Livro - Princípios do Direito Ambiental Flashcards
Quais são os princípios do Direito Ambiental?
Resumo
1) Princípio da Ubiquidade
1. a) Princípio da Cooperação dos Povos
2) Princípio do Desenvolvimento Sustentável (*proibição do retrocesso ambiental)
3) Princípio da Participação
3. a) Princípio da Informação Ambiental
3. b) Princípio da Educação Ambiental
4) Princípio do Poluidor/Usuário-Pagador
4. a) Subprincípios de concretização do Poluidor/Usuário-Pagador:
- Princípio da Prevenção
- Princípio da Precaução
- Princípio da Função Socioambiental da Propriedade Privada
- Princípio do Usuário-Pagador
- Princípio da Responsabilidade Ambiental
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[…] por ser uma ciência autônoma, o Direito Ambiental é informado por princípios próprios, que regulam seus objetivos e diretrizes e, acima de tudo, dão-lhe coerência. Devem eles se projetar sobre todos os campos deste ramo do direito, norteando seus operadores e salvando-os de dúvidas ou lacunas na interpretação das normas ambientais.
Tais princípios encontram-se enraizados na Constituição Federal, e deles decorrem outros que lhes são derivados. Trata-se de classificação meramente acadêmica, já que o legislador não os definiu expressamente.
Por isso mesmo, a enumeração dos princípios do Direito Ambiental não é nem um pouco uniforme na doutrina. Cada um dos estudiosos entende existente ou inexistente este ou aquele princípio.
De nossa parte, entendemos que os princípios básicos do Direito Ambiental são os seguintes:
Princípio da Ubiquidade.
Princípio do Desenvolvimento Sustentável.
Princípio da Participação.
Princípio do Poluidor e Usuário-Pagador.
Entendamos: esses são, em nossa opinião, apenas os princípios básicos do direito ambiental. Trata-se dos valores fundamentais dessa ciência, dotados da maior carga de abstração possível.
Por isso mesmo, a partir destes princípios maiores, falaremos, ainda, em subprincípios, que deles decorrem diretamente e que lhes dão mais concretização.
Importante deixar bem claro que tais subprincípios são tão importantes quanto aqueles quatro que já arrolamos. Não é porque deles derivam que esses subprincípios têm importância diminuída.
Pensemos, por exemplo, no princípio da cooperação dos povos, derivado do princípio da ubiquidade. Ou, ainda, nos princípios da informação e da educação ambiental, ferramentas indispensáveis à concretização do princípio da participação. São todos eles, como fica claro, valores fundamentais do direito ambiental.
Nada se compara, porém, ao princípio do poluidor/usuário-pagador. Trata-se do postulado fundamental do direito ambiental que, apesar da singela e controversa expressão que lhe dá nome, traz consigo uma série de valores essenciais à proteção jurídica do meio ambiente.
Por isso mesmo, é o princípio que densifica, em sua estrutura, o maior número de subprincípios, todos de importância fulcral para o direito ambiental. Como veremos, o poluidor/usuário-pagador aplica-se, por meio de seus subprincípios de concretização, às mais variadas situações que envolvem o meio ambiente.
Justamente por isso, reservaremos, ao fim do capítulo, um tópico para tratar exclusivamente dos (sub)princípios de concretização do poluidor/usuário-pagador. São eles:
Princípio da Prevenção.
Princípio da Precaução.
Princípio da Função Socioambiental da Propriedade Privada.
Princípio do Usuário-Pagador.
Princípio da Responsabilidade Ambiental.
Repitamos: tais subprincípios têm tanta — ou até mais — importância quanto aqueles quatro que arrolamos como princípios básicos do direito ambiental. Apenas por uma questão didática, resolvemos tratá-los como princípios derivados, justamente para deixar claro que todos eles vêm de uma raiz comum: o princípio do poluidor/usuário-pagador.
Explique o significado do princípio da ubiquidade e discorra sobre suas consequências.
Resumo
- O bem ambiental não encontra fronteira.
- Consequências:
- Eventual reparação civil deve ser a mais ampla possível, abrangendo danos reflexos.
- Exercício de direitos privados devem observar o Direito Ambiental (Ex: função social da propriedade).
- Países devem cooperar para proteger o meio ambiente (vínculo com o princípio da cooperação dos povos).
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[…] por sua característica difusa de bem onipresente e de titularidade fluida, o bem ambiental jamais fica delimitado a uma determinada circunscrição espacial ou temporal. Não é nenhum exagero dizer que os recursos ambientais tenham nítida índole planetária.
É exatamente esse o princípio da ubiquidade: o bem ambiental não encontra qualquer fronteira, seja espacial, territorial ou mesmo temporal.
Assim, por exemplo, não há dúvidas de que um derramamento de óleo no Mar da Noruega possa causar dano à fauna ictiológica do Polo Sul, desequilibrando o ecossistema daquela região e influenciando a qualidade de vida da população lá existente. Essa afetação, inclusive, pode ser sentida não só pelas gerações atuais, mas também por gerações futuras.
Diga-se, inclusive, que o Superior Tribunal de Justiça já reconheceu o caráter ubíquo do meio ambiente:
“(…) A conservação do meio ambiente não se prende a situações geográficas ou referências históricas, extrapolando os limites impostos pelo homem. A natureza desconhece fronteiras políticas. Os bens ambientais são transnacionais. (…)” (STJ, 1ª Turma, REsp 588.022/SC, rel. Min. José Delgado, DJ 5-4-2004).
Essa constatação — da onipresença do bem ambiental — tem uma série de reflexos para o mundo do direito.
Basta pensar, por exemplo, que, se o entorno não encontra fronteiras, também não é fácil delimitar a extensão de um dano ao meio ambiente. Como consequência, eventual reparação deve ser a mais ampla possível, levando em consideração não apenas o ecossistema diretamente afetado, mas todos aqueles outros que sofrem consequências negativas, ainda que reflexas, da poluição.
E, ainda mais: essa compensação deve atender aos interesses não apenas das gerações atuais, mas das que estão por vir, porque também a elas interessa a manutenção do mesmo equilíbrio ecológico.
Mas não é esta a única face deste princípio: dado o fato de que a tutela ambiental interessa diretamente à manutenção da qualidade de vida, sua ubiquidade faz com que, regra geral, o exercício de todo e qualquer direito subjetivo — principalmente os de natureza privada — deva obediência aos postulados do Direito Ambiental.
É sob esta ótica que se situa, por exemplo, o mandamento constitucional de que, para atender à sua função social, a propriedade rural proceda a uma “utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente” (CF, art. 186, II). Ou, ainda, a exigência das avaliações prévias de impacto ambiental para toda obra que seja potencialmente degradante do meio ambiente (art. 225, § 1º, IV).
[…]
Não param por aí os reflexos da ubiquidade do bem ambiental.
Se, como acabamos de ver, o meio ambiente não respeita qualquer limitação geográfica, em matéria de proteção ambiental é imprescindível que se construa uma estreita relação de cooperação entre os povos.
Muito mais do que simples políticas nacionais para tutelar o entorno, torna-se cada vez mais premente que se estabeleça uma verdadeira política mundial/global de proteção e preservação do meio ambiente. Tais políticas devem acompanhar o caráter onipresente da “natureza” e estabelecer regras menos preocupadas com a soberania nacional e mais vinculadas a uma cooperação internacional.
Conceitue desenvolvimento sustentável.
[…] conceito ditado pela Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, no sentido de que desenvolvimento sustentável é:
“O desenvolvimento que procura satisfazer as necessidades da geração atual, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazerem as suas próprias necessidades”.
Dentro da visão ambiental, o desenvolvimento sustentado está diretamente relacionado com o direito à manutenção da qualidade de vida por meio da conservação dos bens ambientais existentes no nosso planeta. Exatamente por isso, o texto maior estabelece a regra de que o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado não é apenas dos habitantes atuais, mas também dos futuros e potenciais, enfim, das próximas gerações (CF, art. 225, caput).
ATENÇÃO! Para efeito de concurso público, deve-se ficar atento a algumas questões que falam no princípio da solidariedade intergeracional como aquele que busca assegurar a solidariedade das presentes gerações em relação às futuras, para que também estas possam usufruir dos recursos naturais (ver questões de ns. 5, II, e 7, “e”, ao final do capítulo).
Pensamos que cientificamente não há necessidade de se falar nesse novo princípio, visto que a ideia já está inclusa na de desenvolvimento sustentável. Contudo, como a nomenclatura aparece em provas de concursos, importante que o candidato fique atento.
[…]
Observe-se, contudo, que só é possível pensar em desenvolvimento verdadeiramente sustentável se o bem ambiental que servirá de matéria-prima à atividade econômica for renovável ou, no mínimo, puder ser renovado dentro de um prazo razoável.
A renovabilidade deve ser avaliada levando-se em consideração não só o bem em si mesmo, mas o local onde se encontra, as peculiaridades da região e a função que ali exerce, etc. Não sendo renovável, certamente que não poderá ser implementada a atividade.
Em que consiste o princípio da participação?
Trata-se, assim, de um princípio empenhado na construção de uma sociedade verdadeiramente democrática. Por meio dele, a sociedade civil deve atuar ativamente, paralelamente ao Estado, para definir os rumos a serem seguidos na política ambiental.
Justamente devido a esse forte caráter democrático, o princípio encontra guarida em diversos dispositivos da Constituição Federal.
A começar já pelo caput do art. 1º da CF, que estabelece que a “República Federativa do Brasil (…) constitui-se em Estado Democrático de Direito”, deixando claro, ainda, o parágrafo único que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente”.
Ou, ainda, no inciso I do art. 3º, que coloca, como objetivo fundamental da nação, “construir uma sociedade livre, justa e solidária”.
Falando mais especificamente, agora, da participação solidária na proteção do meio ambiente, lembremos, mais uma vez, que o art. 225, caput, impõe a toda a coletividade o “dever de defendê-lo e preservá-lo”. Há, assim, um verdadeiro dever social nessa tutela.
Tudo isso vem demonstrar o caráter ético do princípio da participação, especialmente voltado para a seara ambiental. Esse dever que incumbe à sociedade pode ser visto por dois distintos pontos de vista:
negativo: impõe a adoção de comportamentos individuais (personalíssimos) de não praticar atos que possam ser ofensivos ao meio ambiente e seus componentes;
positivo: impõe adoção de comportamentos sociais/coletivos consistentes numa tomada de atitude (comissiva, portanto), que não se resumam apenas à esfera individual, tendentes à proteção ambiental.
Isso representa dizer que cada um de nós deve fazer a sua parte em relação aos bens e valores ambientais e, mais do que isso, exigir que todos façam a sua parte.
Este último matiz é que dá o colorido do princípio da participação ambiental, na exata medida em que, vivendo-se em um Estado Democrático de Direito, sob os princípios e objetivos referidos anteriormente, o que se espera da sociedade é justamente uma tomada de posição, ativa, altruísta, ética e participativa, mormente quando estamos diante de valores sagrados e essenciais à preservação da vida.
Se lembrarmos que o meio ambiente constitui um direito difuso, portanto de titularidade indeterminável, essa tônica participativa ganha enorme incremento, no exato sentido de que a participação se torna mais do que legítima, posto que é o titular cuidando de seu próprio direito.
Muito embora já pudesse ser extraído do art. 225 da CF/88, o princípio da participação ambiental acabou recebendo mais atenção e divulgação no campo internacional depois da Declaração do Rio de Janeiro, em 1992, estando arrolado como seu princípio de número 10. Vejamos:
“A melhor maneira de tratar questões ambientais é assegurar a participação, no nível apropriado, de todos os cidadãos interessados. No nível nacional, cada indivíduo deve ter acesso adequado a informações relativas ao meio ambiente de que disponham as autoridades públicas, inclusive informações sobre materiais e atividades perigosas em suas comunidades, bem como a oportunidade de participar em processos de tomadas de decisões. Os Estados devem facilitar e estimular a conscientização e a participação pública, valorando a informação à disposição de todos. Deve ser propiciado acesso efetivo a mecanismos judiciais e administrativos, inclusive no que diz respeito à compensação e reparação dos danos.”
Quais outros princípios se relacionam com o da participação?
Resumo
- Princípio da informação;
- Princípio da educação ambiental.
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Ademais, já foi comentado que a educação ambiental é, com a informação, um dos instrumentos essenciais para a implementação do princípio da participação.
Afinal, a participação da sociedade só poderá ser verdadeiramente efetiva se ela possuir informação sobre os assuntos ambientais e, mais ainda, se for capaz de refletir sobre essa informação, fazendo um juízo de valor consciente para tomar uma atitude em prol do meio ambiente. E, como parece óbvio, essa reflexão só se torna possível com a educação ambiental.
Nesse sentido é a orientação segura do Superior Tribunal de Justiça:
“(…) 2. Irretocável o acórdão recorrido. Alicerce do Direito Ambiental brasileiro e decorrência do dever-poder estatal de transparência e publicidade, o direito à informação se apresenta, a um só tempo, como pressuposto e garantia de eficácia do direito de participação das pessoas na formulação, implementação e fiscalização de políticas públicas de salvaguarda da biota e da saúde humana, sempre com o desiderato de promover ‘a conscientização pública para a preservação do meio ambiente’ (Constituição, art. 225, § 1º, VI), de formar ‘uma consciência pública sobre a necessidade de preservação da qualidade ambiental e do equilíbrio ecológico’ (Lei 6.938/1981, art. 4º, V) e de garantir o ‘acesso adequado às informações relativas ao meio ambiente de que disponham as autoridades’, incumbindo aos Estados ‘facilitar e estimular a conscientização e a participação pública, colocando as informações à disposição de todos’ (Princípio 10 da Declaração do Rio).
- Nessa linha de raciocínio, mais do que poder ou faculdade, os órgãos ambientais portam universal e indisponível dever de informar clara, ativa, cabal e honestamente a população, ‘independentemente da comprovação de interesse específico’ (Lei 10.650/2003, art. 2º, § 1º), para tanto utilizando-se de dados que gerem ou lhes aportem, mesmo quando ainda não detentores de certeza científica, pois uma das formas mais eloquentes de expressão do princípio da precaução ocorre precisamente no campo da transparência e da publicidade do Estado. A regra geral na Administração Pública do meio ambiente é não guardar nenhum segredo e tudo divulgar, exceto diante de ordem legal expressa em sentido contrário, que deve ser interpretada restritivamente pelo administrador e juiz. Além de objetivos estritamente ecológicos e sanitários, pretende-se também fomentar ‘o desenvolvimento da cultura de transparência na administração pública’ (Lei 12.527/2011, art. 3º, IV). (…)” (REsp 1.505.923/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, 2ª Turma, julgado em 21-5-2015, DJe 19-4-2017).
Quais são os princípios mais importantes do Direito Ambiental?
Tamanha é essa importância que podemos dizer que o PUP é o postulado essencial do direito ambiental. Espraia-se esse princípio por vários outros subprincípios reguladores de relações e situações em que, estritamente falando, não há nem poluidor e menos ainda pagador, como nos casos do subprincípio do usuário-pagador e do princípio da precaução.
Assim, por estar ligado à ideia de prevenção (precaução, correção na fonte, prevenção propriamente dita, etc.) ou à ideia de repressão (responsabilidade penal, civil e administrativa), o princípio do poluidor/usuário-pagador precisa ser corretamente interpretado para ter a sua plena eficácia, evitando-se que interpretações equivocadas, e às vezes maliciosas, amputem-lhe o real e promissor sentido teleológico.
Podemos dizer que, assim como o princípio do desenvolvimento sustentável (utilização racional dos componentes ambientais, que também são um direito das futuras gerações) e a identificação do objeto de proteção do Direito Ambiental (equilíbrio ecológico derivado da interação de seus componentes — bens de uso comum), o princípio do poluidor-pagador constitui um dos mais robustos “pilares” do Direito Ambiental, sobre os quais devem se assentar todas as normas do ordenamento jurídico do ambiente.
Mais do que isso, o princípio do poluidor/usuário importa num vetor essencial de construção ideológica e ética de interpretação das regras e dos princípios que dele derivam.
Para finalizar este tópico, é importante que fique claro que o axioma “poluidor/usuário-pagador” não pode ser interpretado ao pé da letra. Jamais pode traduzir a ideia de “pagar para poluir”.
O sentido deve ser outro, não só porque o custo ambiental não encontra valoração pecuniária correspondente, mas também porque a ninguém poderia ser dada a possibilidade de comprar o direito de poluir, beneficiando-se do bem ambiental em detrimento da coletividade que dele é titular.
Como se verá adiante, o poluidor/usuário-pagador tem sua gênese nas regras econômicas de mercado, produção e consumo, de modo que a expressão é somente a ponta de um enorme iceberg, cujo conteúdo é de vital importância para o ordenamento jurídico ambiental.
O que são externalidades e qual sua relação com o princípio do poluidor-pagador?
De modo simples, podemos definir como “externalidades” os reflexos sociais (benéficos ou maléficos) que um produto causa. Por ser impossível medi-las, essas consequências não estão geralmente incluídas no preço do produto. Daí por que as externalidades são um desvio de mercado.19
[…]
Dessa forma, o preço de um bem colocado no mercado só teria uma medida correta — um valor justo — se no valor que lhe fosse atribuído estivessem computados todos os ganhos sociais advindos de seu consumo e também quando se computassem todas as perdas sociais surgidas com a produção desse bem, além, é claro, dos custos de sua produção e do lucro.
Fala-se, então, na necessidade de internalização dos custos sociais/ambientais. Por outras palavras, em computar, no preço de um produto, os ganhos e perdas que ele traz para a sociedade.
Não se agindo dessa forma, internalizando as externalidades, certamente o produtor de um bem terá um produto colocado no mercado que não será por todos adquirido, mas cujo custo social será suportado, inclusive, por quem não consumiu ou nunca consumirá o referido produto.
Sob outra ótica, poderia se dizer que há um enriquecimento do produtor às custas de um efeito negativo suportado por toda a sociedade. Aliás, se lembrarmos que é do meio ambiente que falamos, a conclusão é que esse custo será suportado não só pelas atuais, mas pelas futuras gerações.
É daí que surge a expressão privatização de lucros e socialização das perdas, para designar esse fenômeno, que foi bem explicado por Cristiane Derani:
“Durante o processo produtivo, além do produto a ser comercializado, são produzidas ‘externalidades negativas’. São chamadas externalidades porque, embora resultantes da produção, são recebidas pela coletividade, ao contrário do lucro, que é recebido pelo produtor privado. Daí a expressão ‘privatização de lucros e socialização de perdas’, quando identificadas as externalidades negativas. Com a aplicação do princípio do poluidor-pagador, procura-se corrigir este custo adicionado à sociedade, impondo-se sua internalização. Por isto, este princípio também é conhecido como o princípio da responsabilidade (Verantwortungsprinzip)”.
Por que se diz que não se compra o direito de poluir mediante a internalização do custo social? Como determinar quando é dado a uma empresa internalizar os prejuízos ambientais?
É certo que a matéria-prima necessária à fabricação dos diversos produtos resultantes das atividades econômicas vem, direta ou indiretamente, dos recursos naturais. Não menos certo, também, é que os resíduos gerados por essas atividades têm como destino o meio ambiente.
Por isso, tomando-se por base a ideia das externalidades que acabamos de estudar, parece óbvio que todo esse custo ambiental deve ser incluído no preço dos produtos. Do contrário, haverá um enorme prejuízo para a sociedade em troca de um lucro absurdo para o fabricante dos diversos produtos.
Nesse ponto, é célebre a frase de Paulo Affonso Leme Machado: “A atividade poluente acaba sendo uma apropriação pelo poluidor dos direitos de outrem, pois na realidade a emissão poluente representa um confisco do direito de alguém em respirar um ar puro, beber água saudável e viver com tranquilidade”.
A propriedade da função ecológica dos bens ambientais impede que os empreendedores raptem este direito (equilíbrio ecológico) em seu exclusivo proveito econômico. A função ambiental de um bem (que serve também de matéria-prima ao desenvolvimento) precisa ser preservada, e, nesse passo, ao empreendedor devem ser imputados os ônus que a sociedade (por meio ou não do Estado) assume ao controlar, prevenir e reprimir as agressões ao meio ambiente.
É “tratar” o problema sob o ponto de vista da propriedade: se os bens ambientais são de uso comum do povo, o seu uso invulgar deve ser autorizado pelo povo ou quem o representa e, o que mais importa, sempre de acordo com os interesses dele.
Uma vez permitido o uso incomum do bem ambiental (uso econômico, não ecológico), o usuário deve ser responsável pelos meios de prevenção, controle e compensação da eventual perda ambiental resultante da atividade econômica.
É exatamente aí que entra a interpretação jurídico-ambiental do princípio do poluidor-pagador.
O sentido teleológico deste axioma não é simplesmente internalizar o custo, embuti-lo no preço, e assim produzir, comercializar ou mercanciar produtos que sabidamente são degradantes do meio ambiente, nas diversas etapas da cadeia de mercado. Enfim, não se compra o direito de poluir mediante a internalização do custo social.
Caso este custo seja insuportável para a sociedade, ainda que internalizado, a interpretação jurídica do poluidor-pagador impede que o produto seja fabricado e que o custo da produção seja socializado. Este é um dos pontos nos quais destoa a interpretação jurídica da meramente econômica das externalidades.
Ressaltemos mais uma vez: o poluidor/usuário-pagador não pode, jamais, ser entendido como “pagar para poluir”. Seu sentido é outro, não só porque o custo ambiental não encontra valoração pecuniária correspondente, mas também porque a ninguém poderia ser dada a possibilidade de comprar o direito de poluir, beneficiando-se do bem ambiental em detrimento da coletividade que dele é titular. Não se vende direito de poluir nem se paga um preço pelo meio ambiente.
Em resumo: o princípio quer significar que, dado o caráter difuso e esgotável dos bens ambientais, todos que sejam responsáveis pela utilização desses bens em seu proveito (e em detrimento da sociedade) devem arcar com este déficit da coletividade.
Esse prejuízo ambiental, quando puder ser suportado e trouxer benefícios para a sociedade, deve ser internalizado por aquele que usa do meio ambiente em seu proveito. Se, contudo, não houver a possibilidade de internalização, o produto não pode ser fabricado ou consumido.
O que o princípio pretende, portanto, é redistribuir equitativamente23 as externalidades ambientais.
Ora, se os efeitos externos negativos do mercado são suportados pela sociedade, em prol do lucro do responsável pelo produto (fornecedor, comerciante, fabricante, etc.), que em alguma fase da cadeia de mercado é degradante do meio ambiente ou diminui o exercício do uso comum dos componentes ambientais, nada mais justo que todos os custos que são despendidos pelo Estado (prevenção, precaução, correção na fonte, repressão penal, civil e administrativa, etc.) sejam suportados pelo responsável pelas externalidades ambientais.
É exatamente por isso que o poluidor-pagador não é, como se poderia imaginar, apenas um princípio corretivo, uma vez que a sua intenção é justamente evitar o dano.
De que dispositivos constitucionais se extrai o princípio do poluidor\usuário-pagador?
Antes, porém, vale dizer que o princípio pode ser extraído de diversos dispositivos da Constituição Federal, como o art. 170, VI, que estabelece ser princípio da ordem econômica a proteção e preservação do meio ambiente; o art. 225, § 1º, V, quando estabelece ser incumbência do Poder Público adotar medidas de controle da produção, comercialização e emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente; no art. 225, § 2º, voltado especialmente para a recuperação do meio ambiente degradado pelo uso de componente ambiental não renovável; no art. 225, § 3º, ao enunciar que as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, às sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados, etc.
Quais são os subprincípios do princípio do poluidor\usuário-pagador?
Princípio da Prevenção.
Princípio da Precaução.
Princípio da Função Socioambiental da Propriedade Privada.
Princípio do Usuário-Pagador.
Princípio da Responsabilidade Ambiental.
Como ficará claro ao longo da exposição, tais princípios são bem diferentes entre si, tendo aplicação às mais variadas situações concretas. Contudo, o que salta aos olhos é que todos eles decorrem de um mesmo tronco comum, justamente o poluidor/usuário-pagador.
Dessa forma, todos esses princípios têm raiz na ideia de imputar àquele que faz uso do bem ambiental em seu proveito os prejuízos sentidos pela sociedade (internalização das externalidades negativas). E mais: quando esses prejuízos não puderem ser suportados pela sociedade, a atividade poluente simplesmente não deve ser permitida.
Em que consiste o princípio da prevenção?
Resumo
Em suma, o princípio da prevenção manda que, uma vez que se saiba que uma dada atividade apresenta riscos de dano ao meio ambiente, tal atividade não poderá ser desenvolvida; justamente porque, caso ocorra qualquer dano ambiental, sua reparação é praticamente impossível.
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O princípio da prevenção constitui um dos mais importantes axiomas do Direito Ambiental.
A sua importância está diretamente relacionada ao fato de que, uma vez ocorrido qualquer dano ambiental, sua reparação efetiva é praticamente impossível.
Uma espécie extinta é um dano irreparável. Uma floresta desmatada causa uma lesão irreversível, pela impossibilidade de reconstituição da fauna e da flora e de todos os componentes ambientais, em profundo e incessante processo de equilíbrio, como antes se apresentavam. Enfim, com o meio ambiente, decididamente, é melhor prevenir do que remediar.
O vocábulo prevenção liga-se à ideia de cautela, de cuidado, ou seja, de uma conduta tomada no sentido de evitar o dano ambiental.
Trata-se de princípio expresso no texto constitucional, como fica claro da leitura do caput do art. 225, que impõe à coletividade e ao Poder Público o dever de proteger e preservar o equilíbrio ecológico, para as presentes e futuras gerações.
Considerando, aliás, que o dano ambiental é quase sempre irreversível, o vocábulo proteção utilizado pelo art. 225 da CF/88 não deve ser tomado somente no sentido reparatório, mas principalmente no sentido preventivo, justamente porque a ideia de proteção e preservação liga-se à conservação da qualidade de vida para as futuras gerações.
Em que consiste o princípio da precaução?
Resumo
- Dessa forma, nos casos em que é sabido que uma atividade pode causar danos ao meio ambiente, atua o princípio da prevenção, para impedir que o intento seja desenvolvido.
- Há, todavia, casos em que não se tem certeza se um empreendimento pode ou não causar danos ambientais. É justamente nessas hipóteses em que atua o princípio da precaução.
- O princípio da precaução impõe a inversão do ônus da prova, cabendo ao empreendendor demonstrar que sua atividade não causa danos ao meio ambiente.
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A intenção não é apenas evitar os danos que se sabe que podem ocorrer (prevenção), mas também evitar qualquer risco de sua ocorrência (precaução).
Tem-se utilizado, assim, o postulado da precaução quando se pretende evitar o risco mínimo ao meio ambiente, nos casos de incerteza científica acerca da sua potencial degradação.
Assim, quando houver dúvida científica da potencialidade do dano ao meio ambiente que qualquer conduta possa causar (por exemplo, liberação e descarte de organismo geneticamente modificado no meio ambiente, utilização de fertilizantes ou defensivos agrícolas, instalação de atividade ou obra, etc.), incide o princípio da precaução para proteger o meio ambiente de um risco futuro.
[…]
Em última análise, então, impede-se que a incerteza científica (quanto a ser poluente ou não uma atividade) milite contra o meio ambiente, evitando que, no futuro, perceba-se que uma conduta não deveria ter sido permitida e lamente-se o dano ambiental ocorrido.
Invertem-se, com isso, os termos da equação: ao invés de caber aos órgãos de proteção ambiental provar que uma atividade pode causar danos ambientais, é o empreendedor quem deve demonstrar cabalmente que a atividade que propõe não apresenta qualquer risco.
Aliás, justamente com base no princípio da precaução, o Superior Tribunal de Justiça já entendeu que aquele a quem se imputa um dano ambiental (efetivo ou potencial) é quem deve suportar o ônus de provar que a atividade que desenvolveu não trazia nenhum risco ambiental. Obviamente, essa regra de imposição (judicial) do ônus do proponente do empreendimento ou da atividade — que é determinada pelo direito material — não pode ser exigida num processo administrativo ou judicial sem a devida fundamentação das razões pelas quais incide na hipótese a situação de risco; é preciso assegurar o direito de contraditório e ampla defesa, inclusive, como vetores necessários ao alcance de uma solução probatória que traga segurança ao julgador e à sociedade. Vejamos um trecho da notícia trazida no Informativo n. 418:
“DANO. MEIO AMBIENTE. PROVA. INVERSÃO. (…) Dessa forma, a aplicação do princípio da precaução pressupõe a inversão do ônus probatório: compete a quem se imputa a pecha de ser, supostamente, o promotor do dano ambiental a comprovação de que não o causou ou de que não é potencialmente lesiva a substância lançada no ambiente. (…)” (STJ, 2ª Turma, REsp 1.060.753/SP, rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 1º-12-2009).
O princípio da função socioambiental da propriedade é uma limitação do direito de propriedade?
Resumo
_- O proprietár_io de determinado bem não pode usá-lo como bem entender, ele deve usá-lo de modo que não perturbe o equilíbrio ecológico, que é um direito de todos.
- Para preservar o direito de “propriedade ambiental” (uso comum do equilíbrio ecológico) que a propriedade privada, base da economia capitalista, recebe nova formatação.
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[…] não podemos mais dizer que o proprietário seja completamente livre para usar, gozar e dispor da coisa que lhe pertence. Antes, além de reclames de ordem social, deve fazer uso de seu domínio de forma a atender aos interesses que a manutenção do equilíbrio ecológico lhe impõe. Fala-se, então, na função socioambiental da propriedade privada.
Prova dessa verdadeira mudança de paradigma por que passou a concepção da propriedade privada são algumas das disposições do Código Civil de 2002.
Em seu art. 1.228, logo após definir no caput as clássicas faculdades outorgadas ao proprietário, delimitou que o exercício do direito de propriedade deve atender a certas finalidades, inclusive de cunho ambiental. Vejamos:
“Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.
§ 1º O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas (…).”
Não podemos esquecer, também, que o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado pertence não a este ou àquele indivíduo, mas a todas as pessoas, inclusive àquelas que ainda estão por vir.
Dessa forma, ainda que alguém possa ser proprietário de uma certa área, não se torna dono exclusivo dos recursos ambientais que ali se encontram. Por isso mesmo, o uso que faz de sua propriedade privada não pode, em hipótese alguma, comprometer o direito de todos ao equilíbrio ecológico.
Nesse contexto, verifica-se que, por mais insana e paradoxal que possa parecer essa afirmativa, as limitações que o Direito Ambiental impõe à propriedade privada (nesse particular, concretizadas pelo PUP) visam proteger também o direito de propriedade, mas a propriedade de todos sobre o meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Lembramos, ainda, que a Constituição Federal garante que “ninguém será privado dos seus bens sem o devido processo legal” (art. 5º, LIV).
Dessa forma, sempre que alguém pretender privar a coletividade de seu direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, deve observar as limitações de ordem procedimental e material (devido processo legal, em suas acepções formal e substancial) que o ordenamento jurídico coloca para tanto. Sob esse enfoque, então, podem também ser entendidas as restrições que o Direito Ambiental impõe à propriedade privada.
Não se deve perder de vista que os mesmos bens (componentes bióticos e abióticos) que formam, em conjunto, o equilíbrio ecológico são também os bens que servem às atividades econômicas, culturais e artificiais em geral.
Enfim, a matéria-prima da Ecologia e da Economia é uma só. Por isso, devido à sobranceria e à preponderância da função ecológica sobre a função econômica (e, portanto, da propriedade pública sobre a propriedade privada), é inadmissível que o exercício da propriedade privada limite o direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
É, pois, para preservar o direito de “propriedade ambiental” (uso comum do equilíbrio ecológico) que a propriedade privada, base da economia capitalista, recebe nova formatação. Formatação esta que pretende compatibilizar o interesse privado com o interesse público ambiental, de forma que o uso, o gozo e a disposição dos bens objeto da propriedade privada não colidam com a função ecológica que esses mesmos bens possuem — e devem continuar a possuir — para esta e as próximas gerações.
[…]
Lembremos ainda que, como dito, o fato de alguém tornar-se proprietário de uma dada área não faz com que se torne o dono dos recursos ambientais que ali se encontram. Afinal, os bens ambientais servem à manutenção do equilíbrio ecológico, que, segundo consagra a Constituição Federal, é bem de uso comum do povo (art. 225, caput).
Por tudo isso é que podemos afirmar que as regras de proteção jurídica do meio ambiente dão nova formatação à propriedade privada. Justamente porque a função ecológica dos bens ambientais a todos pertence, o exercício do direito de propriedade não pode, de forma alguma, prejudicar o uso ambiental dos recursos naturais.
O direito de propriedade compromete-se, nessa nova realidade, não mais apenas com os interesses particulares e econômicos de seu titular, mas também com a manutenção do equilíbrio ecológico. Falamos, então, na função socioambiental da propriedade privada.
O que seria esse uso comum dos bens ambientais, a que todos fazem jus segundo o art. 225, caput, da Constituição Federal?
Resumo
- A expressão “uso comum do povo” (CF, art. 225, caput) deve ser entendida como aquele uso voltado a satisfazer não as necessidades da população (necessidades humanas, portanto), mas, antes disso, as necessidades impostas pelo meio ambiente.
- Importante ficar atento ao fato de que o princípio da função socioambiental da propriedade não apenas impõe que o proprietário se abstenha de comportamentos lesivos ao entorno, mas também pode autorizar a imposição de comportamentos positivos em prol do meio ambiente.
Livro
Afinal, repitamos, o uso artificial (econômico, social, etc.) do bem ambiental não pode comprometer o desempenho de sua função ecológica e de seu uso comum, direitos de todos, das presentes e futuras gerações.
O que seria, então, esse uso comum dos bens ambientais, a que todos fazem jus segundo o art. 225, caput, da Constituição Federal?
Aqui, novamente, torna-se necessário o abandono das concepções meramente antropocêntricas do meio ambiente.
Afinal, é o meio ambiente ecologicamente equilibrado que constitui bem de uso comum do povo. Trata-se, porém, como já vimos, de resultado da interação de uma série de fatores naturais (bióticos e abióticos), que desempenham uma função na manutenção do equilíbrio. E, se assim o é, apenas protegendo a função ecológica dos recursos naturais, será possível garantir a manutenção do equilíbrio ecológico.
Deve, portanto, ser colocada sempre em primeiro plano a tutela da função ecológica dos bens ambientais. Somente após garanti-la, é que se pode pensar nos usos desses bens para satisfazer as necessidades humanas.
A expressão “uso comum do povo” (CF, art. 225, caput), dessa forma, deve ser entendida como aquele uso voltado a satisfazer não as necessidades da população (necessidades humanas, portanto), mas, antes disso, as necessidades impostas pelo meio ambiente.
Uma vez assegurada, então, tal função ecológica, podemos pensar na satisfação das necessidades humanas.
Quanto a estas, primeiramente deve ser privilegiado o uso comum dos bens ambientais, ou seja, aquela utilização que vise satisfazer as necessidades de toda a coletividade. Trata-se de utilizar o bem ambiental em sua forma mais primitiva, de voltar a garantir a subsistência do ser humano.
Apenas, então, garantido esse uso coletivo dos recursos naturais, é que se pode pensar em seu uso individual, ou, ainda, em seu uso com finalidades econômicas.
Importante ficar claro: não se diz aqui que não se deve dar utilização econômica ou com meros interesses individuais aos bens ambientais. O que se afirma somente é que o uso individual/econômico não pode comprometer sua capacidade de atender aos interesses de toda a coletividade e, mais que isso, sua função na manutenção do equilíbrio ecológico.
Voltemos, para aclarar as ideias, ao exemplo da água, bem ambiental por excelência.
Pode ela ser utilizada para satisfazer os interesses exclusivos do ser humano? É claro que sim. Não há problema algum, a priori, em o homem se utilizar da água para suas mais básicas necessidades, como hidratação, higiene, etc.
Essa utilização, porém, não pode, em qualquer hipótese, comprometer uma outra função da água, anterior ao próprio ser humano ou a qualquer outra forma de vida: trata-se de bem fundamental na manutenção do equilíbrio ecológico.
Garantida essa função ecológica da água, é evidente que o homem pode fazer uso dela para satisfazer as necessidades da coletividade.
Avançando um pouco: poderia a água ser utilizada para satisfazer os interesses meramente econômicos deste ou daquele indivíduo? Pode uma empresa fazer uso da água para, por exemplo, produzir refrigerantes ou qualquer outro bem de consumo?
Novamente, a resposta é afirmativa. Não há óbice em dar utilização econômica aos bens ambientais (uso incomum), desde que, antes disso, seja respeitada sua função para toda a coletividade (seu uso comum) e, mais ainda, sua função ecológica.
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Em resumo, a função socioambiental da propriedade privada manda que o exercício das faculdades inerentes ao domínio se dê de modo a não prejudicar a função ecológica dos bens ambientais. Afinal, o equilíbrio ecológico a todos pertence.
Assim, sempre que o uso incomum de um bem ambiental puder prejudicar o uso comum a que faz jus toda a população e, acima de tudo, sua função na manutenção do equilíbrio ecológico, é a função ecológica que deve prevalecer.
Importante, ainda, ficar atento ao fato de que o princípio não apenas impõe que o proprietário se abstenha de comportamentos lesivos ao entorno, mas também pode autorizar a imposição de comportamentos positivos em prol do meio ambiente.