Livro - Tutela Processual Civil do Meio Ambiente Flashcards
É possível o ajuizamento de ação popular sem que haja prejuízo ao patrimônio material do Poder Público?
Resumo
- A jurisprudência mais recente tem entendido que não é indispensável a lesão ao patrimônio material do Poder Público para que seja cabível a ação popular. Lesões ao patrimônio moral, cultural ou histório também autorizam a propositura dessa ação.
- Consideram-se lesivas, e, portanto, tuteláveis por ação popular, as situações jurídicas de risco de lesão, não sendo necessário que a tutela jurisdicional seja sempre repressiva. Destarte, é perfeitamente possível que a ação popular seja inibitória do ilícito ou do próprio dano.
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A regra extraída do art. 5º, LXXIII, da CF/88 é a de que se faz necessária a presença dos dois requisitos fundamentais para a utilização da ação popular: invalidade do ato e sua lesividade. Atos válidos e lesivos ou atos inválidos mas não lesivos não autorizariam, a princípio, a propositura da ação popular.
Aliás, já consignou expressamente o STJ que, ainda que a CF/88 tenha alargado as hipóteses de cabimento da Ação Popular, é necessária a comprovação da lesividade:
“ADMINISTRATIVO. AÇÃO POPULAR. CABIMENTO. ILEGALIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO. LESIVIDADE AO PATRIMÔNIO PÚBLICO. COMPROVAÇÃO DO PREJUÍZO. NECESSIDADE.
- O fato de a Constituição Federal de 1988 ter alargado as hipóteses de cabimento da ação popular não tem o efeito de eximir o autor de comprovar a lesividade do ato, mesmo em se tratando de lesão à moralidade administrativa, ao meio ambiente ou ao patrimônio histórico e cultural. (…)” (STJ, 1ª Seção, EREsp 260.821/SP, rel. Min. Luiz Fux, DJ 23-11-2005).
Todavia, a jurisprudência mais recente daquela Corte Superior tem decidido que, basta a ofensa à moralidade administrativa para a propositura da ação popular, ainda que não fique comprovada qualquer lesão ao patrimônio público:
“PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO POPULAR. AUSÊNCIA DE LESIVIDADE MATERIAL. OFENSA À MORALIDADE ADMINISTRATIVA. CABIMENTO. (…)
- A ação popular é instrumento hábil à defesa da moralidade administrativa, ainda que inexista dano material ao patrimônio público. Precedentes do STJ: AgRg no REsp 774.932/GO, DJ 22-3-2007 e REsp 552.691/MG, DJ 30-5-2005.
- O influxo do princípio da moralidade administrativa, consagrado no art. 37 da Constituição Federal, traduz-se como fundamento autônomo para o exercício da Ação Popular, não obstante estar implícito no art. 5º, LXXIII da Lex Magna. Aliás, o atual microssistema constitucional de tutela dos interesses difusos, hoje compostos pela Lei da Ação Civil Pública, a Lei da Ação Popular, o Mandado de Segurança Coletivo, o Código de Defesa do Consumidor e o Estatuto da Criança e do Adolescente, revela normas que se interpenetram, nada justificando que a moralidade administrativa não possa ser veiculada por meio de Ação Popular.
- Sob esse enfoque manifestou-se o S.T.F: ‘o entendimento no sentido de que, para o cabimento da ação popular, basta a ilegalidade do ato administrativo a invalidar, por contrariar normas específicas que regem a sua prática ou por se desviar de princípios que norteiam a Administração Pública, sendo dispensável a demonstração de prejuízo material aos cofres públicos, não é ofensivo ao inciso LI do art. 5º da Constituição Federal, norma esta que abarca não só o patrimônio material do Poder Público, como também o patrimônio moral, o cultural e o histórico.’ (RE 170.768/SP, rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 13-8-1999). (…)” (STJ, 1ª Turma, REsp 474.475/SP, rel. Min. Luiz Fux, DJ 6-10-2008).
No mesmo sentido, STJ, AgRg no REsp 1.151.540/SP, rel. Min. Benedito Gonçalves, 1ª Turma, julgado em 20-6-2013, DJe 26-6-2013.
Por ato inválido, entende-se o ato em desconformidade com as leis e os princípios de direito. A invalidade pode se manifestar de três formas distintas. Podem os atos inválidos ser:
- nulos;
- anuláveis;
- inexistentes.
É a própria Lei de Ação Popular (Lei n. 4.717/65), além da Lei n. 9.784/99 (Lei de Processo Administrativo), que indica quando incide esta ou aquela invalidade. A diferença entre elas está na conduta que pode tomar a Administração, provocada ou não a corrigi-los, o que resultará na convalescência ou não do ato. Só os atos anuláveis é que podem convalescer. Os nulos e inexistentes precisam ser extirpados, inclusive seus efeitos, do mundo jurídico.
Já o ato lesivo é aquele que causou ou pode causar dano (patrimonial ou extrapatrimonial).
Importante ressaltar que se consideram lesivas, e, portanto, tuteláveis por ação popular, as situações jurídicas de risco de lesão, não sendo necessário que a tutela jurisdicional seja sempre repressiva. Destarte, é perfeitamente possível que a ação popular seja inibitória do ilícito ou do próprio dano.
Ainda dentro do conceito de lesividade, inclui-se a noção de lesão aos princípios da administração pública, da razoabilidade, da boa-fé, etc., não sendo adequado resumir o conceito de ilicitude ao de contrariedade à lei, em sentido material ou formal.
Por fim, vale dizer que, para a propositura da ação popular, basta apenas a afirmação da lesividade e da invalidade do ato. Já sua demonstração in concreto diz respeito ao próprio mérito da demanda.
Admite-se o uso de Ação Popular para o controle de omissão do Poder Público?
Com base nessas ideias, hoje é assente ser perfeitamente possível e desejável a interferência jurisdicional para sanar as omissões da administração.
É justamente no controle das políticas públicas que se encontra, hodiernamente, o grande papel a ser desempenhado pela Ação Popular. Assim, se a omissão na realização das políticas públicas — dever do Estado — existe, ela deve ser controlada mediante atuação positiva do Poder Judiciário, impondo que o Estado faça aquilo que não fez em relação ao mínimo existencial dos direitos sociais, nos limites do razoável e da reserva do possível.
Jurisprudência
“ADMINISTRATIVO. AÇÃO POPULAR. INTERESSE DE AGIR. PROVA PERICIAL. DESNECESSIDADE. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. (…)
4. A ação popular é o instrumento jurídico que deve ser utilizado para impugnar atos administrativos omissivos ou comissivos que possam causar danos ao meio ambiente.
5. Pode ser proposta ação popular ante a omissão do Estado em promover condições de melhoria na coleta do esgoto da Penitenciária Presidente Bernardes, de modo a que cesse o despejo de elementos poluentes no Córrego Guarucaia (obrigação de não fazer), a fim de evitar danos ao meio ambiente. (…)” (STJ, 2ª Turma, REsp 889.766/SP, rel. Min. Castro Meira, DJ 18-10-2007).
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. OFENSA AO ART. 535 (CONTRADIÇÃO) DO CPC/1973 NÃO CONFIGURADA. AÇÃO POPULAR.<br></br>INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL POR AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DA LESIVIDADE. REVALORAÇÃO DAS PREMISSAS EXPRESSAMENTE CONSIGNADAS NO VOTO CONDUTOR DO ACÓRDÃO HOSTILIZADO. NÃO INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ.<br></br>1. Trata-se de Ação Popular ajuizada com a finalidade de remover estrutura alocada em via pública, incorporando o respectivo espaço a imóvel de particular, para uso próprio. Imputa-se à Municipalidade omissão no dever de restabelecer a regular utilização do bem de uso público comum.<br></br>2. Segundo a petição inicial, o réu se “apossou de rua pública para fins particulares … a rua em questão foi tomada pela construção particular de um jardim e cercada para uso particular de um único beneficiado, o senhor Souto Maior … a referida rua uma vez aberta, permitiria à população ter acesso à frente do Pronto Socorro e maternidade municipal sem ter que percorrer uma grande caminhada do ponto de ônibus até as entidades de saúde citadas”.<br></br>3. O juízo de primeiro grau indeferiu liminarmente a petição inicial, com base nos seguintes fundamentos (fls. 27-31, e-STJ): a) somente ato administrativo, emanado de um ente público, enseja a propositura da Ação Popular (não o ato praticado por particular); b) se houve apropriação ilegal, caberá à Municipalidade ajuizar a demanda adequada, em seu próprio nome, contra o autor do ato.<br></br>4. O Tribunal de origem reconhece ser cabível a demanda para impugnar omissão da Administração Pública, desde que dela decorra dano ao erário. Não obstante, manteve o indeferimento da petição inicial à luz das seguintes premissas (fls. 52-56, e-STJ): a) não houve descrição do dano efetivo provocado pela conduta do particular; b) inexistem nos autos indícios de eventual omissão do Poder Público, que seria causadora de dano ao patrimônio público; c) somente nos casos previstos no art. 4º da Lei 4.717/1965 é possível admitir a Ação Popular independentemente da indicação e demonstração da lesividade do ato; e d) a ocupação de parte de via pública, causando incômodo para o trânsito de pedestres e de veículos, não se amolda à hipótese do aludido art. 4º.<br></br>INEXISTÊNCIA DE CONTRADIÇÃO NO ACÓRDÃO RECORRIDO 5. A contradição qualifica-se como vício interno no julgado, caracterizado à luz da existência de relação de incompatibilidade lógica entre os fundamentos e o dispositivo do julgado, o que não ficou configurado no caso concreto.<br></br>6. Com efeito, ao afirmar que a ausência de indicação da lesividade acarreta inépcia da inicial e que somente a falta de comprovação leva ao julgamento de mérito (improcedência do pedido), a Corte local não incidiu em contradição ao extinguir o feito sem resolução do mérito.<br></br>INDICAÇÃO, NA PETIÇÃO INICIAL, DE LESIVIDADE AO PATRIMÔNIO PÚBLICO 7. O Tribunal de origem, conforme dito, indeferiu a petição inicial diante de suposta ausência de indicação da lesividade ao patrimônio púbico, razão pela qual extinguiu o feito sem resolução do mérito.<br></br>8. Ao assim proceder, descreveu no voto condutor o conteúdo da petição inicial, nos seguintes termos (fl. 53, e-STJ): “Trata o caso de ação popular ajuizada com o escopo de remover estrutura alocada em via pública do Município de Embu, via essa que, conforme se afirma na exordial, há tempos é utilizada por particular para fins privados, sem que a Administração municipal tenha autorizado ou reprimido essa conduta. Assim entendem os requerentes, estaria caracterizada omissão da Municipalidade”.<br></br>9. Nota-se que, no trecho acima, extraído da leitura da petição inicial (fato incontroverso, tendo em vista que a demanda foi extinta em seu nascedouro, o que evidencia que não houve outro ato processual praticado pelas partes), é possível perceber que, ao contrário do que entendeu a Corte local, houve efetiva indicação do ato lesivo, aliás, dos atos lesivos seguintes: a) apropriação de via pública por particular; e b) omissão da Municipalidade em reprimir essa conduta tida por ilegal.<br></br>10. A revaloração da qualificação jurídica que o Tribunal a quo conferiu aos fatos não esbarra no óbice da Súmula 7/STJ.<br></br>11. O indeferimento da petição inicial, como se vê, não se sustenta, pois foram descritos os atos lesivos imputáveis ao particular e à Administração Municipal.<br></br>12. Agravo Regimental provido, de modo a acolher a pretensão veiculada no Recurso Especial, para que seja dado regular andamento à Ação Popular.<br></br>(AgRg no AREsp 683.379/SP, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, Rel. p/ Acórdão Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/04/2016, DJe 13/09/2016)
A apresentação de título do eleitor é condição para o ingresso de ação popular?
Como se vê no art. 5º, LXXIII, da CF/88, a legitimidade ativa para a propositura da ação popular é do cidadão. A prova da cidadania, segundo o art. 1º, § 3º,3 da Lei n. 4.717/65, deve ser feita por meio do título de eleitor.
Importante consignar, porém, que já decidiu o Superior Tribunal de Justiça que o título de eleitor não é condição para o ingresso da Ação Popular, mas meio de prova da condição de cidadão. Ser cidadão, segundo se afirmou, é coisa distinta de ser eleitor. Vejamos:
“PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO POPULAR. ELEITOR COM DOMICÍLIO ELEITORAL EM MUNICÍPIO ESTRANHO ÀQUELE EM QUE OCORRERAM OS FATOS CONTROVERSOS. IRRELEVÂNCIA. LEGITIMIDADE ATIVA. CIDADÃO. TÍTULO DE ELEITOR. MERO MEIO DE PROVA (…)
2. Nas razões recursais, sustenta a parte recorrente ter havido violação aos arts. 1º, caput e § 3º, da Lei n. 4.717/65 e 42, p. único, do Código Eleitoral, ao argumento de que a ação popular foi movida por eleitor de Município outro que não aquele onde se processaram as alegadas ilegalidades. (…)
4. Note-se que a legitimidade ativa é deferida a cidadão. A afirmativa é importante porque, ao contrário do que pretende o recorrente, a legitimidade ativa não é do eleitor, mas do cidadão.
5. O que ocorre é que a Lei n. 4717/65, por seu art. 1º, § 3º, define que a cidadania será provada por título de eleitor.
6. Vê-se, portanto, que <strong>a condição de eleitor não é condição de legitimidade ativa, mas apenas e tão só meio de prova documental da cidadania, daí por que pouco importa qual o domicílio eleitoral do autor da ação popular. </strong>Aliás, trata-se de uma exceção à regra da liberdade probatória (sob a lógica tanto da atipicidade como da não taxatividade dos meios de provas) prevista no art. 332, CPC. (…)” (STJ, 2ª Turma, REsp 1.242.800/MS, rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJ 4-6-2011).
Admite-se a intervenção litisconsorcial na ação popular?
Ainda sobre a legitimidade ativa, diga-se que o art. 6º, § 5º,4 da Lei n. 4.717/65 reconhece a possibilidade de o cidadão promover a sua intervenção litisconsorcial, mas sem poder realizar a ampliação do objeto da demanda. O litisconsórcio formado é, portanto, facultativo unitário.
Quem é parte legítima para figurar no polo passivo de ação popular?
Por sua vez, a legitimidade passiva enseja, sempre, a formação de litisconsórcio necessário entre a pessoa jurídica de direito público ou com função pública, os agentes públicos participantes do ato e os beneficiários diretos. Vejamos:
“Art. 6º A ação será proposta contra as pessoas públicas ou privadas e as entidades referidas no art. 1º, contra as autoridades, funcionários ou administradores que houverem autorizado, aprovado, ratificado ou praticado o ato impugnado, ou que, por omissão, tiverem dado oportunidade à lesão, e contra os beneficiários diretos do mesmo.”
Caso assim não proceda o autor, deve o juiz aplicar o parágrafo único do art. 47 do CPC, assinalando prazo para que o requerente promova a citação dos demais litisconsortes, sob pena de extinção do processo:
“Art. 47. Há litisconsórcio necessário, quando, por disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes; caso em que a eficácia da sentença dependerá da citação de todos os litisconsortes no processo.
Parágrafo único. O juiz ordenará ao autor que promova a citação de todos os litisconsortes necessários, dentro do prazo que assinar, sob pena de declarar extinto o processo.”
[…]
Importante entender que o ato administrativo do qual se pretende decretar a invalidade é uma norma jurídica concreta que, regra geral, foi formada depois de um procedimento administrativo com contraditório e participação de vários órgãos, encarnados por servidores públicos que integram a administração pública.
Por isso mesmo, o dispositivo legal deixa claro que todos aqueles que participaram de forma decisiva na formação do ato administrativo durante a cadeia procedimental, influenciando no seu resultado (ato inválido), devem responder como réus na referida demanda, com aqueles que, sem participar da formação do ato, dele se beneficiaram de forma direta.
Como se deve proceder, no que toca à formação do litisconsórcio passivo, quando não é possível identificar os beneficiários na ação popular?
Resumo
- Pode-se dispensar a inclusão do beneficiário, que, se for indentificado no curso do processo, será incluído no polo passivo, sendo-lhe restituído o prazo para contestação e produção de provas.
- O autor pode optar pela citação por edital dos beneficiários, caso em que estes não terão direito a apresentação de contestação após o prazo legal, já que serão representados por curador especial.
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Diga-se, ainda, que existindo ato inválido e lesivo, mas sem que seja possível a identificação dos beneficiários diretos do ato impugnado, ou mesmo seus responsáveis, a ação poderá ser proposta apenas contra as pessoas físicas e jurídicas indicadas no caput do dispositivo. É a regra do § 1º do art. 6º da Lei de Ação Popular:
“Art. 6º (…) § 1º Se não houver benefício direto do ato lesivo, ou se for ele indeterminado ou desconhecido, a ação será proposta somente contra as outras pessoas indicadas neste artigo.”
Nessas hipóteses, caso, no curso do processo e antes de proferida a sentença, sejam identificados os beneficiários antes indeterminados, reza o art. 7º, § 2º, II e III, da Lei n. 4.717/65 que estas pessoas deverão ser citadas para a integração do contraditório, sendo-lhe restituído o prazo para contestação e produção de provas:
“Art. 7º (…) § 2º (…)
II — Quando o autor o preferir, a citação dos beneficiários far-se-á por edital com o prazo de 30 (trinta) dias, afixado na sede do juízo e publicado três vezes no jornal oficial do Distrito Federal, ou da Capital do Estado ou Território em que seja ajuizada a ação. A publicação será gratuita e deverá iniciar-se no máximo 3 (três) dias após a entrega, na repartição competente, sob protocolo, de uma via autenticada do mandado.
III — Qualquer pessoa, beneficiada ou responsável pelo ato impugnado, cuja existência ou identidade se torne conhecida no curso do processo e antes de proferida a sentença final de primeira instância, deverá ser citada para a integração do contraditório, sendo-lhe restituído o prazo para contestação e produção de provas, Salvo, quanto a beneficiário, se a citação se houver feito na forma do inciso anterior.”
Excepciona-se a regra nos casos em que o autor tiver requerido a citação por edital dos beneficiários desconhecidos. Nestas hipóteses, não poderá contestar novamente, porque a ele será dado curador especial, nos termos do art. 72, II, segunda parte, do CPC. Nada impede, todavia, que integre o contraditório fazendo-se representar por advogado próprio e dispensando o curador especial.
Na ação popular, os réus serão condenador solidariamente a ressarcir os prejuízos?
O litisconsórcio passivo é, ainda, simples (e não unitário), na medida em que cada um dos responsáveis pelo ato e seus beneficiários poderão ser condenados em montante diverso por força do art. 11 da LAP:
“Art. 11. A sentença que, julgando procedente a ação popular, decretar a invalidade do ato impugnado, condenará ao pagamento de perdas e danos os responsáveis pela sua prática e os beneficiários dele, ressalvada a ação regressiva contra os funcionários causadores de dano, quando incorrerem em culpa.”
É o que já ressaltou o STJ no julgamento a seguir:
“ADMINISTRATIVO. AÇÃO POPULAR. PREFEITURA. AUSÊNCIA DE LICITAÇÃO. AQUISIÇÃO DE MEDICAMENTOS. ENTREGA. DANO AO ERÁRIO. EFETIVAÇÃO. RESSARCIMENTO. CONDENAÇÃO SOLIDÁRIA. IMPOSSIBILIDADE.
I — O aresto recorrido, nos autos da ação popular respectiva, considerou a existência do dano ao erário em decorrência da aquisição e pagamento de medicamentos, efetuados sem a devida licitação e que não foram entregues pelos fornecedores às unidades responsáveis da Prefeitura em questão.
II — No entanto, com a delimitação do dano, a ser comprovado mediante as notas fiscais juntadas e delineadas na inicial, <u><strong>não poderiam os recorrentes ter sido condenados ao ressarcimento do prejuízo de forma solidária, mas sim na medida de sua responsabilidade e extensão.</strong></u>
III — Recurso parcialmente provido” (STJ, 1ª Turma, REsp 881.426/SP, rel. Min. Francisco Falcão, DJ 1º-2-2007).
Como se dá a participação do Ministério Público na ação popular? Em algum caso ela é facultativa?
A leitura dos arts. 6º, § 4º; 7º, § 1º; 9º; 16 e 19, § 2º, todos da Lei n. 4.717/65, poderia levar a uma confusão do intérprete no tocante à função e participação do Parquet no procedimento da ação popular. Vejamos os dispositivos:
“Art. 6º (…) § 4º O Ministério Público acompanhará a ação, cabendo-lhe apressar a produção da prova e promover a responsabilidade, civil ou criminal, dos que nela incidirem, sendo-lhe vedado, em qualquer hipótese, assumir a defesa do ato impugnado ou dos seus autores.”
“Art. 7º (…) § 1º O representante do Ministério Público providenciará para que as requisições, a que se refere o inciso anterior, sejam atendidas dentro dos prazos fixados pelo juiz.”
“Art. 9º Se o autor desistir da ação ou der motivo à absolvição da instância, serão publicados editais nos prazos e condições previstos no art. 7º, II, ficando assegurado a qualquer cidadão, bem como ao representante do Ministério Público, dentro do prazo de 90 (noventa) dias da última publicação feita, promover o prosseguimento da ação.”
“Art. 16. Caso decorridos 60 (sessenta) dias de publicação da sentença condenatória de segunda instância, sem que o autor ou terceiro promova a respectiva execução, o representante do Ministério Público a promoverá nos 30 (trinta) dias seguintes, sob pena de falta grave.”
“Art. 19. (…) § 2º Das sentenças e decisões proferidas contra o autor da ação e suscetíveis de recurso, poderá recorrer qualquer cidadão e também o Ministério Público.”
Ocorre que a preocupação do legislador, no art. 6º, § 4º (o Parquet não poderia defender o ato impugnado), era, à época, excepcionar o regime jurídico do Ministério Público, já que este era representante legal das pessoas jurídicas de direito público.
Com o advento da CF/88, o Parquet assumiu um novo papel na sociedade, como figura autônoma e com a função de zelar pelo interesse público, atuando como custos legis (fiscal da lei) e independentemente desta ou daquela parte.
É por isso que, na ação popular, o Ministério Público somente atuará como parte (sucessor processual) no caso dos arts. 9º, 16 e 19, § 2º. Nos demais casos, atuará como fiscal da lei e protegerá o interesse público primário.
A redação do art. 9º da Lei n. 4.717/65 trata da sucessão processual do Parquet na ação popular. De fato, a redação não é das melhores, mas se justificam os termos ali utilizados porque foi feita com base no CPC/39, onde a expressão “absolvição da instância” significava o que hoje é reconhecido no Código de Processo Civil como “abandono da ação”.
Nos dois casos, normalmente, haveria a aplicação do art. 485, VIII e § 4º, ou do art. 485, II e III, do CPC, levando sempre à extinção do processo. Todavia, tratando-se de ação popular, haverá a publicação de edital para qualquer cidadão e/ou o Ministério Público assumirem o polo ativo da demanda.
Nestes casos, cabe ao Ministério Público analisar se o abandono ou a desistência são fundados ou infundados. Também depende de avaliação pelo Ministério Público a interposição de recurso.
Já no art. 16 da Lei n. 4.717/65, ao contrário do art. 9º, é obrigatória a atuação do Ministério Público, devendo promover a execução se estiver findo o prazo de 60 dias sem que o próprio autor ou a pessoa jurídica de direito público promova a execução da sentença condenatória. Fará isso o Ministério Público sob pena de falta grave.
ATENÇÃO! Para efeito de concurso público, importante frisar que há questões que consideram facultativa a execução pelo Ministério Público neste caso (ver questão de n. 1 no item 9.6.1).
Para que haja condenação a pagamento de perdas e danos na ação popular, é necessário pedido nesse sentido?
Há sempre cumulação de pedidos na ação popular. Afinal, se a invalidade se corrige por decisão constitutiva, a lesão se corrige por decisão condenatória.
Por isso mesmo, este pedido é condenatório eventual, que só ocorre caso seja acolhida a pretensão de decretação da invalidade. É o que se presume do art. 11 da Lei n. 4.717/65, a saber:
“Art. 11. A sentença que, julgando procedente a ação popular, decretar a invalidade do ato impugnado, condenará ao pagamento de perdas e danos os responsáveis pela sua prática e os beneficiários dele, ressalvada a ação regressiva contra os funcionários causadores de dano, quando incorrerem em culpa.”
A jurisprudência do STJ já decidiu, inclusive, que, mesmo que não haja pedido expresso, deve o juiz incluir na sentença a condenação em perdas e danos:
“(…) por força do art. 11 da Lei 4.717/65, deve o juiz, independente de pedido expresso, incluir na sentença a condenação ao pagamento de perdas e danos. Não há, portanto, cogitar de sentença extra petita” (STJ, 1ª Turma, REsp 439.051/RO, rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ 1º-2-2005).
A citação dos beneficiário pode ser realizada por meio de edital, se assim o desejar o autor da ação popular?
Sob a forma de citação do réu, o art. 7º, II, traz regra que merece ser comentada:
“Art. 7º (…)
II — Quando o autor o preferir, a citação dos beneficiários far-se-á por edital com o prazo de 30 (trinta) dias, afixado na sede do juízo e publicado três vezes no jornal oficial do Distrito Federal, ou da Capital do Estado ou Território em que seja ajuizada a ação. A publicação será gratuita e deverá iniciar-se no máximo 3 (três) dias após a entrega, na repartição competente, sob protocolo, de uma via autenticada do mandado.”
A expressão “quando o autor o preferir” pode dar a entender que cabe ao autor escolher, livremente, a citação por edital.
Não é assim, todavia, que deve ser. Apenas quando presentes os requisitos do art. 257 do CPC pode ocorrer a citação por edital, sob pena de clara violação aos princípios do contraditório e ampla defesa. Infringida a regra, cabe a aplicação da sanção do art. 258 do CPC. Vejamos os dispositivos:
“Art. 257. São requisitos da citação por edital:
I — a afirmação do autor ou a certidão do oficial informando a presença das circunstâncias autorizadoras;
II — a publicação do edital na rede mundial de computadores, no sítio do respectivo tribunal e na plataforma de editais do Conselho Nacional de Justiça, que deve ser certificada nos autos;
III — a determinação, pelo juiz, do prazo, que variará entre 20 (vinte) e 60 (sessenta) dias, fluindo da data da publicação única ou, havendo mais de uma, da primeira;
IV — a advertência de que será nomeado curador especial em caso de revelia.
Parágrafo único. O juiz poderá determinar que a publicação do edital seja feita também em jornal local de ampla circulação ou por outros meios, considerando as peculiaridades da comarca, da seção ou da subseção judiciárias.
Art. 258. A parte que requerer a citação por edital, alegando dolosamente a ocorrência das circunstâncias autorizadoras para sua realização, incorrerá em multa de 5 (cinco) vezes o salário-mínimo.
Parágrafo único. A multa reverterá em benefício do citando.”
No caso de litisconsórcio passivo com advogados distintos, aplica-se o prazo em dobro pra contestar na ação popular?
A respeito do prazo que possui o réu para contestar, a Lei n. 4.717/65 traz regra específica, não se aplicando o art. 335 do CPC. Vejamos:
“Art. 7º
(…)
IV — O prazo de contestação é de 20 (vinte) dias, prorrogáveis por mais 20 (vinte), a requerimento do interessado, se particularmente difícil a produção de prova documental, e será comum a todos os interessados, correndo da entrega em cartório do mandado cumprido, ou, quando for o caso, do decurso do prazo assinado em edital.”
[…]
É, ainda, de ser aplicada a regra do art. 229 do Código de Processo Civil, no sentido de que, sendo distintos os advogados dos litisconsortes passivos, o prazo para ofertar contestação será contado em dobro, a saber:
“Art. 229. Os litisconsortes que tiverem diferentes procuradores, de escritórios de advocacia distintos, terão prazos contados em dobro para todas as suas manifestações, em qualquer juízo ou tribunal, independentemente de requerimento.”
Foi o que decidiu o STJ, em relação ao prazo para recorrer:
“PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO POPULAR. PRAZO PARA RECURSO. LITISCONSORTES COM PROCURADORES DIFERENTES.
Inexistindo na Lei de Ação Popular norma sobre a contagem do prazo para recurso quando os litisconsortes tiverem diferentes procuradores, deve ser aplicado o CPC, artigo 191, contando-se o prazo em dobro. Recurso provido” (STJ, 1ª Turma, REsp 230.142/RJ, rel. Min. Garcia Vieira, julgado em 18-11-1999).
Admite-se reconvenção na ação popular?
Quanto à reconvenção, não há possibilidade, porque o que se discute é a tutela de direito metaindividual, não sendo lícito ao réu trazer lide ou pretensão individual sua contra os legitimados da demanda, que, regra geral, não têm também legitimidade coletiva passiva. É exatamente essa a orientação seguida no STJ:
“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO POPULAR. RECONVENÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. DANO MORAL. AFERIÇÃO. SÚMULA 07/STJ.
1. A ação popular é um dos mais antigos meios constitucionais de participação do cidadão nos negócios públicos, na defesa da sociedade e dos relevantes valores a que foi destinada. Admitir o uso da reconvenção produziria efeito inibitório do manejo desse importante instrumento de cidadania, o que o constituinte procurou arredar, quando isentou o autor das custas processuais e do ônus da sucumbência.
2. O instituto da reconvenção exige, como pressuposto de cabimento, a conexão entre a causa deduzida em juízo e a pretensão contraposta pelo réu. A conexão de causas, por sua vez, dá-se por coincidência de objeto ou causa de pedir.
3. Na hipótese, existe clara diversidade entre a ação popular e a reconvenção. Enquanto a primeira objetiva a anulação de ato administrativo e tem como causa de pedir a suposta lesividade ao patrimônio público, a segunda visa à indenização por danos morais e tem como fundamento o exercício abusivo do direito à ação popular.
4. O pedido reconvencional pressupõe que as partes estejam litigando sobre situações jurídicas que lhes são próprias. Na ação popular, o autor não ostenta posição jurídica própria, nem titulariza o direito discutido na ação, que é de natureza indisponível. Defende-se, em verdade, interesses pertencentes a toda sociedade. É de se aplicar, assim, o parágrafo único do art. 315 do CPC, que não permite ao réu, ‘em seu próprio nome, reconvir ao autor, quando este demandar em nome de outrem’. (…)” (STJ, 2ª Turma, REsp 72.065/RS, rel. Min. Castro Meira, DJ 3-8-2004).
São devidos honorários advocatícios e custas judiciais na ação popular?
A Lei de Ação Popular traz regra que precisa ser lida com o art. 5º, LXXIII, da CF/88:
Constituição Federal de 1988
“Art. 5º, LXXIII — qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência; (…).”
Lei de Ação Popular
“Art. 10. As partes só pagarão custas e preparo a final.”
Da leitura do texto constitucional, vê-se que o cidadão é isento de pagar custas e ônus da sucumbência, salvo comprovada má-fé. Contudo, a Lei n. 4.717/65 determina que as custas e o preparo apenas ao final serão pagos.
O fato é que, consentâneo com a perspectiva de acesso a justiça e democratização do controle judicial dos atos administrativos pelo próprio cidadão, a CF/88 isentou o autor popular de custas processuais e ônus da sucumbência.
A isenção decorre da regra lógica de que o cidadão age por todos e para todos, sendo ele o representante da coletividade na tutela do patrimônio público. Não seria justo que sua esfera patrimonial fosse afetada, pois dessa forma se inibiria qualquer cidadão a propor a demanda em prol da coletividade.
A isenção prevista no texto constitucional abriga as taxas judiciárias, as despesas de publicação, os honorários de sucumbência, etc.
Por isso mesmo, a regra do art. 10 da LAP apenas se aplica às pessoas jurídicas e físicas requeridas, que não ficam isentas de pagar — ao final — custas e honorários de sucumbência se derrotadas.
É o que se vê da jurisprudência do STJ:
“PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ADIANTAMENTO DE HONORÁRIOS DE PERITO. ART. 18 DA LEI N. 7.347/85. ISENÇÃO. PRIVILÉGIO DA PARTE AUTORA QUE NÃO SE ALCANÇA O POLO PASSIVO.
1. A jurisprudência deste Sodalício tem oferecido interpretação restritiva ao privilégio processual, limitando-o ao autor da ação, tal como ocorre na ação popular. Precedentes de ambas as Turmas de Direito Público. (…)
3. Recurso especial provido” (STJ, 2ª Turma, REsp 858.498/SP, rel. Min. Castro Meira, DJ 26-9-2006).
Como se vê, ainda, do dispositivo constitucional, o autor perde o direito à isenção se comprovada má-fé. É, então, de se aplicar a sanção prevista no art. 13 da LAP, que consiste em sua condenação a pagar o décuplo das custas:
“Art. 13. A sentença que, apreciando o fundamento de direito do pedido, julgar a lide manifestamente temerária, condenará o autor ao pagamento do décuplo das custas.”
A sentença favorável ao autor da ação popular submete-se ao duplo grau de jurisdição?
A sentença de procedência, a seu turno, não está sujeita ao duplo grau obrigatório, excepcionando muitas vezes a regra do art. 496 do CPC. É o que fez questão de ressaltar o STJ no julgamento do REsp n. 266.219/RJ:
“RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO POPULAR. DAÇÃO EM PAGAMENTO. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. PROVA PERICIAL.
1. Ações populares postulando a anulação de atos jurídicos ultimados entre DELFIN RIO S/A CRÉDITO IMOBILIÁRIO e DELFIN S/A CRÉDITO IMOBILIÁRIO e o BNH (sucedido pela Caixa Econômica Federal) pondo fim às pendências entre elas e esse órgão do sistema financeiro, do que resultou a suspensão do regime de liquidação extrajudicial a que estavam submetidas. (…)
13. Julgada procedente a implementação das perdas e danos e concluindo-se pela validade do vínculo, essa parte do pedido transitou em julgado, e não se subsume ao duplo grau a parte favorável da sentença. (…)” (STJ, 1ª Turma, REsp 266.219/RJ, rel. Min. Luiz Fux, DJ 3-4-2006).