Livro - Responsabilidade Civil por Danos ao Meio Ambiente Flashcards
A responsabilização civil constitui um atividade meramente repressiva?
Se partíssemos da ideia de que a responsabilidade é uma resposta às antijuridicidades, chegaríamos à conclusão de que sua função é meramente repressiva. Nada mais equivocado.
Primeiramente, porque, como vimos, os danos ambientais são permanentes/continuativos. E, se assim o são, atuar, ainda que repressivamente, para fazê-los cessar representa, também, forma de prevenir outros danos futuros, decorrentes de uma mesma conduta anterior.
Que ente é competente para legislar sobre responsabilidade por dano ao meio ambiente?
Como se sabe, a responsabilidade civil é instituto que deita suas raízes no direito civil.
E, assim, tendo em vista que o art. 22, I, da Constituição Federal outorga à União competência privativa para legislar sobre direito civil,2 a conclusão óbvia é que caberia a este ente da federação ditar todas as regras sobre a responsabilidade civil.
Em relação ao meio ambiente, porém, a situação é diferente. Vejamos o que determina o art. 24, VIII, da CF:
“Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: (…)
VIII — responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; (…).”
Qual é a teoria acolhida pelos ordenamento jurídico no que toca à responsabilidade civil por danos ambientais?
Resumo
- Segundo o autor, é a teoria do risco.
- Julgados do STJ, porém, falam em teoria do risco integral.
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Mais ainda: extrai-se do dispositivo que, na aplicação da sanção civil, não há a necessidade de aferição da culpa do poluidor. Ao menos no texto constitucional, o legislador não fez nenhuma exigência de que se prove a culpa para determinar a responsabilidade civil.
Pelo contrário, já que determinou o art. 225, § 3º, apenas que o poluidor é obrigado a reparar os danos causados. Ora, como se vê, basta para a aplicação da sanção civil a existência de um dano, tendo sido este causado por um poluidor.
Logo, os elementos para a responsabilização civil ambiental são:
dano;
poluidor;
nexo de causalidade (ligando os dois elementos anteriores).
Fica claro, então, que a responsabilidade civil, em matéria ambiental, é do tipo objetiva, calcado na teoria do risco.
Sobre o assunto, é farta a jurisprudência dos Tribunais Superiores, sempre no sentido de ser desnecessária a demonstração de culpa para a responsabilização civil. Vejamos precedente do Superior Tribunal de Justiça, que exalta a adoção da responsabilidade objetiva em sede ambiental:
“DANO AMBIENTAL. CORTE DE ÁRVORES NATIVAS EM ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. (…)
- A Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n. 6.938/81) adotou a sistemática da responsabilidade civil objetiva (art. 14, parágrafo 1º) e foi integralmente recepcionada pela ordem jurídica atual, de sorte que é irrelevante e impertinente a discussão da conduta do agente (culpa ou dolo) para atribuição do dever de indenizar.
- A adoção pela lei da responsabilidade civil objetiva significou apreciável avanço no combate a devastação do meio ambiente, uma vez que, sob esse sistema, não se leva em conta, subjetivamente, a conduta do causador do dano, mas a ocorrência do resultado prejudicial ao homem e ao ambiente. Assim sendo, para que se observe a obrigatoriedade da reparação do dano é suficiente, apenas, que se demonstre o nexo causal entre a lesão infligida ao meio ambiente e a ação ou omissão do responsável pelo dano. (…)” (STJ, 2ª Turma, REsp 1.165.281/MG, rel. Min. Eliana Calmon, DJ 17-5-2010).
A regra, repitamos, é que basta a ocorrência de um dano ambiental, podendo este ser imputado a um poluidor, para surgir a obrigação de indenizar.
É claro, porém, que sempre podem ser alegadas algumas das chamadas excludentes da responsabilidade, como o caso fortuito e a força maior. Afinal, são eles aptos a excluir a própria relação de causalidade, pressuposto indispensável para se falar em responsabilidade civil.
Quando se trata de meio ambiente, contudo, é preciso ter em vista a regra do art. 3º, IV, da Lei n. 6.938/81,4 que afirma ser poluidor mesmo aquele que é responsável apenas indiretamente pela degradação ambiental.
Basta, portanto, para a responsabilidade civil ambiental, um vínculo meramente indireto entre o ato do poluidor e o dano ao meio ambiente.
Tal circunstância torna ainda mais difícil a prova das excludentes, já que essas precisam ser aptas a cortar qualquer nexo, mesmo que indireto, entre o ato imputado e a degradação ambiental.
Como deve ser feita realizada a indenização?
Resumo
- A reparação deve, preferencialmente, ser feita in natura.
- A reparação em pecúnia (ressarcimento) é exceção no sistema da responsabilização ambiental: só deve ser feita quando se mostrar impossível, total ou parcialmente, a reparação específica.
- Privilégio à tutela específica.
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Outro aspecto a ser ressaltado, quando se trata de responsabilidade civil por danos ambientais, é a adoção do postulado da reparação específica in situ: sempre que possível, a medida a ser imposta ao poluidor deve ser a recuperação do bem ambiental lesado no local onde houve a agressão do meio ambiente.
Não basta, assim, o mero ressarcimento financeiro. É preciso recuperar a área degradada, tentando recolocá-la na mesma situação em que se encontrava antes da ocorrência do dano. A expressão “bem de uso comum” do art. 225, caput, da CF/88 também impõe a precedência e prevalência da reparação in natura e in situ sobre a reparação pecuniária. Apenas a primeira forma de reparação se aproxima da ideia altruísta e democrática de uso comum do bem ambiental.
A reparação in natura não somente traz ínsita a ideia de proteção e preservação dos recursos ambientais, coaduna-se também com a ideia de que o poluidor deve ser educado com as medidas reparatórias, coisa que não ocorre quando estamos diante de uma reparação pecuniária.
Portanto, a reparação em pecúnia (ressarcimento) é exceção no sistema da responsabilização ambiental: só deve ser feita quando se mostrar impossível, total ou parcialmente, a reparação específica.
Inclusive, o Superior Tribunal de Justiça já reconheceu que a prioridade da reparação in natura é princípio que rege a responsabilidade civil ambiental. Vejamos:
“(…) 4. Qualquer que seja a qualificação jurídica do degradador, público ou privado, no Direito brasileiro a responsabilidade civil pelo dano ambiental é de natureza objetiva, solidária e ilimitada, sendo regida pelos princípios do poluidor-pagador, da reparação in integrum, da prioridade da reparação in natura, e do favor debilis, este último a legitimar uma série de técnicas de facilitação do acesso à Justiça, entre as quais se inclui a inversão do ônus da prova em favor da vítima ambiental. (…)” (STJ, 2ª Turma, REsp 1.071.741/SP, rel. Min. Herman Benjamin, DJ 16-12-2010).
“DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO AMBIENTAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA PELA EMISSÃO DE FLÚOR NA ATMOSFERA. TEORIA DO RISCO INTEGRAL. POSSIBILIDADE DE OCORRER DANOS INDIVIDUAIS E À COLETIVIDADE. NEXO DE CAUSALIDADE. SÚMULA N. 7/STJ. DANO MORAL IN RE IPSA. 1. (…). 2. É firme a jurisprudência do STJ no sentido de que, nos danos ambientais, incide a teoria do risco integral, advindo daí o caráter objetivo da responsabilidade, com expressa previsão constitucional (art. 225, § 3º, da CF) e legal (art. 14, § 1º, da Lei n. 6.938/1981), sendo, por conseguinte, descabida a alegação de excludentes de responsabilidade, bastando, para tanto, a ocorrência de resultado prejudicial ao homem e ao ambiente advindo de uma ação ou omissão do responsável. 3. A premissa firmada pela Corte de origem, de existência de relação de causa e efeito entre a emissão do flúor na atmosfera e o resultado danoso na produção rural dos recorridos, é inafastável sem o reexame da matéria fática, procedimento vedado em recurso especial. Aplicação da Súmula 7/STJ. 4. É jurisprudência pacífica desta Corte o entendimento de que um mesmo dano ambiental pode atingir tanto a esfera moral individual como a esfera coletiva, acarretando a responsabilização do poluidor em ambas, até porque a reparação ambiental deve ser feita da forma mais completa possível. 5. (…). 7. Recurso especial a que se nega provimento” (REsp 1.175.907/MG, rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª Turma, julgado em 19-8-2014, DJe 25-9-2014).
Visando atender ao postulado da maior coincidência possível, o processo deve impor a solução querida pelo direito material ambiental, qual seja, fornecer um resultado exatamente igual àquele que se teria caso a obrigação fosse cumprida espontaneamente pelo obrigado.
Como a obrigação descumprida normalmente decorre de um não fazer (dever de não poluir), o processo deve excogitar técnicas altamente eficazes no sentido de se obter um resultado que seja o mais próximo da realidade anterior ao dano ambiental. Esse “resultado mais próximo” só se alcançará, primariamente, por intermédio das técnicas processuais de efetivação da tutela específica.
Em que consiste o dano ambiental?
Resumo
- Em nosso sentir, portanto, dano ambiental é um só: o dano ao meio ambiente (equilíbrio ecológico) como bem jurídico autônomo, independentemente de ter se “ricocheteado” ou não para a esfera particular dos indivíduos.
- Os danos pessoais, particulares, causados pelo mesmo fato que degradou o meio ambiente, ou que foram consequências da agressão do meio ambiente, são ontológica e teleologicamente diversos daqueles sofridos pelo meio ambiente.
- Também há danos extrapatrimoniais difusos. Reconhecimento na Lei da ACP.
- Contudo, não se confunde o dano moral difuso com o sofrimento individual de cada sujeito na sua esfera particular atingida.
- OBS: Só recentemente o STJ reconheceu a existência do dano moral difuso (2014).
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De plano, lembramos que a poluição é uma alteração adversa do meio ambiente causada por um poluidor, responsável por um desequilíbrio ecológico. Inversamente, o equilíbrio ecológico é o bem juridicamente tutelado pelo direito ambiental (art. 225 da CF/88).
Disso, pode-se inferir que toda poluição é uma afronta ao bem jurídico tutelado pelo direito ambiental e, logo, é um dano ambiental.
Nessa medida (sob o enfoque da reparação civil), a expressão poluidor-pagador é perfeita, já que: se há poluidor, é porque houve poluição; e, se houve poluição, há dano ambiental a ser reparado. Sendo o dano um dos alicerces da responsabilidade civil, é claro que “não pode haver responsabilidade sem a existência de um dano, e é verdadeiro truísmo sustentar esse princípio, porque, resultando a responsabilidade civil em obrigação de ressarcir, logicamente não pode concretizar-se onde nada há que reparar”.8
Tendo em vista que o dano é uma lesão a um bem jurídico, podemos dizer que existe o dano ambiental quando há lesão ao equilíbrio ecológico (bem jurídico ambiental) decorrente de afetação adversa dos componentes ambientais.
Essa lesão pode gerar um desequilíbrio ao ecossistema social ou natural, mas sempre a partir da lesão ao equilíbrio ecológico, que é o bem jurídico tutelado pelo Direito Ambiental.
Exatamente porque o meio ambiente (e seus componentes e fatores) constitui um bem jurídico autônomo, imaterial, difuso, incindível, de uso comum de todos, a lesão que o atinge será, ipso facto, uma lesão difusa e indivisível, cuja reparação será, igualmente, erga omnes.
Ao adotarmos esse conceito, estamos entendendo que os danos ao meio ambiente são autônomos e diversos dos danos pessoalmente sofridos pelas pessoas. Obviamente que o fato causador da lesão ao bem ambiental e seus componentes poderá gerar, além da lesão ao meio ambiente (difusamente considerado), outros danos sofridos individualmente por particulares e cuja reparação só trará benefícios a pessoas determinadas.
É o caso, por exemplo, do derramamento de óleo ocorrido na baía de Guanabara em janeiro de 2000, quando a Petrobras foi responsável pelo despejo de 800.000 litros de óleo no local. Sem dúvida, o meio ambiente (praias, fauna ictiológica e o próprio equilíbrio ecológico) foi lesionado e precisa ser reparado. Essa reparação, consistente em recuperação da área degradada, medidas de prevenção futuras, educação ambiental, etc., é difusa, porque os titulares desse bem também são difusos (uso comum do povo).
Essa reparação é ontologicamente diversa da reparação dos danos que cada indivíduo ou grupo de indivíduos possa ter sofrido em virtude do mesmo acontecimento. Certamente, os pescadores poderão cobrar por perdas e danos e lucros cessantes (pelas redes estragadas, pelo pescado perdido e pelo que deixarão de ganhar); os donos de imóveis ribeirinhos, pelos prejuízos que podem ter daí advindo; as fábricas que se utilizam daquela água para irrigação, pelos prejuízos causados; as pessoas que comerem os peixes, por se contaminarem; as empresas de turismo marítimo da região, pelos prejuízos sofridos, etc. Esses danos são particulares e, embora tenham em comum com o dano ambiental a origem (poluição), possuem natureza diversa do dano causado ao equilíbrio ecológico.
[…]
A eventual e perdoável confusão decorre do fato de que um mesmo fato permite a incidência tanto de normas concretizadoras de um direito difuso quanto de normas concretizadoras de um direito individual. Isso permitirá que se deduzam pretensões para a tutela de direitos difusos e outras para a tutela de direitos individuais. Nesse caso, o processo deverá impor a solução dada por cada uma das normas de direito material violadas.
Diga-se, inclusive, que o Superior Tribunal de Justiça já reconheceu que a degradação do meio ambiente pode gerar danos múltiplos, de toda ordem e amplitude. Vejamos:
“ADMINISTRATIVO — AÇÃO CIVIL PÚBLICA — INTERDEPENDÊNCIA CAUSAL — POSSIBILIDADE DE VIOLAÇÃO SIMULTÂNEA A MAIS DE UMA ESPÉCIE DE INTERESSE COLETIVO — DIREITOS DIFUSOS E INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS — RELEVANTE INTERESSE SOCIAL — LEGITIMIDADE.
1. Conforme se observa no acórdão recorrido, o caso dos autos ultrapassa a órbita dos direitos patrimoniais da população diretamente afetada e atinge interesses metaindividuais, como o meio ambiente ecologicamente equilibrado e a uma vida saudável.
2. É um erro acreditar que uma mesma situação fática não possa resultar em violação a interesses difusos, coletivos e individuais simultaneamente. A separação, ou melhor, a categorização dos interesses coletivos lato sensu em três espécies diferentes é apenas metodológica.
3. No mundo fenomenológico as relações causais estão tão intimamente ligadas que um único fato pode gerar consequências de diversas ordens, de modo que é possível que dele advenham interesses múltiplos. É o caso, por exemplo, de um acidente ecológico que resulta em danos difusos ao meio ambiente, à saúde pública e, ao mesmo tempo, em danos individuais homogêneos aos moradores da região.
4. Ademais, ainda que o caso presente tratasse unicamente de direitos individuais homogêneos disponíveis, isso não afasta a relevância social dos interesses em jogo, o que é bastante para que se autorize o manejo de ação civil pública pelo agravado.
Agravo regimental improvido” (STJ, 2ª Turma, AgRg no REsp 1.154.747/SP, rel. Min. Humberto Martins, DJ 16-4-2010).
Exatamente por isso, entendemos não ser correto conceituar o dano ambiental como gênero do qual seriam espécies os danos pessoais (patrimoniais e extrapatrimoniais) e os danos ecológicos.10
Quanto ao seu efeito, o verdadeiro dano ambiental (ao bem ambiental difuso, imaterial, indivisível e altruísta) pode gerar consequências patrimoniais e extrapatrimoniais. Ambos, deixemos claro, não se confundem com os interesses privados ou de grupos em decorrência da lesão ao meio ambiente.
As primeiras caracterizam-se pelas perdas financeiras decorrentes da lesão. Por exemplo, o custo da reparação, da educação ambiental, informação, recuperação da vegetação, limpeza da praça, retirada do óleo, restauração do bem cultural, etc., o que se deixou de arrecadar com a exploração cultural do bem, entre outros.
Quanto às últimas, com o que denominaríamos de dano social/moral, impossível de se encontrar uma correspondência com um valor em pecúnia, mas que também deve ser objeto da indenização.
O dano social é a face extrapatrimonial de lesão ao meio ambiente. Seu ressarcimento é altruísta e não é a mera soma de interesses individuais.
Essa diferenciação, entre dano patrimonial e extrapatrimonial aos interesses coletivos lato sensu, pode ser extraída, inclusive, de nosso direito positivo. Vejamos o art. 1º da Lei de Ação Civil Pública (Lei n. 7.347/85):
“Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados:
I — ao meio ambiente; (…).”
Quando a Lei n. 7.347/85 fala em responsabilidade civil por danos, materiais e morais, causados ao consumidor, meio ambiente, etc., é óbvio que o termo moral aí empregado está como contraface do dano material. Trata-se de efeito do dano, que seria mais bem denominado de extrapatrimonial.
O termo moral ali empregado refere-se, sim, ao caráter extrapatrimonial dos danos difusos, que, no caso do meio ambiente, encontra perfeita simetria com o que temos denominado de dano social, portanto de índole supraindividual (metaindividual). Um exemplo pode ilustrar o nosso pensamento.
Uma empresa siderúrgica polui o ar atmosférico de toda a cidade. Certamente, haverá uma Ação Civil Pública para responsabilizar civilmente o poluidor pelo dano ambiental, que tem efeitos patrimoniais e extrapatrimoniais.
Os patrimoniais vão desde a recuperação dos equipamentos públicos manchados, a recuperação das praias impróprias para banho, o restabelecimento da qualidade do ar atmosférico, etc., até as medidas de educação e controle da poluição para se evitar novos danos. Já os extrapatrimoniais correspondem à privação que a coletividade tem e terá da sensação de bem-estar, a diminuição de qualidade e expectativa de vida, etc. Este é o “dano social extrapatrimonial” que tem sido denominado dano moral difuso e que corretamente deve ser indenizado na esteira da recente jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.
Diferente é a repercussão desses danos na vida particular e íntima das pessoas: casas manchadas pelo pó de minério, pessoas com problemas alérgicos, sofrimentos, privações à saúde, irritações de toda ordem, etc. Todos esses são danos particulares que também podem ter repercussão patrimonial e extrapatrimonial. Não se confunde o dano moral difuso com o sofrimento individual de cada sujeito na sua esfera particular atingida.
Recebem o mesmo tratamento jurídico (material e processual) o dano ao meio ambiente e os danos reflexos sofridos por terceiros?
Resumo
- Do ponto de vista processual, não. A reparação do dano individual não se faz por ACP.
- Do ponto de vista material, sim. A Lei Lei n. 6.938/81 prevê responsabilidade objetiva para ambos os casos.
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Sob o ponto de vista processual, inclusive, o tratamento da reparação civil dos danos ambientais (patrimoniais e extrapatrimoniais) é diverso da reparação individual dos danos sofridos em razão da agressão ao meio ambiente: no primeiro caso, faz-se por Ação Civil Pública e com coisa julgada erga omnes; e, no segundo, faz-se por Ação Individual, usando as regras tradicionais do Código de Processo Civil.
O próprio art. 14, § 1º, da Lei n. 6.938/81 deixa claro que há, sim, diferença entre o dano ambiental propriamente dito e suas consequências individuais. Vejamos:
Art. 14, § 1º: “Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente”.
Ora, tivessem eles a mesma natureza, não teria o legislador falado em danos causados ao meio ambiente e danos causados a terceiros.
Todavia, é a própria lei quem deixa claro que tanto um como o outro devem ser indenizados independentemente da existência de culpa.
Destarte, apesar da natureza e do tratamento processual distintos, tanto os danos ambientais quanto os danos particulares que deles são reflexos recebem o mesmo tratamento pelo direito material: aplica-se a ambos o regime da responsabilidade objetiva.
Está sujeita à prescrição a pretensão relativa a dano ambiental?
Outra característica do dano ambiental que vem sendo reconhecida pela jurisprudência de nossos Tribunais Superiores é a sua imprescritibilidade. Vejamos o que foi noticiado no Informativo n. 415 do Superior Tribunal de Justiça, que, de forma brilhante, expõe o conflito existente entre os valores em jogo:
“Cuida-se, originariamente, de ação civil pública (ACP) com pedido de reparação dos prejuízos causados pelos ora recorrentes à comunidade indígena, tendo em vista os danos materiais e morais decorrentes da extração ilegal de madeira indígena. (…)
A prescrição tutela interesse privado, podendo ser compreendida como mecanismo de segurança jurídica e estabilidade. O dano ambiental refere-se àquele que oferece grande risco a toda humanidade e à coletividade, que é a titular do bem ambiental que constitui direito difuso. (…)
O direito ao pedido de reparação de danos ambientais, dentro da logicidade hermenêutica, também está protegido pelo manto da imprescritibilidade, por se tratar de direito inerente à vida, fundamental e essencial à afirmação dos povos, independentemente de estar expresso ou não em texto legal.
<strong>No conflito entre estabelecer um prazo prescricional em favor do causador do dano ambiental, a fim de lhe atribuir segurança jurídica e estabilidade com natureza eminentemente privada, e tutelar de forma mais benéfica bem jurídico coletivo, indisponível, fundamental, que antecede todos os demais direitos — pois sem ele não há vida, nem saúde, nem trabalho, nem lazer — o último prevalece, por óbvio, concluindo pela imprescritibilidade do direito à reparação do dano ambiental” </strong>(REsp 1.120.117-AC, rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 10-11-2009).
No mesmo sentido, vejamos julgado ainda mais recente:
“AMBIENTAL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. OCUPAÇÃO E EDIFICAÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE-APP. CASAS DE VERANEIO. MARGENS DO RIO IVINHEMA/MS. SUPRESSÃO DE MATA CILIAR. DESCABIMENTO. ART. 8º DA LEI 12.651/2012. NÃO ENQUADRAMENTO. DIREITO ADQUIRIDO AO POLUIDOR. FATO CONSUMADO. DESCABIMENTO. DESAPROPRIAÇÃO NÃO CONFIGURADA. LIMITAÇÃO ADMINISTRATIVA. DANO AMBIENTAL E NEXO DE CAUSALIDADE CONFIGURADOS. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211/STJ. 1. Descabida a supressão de vegetação em Área de Preservação Permanente — APP que não se enquadra nas hipóteses previstas no art. 8º do Código Florestal (utilidade pública, interesse social e baixo impacto ambiental).<strong> 2. Conquanto não se possa conferir ao direito fundamental do meio ambiente equilibrado a característica de direito absoluto, certo é que ele se insere entre os direitos indisponíveis, devendo-se acentuar a imprescritibilidade de sua reparação, e a sua inalienabilidade, já que se trata de bem de uso comum do povo (art. 225, caput, da CF/1988). </strong>3. Em tema de direito ambiental, não se cogita em direito adquirido à devastação, nem se admite a incidência da teoria do fato consumado. Precedentes do STJ e STF. 4. A proteção legal às áreas de preservação permanente não importa em vedação absoluta ao direito de propriedade e, por consequência, não resulta em hipótese de desapropriação, mas configura mera limitação administrativa. Precedente do STJ. 5. Violado o art. 14, § 1º, da Lei n. 6.938/1981, pois o Tribunal de origem reconheceu a ocorrência do dano ambiental e o nexo causal (ligação entre a sua ocorrência e a fonte poluidora), mas afastou o dever de promover a recuperação da área afetada e indenizar eventuais danos remanescentes. 6. Em que pese ao loteamento em questão haver sido concedido licenciamento ambiental, tal fato, por si só, não elide a responsabilidade pela reparação do dano causado ao meio ambiente, uma vez afastada a legalidade da autorização administrativa. 7. É inadmissível o recurso especial quanto a questão não decidida pelo Tribunal de origem, por falta de prequestionamento (Súmula 211/STJ). 8. Recurso especial parcialmente conhecido e provido” (REsp 1.394.025/MS, rel. Min. Eliana Calmon, 2ª Turma, julgado em 8-10-2013, DJe 18-10-2013).
A responsabilidade civil também tem um caráter preventivo?
Em matéria ambiental, por imperativo constitucional, observado em diversas passagens do art. 225, dada a natureza preventiva e precaucional dos deveres impostos ao Poder Público e à coletividade, quando se reconhece a incidência da responsabilização civil, esta jamais, frise-se, jamais, esgota-se numa função meramente reparatória, sob pena de se fazer uma capitis diminutio máxima da razão de ser das normas ambientais [civis, penais e administrativas] que são criadas para conter, impedir, evitar o risco, o ilícito e o dano, admitindo cada uma destas figuras como categorias que podem ser tuteladas de forma distinta e cumulativa se for o caso.
A essencialidade à vida, a infungibilidade do uso comum do equilíbrio ecológico e sua irrenuncialidade por quem quer que seja não admitem qualquer possibilidade de que ele [o equilíbrio ecológico] possa ser substituído por outro bem de qualquer outra estirpe, razão pela qual a sanção civil ambiental deve ter sempre, e inexoravelmente, um papel precaucional, para o futuro, ainda que se trate de reparar o que ficou no passado. Essa é a leitura que se extrai, por exemplo, do lapidar voto do Ministro Og Fernandes quando afirma em sua ementa:
“Em qualquer quantidade que seja derramamento de óleo é poluição, seja por inobservância dos padrões ambientais (inteligência do art. 3º, III, e, da Lei n. 6.938/1981, c/c o art. 17 da Lei n. 9.966/2000), seja por conclusão lógica dos princípios da solidariedade, dimensão ecológica da dignidade humana, prevenção, educação ambiental e preservação das gerações futuras”. (Agravo em REsp 667.867/SP (2015/0041944-0).
Na esteira dos arts. 927 e 489 do Código de Processo Civil, o julgado acima é coerente com a posição que vem sendo manifestada pelo Superior Tribunal de Justiça (REsp 1145083/MG, rel. Min. Herman Benjamin, 2ª Turma, julgado em 27-9-2011, DJe 4-9-2012) que reconhece a função profilática da responsabilidade civil ambiental, ainda que tal aspecto esteja embutido na dimensão quantitativa do dever de reparar.
Nesse diapasão é de se elogiar o aresto cujo excerto transcrevemos acima e também logo abaixo, também porque traz segurança, calculabilidade e previsibilidade ao tema, fortalecendo e estabilizando o precedente judicial de que nenhuma responsabilização ambiental se aprisiona numa função meramente reparadora.
“A recusa de aplicação, ou aplicação truncada, pelo juiz, dos princípios do poluidor-pagador e da reparação in integrum arrisca projetar, moral e socialmente, a nociva impressão de que o ilícito ambiental compensa, daí a resposta administrativa e judicial não passar de aceitável e gerenciável “risco ou custo normal do negócio”. Saem debilitados, assim, o caráter dissuasório, a força pedagógica e o objetivo profilático da responsabilidade civil ambiental (= prevenção geral e especial), verdadeiro estímulo para que outros, inspirados no exemplo de impunidade de fato, mesmo que não de direito, do degradador premiado, imitem ou repitam seu comportamento deletério”.
(…)
A responsabilidade civil, se realmente aspira a adequadamente confrontar o caráter expansivo e difuso do dano ambiental, deve ser compreendida o mais amplamente possível, de modo que a condenação a recuperar a área prejudicada não exclua o dever de indenizar — juízos retrospectivo e prospectivo.
Como se observa, distinguem-se as razões pelas quais o ordenamento jurídico impõe a autonomia da responsabilização penal em relação à responsabilização civil, uma vez que a função (funcionalismo teleológico17) da tutela penal é proteger “bens jurídicos — essenciais ao indivíduo e à comunidade”18 com consequências extremamente graves para o sujeito, como a impossibilidade de participar da vida pública (art. 15, III, da CF/88), ao passo que a responsabilidade civil tem, na atualidade, mormente em direito ambiental, papéis destinados a: i) impor ao causador do dano (sentido lato) o dever de restabelecer de forma integral o reequilíbrio jurídico econômico suportado pela vítima; ii) a função (nesta sociedade massificada) de punir pedagogicamente para não permitir que a equação entre reparação integral e proveito econômico obtido pelo lesante possa lhe ser favorável; e, ainda, iii) um papel indissociável da prevenção no sentido de inibir comportamentos que não devem ser praticados, porque a lesão deles decorrentes implica em um dano insuportável.
Quais as condições para que se admita a desconsideração da personalidade jurídica no Direito Ambiental?
Assim, o art. 4º da Lei n. 9.605/98 (Lei de Crimes Ambientais) enuncia que:
“Art. 4º Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente.”
O dispositivo adotou regra que se distancia daquelas adotadas para outros ramos do direito.
É que, geralmente, para a resolução de crises não ambientais, a desconsideração só é aceita caso se comprove a existência de má administração ou ilícitos por parte dos administradores da pessoa jurídica.
Não é, assim, forma de reconhecer a pessoa jurídica como algo diferente de seus sócios, mas, pelo contrário, ratifica esta condição, uma vez que “salva” a entidade de um uso nefasto e desvirtuado daqueles que deveriam impulsioná-la à perseguição de suas finalidades. Enfim, é medida que, por reconhecer a existência da pessoa jurídica, pretende salvá-la de maus administradores, que dela se utilizam para beneficiar a si mesmos.
Diferentemente, o transcrito art. 4º da Lei de Crimes Ambientais limita-se a dizer que é possível desconsiderar a personalidade jurídica sempre que ela for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente. Assim, não se exige que os diretores ou administradores tenham agido com dolo, má-fé, culpa ou ilicitamente no prejuízo causado ao meio ambiente.
Tendo ocorrido o prejuízo causado pela pessoa jurídica, pouco importarão as motivações do ato causador, já que os bens de seus sócios ou diretores poderão ser responsáveis pelo ressarcimento dos prejuízos causados ao meio ambiente.
Como se dá a distribuição do ônus da prova nos processos relativos a danos ambientais?
Resumo
- O autor defende que seja atribuído, sempre, ao suposto poluidor o ônus de provar que sua atividade não foi a causadora do dano ambiental.
- Diz que não é necessário recorrer ao CPC, que prevê a distribuição dinâmica do ônus da prova como situação excepcional. Basta invocar o princípio da precaução: cabe à empresa demonstrar que sua atividade não traz riscos ao meio ambiente.
- Afirma, ainda, que é possível recorrer-se ao CDC, por força de determinação da LACP.
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Se, para a maioria dos casos, saber de antemão a regra de distribuição do ônus da prova não compromete a busca da verdade real, não é menos verdade que, para muitos outros (que a cada dia se tornam mais frequentes), dada a existência de hipossuficiência técnica, científica e econômica, a exigência da prova dos fatos constitutivos (o nexo de causalidade no presente caso) pode representar uma verdadeira negação do acesso à justiça e, por conseguinte, um afastamento do processo da verdade real.
Dexpax ilustra com perfeição o problema:
“Se o encargo da prova é do sujeito lesionado, este se encontra em uma situação extremamente desfavorável, tanto mais porque na quase totalidade dos casos, é evidente uma desigualdade econômica e financeira flagrante entre o poluidor e a vítima; se o primeiro é, por exemplo, um estabelecimento industrial, dispõe de todos os meios financeiros, até políticos, para fazer valer o seu ponto de vista; e o segundo não é mais do que um simples particular que não poderá fazer frente tendo em vista o custo das provas periciais, e, ademais será prejudicado pela lentidão do processo”.44
A solução para estes casos é, então, uma tutela jurídica diferenciada: mecanismos processuais desenvolvidos para atender a determinados direitos substanciais, ou técnicas processuais diferentes para permitir um resultado mais justo do processo.
Exatamente por isso, pensamos, aquilo que o NCPC trata como exceção (técnica da inversão do ônus) deveria ser a regra para todo e qualquer processo, ou seja, a distribuição do ônus dinâmico da prova, e não simplesmente uma técnica utilizável nas situações descritas do referido parágrafo. Está estampado no § 1º do art. 373 do CPC que, “nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído”. Ora, quando estamos diante de uma lide ambiental é mister que a regra seja justamente o ônus dinâmico da prova, dadas as características peculiares do bem ambiental, como, aliás, há tempos temos sustentado.45
Retornando ao problema da prova do nexo de causalidade nas ações de responsabilidade civil ambiental, queremos dizer que já há, no ordenamento jurídico brasileiro, técnicas aptas a minimizar os referidos problemas.
Lembremos, primeiramente, de um dos princípios fundamentais do direito ambiental, que estudamos no capítulo anterior: o princípio da precaução.
Quando se trata de incerteza científica da atividade supostamente poluidora, é o princípio da precaução ambiental que determina que cabe ao suposto poluidor a prova de que não há risco de poluição.
Com isso, queremos dizer que é a regra de direito material, vinculada ao princípio da precaução, que determina que, em toda ação de responsabilidade civil ambiental na qual a existência do dano esteja vinculada a uma incerteza científica (hipossuficiência científica), sabe-se de antemão que o ônus de provar que os danos causados ao meio ambiente não resultaram da atividade econômica é do próprio empreendedor.
Aliás, justamente com base no princípio da precaução, o Superior Tribunal de Justiça já entendeu que é aquele a quem se imputa um dano ambiental (efetivo ou potencial) quem deve suportar o ônus de provar que a atividade que desenvolveu não trazia nenhum risco ambiental. Vejamos um trecho da notícia trazida no Informativo n. 418 e da ementa de um recente julgado em conformidade com a tese aqui desenvolvida:
“DANO. MEIO AMBIENTE. PROVA. INVERSÃO. (…)
Dessa forma, a aplicação do princípio da precaução pressupõe a inversão do ônus probatório: compete a quem se imputa a pecha de ser, supostamente, o promotor do dano ambiental a comprovação de que não o causou ou de que não é potencialmente lesiva a substância lançada no ambiente” (STJ, 2ª Turma, REsp 1.060.753/SP, rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 1º-12-2009).
“DIREITO AMBIENTAL E PROCESSUAL CIVIL. DANO AMBIENTAL. LUCROS CESSANTES AMBIENTAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA INTEGRAL. DILAÇÃO PROBATÓRIA. INVERSÃO DO ÔNUS PROBATÓRIO. CABIMENTO. 1. A legislação de regência e os princípios jurídicos que devem nortear o raciocínio jurídico do julgador para a solução da lide encontram-se insculpidos não no códice civilista brasileiro, mas sim no art. 225, § 3º, da CF e na Lei 6.938/81, art. 14, § 1º, que adotou a teoria do risco integral, impondo ao poluidor ambiental responsabilidade objetiva integral. Isso implica o dever de reparar independentemente de a poluição causada ter-se dado em decorrência de ato ilícito ou não, não incidindo, nessa situação, nenhuma excludente de responsabilidade. Precedentes. 2. Demandas ambientais, tendo em vista respeitarem bem público de titularidade difusa, cujo direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é de natureza indisponível, com incidência de responsabilidade civil integral objetiva, implicam uma atuação jurisdicional de extrema complexidade. 3. O Tribunal local, em face da complexidade probatória que envolve demanda ambiental, como é o caso, e diante da hipossuficiência técnica e financeira do autor, entendeu pela inversão do ônus da prova. Cabimento. 4. A agravante, em seu arrazoado, não deduz argumentação jurídica nova alguma capaz de modificar a decisão ora agravada, que se mantém, na íntegra, por seus próprios fundamentos. 5. Agravo regimental não provido” (AgRg no REsp 1.412.664/SP, rel. Min. Raul Araújo, 4ª Turma, julgado em 11-2-2014, DJe 11-3-2014).
É o suposto poluidor que possui a incumbência de demonstrar que aquela atividade que lhe é creditada não é impactante ou não causa qualquer impactação ao meio ambiente.
Perceba-se bem que aqui não se trata de técnica processual de inversão do ônus da prova, mas regra principiológica do próprio Direito Ambiental, em que o direito material predetermina que existe uma presunção de que a incerteza científica é desfavorável ao meio ambiente e, por isso, cabe ao empreendedor a incumbência, em qualquer situação, já que assumiu o risco da atividade, de demonstrar que a sua atividade não causa danos ambientais.46
Há, ainda, outra técnica, desta vez de direito processual, que não se limita aos casos de incerteza científica: trata-se da inversão do ônus da prova, que poderá ser exercida em qualquer ação de responsabilidade civil ambiental, desde que presentes os fundamentos legais.
O raciocínio é simples e atende à finalidade da norma que será comentada. O que já se poderia fazer por intermédio do art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90) agora pode ser utilizado o § 1º do art. 373 do CPC. Vejamos:
“Art. 6º São direitos básicos do consumidor: (…)
VIII — a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências; (…).”
Entendemos que esse dispositivo se aplica às Ações Civis Públicas Ambientais, inclusive de responsabilidade civil por danos causados ao meio ambiente, por expressa disposição do art. 117 do mesmo diploma (Lei n. 8.078/90), que assim assevera:
“Art. 117. Acrescente-se à Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985, o seguinte dispositivo, renumerando-se os seguintes:
‘Art. 21. Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor’.”
Ora, vê-se que, muito embora o art. 6º, VIII, não esteja inserido no Título III do CDC, é indubitável que contém regras de Direito Processual Civil e que o art. 117 (art. 21 da LACP) manda aplicar a qualquer direito difuso (tutela do meio ambiente, por exemplo) tais dispositivos, deixando nítida a intenção de que fosse criado um plexo jurídico de normas processuais civis coletivas para serem imediatamente aplicadas aos direitos coletivos lato sensu.
Ora, sendo o art. 6º, VIII, uma regra de direito processual civil, é ilógico que não se entenda como contida esta regra de inversão do ônus da prova na determinação do art. 21 da LACP.
Ademais, o fato de se encontrar o dispositivo fora do rol do Título III, embora ontologicamente seja também uma regra de Direito Processual, não afasta nem elide o fato de que o art. 6º, VIII, do CDC é regra principiológica do diploma, que se projeta em todo o Código e, inclusive, sobre o referido Título, que cuida do Direito Processual Civil.
Importante dizer, aliás, que essa interpretação do art. 6º, VIII, do CDC, combinado com o art. 21 da LACP, longe de configurar qualquer afronta à hermenêutica, vem sendo expressamente adotada por nossos Tribunais Superiores. Vejamos o que já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:
“PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL — AÇÃO CIVIL PÚBLICA — DANO AMBIENTAL — ADIANTAMENTO DE HONORÁRIOS PERICIAIS PELO PARQUET — MATÉRIA PREJUDICADA — INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA — ART. 6º, VIII, DA LEI 8.078/1990 C/C O ART. 21 DA LEI 7.347/1985 — PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO.
- Fica prejudicado o recurso especial fundado na violação do art. 18 da Lei n. 7.347/1985 (adiantamento de honorários periciais), em razão de o juízo de 1º grau ter tornado sem efeito a decisão que determinou a perícia.
- O ônus probatório não se confunde com o dever de o Ministério Público arcar com os honorários periciais nas provas por ele requeridas, em ação civil pública. São questões distintas e juridicamente independentes.
- Justifica-se a inversão do ônus da prova, transferindo para o empreendedor da atividade potencialmente perigosa o ônus de demonstrar a segurança do empreendimento, a partir da interpretação do art. 6º, VIII, da Lei 8.078/1990 c/c o art. 21 da Lei 7.347/1985, conjugado ao Princípio Ambiental da Precaução.
- Recurso especial parcialmente provido” (STJ, 2ª Turma, REsp 972.902/RS, rel. Min. Eliana Calmon, DJ 14-9-2009).
No mesmo sentido: 1ª Turma, REsp 1.049.822/RS, rel. Min. Francisco Falcão, DJ 18-5-2009.
Contudo, além da possibilidade de utilização dos dispositivos mencionados do procedimento especial coletivo, agora é possível valer-se de modo expresso o que determina o art. 373, § 1º, em que se permite, como dito alhures, que, “nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído”.
Em resumo, há, no ordenamento jurídico, ao menos duas técnicas que podem ser utilizadas para facilitar a instrução probatória em favor do meio ambiente:
Princípio da precaução: quando o caso for de incerteza científica, há presunção relativa de que a atividade econômica imputada é a causadora do dano ambiental, cabendo ao empreendedor a prova em sentido contrário.
Inversão do ônus da prova: por aplicação do art. 6º, VIII, do CDC, nos casos de hipossuficiência ou de verossimilhança das alegações, deve o juiz, no curso do processo, entregar ao suposto poluidor o encargo de provar que não causou o dano ambiental.
Há obrigação de formação de litisconsórcio com todos os poluidores? Cabe chamameto do processo?
Resumo
- Sendo solidária a responsabilidade entre os causadores diretos ou indiretos do dano ambiental, não é obrigatória a formação de litisconsórcio passivo.
- O autor diz que não é cabível chamaneto ao processo ou denunciação a lide porque a responsabilidade é objetiva.
Livro
Como já se disse, da leitura do art. 3º, IV, da Lei n. 6.938/81, entende-se que tanto aquele que seja o causador direto quanto o que seja apenas causador indireto do dano ambiental pode ser por ele responsabilizado.
Disso extrai-se uma regra importantíssima para a efetivação da responsabilidade civil ambiental: todos os causadores (diretos e indiretos) respondem solidariamente pelos prejuízos causados ao meio ambiente.
Dizer que é solidária esta responsabilidade é o mesmo que dizer que qualquer dos causadores pode ser responsabilizado por todo o dano ambiental.
Ou, ainda, que o autor de uma ação por responsabilidade civil ambiental pode escolher responsabilizar um, alguns ou todos os que tenham concorrido direta ou indiretamente para o dano.
É, aliás, o que já decidiu o STJ, no sentido de ser meramente facultativa a formação de litisconsórcio passivo entre os diversos poluidores:
“AMBIENTAL. DRENAGEM DE BREJO. DANO AO MEIO AMBIENTE. ATIVIDADE DEGRADANTE INICIADA PELO PODER PÚBLICO E CONTINUADA PELA PARTE RECORRIDA. NULIDADE DA SENTENÇA. PARTE DOS AGENTES POLUIDORES QUE NÃO PARTICIPARAM DO FEITO. INOCORRÊNCIA DE VÍCIOS. LITISCONSÓRCIO PASSIVO FACULTATIVO. SOLIDARIEDADE PELA REPARAÇÃO DO DANO AMBIENTAL. (…)
1. Na origem, cuida-se de ação civil pública intentada em face de usina por ter ficado constatado que a empresa levava a cabo a drenagem de reservatório natural de localidade do interior do Rio de Janeiro conhecida como ‘Brejo Lameiro’. Sentença e acórdão que entenderam pela improcedência dos pedidos do Parquet em razão de a atividade de drenagem ter sido iniciada pelo Poder Público e apenas continuada pela empresa ora recorrida.
2. Preliminar levantada pelo MPF em seu parecer — nulidade da sentença em razão da necessidade de integração da lide pelo Departamento Nacional de Obras e Saneamento — DNOS, extinto órgão federal, ou por quem lhe faça as vezes —, rejeitada, pois <strong>é pacífica a jurisprudência desta Corte Superior no sentido de que, mesmo na existência de múltiplos agentes poluidores, não existe obrigatoriedade na formação do litisconsórcio, uma vez que a responsabilidade entre eles é solidária pela reparação integral do dano ambiental (possibilidade se demandar de qualquer um deles, isoladamente ou em conjunto, pelo todo).</strong> Precedente. (…)” (STJ, 2ª Turma, REsp 880.160/RJ, rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJ 27-5-2010).
No mesmo sentido: STJ, AgRg no AREsp 432.409/RJ, rel. Min. Herman Benjamin, 2ª Turma, julgado em 25-2-2014, DJe 19-3-2014.
E mais: não importa a esta ação qualquer discussão quanto à intensidade da responsabilidade de cada um dos imputados. Tudo isso, em busca de uma tutela que seja o mais benéfica possível para o meio ambiente.
O princípio da solidariedade na responsabilidade civil ambiental é princípio de justiça, de modo que não cabe, na análise da verificação do dano ambiental provocado por várias e diversas fontes, determinar qual teria sido o papel de cada um.
A proporcionalidade do dano causado por cada fonte poluidora só é importante para futura ação regressiva do que foi totalmente condenado pelo dano ambiental contra os demais causadores não condenados.
Assim, ratificando, aquele que causou ou contribuiu de alguma forma para o dano ambiental pode ser responsabilizado integralmente porque responde solidariamente pelo todo.
A verificação da proporção do que ele causou só poderá ser feita em ação própria contra os demais responsáveis, porque, aliás, em sede de responsabilidade objetiva ambiental, não se admite a figura do chamamento ao processo (modalidade de intervenção de terceiro que busca trazer ao processo os demais devedores solidários) ou da denunciação da lide (modalidade de intervenção de terceiros que busca, no mesmo processo, o direito de regresso). Vejamos o que já decidiu o STJ:
“PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. (…)
2. A Ação Civil Pública deve discutir, unicamente, a relação jurídica referente à proteção do meio ambiente e das suas consequências pela violação a ele praticada.
3. Incabível, por essa afirmação, a denunciação da lide.
4. Direito de regresso, se decorrente do fenômeno de violação ao meio ambiente, deve ser discutido em ação própria. (…)” (STJ, 1ª Turma, REsp 232.187/SP, rel. Min. José Delgado, DJ 8-5-2000).
Qual é a natureza da responsabilidade do estado por dano ambiental no caso de falta de fiscalização?
Resumo
- Fiquei confuso. Fala no início em responsabilidade solidária, mas depois, mencionando julgado do STJ, diz que é subsidiária, para evitar que a sociedade arque duas vezes com o dano.
Livro
Com base na ideia de solidariedade passiva e de buscar, sempre, que haja efetiva reparação das lesões causadas ao meio ambiente, a jurisprudência de nossos Tribunais Superiores vem reiteradamente decidindo que o ente estatal deve ser responsabilizado por ter falhado em seu dever de fiscalização.
É o que fica claro da leitura de decisão publicada no Informativo n. 390 do STJ:
“DANO. MEIO AMBIENTE. OMISSÃO. FISCALIZAÇÃO. UNIÃO. (…)
Nesse contexto, observa o Min. Relator que a jurisprudência deste Superior Tribunal é no sentido de reconhecer a legitimidade passiva da pessoa jurídica de direito público para responder pelos danos causados ao meio ambiente em decorrência de sua conduta omissa quanto ao dever de fiscalizar. Assim, não se trata de determinar previamente a responsabilidade da União, mas alocá-la adequadamente no polo passivo da ação, diante da presunção de sua responsabilidade em concorrer com o dano ao meio ambiente e, caso exista prova superveniente a isentá-la, o feito deverá ser extinto em relação a ela. (…)” (REsp 529.027/SC, rel. Min. Humberto Martins, julgado em 16-4-2009).
No mesmo sentido, ainda, é o que foi noticiado no Informativo n. 399 do STJ:
“DANO AMBIENTAL. LOTEAMENTO IRREGULAR.
Em ação civil pública ajuizada contra o município e outros, por improbidade administrativa e parcelamento do solo em desacordo com a legislação vigente, o que causou danos ao meio ambiente, a sentença excluiu o município por entender que ele atuou dentro da lei (aplicou multa e embargou a obra), logo não seria possível imputar-lhe responsabilidade. Por sua vez, o TJ manteve a sentença.
Explica o Min. Relator que, apesar de o município aplicar multa e embargar a obra, não avocou para si a responsabilidade pela regularização do loteamento às expensas do loteador e dessa omissão resultou um dano ambiental. (…)
Por isso, se o município não impede a consumação do dano ambiental, deve ser responsabilizado conjuntamente com o loteador pelos prejuízos daí advindos; entretanto, posteriormente, poderá acionar a próprio loteador regressivamente, porque, conforme o próprio artigo citado da Lei n. 6.766/1979, está obrigado a promover a regularização do loteamento às expensas do loteador, como já dito” (REsp 1.113.789-SP, rel. Min. Castro Meira, julgado em 16-6-2009).
Em corolário, REsp 1.071.741/SP, rel. Min. Herman Benjamin, 2ª Turma, julgado em 24-3-2009, DJe 16-12-2010.
É claro que, uma vez responsabilizada, pode a pessoa jurídica de direito público obter, em ação regressiva contra o causador direto do dano, indenização pelos prejuízos sofridos. Aliás, há decisões que afirmam ser um dever do Estado buscar tal ressarcimento, evitando, assim, uma injusta oneração da sociedade em prol do particular poluidor. É o que se extrai de passagem do Informativo n. 388 do STJ:
“DANOS AMBIENTAIS. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA.
A questão em causa diz respeito à responsabilização do Estado por danos ambientais causados pela invasão e construção, por particular, em unidade de conservação (parque estadual).
A Turma entendeu haver responsabilidade solidária do Estado quando, devendo agir para evitar o dano ambiental, mantém-se inerte ou atua de forma deficiente. (…)
Há que ponderar, entretanto, que essa cláusula de solidariedade não pode implicar benefício para o particular que causou a degradação ambiental com sua ação, em detrimento do erário.
Assim, sem prejuízo da responsabilidade solidária, deve o Estado — que não provocou diretamente o dano nem obteve proveito com sua omissão — buscar o ressarcimento dos valores despendidos do responsável direto, evitando, com isso, injusta oneração da sociedade. Com esses fundamentos, deu-se provimento ao recurso” (REsp 1.071.741/SP, rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 24-3-2009).
É interessante notar que, ao se imputar a responsabilidade ao Estado pela sua omissão, deve restar cabalmente demonstrado que a referida omissão foi realmente responsável pelo dano ao meio ambiente, no sentido de que a omissão estatal tenha sido determinante para a concretização do dano ou do seu agravamento pelo seu causador imediato. Ademais, não se pode esquecer que, ao punir o estado, a população é que acaba sendo vitimada duas vezes, seja pelo dano ao meio ambiente, do qual ela é titular, seja pela condenação do estado, que, em última análise, é ficção jurídica que representa a coletividade. Exatamente por isso que o Superior Tribunal de Justiça pacificou que a responsabilidade executiva do estado será subsidiária, ou seja, submeter-se-á à execução caso o degradador direto não cumpra a obrigação, “seja por total ou parcial exaurimento patrimonial ou insolvência, seja por impossibilidade ou incapacidade, por qualquer razão, inclusive técnica, de cumprimento da prestação judicialmente imposta, assegurado, sempre, o direito de regresso (art. 934 do Código Civil), com a desconsideração da personalidade jurídica, conforme preceitua o art. 50 do Código Civil” (REsp 1.071.741/SP, 2ª Turma., rel. Min. Herman Benjamin, DJe 16-12-2010).
A responsabilidade do estado em caso de omissão de fiscalização é objetiva ou subjetiva?
Resumo
- Vem prevalencendo que se trata de omissão específica, que gera responsabilidade objetiva.
Livro
Questão que suscita certa controvérsia é quanto a ser objetiva ou subjetiva a responsabilidade civil do Estado por lesões causadas ao meio ambiente.
É que, para as situações em geral, a responsabilidade estatal por omissão é do tipo subjetiva, ao contrário do que ocorre com os atos comissivos, em que, por força do art. 37, § 6º, da CF/88, independe da demonstração de elemento anímico. É o que se chama de culpa administrativa.
Com base nesse argumento, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça que, mesmo para as demandas ambientais, seria subjetiva a responsabilidade do Estado por ter falhado em seu dever fiscalizatório. Vejamos:
“RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. POLUIÇÃO AMBIENTAL. EMPRESAS MINERADORAS. CARVÃO MINERAL. ESTADO DE SANTA CATARINA. REPARAÇÃO. RESPONSABILIDADE DO ESTADO POR OMISSÃO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA.
1. A responsabilidade civil do Estado por omissão é subjetiva, mesmo em se tratando de responsabilidade por dano ao meio ambiente, uma vez que a ilicitude no comportamento omissivo é aferida sob a perspectiva de que deveria o Estado ter agido conforme estabelece a lei.
2. A União tem o dever de fiscalizar as atividades concernentes à extração mineral, de forma que elas sejam equalizadas à conservação ambiental. Esta obrigatoriedade foi alçada à categoria constitucional, encontrando-se inscrita no artigo 225, §§ 1º, 2º e 3º da Carta Magna. (…)” (STJ, 2ª Turma, REsp 647.493/SC, rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ 22-10-2007).
Não é esse, porém, o entendimento que vem prevalecendo em nossos Tribunais Superiores.
Tem-se entendido que, decorrendo a responsabilidade por danos ao meio ambiente de norma específica, deve-se excetuar, nesses casos, a regra da culpa administrativa, aplicando-se também ao Estado o regime da responsabilidade objetiva. Vejamos o que se decidiu no julgamento do REsp 1.071.741/SP:
“(…) 4. Qualquer que seja a qualificação jurídica do degradador, público ou privado, no Direito brasileiro a responsabilidade civil pelo dano ambiental é de natureza objetiva, solidária e ilimitada, sendo regida pelos princípios do poluidor-pagador, da reparação in integrum, da prioridade da reparação in natura, e do favor debilis, este último a legitimar uma série de técnicas de facilitação do acesso à Justiça, entre as quais se inclui a inversão do ônus da prova em favor da vítima ambiental. Precedentes do STJ.
5. Ordinariamente, a responsabilidade civil do Estado, por omissão, é subjetiva ou por culpa, regime comum ou geral esse que, assentado no art. 37 da Constituição Federal, enfrenta duas exceções principais. Primeiro, quando a responsabilização objetiva do ente público decorrer de expressa previsão legal, em microssistema especial, como na proteção do meio ambiente (Lei n. 6.938/1981, art. 3º, IV, c/c o art. 14, § 1º). Segundo, quando as circunstâncias indicarem a presença de um standard ou dever de ação estatal mais rigoroso do que aquele que jorra, consoante a construção doutrinária e jurisprudencial, do texto constitucional. (…)” (STJ, 2ª Turma, REsp 1.071.741/SP, rel. Min. Herman Benjamin, DJ 16-12-2010).
No mesmo sentido, é o que se decidiu, ainda, no REsp 604.725/PR, a saber:
“AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO CAUSADO AO MEIO AMBIENTE. LEGITIMIDADE PASSIVA DO ENTE ESTATAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. RESPONSÁVEL DIRETO E INDIRETO. (…)
2. O art. 23, inc. VI, da Constituição da República fixa a competência comum para a União, Estados, Distrito Federal e Municípios no que se refere à proteção do meio ambiente e combate à poluição em qualquer de suas formas. No mesmo texto, o art. 225, caput, prevê o direito de todos a um meio ambiente ecologicamente equilibrado e impõe ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
3. O Estado recorrente tem o dever de preservar e fiscalizar a preservação do meio ambiente. Na hipótese, o Estado, no seu dever de fiscalização, deveria ter requerido o Estudo de Impacto Ambiental e seu respectivo relatório, bem como a realização de audiências públicas acerca do tema, ou até mesmo a paralisação da obra que causou o dano ambiental.
4. O repasse das verbas pelo Estado do Paraná ao Município de Foz de Iguaçu (ação), a ausência das cautelas fiscalizatórias no que se refere às licenças concedidas e as que deveriam ter sido confeccionadas pelo ente estatal (omissão), concorreram para a produção do dano ambiental. Tais circunstâncias, pois, são aptas a caracterizar o nexo de causalidade do evento, e assim, legitimar a responsabilização objetiva do recorrente.
5. Assim, independentemente da existência de culpa, o poluidor, ainda que indireto (Estado-recorrente) (art. 3º da Lei n. 6.938/81), é obrigado a indenizar e reparar o dano causado ao meio ambiente (responsabilidade objetiva). (…)” (STJ, 2ª Turma, REsp 604.725/PR, rel. Min. Castro Meira, DJ 22-8-2005).