Direito Ambiental esquematizado Flashcards
A diferenciação entre interesse individual e interesse coletivo se dá em razão do seu objeto ou dos sujeitos que são seus titulares?
Quando pretendemos classificar um interesse como coletivo ou individual, devemos ter atenção redobrada para saber se os termos individual e coletivo, que classificam o interesse como tal, referem-se ao seu aspecto subjetivo ou ao seu aspecto objetivo.
Tentando ser mais claro, a pergunta que deve ser feita é a seguinte: um interesse é considerado coletivo (não individual) pela indivisibilidade do seu objeto (que ao satisfazer o interesse de um ou todos o faz por causa da raiz [indivisibilidade do objeto] única) ou pela soma de vontades dos sujeitos (aspecto subjetivo)?
Bem, sabemos que a resposta a esta indagação é um “nó daqueles”, cujo desate não é fácil. Trata-se de um problema que mesmo os juristas italianos, embora avançados no seu estudo, ainda não conseguiram dirimir, não nos sendo permitido afirmar que exista um conceito sedimentado.2 Resta-nos, portanto, adotar esta ou aquela posição, tendo em vista o direito positivo brasileiro.
[…]
Outrossim, entendemos que pretender sustentar que o interesse coletivo refere-se a fenômenos corporativos, como mera soma de interesses individuais, é negar a realidade que se vive e na qual existem interesses de toda ordem que superam a noção do indivíduo, centrando-se num ideário que transcende a noção egoística e repousa na esfera transindividual.
Há que se dizer ainda que essa noção transindividual (supraindividual ou metaindividual) deve ser assim entendida não apenas porque em muitos casos os interesses são de titulares indeterminados (ou indetermináveis), mas, principalmente, e este parece ser um ponto nodal, porque não pertencem ao indivíduo considerado egoisticamente, mas, sim, como integrante de um corpo, de uma categoria, ou até mesmo como membro da sociedade coletivamente considerada (cidadão).
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Retomando o que foi antes exposto, vemos que o legislador tinha a opção de definir os direitos coletivos a partir de seu aspecto objetivo (objeto) ou de seu aspecto subjetivo (sujeito). Preferiu, como ficará claro, mesclar a utilização de ambos os critérios.
No transcrito art. 81, parágrafo único, pode-se identificar claramente dois grupos distintos: os direitos e interesses essencialmente coletivos e os acidentalmente coletivos.
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Os interesses e direitos difusos e coletivos são denominados de essencialmente coletivos porque têm em comum o traço da transindividualidade de seus titulares e a indivisibilidade de seu objeto.
Levando-se em consideração suas definições, em contraste com a dos individuais homogêneos (acidentalmente coletivos), percebe-se que o nosso legislador teve grande inclinação pelo critério objetivo.
Pelo critério objetivo (a indivisibilidade do bem), faz-se crer que a necessidade individual de cada um dos titulares é irrelevante na fruição e na proteção desse mesmo bem. Se o bem é indivisível, pode-se dizer que, independentemente do vínculo que possa existir entre os sujeitos titulares, o fato é que a satisfação de um implica a de todos eles.
Em outros termos, significa afirmar que a indivisibilidade do bem faz com que todos os seus titulares se encontrem em posição idêntica sobre o objeto do interesse.9
Assim é que o caráter transindividual dos direitos essencialmente coletivos não é a pedra de toque que nos permite distinguir os difusos dos coletivos propriamente ditos, já que nenhum deles pertence ao indivíduo egoisticamente falando, segundo o legislador. Ambos são, destarte, transindividuais.
No caso dos coletivos, pertencem ao sujeito enquanto partícipe de um grupo, categoria ou classe de pessoas bem definida por uma relação jurídica base.
Já para o caso dos difusos, também definidos como transindividuais pelo legislador, tais “interesses não encontram apoio em uma relação-base bem definida, reduzindo-se o vínculo entre as pessoas a fatores conjunturais ou extremamente genéricos, a dados de fato frequentemente acidentais e mutáveis: habitar a mesma região, consumir o mesmo produto, viver sob determinadas condições socioeconômicas, sujeitar-se a determinados empreendimentos, etc.”.10
Pode-se concluir, pela rasa leitura dos incisos I e II do art. 81, parágrafo único, do CDC, que o divisor de águas entre o interesse difuso e o interesse coletivo é o aspecto subjetivo. Assim, se o critério objetivo foi o determinante para colocá-los na vala comum dos interesses essencialmente coletivos, foi o critério subjetivo que o legislador adotou para diferenciar um do outro.
O que é um conflito supra individual?
Resumo
O tipo de conflito supraindividual seria aquele em que, independentemente da posição jurídica que ocupasse no processo, estaria em jogo a contenda envolvendo um interesse que transcendesse a noção de indivíduo, e no qual a raiz do direito se restringiria a um mesmo ato-fato-tipo, ou seja, um fato-ato padrão que é comum em relação a todos. Já o individual seria aquele em que nenhuma dessas nuances estaria presente e, ao contrário, as características individuais do sujeito seriam marcantes, essenciais, exclusivas.
Livro
Não há nenhuma dúvida de que o tipo marcante de conflito de interesses da nossa sociedade industrial capitalista é o que tipifica uma cultura de massa. Prova disso é que todos nós, ou alguém que nos seja próximo, já tivemos algum tipo de conflito de interesses envolvendo operadoras de telefonia, de televisão e internet, prestadoras de serviços bancários e instituições financeiras, cobranças indevidas de serviços essenciais como água, luz, esgoto (e, por outro lado, uma ausência de serviços fundamentais como segurança, saúde nos hospitais públicos, educação nas escolas), tributos cobrados indevidamente pelo poder público, falhas de mercado em produtos de massa como carros, softwares, telefones, medicamentos, mensalidades escolares, etc. Por outro lado, dificilmente alguém dirá que tem um problema judicial envolvendo uma briga de vizinhos pelo uso inadequado da garagem, pela aula particular que não tenha sido paga ao professor, por violação dos limites demarcatórios de um imóvel rural, etc. Não que eles não existam, mas, atualmente, estes exemplos são exceção à regra.
Tomando de exemplo um desses segmentos mencionados acima (v.g. telefonia), é de se observar que, dentro dos universos de clientes lesados, existem muitos outros “universos” ou “segmentos” de clientes que o são: os lesados pela cobrança abusiva, os lesados pela falha na velocidade da internet contratada etc. São milhares de consumidores, cada um no seu “grupo de lesados”, que são ofendidos pelo mesmo ato-fato-tipo praticado pela empresa de telefonia. Observe, precisamente, que o fato de a operadora de telefonia praticar uma conduta ilícita contra um consumidor, e depois contra outro, e depois contra mais outro, numa espécie de ilícito padrão que se repete em cadeia, faz com que esse conflito não seja individual, do consumidor A contra a operadora, mas sim um conflito de massa, coletivo, porque ali, naquele caso, o ilícito não é contra aquele consumidor específico, mas contra um modelo padrão de consumidor que é fordianamente atingido.
Assim, ante este cenário da sociedade intensamente massificada, podem-se identificar dois grandes grupos de conflitos de interesses na nossa sociedade de massa: os individuais e os supraindividuais.
O tipo de conflito supraindividual seria aquele em que, independentemente da posição jurídica que ocupasse no processo, estaria em jogo a contenda envolvendo um interesse que transcendesse a noção de indivíduo, e no qual a raiz do direito se restringiria a um mesmo ato-fato-tipo, ou seja, um fato-ato padrão que é comum em relação a todos. Já o individual seria aquele em que nenhuma dessas nuances estaria presente e, ao contrário, as características individuais do sujeito seriam marcantes, essenciais, exclusivas.
Registre-se que talvez essa classificação ou divisão fosse suficiente para que nosso legislador criasse algumas técnicas ou procedimentos especiais para atender de forma mais rente às lides coletivas, sempre a partir de uma verificação in concreto e pragmática por parte do magistrado (c.v. o art. 554, §§ 1º a 3º, que trata das ações possessórias envolvendo conflitos coletivos). Contudo, ele foi além, por razões de ordem cultural e política, e criou conceitos abstratos, teóricos e muito pouco claros de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, como explicitaremos em seguida, sem se atentar para o dinamismo com que se entrelaçam e se movimentam na sociedade de massa.
Deixou o pragmatismo de lado e fez uma classificação tripartite de direitos supraindividuais, estabelecendo alguns procedimentos abstratos diferentes para eles.
Diferencie os direitos difusos, coletivos e individuais homogêncios, considerando os preceitos do Código de Defesa do Consumidor.
Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.
Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:
I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;
II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;
III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.
Em que consiste o interesse coletivo propriamente dito?
Resumo
Em resumo, o interesse coletivo (organizado entre si ou não) será coletivo por causa do seu objeto indivisível que pertença a um número determinável de titulares.
Livro
A redação do inciso II (interesses coletivos) do art. 81, parágrafo único, do CDC faz crer que o seu titular é um grupo, categoria ou classe de pessoas.
O vínculo que permite identificar esse grupo/categoria/classe vem descrito da seguinte forma na norma em comento: ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base.
Significa dizer que o grupo, a categoria ou a classe de pessoas estão ligados entre si (relação institucional, como uma associação, um sindicato, uma federação, etc.) ou, alternativamente, é possível que esse vínculo jurídico emane da própria relação jurídica existente com a parte contrária. A relação “entre si” a que alude o legislador pode-se dar antes de um ilícito ou ser derivada de um ilícito comum. Certamente que, no primeiro caso, existe mais coesão e, portanto, menos conflituosidade interna.
A preocupação do legislador em estender a proteção ao grupo de pessoas que não possuam vínculo entre si, mas, sim, com a parte contrária, decorre do fato de que, não sendo obrigatório o associativismo (liberdade pública), é possível que mesmo a pessoa não sendo associada a uma categoria, ainda assim seja titular de um direito coletivo, pelo simples fato de que possui, como o associado, uma relação jurídica base com a parte contrária.
Assim, por exemplo, numa demanda proposta pelo sindicato para obrigar o patrão a colocar filtro sonoro no interior da fábrica, serão titulares de direito coletivo e, portanto, atingidos pela coisa julgada tanto aquele que seja quanto o que não seja sindicalizado.
Não é, portanto, a existência de um eventual vínculo associativista que faz com que o direito seja coletivo.
Este parece ter sido o motivo de se dizer no art. 81, parágrafo único, II, do CDC que o titular é o grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base.
As expressões grupo, categoria ou classe de pessoas devem ser compreendidas como classe de pessoas que sejam titulares (enquanto coletividade) de um objeto indivisível.
Aliás, a regra da coisa julgada prevista no CDC em seu art. 103, II, é correspondente ao art. 81, parágrafo único, II, do mesmo código, e confirma o que foi afirmado no texto. Tanto que fala em coisa julgada ultra partes, mas limitada ao grupo, categoria ou classe, expondo claramente que a coisa julgada neste caso não se aplica somente ao ente coletivo impulsionador da demanda, mas àquelas pessoas que estejam a ele filiadas ou não, enfim, àquelas que sejam titulares do objeto tutelado.
O que distingue o interesse difuso do interesse coletivo?
Resumo
- Os titulares dos direitos difusos são indetermináveis; dos direitos coletivos, determináveis.
- O direito coletivo envolve um interesse de caráter privado de um grupo. Já o direito difuso tem um caráter público, não exclusivo. Daí o efeito da coisa julgada relativa a esse direito ser erga omnes.
Livro
Segundo o transcrito parágrafo único do art. 81 do CDC, a distinção entre interesse difuso e interesse coletivo se faz por intermédio da determinabilidade dos titulares do interesse: enquanto neste são determináveis, naquele são indetermináveis.
Entretanto, esta não nos parece ser a única distinção entre um e outro. A diferença entre o interesse difuso e o interesse coletivo é ontológica, porque, enquanto o interesse coletivo está diretamente ligado ao atendimento de um interesse privado de uma coletividade, exclusivo e egoísta dessa mesma coletividade, que quase sempre se organiza para atender a suas exigências e pretensões (caráter egoísta em prol da coletividade), o interesse difuso possui uma veia pública, não exclusiva, heterogênea (por causa da dispersão) e plural.
Nesse ponto, o critério da exclusividade do interesse também merece destaque e, de certa forma, decorre dessa dispersão do aspecto subjetivo que distancia um do outro. Ora, se no interesse coletivo os titulares são determináveis, então é sinal de que existe o caráter exclusivo de fruição desse interesse por parte da categoria a qual o interesse pertença. É exatamente esse aspecto que se pode dizer caracterizar um interesse egoísta (em prol apenas daquela coletividade determinada) e visando atender aos interesses concretos de cada um de seus membros.
Já no interesse difuso, por seu grau de dispersão e pela indeterminabilidade de seus titulares, não se pode atribuir qualquer tipo de exclusividade na fruição do objeto do interesse. Tanto isso é verdade que o vínculo que une os titulares desse direito é apenas uma circunstância de fato, tal como determina o CDC, art. 81, parágrafo único. O exposto é endossado, ainda, pela regra da coisa julgada (art. 103, I), no sentido de que esta tem eficácia erga omnes.
Não há dúvidas de que existe uma limitação dos titulares de um interesse difuso. Todavia, torna-se impossível a demarcação desse limite, simplesmente porque não se pode identificar cada um dos titulares e, mais ainda, porque o elo entre tais sujeitos é uma circunstância de fato, caracterizando-se, pois, por um estado de fluidez completo, instável e contemporâneo.
Assim, o que une os titulares do direito difuso é algo circunstancial e fluido, tal como o fato de serem, por exemplo, consumidores de um produto, moradores de um bairro, etc.
Também por isso, é clara e induvidosa a possibilidade de conflituosidade interna entre os titulares, muito mais acentuada do que no interesse coletivo, já que no interesse difuso a ligação entre os membros titulares são meras circunstâncias de fato.
Fica claro, ainda, que o interesse difuso é heterogêneo e isso decorre do fato de o vínculo que une os seus titulares ser circunstancial (habitantes de uma mesma região, consumidores de um mesmo produto, etc.), ao passo que o interesse coletivo é homogêneo, na medida em que a coletividade persegue interesses previsivelmente queridos pelos seus membros. Aliás, é justamente o vínculo organizacional e corporativista de uma categoria que prevalece no interesse coletivo, resultando daí a homogeneidade mencionada.
Também se assevere que, se os interesses difusos possuem uma “veia pública”, é porque a indeterminabilidade de seus sujeitos pressupõe o raciocínio de que o interesse em jogo é disperso, de tal maneira que atinge um número ilimitado de pessoas, dando-lhe uma conotação publicista.
Já os interesses coletivos são coletivos seja para dez, vinte, trinta ou mil pessoas, porém sempre determináveis. Visam o benefício de cada uma dessas pessoas como partícipes dessa coletividade e de mais ninguém que não seja titular desse interesse. Exatamente por isso é que se diz possuir uma veia privatística (da categoria).
Diferencie os interesse difusos, coletivos e individuais homogênios (ou acidentalmente coletivos).
Em que consiste o interesse público?
Resumo
- O conteúdo do interesse público não pode ser definido em abstrato, senão apenas diante do caso concreto, levando em conta os ditames da Constituição Federal e harmonizando os diferentes interesse em jogo, utilizando, se for o caso, o princípio da proporcionalidade.
- Segundo o autor, interesse público primário se confunde com direito difuso.
Livro
Admitindo-se, pois, que a República Federativa do Brasil é um Estado Democrático de Direito e que o seu poder emana do povo, e considerando-se ainda que o Estado atua por intermédio de funções legislativas, executivas e judiciárias, certamente teremos que o conteúdo do que é interesse público deve estar inserido no texto constitucional brasileiro e, portanto, a sua persecução pode ser feita por intermédio dos três poderes.
É o que ensina Carlos Alberto de Salles: “Na verdade, qualquer decisão social, produzida ou não através dos vários mecanismos estatais, incorpora opções por um entre vários interesses relevantes, traduzindo uma dada avaliação sobre qual deles, em uma determinada alocação de recursos públicos (bens ou serviços), melhor atende ao objetivo social que se quer alcançar por meio de uma determinada ação. A essência de qualquer política pública, levada adiante pelo executivo, legislativo ou judiciário, é distinguir e diferenciar, realizando a distribuição dos recursos disponíveis na sociedade”.
Pelo que foi exposto, portanto, o Estado, nas três esferas de poder (legislativo, executivo e judiciário), realiza o interesse público em cada momento específico em que exercita a sua função típica, levando em consideração as regras basilares da Constituição Federal.
Exatamente por isso, colocamos em xeque a existência de um interesse público geral que não seja o abstrato (bem-estar, harmonia da sociedade, ordem pública, etc.), porque, quando se pretende exercê-lo na prática, certamente diversos interesses serão excluídos da esfera de proteção por “opção” do ente político no exercício de sua função.
Diante disso, preferimos dizer que o acerto está com Colaço Antunes, para quem os interesses públicos “são finalidades concretas, que os órgãos e entes públicos devem realizar, e que num ordenamento de base pluralista há tantos interesses públicos como comunidades existentes no âmbito do mesmo. (…) isto quer dizer que o interesse público como entidade única não existe mais, ou melhor, existe só em abstracto, existindo na realidade, como consequência dos confrontos e dos conflitos entre particulares, públicos e coletivos, o interesse público concreto”.
Em conclusão ao que foi exposto, podemos dizer que, com a transformação do Estado de liberal para social, o interesse público deixou de ser aquilo que não era individual para ser aquilo que é do povo.
Essa mudança de postura estatal (de omissiva a comissiva) fez com que diversos direitos relativos à entrega de qualidade de vida passassem a ser exigidos pela sociedade, impondo-se um dever ao Estado de prestá-los. Nesse ponto, o papel do Estado passou a ser o de efetivar os interesses públicos primários (cujo titular é o povo), separando-os daqueles que correspondem ao seu interesse privado (secundário) e que só podem ser perseguidos quando não confrontem com o interesse primário.
O conteúdo desses interesses primários, numa sociedade pluralista como a nossa, só se define no caso concreto, pela proteção desta ou daquela situação pelo ente político competente no exercício de sua função. O fim almejado na adoção desta ou daquela posição pelo Estado deve ter por norte as regras e os princípios constitucionais abstratamente considerados.
Interessante notar que mesmo o Superior Tribunal de Justiça já deixou assentada a impossibilidade de se definir aprioristicamente, em abstrato, o que seria ou não de interesse público. Trata-se, segundo afirma, de conceito jurídico indeterminado, a ser preenchido caso a caso. Vejamos trecho de ementa do julgamento do REsp 786.328/RS:
“Pode-se afirmar, utilizando a classificação de Engisch, que interesse social encerra conceito jurídico indeterminado (porque o seu ‘conteúdo e extensão são em larga medida incertos’) e normativo (porque ‘carecido de um preenchimento valorativo’), e sua função ‘em boa parte é justamente permanecerem abertos às mudanças das valorações’.
Conforme observou o Ministro Sepúlveda Pertence, em voto proferido no Supremo Tribunal Federal, ‘é preciso ter em conta que o interesse social não é um conceito axiologicamente neutro, mas, ao contrário — e dado o permanente conflito de interesses parciais inerente à vida em sociedade — é ideia carregada de ideologia e valor, por isso, relativa e condicionada ao tempo e ao espaço em que se deva afirmar’.
É natural, portanto, que os interesses sociais não comportem definições de caráter genérico com significação unívoca. Como demonstrou J. J. Calmon de Passos, ‘a individualização do interesse público não ocorre, de uma vez por todas, em um só momento, mas deriva da constante combinação de diversas influências, algumas das quais provêm da experiência passada, enquanto outras nascem da escolha que cada operador jurídico singular cumpre, hic et nunc, no exercício da função que lhe foi atribuída. Assim, a atividade para individualização dos interesses públicos é uma atividade de interpretação de atos e fatos e normas jurídicas (recepção dos interesses públicos fixados no curso da experiência jurídica anterior) e em parte é uma valoração direta da realidade pelo operador jurídico, atendidos os pressupostos ideológicos e sociais que o informam e à sociedade em que vive, submetidos à ação dos fatos novos, capazes de modificar juízos anteriormente irreversíveis’” (STJ, 1ª Turma, REsp 786.328/RS, Min. Luiz Fux, DJ 8-11-2007).
Os direitos difusos seriam, portanto, esses interesses protegidos pelo Estado em cada caso concreto. Isso nos permite antever a existência de “choques” de interesses difusos dentro de uma mesma comunidade, cabendo ao Estado, no exercício da função, proteger este ou aquele segundo os ditames constitucionais. Estes choques serão resolvidos pelo uso do princípio da proporcionalidade, que permite sobrepor, usando a máxima do sopesamento (mal maior e mal menor, no caso concreto), qual deve ser o princípio utilizado pelo operador do direito e, portanto, qual o interesse tutelado.
Qual é a diferença entre interesse público e interesse legítimo?
Segundo Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, os interesses legítimos podem ser definidos como “(…) interesses ocasionalmente protegidos e direitos imperfeitos. Conferem interesse legítimo aos administrados as normas de direito objetivo que regem a realização de interesse coletivo, mas, reflexamente, ao mesmo tempo, satisfazem o interesse de determinados indivíduos. Assim, tais particulares, a que as regras objetivas concretamente atingem, têm interesse especial na sua observância”.21
Para exemplificar a figura supracitada, Mancuso22 assevera que a “norma jurídica que protege os mananciais de água potável é direcionada à generalidade da população, uma vez que intenta preservar a qualidade de vida; todavia, acaba conferindo uma proteção especial àquela parcela da população que habita nas proximidades desses mananciais; e que, de fato, tem mais interesse do que terceiros em que tais mananciais sejam preservados”.
Portanto, os interesses legítimos seriam aqueles que têm uma proteção reflexa, já que o objeto precípuo de tutela da norma não seria o direito individual. Porém, protegendo-se o interesse geral, acabam-se tutelando, por tabela, interesses particulares.
O que marca a terceira fase do Direito Ambiental? Qual é a legislação que lhe dá início?
Se nas duas fases anteriores a preocupação maior das leis ambientais, apesar da evolução, era sempre o ser humano, o que se viu a partir da década de 1980 foi uma verdadeira mudança de paradigma: não seria mais o homem o centro das atenções, mas o meio ambiente em si mesmo considerado.
Para tanto, pode-se afirmar que a Lei n. 6.938/81 (Política Nacional do Meio Ambiente) foi, por assim dizer, o marco inicial dessa grande virada. Foi ela o primeiro diploma legal que cuidou do meio ambiente como um direito próprio e autônomo. Nunca é demais lembrar que, antes disso, a proteção do meio ambiente era feita de modo mediato, indireto e reflexo, na medida em que ocorria apenas quando se prestava tutela a outros direitos, tais como o direito de vizinhança, propriedade, regras urbanas de ocupação do solo, etc.
[…]
A verdade é que a Lei n. 6.938/81 introduziu um novo tratamento normativo para o meio ambiente. Primeiro, porque deixou de lado o tratamento atomizado em prol de uma visão molecular, considerando o entorno como um bem único, imaterial e indivisível, digno de tutela autônoma.
O próprio conceito de meio ambiente adotado pelo legislador (art. 3º, I) extirpa a noção antropocêntrica, deslocando para o eixo central de proteção do ambiente todas as formas de vida. A concepção passa a ser, assim, biocêntrica, a partir da proteção do entorno globalmente considerado (ecocentrismo). Há, ratificando, nítida intenção do legislador em colocar a proteção da vida no plano primário das normas ambientais. Repita-se: todas as formas de vida.
Dessa forma, é apenas a partir da Lei n. 6.938/81 que podemos falar verdadeiramente em um direito ambiental como ramo autônomo da ciência jurídica brasileira e não como um apêndice do direito administrativo. A proteção do meio ambiente e de seus componentes bióticos e abióticos (recursos ambientais) compreendidos de uma forma unívoca e globalizada deu-se a partir desse diploma.
Em resumo, o fato de marcar uma nova fase do direito ambiental deve-se, basicamente, aos seguintes aspectos:
- Adotou um novo paradigma ético em relação ao meio ambiente: colocou em seu eixo central a proteção a todas as formas de vida. Encampou, pois, um conceito biocêntrico (art. 3º, I).
- Adotou uma visão holística do meio ambiente: o ser humano deixou de estar ao lado do meio ambiente e passou a estar inserido nele, como parte integrante, dele não podendo ser dissociado.
- Considerou o meio ambiente um objeto autônomo de tutela jurídica: deixou este de ser mero apêndice ou simples acessório em benefício particular do homem, passando a permitir que os bens e componentes ambientais fossem protegidos independentemente dos benefícios imediatos que poderiam trazer para o ser humano.
- Estabeleceu conceitos gerais: tendo assumido o papel de norma geral ambiental, suas diretrizes, objetivos, fins e princípios devem ser mantidos e respeitados, de modo que sirva de parâmetro, verdadeiro piso legislativo para as demais normas ambientais, seja de caráter nacional, estadual ou municipal.
- Criou uma verdadeira política ambiental: estabeleceu diretrizes, objetivos e fins para a proteção ambiental.
- Criou um microssistema de proteção ambiental: contém, em seu texto, mecanismos de tutela civil,9 administrativa e penal do meio ambiente.
Conceitue meio ambiente nos termos previsto em lei.
“Art. 3º Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:
I — meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas; (…).”1
Porquanto as palavras “meio” e “ambiente” signifiquem o entorno, aquilo que envolve, o espaço, o recinto, a verdade é que quando os vocábulos se unem, formando a expressão “meio ambiente”, não vemos aí uma redundância como sói dizer a maior parte da doutrina, senão porque cuida de uma entidade nova e autônoma, diferente dos simples conceitos de meio e de ambiente. O alcance da expressão é mais largo e mais extenso do que o de simples ambiente.
Portanto, a expressão “meio ambiente”, como se vê na conceituação do legislador da Lei n. 6.938/81, não retrata apenas a ideia de espaço, de simples ambiente. Pelo contrário, vai além para significar, ainda, o conjunto de relações (físicas, químicas e biológicas) entre os fatores vivos (bióticos) e não vivos (abióticos) ocorrentes nesse ambiente e que são responsáveis pela manutenção, pelo abrigo e pela regência de todas as formas de vida existentes nele.
[…]
Deflui-se do que foi exposto que o conceito de meio ambiente previsto no art. 3º, I, da Lei n. 6.938/81 tem por finalidade (aspecto teleológico) a proteção, o abrigo e a preservação de todas as formas de vida. Para se chegar a esse desiderato, deve-se resguardar o equilíbrio do ecossistema (justamente o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem química, física e biológica). A observação de Antonio Herman V. e Benjamin, como de praxe, foi certeira ao dizer que “(…) do texto de lei, bem se vê que o conceito normativo de meio ambiente é teleologicamente biocêntrico (permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas), mas ontologicamente ecocêntrico (o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem química, física e biológica)”.
[…]
O grande problema da definição de meio ambiente do art. 3º, I, é que o legislador foi demasiadamente abstrato e amplo, especialmente quando a comparamos com o conceito de poluição,3 constante do inciso III do mesmo artigo. Vejamos:
“Art. 3º Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:
I — meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas;
(…)
III — poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente:
a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população;
b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas;
c) afetem desfavoravelmente a biota;
d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente;
e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos; (…).”
Como dito, da conjugação dos incisos I e III resulta um conceito exageradamente amplo e abstrato para o meio ambiente. Isso porque o legislador tratou o meio ambiente como sendo não só o produto resultante da interação de fatores bióticos e abióticos, que são responsáveis pela conservação da vida, mas também inseriu em seu espectro de abrangência (a partir do conceito de poluição) a proteção contra as atividades que direta ou indiretamente:
- prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população;
- criem condições adversas às atividades sociais e econômicas;
- afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente.
Ora, bem se vê que o legislador teve preocupação específica com o homem quando definiu a atividade poluente — numa visão nitidamente antropocêntrica — como aquela que afete o bem-estar, a segurança, as atividades sociais e econômicas da população. Ainda que importantes, são aspectos que pouco têm a ver com a ideia de meio ambiente trazida pelo inciso I, podendo, no máximo, ser enquadrados numa noção artificial e promiscuamente genérica de meio ambiente.4
Ademais, dizer que o meio ambiente corresponde a tudo que seja responsável pela regência, pelo abrigo e pela conservação de todas as formas de vida (inciso I) — acrescentando, ainda, elementos nitidamente artificiais e estritamente humanos (inciso III) — é dar uma resposta vaga e imprecisa. Ainda que tal definição possa ser sociológica e filosoficamente satisfatória, não o é para o operador do direito, para aquele que precisa definir, na prática, qual o objeto de tutela do direito ambiental.
Dada a abstração do conceito de meio ambiente, responder que o objeto de tutela do direito ambiental é o meio ambiente em nada resolveria a referida angústia. É preciso que se obtenha uma resposta mais concreta.
Importante deixar claro que, aqui, nossa preocupação não é com o seu objetivo (aspecto finalista/teleológico), que se sabe ser a proteção de todas as formas de vida e a qualidade dessa mesma vida. Queremos mais, precisamos saber, para operacionalizar o Direito Ambiental, qual o seu conteúdo imediato.
Enfim, é necessário que se encontre o substrato concreto de proteção do Direito Ambiental, sob pena de que, pretendendo ser tudo (vida, bem-estar, qualidade de vida, etc.), não seja nada. Portanto, quanto mais amplo e abstrato o conceito de meio ambiente, menor será a sua eficácia normativa, senão porque não haverá a identificação em concreto do seu objeto de tutela.
Qual é o bem protegido pelo Direito Ambiental?
Quem dá a resposta é o texto constitucional, no caput de seu art. 225, ao dizer que “todos têm direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida (…)”.
Disse, assim, o legislador constituinte que o direito de todos recai sobre um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Portanto, o equilíbrio ecológico é exatamente o bem jurídico (imaterial) que constitui o objeto de direito a que alude o texto constitucional.
Conjugando o mandamento constitucional com a definição de meio ambiente constante do art. 3º, I, da Lei n. 6.938/81 — no sentido de que é formado pela interação de diversos fatores bióticos e abióticos —, temos que o direito ambiental visa proteger exatamente o equilíbrio nessa interação. E mais: a proteção a cada um desses elementos justifica-se na medida em que serve à manutenção desse equilíbrio.
Numa escalada, pode-se dizer que se protegem os elementos bióticos e abióticos e sua respectiva interação, para se alcançar a proteção do meio ambiente ecologicamente equilibrado, porque este bem é responsável pela conservação de todas as formas de vida.
Essa identificação do meio ambiente ecologicamente equilibrado como o bem a ser protegido pelo direito ambiental é de suma importância porque, em última análise, qualquer dano ao meio ambiente agride o equilíbrio ecológico, e, assim, uma eventual reparação deve ter em conta a recuperação, exatamente, desse mesmo equilíbrio.
O meio ambiente artificial (ecossistema social) é objeto de tutela do Direito Ambiental? Seria o Direito Ambiental um direito ecológico, que cuidaria apenas do equilíbrio ecológico da natureza ou, de outra parte, englobaria também o ecossistema artificial, para considerar como seu objeto de proteção componentes artificiais, urbanos, que permitem, abrigam e regem a qualidade de vida do ser humano?
Resumo
- Não é, pois a Constituição Federal reserva tópico distinto para tratar da cultura, da política urbana, da ordem econômica. Além disso, quando trata do meio ambiente, as menções direta são apenas ao meio ambiente natural.
- Também na Lei 6.938\81 a menção é apenas ao meio ambiente natural. O conceito de meio ambiente desse Diploma, como vimos, é ecocêntrico/biocêntrico.
- O econssistema artificial é objeto de outras disciplinas.
- A jurisprudência, contudo, tem adotado conceito mais amplo de meio ambiente, incluindo o meio ambiente artificial.
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A resposta a essas indagações deve ser dada pela própria Constituição Federal, especialmente pelo art. 225, todo dedicado à proteção do meio ambiente.
Primeiramente, fazendo-se uma análise sistemática do texto constitucional, verifica-se que o art. 225 dá forma ao Capítulo VI (Do Meio Ambiente), que, por sua vez, integra o Título VIII (Da Ordem Social).
Ocorre que, no mesmo Título VIII, sob a rubrica do Capítulo III, na Seção II, cuidou-se dos bens culturais. Por sua vez, no Capítulo II do Título VII (Da Ordem Econômica e Financeira), tratou-se da política urbana, regulando a atividade do poder público com vistas à asseguração do bem-estar da população e ao pleno desenvolvimento das cidades.
Assim, o que fica claro, ao menos sob uma exegese sistemática, é que optou o legislador por “isolar” o meio ambiente dos demais ecossistemas artificiais (urbano, cultural, e até mesmo o meio ambiente do trabalho no art. 200, VIII).
Exatamente por isso, não há dúvidas de que o legislador pretendeu considerar, ao menos sistematicamente, o meio ambiente numa perspectiva diversa e destacada do patrimônio cultural, da política urbana e do meio ambiente do trabalho, dando-lhe um enfoque voltado para aspectos da natureza e da ecologia. O enquadramento dos temas não esconde essa intenção.
Não é apenas, porém, a análise sistemática que permite chegar a essa conclusão. O próprio conteúdo das normas insculpidas no art. 225 não dá outra demonstração, senão a de que as normas ali contidas estariam reservadas ao que se denomina meio ambiente natural. Vejamos:
“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
I — Preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; (Regulamento)
II — Preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético; (Regulamento)
III — Definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção; (Regulamento)
IV — Exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade; (Regulamento)
V — Controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente; (Regulamento)
VI — Promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;
VII — Proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade. (Regulamento)
§ 2º Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei.
§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
§ 4º A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.
§ 5º São indisponíveis as terras devolutas ou arrecadadas pelos Estados, por ações discriminatórias, necessárias à proteção dos ecossistemas naturais.
§ 6º As usinas que operem com reator nuclear deverão ter sua localização definida em lei federal, sem o que não poderão ser instaladas.”
Analisando um a um os dispositivos ali contidos, vê-se que o legislador fala em:
- processo ecológico e manejo das espécies (art. 225, § 1º, I);
- diversidade de patrimônio genético (art. 225, § 1º, II);
- espaços territoriais e seus componentes (art. 225, § 1º, III);
- proteção da fauna e da flora e da sua função ecológica, evitando a extinção das espécies (art. 225, § 1º, VII);
- recuperação do meio ambiente degradado pela recuperação das áreas de exploração de recursos minerais;
- florestas e formas de vegetação entendidas como patrimônio nacional e resguardadas dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais e ecossistemas naturais; etc.
Enfim, trata-se de uma série de elementos ligados à ideia de meio ambiente natural. Contudo, nos casos em que isso não está tão explícito (v.g., § 1º, IV, V e VI), não se confirma qualquer ideia de que ali se teria pretendido incluir o meio ambiente do trabalho, o cultural e o urbano.
Por fim, vale lembrar que a conceituação adotada pelo legislador infraconstitucional para o meio ambiente (art. 3º, I, da Lei n. 6.938/81) foi a ecocêntrica/biocêntrica, tal como foi dito anteriormente, simplesmente porque se tutela o ecossistema (conjunto de interações) para salvaguardar, repita-se, todas as formas de vida que dele dependem.
E mais: a definição dos recursos ambientais constante no art. 3º, V, da mesma lei (com redação da Lei n. 7.804/89) diz que são eles: “a atmosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a flora”. São precisamente esses — bióticos e abióticos — que interagem por intermédio dos fatores ambientais (a pressão atmosférica, o calor, o frio, as radiações, etc., também incluídos nesse grupo), para formar o equilíbrio ecológico. Novamente, não há qualquer referência ao meio ambiente artificial.
Por tudo isso, pensamos que apenas o meio ambiente natural, com os fatores/recursos naturais, bióticos e abióticos que o compõem, é objeto de tutela do direito ambiental.
É claro que o ecossistema artificial (urbano, cultural e do trabalho) faz parte do entorno globalmente considerado. Seu tratamento doutrinário e sua proteção legislativa, contudo, devem ser feitos por outras disciplinas, ainda que, tal como o meio ambiente natural, tenha por objetivo a proteção da qualidade de vida.
Isso porque, repitamos, existe uma diferença ontológica entre eles, que se espraia no aspecto teleológico de sua proteção. No meio ambiente natural, a tutela é ecocêntrica: visa atender à proteção de todas as formas de vida. Já o meio ambiente artificial é precipuamente antropocêntrico: sua preocupação principal é com a qualidade de vida da população humana.
Por tudo isso, pensamos que os recursos ambientais se referem aos recursos naturais. Os bens culturais (representativos da valoração humana), por exemplo, embora indisponíveis e igualmente difusos, seriam tutelados por disciplina específica.
[…]
Importante consignar, porém, que a jurisprudência dos Tribunais Superiores tem adotado, na maior parte das vezes, conceito mais largo em relação ao meio ambiente, nele incluindo o que chamamos de ecossistema artificial. Vejamos os seguintes trechos de arestos paradigmas provenientes do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça:
“A incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de motivações de índole meramente econômica, ainda mais se se tiver presente que a atividade econômica, considerada a disciplina constitucional que a rege, está subordinada, dentre outros princípios gerais, àquele que privilegia a “defesa do meio ambiente” (CF, art. 170, VI), que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral” (STF, Tribunal Pleno, ADI 3.540 MC/DF, rel. Min. Celso de Mello, DJ 3-2-2006).
“AMBIENTAL E PROCESSUAL CIVIL. PRESERVAÇÃO ARQUITETÔNICA DO PARQUE LAGE (RJ). ASSOCIAÇÃO DE MORADORES. LEGITIMIDADE ATIVA. PERTINÊNCIA TEMÁTICA CARACTERIZADA. CONCEITO LEGAL DE ‘MEIO AMBIENTE’ QUE ABRANGE IDEAIS DE ESTÉTICA E PAISAGISMO (ARTS. 225, CAPUT, DA CR/88 E 3º, INC. III, ALÍNEAS ‘A’ E ‘D’ DA LEI N. 6.938/81). (…)
- Em primeiro lugar, a Constituição da República vigente expressamente vincula o meio ambiente à sadia qualidade de vida (art. 225, caput), daí por que é válido concluir que a proteção ambiental tem correlação direta com a manutenção e melhoria da qualidade de vida dos moradores do Jardim Botânico (RJ).
- Em segundo lugar, a legislação federal brasileira que trata da problemática da preservação do meio ambiente é expressa, clara e precisa quanto à relação de continência existente entre os conceitos de loteamento, paisagismo e estética urbana e o conceito de meio ambiente, sendo que este último abrange os primeiros.
- Neste sentido, importante citar o que dispõe o art. 3º, inc. III, alíneas ‘a’ e ‘d’, da Lei n. 6.938/81, que considera como poluição qualquer degradação ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente prejudiquem a saúde e o bem-estar da população e afetem condições estéticas do meio ambiente. (…)” (STJ, 2ª Turma, REsp 876.931/RJ, rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJ 10-9-2010).
No mesmo sentido, Medida Cautelar n. 21.879/RJ (2013/0371446-1), Min. Napoleão Nunes Maia Filho, publicado em: 5-11-2013 (STJ) e Agravo em Recurso Especial n. 454.215/RO (2013/0416719-2), Min. Humberto Martins, publicado em: 13-2-2014 (STJ).
Qual a natureza jurídico do bem ambiental?
Ao falar, no art. 225, que é um bem de uso comum do povo, não produziu simples coincidência com o art. 99, inciso I, do Código Civil.10 Pelo contrário, a intenção do constituinte, ao repetir a expressão constante no diploma civil, foi a de que tal bem teria regime jurídico de bem público e como tal deveria ser tratado.
Disso resulta o fato de serem inalienáveis e de não estarem sujeitos à usucapião (CC, arts. 100 e 102, respectivamente). Ademais, como são de necessidade geral, precisam ser geridos e regulamentados pelo Poder Público, tal como afirma o § 1º do art. 225, pois seria verdadeiramente impossível esperar que tais bens, preciosos do ponto de vista ecológico, social e econômico, ficassem ao sabor da proteção e da gestão privadas. É só por isso que se fala em bens públicos (regidos pelo Poder Público).11
E mais: trata-se de um tipo de bem cuja titularidade pertence ao povo, estando atado em um liame que une cada cidadão, pelo simples fato de que todos são “donos” — e ao mesmo tempo responsáveis — do mesmo bem. Jamais será possível identificar cada um dos componentes do povo que é titular desse bem. Seus titulares são, assim, indetermináveis.
O que é a reflexibilidade, uma das caracterísicas do bem ambiental?
Exatamente porque esses bens ambientais são essenciais à vida de todos os seres vivos, e também porque esses mesmos bens são matéria-prima para tantas outras atividades artificiais (econômicas, sociais e culturais), não é incomum que a lesão ao equilíbrio ecológico cause, reflexamente, lesão a outros direitos privados.
Eis aí o caráter da reflexibilidade do bem ambiental. Assim, por exemplo, se uma grande empresa exploradora de petróleo é responsável pelo derramamento de óleo numa praia, é possível que, além do prejuízo ambiental (degradação do meio ambiente e equilíbrio ecológico), ocasione também lesão a direitos (dano por ricochete, art. 14, § 1º, da Lei n. 6.938/81) de índole privada, por exemplo, aos pescadores, que são impedidos de exercer a profissão em razão da degradação, ou às pessoas em geral, que se contaminaram ao se banhar naquelas águas.
Qual é a abrangência do conceito de poluidor segundo a lei?
Interessante, nesse diapasão, notar que o transcrito art. 3º, IV, da Lei n. 6.938/81 estabelece que será poluidor quem direta ou indiretamente cause degradação ao meio ambiente.
Tal fato é importantíssimo para a efetividade do direito ao meio ambiente, porque não é raro se tornar praticamente impossível identificar aquele que praticou a atividade que causou a degradação do meio ambiente.
Basta, portanto, a relação indireta entre a atividade e a degradação do meio ambiente. Isso tem enorme relevância no estudo do nexo causal e, portanto, nas regras de ônus da prova nas demandas ambientais (responsabilidade objetiva).
Adota-se, ainda, a regra da responsabilidade solidária pelos prejuízos ecológicos. Assim, todas as pessoas que de alguma forma causaram degradação ao meio ambiente são responsáveis conjuntamente pelo desequilíbrio ecológico e, por isso, respondem solidariamente pelos danos causados ao meio ambiente.
É essa, felizmente, a linha que vem prevalecendo em julgados do Superior Tribunal de Justiça. É o que fica claro a partir do seguinte trecho de clássico aresto:
“(…) O conceito de poluidor, no Direito Ambiental brasileiro, é amplíssimo, confundindo-se, por expressa disposição legal, com o de degradador da qualidade ambiental (…). 12. Para o fim de apuração do nexo de causalidade no dano urbanístico-ambiental e de eventual solidariedade passiva, equiparam-se quem faz, quem não faz quando deveria fazer, quem não se importa que façam, quem cala quando lhe cabe denunciar, quem financia para que façam e quem se beneficia quando outros fazem (…)” (STJ, 2ª Turma, REsp 1.071.741/SP, rel. Min. Herman Benjamin, DJ 16-12-2010).