Cetoacidose diabética Flashcards
Quais são os 3 achados clínicos da cetoacidose diabética ?
Os 3 achados clínicos são: hiperglicemia, cetonemia e acidose metabólica com ânion-gap elevado.
O que é a cetoacidose diabética ?
É a complicação mais grave do DM tipo 1, embora possa acometer pacientes com DM tipo 2 em situações de estresse (ex., infecções graves), apresentando taxa de mortalidade em torno de 100% se não tratada (e de 5% se adequadamente tratada), sendo decorrência direta da falta de insulina.
A cetoacidose também pode ser encontrada nos casos de diabetes secundário, como ocorre em algumas doenças endócrinas (ex.: acromegalia, Cushing, hipertireoidismo), pancreatite, etc.
Qual a epidemiologia da cetoacidose diabética ?
A cetoacidose diabética ocorre em cerca de 25% dos quadros de abertura da de DM tipo 1, e de 6 a 8% nos pacientes já diagnosticados com DM tipo 1.
O prognóstico é etário dependente, variando de 1% para adultos sadios, mas podendo chegar acima de 30% para idosos com comorbidades prévias. A cetoacidose diabética é a principal causa de óbito em diabéticos com menos de 24 anos.
Quais os principais fatores de risco para a cetoacidose diabética ?
Fatores de risco para CAD em pacientes ainda sem
diagnóstico de DM:
* crianças mais jovens;
* Atraso no diagnóstico;
* Menor nível socioeconômico;
* Residência em um país com baixa prevalência DM1.
Fatores de risco para CAD em pacientes com DM já diagnosticado:
* omissão no uso de insulina;
* acesso limitado a serviços médicos;
* interrupção não percebida do fluxo de insulina em usuários de sistema de infusão contínua de insulina (SICI) – popularmente conhecido como “bomba de insulina”.
Fatores de risco para gerais para CAD:
* sexo feminino;
* doenças psiquiátricas;
* baixo nível socioeconômico;
* episódios prévios de cetoacidose.
Qual a fisiopatologia da cetoacidose diabética ?
Quando o organismo é privado de fontes energéticas exógenas (alimentos), há queda da glicemia e dos níveis plasmáticos de insulina (anabólico), com elevação concomitante dos hormônios contrainsulínicos, catabólicos, glucagon, cortisol, GH e catecolaminas. Os hormônios contrarreguladores desempenham ações
hiperglicêmicas dentro do metabolismo glicídico. O glucagon é um indutor da produção hepática de glicose pelo estímulo às reações de glicogenólise e gliconeogênese. A epinefrina (catecolamina) estimula a glicogenólise e a gliconeogênese e prejudica a utilização periférica de glicose
pelos tecidos insulinossensíveis (tecidos muscular e adiposo). Além disso, a epinefrina inibe a secreção de insulina e estimula a secreção de glucagon. O cortisol e o GH atuam sinergicamente com os outros hormônios contrarreguladores, estimulando a produção hepática de glicose e reduzindo sua utilização nos tecidos periféricos. Os quatro contrarreguladores aumentam a resistência periférica à ação da insulina.
As reservas energéticas endógenas passam a ser utilizadas, ocorrendo consumo do glicogênio hepático, lipólise com produção de ácidos graxos e glicerol e catabolismo muscular, gerando aminoácidos. No fígado, os ácidos graxos serão
convertidos em cetonas (cetogênese). No jejum, este processo é revertido pela alimentação, quando ocorre aumento da secreção pancreática de insulina. No DM tipo 1, a ausência de insulina perpetua e agrava este desarranjo metabólico, com aumento hepático de corpos cetônicos.
Por que ocorre a hiperglicemia na cetoacidose diabética ?
A hiperglicemia é a consequência, principalmente, do aumento de produção hepática de glicose, mas, também, devido à diminuição relativa de sua utilização pelos tecidos, à hemoconcentração resultante da diurese osmótica por ela induzida e,
tardiamente, pela diminuição da excreção de glicose na urina secundária à deterioração da função renal. A glicemia varia em média entre 400–800 mg/dl e, isoladamente, não serve como parâmetro de gravidade.
Por que ocorre cetonemia na cetoacidose diabética ?
Os corpos cetônicos são produzidos em larga escala devido à lipólise excessiva (liberando uma grande quantidade de ácidos graxos livres na circulação), situação que ocorre quando os níveis de insulina encontram-se extremamente baixos.
Os principais cetoácidos produzidos na cetoacidose diabética são o ácido beta-hidroxibutírico, o ácido acetoacético e a acetona (essa última, por ser volátil, é eliminada na respiração — hálito cetônico), ocorrendo seu acúmulo devido a uma produção muito maior que a capacidade de consumo e excreção. No plasma se dissociam em cetoânions (betahidroxibutirato e acetoacetato) e H+. São produzidos, em média, 500 a 1.000 mEq por dia de cetoácidos neste distúrbio metabólico. Sua excreção pelo rim depende da função renal prévia e do grau de desidratação do paciente. Parte dos ácidos graxos livres resultantes da lipólise no tecido adiposo é convertida em triglicerídeos no fígado, ocorrendo hipertrigliceridemia grave. Fato interessante é que, como as fitas reagentes que detectam corpos cetônicos só identificam o
acetoacetato, os níveis de corpos cetônicos podem estar inicialmente baixos, pelo excesso relativo de beta-hidroxibutirato.
À medida que ocorre o tratamento da cetoacidose, ocorre a conversão de beta-hidroxibutirato a acetoacetato, podendo paradoxalmente “piorar” a cetonúria. Por esse motivo, não devemos usar a cetonúria como parâmetro no tratamento da
cetoacidose.
Por que ocorre a acidemia na cetoacidose diabética ?
A acidose metabólica, consequente ao excesso de cetoácidos, é do tipo ânion-gap aumentado (diferença entre cátion e ânion), devido ao acúmulo dos cetoânions, neste caso o beta-hidroxibutirato e o acetoacetato. No curso da cetoacidose podem também associar-se acidose metabólica do tipo ânion-gap normal (hiperclorêmica) e acidose láctica por hipoperfusão tissular (que também cursa com ânion-gap aumentado). A acidose com AG normal ocorrerá se os cetoânions forem eliminados ou consumidos antes da correção do excesso de H+.
Por que ocorrem os distúrbios hidroeletrolíticos na cetoacidose diabética ?
A elevação da osmolaridade sérica provoca a saída de fluido do compartimento intra para o extracelular, carreando eletrólitos como potássio, cloro e fosfato. Uma vez no espaço intravascular, estes elementos são eliminados em grande
quantidade na urina devido à diurese osmótica consequente à hiperglicemia (aumento de glicose IV -> aumento de H2O e eletrólitos IV -> aumento de perda de eletrólitos na urina -> aumento de perda de H2O na urina (diurese osmótica)).
Na cetoacidose, temos uma situação paradoxal em relação ao potássio e ao fosfato: apesar de uma grande perda urinária e grave espoliação corporal destes elementos, os seus níveis séricos mantêm-se normais ou elevados. São basicamente três
motivos: (1) a depleção de insulina predispõe à saída de potássio e fosfato das células; (2) a hiperosmolaridade extrai água e potássio das células; e (3) a acidemia promove a entrada de H+ nas células em troca da saída de potássio. A gravidade do quadro permite que se estime o deficit de água e eletrólitos.
Quais são os fatores precipitantes da cetoacidose diabética ?
Em cerca de 40% dos casos o fator desencadeante da cetoacidose é infeccioso, devendo ser pesquisado na história clínica.
As infecções (pneumonia, ITU, gastroenterite, etc.) compõem a causa mais comum de cetoacidose diabética em diabéticos tipo 1. Outras causas comuns de descompensação são o abuso de bebidas alcoólicas, o uso de doses inadequadamente baixas de insulina e a gestação, principalmente na segunda metade. Em 10% dos casos, o diagnóstico de diabetes é estabelecido por ocasião da instalação da cetoacidose. Em geral, as causas desencadeantes mais frequentes são:
* infecções;
* omissão ou uso inadequado da insulina;
* diabetes de início recente, entre outras.
Em pacientes mais idosos, sempre devemos lembrar do infarto agudo do miocárdio como fator precipitante, principalmente porque esses pacientes muitas vezes apresentam infartos silenciosos. Algumas medicações que podem desencadear cetoacidose são: glicocorticoides,
inibidores da protease, tiazídicos, betabloqueadores, agentes simpaticomiméticos, antipsicóticos atípicos (entre eles,
olanzapina e clozapina).
Quais são os sinais e sintomas da cetoacidose diabética ?
O paciente frequentemente refere poliúria, polidipsia, polifagia, noctúria, glicosúria (glicemia acima do limiar de reabsorção renal), visão embaçada, associados a astenia e perda ponderal, principalmente nos dias anteriores à instalação do quadro.
Náuseas e vômitos por gastroparesia e uma resposta neurológica ao acúmulo de cetoácidos são frequentes e contribuem para a espoliação do paciente.
Dor abdominal, principalmente em crianças, por atrito entre os folhetos do peritônio desidratado e por distensão e estase gástrica, pode estar presente e ser intensa a ponto de simular um abdome agudo.
O paciente tipicamente se apresenta hipo-hidratado, taquicárdico e hiperventilando (respiração de Kussmaul — respiração rápida e profunda), como resposta à acidemia.
O hálito cetônico (cheiro de “maçã podre”) é característico.
Alterações do nível de consciência, letargia, déficit neurológico focal, convulsões e até mesmo coma, podem ocorrer, especialmente com níveis muito elevados de glicemia.
Obs.: em cerca de 10% dos casos o indivíduo pode se apresentar em coma, ocorrendo geralmente quando acontece elevação significativa da osmolalidade sérica > 320 mOsm/kg.
Quais as alterações laboratoriais presentes na cetoacidose diabética ?
Leucocitose é a regra, entre 10.000–25.000/mm3 com ou sem desvio à esquerda, mesmo na ausência de infecção, devido à intensa atividade do córtex adrenal, com aumento dos glicocorticoides (aumento de cortisol e catecolaminas). Culturas devem ser obtidas conforme os prováveis
sítios de infecção, assim como os métodos de imagem e outros exames (ECG) devem ser direcionados para as possíveis patologias associadas (fator precipitante).
Na cetoacidose, é comum encontrarmos normocalemia e hipercalemia (apesar da grande espoliação corporal de potássio). O mesmo vale para o fosfato. A ureia e a creatinina podem se elevar pela desidratação (azotemia pré-renal), por conta da diurese osmótica ou então ocorre um falso aumento da creatinina, que pode ser confundida com acetoacetato pelo método colorimétrico do laboratório. É comum a hiponatremia, embora geralmente seja uma pseudo-hiponatremia. A hiperglicemia, pelo seu
efeito osmótico, “puxa” água das células diluindo o sódio plasmático. Estima-se que para cada aumento de 100 pontos acima de 100 mg/dl da glicemia, o sódio cai 1,6 pontos. Portanto, devemos corrigir o sódio sérico pela hiperglicemia, adicionando 1,6 ao sódio dosado para cada aumento de 100 da glicemia.
Deve-se lembrar que hipertrigliceridemia grave diminui falsamente o nível sérico do sódio, provocando também pseudo hiponatremia. Na cetoacidose, é importante lembrar que o sódio plasmático pode estar normal, elevado ou baixo, embora o sódio corporal total esteja quase sempre diminuído.
Outros achados laboratoriais que podem ser encontrados são: elevações discretas da amilase (geralmente de origem salivar), transaminases (TGO, TGP), CKMB.
Como é realizado o diagnóstico de cetoacidose diabética ?
O diagnóstico definitivo exige a presença de hiperglicemia, acidose metabólica (com ânion-gap aumentado) e cetonemia ou cetonúria significativa.
Deve-se lembrar que o método habitualmente usado na pesquisa de corpos cetônicos na urina e no sangue utiliza a reação do nitroprussiato, a qual detecta a presença de acetoacetato e de cetona, mas não de beta-hidroxibutirato, o principal cetoânion produzido na cetoacidose diabética. Por esse motivo, a não detecção de corpos cetônicos não exclui a presença destes. Podemos repetir o exame de urina da cetonúria adicionando peróxido de hidrogênio (água oxigenada), capaz de promover a conversão não enzimática do beta-hidroxibutirato em acetoacetato, revelando, então, o diagnóstico.
Uma forma mais confiável é a pesquisa indireta através do cálculo do ânion-gap.
Caso o valor encontrado esteja acima do normal, basta a exclusão de hiperlactatemia grave (lactato arterial 5 mm/L) para inferir a presença de cetonemia.
No diagnóstico diferencial, devemos lembrar da cetose de jejum, cetoacidose alcoólica, acidose pelo uso de medicamentos, como no caso dos salicilatos e metformina, entre outras causas de acidose metabólica com ânion-gap elevado, como
acidose láctica e insuficiência renal crônica.
Qual é o tratamento para a cetoacidose diabética ?
A conduta terapêutica específica tem por objetivo o restabelecimento da volemia, a queda da glicemia até níveis aceitáveis, a resolução da cetoacidose e a correção dos distúrbios eletrolíticos.
Como é realizada a reposição volêmica vigorosa no tratamento da cetoacidose diabética ?
Deve ser prontamente iniciada, pois é a medida isolada de maior impacto no tratamento da cetoacidose. A solução de escolha é a salina isotônica (SF a 0,9%), com um volume na primeira hora em torno de 1.000 ml. O Ringer lactato deve ser usado com cautela no início, pois contém potássio, mas tem como vantagem a menor concentração de cloro. Em cardiopatas ou outros pacientes de risco para a infusão de grandes quantidades de fluidos, a reposição deve ser cuidadosamente monitorada. Os objetivos da reposição volêmica são:
* repor o deficit de água;
* manter a pressão arterial;
* reduzir os níveis de glicemia;
* melhorar a perfusão tissular e renal o que contribui para a reversão da acidose.
Um parâmetro bastante usado é a obtenção de débito urinário de pelo menos 50 ml/h.
Após a primeira hora de hidratação, o ideal é a dosagem do sódio sérico, que deve ser corrigido pela hiperglicemia. Se o sódio corrigido estiver normal ou elevado (> 150 mEq/L), a reposição deve continuar com salina a 0,45%; se baixo, a solução continua sendo o soro fisiológico a 0,9%. Nesse momento, a velocidade da reposição é ajustada para 4–14 ml/kg/h (200 e 800 ml/h), conforme as necessidades de cada paciente. As perdas hídricas na cetoacidose são, em sua maioria, hipotônicas. Em crianças e adolescentes, a reposição hídrica inicial deve ser em média de 20 ml/kg rápida, para a estabilidade circulatória, podendo ser repetida caso persista o choque.
Quando a glicemia atinge 200–250 mg/dl, a reposição de fluidos deve ser feita com solução glicosada a 5% e com NaCl a 0,45% para prevenção de hipoglicemia e para a prevenção do edema cerebral, que poderia ocorrer com uma queda muito rápida da glicemia. A infusão deve variar entre 150–250 ml/h, mantendo-se a glicemia entre 150–200 mg/dl. A reposição excessiva de líquidos, que alguns autores consideram como mais de cinco litros em um período de 8h, pode contribuir para o surgimento de complicações da cetoacidose, como edema cerebral e síndrome da angústia respiratória.
Como é realizada a insulinoterapia no tratamento da cetoacidose diabética ?
Embora seja parte essencial do tratamento da cetoacidose diabética, a insulinoterapia só será eficaz se as medidas para restabelecimento da volemia estiverem em curso. O início da insulina antes da reposição volêmica pode agravar a
hipovolemia e precipitar o choque hipovolêmico, pois a insulina promove a captação celular de glicose, que provoca a entrada de água nas células, espoliando o líquido intravascular.
Deve ser realizada, inicialmente, uma dose de ataque de insulina regular intravenosa (0,1 a 0,15 U/kg) para sensibilizar os receptores insulínicos, seguida de infusão venosa contínua de 0,1 U/kg/h. O objetivo é uma queda média da glicemia de 50
a 75 mg/dl/h. A dose da infusão deve ser dobrada caso esta queda não ocorra. Deve-se evitar quedas da glicemia acima de 100 mg/dl/h, devido ao risco de hipoglicemia e de edema cerebral. A ausência de queda da glicemia pode sugerir a presença de um processo infeccioso ou de hidratação inadequada. A infusão contínua deverá ser mantida enquanto durar a cetonúria ou, preferencialmente, até a normalização do pH e bicarbonato, passando-se então para a via SC. Na presença de hipocalemia (K < 3,3), a insulina não deve ser iniciada. Existe um esquema alternativo de insulinoterapia com insulina regular IM ou SC.
Quando a glicemia atinge valores ≤ 200-250 mg/dl, a infusão de insulina deve ser diminuída (0,02–0,05 U/kg/h) e SG 5% deve ser adicionado à hidratação. O objetivo é manter uma glicemia entre 150–200 mg/dl até que a CAD se resolva.
A cetonemia pode ser acompanhada pelo cálculo do ânion-gap, o que deve ser feito a cada duas horas inicialmente e, posteriormente, a cada quatro horas. A normalização da acidose e da cetonemia demora, normalmente, o dobro do tempo necessário para que a glicemia atinja 250 mg/dl. Para avaliação do bicarbonato e do pH séricos, pode-se utilizar amostras de sangue venoso, desde que se corrija o pH conforme a seguinte equação:
pH sangue arterial = pH sangue venoso + 0,03
Os critérios de resolução da CAD são:
* pH > 7,3;
* bicarbonato > 18 mEq/L;
* glicemia < 200 mg/dl.
Quando isto é alcançado, é possível liberar a dieta e iniciar o esquema de insulinização subcutânea conforme valores de glicemia capilar a cada 3 ou 4h. A infusão contínua de insulina venosa só será suspensa após 1–2h da dose de insulina SC. Com o
paciente estável e se alimentando corretamente, pode-se retornar (ou iniciar) a insulina NPH/glargina/detemir.
Obs.: estudos recentes têm demonstrado que, nos casos de CAD não complicados, o uso de análogos ultrarrápidos de insulina (lispro, aspart ou glulisina) por via SC de hora em hora ou de 2/2h podem ser utilizados. A dose inicial é de 0,3 U/kg SC, seguida de 0,2 U/kg SC. Assim como no esquema de infusão IV, se a glicemia não cair na taxa adequada, a dose de insulina deve ser dobrada. Quando a glicemia atinge 200 mg/dl, a dose é reduzida para 0,1 U/kg SC a cada 2h, até resolução da CAD.
Como é realizada a reposição de fosfato e potássio no tratamento da cetoacidose diabética ?
Apesar de a hiponatremia ser o distúrbio mais frequentemente visto no momento do diagnóstico da cetoacidose diabética, são as variações do potássio sérico que carreiam maior risco para o paciente. A acidose (os corpos cetônicos são ácidos) e a hiperosmolaridade elevam o nível deste eletrólito no sangue, mesmo com uma importante depleção do potássio corporal total. A reposição de potássio pode ser iniciada caso os níveis séricos estejam < 5 mEq/L, na presença de um fluxo urinário adequado.
A administração de insulina na presença de hiperglicemia equivale à glicoinsulinoterapia, desviando o potássio para o interior das células e agravando a hipopotassemia. Segundo a Sociedade Brasileira de Diabetes, o potássio é geralmente reposto após o início da diurese. Não há consenso quanto à administração de cloreto ou fosfato de potássio, sendo o primeiro mais utilizado. Se houver necessidade de reposição de fósforo
conforme mencionado a seguir, pode-se usar um terço do total em fosfato monopotássico a 20% (1 ml = 1,48 mEq de K) e o restante em KCl a 10% (1 ml = 1,3 mEq).
* Se < 3,3 mEq/L: reposição com 40 mEq de potássio;
* Se ≥ 3,3 mEq/L e < 5 mEq/L: adicionar 20–30mEq de potássio por soro;
* Se ≥ 5 mEq/L: não administrar potássio inicialmente, mas checá-lo de 2/2h.
O fósforo apresenta um aumento falso pela acidose, mas as reservas estão diminuídas. Em geral, sua deficiência não apresenta repercussões clínicas, mas as questões teóricas envolvidas são de que deficiência de fósforo (< 1 mg/dl) pode levar à
queda nos níveis de 2,3-difosfoglicerato (2,3-DPG, molécula que regula a afinidade da hemoglobina pelo oxigênio), diminuindo a oferta de oxigênio aos tecidos. Sua reposição é controversa e em geral deve ser avaliada somente nas seguintes situações: (1) disfunção cardíaca; (2) anemia; (3) depressão respiratória; e (4) nível sérico de fosfato < 1,0 mg/dl. Quando necessário, 20–30 mEq/L de fosfato de potássio podem ser administrados, em velocidade não superior a 3–4 mEq/h. A reposição pode levar à queda de Ca e Mg.
A reposição de bicarbonato ainda é controversa, pois os estudos não demonstraram benefícios da reposição de bicarbonato em pacientes com pH entre 6,9 e 7,1. Segundo a ADA, somente pacientes adultos com pH < 6,9 devem receber reposição de bicarbonato, devido aos efeitos potencialmente graves da acidose. A dose usual é de 100 mEq/L de bicarbonato de sódio diluída em 400 ml de água destilada, com 20 mEq de KCl (se K < 5,3) IV em 2h. Algumas complicações da administração de bicarbonato são:
* hipocalemia (O bicarbonato de sódio pode auxiliar na redução do potássio sérico na hipercalemia ao alcalinizar o volume sanguíneo sistêmico e causar o deslocamento intracelular do potássio por meio da troca de hidrogênio e potássio);
* arritmias cardíacas;
* sobrecarga de sódio;
* diminuição da oxigenação tissular pelo desvio da curva de dissociação da hemoglobina;
* acidose liquórica paradoxal.
Obs.: para pacientes pediátricos, alguns autores recomendam o uso de bicarbonato quando o pH for < 7,1. A dose a ser administrada pode ser
calculada pela seguinte fórmula:
HCO3 oferecido (mEq) = (HCO3 desejado - HCO3 encontrado) x 0,3 x peso
sendo:
* bicarbonato desejado é 12 mEq. O bicarbonato de sódio é diluído em água destilada (1:1) e administrado em 2h.
Quais as principais complicações que podem ser causadas pela cetoacidose diabética ?
As complicações podem ser divididas entre aquelas consequentes à doença ou ao tratamento. No primeiro grupo situam se a infecção, a hipertrigliceridemia grave (triglicerídeos > 1.000 mg/dl) e sua decorrência, e a pancreatite aguda. Entre as complicações da terapêutica, algumas merecem destaque:
* Edema cerebral;
* Síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA);
* Acidose metabólica hiperclorêmica;
* Mucormicose;
* Trombose vascular.
Como ocorre o edema cerebral na cetoacidose diabética ?
É observado em < 1% das crianças com cetoacidose, sendo uma complicação ainda mais rara em adultos. Porém, quando presente, contribui para uma taxa de mortalidade que pode exceder 70%. O estado de hiperosmolaridade sérica leva à
produção de substâncias osmoticamente ativas no interior das células do SNC (osmoles idiogênicos), na tentativa de manter um gradiente osmótico adequado. Durante a ressuscitação volêmica, há rápida queda da osmolaridade sérica
(especialmente quando a glicemia cai mais do que 100 mg/dl/h) e influxo de água e eletrólitos para o meio intracelular, com lento desaparecimento dos osmoles idiogênicos. O consequente aumento do gradiente osmótico leva ao edema cerebral cuja intensidade é diretamente proporcional à velocidade da reidratação e à quantidade de sódio ofertado. Deve-se pensar nesta complicação quando há piora do nível de consciência algumas horas após o início do tratamento, principalmente se houver rápida queda da osmolaridade sérica e oferta excessiva de água e sódio. Outras manifestações que podem ser encontradas são:
* cefaleia súbita de forte intensidade;
* incontinência esfincteriana;
* vômitos;
* agitação;
* desorientação;
* alteração dos sinais vitais (sinais de hipertensão intracraniana, como hipertensão arterial e bradicardia);
* oftalmoplegia e alterações pupilares.
Confirma-se o diagnóstico por tomografia computadorizada ou ressonância magnética de crânio, caso a gravidade justifique tal
procedimento. A terapia consiste no suporte do paciente em depressão do sensório (que pode incluir uso de manitol e ventilação mecânica) e na lentificação da correção do deficit hidroeletrolítico. Alguns fatores de risco identificados para a ocorrência de edema cerebral são:
* idade < 5 anos;
* diagnóstico recente;
* hiper-hidratação;
* acidose grave;
* uso de bicarbonato;
* hipocapnia;
* hipoglicemia;
* aumento na concentração de sódio sérico.
Como ocorre a síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA) na cetoacidose diabética ?
Embora alterações na função de troca gasosa pulmonar sejam comuns na fase de reidratação, raramente há repercussão clínica. Limitam-se a anormalidades detectadas pela análise da gasometria arterial, como a queda da PaO2 e o aumento do gradiente alveoloarterial de O2. Em uma pequena percentagem dos pacientes pode instalar-se a SDRA, complicação de alta mortalidade. A fisiopatogenia inclui a queda da pressão coloidosmótica intravascular, o aumento da pressão capilar pulmonar devido à correção da volemia e ao aumento da permeabilidade do capilar pulmonar, permitindo a fuga de fluido e proteína para o interstício e daí para o interior do alvéolo. Pacientes com suspeita de SDRA devem ser
monitorados com cateter de Swan-Ganz para confirmação diagnóstica e orientação terapêutica. A velocidade da ressuscitação volêmica parece ser um fator de risco ou, ao menos, um fator desencadeante da síndrome.
Como ocorre a acidose metabólica hiperclorêmica na cetoacidose diabética ?
Com a implementação das medidas para correção das alterações metabólicas, os cetoânions circulantes são utilizados na produção de bicarbonato pelo fígado. Entretanto, uma grande quantidade foi eliminada pelos rins devido à diurese osmótica. O deficit se evidencia pela acidose hiperclorêmica (ânion-gap normal), que é agravada pela oferta excessiva de cloro na fase de ressuscitação volêmica. Este tipo de acidose deve ser diferenciado da cetoacidose, pois não justifica
qualquer medida específica e, com o controle do diabetes, desaparecerá em poucos dias.
Como ocorre a mucormicose na cetoacidose diabética ?
A cetoacidose diabética é um dos principais fatores de risco para esta grave micose profunda. É causada por fungos saprófitas do gênero Rhizopus ou Mucor, que invadem o septo nasal, o palato, atingindo o seio cavernoso e o cérebro. Esta é a forma rinocerebral da mucormicose, caracterizada pela eliminação de uma secreção enegrecida da cavidade nasal, fruto da extensa necrose (provocada pela formação de microtrombos vasculares). Se não reconhecida e tratada
precocemente, a mucormicose é rapidamente fatal. A terapia é feita com anfotericina B venosa e cirurgia de extenso desbridamento. Existem outras formas de mucormicose, como a pulmonar e a gastrointestinal.
Como ocorre a trombose vascular na cetoacidose diabética ?
Uma das características que marcam as complicações da cetoacidose diabética é o risco aumentado de eventos trombóticos venosos e arteriais, o que parece ser consequência da desidratação e aumento da viscosidade e
coagulabilidade do sangue. Deve-se considerar heparina profilática para pacientes em coma, com idade > 50 anos ou fatores de risco para trombose.
Qual é o prognóstico para cetoacidose diabética ?
A mortalidade da CAD geralmente é menor que 5% nos centros de medicina de ponta e está mais relacionada aos fatores precipitantes da CAD (infecção, infarto, etc.). O coma e a hipotermia são sinais de mau prognóstico.
Quais os exames laboratoriais a serem solicitados para o paciente adulto com cetoacidose diabética ?
Em uma emergência hiperglicêmica, devemos solicitar os exames essenciais à avaliação da gravidade do quadro, ao acompanhamento
do manejo terapêutico e inerentes à investigação dos principais fatores precipitantes:
* Gasometria arterial;
* Glicose sérica;
* Pesquisa de cetonúria com tira reagente;
* Dosagem de cetonas séricas (cetonemia), caso a pesquisa
de cetonúria com fita reagente seja positiva;
* Eletrólitos séricos (incluindo bicarbonato sérico);
* Osmolaridade plasmática;
* Ureia e creatinina;
* Hemograma completo;
* Urinálise (EAS, Urina tipo 1 ou Sumário de urina);
* Eletrocardiograma.
Obs.: A solicitação de outros exames (culturas, radiografia de tórax, amilase e lipase) deve ser guiada pela apresentação clínica do paciente. A dosagem da hemoglobina glicada (HbA1c) pode ter
a utilidade de esclarecer se o descontrole glicêmico é crônico ou se é de instalação recente
Quais os exames laboratoriais a serem solicitados para o paciente pediátrico com cetoacidose diabética ?
Nas crianças e adolescentes que evoluam com suspeita de CAD, a ISPAD sugere que as seguintes condutas diagnósticas sejam tomadas:
* Coleta de amostra de sangue para a realização das seguintes análises:
- Glicose sérica;
- pH venoso e pCO2;
- Eletrólitos séricos (incluindo bicarbonato sérico);
- Osmolaridade plasmática;
- Ureia e creatinina;
- Hemograma completo;
- Albumina, cálcio, fosfato e magnésio;
- Cetonemia.
- Culturas:
- A solicitação de culturas deverá ser guiada de acordo com a suspeita clínica de infecção (por exemplo: sangue, urina e garganta).
- Eletrocardiograma:
- Deve ser realizado caso a dosagem do potássio não seja possível em tempo hábil, com o intuito de flagrar alterações eletrocardiográficas sugestivas de hipocalemia ou hipercalemia.
- HbA1c:
- Como previamente mencionado, não é um exame essencial para o manejo da CAD, mas fornece informações sobre o controle glicêmico pregresso.