos de transação e trazem insegurança jurídica, o que, em última análise, acaba prejudicando justamente os consumidores, porque tais custos acabam sendo internalizados e refletem no geral um aumento dos preços.
Admite-se a intervenção do Estado nas relações empresariais com base no Código Civil? Ou seja, o dirigismo contratual também se aplica nessa esfera?
Resumo:
- Segundo Ulhoa, as relações empresariais não são, em regra, assimétricas.
- A assimetria que pode existir não deriva da vulnerabilidade ou da hipossuficiência, mas da dependência econômica (franquia, v.g. - Ulhoa, Fábio)
- Intervenção contratual excepcional segundo STJ e enunciado da CJF.
- Regra do mercado: o empresário que acerta, ganha; o que erra, perde. Intervenção gera distorções no mercado, cria risco moral e gera insegurança jurídica.
- Lei da liberdade econômica consagrou a excepcionalidade da revisão.
Livro:
Ocorre que os muitos empresarialistas sempre sustentaram que no direito empresarial não se pode pressupor uma assimetria contratual, porque na relação entre empresários não há, em princípio, uma parte presumidamente vulnerável ou hipossuficiente, de modo que o dirigismo contratual deveria ser evitado ou, pelo menos, aplicado com mais cautela.
Analisando essa questão, Fábio Ulhoa Coelho defende que nos contratos empresariais o dirigismo contratual deve ser menor que em outras áreas do direito privado, uma vez que nem toda relação empresarial é assimétrica. Ademais, o autor entende que no direito empresarial a assimetria não deriva da vulnerabilidade nem da hipossuficiência, mas sim do que ele chama de dependência empresarial, que se faz presente quando um empresário tem que organizar sua atividade segundo diretrizes emanadas por outro empresário (é o que ocorre com frequência, por exemplo, nos contratos de colaboração: franquia, representação etc.). Segundo ele, somente quando caracterizada essa dependência é que se justificaria a proteção do contratante mais fraco no direito empresarial.
[…]
Do que se expôs acima, formulamos, nas edições anteriores desta obra, algumas conclusões importantes quanto à aplicação do Código Civil (na sua redação original) aos contratos empresariais: (i) nos contratos empresariais o dirigismo contratual deve ser aplicado apenas quando se constatar, no caso concreto, a existência excepcional de uma assimetria contratual; (ii) as regras contratuais protetivas do CC devem ser aplicadas aos contratos empresariais com cautela, sempre levando-se em conta a especificidade desses contratos, e (iii) princípios contratuais protetivos, como a função social dos contratos e a boa-fé objetiva, devem ser interpretados de forma diferente quando aplicados aos contratos empresariais.
Corroborando o que defendemos acima, confiram-se os seguintes acórdãos do STJ:
Direito empresarial. Contratos. Compra e venda de coisa futura (soja). Teoria da imprevisão. Onerosidade excessiva. Inaplicabilidade. 1. <strong>Contratos empresariais não devem ser tratados da mesma forma que contratos cíveis em geral ou contratos de consumo. Nestes admite-se o dirigismo contratual. Naqueles devem prevalecer os princípios da autonomia da vontade e da força obrigatória das avenças.</strong> 2. Direito Civil e Direito Empresarial, ainda que ramos do Direito Privado, submetem–se a regras e princípios próprios. O fato de o Código Civil de 2002 ter submetido os contratos cíveis e empresariais às mesmas regras gerais não significa que estes contratos sejam essencialmente iguais. (…) (REsp 936.741/GO, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, 4.ª Turma, j. 03.11.2011).
Conflito de competência. Cláusula de eleição de foro. Relação empresarial. Não incidência do Código de Defesa do Consumidor. I – É válida cláusula de eleição de foro consensualmente estipulada pelas partes em relação tipicamente empresarial, mormente quando se trata de produtores rurais que desenvolvem atividades de grande porte e contratam em igualdades de condições. Agravo Regimental improvido (AgRg no CC 68.062/SP, Rel. Min. Sidnei Beneti, 2.ª Seção, j. 13.10.2010, DJe 27.10.2010). Recurso especial. Direito civil e processual civil. Locação de espaço em shopping center. Ação de despejo por falta de pagamento. Aplicação do art. 54 da Lei de Locações. Cobrança em dobro do aluguel no mês de dezembro. Concreção do princípio da autonomia privada. Necessidade de respeito aos princípios da obrigatoriedade (“pacta sunt servanda”) e da relatividade dos contratos (“inter alios acta”). Manutenção das cláusulas contratuais livremente pactuadas. Recurso especial provido. 1. Afastamento pelo acórdão recorrido de cláusula livremente pactuada entre as partes, costumeiramente praticada no mercado imobiliário, prevendo, no contrato de locação de espaço em shopping center, o pagamento em dobro do aluguel no mês de dezembro. 2. <strong>O controle judicial sobre eventuais cláusulas abusivas em contratos empresariais é mais restrito do que em outros setores do Direito Privado, pois as negociações são entabuladas entre profissionais da área empresarial, observando regras costumeiramente seguidas pelos integrantes desse setor da economia. 3. Concreção do princípio da autonomia privada no plano do Direito Empresarial, com maior força do que em outros setores do Direito Privado, em face da necessidade de prevalência dos princípios da livre-iniciativa, da livre concorrência e da função social da empresa. </strong> 4. Recurso especial provido (REsp 1.409.849/PR, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, j. 26.04.2016, DJe 05.05.2016).
Mais uma vez corroborando nosso entendimento de que as regras originais do Código Civil sobre contratos, em razão do seu forte intervencionismo, não deviam ser aplicadas indistintamente a contratos civis e empresariais, mas sim respeitar as especificidades destes, confira-se o Enunciado 29 das Jornadas de Direito Comercial do CJF: “aplicam-se aos negócios jurídicos entre empresários a função social do contrato e a boa-fé objetiva (arts. 421 e 422 do Código Civil), em conformidade com as especificidades dos contratos empresariais”.
Enfim, sempre defendemos, nas edições anteriores desta obra, a importância de se fazer, pela via da interpretação, uma imprescindível distinção entre os contratos civis e empresariais, dada a nítida diferença que há entre eles. Com efeito, os contratos empresariais se caracterizam pela simetria natural entre os contratantes, não sendo justificável aplicar a eles certas regras originais do Código Civil que limitavam ou relativizavam a liberdade para a celebração de contratos.
Ademais, em homenagem aos princípios da livre-iniciativa, da livre concorrência e da propriedade privada (princípios constitucionais que sustentam o direito empresarial, conforme visto no Capítulo 1), sempre apontamos que os empresários devem ter total liberdade para realizar negócios – desde que lícitos, obviamente –, bem como assumir os riscos de contratações malfeitas. A regra de ouro do livre mercado é a seguinte: o empresário que acerta, ganha; o empresário que erra, perde. Portanto, a intervenção estatal prévia (dirigismo contratual) ou posterior (revisão judicial) nos contratos empresariais deturpa a lógica natural do livre mercado, cria risco moral e traz insegurança jurídica para as relações interempresariais.
Na linha do que sempre defendemos, a Lei 13.874/2019 (Lei da Liberdade Econômica) promoveu importantes alterações em algumas regras gerais do Código Civil sobre contratos, com o objetivo de diminuir o controle estatal sobre as relações privadas.
O art. 421 do CC ganhou um parágrafo único com a seguinte redação: “nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual”.
Houve ainda o acréscimo do art. 421-A ao texto do CC, que assim dispõe: “os contratos civis e empresariais presumem-se paritários e simétricos até a presença de elementos concretos que justifiquem o afastamento dessa presunção, ressalvados os regimes jurídicos previstos em leis especiais, garantido também que: I – as partes negociantes poderão estabelecer parâmetros objetivos para a interpretação das cláusulas negociais e de seus pressupostos de revisão ou de resolução; II – a alocação de riscos definida pelas partes deve ser respeitada e observada; e III – a revisão contratual somente ocorrerá de maneira excepcional e limitada”.
Qual é a diferença entre liberdade de contratar e liberdade contratual?
Resumo:
Liberdade de contratar: escolher com quem.
Liberdade contratual: liberdade para definir o conteúdo do contrato.
Livro:
O princípio fundamental da teoria geral do direito contratual é o da autonomia da vontade das partes contratantes, que está positivado no art. 421 do Código Civil: “a liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato”.
Alguns autores desdobram o princípio da autonomia da vontade em duas vertentes distintas. A primeira seria a que consagra a liberdade de contratar, que assegura a faculdade de realizar ou não um determinado contrato. A segunda seria a que consagra a chamada liberdade contratual, que permite às partes estabelecer livremente o conteúdo do contrato.
Assim, as partes são livres, em princípio, para (i) escolher com quem vão manter relações contratuais, (ii) delimitar o que vai ser objeto da relação contratual e (iii) fixar o conteúdo dessa mesma relação.
Quais são os limites à liberdade contratual?
Resumo:
- Função social do contrato;
- Ordem pública;
- Bons constumes;
- Outras normas;
- Função social é desrespeitada quando o contrato causa prejuízo a direitos difusos ou coletivos de terceiros (CJF).
Livro:
Entende-se que a liberdade de contratar e a liberdade contratual asseguradas às partes de maneira ampla pelo princípio da autonomia da vontade não são absolutas, sendo limitadas não apenas pela necessidade de atendimento à sua função social, conforme determinação do art. 421 do Código Civil, mas também pelos preceitos de ordem pública e pelo respeito aos bons costumes.
Ora, o princípio da autonomia da vontade esbarra sempre na liberdade criada por lei de ordem pública. Esbarra, igualmente, na noção de bons costumes, ou seja, naquelas regras morais não reduzidas a escrito, mas aceitas pelo grupo social e que constituem o substrato ideológico inspirador do sistema jurídico.
A noção de ordem pública e o respeito aos bons costumes constituem, consequentemente, barreiras limitadores da liberdade individual em matéria de contrato.
[…]
Ademais, conforme já destacamos no tópico em que tratamos das diferenças entre contratos civis e contratos empresariais, o ordenamento jurídico, hodiernamente, tem procurado cada vez mais assegurar o equilíbrio contratual entre as partes contratantes, razão pela qual a própria legislação estipula limites, não raro, à autonomia da vontade, o que se convencionou chamar de dirigismo contratual.
[…]
Finalmente, cabe relembrar apenas que, no que tange ao cumprimento da função social do contrato empresarial, foi aprovado o Enunciado 26 da I Jornada de Direito Comercial do CJF, com o seguinte teor: “O contrato empresarial cumpre sua função social quando não acarreta prejuízo a direitos ou interesses, difusos ou coletivos, de titularidade de sujeitos não participantes da relação negocial”.
Em que consiste o princípio do consensualismo?
Resumo:
- Basta o acordo de vontades.
- Contrato consensual ≠ contrato real e contrato solene.
- Exemplo de contrato real: mútuo, depósito, comodato.
Livro:
De acordo com o princípio do consensualismo ou do consentimento, basta para a constituição do vínculo contratual o acordo de vontade entre as partes, sendo, pois, desnecessária qualquer outra condição para que se aperfeiçoe o contrato.
Nem todos os contratos, todavia, podem ser classificados como consensuais. Fogem a essa regra os contratos reais, para os quais, além do consentimento, é imprescindível, para o aperfeiçoamento da relação contratual, a entrega de uma determinada coisa. É o que ocorre, por exemplo, no mútuo, no depósito, no comodato etc. Da mesma forma, fogem à regra da necessidade do mero consentimento das partes os contratos solenes, que se submetem a formalidades específicas, sem as quais a relação contratual não se aperfeiçoa.
Em que consiste o princípio da relatividade contratual? Esse princípio admite exceção?
Resumo:
- Efeito somente entre as partes contratantes;
- Efeito não pode ir além do objeto contratual;
- Exceção ao princípio depende de lei (ex: seguro em favor de terceiro)
- Teoria da aparência também excepciona o princípio.
Livro:
Segundo o princípio da relatividade dos contratos, entende-se que a relação contratual produz efeitos somente entre as partes contratantes – bem como aos seus herdeiros, salvo se o contrato é personalíssimo – e não se estende além do objeto da avença.
Em outras palavras, pode-se dizer que esse princípio possui um aspecto subjetivo e outro aspecto objetivo. Quanto ao seu aspecto subjetivo, entende-se que o contrato vale apenas entre as pessoas que contraíram o vínculo contratual, não produzindo efeitos perante terceiros estranhos à relação pactuada. De acordo com o seu aspecto objetivo, por outro lado, entende-se que o contrato está restrito ao seu objeto, não atingindo bens estranhos a este.
[…]
Tal princípio, entretanto, não é absoluto, existindo algumas exceções quanto à sua aplicação, ou seja, há contratos que, excepcionalmente, produzem efeitos em relação a terceiros não vinculados à relação contratual. É o que ocorre, por exemplo, no contrato de seguro em favor de terceiro. Ressalte-se, entretanto, que para que o contrato possa produzir efeitos sobre a esfera jurídica de terceiros estranhos ao pacto, é preciso que esta possibilidade esteja prevista expressamente em lei.
Teoria da aparência:
Uma questão interessante acerca do princípio da relatividade dos contratos e que tem repercussão específica relevante no âmbito das relações empresariais é a da possibilidade de uma relação contratual acarretar deveres para pessoa estranha, em razão da ocorrência de situações aparentes que possam levar a erro contratantes de boa-fé.
A discussão se dá em função da aplicação da chamada teoria da aparência, segundo a qual, em determinados casos específicos em que um contratante de boa-fé engana–se diante de uma situação aparente, tomando-a como verdadeira, podem ser criadas obrigações em relação a terceiros que não atuaram diretamente na constituição do vínculo contratual.
A teoria da aparência, segundo aponta a doutrina, merece ser aplicada especificamente, por exemplo, nas hipóteses de excesso de mandato ou de continuação de mandato encerrado, o que ocorre, não raro, em relações mercantis. Outra hipótese específica de aplicação da teoria da aparência se dá nos contratos de representação comercial, quando o representante se desvia das orientações do representado.
Em que consiste a teoria da imprevisão?
Resumo
- Exceção ao princípio da força obrigatória dos contratos;
- Possiblidade de resolução ou revisão do pacto em caso de eventos extraordinário e imprevisíveis que alterem as condições ecômicas existentes no momento da contratação.
- Cláusula rebus sic stantibus.
Livro
Da mesma forma que o princípio da relatividade é excepcionado pela teoria da aparência, conforme vimos, o princípio da força obrigatória também é excepcionado pela aplicação da chamada teoria da imprevisão, representada pela cláusula rebus sic stantibus, segundo a qual os direitos e deveres assumidos em determinado contrato podem ser revisados se houver uma alteração significativa e imprevisível nas condições econômicas que originaram a constituição do vínculo contratual.
Ocorrendo tal alteração, pode acontecer de o cumprimento das obrigações contratuais assumidas se tornar demasiadamente oneroso para uma das partes, o que rompe o equilíbrio contratual e autoriza a revisão do contrato. Em síntese, pois, a cláusula rebus sic stantibus determina que a obrigatoriedade do contrato só deverá ser observada se as condições existentes no momento da celebração da avença se mantiverem inalteradas ou, pelo menos, sofrerem alterações que não afetem o equilíbrio contratual.
Portanto, quando acontecimentos extraordinários determinam radical alteração no estado de fato contemporâneo à celebração do contrato, acarretando consequências imprevisíveis, das quais decorre excessiva onerosidade no cumprimento da obrigação, o vínculo contratual pode ser resolvido ou, a requerimento do prejudicado, o juiz altera o conteúdo do contrato, restaurando o equilíbrio desfeito. Em síntese apertada: ocorrendo anormalidade da alea que todo contrato dependente de futuro encerra, pode-se operar sua resolução ou a redução das prestações.
Registre-se que o Código Civil esteve atento a essa cláusula rebus sic stantibus, permitindo que o contrato seja resolvido ou modificado em razão de alterações fáticas relevantes e imprevisíveis que tornem a execução do pacto muito onerosa para uma das partes. Nesse sentido, dispôs o art. 478 do Código Civil que “nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação”. O art. 479 do Código, por sua vez, permite uma solução alternativa, dispondo que “a resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar equitativamente as condições do contrato”. O mesmo faz o art. 480 do Código em relação aos contratos em que apenas uma das partes assume obrigações: “se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva”.
Admite-se a aplicação da teoria da imprevisão nos contratos empresariais?
Resumo:
- Autor acha temerária a aplicação aos contratos empresariais.
- Empresário, vislumbrando risco, deve se proteger por meio de hedge.
- STJ aceita, mas tem sido rígido na interpretação do fato extraordinário que justifica sua aplicação (variação cambial ou ferrugem asiática não servem)
- CJF: deve-se presumir a sofisticação dos empresário e respeitar a alocação de riscos por eles estabelecida.
Posição do autor:
No âmbito dos contratos empresariais, é temerário admitir a rescisão ou a revisão de contratos com base na onerosidade excessiva, ainda que esta seja decorrente de situações extraordinárias e imprevisíveis. Trata-se de uma regra que não pode ser aplicada indistintamente a contratos civis, contratos de consumo e contratos empresariais. Nas duas primeiras espécies de contrato, pode-se até aceitar a aplicação da teoria da imprevisão, mas nos contratos empresariais ela deve ser rechaçada.
Se um empresário celebra um contrato no qual ele vislumbra a possibilidade, ainda que mínima, de alterações circunstanciais que afetem a relação contratual, deve se precaver, por exemplo, por meio de um hedge.
O hedge é uma operação muito específica, usada principalmente no mercado de valores mobiliários (mercado de capitais). Traduzidas para o português, as expressões “hedge” ou “hedging” significam “cerca”, “proteção” ou “cobertura”, e isso ajuda a entender melhor o instituto, que visa a proteger um determinado agente econômico quanto a eventuais riscos de uma operação futura sujeita a oscilações naturais do seu mercado. Assim, o hedge, na verdade, não é um contrato típico, mas apenas uma operação ínsita a determinados negócios aleatórios (que envolvem risco), como os realizados no mercado de capitais, por exemplo.
Um exemplo bem simples de hedge é dado pela Exposição de Motivos da Resolução 272 do Conselho Monetário Nacional (CMN), que foi a primeira norma regulamentar das atividades de “hedging” no Brasil: “um exportador adquire, na época de colheita, uma mercadoria que será posteriormente vendida, a preços que poderão variar. Para se prevenir contra possíveis prejuízos causados pela oscilação de preços, o exportador vende a futuro igual quantidade na bolsa de mercadorias, para o prazo em que pretende efetivar a venda física das mercadorias estocadas. Quando ocorrer a venda das mercadorias, caso os preços tenham baixado, o prejuízo que terá em seus estoques de mercadorias será compensado pela liquidação do seu contrato a futuro, vendido a um preço mais caro, o que lhe dará um lucro”.
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STJ:
No entanto, o mesmo STJ, corretamente, já negou a aplicação da teoria da imprevisão, em contratos empresariais, em casos de variação cambial, bem como em outras situações normais às atividades dos empresários, as quais não podem, portanto, serem consideradas fatos extraordinários e imprevisíveis.
Direito Civil e Comercial. Compra de safra futura de soja. Elevação do preço do produto. Teoria da imprevisão. Inaplicabilidade. Onerosidade excessiva. Inocorrência. 1. A cláusula rebus sic stantibus permite a inexecução de contrato comutativo – de trato sucessivo ou de execução diferida – se as bases fáticas sobre as quais se ergueu a avença alterarem-se, posteriormente, em razão de acontecimentos extraordinários, desconexos com os riscos ínsitos à prestação subjacente. 2. Nesse passo, em regra, é inaplicável a contrato de compra futura de soja a teoria da imprevisão, porquanto o produto vendido, cuja entrega foi diferida a um curto espaço de tempo, possui cotação em bolsa de valores e a flutuação diária do preço é inerente ao negócio entabulado. 3. A variação do preço da saca da soja ocorrida após a celebração do contrato não se consubstancia acontecimento extraordinário e imprevisível, inapto, portanto, à revisão da obrigação com fundamento em alteração das bases contratuais. 4. Ademais, a venda antecipada da soja garante a aferição de lucros razoáveis, previamente identificáveis, tornando o contrato infenso a quedas abruptas no preço do produto. Em realidade, não se pode falar em onerosidade excessiva, tampouco em prejuízo para o vendedor, mas tão somente em percepção de um lucro aquém daquele que teria, caso a venda se aperfeiçoasse em momento futuro. 5. Recurso especial conhecido e provido (REsp 849.228/GO, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4.ª Turma, j. 03.08.2010, DJe 12.08.2010).
Civil. Recurso especial. Ação revisional de contratos de compra e venda de safra futura de soja. Ocorrência de praga na lavoura, conhecida como “ferrugem asiática”. Onerosidade excessiva. Pedido formulado no sentido de se obter complementação do preço da saca de soja, de acordo com a cotação do produto em bolsa que se verificou no dia do vencimento dos contratos. Impossibilidade. Direito agrário. Contrato de compra e venda de soja. Fechamento futuro do preço, em data a ser escolhida pelo produtor rural. Ausência de abusividade. Emissão de Cédula de Produto Rural (CPR) em garantia da operação. Anulação do título, porquanto o adiantamento do preço consubstanciaria requisito fundamental. Reforma da decisão. Reconhecimento da legalidade da CPR. Precedentes. – <strong>Nos termos de precedentes do STJ, a ocorrência de “ferrugem asiática” não é fato extraordinário e imprevisível conforme exigido pelo art. 478 do CC/02.</strong> – A Lei 8.929/94 não impõe, como requisito essencial para a emissão de uma Cédula de Produto Rural, o prévio pagamento pela aquisição dos produtos agrícolas nela representados. A emissão desse título pode se dar para financiamento da safra, com o pagamento antecipado do preço, mas também pode ocorrer numa operação de “hedge”, na qual o agricultor, independentemente do recebimento antecipado do pagamento, pretende apenas se proteger contra os riscos de flutuação de preços no mercado futuro. Recurso especial conhecido e provido (REsp 858.785/ GO, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, Rel. p/ Acórdão Min. Nancy Andrighi, 3.ª Turma, j. 08.06.2010, DJe 03.08.2010).
Corretíssimo o posicionamento do STJ. Empresários são profissionais dos seus respectivos ramos de atividade, não podendo alegar a imprevisibilidade de situações que dizem respeito aos negócios que exploram.
Destaquem-se alguns enunciados sobre o tema aprovados na I Jornada de Direito Comercial do CJF:
Enunciado 23. Em contratos empresariais, é lícito às partes contratantes estabelecer parâmetros objetivos para a interpretação dos requisitos de revisão e/ou resolução do pacto contratual.
Enunciado 25. A revisão do contrato por onerosidade excessiva fundada no Código Civil deve levar em conta a natureza do objeto do contrato. Nas relações empresariais, deve-se presumir a sofisticação dos contratantes e observar a alocação de riscos por eles acordada.
Admite-se a cláusula de retrovenda em contrato de compra e venda de bem imóvel?
Resumo
Sim! O que não se admite é retrovenda para bem móvel.
Livro
A cláusula especial de retrovenda é aquela que assegura ao vendedor, nos contratos de compra e venda de bem imóvel, o direito de recomprar o bem vendido no prazo máximo de três anos após a venda. Essa cláusula está disciplinada pelo Código Civil em seu art. 505, que assim dispõe: “o vendedor de coisa imóvel pode reservar-se o direito de recobrá-la no prazo máximo de decadência de três anos, restituindo o preço recebido e reembolsando as despesas do comprador, inclusive as que, durante o período de resgate, se efetuaram com a sua autorização escrita, ou para a realização de benfeitorias necessárias”. Frise-se que a retrovenda, como é fácil perceber da leitura do dispositivo transcrito, só é possível quando o bem objeto do contrato for imóvel.
Admite-se a recompra do bem imóvel, cuja contrato de compra e venda continha cláusula de retrovenda, de terceiro adquirente?
O art. 507 do Código assegura a possibilidade de recompra do bem também aos sucessores do vendedor, e este direito pode ser exercido, inclusive, contra um terceiro adquirente. Eis o teor da norma: “o direito de retrato, que é cessível e transmissível a herdeiros e legatários, poderá ser exercido contra o terceiro adquirente”.
A retrovenda pode ser usada em substituição de hipoteca?
Resumo
- A retrovenda não pode ser usada como garantia, pois isso significaria aceitar o pacto comissório, que é vedado pelo Código Civil para hipoteca.
Livro
Faça-se ainda um último registro: aponta Arnoldo Wald que a retrovenda tem sido muito usada como instituto de garantia, substituindo várias vezes a hipoteca. O autor destaca, entretanto, que essa prática é ilegal, assim como seria ilegal o uso de retrovenda nos contratos de promessa de compra e venda. Eis o que diz o autor:
A retrovenda tem sido utilizada no direito contemporâneo para garantia de direitos, substituindo muitas vezes a hipoteca e permitindo ao credor, na hipótese de não pagamento do devedor, ficar com o imóvel dado em garantia sem necessidade de venda em leilão, fazendo com que prevaleça uma espécie de pacto comissório, proibido pelo nosso direito no tocante à garantia hipotecária, em virtude do qual o credor, não pagando o débito, se tornaria proprietário do bem dado em garantia. Tal função da retrovenda não se ajusta às normas existentes e é técnica usurária que o direito deve combater. A praxe também introduziu a retrovenda nas promessas de compra e venda, sendo discutível a sua validade em tais casos.
A jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro passou a entender como nulo o pacto de retrovenda com finalidade usurária, bem como as adaptadas à promessa de compra e venda (na promessa, não há venda, logo, não pode haver retrovenda)
Qual é a consequência da inobservância do direito de preferência estabelecido em contrato de compra e venda?
Caso a cláusula especial da preempção não seja respeitada pelo comprador, claro que o Código lhe atribui responsabilidades. Nesse sentido, estabelece o art. 518 que “responderá por perdas e danos o comprador, se alienar a coisa sem ter dado ao vendedor ciência do preço e das vantagens que por ela lhe oferecem. Responderá solidariamente o adquirente, se tiver procedido de má-fé”.
Admite-se a venda com reserva de domínio de coisa imóvel?
Outra cláusula especial da compra e venda é a que assegura ao vendedor a reserva de domínio sobre a coisa vendida, até que o comprador pague integralmente o preço ajustado. Está regulada no art. 521 do Código, que assim dispõe: “na venda de coisa móvel, pode o vendedor reservar para si a propriedade, até que o preço esteja integralmente pago”. Perceba-se que essa cláusula especial de reserva de domínio só é possível quando o bem objeto do contrato for móvel.
Para que essa cláusula produza os seus efeitos legais perante terceiros, deve estar expressamente prevista no contrato, além de ser registrada em cartório, no local do domicílio do comprador. Nesse sentido é a regra do art. 522 do Código: “a cláusula de reserva de domínio será estipulada por escrito e depende de registro no domicílio do comprador para valer contra terceiros”.
Conceitue o contrato de comissão.
De acordo com o art. 693 do Código Civil, “o contrato de comissão tem por objeto a aquisição ou a venda de bens pelo comissário, em seu próprio nome, à conta do comitente”. Em suma: o comissário é um empresário que irá realizar negócios no interesse de um outro empresário, o comitente, mas os realizará em seu nome.
Portanto, o comissário age no interesse e seguindo as instruções do comitente, mas o faz em seu nome, ou seja, assumindo responsabilidade perante os terceiros com quem contrata. É o que prevê o art. 694 do Código, que assim dispõe: “o comissário fica diretamente obrigado para com as pessoas com quem contratar, sem que estas tenham ação contra o comitente, nem este contra elas, salvo se o comissário ceder seus direitos a qualquer das partes”.
Qual é a diferença entre contrato de mandato e contrato de comissão?
Atente-se para o fato de que essa regra do art. 694 é que distingue, claramente, a comissão do contrato de mandato, já que neste o mandatário age em nome do mandante, enquanto na comissão, conforme visto, o comissário age em seu próprio nome. Daí porque alguma doutrina chega a chamar a comissão de mandato sem representação. Isso é muito importante para o próprio sucesso do contrato de comissão mercantil, uma vez que em diversas situações o comitente não quer aparecer na relação. É o que ocorre, por exemplo, com grandes empresários, que muitas vezes usam comissários, porque se fossem negociar diretamente teriam dificuldades em barganhar preços e outras condições contratuais. É o que ocorre também nas negociações realizadas na Bolsa de Valores. Conforme menciona Paulo Sérgio Restiffe, “a comissão mercantil tem grande utilidade nos contratos celebrados em bolsa, bem como nas intermediações exercidas pelas agências de publicidade”.
Não obstante a distinção entre mandato e comissão, determina o art. 709 do Código que “são aplicáveis à comissão, no que couber, as regras sobre mandato”.
Em que consiste a cláusula del credere, que pode conter o contrato de comissão?
Por fim, registre-se que o contrato de comissão pode ostentar a chamada cláusula del credere. Conforme vimos, os riscos do negócio cabem ao comitente, já que o comissário, embora atue em seu próprio nome, o faz no interesse do comitente e à conta dele, seguindo, aliás, as suas instruções. Assim, se os terceiros com quem o comissário contratou não honrarem suas obrigações, o prejuízo deverá ser suportado pelo comitente, e não pelo comissário (art. 697). Todavia, havendo a previsão da cláusula del credere, o comissário assumirá a responsabilidade solidária juntamente com os terceiros com quem contratar. Claro que, nesse caso, como o risco de suas operações aumenta, ele será ainda mais diligente, e terá, obviamente, direito a uma comissão maior. A regra está disciplinada no art. 698 do Código: “se do contrato de comissão constar a cláusula del credere, responderá o comissário solidariamente com as pessoas com que houver tratado em nome do comitente, caso em que, salvo estipulação em contrário, o comissário tem direito a remuneração mais elevada, para compensar o ônus assumido”.
Em que consiste o contrato de representação comercial?
Resumo
- Contrato em que o representante assume a incumbência de obter pedido de compra e venda para o representado.
- Não faz sentido chamar de representação comercial, pois os pedidos obtidos pelo representante não vinculam o representado, que pode rejeitá-los.
- O contrato de representação, embora não autorize em regra a celebração de contrato pelo representante, pode conter cláusula de mandato.
- A subordinação do representante é empresarial, não pessoal. Se acabar resultando em subordinação pessoal, caracterizará relação trabalhista.
Livro
A representação comercial autônoma é modalidade especial de contrato de colaboração em que o colaborador, chamado de representante, assume a incumbência de obter pedidos de compra e venda para os produtos comercializados pelo colaborado, chamado de representado. Trata-se de contrato que possui regulamentação legal específica (Lei 4.886/1965, que sofreu relevantes alterações provocadas pela Lei 8.420/1992). Não obstante, o Código Civil também trouxe disciplina legal para esse contrato, denominando-o de contrato de agência (arts. 710 a 721), expressão que, segundo alguns autores, é mais apropriada.
O nome escolhido pelo legislador brasileiro, registro, não é o mais apropriado: a atividade típica do representante comercial não é representação, quer dizer, obter pedidos de compra dos produtos fabricados ou comercializados por certo empresário não significa praticar atos em nome deste. Ademais, <strong>os pedidos encaminhados pelo representante comercial não vinculam o representado, que pode simplesmente recusá-los. </strong>Se houvesse representação, no sentido em que tradicionalmente se entende o instituto no direito privado, os atos praticados pelo colaborador obrigariam o fornecedor, tal como no mandato. Por isso, melhor seria chamar o contrato de representação comercial de “agência”, denominação que lhe reservam, aliás, direitos estrangeiros, como o argentino e o espanhol. O Código Civil de 2002 empregou a expressão “agência” na identificação de contrato de colaboração assemelhado ao da representação comercial.3
Embora nós tenhamos optado por considerar representação comercial e agência como uma mesma figura contratual, é importante destacar que há autores que distinguem esses contratos, entendendo que a agência seria modalidade contratual de maior amplitude, que englobaria qualquer contrato firmado com pessoa que exerça a intermediação com habitualidade. São os casos, por exemplo, de agentes de atletas ou artistas.
De acordo com o art. 1.º da Lei 4.886/1965, “exerce a representação comercial autônoma a pessoa jurídica ou a pessoa física, sem relação de emprego, que desempenha, em caráter não eventual por conta de uma ou mais pessoas, a mediação para a realização de negócios mercantis, agenciando propostas ou pedidos, para transmiti-los aos representados, praticando ou não atos relacionados com a execução dos negócios”.
Perceba-se, pois, que a representação comercial não se confunde com o mandato, uma vez que o representante não tem poderes para concluir os negócios em nome do representado. Cabe a este, em última análise, aprovar ou não os pedidos de compra obtidos pelo representante. Não obstante tal distinção, a lei autoriza, no parágrafo único do seu art. 1.º, que a representação inclua também os poderes do mandato: “quando a representação comercial incluir poderes atinentes ao mandato mercantil, serão aplicáveis, quanto ao exercício deste, os preceitos próprios da legislação comercial”.
Perceba-se também que na representação comercial não se caracteriza nenhum tipo de relação empregatícia entre representante e representado. A subordinação existente entre ambos, conforme já apontamos, é eminentemente empresarial, e não pessoal. Essa subordinação diz respeito apenas à forma de organização empresarial do representante, que deve, obviamente, seguir determinadas instruções do representado. Caso, todavia, essa subordinação seja pessoal, e não meramente empresarial, descaracterizado estará o vínculo contratual da representação, havendo, na verdade, um contrato de trabalho ou um contrato de prestação de serviços. Nesse sentido, confiram-se decisões do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal Superior do Trabalho em que se destaca, claramente, que o importante para definir se há contrato de representação ou não é a análise do tipo de subordinação existente: se meramente empresarial, trata-se de representação; se pessoal, não se trata de representação.
Contrato. Venda. Assinatura. Jornal. Prestação. Serviço. Firmado que o contrato para a venda de assinaturas de jornal em questão foi cumprido com subordinação a regime de metas, prestação de contas diárias e com atuação do contratado no próprio endereço comercial da contratante, não há que se falar em contrato de representação comercial (Lei n. 4.886/1965), mas, sim, em de prestação de serviços (REsp 642.728-PR, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 20.09.2005, Informativo 261/2005).
A cláusula de exclusividade de zona e de representação são implícita no contrato de representação?
Resumo
- A cláusula de exclusividade de zona é implícita.
- Contudo, “a exclusividade de representação não se presume na ausência de ajustes expressos”.
Livro
No que tange, por sua vez, aos requisitos de que tratam as alíneas d, e e g [do art. 27], que mencionam a cláusula de exclusividade de zona, deve ser feita aqui uma observação especial. Essa cláusula é deveras importante nos contratos de colaboração, notadamente no de representação, uma vez que visa a assegurar ao colaborador (no caso, o representante) o retorno dos investimentos que ele fez para iniciar a colaboração (pesquisa de mercado, formação de estoque, campanhas publicitárias etc.). Assim, fica o colaborador (no caso, o representado) obrigado a não comercializar seus produtos na região do representante diretamente nem por meio de outro representante. Afinal, se isto fosse possível, o representante comercial que fez todo o trabalho de abertura daquele mercado referente à sua zona de exclusividade sofreria prejuízos consideráveis, uma vez que teve gastos para promover o produto. Assim, jamais conseguiria o representante praticar preços compatíveis, já que necessita embutir seus gastos nos preços. Portanto, a cláusula de exclusividade de zona é, em síntese, o segredo, no mais das vezes, para o sucesso de um contrato de colaboração. Nesse sentido, veja-se que a Lei 4.886/1965, com vistas a proteger o representante que possui exclusividade de zona, estipula, em seu art. 31, que “prevendo o contrato de representação a exclusividade de zona ou zonas, ou quando este for omisso, fará jus o representante à comissão pelos negócios aí realizados, ainda que diretamente pelo representado ou por intermédio de terceiros”.
Em suma: a cláusula de exclusividade de zona, nos contratos de representação, é implícita. O STJ já decidiu que essa cláusula deve ser observada até mesmo em contratos de representação comercial verbais.
Processual civil e comercial. Recurso especial. Contrato de representação. Embargos declaratórios. Omissão. Inocorrência. Rescisão imotivada. Exclusividade. Contrato verbal. Possibilidade. Interpretação de cláusulas contratuais e reexame de prova. (…) 2. Possibilidade da demonstração da existência de cláusula de exclusividade mesmo em contratos de representação firmados verbalmente, admitindo-se a respectiva prova por todos os meios em direito admitidos. Aplicação do art. 212 do CC/02 c/c os arts. 400 e segs. do CPC. Doutrina e jurisprudência desta Corte acerca do tema. 3. Estabelecida, no caso concreto, pelo acórdão recorrido a premissa de que o ajuste de representação comercial vigorava com cláusula de exclusividade, confirmada por prova testemunhal, inarredável a conclusão de que houve rescisão imotivada do contrato, pela contratação de novo representante para atuar na mesma zona anteriormente conduzida pela recorrida. (…) (REsp 846.543/RS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, 3.ª Turma, j. 05.04.2011, DJe 11.04.2011).
No entanto, ressalte-se que, de acordo com o parágrafo único do art. 31, “a exclusividade de representação não se presume na ausência de ajustes expressos”. Assim, embora a cláusula de exclusividade de zona seja implícita, a cláusula de exclusividade de representação não é: isso significa que o representante, salvo cláusula contratual expressa em contrário, pode trabalhar para outro(s) representado(s). Nesse sentido, aliás, dispõe expressamente o art. 41 da Lei 4.886/1965 que, “ressalvada expressa vedação contratual, o representante comercial poderá exercer sua atividade para mais de uma empresa e empregá-la em outros misteres ou ramos de negócios”.