Livro - Princípios do Direito Ambiental Flashcards

1
Q

Quais são os princípios do Direito Ambiental?

A

Resumo

1) Princípio da Ubiquidade
1. a) Princípio da Cooperação dos Povos
2) Princípio do Desenvolvimento Sustentável (*proibição do retrocesso ambiental)
3) Princípio da Participação
3. a) Princípio da Informação Ambiental
3. b) Princípio da Educação Ambiental
4) Princípio do Poluidor/Usuário-Pagador
4. a) Subprincípios de concretização do Poluidor/Usuário-Pagador:
- Princípio da Prevenção
- Princípio da Precaução
- Princípio da Função Socioambiental da Propriedade Privada
- Princípio do Usuário-Pagador
- Princípio da Responsabilidade Ambiental

Livro

[…] por ser uma ciência autônoma, o Direito Ambiental é informado por princípios próprios, que regulam seus objetivos e diretrizes e, acima de tudo, dão-lhe coerência. Devem eles se projetar sobre todos os campos deste ramo do direito, norteando seus operadores e salvando-os de dúvidas ou lacunas na interpretação das normas ambientais.

Tais princípios encontram-se enraizados na Constituição Federal, e deles decorrem outros que lhes são derivados. Trata-se de classificação meramente acadêmica, já que o legislador não os definiu expressamente.

Por isso mesmo, a enumeração dos princípios do Direito Ambiental não é nem um pouco uniforme na doutrina. Cada um dos estudiosos entende existente ou inexistente este ou aquele princípio.

De nossa parte, entendemos que os princípios básicos do Direito Ambiental são os seguintes:

Princípio da Ubiquidade.

Princípio do Desenvolvimento Sustentável.

Princípio da Participação.

Princípio do Poluidor e Usuário-Pagador.

Entendamos: esses são, em nossa opinião, apenas os princípios básicos do direito ambiental. Trata-se dos valores fundamentais dessa ciência, dotados da maior carga de abstração possível.

Por isso mesmo, a partir destes princípios maiores, falaremos, ainda, em subprincípios, que deles decorrem diretamente e que lhes dão mais concretização.

Importante deixar bem claro que tais subprincípios são tão importantes quanto aqueles quatro que já arrolamos. Não é porque deles derivam que esses subprincípios têm importância diminuída.

Pensemos, por exemplo, no princípio da cooperação dos povos, derivado do princípio da ubiquidade. Ou, ainda, nos princípios da informação e da educação ambiental, ferramentas indispensáveis à concretização do princípio da participação. São todos eles, como fica claro, valores fundamentais do direito ambiental.

Nada se compara, porém, ao princípio do poluidor/usuário-pagador. Trata-se do postulado fundamental do direito ambiental que, apesar da singela e controversa expressão que lhe dá nome, traz consigo uma série de valores essenciais à proteção jurídica do meio ambiente.

Por isso mesmo, é o princípio que densifica, em sua estrutura, o maior número de subprincípios, todos de importância fulcral para o direito ambiental. Como veremos, o poluidor/usuário-pagador aplica-se, por meio de seus subprincípios de concretização, às mais variadas situações que envolvem o meio ambiente.

Justamente por isso, reservaremos, ao fim do capítulo, um tópico para tratar exclusivamente dos (sub)princípios de concretização do poluidor/usuário-pagador. São eles:

Princípio da Prevenção.

Princípio da Precaução.

Princípio da Função Socioambiental da Propriedade Privada.

Princípio do Usuário-Pagador.

Princípio da Responsabilidade Ambiental.

Repitamos: tais subprincípios têm tanta — ou até mais — importância quanto aqueles quatro que arrolamos como princípios básicos do direito ambiental. Apenas por uma questão didática, resolvemos tratá-los como princípios derivados, justamente para deixar claro que todos eles vêm de uma raiz comum: o princípio do poluidor/usuário-pagador.

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2
Q

Explique o significado do princípio da ubiquidade e discorra sobre suas consequências.

A

Resumo

  • O bem ambiental não encontra fronteira.
  • Consequências:
  • Eventual reparação civil deve ser a mais ampla possível, abrangendo danos reflexos.
  • Exercício de direitos privados devem observar o Direito Ambiental (Ex: função social da propriedade).
  • Países devem cooperar para proteger o meio ambiente (vínculo com o princípio da cooperação dos povos).

Livro

[…] por sua característica difusa de bem onipresente e de titularidade fluida, o bem ambiental jamais fica delimitado a uma determinada circunscrição espacial ou temporal. Não é nenhum exagero dizer que os recursos ambientais tenham nítida índole planetária.

É exatamente esse o princípio da ubiquidade: o bem ambiental não encontra qualquer fronteira, seja espacial, territorial ou mesmo temporal.

Assim, por exemplo, não há dúvidas de que um derramamento de óleo no Mar da Noruega possa causar dano à fauna ictiológica do Polo Sul, desequilibrando o ecossistema daquela região e influenciando a qualidade de vida da população lá existente. Essa afetação, inclusive, pode ser sentida não só pelas gerações atuais, mas também por gerações futuras.

Diga-se, inclusive, que o Superior Tribunal de Justiça já reconheceu o caráter ubíquo do meio ambiente:

“(…) A conservação do meio ambiente não se prende a situações geográficas ou referências históricas, extrapolando os limites impostos pelo homem. A natureza desconhece fronteiras políticas. Os bens ambientais são transnacionais. (…)” (STJ, 1ª Turma, REsp 588.022/SC, rel. Min. José Delgado, DJ 5-4-2004).

Essa constatação — da onipresença do bem ambiental — tem uma série de reflexos para o mundo do direito.

Basta pensar, por exemplo, que, se o entorno não encontra fronteiras, também não é fácil delimitar a extensão de um dano ao meio ambiente. Como consequência, eventual reparação deve ser a mais ampla possível, levando em consideração não apenas o ecossistema diretamente afetado, mas todos aqueles outros que sofrem consequências negativas, ainda que reflexas, da poluição.

E, ainda mais: essa compensação deve atender aos interesses não apenas das gerações atuais, mas das que estão por vir, porque também a elas interessa a manutenção do mesmo equilíbrio ecológico.

Mas não é esta a única face deste princípio: dado o fato de que a tutela ambiental interessa diretamente à manutenção da qualidade de vida, sua ubiquidade faz com que, regra geral, o exercício de todo e qualquer direito subjetivo — principalmente os de natureza privada — deva obediência aos postulados do Direito Ambiental.

É sob esta ótica que se situa, por exemplo, o mandamento constitucional de que, para atender à sua função social, a propriedade rural proceda a uma “utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente” (CF, art. 186, II). Ou, ainda, a exigência das avaliações prévias de impacto ambiental para toda obra que seja potencialmente degradante do meio ambiente (art. 225, § 1º, IV).

[…]

Não param por aí os reflexos da ubiquidade do bem ambiental.

Se, como acabamos de ver, o meio ambiente não respeita qualquer limitação geográfica, em matéria de proteção ambiental é imprescindível que se construa uma estreita relação de cooperação entre os povos.

Muito mais do que simples políticas nacionais para tutelar o entorno, torna-se cada vez mais premente que se estabeleça uma verdadeira política mundial/global de proteção e preservação do meio ambiente. Tais políticas devem acompanhar o caráter onipresente da “natureza” e estabelecer regras menos preocupadas com a soberania nacional e mais vinculadas a uma cooperação internacional.

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3
Q

Conceitue desenvolvimento sustentável.

A

[…] conceito ditado pela Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, no sentido de que desenvolvimento sustentável é:

“O desenvolvimento que procura satisfazer as necessidades da geração atual, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazerem as suas próprias necessidades”.

Dentro da visão ambiental, o desenvolvimento sustentado está diretamente relacionado com o direito à manutenção da qualidade de vida por meio da conservação dos bens ambientais existentes no nosso planeta. Exatamente por isso, o texto maior estabelece a regra de que o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado não é apenas dos habitantes atuais, mas também dos futuros e potenciais, enfim, das próximas gerações (CF, art. 225, caput).

ATENÇÃO! Para efeito de concurso público, deve-se ficar atento a algumas questões que falam no princípio da solidariedade intergeracional como aquele que busca assegurar a solidariedade das presentes gerações em relação às futuras, para que também estas possam usufruir dos recursos naturais (ver questões de ns. 5, II, e 7, “e”, ao final do capítulo).

Pensamos que cientificamente não há necessidade de se falar nesse novo princípio, visto que a ideia já está inclusa na de desenvolvimento sustentável. Contudo, como a nomenclatura aparece em provas de concursos, importante que o candidato fique atento.

[…]

Observe-se, contudo, que só é possível pensar em desenvolvimento verdadeiramente sustentável se o bem ambiental que servirá de matéria-prima à atividade econômica for renovável ou, no mínimo, puder ser renovado dentro de um prazo razoável.

A renovabilidade deve ser avaliada levando-se em consideração não só o bem em si mesmo, mas o local onde se encontra, as peculiaridades da região e a função que ali exerce, etc. Não sendo renovável, certamente que não poderá ser implementada a atividade.

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4
Q

Em que consiste o princípio da participação?

A

Trata-se, assim, de um princípio empenhado na construção de uma sociedade verdadeiramente democrática. Por meio dele, a sociedade civil deve atuar ativamente, paralelamente ao Estado, para definir os rumos a serem seguidos na política ambiental.

Justamente devido a esse forte caráter democrático, o princípio encontra guarida em diversos dispositivos da Constituição Federal.

A começar já pelo caput do art. 1º da CF, que estabelece que a “República Federativa do Brasil (…) constitui-se em Estado Democrático de Direito”, deixando claro, ainda, o parágrafo único que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente”.

Ou, ainda, no inciso I do art. 3º, que coloca, como objetivo fundamental da nação, “construir uma sociedade livre, justa e solidária”.

Falando mais especificamente, agora, da participação solidária na proteção do meio ambiente, lembremos, mais uma vez, que o art. 225, caput, impõe a toda a coletividade o “dever de defendê-lo e preservá-lo”. Há, assim, um verdadeiro dever social nessa tutela.

Tudo isso vem demonstrar o caráter ético do princípio da participação, especialmente voltado para a seara ambiental. Esse dever que incumbe à sociedade pode ser visto por dois distintos pontos de vista:

negativo: impõe a adoção de comportamentos individuais (personalíssimos) de não praticar atos que possam ser ofensivos ao meio ambiente e seus componentes;
positivo: impõe adoção de comportamentos sociais/coletivos consistentes numa tomada de atitude (comissiva, portanto), que não se resumam apenas à esfera individual, tendentes à proteção ambiental.

Isso representa dizer que cada um de nós deve fazer a sua parte em relação aos bens e valores ambientais e, mais do que isso, exigir que todos façam a sua parte.

Este último matiz é que dá o colorido do princípio da participação ambiental, na exata medida em que, vivendo-se em um Estado Democrático de Direito, sob os princípios e objetivos referidos anteriormente, o que se espera da sociedade é justamente uma tomada de posição, ativa, altruísta, ética e participativa, mormente quando estamos diante de valores sagrados e essenciais à preservação da vida.

Se lembrarmos que o meio ambiente constitui um direito difuso, portanto de titularidade indeterminável, essa tônica participativa ganha enorme incremento, no exato sentido de que a participação se torna mais do que legítima, posto que é o titular cuidando de seu próprio direito.

Muito embora já pudesse ser extraído do art. 225 da CF/88, o princípio da participação ambiental acabou recebendo mais atenção e divulgação no campo internacional depois da Declaração do Rio de Janeiro, em 1992, estando arrolado como seu princípio de número 10. Vejamos:

“A melhor maneira de tratar questões ambientais é assegurar a participação, no nível apropriado, de todos os cidadãos interessados. No nível nacional, cada indivíduo deve ter acesso adequado a informações relativas ao meio ambiente de que disponham as autoridades públicas, inclusive informações sobre materiais e atividades perigosas em suas comunidades, bem como a oportunidade de participar em processos de tomadas de decisões. Os Estados devem facilitar e estimular a conscientização e a participação pública, valorando a informação à disposição de todos. Deve ser propiciado acesso efetivo a mecanismos judiciais e administrativos, inclusive no que diz respeito à compensação e reparação dos danos.”

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5
Q

Quais outros princípios se relacionam com o da participação?

A

Resumo

  • Princípio da informação;
  • Princípio da educação ambiental.

Livro

Ademais, já foi comentado que a educação ambiental é, com a informação, um dos instrumentos essenciais para a implementação do princípio da participação.

Afinal, a participação da sociedade só poderá ser verdadeiramente efetiva se ela possuir informação sobre os assuntos ambientais e, mais ainda, se for capaz de refletir sobre essa informação, fazendo um juízo de valor consciente para tomar uma atitude em prol do meio ambiente. E, como parece óbvio, essa reflexão só se torna possível com a educação ambiental.

Nesse sentido é a orientação segura do Superior Tribunal de Justiça:

“(…) 2. Irretocável o acórdão recorrido. Alicerce do Direito Ambiental brasileiro e decorrência do dever-poder estatal de transparência e publicidade, o direito à informação se apresenta, a um só tempo, como pressuposto e garantia de eficácia do direito de participação das pessoas na formulação, implementação e fiscalização de políticas públicas de salvaguarda da biota e da saúde humana, sempre com o desiderato de promover ‘a conscientização pública para a preservação do meio ambiente’ (Constituição, art. 225, § 1º, VI), de formar ‘uma consciência pública sobre a necessidade de preservação da qualidade ambiental e do equilíbrio ecológico’ (Lei 6.938/1981, art. 4º, V) e de garantir o ‘acesso adequado às informações relativas ao meio ambiente de que disponham as autoridades’, incumbindo aos Estados ‘facilitar e estimular a conscientização e a participação pública, colocando as informações à disposição de todos’ (Princípio 10 da Declaração do Rio).

  1. Nessa linha de raciocínio, mais do que poder ou faculdade, os órgãos ambientais portam universal e indisponível dever de informar clara, ativa, cabal e honestamente a população, ‘independentemente da comprovação de interesse específico’ (Lei 10.650/2003, art. 2º, § 1º), para tanto utilizando-se de dados que gerem ou lhes aportem, mesmo quando ainda não detentores de certeza científica, pois uma das formas mais eloquentes de expressão do princípio da precaução ocorre precisamente no campo da transparência e da publicidade do Estado. A regra geral na Administração Pública do meio ambiente é não guardar nenhum segredo e tudo divulgar, exceto diante de ordem legal expressa em sentido contrário, que deve ser interpretada restritivamente pelo administrador e juiz. Além de objetivos estritamente ecológicos e sanitários, pretende-se também fomentar ‘o desenvolvimento da cultura de transparência na administração pública’ (Lei 12.527/2011, art. 3º, IV). (…)” (REsp 1.505.923/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, 2ª Turma, julgado em 21-5-2015, DJe 19-4-2017).
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6
Q
A
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7
Q

Quais são os princípios mais importantes do Direito Ambiental?

A

Tamanha é essa importância que podemos dizer que o PUP é o postulado essencial do direito ambiental. Espraia-se esse princípio por vários outros subprincípios reguladores de relações e situações em que, estritamente falando, não há nem poluidor e menos ainda pagador, como nos casos do subprincípio do usuário-pagador e do princípio da precaução.

Assim, por estar ligado à ideia de prevenção (precaução, correção na fonte, prevenção propriamente dita, etc.) ou à ideia de repressão (responsabilidade penal, civil e administrativa), o princípio do poluidor/usuário-pagador precisa ser corretamente interpretado para ter a sua plena eficácia, evitando-se que interpretações equivocadas, e às vezes maliciosas, amputem-lhe o real e promissor sentido teleológico.

Podemos dizer que, assim como o princípio do desenvolvimento sustentável (utilização racional dos componentes ambientais, que também são um direito das futuras gerações) e a identificação do objeto de proteção do Direito Ambiental (equilíbrio ecológico derivado da interação de seus componentes — bens de uso comum), o princípio do poluidor-pagador constitui um dos mais robustos “pilares” do Direito Ambiental, sobre os quais devem se assentar todas as normas do ordenamento jurídico do ambiente.

Mais do que isso, o princípio do poluidor/usuário importa num vetor essencial de construção ideológica e ética de interpretação das regras e dos princípios que dele derivam.

Para finalizar este tópico, é importante que fique claro que o axioma “poluidor/usuário-pagador” não pode ser interpretado ao pé da letra. Jamais pode traduzir a ideia de “pagar para poluir”.

O sentido deve ser outro, não só porque o custo ambiental não encontra valoração pecuniária correspondente, mas também porque a ninguém poderia ser dada a possibilidade de comprar o direito de poluir, beneficiando-se do bem ambiental em detrimento da coletividade que dele é titular.

Como se verá adiante, o poluidor/usuário-pagador tem sua gênese nas regras econômicas de mercado, produção e consumo, de modo que a expressão é somente a ponta de um enorme iceberg, cujo conteúdo é de vital importância para o ordenamento jurídico ambiental.

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8
Q

O que são externalidades e qual sua relação com o princípio do poluidor-pagador?

A

De modo simples, podemos definir como “externalidades” os reflexos sociais (benéficos ou maléficos) que um produto causa. Por ser impossível medi-las, essas consequências não estão geralmente incluídas no preço do produto. Daí por que as externalidades são um desvio de mercado.19

[…]

Dessa forma, o preço de um bem colocado no mercado só teria uma medida correta — um valor justo — se no valor que lhe fosse atribuído estivessem computados todos os ganhos sociais advindos de seu consumo e também quando se computassem todas as perdas sociais surgidas com a produção desse bem, além, é claro, dos custos de sua produção e do lucro.

Fala-se, então, na necessidade de internalização dos custos sociais/ambientais. Por outras palavras, em computar, no preço de um produto, os ganhos e perdas que ele traz para a sociedade.

Não se agindo dessa forma, internalizando as externalidades, certamente o produtor de um bem terá um produto colocado no mercado que não será por todos adquirido, mas cujo custo social será suportado, inclusive, por quem não consumiu ou nunca consumirá o referido produto.

Sob outra ótica, poderia se dizer que há um enriquecimento do produtor às custas de um efeito negativo suportado por toda a sociedade. Aliás, se lembrarmos que é do meio ambiente que falamos, a conclusão é que esse custo será suportado não só pelas atuais, mas pelas futuras gerações.

É daí que surge a expressão privatização de lucros e socialização das perdas, para designar esse fenômeno, que foi bem explicado por Cristiane Derani:

“Durante o processo produtivo, além do produto a ser comercializado, são produzidas ‘externalidades negativas’. São chamadas externalidades porque, embora resultantes da produção, são recebidas pela coletividade, ao contrário do lucro, que é recebido pelo produtor privado. Daí a expressão ‘privatização de lucros e socialização de perdas’, quando identificadas as externalidades negativas. Com a aplicação do princípio do poluidor-pagador, procura-se corrigir este custo adicionado à sociedade, impondo-se sua internalização. Por isto, este princípio também é conhecido como o princípio da responsabilidade (Verantwortungsprinzip)”.

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9
Q

Por que se diz que não se compra o direito de poluir mediante a internalização do custo social? Como determinar quando é dado a uma empresa internalizar os prejuízos ambientais?

A

É certo que a matéria-prima necessária à fabricação dos diversos produtos resultantes das atividades econômicas vem, direta ou indiretamente, dos recursos naturais. Não menos certo, também, é que os resíduos gerados por essas atividades têm como destino o meio ambiente.

Por isso, tomando-se por base a ideia das externalidades que acabamos de estudar, parece óbvio que todo esse custo ambiental deve ser incluído no preço dos produtos. Do contrário, haverá um enorme prejuízo para a sociedade em troca de um lucro absurdo para o fabricante dos diversos produtos.

Nesse ponto, é célebre a frase de Paulo Affonso Leme Machado: “A atividade poluente acaba sendo uma apropriação pelo poluidor dos direitos de outrem, pois na realidade a emissão poluente representa um confisco do direito de alguém em respirar um ar puro, beber água saudável e viver com tranquilidade”.

A propriedade da função ecológica dos bens ambientais impede que os empreendedores raptem este direito (equilíbrio ecológico) em seu exclusivo proveito econômico. A função ambiental de um bem (que serve também de matéria-prima ao desenvolvimento) precisa ser preservada, e, nesse passo, ao empreendedor devem ser imputados os ônus que a sociedade (por meio ou não do Estado) assume ao controlar, prevenir e reprimir as agressões ao meio ambiente.

É “tratar” o problema sob o ponto de vista da propriedade: se os bens ambientais são de uso comum do povo, o seu uso invulgar deve ser autorizado pelo povo ou quem o representa e, o que mais importa, sempre de acordo com os interesses dele.

Uma vez permitido o uso incomum do bem ambiental (uso econômico, não ecológico), o usuário deve ser responsável pelos meios de prevenção, controle e compensação da eventual perda ambiental resultante da atividade econômica.

É exatamente aí que entra a interpretação jurídico-ambiental do princípio do poluidor-pagador.

O sentido teleológico deste axioma não é simplesmente internalizar o custo, embuti-lo no preço, e assim produzir, comercializar ou mercanciar produtos que sabidamente são degradantes do meio ambiente, nas diversas etapas da cadeia de mercado. Enfim, não se compra o direito de poluir mediante a internalização do custo social.

Caso este custo seja insuportável para a sociedade, ainda que internalizado, a interpretação jurídica do poluidor-pagador impede que o produto seja fabricado e que o custo da produção seja socializado. Este é um dos pontos nos quais destoa a interpretação jurídica da meramente econômica das externalidades.

Ressaltemos mais uma vez: o poluidor/usuário-pagador não pode, jamais, ser entendido como “pagar para poluir”. Seu sentido é outro, não só porque o custo ambiental não encontra valoração pecuniária correspondente, mas também porque a ninguém poderia ser dada a possibilidade de comprar o direito de poluir, beneficiando-se do bem ambiental em detrimento da coletividade que dele é titular. Não se vende direito de poluir nem se paga um preço pelo meio ambiente.

Em resumo: o princípio quer significar que, dado o caráter difuso e esgotável dos bens ambientais, todos que sejam responsáveis pela utilização desses bens em seu proveito (e em detrimento da sociedade) devem arcar com este déficit da coletividade.

Esse prejuízo ambiental, quando puder ser suportado e trouxer benefícios para a sociedade, deve ser internalizado por aquele que usa do meio ambiente em seu proveito. Se, contudo, não houver a possibilidade de internalização, o produto não pode ser fabricado ou consumido.

O que o princípio pretende, portanto, é redistribuir equitativamente23 as externalidades ambientais.

Ora, se os efeitos externos negativos do mercado são suportados pela sociedade, em prol do lucro do responsável pelo produto (fornecedor, comerciante, fabricante, etc.), que em alguma fase da cadeia de mercado é degradante do meio ambiente ou diminui o exercício do uso comum dos componentes ambientais, nada mais justo que todos os custos que são despendidos pelo Estado (prevenção, precaução, correção na fonte, repressão penal, civil e administrativa, etc.) sejam suportados pelo responsável pelas externalidades ambientais.

É exatamente por isso que o poluidor-pagador não é, como se poderia imaginar, apenas um princípio corretivo, uma vez que a sua intenção é justamente evitar o dano.

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10
Q

De que dispositivos constitucionais se extrai o princípio do poluidor\usuário-pagador?

A

Antes, porém, vale dizer que o princípio pode ser extraído de diversos dispositivos da Constituição Federal, como o art. 170, VI, que estabelece ser princípio da ordem econômica a proteção e preservação do meio ambiente; o art. 225, § 1º, V, quando estabelece ser incumbência do Poder Público adotar medidas de controle da produção, comercialização e emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente; no art. 225, § 2º, voltado especialmente para a recuperação do meio ambiente degradado pelo uso de componente ambiental não renovável; no art. 225, § 3º, ao enunciar que as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, às sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados, etc.

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11
Q

Quais são os subprincípios do princípio do poluidor\usuário-pagador?

A

Princípio da Prevenção.

Princípio da Precaução.

Princípio da Função Socioambiental da Propriedade Privada.

Princípio do Usuário-Pagador.

Princípio da Responsabilidade Ambiental.

Como ficará claro ao longo da exposição, tais princípios são bem diferentes entre si, tendo aplicação às mais variadas situações concretas. Contudo, o que salta aos olhos é que todos eles decorrem de um mesmo tronco comum, justamente o poluidor/usuário-pagador.

Dessa forma, todos esses princípios têm raiz na ideia de imputar àquele que faz uso do bem ambiental em seu proveito os prejuízos sentidos pela sociedade (internalização das externalidades negativas). E mais: quando esses prejuízos não puderem ser suportados pela sociedade, a atividade poluente simplesmente não deve ser permitida.

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12
Q

Em que consiste o princípio da prevenção?

A

Resumo

Em suma, o princípio da prevenção manda que, uma vez que se saiba que uma dada atividade apresenta riscos de dano ao meio ambiente, tal atividade não poderá ser desenvolvida; justamente porque, caso ocorra qualquer dano ambiental, sua reparação é praticamente impossível.

Livro

O princípio da prevenção constitui um dos mais importantes axiomas do Direito Ambiental.

A sua importância está diretamente relacionada ao fato de que, uma vez ocorrido qualquer dano ambiental, sua reparação efetiva é praticamente impossível.

Uma espécie extinta é um dano irreparável. Uma floresta desmatada causa uma lesão irreversível, pela impossibilidade de reconstituição da fauna e da flora e de todos os componentes ambientais, em profundo e incessante processo de equilíbrio, como antes se apresentavam. Enfim, com o meio ambiente, decididamente, é melhor prevenir do que remediar.

O vocábulo prevenção liga-se à ideia de cautela, de cuidado, ou seja, de uma conduta tomada no sentido de evitar o dano ambiental.

Trata-se de princípio expresso no texto constitucional, como fica claro da leitura do caput do art. 225, que impõe à coletividade e ao Poder Público o dever de proteger e preservar o equilíbrio ecológico, para as presentes e futuras gerações.

Considerando, aliás, que o dano ambiental é quase sempre irreversível, o vocábulo proteção utilizado pelo art. 225 da CF/88 não deve ser tomado somente no sentido reparatório, mas principalmente no sentido preventivo, justamente porque a ideia de proteção e preservação liga-se à conservação da qualidade de vida para as futuras gerações.

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13
Q

Em que consiste o princípio da precaução?

A

Resumo

  • Dessa forma, nos casos em que é sabido que uma atividade pode causar danos ao meio ambiente, atua o princípio da prevenção, para impedir que o intento seja desenvolvido.
  • Há, todavia, casos em que não se tem certeza se um empreendimento pode ou não causar danos ambientais. É justamente nessas hipóteses em que atua o princípio da precaução.
  • O princípio da precaução impõe a inversão do ônus da prova, cabendo ao empreendendor demonstrar que sua atividade não causa danos ao meio ambiente.

Livro

A intenção não é apenas evitar os danos que se sabe que podem ocorrer (prevenção), mas também evitar qualquer risco de sua ocorrência (precaução).

Tem-se utilizado, assim, o postulado da precaução quando se pretende evitar o risco mínimo ao meio ambiente, nos casos de incerteza científica acerca da sua potencial degradação.

Assim, quando houver dúvida científica da potencialidade do dano ao meio ambiente que qualquer conduta possa causar (por exemplo, liberação e descarte de organismo geneticamente modificado no meio ambiente, utilização de fertilizantes ou defensivos agrícolas, instalação de atividade ou obra, etc.), incide o princípio da precaução para proteger o meio ambiente de um risco futuro.

[…]

Em última análise, então, impede-se que a incerteza científica (quanto a ser poluente ou não uma atividade) milite contra o meio ambiente, evitando que, no futuro, perceba-se que uma conduta não deveria ter sido permitida e lamente-se o dano ambiental ocorrido.

Invertem-se, com isso, os termos da equação: ao invés de caber aos órgãos de proteção ambiental provar que uma atividade pode causar danos ambientais, é o empreendedor quem deve demonstrar cabalmente que a atividade que propõe não apresenta qualquer risco.

Aliás, justamente com base no princípio da precaução, o Superior Tribunal de Justiça já entendeu que aquele a quem se imputa um dano ambiental (efetivo ou potencial) é quem deve suportar o ônus de provar que a atividade que desenvolveu não trazia nenhum risco ambiental. Obviamente, essa regra de imposição (judicial) do ônus do proponente do empreendimento ou da atividade — que é determinada pelo direito material — não pode ser exigida num processo administrativo ou judicial sem a devida fundamentação das razões pelas quais incide na hipótese a situação de risco; é preciso assegurar o direito de contraditório e ampla defesa, inclusive, como vetores necessários ao alcance de uma solução probatória que traga segurança ao julgador e à sociedade. Vejamos um trecho da notícia trazida no Informativo n. 418:

“DANO. MEIO AMBIENTE. PROVA. INVERSÃO. (…) Dessa forma, a aplicação do princípio da precaução pressupõe a inversão do ônus probatório: compete a quem se imputa a pecha de ser, supostamente, o promotor do dano ambiental a comprovação de que não o causou ou de que não é potencialmente lesiva a substância lançada no ambiente. (…)” (STJ, 2ª Turma, REsp 1.060.753/SP, rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 1º-12-2009).

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14
Q

O princípio da função socioambiental da propriedade é uma limitação do direito de propriedade?

A

Resumo

_- O proprietár_io de determinado bem não pode usá-lo como bem entender, ele deve usá-lo de modo que não perturbe o equilíbrio ecológico, que é um direito de todos.

  • Para preservar o direito de “propriedade ambiental” (uso comum do equilíbrio ecológico) que a propriedade privada, base da economia capitalista, recebe nova formatação.

Livro

[…] não podemos mais dizer que o proprietário seja completamente livre para usar, gozar e dispor da coisa que lhe pertence. Antes, além de reclames de ordem social, deve fazer uso de seu domínio de forma a atender aos interesses que a manutenção do equilíbrio ecológico lhe impõe. Fala-se, então, na função socioambiental da propriedade privada.

Prova dessa verdadeira mudança de paradigma por que passou a concepção da propriedade privada são algumas das disposições do Código Civil de 2002.

Em seu art. 1.228, logo após definir no caput as clássicas faculdades outorgadas ao proprietário, delimitou que o exercício do direito de propriedade deve atender a certas finalidades, inclusive de cunho ambiental. Vejamos:

“Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.

§ 1º O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas (…).”

Não podemos esquecer, também, que o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado pertence não a este ou àquele indivíduo, mas a todas as pessoas, inclusive àquelas que ainda estão por vir.

Dessa forma, ainda que alguém possa ser proprietário de uma certa área, não se torna dono exclusivo dos recursos ambientais que ali se encontram. Por isso mesmo, o uso que faz de sua propriedade privada não pode, em hipótese alguma, comprometer o direito de todos ao equilíbrio ecológico.

Nesse contexto, verifica-se que, por mais insana e paradoxal que possa parecer essa afirmativa, as limitações que o Direito Ambiental impõe à propriedade privada (nesse particular, concretizadas pelo PUP) visam proteger também o direito de propriedade, mas a propriedade de todos sobre o meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Lembramos, ainda, que a Constituição Federal garante que “ninguém será privado dos seus bens sem o devido processo legal” (art. 5º, LIV).

Dessa forma, sempre que alguém pretender privar a coletividade de seu direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, deve observar as limitações de ordem procedimental e material (devido processo legal, em suas acepções formal e substancial) que o ordenamento jurídico coloca para tanto. Sob esse enfoque, então, podem também ser entendidas as restrições que o Direito Ambiental impõe à propriedade privada.

Não se deve perder de vista que os mesmos bens (componentes bióticos e abióticos) que formam, em conjunto, o equilíbrio ecológico são também os bens que servem às atividades econômicas, culturais e artificiais em geral.

Enfim, a matéria-prima da Ecologia e da Economia é uma só. Por isso, devido à sobranceria e à preponderância da função ecológica sobre a função econômica (e, portanto, da propriedade pública sobre a propriedade privada), é inadmissível que o exercício da propriedade privada limite o direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

É, pois, para preservar o direito de “propriedade ambiental” (uso comum do equilíbrio ecológico) que a propriedade privada, base da economia capitalista, recebe nova formatação. Formatação esta que pretende compatibilizar o interesse privado com o interesse público ambiental, de forma que o uso, o gozo e a disposição dos bens objeto da propriedade privada não colidam com a função ecológica que esses mesmos bens possuem — e devem continuar a possuir — para esta e as próximas gerações.

[…]

Lembremos ainda que, como dito, o fato de alguém tornar-se proprietário de uma dada área não faz com que se torne o dono dos recursos ambientais que ali se encontram. Afinal, os bens ambientais servem à manutenção do equilíbrio ecológico, que, segundo consagra a Constituição Federal, é bem de uso comum do povo (art. 225, caput).

Por tudo isso é que podemos afirmar que as regras de proteção jurídica do meio ambiente dão nova formatação à propriedade privada. Justamente porque a função ecológica dos bens ambientais a todos pertence, o exercício do direito de propriedade não pode, de forma alguma, prejudicar o uso ambiental dos recursos naturais.

O direito de propriedade compromete-se, nessa nova realidade, não mais apenas com os interesses particulares e econômicos de seu titular, mas também com a manutenção do equilíbrio ecológico. Falamos, então, na função socioambiental da propriedade privada.

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Q

O que seria esse uso comum dos bens ambientais, a que todos fazem jus segundo o art. 225, caput, da Constituição Federal?

A

Resumo

  • A expressão “uso comum do povo” (CF, art. 225, caput) deve ser entendida como aquele uso voltado a satisfazer não as necessidades da população (necessidades humanas, portanto), mas, antes disso, as necessidades impostas pelo meio ambiente.
  • Importante ficar atento ao fato de que o princípio da função socioambiental da propriedade não apenas impõe que o proprietário se abstenha de comportamentos lesivos ao entorno, mas também pode autorizar a imposição de comportamentos positivos em prol do meio ambiente.

Livro

Afinal, repitamos, o uso artificial (econômico, social, etc.) do bem ambiental não pode comprometer o desempenho de sua função ecológica e de seu uso comum, direitos de todos, das presentes e futuras gerações.

O que seria, então, esse uso comum dos bens ambientais, a que todos fazem jus segundo o art. 225, caput, da Constituição Federal?

Aqui, novamente, torna-se necessário o abandono das concepções meramente antropocêntricas do meio ambiente.

Afinal, é o meio ambiente ecologicamente equilibrado que constitui bem de uso comum do povo. Trata-se, porém, como já vimos, de resultado da interação de uma série de fatores naturais (bióticos e abióticos), que desempenham uma função na manutenção do equilíbrio. E, se assim o é, apenas protegendo a função ecológica dos recursos naturais, será possível garantir a manutenção do equilíbrio ecológico.

Deve, portanto, ser colocada sempre em primeiro plano a tutela da função ecológica dos bens ambientais. Somente após garanti-la, é que se pode pensar nos usos desses bens para satisfazer as necessidades humanas.

A expressão “uso comum do povo” (CF, art. 225, caput), dessa forma, deve ser entendida como aquele uso voltado a satisfazer não as necessidades da população (necessidades humanas, portanto), mas, antes disso, as necessidades impostas pelo meio ambiente.

Uma vez assegurada, então, tal função ecológica, podemos pensar na satisfação das necessidades humanas.

Quanto a estas, primeiramente deve ser privilegiado o uso comum dos bens ambientais, ou seja, aquela utilização que vise satisfazer as necessidades de toda a coletividade. Trata-se de utilizar o bem ambiental em sua forma mais primitiva, de voltar a garantir a subsistência do ser humano.

Apenas, então, garantido esse uso coletivo dos recursos naturais, é que se pode pensar em seu uso individual, ou, ainda, em seu uso com finalidades econômicas.

Importante ficar claro: não se diz aqui que não se deve dar utilização econômica ou com meros interesses individuais aos bens ambientais. O que se afirma somente é que o uso individual/econômico não pode comprometer sua capacidade de atender aos interesses de toda a coletividade e, mais que isso, sua função na manutenção do equilíbrio ecológico.

Voltemos, para aclarar as ideias, ao exemplo da água, bem ambiental por excelência.

Pode ela ser utilizada para satisfazer os interesses exclusivos do ser humano? É claro que sim. Não há problema algum, a priori, em o homem se utilizar da água para suas mais básicas necessidades, como hidratação, higiene, etc.

Essa utilização, porém, não pode, em qualquer hipótese, comprometer uma outra função da água, anterior ao próprio ser humano ou a qualquer outra forma de vida: trata-se de bem fundamental na manutenção do equilíbrio ecológico.

Garantida essa função ecológica da água, é evidente que o homem pode fazer uso dela para satisfazer as necessidades da coletividade.

Avançando um pouco: poderia a água ser utilizada para satisfazer os interesses meramente econômicos deste ou daquele indivíduo? Pode uma empresa fazer uso da água para, por exemplo, produzir refrigerantes ou qualquer outro bem de consumo?

Novamente, a resposta é afirmativa. Não há óbice em dar utilização econômica aos bens ambientais (uso incomum), desde que, antes disso, seja respeitada sua função para toda a coletividade (seu uso comum) e, mais ainda, sua função ecológica.

[…]

Em resumo, a função socioambiental da propriedade privada manda que o exercício das faculdades inerentes ao domínio se dê de modo a não prejudicar a função ecológica dos bens ambientais. Afinal, o equilíbrio ecológico a todos pertence.

Assim, sempre que o uso incomum de um bem ambiental puder prejudicar o uso comum a que faz jus toda a população e, acima de tudo, sua função na manutenção do equilíbrio ecológico, é a função ecológica que deve prevalecer.

Importante, ainda, ficar atento ao fato de que o princípio não apenas impõe que o proprietário se abstenha de comportamentos lesivos ao entorno, mas também pode autorizar a imposição de comportamentos positivos em prol do meio ambiente.

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Q

Qual é a diferente entre o poluidor-pagador e o usuário-pagador?

A

Resumo

- Poluidor pagador:

  • Visa, quando possível, internalizar no custo dos produtos os prejuízos sentidos por toda a sociedade com a degradação do meio ambiente.
  • Destina-se a atividades poluentes.
  • Preocupa-se com a qualidade dos recursos naturais.

- Usuário pagador:

  • Visa imputar ao usuário dos bens ambientais o custo por seu “empréstimo”.
  • Destina-se a atividades não poluentes.
  • Preocupa-se com a quantidade dos recursos naturais.

Livro

Ao longo de todo o capítulo, falamos inúmeras vezes no poluidor/usuário-pagador como sendo um dos valores fundamentais do direito ambiental. Se bem percebida, porém, a expressão pode ser dividida em duas outras: poluidor-pagador e usuário-pagador.

A primeira, poluidor-pagador, diz respeito à proteção da qualidade do bem ambiental, mediante a verificação prévia da possibilidade ou não de internalização de custos ambientais no preço do produto, até um patamar que não justifique economicamente a sua produção, ou que estimule a promoção ou a adoção de tecnologias limpas que não degradem a qualidade ambiental.

Já a segunda expressão, usuário-pagador, também tem por base a mesma ideia, de imputar-se àquele que faz uso do bem ambiental em seu exclusivo proveito os prejuízos sentidos por toda a sociedade. A diferença, contudo, é que, agora, as preocupações não se voltam mais à poluição do meio ambiente, mas ao uso dos bens ambientais. Repita-se, ainda que não haja qualquer degradação.

A diferença, portanto, é que, enquanto o poluidor-pagador preocupa-se com a qualidade do ambiente e de seus componentes, o usuário-pagador volta suas atenções à quantidade dos recursos ambientais.

Agora, a preocupação não é mais tanto com a degradação da qualidade ambiental, mas com estabelecer uma consciência para o uso racional dos recursos naturais, permitindo uma socialização justa e igualitária de seu uso.

Importante registrar que a expressão usuário-pagador não é nova, nem na doutrina nem na legislação ambiental brasileira, e há muito pode ser diferenciada da ideia estrita de poluidor-pagador, embora ambas concretizem a mesma ideia-raiz.

Quando se observa o art. 4º, VII, da Lei n. 6.938/81 (Política Nacional do Meio Ambiente), percebe-se que o legislador brasileiro, já na década de 1980, reconhecendo a natureza difusa do bem ambiental, expressamente diferenciou o poluidor/predador do usuário dos bens ambientais. O texto é claro:

“Art. 4º A Política Nacional do Meio Ambiente visará: (…)

VII — à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos.”

Seguindo a mesma linha, a Constituição Federal de 1988 expressamente acolheu este subprincípio ao dizer, no caput do art. 225, que os bens ambientais são de “uso comum do povo”.

Expliquemos: sendo os bens ambientais de natureza difusa e sendo o seu titular a coletividade indeterminada, aquele que usa o bem em prejuízo dos demais titulares passa a ser devedor desse “empréstimo” (usuário-pagador), além de ser responsável pela sua eventual degradação (poluidor-pagador).

Portanto, acolhe a ideia de que o bem ambiental deve ter um uso comum, e qualquer outro uso que lhe dê uma sobrecarga invulgar ou incomum não pode ser livre e gratuito, pois seria uma usurpação da propriedade do povo.

É nesse sentido e alcance, então, que o usuário-pagador deve ser diferenciado do poluidor-pagador. A expressão é diversa porque, se é certo que todo poluidor é um usuário (direto ou indireto) do bem ambiental, nem todo usuário é poluidor.

Dessa forma, o princípio do usuário-pagador obriga a arcar com os custos do “empréstimo” ambiental aquele que se beneficia do ambiente (econômica ou moralmente), mesmo que esse uso não cause qualquer degradação. É claro que, se houver degradação, deve arcar também com a respectiva reparação, entrando em cena, também, o poluidor-pagador.

[…]

Assim, até aquele que não seja poluidor, mas simples usuário (de modo incomum) do bem ambiental, deve pagar pelo “empréstimo” do componente ambiental que utilizou.

Explicando melhor: se é verdade que os bens ambientais são de uso comum, porque pertencem a toda a coletividade, é verdade também que aquele que se utiliza dos componentes ambientais de forma incomum deverá pagar a conta pelo uso invulgar, ainda que “devolva” o componente ambiental nas mesmas ou em melhores condições do que quando o tomou por “empréstimo”.

Isso porque, pelo menos por algum momento, teria havido um cerceamento do uso normal do bem ambiental. Ou, em outras palavras, privilegiou-se para algum usuário o uso invulgar de um bem que a todos pertence.

Situação diferente dessa, repitamos, é a que ocorre quando há dano ao meio ambiente. Ou, em outras palavras, quando há poluição. Nesses casos, em que incide o princípio do poluidor-pagador, aquele que causa a degradação deve arcar com a reparação do dano causado.

Fica claro, portanto, que não há bis in idem quando a mesma pessoa tiver que arcar com os custos pelo uso e pela poluição do meio ambiente.

17
Q

Como pode ser feita a cobrança pelo uso do bem ambiental?

A

Resumo

  • Há duas formas.
  • 1) por meio de preço público: a autorização, permissão ou concessão do uso desse bem pode ser remunerada.
  • 2) tributação do uso.

Livro

Reconhecido que o equilíbrio ecológico e os respectivos componentes ambientais têm uma natureza difusa, embora geridos pelo Poder Público, o regime jurídico a que estão submetidos é, sem dúvida, o de direito público, com todas as regras e princípios a ele inerentes.

Assim, dependendo do caminho escolhido pelo operador do Direito, duas são as vias para se estabelecer a contraprestação a ser paga pela utilização dos bens ambientais: por meio de receita originária (preço público) ou de receita derivada (tributação/fiscalidade ambiental).

A primeira, mais interessante segundo o nosso ponto de vista, é aquela que trata esta contraprestação como uma receita originária do Poder Público. Tais receitas caracterizam-se como provenientes do Estado ou do exercício de suas atividades.

Expliquemos: sendo os componentes ambientais verdadeiros bens de gestão do Estado, que controla o seu uso de forma a atender, prioritariamente, ao interesse público, certamente, ao se dizer que constituem bem público, permite-se que ele estabeleça um regime jurídico de uso comum e incomum desse bem.

Com isso, a autorização, permissão ou concessão do uso desse bem pode ser remunerada, integrando, portanto, o que se denomina de receita originária do Estado, que é remunerado por um bem que administra. Não se compra o bem ambiental, mas apenas o seu uso.

Assim, os bens ambientais e a sua gestão são de domínio público (uso comum do povo). Por isso, deve-se pagar pelo seu uso (prioritariamente pelo uso incomum) como forma de manter a integridade e o uso racional e comum por todos. Nesse caso, o valor a ser pago pelo usuário (especialmente o incomum) do bem ambiental, como forma de retribuição pelo uso do bem público, recebe o nome de preço público, utilizando a nomenclatura do Direito Financeiro.30

Uma das primeiras experiências, senão a primeira, desenvolvida aqui no Brasil acerca da cobrança pelo uso de bem ambiental é o que está previsto na Lei de Gerenciamento de Recursos Hídricos (Lei n. 9.433/97).31

Ali, desde o art. 1º, I, vê-se que “a água é um bem de domínio público” e que se deu natureza de receita originária (bem público) ao valor que o usuário paga pela contraprestação pelo uso da água.

É que são “instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos” (art. 2º): “III — a outorga dos direitos de uso de recursos hídricos”; e “IV — a cobrança pelo uso de recursos hídricos”.

Perceba-se, ainda, que, pelo art. 12, § 1º, apenas os usos de cunho “insignificante” é que estarão dispensados da outorga e do pagamento do preço. Vejamos:

“§ 1º Independem de outorga pelo Poder Público, conforme definido em regulamento:

I — o uso de recursos hídricos para a satisfação das necessidades de pequenos núcleos populacionais, distribuídos no meio rural;

II — as derivações, captações e lançamentos considerados insignificantes;

III — as acumulações de volumes de água consideradas insignificantes.”

A segunda forma de arrecadação pelo uso dos bens ambientais se dá por meio do que se denomina receita derivada. Esta, ao contrário da arrecadação originária, não decorre do patrimônio ou serviço prestado pelo Estado, mas do seu Poder de Império de exigir e sujeitar o patrimônio do particular ao pagamento de tributos. É o que estudaremos nos tópicos seguintes.

18
Q

É possível a aplicação conjunta de sanção penal, de sanção administrativa, além de determinação de reparação civil, por conta de dano ambiental?

A

Resumo

  • Segundo a Constituição Federal, é possível a cumulação das sanções das duas esferas - penal e administrativa - com a reparação civil.
  • Contudo, há uma convergência na finalidade última de todas as sanções: a recuperação do meio ambiente.
  • Em alguns casos, as sanções penal e administrativa podem ser substituída pela obrigação de reparar o meio ambiente, circunstância que tornará despescienda a reparação civil.

Livro

É possível que um mesmo fato jurídico imputável a um ente seja, a um só tempo, sancionado penal, civil e administrativamente. Em relação ao tema ambiental, é expressa a regra constitucional quando assevera, no art. 225, § 3º, que:

“As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.”

Por essa regra, verifica-se que não há bis in idem quando um mesmo sujeito é sancionado nas três esferas — civil, penal e administrativa — pelo mesmo fato.

Mas, por que não há um bis in idem? A diferença entre as sanções é ontológica ou meramente formal? Essas indagações pressupõem uma rápida digressão informativa sobre o problema. Vejamos.

Para que um homem viva e conviva em sociedade, é mister a existência de regras de conduta que estabeleçam comportamentos que permitam essa harmoniosa convivência. É exatamente por isso que existem as normas jurídicas. Preveem elas, então, condutas desejadas pelo legislador.

Todavia, nem sempre, pelas mais diversas razões, tais comportamentos queridos pelo legislador são espontaneamente observados. É por isso, então, que a ordem jurídica prevê sanções como resposta estatal às antijuridicidades.

É, dessa forma, a antijuridicidade (comportamento contrário ao direito) o pressuposto de aplicação da sanção.

A antijuridicidade corresponde, assim, à mais abrangente concepção do comportamento contrário ao direito e pressuposto da sanção. Pode, dessa forma, relacionar-se com ilícito civil, tributário, penal, processual, constitucional, comercial, administrativo, etc.

Quando se fala simplesmente em antijuridicidade, pensa-se, então, em algo contrário ao Direito, ao ordenamento jurídico visto em sua unidade. Sob esse aspecto, não se poderia falar em diferentes sanções para punir uma mesma conduta antijurídica. Portanto, num primeiro momento, é certo que as antijuridicidades civil, administrativa ou penal encontram gênese no mesmo aspecto: a conduta antijurídica e contrária ao ordenamento unitariamente concebido.

São, porém, diferentes os valores tutelados pelas normas dos mais variados ramos do direito. Da mesma forma, são distintas as finalidades que se buscam por meio delas.

Destarte, o que nos permite discernir e encontrar um campo próprio e diverso entre as sanções administrativas, penais e civis sobre uma mesma conduta é, sem dúvida, o seu objeto precípuo de tutela.41

É exatamente por isso que uma mesma conduta pode ser sancionada nas três esferas sem que isso represente um bis in idem.

Portanto, uma vez demonstrada a existência de diversidade de objetos e fins que justificam a aplicação concomitante das sanções penais, civis e administrativas e diante do permissivo constitucional (art. 225, § 3º), não parece haver dúvidas de que nada impede que o poluidor possa ser apenado civil, penal e administrativamente pela mesma conduta praticada.

É o que fica claro do julgamento, pelo Superior Tribunal de Justiça, do REsp 1.137.314/MG, em que se explica serem diferentes as sanções penal e administrativa:

“AMBIENTAL. INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA. CAMPO DE APLICAÇÃO. LEI 9.605/1998. TRANSPORTE IRREGULAR DE CARVÃO VEGETAL DE ESPÉCIES NATIVAS. INDÚSTRIA SIDERÚRGICA. INFRAÇÃO PENAL E ADMINISTRATIVA. MULTA. LEGALIDADE. DISTINÇÃO ENTRE SANÇÃO ADMINISTRATIVA E SANÇÃO PENAL. LEGITIMIDADE DO DECRETO REGULAMENTADOR.

1. Cuida-se de Ação Ordinária proposta com o fito de afastar multa aplicada em razão de transporte irregular de carvão vegetal. O juízo de 1º grau julgou improcedente o pedido, mas o Tribunal regional reformou a sentença e declarou nulo o auto de infração.

2. A multa aplicada pela autoridade administrativa é autônoma e distinta das sanções criminais cominadas à mesma conduta, estando respaldada no poder de polícia ambiental.

3. Sanção administrativa, como a própria expressão já indica, deve ser imposta pela Administração, e não pelo Poder Judiciário, porquanto difere dos crimes e contravenções. (…)” (STJ, 2ª Turma, REsp 1.137.314/MG, rel. Min. Herman Benjamin, DJ 4-5-2011).

Entretanto, quando se trata de tutela do meio ambiente, ao contrário das regras comuns, há um aspecto que não pode ser ignorado: a convergência de finalidade entre todas as sanções.

Quando o que se tutela é o meio ambiente, por mais diversa que seja a origem e o tipo de sanção aplicada, a regra que tem sido utilizada pelo legislador é a de que de nada vale reprimir por reprimir, punir por punir, condenar por condenar. O princípio da responsabilidade ambiental tem um desiderato menos formal e mais realista, buscando uma efetividade prática com resultados palpáveis.

Assim, toda repressão ambiental (penal, civil e administrativa) deve atender às mesmas finalidades:

  • recuperar imediatamente o meio ambiente caso tenha ocorrido lesão ambiental;
  • promover, se possível, por intermédio da reparação ou da sanção aplicada, a educação ambiental do responsável.

Pode-se dizer que, em termos de efetividade da proteção ambiental, pouco interessa à coletividade se o poluidor foi ou não foi preso, se recebeu esta ou aquela sanção de multa, ou ainda, se foi condenado a pagar determinada quantia.

Ora, o importante é precisamente, e isso o legislador tem compreendido muito bem, que o meio ambiente seja recuperado integralmente e que aquela conduta não seja repetida, fazendo com que o agressor se conscientize disso. Enfim, deve-se compatibilizar a modalidade da sanção, com estas finalidades: recuperação e educação ambiental.

É essa, inclusive, a conclusão que extraímos da leitura dos arts. 17, 27 e 74 da Lei n. 9.605/98 e do art. 14, § 1º, da Lei n. 6.938/81. Ali, ao prever as sanções penais, administrativas e civis, respectivamente, o legislador deixa claro que todas visam reconstituir o ambiente lesado. As finalidades são, assim, convergentes. Vejamos:

“Art. 17. A verificação da reparação a que se refere o § 2º do art. 78 do Código Penal será feita mediante laudo de reparação do dano ambiental, e as condições a serem impostas pelo juiz deverão relacionar-se com a proteção ao meio ambiente.”

O dispositivo citado cuida da suspensão condicional da pena privativa de liberdade nos crimes ambientais.

Lembremos que, de acordo com o art. 78 do Código Penal, o condenado ficará sujeito, durante o prazo da suspensão, à observação e ao cumprimento das condições estabelecidas pelo juiz. Dentre estas condições, estabelece o art. 78, § 1º, do CP que, no primeiro ano de prazo, deverá o condenado prestar serviços à comunidade ou submeter-se à limitação do fim de semana.

Todavia, segundo o § 2º do art. 78 do CP, se o condenado houver reparado o dano, salvo impossibilidade de fazê-lo, e se as circunstâncias do art. 59 deste Código lhe forem inteiramente favoráveis, o juiz poderá substituir a exigência do parágrafo anterior (prestação de serviços à comunidade ou limitação de fim de semana) por outras condições mencionadas no dispositivo,42 que poderão ser aplicadas cumulativamente.

É aí, então, que entra o art. 17 da Lei de Crimes Ambientais (Lei n. 9.605/98). Estabelecem-se, ali, duas regras sobre a substituição das exigências do § 1º do art. 78 do CP:

  • a prova da reparação do dano deve ser feita mediante laudo de reparação ambiental;
  • as condições a serem impostas pelo juiz deverão relacionar-se com a proteção do meio ambiente.

Como se vê, o legislador, mesmo no momento de disciplinar a repressão penal, deu especial atenção à recuperação do meio ambiente. Além disso, essa recuperação deve ser atestada por laudo de reparação do dano ambiental, exigindo mais rigor na sua verificação.

Ademais, não se limitou o legislador ao laudo ambiental, mas também determinou que as condições a serem impostas pelo juiz devem relacionar-se com a proteção do meio ambiente, o que se coaduna com a política de educação preventiva do meio ambiente.

“Art. 27. Nos crimes ambientais de menor potencial ofensivo, a proposta de aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multa, prevista no art. 76 da Lei n. 9.099, de 26 de setembro de 1995, somente poderá ser formulada desde que tenha havido a prévia composição do dano ambiental, de que trata o art. 74 da mesma Lei, salvo em caso de comprovada impossibilidade.”

Novamente, aqui, o legislador privilegia o escopo preventivo/reparatório para as sanções ambientais.

No caso deste art. 27, estabelece que, nas infrações ambientais de menor potencial ofensivo (Lei dos Juizados Especiais — Lei n. 9.099/95), só é possível ser feita a proposta do art. 76 (pena restritiva de direitos ou multa) se ocorrida a prévia reparação ambiental.

Como fica claro, há coincidência de objetivos da sanção penal com a civil no presente caso. Assim, atestando o juiz que o dano tenha sido revertido e o meio ambiente recuperado, faz-se desnecessária a propositura de eventual ação civil pública, já que a reparação in natura é justamente o desiderato primeiro desta demanda.

Se já obtida a reparação do meio ambiente por intermédio do cumprimento da sanção penal anteriormente aplicada, certamente que estará dispensado o mesmo pedido na esfera civil, prescindindo-se, obviamente, de uma pretensão reparatória já ocorrida. Trata-se de técnica indireta de efetivação da responsabilidade civil.

“Art. 72. As infrações administrativas são punidas com as seguintes sanções, observado o disposto no art. 6º: (…)

II — multa simples; (…)

§ 4º A multa simples pode ser convertida em serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente; (…).”

Também no campo das sanções administrativas, o legislador privilegia a finalidade reparatória.

Aqui, no § 4º do art. 72 da mesma Lei n. 9.605/98, o legislador abre a possibilidade da conversão da pena de multa em serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente.

Como fica claro da análise dos três dispositivos, em diversos momentos o legislador, apesar da permissão constitucional para aplicação conjunta das três espécies de sanção (art. 225, § 3º), busca o atingimento de uma finalidade comum por meio das sanções civil, administrativa e penal. Afinal, como dissemos, quando se trata de proteção do entorno, melhor do que punir por punir é recuperar o meio ambiente degradado e educar.

19
Q

Qual é a relação entre o princípio do poluidor-pagador e a responsabilidade penal decorrente de dano ambiental?

A

Como dissemos, o princípio da responsabilidade — subprincípio da pedra fundamental do poluidor-pagador — também se esgalha na esfera penal. Assim, porquanto seja associado às tutelas administrativa e civil, o princípio do poluidor-pagador também espraia seus tentáculos na seara penal e, quando o faz, traduz-se na máxima apelidada de poluidor-punido.

Embora num primeiro momento essa relação possa causar alguma estranheza ao leitor, pretende-se dizer que a tutela penal do meio ambiente tem — seguindo a diretriz do poluidor-pagador — uma marcante veia preventiva, que predetermina o tipo de formatação legislativa, a sua interpretação e os seus objetivos.

Como já estudamos, o poluidor/usuário-pagador, apesar de partir da ideia de internalização das externalidades negativas ambientais, visa atingir diversos objetivos concomitantes: impedir a realização de condutas poluentes; informar sobre a existência de produtos e condutas poluentes; educar a evitar consumo de poluentes; sobretaxar produtos poluentes, etc.

Partindo-se dessas ideias, tem-se que as tutelas civil e administrativa, normalmente calcadas nas perdas e danos e na multa, dificilmente atingem os principais responsáveis pela degradação do meio ambiente.

Isso porque o que acaba ocorrendo é que os reais responsáveis pela degradação transferem as perdas pecuniárias sofridas para a sociedade, para o mercado de consumo, por meio de um ilegítimo, sorrateiro e disfarçado aumento de preço do produto poluente. É o que ensina, mais uma vez, Herman Benjamin:

“Tem-se aí um ‘curioso’ (e perverso) fenômeno em que o cidadão é vitimado duas vezes. De um lado, como vítima difusa da degradação ambiental e de outro como devedor final do quantum reparatório ou sancionatório”.46

Já na esfera criminal, a situação é outra, uma vez ser impossível, pelo princípio da pessoalidade da pena (CF, art. 5º, XLV),47 a transferência da sanção penal para outra pessoa que não o condenado.

Exatamente por isso, a sanção penal, inclusive na seara ambiental, deverá ser de tal modo prevista e aplicada que só poderá ser suportada pelo próprio poluidor, impedindo, pois, a dupla vitimização social, de ocorrência costumeira nas tutelas civil e administrativa, como foi dito alhures.

20
Q

Aplica-se o princípio da insignificância para crimes ambientais?

A

O Superior Tribunal de Justiça tem admitido a incidência do princípio da insignificância no direito penal ambiental apenas em caráter excepcional e somente “quando demonstrada a ínfima ofensividade ao bem ambiental tutelado” ou ainda caso a “lesão seja irrelevante, a ponto de não afetar de maneira expressiva o equilíbrio ecológico”, para usar expressões contidas em seus arestos.

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. CRIME AMBIENTAL. VENDER, EXPOR A VENDA, EXPORTAR OU ADQUIRIR, GUARDAR, TER EM CATIVEIRO OU DEPÓSITO, UTILIZAR OU TRANSPORTAR OVOS, LARVAS OU ESPÉCIMES DA FAUNA SILVESTRE, NATIVA OU EM ROTA MIGRATÓRIA, BEM COMO PRODUTOS E OBJETOS DELA ORIUNDOS, PROVENIENTES DE CRIADOUROS NÃO AUTORIZADOS OU SEM A DEVIDA PERMISSÃO, LICENÇA OU AUTORIZAÇÃO DA AUTORIDADE COMPETENTE. ATIPICIDADE MATERIAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICAÇÃO. RECURSO DESPROVIDO.

  1. A aplicação do princípio da insignificância, causa excludente de tipicidade material, admitida pela doutrina e pela jurisprudência em observância aos postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Direito Penal, demanda o exame do preenchimento de certos requisitos objetivos e subjetivos exigidos para o seu reconhecimento, traduzidos no reduzido valor do bem tutelado e na favorabilidade das circunstâncias em que foi cometido o fato criminoso e de suas consequências jurídicas e sociais.
  2. Esta Corte admite a aplicação do referido postulado aos crimes ambientais, desde que a lesão seja irrelevante, a ponto de não afetar de maneira expressiva o equilíbrio ecológico, hipótese caracterizada na espécie.
  3. Na hipótese, em que o agravante foi flagrado mantendo em cativeiro 4 pássaros da fauna silvestre, das espécimes tico-tico, papa-banana e coleiro, estão presentes os vetores de conduta minimamente ofensiva, ausência de periculosidade do agen

te, reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e lesão jurídica inexpressiva, os quais autorizam a aplicação do pleiteado princípio da insignificância, haja vista o vasto lastro probatório constituído nas instâncias ordinárias.

  1. Agravo regimental desprovido.

(AgRg no HC 519.696/SC, rel. Min. Jorge Mussi, 5ª Turma, julgado em 21-11-2019, DJe 28-11-2019)