Direito Ambiental esquematizado Flashcards

1
Q

A diferenciação entre interesse individual e interesse coletivo se dá em razão do seu objeto ou dos sujeitos que são seus titulares?

A

Quando pretendemos classificar um interesse como coletivo ou individual, devemos ter atenção redobrada para saber se os termos individual e coletivo, que classificam o interesse como tal, referem-se ao seu aspecto subjetivo ou ao seu aspecto objetivo.

Tentando ser mais claro, a pergunta que deve ser feita é a seguinte: um interesse é considerado coletivo (não individual) pela indivisibilidade do seu objeto (que ao satisfazer o interesse de um ou todos o faz por causa da raiz [indivisibilidade do objeto] única) ou pela soma de vontades dos sujeitos (aspecto subjetivo)?

Bem, sabemos que a resposta a esta indagação é um “nó daqueles”, cujo desate não é fácil. Trata-se de um problema que mesmo os juristas italianos, embora avançados no seu estudo, ainda não conseguiram dirimir, não nos sendo permitido afirmar que exista um conceito sedimentado.2 Resta-nos, portanto, adotar esta ou aquela posição, tendo em vista o direito positivo brasileiro.

[…]

Outrossim, entendemos que pretender sustentar que o interesse coletivo refere-se a fenômenos corporativos, como mera soma de interesses individuais, é negar a realidade que se vive e na qual existem interesses de toda ordem que superam a noção do indivíduo, centrando-se num ideário que transcende a noção egoística e repousa na esfera transindividual.

Há que se dizer ainda que essa noção transindividual (supraindividual ou metaindividual) deve ser assim entendida não apenas porque em muitos casos os interesses são de titulares indeterminados (ou indetermináveis), mas, principalmente, e este parece ser um ponto nodal, porque não pertencem ao indivíduo considerado egoisticamente, mas, sim, como integrante de um corpo, de uma categoria, ou até mesmo como membro da sociedade coletivamente considerada (cidadão).

[…]

Retomando o que foi antes exposto, vemos que o legislador tinha a opção de definir os direitos coletivos a partir de seu aspecto objetivo (objeto) ou de seu aspecto subjetivo (sujeito). Preferiu, como ficará claro, mesclar a utilização de ambos os critérios.

No transcrito art. 81, parágrafo único, pode-se identificar claramente dois grupos distintos: os direitos e interesses essencialmente coletivos e os acidentalmente coletivos.

[…]

Os interesses e direitos difusos e coletivos são denominados de essencialmente coletivos porque têm em comum o traço da transindividualidade de seus titulares e a indivisibilidade de seu objeto.

Levando-se em consideração suas definições, em contraste com a dos individuais homogêneos (acidentalmente coletivos), percebe-se que o nosso legislador teve grande inclinação pelo critério objetivo.

Pelo critério objetivo (a indivisibilidade do bem), faz-se crer que a necessidade individual de cada um dos titulares é irrelevante na fruição e na proteção desse mesmo bem. Se o bem é indivisível, pode-se dizer que, independentemente do vínculo que possa existir entre os sujeitos titulares, o fato é que a satisfação de um implica a de todos eles.

Em outros termos, significa afirmar que a indivisibilidade do bem faz com que todos os seus titulares se encontrem em posição idêntica sobre o objeto do interesse.9

Assim é que o caráter transindividual dos direitos essencialmente coletivos não é a pedra de toque que nos permite distinguir os difusos dos coletivos propriamente ditos, já que nenhum deles pertence ao indivíduo egoisticamente falando, segundo o legislador. Ambos são, destarte, transindividuais.

No caso dos coletivos, pertencem ao sujeito enquanto partícipe de um grupo, categoria ou classe de pessoas bem definida por uma relação jurídica base.

Já para o caso dos difusos, também definidos como transindividuais pelo legislador, tais “interesses não encontram apoio em uma relação-base bem definida, reduzindo-se o vínculo entre as pessoas a fatores conjunturais ou extremamente genéricos, a dados de fato frequentemente acidentais e mutáveis: habitar a mesma região, consumir o mesmo produto, viver sob determinadas condições socioeconômicas, sujeitar-se a determinados empreendimentos, etc.”.10

Pode-se concluir, pela rasa leitura dos incisos I e II do art. 81, parágrafo único, do CDC, que o divisor de águas entre o interesse difuso e o interesse coletivo é o aspecto subjetivo. Assim, se o critério objetivo foi o determinante para colocá-los na vala comum dos interesses essencialmente coletivos, foi o critério subjetivo que o legislador adotou para diferenciar um do outro.

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2
Q

O que é um conflito supra individual?

A

Resumo

O tipo de conflito supraindividual seria aquele em que, independentemente da posição jurídica que ocupasse no processo, estaria em jogo a contenda envolvendo um interesse que transcendesse a noção de indivíduo, e no qual a raiz do direito se restringiria a um mesmo ato-fato-tipo, ou seja, um fato-ato padrão que é comum em relação a todos. Já o individual seria aquele em que nenhuma dessas nuances estaria presente e, ao contrário, as características individuais do sujeito seriam marcantes, essenciais, exclusivas.

Livro

Não há nenhuma dúvida de que o tipo marcante de conflito de interesses da nossa sociedade industrial capitalista é o que tipifica uma cultura de massa. Prova disso é que todos nós, ou alguém que nos seja próximo, já tivemos algum tipo de conflito de interesses envolvendo operadoras de telefonia, de televisão e internet, prestadoras de serviços bancários e instituições financeiras, cobranças indevidas de serviços essenciais como água, luz, esgoto (e, por outro lado, uma ausência de serviços fundamentais como segurança, saúde nos hospitais públicos, educação nas escolas), tributos cobrados indevidamente pelo poder público, falhas de mercado em produtos de massa como carros, softwares, telefones, medicamentos, mensalidades escolares, etc. Por outro lado, dificilmente alguém dirá que tem um problema judicial envolvendo uma briga de vizinhos pelo uso inadequado da garagem, pela aula particular que não tenha sido paga ao professor, por violação dos limites demarcatórios de um imóvel rural, etc. Não que eles não existam, mas, atualmente, estes exemplos são exceção à regra.

Tomando de exemplo um desses segmentos mencionados acima (v.g. telefonia), é de se observar que, dentro dos universos de clientes lesados, existem muitos outros “universos” ou “segmentos” de clientes que o são: os lesados pela cobrança abusiva, os lesados pela falha na velocidade da internet contratada etc. São milhares de consumidores, cada um no seu “grupo de lesados”, que são ofendidos pelo mesmo ato-fato-tipo praticado pela empresa de telefonia. Observe, precisamente, que o fato de a operadora de telefonia praticar uma conduta ilícita contra um consumidor, e depois contra outro, e depois contra mais outro, numa espécie de ilícito padrão que se repete em cadeia, faz com que esse conflito não seja individual, do consumidor A contra a operadora, mas sim um conflito de massa, coletivo, porque ali, naquele caso, o ilícito não é contra aquele consumidor específico, mas contra um modelo padrão de consumidor que é fordianamente atingido.

Assim, ante este cenário da sociedade intensamente massificada, podem-se identificar dois grandes grupos de conflitos de interesses na nossa sociedade de massa: os individuais e os supraindividuais.

O tipo de conflito supraindividual seria aquele em que, independentemente da posição jurídica que ocupasse no processo, estaria em jogo a contenda envolvendo um interesse que transcendesse a noção de indivíduo, e no qual a raiz do direito se restringiria a um mesmo ato-fato-tipo, ou seja, um fato-ato padrão que é comum em relação a todos. Já o individual seria aquele em que nenhuma dessas nuances estaria presente e, ao contrário, as características individuais do sujeito seriam marcantes, essenciais, exclusivas.

Registre-se que talvez essa classificação ou divisão fosse suficiente para que nosso legislador criasse algumas técnicas ou procedimentos especiais para atender de forma mais rente às lides coletivas, sempre a partir de uma verificação in concreto e pragmática por parte do magistrado (c.v. o art. 554, §§ 1º a 3º, que trata das ações possessórias envolvendo conflitos coletivos). Contudo, ele foi além, por razões de ordem cultural e política, e criou conceitos abstratos, teóricos e muito pouco claros de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, como explicitaremos em seguida, sem se atentar para o dinamismo com que se entrelaçam e se movimentam na sociedade de massa.

Deixou o pragmatismo de lado e fez uma classificação tripartite de direitos supraindividuais, estabelecendo alguns procedimentos abstratos diferentes para eles.

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3
Q

Diferencie os direitos difusos, coletivos e individuais homogêncios, considerando os preceitos do Código de Defesa do Consumidor.

A

Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.

Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;

II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;

III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.

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4
Q

Em que consiste o interesse coletivo propriamente dito?

A

Resumo

Em resumo, o interesse coletivo (organizado entre si ou não) será coletivo por causa do seu objeto indivisível que pertença a um número determinável de titulares.

Livro

A redação do inciso II (interesses coletivos) do art. 81, parágrafo único, do CDC faz crer que o seu titular é um grupo, categoria ou classe de pessoas.

O vínculo que permite identificar esse grupo/categoria/classe vem descrito da seguinte forma na norma em comento: ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base.

Significa dizer que o grupo, a categoria ou a classe de pessoas estão ligados entre si (relação institucional, como uma associação, um sindicato, uma federação, etc.) ou, alternativamente, é possível que esse vínculo jurídico emane da própria relação jurídica existente com a parte contrária. A relação “entre si” a que alude o legislador pode-se dar antes de um ilícito ou ser derivada de um ilícito comum. Certamente que, no primeiro caso, existe mais coesão e, portanto, menos conflituosidade interna.

A preocupação do legislador em estender a proteção ao grupo de pessoas que não possuam vínculo entre si, mas, sim, com a parte contrária, decorre do fato de que, não sendo obrigatório o associativismo (liberdade pública), é possível que mesmo a pessoa não sendo associada a uma categoria, ainda assim seja titular de um direito coletivo, pelo simples fato de que possui, como o associado, uma relação jurídica base com a parte contrária.

Assim, por exemplo, numa demanda proposta pelo sindicato para obrigar o patrão a colocar filtro sonoro no interior da fábrica, serão titulares de direito coletivo e, portanto, atingidos pela coisa julgada tanto aquele que seja quanto o que não seja sindicalizado.

Não é, portanto, a existência de um eventual vínculo associativista que faz com que o direito seja coletivo.

Este parece ter sido o motivo de se dizer no art. 81, parágrafo único, II, do CDC que o titular é o grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base.

As expressões grupo, categoria ou classe de pessoas devem ser compreendidas como classe de pessoas que sejam titulares (enquanto coletividade) de um objeto indivisível.

Aliás, a regra da coisa julgada prevista no CDC em seu art. 103, II, é correspondente ao art. 81, parágrafo único, II, do mesmo código, e confirma o que foi afirmado no texto. Tanto que fala em coisa julgada ultra partes, mas limitada ao grupo, categoria ou classe, expondo claramente que a coisa julgada neste caso não se aplica somente ao ente coletivo impulsionador da demanda, mas àquelas pessoas que estejam a ele filiadas ou não, enfim, àquelas que sejam titulares do objeto tutelado.

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5
Q

O que distingue o interesse difuso do interesse coletivo?

A

Resumo

  • Os titulares dos direitos difusos são indetermináveis; dos direitos coletivos, determináveis.
  • O direito coletivo envolve um interesse de caráter privado de um grupo. Já o direito difuso tem um caráter público, não exclusivo. Daí o efeito da coisa julgada relativa a esse direito ser erga omnes.

Livro

Segundo o transcrito parágrafo único do art. 81 do CDC, a distinção entre interesse difuso e interesse coletivo se faz por intermédio da determinabilidade dos titulares do interesse: enquanto neste são determináveis, naquele são indetermináveis.

Entretanto, esta não nos parece ser a única distinção entre um e outro. A diferença entre o interesse difuso e o interesse coletivo é ontológica, porque, enquanto o interesse coletivo está diretamente ligado ao atendimento de um interesse privado de uma coletividade, exclusivo e egoísta dessa mesma coletividade, que quase sempre se organiza para atender a suas exigências e pretensões (caráter egoísta em prol da coletividade), o interesse difuso possui uma veia pública, não exclusiva, heterogênea (por causa da dispersão) e plural.

Nesse ponto, o critério da exclusividade do interesse também merece destaque e, de certa forma, decorre dessa dispersão do aspecto subjetivo que distancia um do outro. Ora, se no interesse coletivo os titulares são determináveis, então é sinal de que existe o caráter exclusivo de fruição desse interesse por parte da categoria a qual o interesse pertença. É exatamente esse aspecto que se pode dizer caracterizar um interesse egoísta (em prol apenas daquela coletividade determinada) e visando atender aos interesses concretos de cada um de seus membros.

Já no interesse difuso, por seu grau de dispersão e pela indeterminabilidade de seus titulares, não se pode atribuir qualquer tipo de exclusividade na fruição do objeto do interesse. Tanto isso é verdade que o vínculo que une os titulares desse direito é apenas uma circunstância de fato, tal como determina o CDC, art. 81, parágrafo único. O exposto é endossado, ainda, pela regra da coisa julgada (art. 103, I), no sentido de que esta tem eficácia erga omnes.

Não há dúvidas de que existe uma limitação dos titulares de um interesse difuso. Todavia, torna-se impossível a demarcação desse limite, simplesmente porque não se pode identificar cada um dos titulares e, mais ainda, porque o elo entre tais sujeitos é uma circunstância de fato, caracterizando-se, pois, por um estado de fluidez completo, instável e contemporâneo.

Assim, o que une os titulares do direito difuso é algo circunstancial e fluido, tal como o fato de serem, por exemplo, consumidores de um produto, moradores de um bairro, etc.

Também por isso, é clara e induvidosa a possibilidade de conflituosidade interna entre os titulares, muito mais acentuada do que no interesse coletivo, já que no interesse difuso a ligação entre os membros titulares são meras circunstâncias de fato.

Fica claro, ainda, que o interesse difuso é heterogêneo e isso decorre do fato de o vínculo que une os seus titulares ser circunstancial (habitantes de uma mesma região, consumidores de um mesmo produto, etc.), ao passo que o interesse coletivo é homogêneo, na medida em que a coletividade persegue interesses previsivelmente queridos pelos seus membros. Aliás, é justamente o vínculo organizacional e corporativista de uma categoria que prevalece no interesse coletivo, resultando daí a homogeneidade mencionada.

Também se assevere que, se os interesses difusos possuem uma “veia pública”, é porque a indeterminabilidade de seus sujeitos pressupõe o raciocínio de que o interesse em jogo é disperso, de tal maneira que atinge um número ilimitado de pessoas, dando-lhe uma conotação publicista.

Já os interesses coletivos são coletivos seja para dez, vinte, trinta ou mil pessoas, porém sempre determináveis. Visam o benefício de cada uma dessas pessoas como partícipes dessa coletividade e de mais ninguém que não seja titular desse interesse. Exatamente por isso é que se diz possuir uma veia privatística (da categoria).

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6
Q

Diferencie os interesse difusos, coletivos e individuais homogênios (ou acidentalmente coletivos).

A
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7
Q

Em que consiste o interesse público?

A

Resumo

  • O conteúdo do interesse público não pode ser definido em abstrato, senão apenas diante do caso concreto, levando em conta os ditames da Constituição Federal e harmonizando os diferentes interesse em jogo, utilizando, se for o caso, o princípio da proporcionalidade.
  • Segundo o autor, interesse público primário se confunde com direito difuso.

Livro

Admitindo-se, pois, que a República Federativa do Brasil é um Estado Democrático de Direito e que o seu poder emana do povo, e considerando-se ainda que o Estado atua por intermédio de funções legislativas, executivas e judiciárias, certamente teremos que o conteúdo do que é interesse público deve estar inserido no texto constitucional brasileiro e, portanto, a sua persecução pode ser feita por intermédio dos três poderes.

É o que ensina Carlos Alberto de Salles: “Na verdade, qualquer decisão social, produzida ou não através dos vários mecanismos estatais, incorpora opções por um entre vários interesses relevantes, traduzindo uma dada avaliação sobre qual deles, em uma determinada alocação de recursos públicos (bens ou serviços), melhor atende ao objetivo social que se quer alcançar por meio de uma determinada ação. A essência de qualquer política pública, levada adiante pelo executivo, legislativo ou judiciário, é distinguir e diferenciar, realizando a distribuição dos recursos disponíveis na sociedade”.

Pelo que foi exposto, portanto, o Estado, nas três esferas de poder (legislativo, executivo e judiciário), realiza o interesse público em cada momento específico em que exercita a sua função típica, levando em consideração as regras basilares da Constituição Federal.

Exatamente por isso, colocamos em xeque a existência de um interesse público geral que não seja o abstrato (bem-estar, harmonia da sociedade, ordem pública, etc.), porque, quando se pretende exercê-lo na prática, certamente diversos interesses serão excluídos da esfera de proteção por “opção” do ente político no exercício de sua função.

Diante disso, preferimos dizer que o acerto está com Colaço Antunes, para quem os interesses públicos “são finalidades concretas, que os órgãos e entes públicos devem realizar, e que num ordenamento de base pluralista há tantos interesses públicos como comunidades existentes no âmbito do mesmo. (…) isto quer dizer que o interesse público como entidade única não existe mais, ou melhor, existe só em abstracto, existindo na realidade, como consequência dos confrontos e dos conflitos entre particulares, públicos e coletivos, o interesse público concreto”.

Em conclusão ao que foi exposto, podemos dizer que, com a transformação do Estado de liberal para social, o interesse público deixou de ser aquilo que não era individual para ser aquilo que é do povo.

Essa mudança de postura estatal (de omissiva a comissiva) fez com que diversos direitos relativos à entrega de qualidade de vida passassem a ser exigidos pela sociedade, impondo-se um dever ao Estado de prestá-los. Nesse ponto, o papel do Estado passou a ser o de efetivar os interesses públicos primários (cujo titular é o povo), separando-os daqueles que correspondem ao seu interesse privado (secundário) e que só podem ser perseguidos quando não confrontem com o interesse primário.

O conteúdo desses interesses primários, numa sociedade pluralista como a nossa, só se define no caso concreto, pela proteção desta ou daquela situação pelo ente político competente no exercício de sua função. O fim almejado na adoção desta ou daquela posição pelo Estado deve ter por norte as regras e os princípios constitucionais abstratamente considerados.

Interessante notar que mesmo o Superior Tribunal de Justiça já deixou assentada a impossibilidade de se definir aprioristicamente, em abstrato, o que seria ou não de interesse público. Trata-se, segundo afirma, de conceito jurídico indeterminado, a ser preenchido caso a caso. Vejamos trecho de ementa do julgamento do REsp 786.328/RS:

“Pode-se afirmar, utilizando a classificação de Engisch, que interesse social encerra conceito jurídico indeterminado (porque o seu ‘conteúdo e extensão são em larga medida incertos’) e normativo (porque ‘carecido de um preenchimento valorativo’), e sua função ‘em boa parte é justamente permanecerem abertos às mudanças das valorações’.

Conforme observou o Ministro Sepúlveda Pertence, em voto proferido no Supremo Tribunal Federal, ‘é preciso ter em conta que o interesse social não é um conceito axiologicamente neutro, mas, ao contrário — e dado o permanente conflito de interesses parciais inerente à vida em sociedade — é ideia carregada de ideologia e valor, por isso, relativa e condicionada ao tempo e ao espaço em que se deva afirmar’.

É natural, portanto, que os interesses sociais não comportem definições de caráter genérico com significação unívoca. Como demonstrou J. J. Calmon de Passos, ‘a individualização do interesse público não ocorre, de uma vez por todas, em um só momento, mas deriva da constante combinação de diversas influências, algumas das quais provêm da experiência passada, enquanto outras nascem da escolha que cada operador jurídico singular cumpre, hic et nunc, no exercício da função que lhe foi atribuída. Assim, a atividade para individualização dos interesses públicos é uma atividade de interpretação de atos e fatos e normas jurídicas (recepção dos interesses públicos fixados no curso da experiência jurídica anterior) e em parte é uma valoração direta da realidade pelo operador jurídico, atendidos os pressupostos ideológicos e sociais que o informam e à sociedade em que vive, submetidos à ação dos fatos novos, capazes de modificar juízos anteriormente irreversíveis’” (STJ, 1ª Turma, REsp 786.328/RS, Min. Luiz Fux, DJ 8-11-2007).

Os direitos difusos seriam, portanto, esses interesses protegidos pelo Estado em cada caso concreto. Isso nos permite antever a existência de “choques” de interesses difusos dentro de uma mesma comunidade, cabendo ao Estado, no exercício da função, proteger este ou aquele segundo os ditames constitucionais. Estes choques serão resolvidos pelo uso do princípio da proporcionalidade, que permite sobrepor, usando a máxima do sopesamento (mal maior e mal menor, no caso concreto), qual deve ser o princípio utilizado pelo operador do direito e, portanto, qual o interesse tutelado.

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8
Q

Qual é a diferença entre interesse público e interesse legítimo?

A

Segundo Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, os interesses legítimos podem ser definidos como “(…) interesses ocasionalmente protegidos e direitos imperfeitos. Conferem interesse legítimo aos administrados as normas de direito objetivo que regem a realização de interesse coletivo, mas, reflexamente, ao mesmo tempo, satisfazem o interesse de determinados indivíduos. Assim, tais particulares, a que as regras objetivas concretamente atingem, têm interesse especial na sua observância”.21

Para exemplificar a figura supracitada, Mancuso22 assevera que a “norma jurídica que protege os mananciais de água potável é direcionada à generalidade da população, uma vez que intenta preservar a qualidade de vida; todavia, acaba conferindo uma proteção especial àquela parcela da população que habita nas proximidades desses mananciais; e que, de fato, tem mais interesse do que terceiros em que tais mananciais sejam preservados”.

Portanto, os interesses legítimos seriam aqueles que têm uma proteção reflexa, já que o objeto precípuo de tutela da norma não seria o direito individual. Porém, protegendo-se o interesse geral, acabam-se tutelando, por tabela, interesses particulares.

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9
Q

O que marca a terceira fase do Direito Ambiental? Qual é a legislação que lhe dá início?

A

Se nas duas fases anteriores a preocupação maior das leis ambientais, apesar da evolução, era sempre o ser humano, o que se viu a partir da década de 1980 foi uma verdadeira mudança de paradigma: não seria mais o homem o centro das atenções, mas o meio ambiente em si mesmo considerado.

Para tanto, pode-se afirmar que a Lei n. 6.938/81 (Política Nacional do Meio Ambiente) foi, por assim dizer, o marco inicial dessa grande virada. Foi ela o primeiro diploma legal que cuidou do meio ambiente como um direito próprio e autônomo. Nunca é demais lembrar que, antes disso, a proteção do meio ambiente era feita de modo mediato, indireto e reflexo, na medida em que ocorria apenas quando se prestava tutela a outros direitos, tais como o direito de vizinhança, propriedade, regras urbanas de ocupação do solo, etc.

[…]

A verdade é que a Lei n. 6.938/81 introduziu um novo tratamento normativo para o meio ambiente. Primeiro, porque deixou de lado o tratamento atomizado em prol de uma visão molecular, considerando o entorno como um bem único, imaterial e indivisível, digno de tutela autônoma.

O próprio conceito de meio ambiente adotado pelo legislador (art. 3º, I) extirpa a noção antropocêntrica, deslocando para o eixo central de proteção do ambiente todas as formas de vida. A concepção passa a ser, assim, biocêntrica, a partir da proteção do entorno globalmente considerado (ecocentrismo). Há, ratificando, nítida intenção do legislador em colocar a proteção da vida no plano primário das normas ambientais. Repita-se: todas as formas de vida.

Dessa forma, é apenas a partir da Lei n. 6.938/81 que podemos falar verdadeiramente em um direito ambiental como ramo autônomo da ciência jurídica brasileira e não como um apêndice do direito administrativo. A proteção do meio ambiente e de seus componentes bióticos e abióticos (recursos ambientais) compreendidos de uma forma unívoca e globalizada deu-se a partir desse diploma.

Em resumo, o fato de marcar uma nova fase do direito ambiental deve-se, basicamente, aos seguintes aspectos:

  • Adotou um novo paradigma ético em relação ao meio ambiente: colocou em seu eixo central a proteção a todas as formas de vida. Encampou, pois, um conceito biocêntrico (art. 3º, I).
  • Adotou uma visão holística do meio ambiente: o ser humano deixou de estar ao lado do meio ambiente e passou a estar inserido nele, como parte integrante, dele não podendo ser dissociado.
  • Considerou o meio ambiente um objeto autônomo de tutela jurídica: deixou este de ser mero apêndice ou simples acessório em benefício particular do homem, passando a permitir que os bens e componentes ambientais fossem protegidos independentemente dos benefícios imediatos que poderiam trazer para o ser humano.
  • Estabeleceu conceitos gerais: tendo assumido o papel de norma geral ambiental, suas diretrizes, objetivos, fins e princípios devem ser mantidos e respeitados, de modo que sirva de parâmetro, verdadeiro piso legislativo para as demais normas ambientais, seja de caráter nacional, estadual ou municipal.
  • Criou uma verdadeira política ambiental: estabeleceu diretrizes, objetivos e fins para a proteção ambiental.
  • Criou um microssistema de proteção ambiental: contém, em seu texto, mecanismos de tutela civil,9 administrativa e penal do meio ambiente.
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10
Q

Conceitue meio ambiente nos termos previsto em lei.

A

“Art. 3º Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:

I — meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas; (…).”1

Porquanto as palavras “meio” e “ambiente” signifiquem o entorno, aquilo que envolve, o espaço, o recinto, a verdade é que quando os vocábulos se unem, formando a expressão “meio ambiente”, não vemos aí uma redundância como sói dizer a maior parte da doutrina, senão porque cuida de uma entidade nova e autônoma, diferente dos simples conceitos de meio e de ambiente. O alcance da expressão é mais largo e mais extenso do que o de simples ambiente.

Portanto, a expressão “meio ambiente”, como se vê na conceituação do legislador da Lei n. 6.938/81, não retrata apenas a ideia de espaço, de simples ambiente. Pelo contrário, vai além para significar, ainda, o conjunto de relações (físicas, químicas e biológicas) entre os fatores vivos (bióticos) e não vivos (abióticos) ocorrentes nesse ambiente e que são responsáveis pela manutenção, pelo abrigo e pela regência de todas as formas de vida existentes nele.

[…]

Deflui-se do que foi exposto que o conceito de meio ambiente previsto no art. 3º, I, da Lei n. 6.938/81 tem por finalidade (aspecto teleológico) a proteção, o abrigo e a preservação de todas as formas de vida. Para se chegar a esse desiderato, deve-se resguardar o equilíbrio do ecossistema (justamente o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem química, física e biológica). A observação de Antonio Herman V. e Benjamin, como de praxe, foi certeira ao dizer que “(…) do texto de lei, bem se vê que o conceito normativo de meio ambiente é teleologicamente biocêntrico (permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas), mas ontologicamente ecocêntrico (o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem química, física e biológica)”.

[…]

O grande problema da definição de meio ambiente do art. 3º, I, é que o legislador foi demasiadamente abstrato e amplo, especialmente quando a comparamos com o conceito de poluição,3 constante do inciso III do mesmo artigo. Vejamos:

“Art. 3º Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:

I — meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas;

(…)

III — poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente:

a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população;
b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas;
c) afetem desfavoravelmente a biota;
d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente;
e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos; (…).”

Como dito, da conjugação dos incisos I e III resulta um conceito exageradamente amplo e abstrato para o meio ambiente. Isso porque o legislador tratou o meio ambiente como sendo não só o produto resultante da interação de fatores bióticos e abióticos, que são responsáveis pela conservação da vida, mas também inseriu em seu espectro de abrangência (a partir do conceito de poluição) a proteção contra as atividades que direta ou indiretamente:

  • prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população;
  • criem condições adversas às atividades sociais e econômicas;
  • afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente.

Ora, bem se vê que o legislador teve preocupação específica com o homem quando definiu a atividade poluente — numa visão nitidamente antropocêntrica — como aquela que afete o bem-estar, a segurança, as atividades sociais e econômicas da população. Ainda que importantes, são aspectos que pouco têm a ver com a ideia de meio ambiente trazida pelo inciso I, podendo, no máximo, ser enquadrados numa noção artificial e promiscuamente genérica de meio ambiente.4

Ademais, dizer que o meio ambiente corresponde a tudo que seja responsável pela regência, pelo abrigo e pela conservação de todas as formas de vida (inciso I) — acrescentando, ainda, elementos nitidamente artificiais e estritamente humanos (inciso III) — é dar uma resposta vaga e imprecisa. Ainda que tal definição possa ser sociológica e filosoficamente satisfatória, não o é para o operador do direito, para aquele que precisa definir, na prática, qual o objeto de tutela do direito ambiental.

Dada a abstração do conceito de meio ambiente, responder que o objeto de tutela do direito ambiental é o meio ambiente em nada resolveria a referida angústia. É preciso que se obtenha uma resposta mais concreta.

Importante deixar claro que, aqui, nossa preocupação não é com o seu objetivo (aspecto finalista/teleológico), que se sabe ser a proteção de todas as formas de vida e a qualidade dessa mesma vida. Queremos mais, precisamos saber, para operacionalizar o Direito Ambiental, qual o seu conteúdo imediato.

Enfim, é necessário que se encontre o substrato concreto de proteção do Direito Ambiental, sob pena de que, pretendendo ser tudo (vida, bem-estar, qualidade de vida, etc.), não seja nada. Portanto, quanto mais amplo e abstrato o conceito de meio ambiente, menor será a sua eficácia normativa, senão porque não haverá a identificação em concreto do seu objeto de tutela.

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11
Q

Qual é o bem protegido pelo Direito Ambiental?

A

Quem dá a resposta é o texto constitucional, no caput de seu art. 225, ao dizer que “todos têm direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida (…)”.

Disse, assim, o legislador constituinte que o direito de todos recai sobre um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Portanto, o equilíbrio ecológico é exatamente o bem jurídico (imaterial) que constitui o objeto de direito a que alude o texto constitucional.

Conjugando o mandamento constitucional com a definição de meio ambiente constante do art. 3º, I, da Lei n. 6.938/81 — no sentido de que é formado pela interação de diversos fatores bióticos e abióticos —, temos que o direito ambiental visa proteger exatamente o equilíbrio nessa interação. E mais: a proteção a cada um desses elementos justifica-se na medida em que serve à manutenção desse equilíbrio.

Numa escalada, pode-se dizer que se protegem os elementos bióticos e abióticos e sua respectiva interação, para se alcançar a proteção do meio ambiente ecologicamente equilibrado, porque este bem é responsável pela conservação de todas as formas de vida.

Essa identificação do meio ambiente ecologicamente equilibrado como o bem a ser protegido pelo direito ambiental é de suma importância porque, em última análise, qualquer dano ao meio ambiente agride o equilíbrio ecológico, e, assim, uma eventual reparação deve ter em conta a recuperação, exatamente, desse mesmo equilíbrio.

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O meio ambiente artificial (ecossistema social) é objeto de tutela do Direito Ambiental? Seria o Direito Ambiental um direito ecológico, que cuidaria apenas do equilíbrio ecológico da natureza ou, de outra parte, englobaria também o ecossistema artificial, para considerar como seu objeto de proteção componentes artificiais, urbanos, que permitem, abrigam e regem a qualidade de vida do ser humano?

A

Resumo

  • Não é, pois a Constituição Federal reserva tópico distinto para tratar da cultura, da política urbana, da ordem econômica. Além disso, quando trata do meio ambiente, as menções direta são apenas ao meio ambiente natural.
  • Também na Lei 6.938\81 a menção é apenas ao meio ambiente natural. O conceito de meio ambiente desse Diploma, como vimos, é ecocêntrico/biocêntrico.
  • O econssistema artificial é objeto de outras disciplinas.
  • A jurisprudência, contudo, tem adotado conceito mais amplo de meio ambiente, incluindo o meio ambiente artificial.

Livro

A resposta a essas indagações deve ser dada pela própria Constituição Federal, especialmente pelo art. 225, todo dedicado à proteção do meio ambiente.

Primeiramente, fazendo-se uma análise sistemática do texto constitucional, verifica-se que o art. 225 dá forma ao Capítulo VI (Do Meio Ambiente), que, por sua vez, integra o Título VIII (Da Ordem Social).

Ocorre que, no mesmo Título VIII, sob a rubrica do Capítulo III, na Seção II, cuidou-se dos bens culturais. Por sua vez, no Capítulo II do Título VII (Da Ordem Econômica e Financeira), tratou-se da política urbana, regulando a atividade do poder público com vistas à asseguração do bem-estar da população e ao pleno desenvolvimento das cidades.

Assim, o que fica claro, ao menos sob uma exegese sistemática, é que optou o legislador por “isolar” o meio ambiente dos demais ecossistemas artificiais (urbano, cultural, e até mesmo o meio ambiente do trabalho no art. 200, VIII).

Exatamente por isso, não há dúvidas de que o legislador pretendeu considerar, ao menos sistematicamente, o meio ambiente numa perspectiva diversa e destacada do patrimônio cultural, da política urbana e do meio ambiente do trabalho, dando-lhe um enfoque voltado para aspectos da natureza e da ecologia. O enquadramento dos temas não esconde essa intenção.

Não é apenas, porém, a análise sistemática que permite chegar a essa conclusão. O próprio conteúdo das normas insculpidas no art. 225 não dá outra demonstração, senão a de que as normas ali contidas estariam reservadas ao que se denomina meio ambiente natural. Vejamos:

“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

I — Preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; (Regulamento)

II — Preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético; (Regulamento)

III — Definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção; (Regulamento)

IV — Exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade; (Regulamento)

V — Controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente; (Regulamento)

VI — Promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;

VII — Proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade. (Regulamento)

§ 2º Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei.

§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

§ 4º A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.

§ 5º São indisponíveis as terras devolutas ou arrecadadas pelos Estados, por ações discriminatórias, necessárias à proteção dos ecossistemas naturais.

§ 6º As usinas que operem com reator nuclear deverão ter sua localização definida em lei federal, sem o que não poderão ser instaladas.”

Analisando um a um os dispositivos ali contidos, vê-se que o legislador fala em:

  • processo ecológico e manejo das espécies (art. 225, § 1º, I);
  • diversidade de patrimônio genético (art. 225, § 1º, II);
  • espaços territoriais e seus componentes (art. 225, § 1º, III);
  • proteção da fauna e da flora e da sua função ecológica, evitando a extinção das espécies (art. 225, § 1º, VII);
  • recuperação do meio ambiente degradado pela recuperação das áreas de exploração de recursos minerais;
  • florestas e formas de vegetação entendidas como patrimônio nacional e resguardadas dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais e ecossistemas naturais; etc.

Enfim, trata-se de uma série de elementos ligados à ideia de meio ambiente natural. Contudo, nos casos em que isso não está tão explícito (v.g., § 1º, IV, V e VI), não se confirma qualquer ideia de que ali se teria pretendido incluir o meio ambiente do trabalho, o cultural e o urbano.

Por fim, vale lembrar que a conceituação adotada pelo legislador infraconstitucional para o meio ambiente (art. 3º, I, da Lei n. 6.938/81) foi a ecocêntrica/biocêntrica, tal como foi dito anteriormente, simplesmente porque se tutela o ecossistema (conjunto de interações) para salvaguardar, repita-se, todas as formas de vida que dele dependem.

E mais: a definição dos recursos ambientais constante no art. 3º, V, da mesma lei (com redação da Lei n. 7.804/89) diz que são eles: “a atmosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a flora”. São precisamente esses — bióticos e abióticos — que interagem por intermédio dos fatores ambientais (a pressão atmosférica, o calor, o frio, as radiações, etc., também incluídos nesse grupo), para formar o equilíbrio ecológico. Novamente, não há qualquer referência ao meio ambiente artificial.

Por tudo isso, pensamos que apenas o meio ambiente natural, com os fatores/recursos naturais, bióticos e abióticos que o compõem, é objeto de tutela do direito ambiental.

É claro que o ecossistema artificial (urbano, cultural e do trabalho) faz parte do entorno globalmente considerado. Seu tratamento doutrinário e sua proteção legislativa, contudo, devem ser feitos por outras disciplinas, ainda que, tal como o meio ambiente natural, tenha por objetivo a proteção da qualidade de vida.

Isso porque, repitamos, existe uma diferença ontológica entre eles, que se espraia no aspecto teleológico de sua proteção. No meio ambiente natural, a tutela é ecocêntrica: visa atender à proteção de todas as formas de vida. Já o meio ambiente artificial é precipuamente antropocêntrico: sua preocupação principal é com a qualidade de vida da população humana.

Por tudo isso, pensamos que os recursos ambientais se referem aos recursos naturais. Os bens culturais (representativos da valoração humana), por exemplo, embora indisponíveis e igualmente difusos, seriam tutelados por disciplina específica.
[…]

Importante consignar, porém, que a jurisprudência dos Tribunais Superiores tem adotado, na maior parte das vezes, conceito mais largo em relação ao meio ambiente, nele incluindo o que chamamos de ecossistema artificial. Vejamos os seguintes trechos de arestos paradigmas provenientes do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça:

“A incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de motivações de índole meramente econômica, ainda mais se se tiver presente que a atividade econômica, considerada a disciplina constitucional que a rege, está subordinada, dentre outros princípios gerais, àquele que privilegia a “defesa do meio ambiente” (CF, art. 170, VI), que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral” (STF, Tribunal Pleno, ADI 3.540 MC/DF, rel. Min. Celso de Mello, DJ 3-2-2006).

“AMBIENTAL E PROCESSUAL CIVIL. PRESERVAÇÃO ARQUITETÔNICA DO PARQUE LAGE (RJ). ASSOCIAÇÃO DE MORADORES. LEGITIMIDADE ATIVA. PERTINÊNCIA TEMÁTICA CARACTERIZADA. CONCEITO LEGAL DE ‘MEIO AMBIENTE’ QUE ABRANGE IDEAIS DE ESTÉTICA E PAISAGISMO (ARTS. 225, CAPUT, DA CR/88 E 3º, INC. III, ALÍNEAS ‘A’ E ‘D’ DA LEI N. 6.938/81). (…)

  1. Em primeiro lugar, a Constituição da República vigente expressamente vincula o meio ambiente à sadia qualidade de vida (art. 225, caput), daí por que é válido concluir que a proteção ambiental tem correlação direta com a manutenção e melhoria da qualidade de vida dos moradores do Jardim Botânico (RJ).
  2. Em segundo lugar, a legislação federal brasileira que trata da problemática da preservação do meio ambiente é expressa, clara e precisa quanto à relação de continência existente entre os conceitos de loteamento, paisagismo e estética urbana e o conceito de meio ambiente, sendo que este último abrange os primeiros.
  3. Neste sentido, importante citar o que dispõe o art. 3º, inc. III, alíneas ‘a’ e ‘d’, da Lei n. 6.938/81, que considera como poluição qualquer degradação ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente prejudiquem a saúde e o bem-estar da população e afetem condições estéticas do meio ambiente. (…)” (STJ, 2ª Turma, REsp 876.931/RJ, rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJ 10-9-2010).

No mesmo sentido, Medida Cautelar n. 21.879/RJ (2013/0371446-1), Min. Napoleão Nunes Maia Filho, publicado em: 5-11-2013 (STJ) e Agravo em Recurso Especial n. 454.215/RO (2013/0416719-2), Min. Humberto Martins, publicado em: 13-2-2014 (STJ).

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Qual a natureza jurídico do bem ambiental?

A

Ao falar, no art. 225, que é um bem de uso comum do povo, não produziu simples coincidência com o art. 99, inciso I, do Código Civil.10 Pelo contrário, a intenção do constituinte, ao repetir a expressão constante no diploma civil, foi a de que tal bem teria regime jurídico de bem público e como tal deveria ser tratado.

Disso resulta o fato de serem inalienáveis e de não estarem sujeitos à usucapião (CC, arts. 100 e 102, respectivamente). Ademais, como são de necessidade geral, precisam ser geridos e regulamentados pelo Poder Público, tal como afirma o § 1º do art. 225, pois seria verdadeiramente impossível esperar que tais bens, preciosos do ponto de vista ecológico, social e econômico, ficassem ao sabor da proteção e da gestão privadas. É só por isso que se fala em bens públicos (regidos pelo Poder Público).11

E mais: trata-se de um tipo de bem cuja titularidade pertence ao povo, estando atado em um liame que une cada cidadão, pelo simples fato de que todos são “donos” — e ao mesmo tempo responsáveis — do mesmo bem. Jamais será possível identificar cada um dos componentes do povo que é titular desse bem. Seus titulares são, assim, indetermináveis.

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O que é a reflexibilidade, uma das caracterísicas do bem ambiental?

A

Exatamente porque esses bens ambientais são essenciais à vida de todos os seres vivos, e também porque esses mesmos bens são matéria-prima para tantas outras atividades artificiais (econômicas, sociais e culturais), não é incomum que a lesão ao equilíbrio ecológico cause, reflexamente, lesão a outros direitos privados.

Eis aí o caráter da reflexibilidade do bem ambiental. Assim, por exemplo, se uma grande empresa exploradora de petróleo é responsável pelo derramamento de óleo numa praia, é possível que, além do prejuízo ambiental (degradação do meio ambiente e equilíbrio ecológico), ocasione também lesão a direitos (dano por ricochete, art. 14, § 1º, da Lei n. 6.938/81) de índole privada, por exemplo, aos pescadores, que são impedidos de exercer a profissão em razão da degradação, ou às pessoas em geral, que se contaminaram ao se banhar naquelas águas.

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Qual é a abrangência do conceito de poluidor segundo a lei?

A

Interessante, nesse diapasão, notar que o transcrito art. 3º, IV, da Lei n. 6.938/81 estabelece que será poluidor quem direta ou indiretamente cause degradação ao meio ambiente.

Tal fato é importantíssimo para a efetividade do direito ao meio ambiente, porque não é raro se tornar praticamente impossível identificar aquele que praticou a atividade que causou a degradação do meio ambiente.

Basta, portanto, a relação indireta entre a atividade e a degradação do meio ambiente. Isso tem enorme relevância no estudo do nexo causal e, portanto, nas regras de ônus da prova nas demandas ambientais (responsabilidade objetiva).

Adota-se, ainda, a regra da responsabilidade solidária pelos prejuízos ecológicos. Assim, todas as pessoas que de alguma forma causaram degradação ao meio ambiente são responsáveis conjuntamente pelo desequilíbrio ecológico e, por isso, respondem solidariamente pelos danos causados ao meio ambiente.

É essa, felizmente, a linha que vem prevalecendo em julgados do Superior Tribunal de Justiça. É o que fica claro a partir do seguinte trecho de clássico aresto:

“(…) O conceito de poluidor, no Direito Ambiental brasileiro, é amplíssimo, confundindo-se, por expressa disposição legal, com o de degradador da qualidade ambiental (…). 12. Para o fim de apuração do nexo de causalidade no dano urbanístico-ambiental e de eventual solidariedade passiva, equiparam-se quem faz, quem não faz quando deveria fazer, quem não se importa que façam, quem cala quando lhe cabe denunciar, quem financia para que façam e quem se beneficia quando outros fazem (…)” (STJ, 2ª Turma, REsp 1.071.741/SP, rel. Min. Herman Benjamin, DJ 16-12-2010).

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Q

O proprietário de imóvel pode ser responsabilizado por dano ambiental causado pelo seu antecessor?

A

Resumo

Sim, o que demonstra a amplitude do conceito de poluidor adotada pelo STJ.

Livro

É clara, nos Tribunais Superiores, essa tendência ampliativa do conceito de poluidor. Tem-se aceito, cada vez mais, a responsabilização civil de pessoas sem relação direta com o dano, na busca de uma maior proteção do meio ambiente.

Prova disso é a decisão do REsp 1.056.540/GO, noticiada no Informativo n. 404 do STJ, em que foi imputada responsabilidade ao adquirente de um imóvel pelos danos causados na área por seu antigo proprietário. Na hipótese, inclusive, dispensou o Tribunal expressamente a efetiva prova do nexo causal para fins de responsabilidade civil. Vejamos um trecho da notícia:

“Trata-se de ação civil pública (ACP) na qual o MP objetiva a recuperação de área degradada devido à construção de usina hidrelétrica, bem como indenização pelo dano causado ao meio ambiente. A Turma entendeu que a responsabilidade por danos ambientais é objetiva e, como tal, não exige a comprovação de culpa, bastando a constatação do dano e do nexo de causalidade.

Contudo, não obstante a comprovação do nexo de causalidade ser a regra, em algumas situações dispensa-se tal necessidade em prol de uma efetiva proteção do bem jurídico tutelado.

É isso que ocorre na esfera ambiental, nos casos em que o adquirente do imóvel é responsabilizado pelos danos ambientais causados na propriedade, independentemente de ter sido ele ou o dono anterior o real causador dos estragos.

A responsabilidade por danos ao meio ambiente, além de objetiva, também é solidária. A possibilidade de responsabilizar o novo adquirente de imóvel já danificado apenas busca dar maior proteção ao meio ambiente, tendo em vista a extrema dificuldade de precisar qual foi a conduta poluente e quem foi seu autor. (…)” (STJ, 2ª Turma, REsp 1.056.540/GO, rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 25-8-2009).

17
Q

Vizinho pode ser responsabilizado por danos decorrentes de incêndio iniciado na propriedade fronteira?

A

Ainda, segundo recente julgamento, dada a abrangência do conceito de dano ambiental e do conceito de poluidor, o STJ entendeu que, em se tratando de danos ambientais individuais ou reflexos (por ricochete), numa situação de queimada intencional/incêndio em área vizinha de imóvel rural, deveria ser reconhecida a responsabilidade objetiva e solidária do proprietário do imóvel fronteiro pelos danos decorrentes do incêndio, ainda que praticado por terceiro poluidor (arrendatário ou gestor de negócios). Tendo, assim, a excludente de responsabilidade civil consistente no fato de terceiro, na seara ambiental, ter aplicação bastante limitada. Analisemos parte do ementário:

“DANOS AMBIENTAIS INDIVIDUAIS OU REFLEXOS (POR RICOCHETE) — RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA — APLICAÇÃO DO DISPOSTO NO ARTIGO 14, § 1º, DA LEI N. 9.938/81, E, OUTROSSIM, EM VIRTUDE DA VIOLAÇÃO A DIREITOS DE VIZINHANÇA — RECONHECIMENTO DO DEVER DE INDENIZAR IMPUTÁVEL AO PROPRIETÁRIO DO IMÓVEL. Pretensão ressarcitória deduzida com escopo de serem indenizados os danos decorrentes de incêndio iniciado em propriedade vizinha, ocasionado pela prática de queimada. (…) 2. O conceito de dano ambiental engloba, além dos prejuízos causados ao meio ambiente, em sentido amplo, os danos individuais, operados por intermédio deste, também denominados danos ambientais por ricochete — hipótese configurada nos autos, em que o patrimônio jurídico do autor foi atingido em virtude da prática de queimada em imóvel vizinho. 2.1 Às pretensões ressarcitórias relacionadas a esta segunda categoria, aplicam-se igualmente as disposições específicas do direito ambiental e, por conseguinte, da responsabilidade civil ambiental (objetiva) — consignadas na Lei n. 6.938/91 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente), nos moldes em que preceituado no seu artigo 14, parágrafo 1º: ‘Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade […]’. 2.2 A excludente de responsabilidade civil consistente no fato de terceiro, na seara ambiental, tem aplicação bastante restrita, dada a abrangência do disposto no artigo acima transcrito. Desse modo, só poderá ser reconhecida quando o ato praticado pelo terceiro for completamente estranho à atividade desenvolvida pelo indigitado poluidor, e não se possa atribuir a este qualquer participação na consecução do dano — ato omissivo ou comissivo, o que não se verifica na hipótese, consoante se infere do acórdão recorrido, o qual expressamente consignou ser o recorrente/réu “conhecedor de que as pessoas que ‘limpavam’ sua propriedade se utilizavam do fogo para fazê-lo, e a prática era reiterada, frequente, ‘todos os anos’, conforme descrito na inicial. E, mesmo conhecedor do ilícito, nada fez para coibir a prática proscrita exercida em sua propriedade, tornando-se dessa forma responsável por ato de terceiro”. 2.3 ‘Para o fim de apuração do nexo de causalidade no dano ambiental, equiparam-se quem faz, quem não faz quando deveria fazer, quem deixa fazer, quem não se importa que façam, quem financia para que façam, e quem se beneficia quando outros fazem’ (cf. REsp 650.728/SC, rel. Ministro Antonio Herman Benjamin, 2ª Turma, DJe 2-12-2009). 3. Não obstante a análise do caso à luz dos ditames da responsabilidade civil ambiental, a conclusão encerrada na hipótese dos autos justifica-se, outrossim, sob a ótica do direito civil (em sentido estrito), notadamente porque aplicável a responsabilidade objetiva decorrente da violação de direitos de vizinhança, os quais coibem o uso nocivo e lesivo da propriedade. (…) 5. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO EM PARTE E, NA EXTENSÃO, NÃO PROVIDO” (REsp 1.381.211/TO, rel. Min. Marco Buzzi, 4ª Turma, julgado em 15-5-2014, DJe 19-9-2014).

18
Q

O Estado pode ser responsabilizado por danos ambientes sob a alegação de falha na fiscalização?

A

Na mesma linha, são constantes na jurisprudência casos em que o Estado é responsabilizado, solidariamente com os particulares, por danos ambientais, devido a ter falhado em seu dever de fiscalização, sendo tratado como poluidor indireto. Exemplo disso é o julgamento do REsp 1.666.027/SP, no STJ. Vejamos um trecho:

“O Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que o ente federado tem o dever de fiscalizar e preservar o meio ambiente e combater a poluição (Constituição Federal, art. 23, VI, e art. 3º da Lei 6.938/1981), podendo sua omissão ser interpretada como causa indireta do dano (poluidor indireto), o que enseja sua responsabilidade objetiva. Precedentes: AgRg no REsp 1.286.142/SC, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, 2ª Turma, DJe 28-2-2013; AgRg no Ag 822.764/MG, Rel. Ministro José Delgado, 1ª Turma, DJ 2-8-2007; REsp 604.725/PR, Rel. Ministro Castro Meira, 2ª Turma, DJ 22-8-2005. (…)” (REsp 1.666.027/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, 2ª Turma, julgado em 19-10-2017, DJe 1º-2-2018).

19
Q

Qual é a diferença entre poluidor e transgressor?

A

Verifica-se, ainda, que o conceito de poluidor não está atrelado à noção de licitude ou ilicitude. É que, se as responsabilidades penal e administrativa dependem da ilicitude da conduta, o mesmo não se diga em relação à responsabilidade civil. Logo, pode haver poluidor que aja licitamente e poluidor que aja ilicitamente. Civilmente, ambos respondem da mesma forma pelos prejuízos ambientais, diferente do que se dá nas esferas penal e administrativa.

No entanto, não se confundem o conceito de poluidor (responsabilidade civil) com o de transgressor (responsabilidade administrativa). O poluidor é aquele que direta ou indiretamente causa dano ao meio ambiente. O transgressor é aquele que (diretamente) viola as regras jurídicas de uso, gozo e fruição do meio ambiente (art. 70 da Lei n. 9.605/98). A respeito ver, mais adiante, o item 7.6.5.4. (responsabilidade administrativa ambiental).

20
Q

O que é, segundo a Lei, poluição?

A

“Art. 3º Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por: (…)

III — poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente:

a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população;
b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas;
c) afetem desfavoravelmente a biota;
d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente;
e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos; (…).”

Desta feita, fica claro que poluição, da maneira como colocou o legislador, teria um caráter escancaradamente antropocêntrico. É suficiente um rápido contraste entre os conceitos para se perceber que o ser humano está na origem e no fim do conceito de poluição.

Pensamos, assim, que o conceito de poluição deve ser extraído do caput do dispositivo (inciso III — “poluição é a degradação da qualidade ambiental”). As alíneas descrevem apenas os efeitos da poluição, que são enumerados exemplificativamente, contendo uma grande parte de efeitos relativos à qualidade de vida do ser humano.

Bastaria, dessa forma, que fosse dito que são poluentes as atividades praticadas pelo homem das quais resulte degradação da qualidade ambiental. A exemplificação nas alíneas é, além de desnecessária, nociva, porque em quase todas há uma vocação de listar apenas os efeitos prejudiciais à proteção de aspectos íntimos e exclusivos do ser humano, que nada afetam o equilíbrio ecológico definido no conceito de meio ambiente.

Assim, cabe dizer que as alíneas são meramente exemplificativas, pois será poluição toda e qualquer atividade que, direta ou indiretamente, cause desequilíbrio ecológico. Os efeitos da poluição são variáveis e podem afetar tanto o ecossistema natural quanto o artificial. Vale, aqui, a mesma ressalva feita anteriormente: o conceito deve compreender tanto as atividades lícitas quanto as ilícitas.

Há, portanto, uma sensível diferença entre o que é poluição e os efeitos da poluição, ou seja, o rol descrito nas alíneas são efeitos da poluição. Aliás, atente-se para o fato de que, enquanto durarem estes efeitos da poluição, não se tem início de prazo prescricional para que terceiros possam reclamar a tutela individual pelos prejuízos decorrentes da poluição (REsp 1.346.489/RS, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª Turma, julgado em 11-06-2013, DJe 26-08-2013).

21
Q

Que elementos devem estar presentes para caracterização do ilícito ambiental?

A

Por isso, urge que se dê o devido alcance ao conceito de “ilícito” como uma categoria jurídica que permite a aplicação de várias sanções diferentes, ou então que se revisitem os conceitos de poluição e de poluidor, desvinculando-os da noção de dano ambiental propriamente dito.

O que se pode afirmar, sem dúvida, é que em boa hora o legislador ambiental vem se preocupando, cada vez mais, em antecipar o momento em que se considera ocorrida a antijuridicidade ambiental, desvinculando-a, muitas vezes, da efetiva ocorrência do dano,19 justamente para se respeitar e atender ao princípio da prevenção e da precaução ambiental. Do contrário, se for sempre relacionada a antijuridicidade à ideia de ocorrência do dano, com certeza a indesejada tutela meramente reparatória (justiça restaurativa) será a mais utilizada. É preciso ensejar o risco como conduta antijurídica ensejadora de sanções ambientais. O ilícito estaria presente no fato de submeter a população ao risco ambiental. Contrario sensu, se o empreendedor for sancionado pelo risco ambiental que causa à população, então dele se beneficia auferindo lucros com uma situação de risco ambiental que é suportada pela coletividade.

É preciso reconhecer que resulta do direito fundamental à segurança, do direito fundamental à dignidade e do direito fundamental à isonomia um dever do poder público e da coletividade (art. 225, caput, da CF/88) de controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente (art. 225, § 1º, V, da CF/88). Isso implica reconhecer que não apenas os riscos concretos devam ser prevenidos, mas que também os riscos abstratos20 necessitam de tutela jurídica, ou seja, ante a equação risco = ameaça X vulnerabilidade a tutela jurídica do ambiente deve proporcionar à coletividade a isonomia em relação à segurança para que todos suportem da mesma forma os riscos de uma modernidade líquida. Se não é possível domesticar (será que não é possível?) as ameaças naturais, ao menos é possível equiparar as vulnerabilidades, criando uma situação mínima de segurança para proteção da própria dignidade. O estudo dos direitos dos desastres é bastante eloquente em relação à possibilidade de reduzir os riscos controlando as ameaças e reduzindo as vulnerabilidades. Ora, se o poder público não fornece essa proteção espontaneamente, deve ser obtida mediante a tutela jurídica de precaução, inclusive com medidas provisórias urgentes.

Sem propriamente aceitar esta tese aqui exposta, o Superior Tribunal de Justiça tem aproximado a responsabilização civil ambiental da noção de risco, justamente para afastar qualquer excludente que se pretenda opor pelo poluidor responsabilizado. É o que diz no seguinte aresto:

“1. O STJ sedimentou entendimento de que não há obrigatoriedade de publicação do voto divergente em hipóteses nas quais não sejam admitidos embargos infringentes, mesmo porque tal lacuna não causa quaisquer prejuízos à parte recorrente. 2. No caso, a premissa vencedora do acórdão é a de que a responsabilidade por dano ambiental é objetiva, informada pela teoria do risco integral, tendo por pressuposto a existência de atividade que implique riscos para a saúde e para o meio ambiente, sendo o nexo de causalidade o fator aglutinante que permite que o risco se integre na unidade do ato que é fonte da obrigação de indenizar, de modo que aquele que explora a atividade econômica coloca-se na posição de garantidor da preservação ambiental, e os danos que digam respeito à atividade estarão sempre vinculados a ela, por isso descabe a invocação, pelo responsável pelo dano ambiental, de excludentes de responsabilidade civil e, portanto, irrelevante a discussão acerca da ausência de responsabilidade por culpa exclusiva de terceiro ou pela ocorrência de força maior” (EDcl no REsp 1.346.430/PR, rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª Turma, julgado em 5-2-2013, DJe 14-2-2013).

22
Q

Segundo o autor, a Constituição tutela o meio ambiente ecologicamente equilibrado tanto direta como indiretamente. De que forma isso ocorre?

A

Assim, em uma parte, no art. 225 da CF/88, o equilíbrio ecológico é tutelado diretamente. É claro. Em todo o Capítulo VI (que é formado exclusivamente pelo art. 225), o legislador constitucional cuidou de reconhecer o direito ao equilíbrio ecológico, estabelecendo condições, instrumentos, princípios e regras a ele atinentes.

Já em outras partes da Constituição Federal, com uma ou outra exceção, o meio ambiente é amparado apenas de forma indireta, com outros direitos.

Essa proteção indireta não se limita, obviamente, àqueles dispositivos já transcritos (abaixo), em que aparece a expressão meio ambiente fora do art. 225.

Assim, por exemplo, quando o legislador constitucional prevê a regra de que a propriedade privada atenderá à sua função social (art. 5º, XVIII), quando estabelece os princípios e regras da política urbana (art. 182) e da política agrária (art. 184), ou ainda quando estabelece regras para exploração e uso dos recursos hídricos (art. 20, § 1º; art. 21, XIX; art. 231, § 3º), está, indiretamente, tratando de proteger o equilíbrio ecológico.

Não é, aliás, nenhum absurdo (o contrário seria) afirmar que o próprio art. 5º, caput, ao prever a inviolabilidade do direito à vida, reconhece o caráter fundamental do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (essencial à qualidade de vida). Embora a Constituição Federal brasileira não tenha incluído o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado de modo expresso nos direitos e garantias fundamentais, há muito a doutrina já reconhece que esse direito possui tal natureza (direito fundamental), na medida em que não há vida, não há dignidade, não há isonomia, não há segurança, não há saúde sem a existência de um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Há intima essencialidade da proteção da vida (todas as formas de vida) com a proteção do meio ambiente, como expressamente menciona o art. 225 da CF/88.

Artigos além do 225 em que o meio ambiente é citado na Constituição:

Art. 5º, LXXIII: “qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo (…) ao meio ambiente (…), ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência”.

Art. 23, VI: “É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: (…) proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas”.

Art. 24, VI e VIII: “Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: (…) florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição; (…) responsabilidade por dano ao meio ambiente (…)”.

Art. 129, III: “São funções institucionais do Ministério Público: (…) promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”.

Art. 170, VI: “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre-iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (…) defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação”.

Art. 174, § 3º: “O Estado favorecerá a organização da atividade garimpeira em cooperativas, levando em conta a proteção do meio ambiente e a promoção econômico-social dos garimpeiros”.

Art. 186, II: “A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: (…) utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente”.

Art. 200, VIII: “Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei: (…) colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho”.

Art. 220, § 3º, II: “Compete à lei federal: (…) estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem (…) da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente”.

23
Q

A criação de espaços especialmente protegido pode ser feita por decreto?

A

O inciso III determina que cabe ao Poder Público “definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos”.

[…]

ATENÇÃO! O inciso III do § 1º do art. 225 fala que apenas a supressão e a alteração desses espaços devem ser feitas por meio de lei.

Sua criação ou delimitação, assim, pode ser feita por meio de atos administrativos, como decretos. Nesse sentido, já se manifestou o Supremo Tribunal Federal:

“MANDADO DE SEGURANÇA. MEIO AMBIENTE. DEFESA. ATRIBUIÇÃO CONFERIDA AO PODER PÚBLICO. ARTIGO 225, § 1º, III, CB/88. DELIMITAÇÃO DOS ESPAÇOS TERRITORIAIS PROTEGIDOS. VALIDADE DO DECRETO. SEGURANÇA DENEGADA. 1. A Constituição do Brasil atribui ao Poder Público e à coletividade o dever de defender um meio ambiente ecologicamente equilibrado. [CB/88, art. 225, §1º, III]. 2. A delimitação dos espaços territoriais protegidos pode ser feita por decreto ou por lei, sendo esta imprescindível apenas quando se trate de alteração ou supressão desses espaços. Precedentes. Segurança denegada para manter os efeitos do decreto do Presidente da República, de 23 de março de 2006” (STF, Pleno, MS 26.064/DF, rel. Min. Eros Grau, DJ 5-8-2010).

24
Q

O Estudo de Impacto Ambiental pode ser feito sem o Relatório de Impacto ao Meio Ambiente?

A

Constituição

Art. 225, § 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;

Livro

Por ser um estudo complexo, que envolve uma série de conhecimentos técnicos de difícil compreensão pela população em geral, com o EIA deve seguir o relatório de impacto ao meio ambiente (RIMA). Este nada mais é do que a “tradução” dos estudos e seus resultados para uma linguagem mais palatável à sociedade, que, assim, pode ter acesso a ele.

[…]

Aliás, justamente pela importância que possui o EIA na preservação do meio ambiente é que o Supremo Tribunal já declarou reiteradas vezes a inconstitucionalidade de leis estaduais e municipais que estabelecem hipóteses de dispensa do EIA/RIMA.

Assim, por exemplo, declarou ser inconstitucional lei do Estado de Santa Catarina que dispensava “a elaboração de estudo prévio de impacto ambiental no caso de áreas de florestamento ou reflorestamento para fins empresariais”. Vejamos:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGO 182, § 3º, DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE SANTA CATARINA. ESTUDO DE IMPACTO AMBIENTAL. CONTRARIEDADE AO ARTIGO 225, § 1º, IV, DA CARTA DA REPÚBLICA. A norma impugnada, ao dispensar a elaboração de estudo prévio de impacto ambiental no caso de áreas de florestamento ou reflorestamento para fins empresariais, cria exceção incompatível com o disposto no mencionado inciso IV do § 1º do artigo 225 da Constituição Federal. Ação julgada procedente, para declarar a inconstitucionalidade do dispositivo constitucional catarinense sob enfoque” (STF, Pleno, ADI 1.086/SC, rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 10-8-2001).

[…]

ATENÇÃO! Para efeito de concurso público, importante frisar dois aspectos que comumente são utilizados pelas bancas organizadoras para confundir os candidatos:

  • O art. 225 não fala, em momento algum, no licenciamento ambiental, mas apenas no Estudo Prévio de Impactos Ambientais (ver questão de n. 2, ao final do capítulo).
  • O EIA/RIMA não é exigível para todas as obras ou atividades potencialmente causadoras de degradação do meio ambiente, mas apenas para aquelas em que é significativa essa degradação (ver questão de n. 7, “d”, ao final do capítulo).
25
Q

O cerrado e a caatinga são patrimônio nacional?

A

No § 4º do art. 225, o legislador constituinte preocupou-se especificamente com alguns biomas da flora brasileira, afirmando que são patrimônio nacional. São eles:

Floresta Amazônica brasileira.

Mata Atlântica.

Serra do Mar.

Pantanal Mato-Grossense.

Zona Costeira.

ATENÇÃO! Para efeito de concurso público, importante frisar dois aspectos que comumente são utilizados pelas bancas organizadoras para confundir os candidatos:

  • O § 4º não fala, em momento algum, no CERRADO ou na CAATINGA como patrimônio nacional: algumas questões incluem esses e outros ecossistemas em suas assertivas, o que deve ser considerado errado (ver questões de ns. 2 e 6, ao final do capítulo).
  • Os biomas contemplados pelo § 4º são patrimônio nacional, e não federal ou da União (ver questão de n. 11, ao final do capítulo).
26
Q

O que são terra devolutas? Elas podem ser alienadas?

A

Resumo

  • Origem portuguesa. Terras concedidas para utilização pela Coroa que, após a cessação do uso, eram retomadas.
  • São bens dominicais. Logo, podem ser alienadas.
  • As terras devolutas necessárias à proteção dos ecossistema naturais, segundo a CF, são indisponíveis.

Livro

O § 5º do art. 225 prescreve que “são indisponíveis as terras devolutas ou arrecadadas pelos Estados, por ações discriminatórias, necessárias à proteção dos ecossistemas naturais”.

A expressão terra devoluta é de origem portuguesa. Surgiu na época do Brasil Colônia, referindo-se àquelas terras que haviam sido doadas por Portugal aos particulares (sesmarias) e que, por não terem se tornado produtivas, eram retomadas pela coroa, voltando ao patrimônio público.

A elas se somaram, ainda, as terras de propriedade do Estado que não haviam sido repassadas aos particulares e às quais não tinha sido dada nenhuma destinação especial ou uso comum.

Podem ser enquadradas as terras devolutas, então, nos bens públicos, na categoria dos bens dominicais, por não serem de uso comum do povo ou por não serem afetadas pelo uso especial do Estado.

A princípio, assim, as terras devolutas — repita-se, por serem do tipo dominicais — podem ser alienadas, conforme o art. 101 do Código Civil, diferentemente do que se passa com os bens públicos de uso comum e de uso especial (art. 100 do CC).

É aí, então, que entra o disposto no § 4º do art. 225, tornando indisponíveis as terras devolutas necessárias à proteção dos ecossistemas naturais. Da mesma forma, também são indisponíveis as terras arrecadadas com a mesma importância na proteção ambiental.

Em resumo, então, todas as terras públicas que, por ação discriminatória, são reconhecidas como necessárias à proteção dos ecossistemas, são indisponíveis.

Tem-se aí, por que não dizer, mais um espaço especialmente protegido criado pelo legislador constitucional, ou seja, devem ter regime jurídico de preservação as terras devolutas, existentes ou arrecadadas, que possuam a função ecológica de preservação dos ecossistemas naturais.

Vale dizer, ainda, que este § 4º está em consonância com o art. 20, II, da própria CF/88, que prescreve serem bens da União “as terras devolutas indispensáveis (…) à preservação ambiental, definidas em lei”.

27
Q

A mineração é admitida se tiver potencial de causar danos ao meio ambiente?

A

Importante destacar que a Constituição Federal, no citado § 2º do art. 225, não impede a atividade econômica de mineração, ainda que esta cause danos ao meio ambiente. É o que se extrai do texto do dispositivo, ao asseverar que “aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com a solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei”.

Admite, assim, a Carta Magna, a realização de atividades de mineração mesmo que estas causem degradação ao meio ambiente. Esta atividade de mineração deverá ser sempre licenciada (com ou sem EIA/RIMA dependendo da significativa ou não impactação do meio ambiente). E é justamente no procedimento de licenciamento que deverá estar contemplada a solução técnica de recuperação do meio ambiente degradado a que alude o § 2º do art. 225.

Importante, ainda, observar que o legislador constitucional adotou a técnica reparação in natura, cujo projeto de recuperação, nos termos do que determina o Decreto n. 97.632/89, constante do licenciamento ambiental (ainda que seja executado no curso da lavra ou após o seu término), deve ser previamente fixado e aprovado pelo órgão ambiental antes de iniciar a atividade de mineração.

28
Q

Os Municípios não podem exercer a competência legislativa plena na falta de norma geral emanada da União?

A

ATENÇÃO! Para efeito de concurso público, importante frisar alguns aspectos que comumente são utilizados pelas bancas organizadoras para confundir os candidatos:

  • pela literalidade do art. 24, caput, os Municípios não detêm competência legislativa concorrente, conquanto também possuam competência para suplementar a legislação federal (CF, art. 30, II) (ver questões de ns. 5, “c”, e 7, “b”, ao final do capítulo);6
  • os Municípios podem, sim, suplementar a legislação federal em matéria ambiental (ver questão de n. 8, “d”, ao final do capítulo);
  • os Municípios não podem exercer a competência legislativa plena na falta de norma geral emanada da União: o § 3º do art. 24 fala apenas em Estados (ver questão de n. 8, “c”, ao final do capítulo);
  • a superveniência de norma federal não revoga a lei estadual: o § 4º do art. 24 fala que aquela suspende a eficácia desta. São fenômenos distintos (ver questão de n. 1, “d”, ao final do capítulo).
29
Q

Lei estadual pode proibir a importação de amianto com fins de evitar danos ambientais?

A

Importante frisar, ainda, que as normas de caráter específico ou suplementar deverão, como é óbvio, obedecer às diretrizes traçadas pelas normas gerais.

Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 2.656/SP declarou a inconstitucionalidade formal de lei estadual paulista (n. 10.813/2001) que estabelecia proibição de importação, extração, beneficiamento, comercialização, fabricação e instalação de produtos contendo qualquer tipo de amianto. Entendeu-se, no caso, que a matéria já estaria regulamentada na Lei Federal n. 9.055/95. Como esta, emanada da União, não estabelecia tal proibição, não poderia a norma estadual fazê-lo. Vejamos trecho da ementa:

“EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI PAULISTA. PROIBIÇÃO DE IMPORTAÇÃO, EXTRAÇÃO, BENEFICIAMENTO, COMERCIALIZAÇÃO, FABRICAÇÃO E INSTALAÇÃO DE PRODUTOS CONTENDO QUALQUER TIPO DE AMIANTO. GOVERNADOR DO ESTADO DE GOIÁS. LEGITIMIDADE ATIVA. INVASÃO DE COMPETÊNCIA DA UNIÃO.

(…)

2. Comercialização e extração de amianto. Vedação prevista na legislação do Estado de São Paulo. Comércio exterior, minas e recursos minerais. Legislação. Matéria de competência da União (CF, artigo 22, VIII e XIII). Invasão de competência legislativa pelo Estado-membro. Inconstitucionalidade.

3. Produção e consumo de produtos que utilizam amianto crisotila. Competência concorrente dos entes federados. Existência de norma federal em vigor a regulamentar o tema (Lei 9.055/95). Consequência. Vício formal da lei paulista, por ser apenas de natureza supletiva (CF, artigo 24, §§ 1º e 4º) a competência estadual para editar normas gerais sobre a matéria.

4. Proteção e defesa da saúde pública e meio ambiente. Questão de interesse nacional. Legitimidade da regulamentação geral fixada no âmbito federal. Ausência de justificativa para tratamento particular e diferenciado pelo Estado de São Paulo. (…)” (STF, Pleno, ADI 2.656/SP, rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 1º-8-2003).

Com base, ainda, em argumentação semelhante, o STF declarou, na ADI 3.035/PR, ser inconstitucional uma lei do Estado do Paraná que proibia a produção, comercialização, etc., de organismos geneticamente modificados, quando havia lei federal regulamentadora que não estabelecia tal vedação em caráter absoluto.

ATENÇÃO! Para efeito de concurso público, importante deixar claro que há questões que consideram que os Estados, os Municípios e o Distrito Federal poderiam, no âmbito de sua competência suplementar, ir além da legislação federal, desde que seja para adotar medidas mais protetivas ao meio ambiente.

30
Q

Que critério deve-se usar para definir qual ente federado é competente para legislar sobre determinada matéria?

A

Todo esse esquema de divisão de competências é, como fica claro, bastante complexo, capaz de gerar uma série de discussões e problemas de ordem prática. Para resolvê-los, podemos adotar, na esteira do que preconizou José Afonso da Silva, o princípio da predominância dos interesses. Expliquemos:

Diante da necessidade de editar uma dada norma ambiental, deve-se perguntar: qual a amplitude dos interesses que se pretende contemplar? A norma interessa apenas a um dado Município, a todo um Estado da federação, ou, mais ainda, a todo o país? De acordo com a resposta, será competente:

  • a União: caso o interesse seja de todo o país, ou, ainda que não o seja, importe a mais de um Estado (interesse nacional);
  • o Estado: se o interesse for de todo o Estado, ou de mais de um de seus Municípios (interesse regional);
  • o Município: se o interesse não transbordar os limites de um único Município (interesse local).

Com base, exatamente, no critério da predominância de interesses, o Superior Tribunal de Justiça já afirmou que a regulamentação de pesquisas envolvendo Organismos Geneticamente Modificados, por interessar a todo o país, deve ser feita por lei federal. Vejamos:

“(…) 11. A regulamentação das atividades envolvendo OGMs através de lei federal, que define as regras de caráter geral, homenageia o princípio da predominância do interesse, na medida em que o controle e a fiscalização dessas atividades não se limitam ao interesse regional deste ou daquele Estado-membro, mas possui indiscutível alcance nacional. (…)” (STJ, 1ª Turma, REsp 592.682/RS, rel. Min. Denise Arruda, DJ 6-2-2006).

31
Q

Na competência material ambiental, há horizontalidade ou verticalidade? Como se determina qual é o ente responsável pela aplicação da multa?

A

Resumo

  • Quanto à competência material, adotou-se a horizontalidade.
  • Dificuldades na definição dos âmbitos de competência.
  • A competência para aplicação de multa será também determinada pela predominância do interesse.

Livro

[…] percebe-se que, para a competência material ambiental, a regra adotada pelo legislador constituinte se formata de maneira bem diversa da competência legislativa. É que, quanto a esta, o rumo seguido pelo legislador constituinte foi a verticalização. Já quanto à competência material, adotou-se a horizontalidade na proteção do meio ambiente. Repita-se: neste caso, os entes federativos atuam paralelamente em condições de igualdade.

Como bem observou Marcelo Dwalibi, a “competência comum, é bom que se lembre, difere da competência concorrente. Na primeira hipótese, a competência de um dos entes federativos não afasta a competência dos demais. Já na competência concorrente ocorre fenômeno contrário: a competência de um dos entes federativos exclui a dos demais. Na competência comum, há harmonia e complementação de atuações; na competência concorrente, há exclusão dos demais entes em favor do único competente”.9

Em outros termos, isso significa dizer que, para exercer o poder de polícia na realização de atos materiais (licenciamento, fiscalização, sanções administrativas, etc.), todos os entes políticos possuem abstratamente competência (comum) para atuar.

Isso basta para demonstrar que, se a competência legislativa (concorrente) era capaz de gerar dificuldades práticas, o problema se agrava muito quando se trata de competência administrativa (comum). Como saber, por exemplo, se é a União, o Estado ou o Município o ente competente para aplicar uma multa por descumprimento de dada norma ambiental?

Também aqui prevalecerá, num primeiro momento, o critério da predominância do interesse: o mesmo ente que, por possuir o interesse predominante sobre uma dada matéria, tinha a prerrogativa de sobre ela legislar será o competente para praticar os atos tendentes a dar atuação à lei que editou.

A predominância do interesse não pode ser vista, contudo, isolada do que determina o caput do art. 23 da CF/88, que afirma, categoricamente, que a competência em matéria ambiental é comum entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

Trata-se de um fenômeno cooperativo, a permitir a atuação conjunta, paralela, entre as entidades da federação.11

Este é o sentido sedimentado no Superior Tribunal de Justiça ao reconhecer que “5. Na esfera da competência de implementação comum (art. 23, parágrafo único, da Constituição de 1988) e legitimados sob o manto do federalismo cooperativo ambiental e de políticas de descentralização (art. 4º da Lei Complementar 140/2011), a União, os Estados e os Municípios podem e devem colaborar, de forma a evitarem conflitos entre si e ampliarem a eficácia e a eficiência de suas ações administrativas. Contudo, eventuais delegação, convênio, consórcio público ou acordo entre essas entidades não atribuem a órgão estadual ou municipal autoridade para, sponte sua, no âmbito de licenciamento e fiscalização ambientais, a qualquer título dispor, direta ou indiretamente, de áreas de domínio federal (…)” (REsp 1.410.732/RN, Rel. Ministro Herman Benjamin, 2ª Turma, julgado em 17-10-2013, DJe 13-12-2016).

32
Q

O Município pode exercer fiscalização sobre construção cujo licenciamento cabe a outro ente federado?

A

Resumo

  • “qualquer dos entes integrantes do Sisnama pode atuar para fiscalizar um dado empreendimento. Aliás, na ocasião, afirmou claramente que, ainda que tenha sido o órgão estadual o responsável pelo licenciamento, pode o IBAMA — órgão federal — exercer seu poder de polícia administrativa.”
  • As competência do art. 23 devem ser exercida de modo cooperativo.

Livro

[…] o próprio parágrafo único do mesmo art. 23 deixa claro que as competências ali arroladas devem ser exercidas de modo cooperativo, “tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e o bem-estar social”.

Apesar de acreditarmos tratar-se de norma de eficácia plena — as entidades da federação deveriam atuar em conjunto, independente da edição de lei complementar —, em boa hora surgiu a Lei Complementar n. 140/2011, que regulamentou o art. 23, parágrafo único, da CF/88. Está aí consagrada a cooperação, posteriormente disciplinada de forma minudente pela citada Lei Complementar com as atribuições de cada ente federativo, dirimindo as incertezas jurídicas que depõem contra a efetividade da tutela administrativa.

Assim, por exemplo, pode perfeitamente um Município atuar administrativamente para dar atuação a uma lei federal (sanções, EIA/RIMA, licenciamento, etc.), ainda que, na situação, o interesse não seja meramente local. Como disse o Superior Tribunal de Justiça: “(…) 9. Inexiste ofensa ao art. 10 da Lei 6.938/1981, quando o julgador se utiliza de parecer técnico do IBAMA, para ilidir a regularidade de licença ambiental expedido por órgão estadual (FATMA). 10. A competência para licenciar não se confunde com o poder fiscalizatório dos demais órgãos ambientais integrantes do SISNAMA. Precedente do STJ (REsp 1.307.317/SC, rel. Min. Eliana Calmon, 2ª Turma, julgado em 27-8-2013, DJe 23-10-2013)”.

A ideia do legislador constituinte, ao estatuir a competência comum, foi evitar que a tutela jurídica do meio ambiente fosse prestada de modo deficiente. Como dissemos anteriormente, em se tratando de proteção do entorno, melhor pecar por excesso. Não bastasse a regra do art. 23 e da Lei Complementar 140, o art. 225, caput e § 1º reforçam a competência para implementar comum de todos os entes da federação.

É exatamente nesse sentido que já decidiu o Superior Tribunal de Justiça que qualquer dos entes integrantes do Sisnama pode atuar para fiscalizar um dado empreendimento. Aliás, na ocasião, afirmou claramente que, ainda que tenha sido o órgão estadual o responsável pelo licenciamento, pode o IBAMA — órgão federal — exercer seu poder de polícia administrativa. Vejamos a ementa do acórdão que julgou o AgRg no REsp 711.405/PR:

“PROCESSUAL CIVIL — ADMINISTRATIVO — AMBIENTAL — MULTA — CONFLITO DE ATRIBUIÇÕES COMUNS — OMISSÃO DE ÓRGÃO ESTADUAL — POTENCIALIDADE DE DANO AMBIENTAL A BEM DA UNIÃO — FISCALIZAÇÃO DO IBAMA — POSSIBILIDADE.

  1. Havendo omissão do órgão estadual na fiscalização, mesmo que outorgante da licença ambiental, pode o IBAMA exercer o seu poder de polícia administrativa, pois não há confundir competência para licenciar com competência para fiscalizar.
  2. A contrariedade à norma pode ser anterior ou superveniente à outorga da licença, portanto a aplicação da sanção não está necessariamente vinculada à esfera do ente federal que a outorgou.
  3. O pacto federativo atribuiu competência aos quatro entes da federação para proteger o meio ambiente através da fiscalização.
  4. A competência constitucional para fiscalizar é comum aos órgãos do meio ambiente das diversas esferas da federação, inclusive o art. 76 da Lei Federal n. 9.605/98 prevê a possibilidade de atuação concomitante dos integrantes do SISNAMA.
  5. Atividade desenvolvida com risco de dano ambiental a bem da União pode ser fiscalizada pelo IBAMA, ainda que a competência para licenciar seja de outro ente federado.

Agravo regimental provido” (STJ, 2ª Turma, AgRg no REsp 711.405/PR, rel. Min. Humberto Martins, DJ 15-5-2009).

No mesmo sentido, a seguinte decisão:

“(…) 4. No ordenamento jurídico brasileiro, o poder de polícia ambiental é prerrogativa inafastável dos órgãos de proteção do meio ambiente. Isso, porém, não quer dizer que o legislador esteja impedido de, em adição, atribuí-lo também a outras entidades públicas, postura que, antes de significar bis in idem, representa em verdade o reconhecimento de que o dano ambiental e as atividades capazes de causá-lo exigem, pela sua complexidade e múltiplas facetas, a conjugação da expertise de toda a Administração Pública, no sentido de assegurar a máxima efetividade nos esforços de prevenção, reparação e repressão. 5. O Sistema Nacional do Meio Ambiente — Sisnama — é integrado por todos os “órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, bem como as fundações instituídas pelo Poder Público, responsáveis pela proteção e melhoria da qualidade ambiental” (art. 6º, caput, da Lei 6.938/81), o que abarca, em numerus apertus, não só aqueles listados, expressamente, nos vários incisos, como também os que, por força de lei, recebem poderes de implementação ambiental, como o Ministério Público e as agências governamentais especializadas ou temáticas. 6. A sanção penal ou administrativa ambiental pode se referir tanto à ocorrência do dano em si mesmo (= resultado da conduta degradadora) quanto, alternativa ou cumulativamente, à violação de exigências técnicas para o exercício da atividade ou do procedimento operacional do empreendimento (= iter da conduta degradadora). 7. Na hipótese dos autos, a sanção administrativa foi imposta à Petrobras, não pelo dano ambiental isoladamente considerado, mas pelo fato de a empresa ter violado dispositivo legal que pune, com multa, quem “construir ou operar instalações e equipamentos necessários ao exercício das atividades abrangidas por esta Lei em desacordo com a legislação aplicável” (art. 3º, IX, da Lei 9.847/1999), isto é, no caso, alteração das “condições de projeto do oleoduto”, falha na sua “manutenção” e no “controle operacional por parte das equipes de operação do Terminal de São Francisco do Sul e da REPAR”, que estão na origem do acidente” (REsp 1.142.377/RJ, rel. Min. Herman Benjamin, 2ª Turma, julgado em 18-3-2010, DJe 28-2-2012).

[…]

O problema existirá, então, caso haja um conflito positivo de atribuições, ou seja, quando mais de um ente da federação pretender, indevidamente, atuar na mesma situação concreta, aplicando a mesma hipótese de incidência.

Imaginemos, por exemplo, que tanto o Município quanto a União pretendam impor uma determinada multa por descumprimento de alguma norma ambiental. Por óbvio, em casos como esse, ao administrado não poderia ser imposta duas vezes a mesma sanção, o que representaria um bis in idem.

Nesses casos, então, ganha importância o princípio da predominância do interesse: sendo nacional o interesse, nos moldes que colocamos anteriormente, cabe à União aplicar a sanção; sendo regional, mas restrita aos limites do Estado, a competência pertence ao Estado; sendo de interesse local, cabe ao Município.13-14

É claro que, se o Município, por exemplo, já houver aplicado a multa, já tendo sido essa cumprida, não poderia a União ou o Estado aplicar novamente a mesma sanção, ainda que o interesse seja regional ou nacional.

Uma vez já realizado o licenciamento ambiental pelo órgão responsável pelo licenciamento, este é que será o competente para lavrar o eventual auto de infração ambiental e instaurar processo administrativo para a apuração de infrações à legislação ambiental cometidas pelo empreendimento ou atividade licenciada ou autorizada. Há um vínculo lógico entre a infração ambiental cometida e a competência do órgão licenciador para processar e julgar os processos administrativos das sanções impostas. (art. da Lei Complementar n. 140)

Isso em nada afeta a regra de que qualquer pessoa legalmente identificada, ao constatar infração ambiental decorrente de empreendimento ou atividade utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores, possa dirigir representação ao referido órgão licenciador competente para efeito do exercício de seu poder de polícia.

Registre-se que esta regra não impede de forma alguma:

1) que, nos casos de iminência ou ocorrência de degradação da qualidade ambiental, o ente federativo que tiver conhecimento do fato deverá determinar medidas para evitá-la, fazer cessá-la ou mitigá-la, comunicando imediatamente ao órgão competente para as providências cabíveis; e
2) o exercício pelos entes federativos da atribuição comum de fiscalização da conformidade de empreendimentos e atividades efetiva ou potencialmente poluidores ou utilizadores de recursos naturais com a legislação ambiental em vigor.

Entretanto, nesta última hipótese, prevalecerá o auto de infração ambiental lavrado por órgão que detenha a atribuição de licenciamento, como dito anteriormente.

Outra situação diz respeito aos casos em que não foi realizado o licenciamento, e o que se pretende é justamente identificar o ente competente. Em se tratando, todavia, de licenciamento ambiental, pensamos que a solução deva ser outra. Ainda que um dado empreendimento tenha interesse nacional, nada deveria impedir que também os Estados e Municípios afetados, paralelamente à União, adotem seus próprios procedimentos de licenciamento, exigindo, por exemplo, cada qual um EIA/RIMA, conforme suas peculiaridades.

Nunca é demais lembrar que o art. 23 da Constituição Federal prevê a competência comum, paralela, cooperativa, entre os entes da federação, quando se trata de proteção do meio ambiente. Por tal razão, pensamos ser correto dispositivo do art. 13 e ss. da Lei Complementar n. 140/2011 que, nada obstante impedir o bis in idem, deixa expresso o direito de participação dos demais entes federativos no procedimento de licenciamento.

Expliquemos melhor: não se afirma aqui que em cada um dos níveis pode ser exigido um licenciamento para tratar dos mesmíssimos aspectos. Isso sem dúvida consistiria num bis in idem. O que se defende é que também os Estados e Municípios podem ter interesse na proteção de certas particularidades que não hajam sido contempladas num determinado procedimento federal.

Curiosamente, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça que é possível, sim, haver duplicidade de licenciamentos. E isso porque o bem ambiental é ubíquo, não respeitando fronteiras artificiais criadas pelo ser humano. Em nosso sentir, o termo adequado não é duplicidade de licenciamentos, mas participação, cooperação e atuação de mais de um ente em um único processo de licenciamento. Vejamos:

“ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DESASSOREAMENTO DO RIO ITAJAÍ-AÇU. LICENCIAMENTO. COMPETÊNCIA DO IBAMA. INTERESSE NACIONAL.

  1. Existem atividades e obras que terão importância ao mesmo tempo para a Nação e para os Estados e, nesse caso, pode até haver duplicidade de licenciamento.
  2. O confronto entre o direito ao desenvolvimento e os princípios do direito ambiental deve receber solução em prol do último, haja vista a finalidade que este tem de preservar a qualidade da vida humana na face da terra. O seu objetivo central é proteger patrimônio pertencente às presentes e futuras gerações.
  3. Não merece relevo a discussão sobre ser o Rio Itajaí-Açu estadual ou federal. A conservação do meio ambiente não se prende a situações geográficas ou referências históricas, extrapolando os limites impostos pelo homem. A natureza desconhece fronteiras políticas. Os bens ambientais são transnacionais. A preocupação que motiva a presente causa não é unicamente o rio, mas, principalmente, o mar territorial afetado. O impacto será considerável sobre o ecossistema marinho, o qual receberá milhões de toneladas de detritos. (…)” (STJ, 1ª Turma, REsp 588.022/SC, rel. Min. José Delgado, DJ 5-4-2004).

Mais recentemente, o mesmo Tribunal Superior decidiu que, havendo obra de significativo impacto ambiental entre dois ou mais Estados, a competência para expedir a licença ambiental é do IBAMA, conforme ementário do julgado:

“ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. LICENÇA AMBIENTAL. CONSTRUÇÃO DE LINHA DE TRANSMISSÃO DE ENERGIA ENTRE OS ESTADOS DO PARÁ E MARANHÃO. OBRAS COM SIGNIFICATIVO IMPACTO AMBIENTAL. COMPETÊNCIA PARA EXPEDIÇÃO DA LICENÇA AMBIENTAL PERTENCENTE AO IBAMA. ANULAÇÃO DO AUTO DE INFRAÇÃO E DO TERMO DE INTERDIÇÃO DAS OBRAS EXARADO PELO ÓRGÃO ESTADUAL DO MARANHÃO — GEMARN. 1. Recurso ordinário no qual se discute a legalidade do auto de infração e do termo de interdição de obra de transmissão de energia localizada entre os Estados do Pará e do Maranhão, exarado pelo órgão estadual de proteção ambiental do Maranhão — GEMARN, sob o argumento que a licença ambiental expedida pelo IBAMA seria inválida, por ser daquele ente estadual a competência exclusiva para expedição de tal licença. 2. Compete, originalmente, ao IBAMA a expedição de licença ambiental para a execução de obras e empreendimentos que se localizam ou se desenvolvem em dois ou mais estados ou cujos impactos ambientais ultrapassem os limites territoriais de um ou mais estados da federação. Inteligência do art. 10, § 4º, da Lei n. 6.938/81, com as alterações feitas pela Lei n. 12.856/2013; da Resolução 237/97 do CONAMA e da LC 140/2011. 3. Ilegalidade do auto de infração e do termo de interdição da obra expedidos pelo órgão estadual de proteção do meio ambiente do Estado do Maranhão — GEMARN. 4. Recurso ordinário provido para conceder a segurança” (RMS 41.551/MA, rel. Min. Benedito Gonçalves, 1ª Turma, julgado em 22-4-2014, DJe 27-5-2014).

Ao longo do tempo, e visando extrair maior rendimento sobre o tema da competência administrativa ambiental, o Superior Tribunal de Justiça, ao nosso ver, corretamente faz a distinção entre a competência de licenciamento e a de fiscalização e repressão, seguindo os passos da LC n. 140. Para o STJ:

“5. Distinguem-se competência de licenciamento e competência de fiscalização e repressão, inexistindo correlação automática e absoluta entre os seus regimes jurídicos. Segundo a jurisprudência do STJ, atividades licenciadas ou autorizadas (irrelevante por quem) — bem como as não licenciadas ou autorizadas e as não licenciáveis ou autorizáveis — podem ser, simultaneamente, fiscalizadas e reprimidas por qualquer órgão ambiental, cabendo-lhe alçadas de autuação, além de outras, daí decorrentes, como interdição e punição: ‘havendo omissão do órgão estadual na fiscalização, mesmo que outorgante da licença ambiental, o IBAMA pode exercer o seu poder de polícia administrativa, porque não se pode confundir competência para licenciar com competência para fiscalizar’ (AgInt no REsp 1.484.933/CE, Relatora Min. Regina Helena Costa, Primeira Turma, DJe de 29-3-2017, grifo acrescentado). No mesmo sentido: AgRg no REsp 711.405/PR, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, DJe de 15-5-2009; REsp 1.560.916/AL, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe de 9-12-2016; AgInt no REsp 1.532.643/SC, Rel. Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJe de 23-10-2017. Cf. também: ‘o poder de polícia ambiental pode ser exercido por qualquer dos entes da federação atingidos pela atividade danosa ao meio ambiente’ (AgInt no AREsp 1.148.748/RJ, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe de 24-5-2018, grifo acrescentado)” (REsp 1.802.031/PE, rel. Min. Herman Benjamin, 2ª Turma, julgado em 7-11-2019, DJe 11-9-2020).

Esta parece ser a melhor orientação, pela segurança jurídica, e por atender aos ditames legais, como expressamente determina o art. 13 da Lei Complementar n. 140, ao dizer que “os empreendimentos e atividades são licenciados ou autorizados, ambientalmente, por um único ente federativo, em conformidade com as atribuições estabelecidas nos termos desta Lei Complementar”. Neste diploma, está claríssimo que, mesmo que exista apenas um licenciamento, todos os entes podem e devem participar trazendo ao procedimento administrativo as peculiaridades que lhes sejam pertinentes (interesse local ou estadual) para que possam ser objeto de análise e contemplação nas condicionantes ambientais. Além disso, podem exercer o poder de fiscalização como demonstra o art. 17 da referida Lei.

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Q

É constitucional lei que atribui “aos municípios em que se localizam a proteção, a guarda e a responsabilidade pelos sítios arqueológicos e seus acervos”?

A

Sobre o assunto da cooperação na competência material comum, vale trazer à baila interessante decisão do Supremo Tribunal Federal que, no julgamento da ADI 2.544/RS, declarou ser inconstitucional lei estadual do Rio Grande do Sul (n. 11.380/99) que conferia “aos municípios em que se localizam a proteção, a guarda e a responsabilidade pelos sítios arqueológicos e seus acervos”. Apesar de não se referir estritamente ao meio ambiente, as lições dali extraídas podem nos ser muito úteis.

Em síntese, entendeu a Corte Suprema que, ao outorgar a competência para cuidar dos sítios arqueológicos aos Municípios, a referida lei estadual estaria ferindo o art. 23, III, da Constituição Federal, que define a competência comum para a matéria. Isso porque entregar tal atribuição aos Municípios significaria retirar a competência dos demais entes federativos.