Jurisprudência Flashcards

1
Q

É possível a exclusão dos sobrenomes paternos em razão do abandono do genitor?

A

SIM.

Imagine que determinado indivíduo foi abandonado pelo pai quando era ainda criança, tendo sido criado apenas pela mãe. Quando completou 18 anos, esse rapaz decidiu que desejava que fosse excluído o nome de seu pai de seu assento de nascimento e que o patronímico de seu pai fosse retirado de seu nome, incluindo-se o outro sobrenome da mãe.

O STJ decidiu que esse pedido pode ser deferido e que pode ser excluído completamente do nome civil do interessado os sobrenomes de seu pai, que o abandonou em tenra idade.

A jurisprudência tem adotado posicionamento mais flexível acerca da imutabilidade ou definitividade do nome civil.

O princípio da imutabilidade do nome não é absoluto no sistema jurídico brasileiro. Além disso, a referida flexibilização se justifica pelo próprio papel que o nome desempenha na formação e consolidação da personalidade de uma pessoa.

Desse modo, o direito da pessoa de portar um nome que não lhe remeta às angústias decorrentes do abandono paterno e, especialmente, corresponda à sua realidade familiar, sobrepõe-se ao interesse público de imutabilidade do nome, já excepcionado pela própria Lei de Registros Públicos.

Sendo assim, nos moldes preconizados pelo STJ, considerando que o nome é elemento da personalidade, identificador e individualizador da pessoa na sociedade e no âmbito familiar, conclui-se que o abandono pelo genitor caracteriza o justo motivo de o interessado requerer a alteração de seu nome civil, com a respectiva exclusão completa dos sobrenomes paternos. STJ. 3ª Turma. REsp 1.304.718-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 18/12/2014 (Info 555).

NATUREZA JURÍDICA (TEORIAS SOBRE O NOME) Existem quatro principais teorias que explicam a natureza jurídica do nome:

a) Teoria da propriedade: segundo esta concepção, o nome integra o patrimônio da pessoa. Essa teoria é aplicada no caso dos nomes empresariais. No que tange à pessoa natural, o nome é mais do que o mero aspecto patrimonial, consistindo, na verdade, em direito da personalidade.
b) Teoria negativista: afirma que o nome não é um direito, mas apenas uma forma de designação das pessoas. A doutrina relata que era a posição adotada por Clóvis Beviláqua.
c) Teoria do estado: sustenta que o nome é um elemento do estado da pessoa natural.
d) Teoria do direito da personalidade: o nome é um direito da personalidade. É a teoria adotada pelo CC (art. 16): “toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome”.

PRINCÍPIO DA IMUTABILIDADE RELATIVA DO NOME

Em regra, o nome é imutável. É o chamado princípio da imutabilidade relativa do nome civil.

A regra da inalterabilidade relativa do nome civil preconiza que o nome (prenome e sobrenome), estabelecido por ocasião do nascimento, reveste-se de definitividade, admitindo-se sua modificação, excepcionalmente, nas hipóteses expressamente previstas em lei ou reconhecidas como excepcionais por decisão judicial (art. 57, Lei 6.015/75), exigindo-se, para tanto, justo motivo e ausência de prejuízo a terceiros (REsp 1138103/PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 06/09/2011).

Veja abaixo as exceções em que a alteração do nome é permitida:

1) NO PRIMEIRO ANO APÓS ATINGIR A MAIORIDADE CIVIL

Prevista no art. 56 da Lei de Registros Públicos (Lei n. 6.015/73): Art. 56. O interessado, no primeiro ano após ter atingido a maioridade civil, poderá, pessoalmente ou por procurador bastante, alterar o nome, desde que não prejudique os apelidos de família, averbando-se a alteração que será publicada pela imprensa.

2) Retificação de erros que não exijam qualquer indagação para sua constatação imediata

Prevista no art. 110 da LRP: Art. 110. Os erros que não exijam qualquer indagação para a constatação imediata de necessidade de sua correção poderão ser corrigidos de ofício pelo oficial de registro no próprio cartório onde se encontrar o assentamento, mediante petição assinada pelo interessado, representante legal ou procurador, independentemente de pagamento de selos e taxas, após manifestação conclusiva do Ministério Público.

3) Acréscimo ou substituição por apelidos públicos notórios

Prevista no art. 58 da LRP: Art. 58. O prenome será definitivo, admitindo-se, todavia, a sua substituição por apelidos públicos notórios.

Obs: deve ser feito por meio de ação judicial.

4) Averbação do nome abreviado, usado como firma comercial ou em atividade profissional

Prevista no § 1º do art. 57 da LRP: Art. 57 (…) § 1º Poderá, também, ser averbado, nos mesmos termos, o nome abreviado, usado como firma comercial registrada ou em qualquer atividade profissional.

5) Enteado pode adotar o sobrenome do padrasto

Previsto no § 8º do art. 57 da LRP: Art. 57 (…) § 8º O enteado ou a enteada, havendo motivo ponderável e na forma dos §§ 2º e 7º deste artigo, poderá requerer ao juiz competente que, no registro de nascimento, seja averbado o nome de família de seu padrasto ou de sua madrasta, desde que haja expressa concordância destes, sem prejuízo de seus apelidos de família.

6) Pessoas incluídas no programa de proteção a vítimas e testemunhas

Previsto no § 7º do art. 57 da LRP e no art. 9º da Lei n. 9.807/99: Art. 57 (…) § 7º Quando a alteração de nome for concedida em razão de fundada coação ou ameaça decorrente de colaboração com a apuração de crime, o juiz competente determinará que haja a averbação no registro de origem de menção da existência de sentença concessiva da alteração, sem a averbação do nome alterado, que somente poderá ser procedida mediante determinação posterior, que levará em consideração a cessação da coação ou ameaça que deu causa à alteração.

7) Por via judicial, com motivo declarado, por sentença, após oitiva do MP

Previsto no caput do art. 57 da LRP: Art. 57. A alteração posterior de nome, somente por exceção e motivadamente, após audiência do Ministério Público, será permitida por sentença do juiz a que estiver sujeito o registro, arquivando-se o mandado e publicando-se a alteração pela imprensa, ressalvada a hipótese do art. 110 desta Lei.

Observações:

 Processo judicial de jurisdição voluntária;

 Obrigatória a oitiva do MP;

 Decidido pelo juiz por sentença;

 Será competente o juiz a que estiver sujeito o registro;

 Arquiva-se o mandado no Registro Civil de Pessoas Naturais;

 Publica-se a alteração pela imprensa;

Exemplos de alteração do nome com base nesse art. 57:

 Alterar o prenome caso exponha seu portador ao ridículo;

 Retificar o patronímico constante do registro para obter a nacionalidade de outro país (o STJ já reconheceu o direito de suprimir incorreções na grafia do patronímico para que a pessoa pudesse obter a cidadania italiana. REsp 1138103/PR)

 Alterar o nome em virtude de cirurgia de retificação de sexo.

NOVO CASO:

Pode ser deferido pedido formulado por filho que, no primeiro ano após atingir a maioridade, pretende excluir completamente de seu nome civil os sobrenomes de seu pai, que o abandonou em tenra idade. A mudança foi autorizada com base na interpretação conjugada dos arts. 56 e 57 da LRP.

O STJ tem adotado posicionamento mais flexível acerca da imutabilidade ou definitividade do nome civil.

O princípio da imutabilidade do nome não é absoluto no sistema jurídico brasileiro. Além disso, a referidaflexibilização se justifica “pelo próprio papel que o nome desempenha na formação e consolidação da personalidade de uma pessoa” (REsp 1.412.260-SP, Terceira Turma, DJe 22/5/2014).

Desse modo, o direito da pessoa de portar um nome que não lhe remeta às angústias decorrentes do abandono paterno e, especialmente, corresponda à sua realidade familiar, sobrepõe-se ao interesse público de imutabilidade do nome, já excepcionado pela própria Lei de Registros Públicos.

Sendo assim, nos moldes preconizados pelo STJ, considerando que o nome é elemento da personalidade, identificador e individualizador da pessoa na sociedade e no âmbito familiar, conclui-se que o abandono pelo genitor caracteriza o justo motivo de o interessado requerer a alteração de seu nome civil, com a respectiva exclusão completa dos sobrenomes paternos. STJ. 3ª Turma. REsp 1.304.718-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 18/12/2014 (Info 555).

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2
Q

Após o divórcio, o ex-cônjuge pode postular a supressão de seu nome de casado do registro de nascimento de seu filho, com a inclusão, no lugar, do nome de solteiro?

A

Se a genitora, ao se divorciar, volta a usar seu nome de solteira, é possível que o registro de nascimento dos filhos seja retificado para constar na filiação o nome atual da mãe.

É direito subjetivo da pessoa retificar seu patronímico no registro de nascimento de seus filhos após divórcio.

A averbação do patronímico no registro de nascimento do filho em decorrência do casamento atrai, à luz do princípio da simetria, a aplicação da mesma norma à hipótese inversa, qual seja, em decorrência do divórcio, um dos genitores deixa de utilizar o nome de casado (art. 3º, parágrafo único, da Lei nº 8.560/1992).

Em razão do princípio da segurança jurídica e da necessidade de preservação dos atos jurídicos até então praticados, o nome de casada não deve ser suprimido dos assentamentos, procedendo-se, tão somente, a averbação da alteração requerida após o divórcio. STJ. 3ª Turma. REsp 1.279.952-MG, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 3/2/2015 (Info 555).

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3
Q

Se duas pessoas vivem em união estável, é possível incluir o patronímico de um deles no nome do outro? Ex: Carlos Andrade vive em união estável com Juliana Barbosa. É permitido que Juliana acrescente o patronímico de seu companheiro e passe a se chamar “Juliana Barbosa Andrade”?

A

SIM, também é possível, conforme entendeu o STJ. Foi aplicado, por analogia, o art. 1.565, § 1º do CC, visto acima, que trata sobre o casamento. Como a união estável e o casamento são institutos semelhantes, é possível aplicar a regra de um para o outro, pois “onde impera a mesma razão, deve prevalecer a mesma decisão” (ubi eadem legis ratio ibi eadem dispositio). STJ. 4ª Turma. REsp 1.206.656–GO, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 16/10/2012.

Exigências para o acréscimo do patronímico do companheiro: Segundo decidiu o STJ, são feitas duas exigências para que a pessoa possa adotar o patronímico de seu companheiro:

a) Deverá existir prova documental da relação feita por instrumento público;
b) Deverá haver a anuência do companheiro cujo nome será adotado.

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4
Q

No divórcio é possível a um dos ex-cônjuges exigir a alteração do nome do outro, para retirar-lhe o seu sobrenome?

A

Regra: na separação e no divórcio o nome é mantido, salvo se a pessoa que acrescentou o sobrenome de seu cônjuge desejar retirá-lo.

Exceção: somente haverá a perda do sobrenome contra a vontade da pessoa que acrescentou se preenchidos os seguintes requisitos:

1) Houver pedido expresso do cônjuge que “forneceu” o sobrenome

; 2) A perda não pode causar prejuízo à identificação do cônjuge. Ex: Marta Suplicy;

3) A perda não pode causar prejuízo à identificação dos filhos;
4) Estar provada culpa grave por parte do cônjuge.

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5
Q

Se uma mulher é conhecida popularmente como “Tatiana”, mas seu verdadeiro nome é “Tatiane”, ela tem direito a alteração de seu registro civil?

A

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. PEDIDO DE ALTERAÇÃO DO PRENOME DE TATIANE PARA TATIANA. ARGUMENTO DE QUE A AUTORA É ASSIM RECONHECIDA NA SOCIEDADE, BEM COMO DE QUE HOUVE ERRO NA GRAFIA DO NOME PELO OFICIAL DO CARTÓRIO. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL, BEM COMO DE FUNDAMENTO RAZOÁVEL PARA SE AFASTAR O PRINCÍPIO DA IMUTABILIDADE DO PRENOME, PREVISTO NO ART. 58 DA LEI DE REGISTROS PÚBLICOS. MANUTENÇÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.
1. Nos termos do que proclama o art. 58 da Lei de Registros Públicos, a regra no ordenamento jurídico é a imutabilidade do prenome. Todavia, sendo o nome civil um direito da personalidade, por se tratar de elemento que designa o indivíduo e o identifica perante a sociedade, revela-se possível, nas hipóteses previstas em lei, bem como em determinados casos admitidos pela jurisprudência, a modificação do prenome.
2. Na hipótese, analisando-se a causa de pedir da ação de retificação de registro civil, não é possível verificar nenhuma circunstância excepcional apta a justificar a alteração do prenome da recorrente, porquanto não há que se falar em erro de grafia do nome, tampouco é possível reconhecer que o mesmo cause qualquer tipo de constrangimento à autora perante a sociedade.
3. A mera alegação de que a recorrente é conhecida “popularmente” como Tatiana, e não Tatiane, desacompanhada de outros elementos, não é suficiente para afastar o princípio da imutabilidade do prenome, sob pena de se transformar a exceção em regra.
4. Recurso especial desprovido.
(REsp 1728039/SC, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 12/06/2018, DJe 19/06/2018)

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6
Q

Transgênero pode alterar seu prenome e gênero mesmo sem a realização de cirurgia de transgenitalização e sem autorização judicial ? Qual a diferença entre transsexual e transgênero?

A

Os transgêneros, que assim o desejarem, independentemente da cirurgia de transgenitalização, ou da realização de tratamentos hormonais ou patologizantes, possuem o direito à alteração do prenome e do gênero (sexo) diretamente no registro civil. STF. Plenário. ADI 4275/DF, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o acórdão Min. Edson Fachin, julgado em 28/2 e 1º/3/2018 (Info 892).

Transgênero

Transgênero é o indivíduo que possui características físicas sexuais distintas das características psíquicas.

É uma pessoa que não se identifica com o seu gênero biológico.

A pessoa sente que ela nasceu no corpo errado. Ex: o menino nasceu fisicamente como menino, mas ele se sente como uma menina.

Assim, o transgênero tem um sexo biológico, mas se sente como se fosse do sexo oposto e espera ser reconhecido e aceito como tal.

Transexual

Da mesma forma, o transexual também possui características físicas sexuais distintas das características psíquicas. Ele também não se identifica com o seu gênero biológico.

Não existe ainda uma uniformidade científica, no entanto, segundo a posição majoritária, a diferença entre o transgênero e o transexual é a seguinte:

Resumindo:

  • transgênero: quer poder se expressar e ser reconhecido como sendo do sexo oposto, mas não tem necessidade de modificar sua anatomia.
  • transexual: quer poder se expressar e ser reconhecido como sendo do sexo oposto e deseja modificar sua anatomia (seu corpo) por meio da terapia hormonal e/ou da cirurgia de redesignação sexual (transgenitalização).

Identidade de gênero

Significa a maneira como alguém se sente e a maneira como deseja ser reconhecida pelas demais pessoas, independentemente do seu sexo biológico.

“A identidade de gênero se refere à experiência de uma pessoa com o seu próprio gênero. Pessoas transgênero possuem uma identidade de gênero que é diferente do sexo que lhes foi designado no momento de seu nascimento.

Uma pessoa transgênero ou trans pode identificar-se como homem, mulher, trans-homem, trans-mulher, como pessoa não-binária ou com outros termos, tais como hijra, terceiro gênero, dois-espíritos, travesti, fa’afafine, gênero queer, transpinoy, muxe, waria e meti. Identidade de gênero é diferente de orientação sexual. Pessoas trans podem ter qualquer orientação sexual, incluindo heterossexual, homossexual, bissexual e assexual.” (Nota Informativa das Nações Unidas. Disponível em https://unfe.org/system/unfe91-Portugese_TransFact_FINAL.pdf?platform=hootsuite)

A questão jurídica enfrentada, portanto, pelo STJ foi a seguinte: é possível que o transgênero altere seu nome e o gênero no assento de registro civil mesmo que não faça a cirurgia de transgenitalização?

SIM. Inicialmente o STJ decidiu que:

O direito dos transexuais à retificação do prenome e do sexo/gênero no registro civil não é condicionado à exigência de realização da cirurgia de transgenitalização. STJ. 4ª Turma. REsp 1.626.739-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 9/5/2017 (Info 608).

Agora, o STF avançou sobre o tema e, de forma mais ampla, utilizou a expressão transgênero, afirmando que:

Os transgêneros, que assim o desejarem, independentemente da cirurgia de transgenitalização, ou da realização de tratamentos hormonais ou patologizantes, possuem o direito à alteração do prenome e do gênero (sexo) diretamente no registro civil. STF. Plenário. ADI 4275/DF, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o acórdão Min. Edson Fachin, julgado em 28/2 e 1º/3/2018 (Info 892).

Premissas da decisão do STF:

1) O direito à igualdade sem discriminações abrange a identidade ou a expressão de gênero. O respeito à identidade de gênero é uma decorrência do princípio da igualdade.
2) A identidade de gênero é uma manifestação da própria personalidade da pessoa humana. Logo, cabe ao Estado apenas o papel de reconhecê-la, nunca de constituí-la. Isso significa que o Estado não diz o gênero da pessoa, ele deve apenas reconhecer o gênero que a pessoa se enxerga.
3) A pessoa não deve provar o que é, e o Estado não deve condicionar a expressão da identidade a qualquer tipo de modelo, ainda que meramente procedimental. Assim, se cabe ao Estado apenas o reconhecimento dessa identidade, ele não pode exigir ou condicionar a livre expressão da personalidade a um procedimento médico ou laudo psicológico. A alteração dos assentos no registro público depende apenas da livre manifestação de vontade da pessoa que visa expressar sua identidade de gênero.

Fundamentos jurídicos:

Constituição Federal • direito à dignidade (art. 1º, III, da CF); • direito à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem (art. 5º, X, da CF).

Pacto de São José da Costa Rica • direito ao nome (artigo 18); • direito ao reconhecimento da personalidade jurídica (artigo 3); • direito à liberdade pessoal (artigo 7.1 do Pacto); • o direito à honra e à dignidade (artigo 11.2 do Pacto)

Opinião Consultiva 24/17 da Corte Interamericana de Direitos Humanos, sobre “Identidade de Gênero e Igualdade e Não Discriminação a Casais dos Mesmo Sexo”, publicada em 24.11.2017, na qual se definiram as obrigações estatais em relação à mudança de nome, à identidade de gênero e os direitos derivadas de um vínculo entre casais do mesmo sexo. Veja trecho da Opinião Consultiva:

“(…) a Corte Interamericana deixa estabelecido que a orientação sexual e a identidade de gênero, assim como a expressão de gênero, são categorias protegidas pela Convenção.

Por isso está proibida pela Convenção qualquer norma, ato ou prática discriminatória baseada na orientação sexual, identidade de gênero ou expressão de gênero da pessoa. Em consequência, nenhuma norma, decisão ou prática do direito interno, seja por parte das autoridades estatais ou por particulares, podem diminuir ou restringir, de modo algum, os direitos de uma pessoa à sua orientação sexual, sua identidade de gênero e/ ou sua expressão de gênero”. (par. 78).

“O reconhecimento da identidade de gênero pelo Estado é de vital importância para garantir o gozo pleno dos direitos humanos das pessoas trans, incluindo a proteção contra a violência, a tortura e maus tratos, o direito à saúde, à educação, ao emprego, à vivência, ao acesso a seguridade social, assim como o direito à liberdade de expressão e de associação.”

Interpretação conforme a Constituição e o Pacto de São José da Costa Rica

O art. 58 da Lei nº 6.015/73 (Lei dos Registros Públicos) prevê:

Art. 58. O prenome será definitivo, admitindo-se, todavia, a sua substituição por apelidos públicos notórios.

O STF, contudo, afirmou que se deve fazer uma nova interpretação desse art. 58 à luz da Constituição Federal e do Pacto de São José da Costa Rica.

Exigir cirurgia ou outros procedimentos é contrário à dignidade da pessoa humana

O Estado deve abster-se de interferir em condutas que não prejudicam a terceiros e, ao mesmo tempo, buscar viabilizar as concepções e os planos de vida dos indivíduos, preservando a neutralidade estatal.

Mostra-se contrário aos princípios da dignidade da pessoa humana, da integridade física e da autonomia da vontade condicionar o exercício do legítimo direito à identidade à realização de um procedimento cirúrgico ou de qualquer outro meio de se atestar a identidade de uma pessoa.

Inadmitir a alteração do gênero no assento de registro civil é atitude absolutamente violadora de sua dignidade e de sua liberdade de ser, na medida em que não reconhece sua identidade sexual, negandolhe o pleno exercício de sua afirmação pública.

Vimos acima que o transgênero não precisa fazer cirurgia para requerer a alteração do prenome e do sexo. Ok. Uma última pergunta, apenas para não ficar dúvidas: a pessoa transgênera precisa de autorização judicial para essa alteração?

NÃO. O STF entendeu que exigir do transgênero a via jurisdicional para realizar essa alteração representaria limitante incompatível com a proteção que se deve dar à identidade de gênero. O pedido de retificação é baseado unicamente no consentimento livre e informado do solicitante, sem a necessidade de comprovar nada.

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7
Q

O uso, por sociedade empresária, de imagem de pessoa física fotografada isoladamente em local público, em meio a cenário destacada, configura dano moral, mesmo que não tenha havido nenhuma conotação ofensiva ou vexaminosa na publicação?

A

Configura dano moral a divulgação não autorizada de foto de pessoa física em campanha publicitária promovida por sociedade empresária com o fim de, mediante incentivo à manutenção da limpeza urbana, incrementar a sua imagem empresarial perante a população, ainda que a fotografia tenha sido capturada em local público e sem nenhuma conotação ofensiva ou vexaminosa. STJ. 4ª Turma. REsp 1.307.366-RJ, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 3/6/2014 (Info 546).

Assim, é cabível compensação por dano moral decorrente da simples utilização de imagem de pessoa física, em campanha publicitária, sem autorização do fotografado.

Aplica-se aqui o raciocínio da Súmula 403 do STJ: Independe de prova do prejuízo a indenização pela publicação não autorizada de imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais.

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8
Q

Quais são as condições para que se transacione sobre os direito da personalidade?

A

O exercício dos direitos da personalidade pode ser objeto de disposição voluntária, desde que não permanente nem geral, estando condicionado à prévia autorização do titular e devendo sua utilização estar de acordo com o contrato estabelecido entre as partes. STJ. 3ª Turma. REsp 1.630.851-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 27/4/2017 (Info 606).

O uso indevido de voz de locutora profissional em gravação de saudação telefônica, que não se enquadre como direito conexo ao de autor, não encontra proteção na Lei de Direitos Autorais. Isso porque a Lei nº 9.610/98 protege apenas os intérpretes ou executantes: de obras literárias ou artísticas; ou de expressões do folclore. A simples locução de uma saudação telefônica não se enquadra nessas situações que merecem proteção da Lei nº 9.610/98. STJ. 3ª Turma. REsp 1.630.851-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 27/4/2017 (Info 606).

Vale ressaltar que a voz, mesmo quando não se enquadra como direito conexo ao de autor, ainda assim goza de proteção legal por ser considerada como um “direito da personalidade”, garantido pela Constituição Federal e pelo Código Civil.

A voz humana encontra proteção nos direitos da personalidade, seja como direito autônomo ou como parte integrante do direito à imagem ou do direito à identidade pessoal.

Sendo a voz um direito de personalidade, ela poderia ter sido comercializada e utilizada para fins comerciais?

Claro que sim.

O simples fato de se tratar de direito da personalidade não afasta a possibilidade de exploração econômica da voz.

O exercício dos direitos da personalidade, a despeito da redação literal do art. 11 do Código Civil, são passíveis de limitação voluntária, desde que limitada.

Esse é o teor do Enunciado 4 da I Jornada de Direito Civil, em que se afirma: “O exercício dos direitos da personalidade pode sofrer limitação voluntária, desde que não seja permanente nem geral”.

Perfeitamente possível e válido, portanto, o negócio jurídico que tenha por objeto a gravação de voz, devendo-se averiguar apenas se foi ela gravada com autorização do seu titular e se sua utilização ocorreu dentro dos limites contratuais.

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9
Q

A dissolução irregular da empresa autoriza a desconsideração da personalidade jurídica?

A

O encerramento das atividades ou dissolução da sociedade, ainda que irregulares, não é causa, por si só, para a desconsideração da personalidade jurídica prevista no Código Civil. STJ. 2ª Seção. EREsp 1.306.553-SC, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 10/12/2014 (Info 554).

Essa é a posição também da doutrina majoritária, conforme restou consignado no Enunciado da IV Jornada de Direito Civil do CJF: 282 – Art. 50: O encerramento irregular das atividades da pessoa jurídica, por si só, não basta para caracterizar abuso da personalidade jurídica.

Obs: não se quer dizer com isso que o encerramento da sociedade jamais será causa de desconsideração de sua personalidade, mas que somente o será quando sua dissolução ou inatividade irregulares tenham o fim de fraudar a lei, com o desvirtuamento da finalidade institucional ou confusão patrimonial (Min. Maria Isabel Gallotti).

Em outras palavras, o encerramento irregular pode ser um indício de que houve abuso da personalidade (desvio de finalidade ou confusão patrimonial), mas serão necessárias outras provas para que se cumpra o que exige o art. 50 do CC.

Mas e a Súmula 435 do STJ?

O raciocínio do enunciado 435 do STJ não pode ser aplicado para as relações de Direito Civil por duas razões:

1) O Código Civil traz regras específicas sobre o tema, diferentes das normas do CTN, que inspiraram a edição da súmula. Como vimos acima, cada diploma legislativo, cada microssistema jurídico trouxe suas regras próprias para a desconsideração, devendo isso ser considerado pelo intérprete. Isso foi registrado pela doutrina na I Jornada de Direito Civil:

51 – Art. 50: A teoria da desconsideração da personalidade jurídica – disregard doctrine – fica positivada no novo Código Civil, mantidos os parâmetros existentes nos microssistemas legais e na construção jurídica sobre o tema.

2) A Súmula 435 do STJ não trata sobre desconsideração da personalidade, mas sim sobre redirecionamento da execução fiscal à luz de regras próprias do CTN, não sendo possível que as normas de um instituto sejam aplicadas indistintamente ao outro.

RESUMO:

O encerramento irregular das atividades da empresa devedora autoriza, por si só, que se busque os bens dos sócios para pagar a dívida?

 Código Civil: NÃO 

CDC: SIM 

Lei Ambiental: SIM 

CTN: SIM

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10
Q

O incidente de desconsideração de personalidade jurídica pode ser instaurado mesmo que não se demonstre a inexistência de bens da sociedade devedora?

A

Nas causas em que a relação for jurídica cível-empresarial, a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica será regulada pelo art. 50 do Código Civil.

A inexistência ou não localização de bens da pessoa jurídica não é condição para a desconsideração da personalidade jurídica. O que se exige é a demonstração da prática de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial (art. 50 do CC).

Assim, o incidente de desconsideração da personalidade jurídica pode ser instaurado mesmo nos casos em que não for comprovada a inexistência de bens do devedor.

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11
Q

Se, em uma execução movida contra sociedade empresarial, o juiz determinar a desconsideração da personalidade jurídica e a penhora de bens dos sócios, poderá a sociedade recorrer dessa decisão?

A

Em uma execução proposta pelo credor contra a empresa devedora, se o juiz determinar a desconsideração da personalidade jurídica e a penhora dos bens dos sócios, a pessoa jurídica tem legitimidade para recorrer contra essa decisão, desde que o recurso seja interposto com o objetivo de defender a sua autonomia patrimonial, isto é, a proteção da sua personalidade. No recurso, a pessoa jurídica não pode se imiscuir indevidamente na esfera de direitos dos sócios ou administradores incluídos no polo passivo por força da desconsideração. STJ. 3ª Turma. REsp 1.421.464-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 24/4/2014 (Info 544)

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. PESSOA JURÍDICA.
DESCONSIDERAÇÃO. PEDIDO DEFERIDO. IMPUGNAÇÃO. LEGITIMIDADE RECURSAL.
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NÃO PROVIDOS.
1. Trata-se de embargos de divergência interpostos contra acórdão que decide legitimidade da pessoa jurídica para interpor recurso de pronunciamento judicial que desconsidera a personalidade jurídica.
2. No caso, entendeu-se que, diante do rol de legitimados à interposição de recursos (arts. 499 do Código de Processo Civil de 1973 e 996 do Código de Processo Civil de 2015), do qual emerge a noção de sucumbência fundada no binômio necessidade/utilidade, a pessoa jurídica detém a mencionada legitimidade quando tiver potencial bastante para atingir o patrimônio moral da sociedade.
Fundamenta-se tal entendimento no fato de que à pessoa jurídica interessa a preservação de sua boa fama, assim como a punição de condutas ilícitas que venham a deslustrá-la.
3. Os fundamentos trazidos no acórdão recorrido estão mais condizentes com a própria noção de distinção de personalidades no ordenamento jurídico pátrio. A pessoa jurídica, como ente com personalidade distinta dos sócios que a compõem, também possui direitos a serem preservados, dentre eles o patrimônio moral, a honra objetiva, o bom nome. De fato, o argumento da falta de interesse na reforma da decisão, tendo em vista o fato de que apenas os sócios seriam prejudicados com a resolução (já que é sobre os seus bens particulares que recairia a responsabilidade pelas obrigações societárias), mostra-se frágil.
4. “O interesse na desconsideração ou, como na espécie, na manutenção do véu protetor, pode partir da própria pessoa jurídica, desde que, à luz dos requisitos autorizadores da medida excepcional, esta seja capaz de demonstrar a pertinência de seu intuito, o qual deve sempre estar relacionado à afirmação de sua autonomia, vale dizer, à proteção de sua personalidade. Assim, é possível, pelo menos em tese, que a pessoa jurídica se valha dos meios próprios de impugnação existentes para defender sua autonomia e regular administração, desde que o faça sem se imiscuir indevidamente na esfera de direitos dos sócios/administradores incluídos no polo passivo por força da desconsideração” (REsp 1.421.464/SP, Rel.
Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 24/4/2014, DJe 12/5/2014) 5. Embargos de divergência conhecidos, aos quais se nega provimento.
(EREsp 1208852/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES, CORTE ESPECIAL, julgado em 04/05/2016, DJe 20/05/2016)

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Aplica-se às associações o disposto no ar.t 1.023 do Código Civil?

Art. 1.023. Se os bens da sociedade não lhe cobrirem as dívidas, respondem os sócios pelo saldo, na proporção em que participem das perdas sociais, salvo cláusula de responsabilidade solidária.

A

O Código Civil, ao tratar sobre a responsabilidade das sociedades simples, estabelece o seguinte:

Art. 1.023. Se os bens da sociedade não lhe cobrirem as dívidas, respondem os sócios pelo saldo, na proporção em que participem das perdas sociais, salvo cláusula de responsabilidade solidária.

Esse dispositivo NÃO se aplica às associações civis. As associações civis são caracterizadas pela união de pessoas que se organizam para a execução de atividades sem fins lucrativos.

Sociedades simples são formas de execução de atividade empresária, com finalidade lucrativa. STJ. 3ª Turma. REsp 1.398.438-SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 4/4/2017 (Info 602).

Art. 1.023 é próprio das sociedades, não podendo ser aplicado para as associações Pela análise topográfica do art. 1.023, ou seja, pela posição em que ele foi previsto no Código, já se percebe claramente que ele é voltado às sociedades, estando inserido no Título II, que trata das sociedades.

Além disso, ao se ler o artigo, verifica-se que ele fala apenas em “bens da sociedade” e em “sócios”. Logo, não se aplica às associações e aos associados.

O art. 1.023 prevê uma espécie de responsabilidade subsidiária dos sócios pelas dívidas da sociedade. Vale ressaltar que, para incidir o art. 1.023 não é necessária desconsideração da personalidade jurídica, conforme entende o STJ.

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13
Q

Quais são os requisitos para caracterização da fraude contra credores?

A

A ocorrêmcoa de fraude contra credores exige:

a) a anterioridade do crédito;
b) a comprovação de prejuízo ao credor (eventus damni);
c) que o ato jurídico praticado tenha levado o devedor à solvência; e
d) o conhecimento, pelo terceiro adquirente, do estado de insolvência do devedor (scientia fraudis).

OBS: Insta anotar que não obstante a lei prever expressamente a solução de anulabilidade do ato praticado em fraude contra credores, parte da doutrina e da jurisprudênca considera o ato como sendo meramente ineficaz (por todos, ver info 467 do STJ). De fato, essa parece ser a melhor solução, a ser adotada de lege ferenda, pois anulado o negócio jurídico o bem volta ao patrimônio do devedor. Tal situação pode criar injustiça, pois não necessariamente aquele credor que ingressou com a ação anulatória obterá a satisfação patrimonial.

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14
Q

Considere a seguinte situação: havia uma execução tramitando apenas contra a sociedade empresária; durante o curso deste processo, um dos sócios vendeu bem que estave em seu nome; algum tempo depois, o juiz determinou a desconsideração da personalidade jurídica e o redirecionamento da execução contra o sócio. Poderá, nesse caso, seu reconhecida a fraude à execução?

A

A fraude à execução só poderá ser reconhecida se o ato de disposição do bem for posterior à citação válida do sócio devedor, quando redirecionada a execução que fora originariamente proposta em face da pessoa jurídica.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.391.830-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 22/11/2016 (Info 594).

O entendimento acima exposto permanece válido com o CPC/2015?

Haverá polêmica, mas pela redação literal do novo CPC, não. Isso porque o CPC/2015 traz uma nova regra, que não havia no Código passado, afirmando que a fraude à execução tem como marco a data da citação da pessoa jurídica que é objeto da desconsideração: Art. 792 (…) § 3º Nos casos de desconsideração da personalidade jurídica, a fraude à execução verifica-se a partir da citação da parte cuja personalidade se pretende desconsiderar.

Outras questões:

O STJ, ainda na vigência do CPC/1973, apreciando o tema sob o regime do recurso repetitivo, definiu as seguintes teses:

1) Em regra, para que haja fraude à execução, é indispensável que tenha havido a citação válida do devedor.
2) Mesmo sem citação válida, haverá fraude à execução se, quando o devedor alienou ou onerou o bem, o credor já havia realizado a averbação da execução nos registros públicos. Presume-se em fraude de execução a alienação ou oneração de bens realizada após essa averbação.
3) Persiste válida a Súmula 375 do STJ, segundo a qual o reconhecimento da fraude de execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente.
4) A presunção de boa-fé é princípio geral de direito universalmente aceito, devendo ser respeitada a parêmia (ditado) milenar que diz o seguinte: “a boa-fé se presume, a má-fé se prova”.
5) Assim, não havendo registro da penhora na matrícula do imóvel, é do credor o ônus de provar que o terceiro adquirente tinha conhecimento de demanda capaz de levar o alienante à insolvência. STJ. Corte Especial. REsp 956.943-PR, Rel. originária Min. Nancy Andrighi, Rel. para acórdão Min. João Otávio de Noronha, julgado em 20/8/2014 (recurso repetitivo) (Info 552).

CASO (argumentos):

Segundo entendeu o Tribunal, para a configuração de fraude à execução, deve haver uma ação judicial contra o próprio devedor, demanda capaz de reduzi-lo à insolvência. Não basta que haja uma ação proposta contra a sociedade empresária da qual ele é sócio.

Somente com a superveniência da desconstituição da personalidade da pessoa jurídica é que o sócio da empresa (João) foi transformado em corresponsável pelo débito que era originalmente apenas da empresa.

Assim, ao tempo da alienação do imóvel, o sócio da empresa não era devedor e, nessa condição, tinha livre disposição sobre seus bens, sem que isso implique em fraude à atividade jurisdicional do Estado.

Desta feita, tem-se que a fraude à execução só poderá ser reconhecida se o ato de disposição do bem for posterior à citação válida do sócio devedor, quando redirecionada a execução que fora originariamente proposta em face da pessoa jurídica.

O entendimento acima exposto no REsp 1.391.830-SP permanece válido com o CPC/2015?

Penso que haverá polêmica. Isso porque o novo CPC traz uma nova regra, que não havia no Código passado, afirmando que a fraude à execução tem como marco a data da citação da pessoa jurídica que é objeto da desconsideração (tratando-se da desconsideração “tradicional”):

Art. 792 (…) § 3º Nos casos de desconsideração da personalidade jurídica, a fraude à execução verifica-se a partir da citação da parte cuja personalidade se pretende desconsiderar.

Desse modo, pela redação do CPC/2015, os efeitos da desconsideração deverão retroagir à data em que a pessoa jurídica foi citada. Neste caso, adotando-se a literalidade do dispositivo, o entendimento acima exposto teria que ser alterado agora.

Vale ressaltar, contudo, que esta regra ofende claramente a boa-fé dos terceiros adquirentes que não teriam, em tese, obrigação de saber que a pessoa que está alienando o bem é sócio de uma empresa, que a pessoa jurídica está sendo executada e que, no futuro, poderá ter a personalidade jurídica desconsiderada para atingir o patrimônio daquele sócio. Enfim, são conjecturas e cautelas muito grandes que se mostram irrazoáveis de serem impostas ao terceiro. Pela nova regra do art. 792, § 3º, o ato de comprar bens de um sócio de sociedade empresária passa a ser um negócio muito arriscado, ainda que contra ele (pessoa física) não haja nenhuma ação judicial em curso.

Importante lembrar que o STJ possui uma sólida tradição de proteger a boa-fé dos terceiros adquirentes, de forma que é necessário aguardar para sabermos como o Tribunal irá interpretar o dispositivo acima e se criará algum outro requisito para julgar ineficaz a alienação realizada. A doutrina majoritária critica esta previsão e fornece algumas interpretações para que o dispositivo não seja aplicado textualmente. Mas atenção! Em provas de concurso, a redação literal do art. 792, § 3º será exaustivamente cobrada nas provas, devendo ser assinalada como correta.

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Q

Qual é o prazo prescricional da pretensão do paciente de cobrar do plano de saúde os custos do procedimento médico cujo custeio foi indevidamente recusado por este?

A

R: 10 anos

Não há previsão específica de prazo prescricional para este caso.
Logo, aplica-se a regra geral de 10 anos prevista no art. 205 do CC.

A relação jurídica em tela é de natureza contratual. Logo, não se aplica o prazo de 3 anos previsto no art. 206, § 3o, V, do CC, pois este é destinado aos casos de responsabilidade extracontratual ou aquiliana:
Art. 206. Prescreve:
§ 3o Em três anos:
V - a pretensão de reparação civil;

De igual forma, não se aplica o prazo de 1 ano previsto no art. 206, § 1o, II, do CC, uma vez que, segundo o STJ, a causa de pedir no presente caso não decorre de contrato de seguro, mas sim da prestação de serviço de saúde, que deve receber tratamento próprio e não pode ser equiparado a um contrato de seguro.

Desse modo, não havendo previsão legal específica de prazo prescricional para demandas envolvendo prestação de serviços de saúde, deve-se aplicar a regra geral de prescrição prevista no art. 205 do CC:
Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor.

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Q

Qual é o prazo prescricional da pretensão de vítima de acidente de trânsito causado por concessionária de serviço de transporte público?

A

É de 5 anos o prazo prescricional para que a vítima de um acidente de trânsito proponha ação de indenização contra concessionária de serviço público de transporte coletivo (empresa de ônibus).

O fundamento legal para esse prazo está no art. 1º-C da Lei 9.494/97 e também no art. 14 c/c art. 27, do CDC. STJ. 3ª Turma. REsp 1.277.724-PR, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 26/5/2015 (Info 563).

Qual é o fundamento para esse prazo de 5 anos? Seria o Decreto 20.910/1932, que dispõe sobre a prescrição contra a Fazenda Pública?

NÃO. O fundamento legal para o prazo de 5 anos é o art. 1º-C da Lei n. 9.494/97, que se encontra em vigor e que é norma especial em relação ao art. 206, § 3º, V, do Código Civil. Veja o que diz o dispositivo:

Art. 1º-C. Prescreverá em cinco anos o direito de obter indenização dos danos causados por agentes de pessoas jurídicas de direito público e de pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos.

O STJ entendeu que não se aplicaria ao caso o Decreto 20.910/1932 porque a Lei n. 9.494/97 é mais específica para a situação já que envolvia concessionária de serviço público.

Outro fundamento que poderia ser invocado como reforço:

o CDC O pedestre que é atropelado por um ônibus de linha é considerado como consumidor por equiparação (bystander). Logo, há uma relação de consumo por força da regra de extensão do art. 17 do CDC:

Art. 17. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento.

Assim, pode-se aplicar também o regime da responsabilidade pelo fato do serviço do art. 14 do CDC, e, consequentemente, o prazo de prescrição seria também de 5 anos, conforme previsto no art. 27 do CDC:

Art. 27. Prescreve em 5 (cinco anos) a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço prevista na Seção II deste Capítulo, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria.

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Q

Qual é o prazo prescricional das pretensões de repetição de indébito relativo às tarifas de água e esgoto?

A

Súmula 412-STJ: A ação de repetição de indébito de tarifas de água e esgoto sujeita-se ao prazo prescricional estabelecido no Código Civil.

O prazo prescricional para as ações de repetição de indébito relativo às tarifas de serviços de água e esgoto cobradas indevidamente é de:

a) 20 (vinte) anos, na forma do art. 177 do Código Civil de 1916; ou
b) 10 (dez) anos, tal como previsto no art. 205 do Código Civil de 2002, observando-se a regra de direito intertemporal, estabelecida no art. 2.028 do Código Civil de 2002. STJ. 1ª Seção. REsp 1.532.514-SP, Rel. Min. Og Fernandes, Primeira Seção, julgado em 10/5/2017 (recurso repetitivo) (Info 603).

Discussão quanto à prescrição

A concessionária contestou a demanda argumentando que a pretensão de cobrança de boa parte dos valores pelo condomínio estaria prescrita. Isso porque, segundo a empresa, o prazo prescricional seria de 5 anos, com base no art. 1º do Decreto 20.910/1932, que trata sobre os prazos de ações propostas contra a Fazenda Pública. O condomínio, por sua vez, argumentava que deveriam ser aplicados os prazos previstos no Código Civil.

Qual das duas teses prevalece na jurisprudência: a da concessionária ou do condomínio? O prazo é o do Decreto 20.910/1932 ou do Código Civil?

Do Código Civil. O STJ editou uma súmula tratando sobre o tema:

Súmula 412-STJ: A ação de repetição de indébito de tarifas de água e esgoto sujeita-se ao prazo prescricional estabelecido no Código Civil.

O valor cobrado pelas concessionárias de água pela prestação do serviço possui natureza jurídica de tarifa (preço público). Dessa forma, o regime aplicável é o de direito privado, devendo, portanto, a prescrição ser regida pelo Código Civil e não por uma norma que é válida para as relações jurídicas da Fazenda Pública.

Mas, afinal de contas, qual é o prazo prescricional previsto no Código Civil de 2002?

Não existe um dispositivo específico no Código Civil tratando exatamente dessa situação. Em razão disso, aplica-se o prazo de 10 anos, conforme preconiza o art. 205 do CC:

Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor.

OBS : A ação de repetição de indébito por cobrança indevida de valores referentes a serviços não contratados de telefonia fixa tem prazo prescricional de 10 (dez) anos.

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18
Q

Autoriza-se a capitalização de juros em contratos não bancários?

A

A capitalização ANUAL de juros é permitida, seja para contrato bancários ou não bancários.

CIVIL E PROCESSUAL. RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. AÇÕES REVISIONAL E DE BUSCA E APREENSÃO CONVERTIDA EM DEPÓSITO. CONTRATO DE FINANCIAMENTO COM GARANTIA DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. JUROS COMPOSTOS. DECRETO 22.626/1933 MEDIDA PROVISÓRIA 2.170-36/2001. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. MORA. CARACTERIZAÇÃO.
1. A capitalização de juros vedada pelo Decreto 22.626/1933 (Lei de Usura) em intervalo inferior a um ano e permitida pela Medida Provisória 2.170-36/2001, desde que expressamente pactuada, tem por pressuposto a circunstância de os juros devidos e já vencidos serem, periodicamente, incorporados ao valor principal. Os juros não pagos são incorporados ao capital e sobre eles passam a incidir novos juros.
2. Por outro lado, há os conceitos abstratos, de matemática financeira, de “taxa de juros simples” e “taxa de juros compostos”, métodos usados na formação da taxa de juros contratada, prévios ao início do cumprimento do contrato. A mera circunstância de estar pactuada taxa efetiva e taxa nominal de juros não implica capitalização de juros, mas apenas processo de formação da taxa de juros pelo método composto, o que não é proibido pelo Decreto 22.626/1933.
3. Teses para os efeitos do art. 543-C do CPC: - “É permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano em contratos celebrados após 31.3.2000, data da publicação da Medida Provisória n. 1.963-17/2000 (em vigor como MP 2.170-36/2001), desde que expressamente pactuada.” - “A capitalização dos juros em periodicidade inferior à anual deve vir pactuada de forma expressa e clara. A previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada”.
4. Segundo o entendimento pacificado na 2ª Seção, a comissão de permanência não pode ser cumulada com quaisquer outros encargos remuneratórios ou moratórios.
5. É lícita a cobrança dos encargos da mora quando caracterizado o estado de inadimplência, que decorre da falta de demonstração da abusividade das cláusulas contratuais questionadas.
6. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, provido.
(REsp 973.827/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Rel. p/ Acórdão Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 08/08/2012, DJe 24/09/2012)

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19
Q

Avalie a seguinte situação: o réu foi condenado a pagar indenização acrescida de juros de mora até o efetivo adimplemento. Em outro processo, porém, relacionado a fatos conexos, teve ele todo seu patrimônio bloqueado. Nesse caso, poderá ele ser cobrado dos juros de mora no primeiro processo?

A

Réu foi condenado a pagar indenização acrescida de juros até o efetivo pagamento. O fato de o seu patrimônio ter sido bloqueado em outra ação judicial que trata sobre fatos conexos não significa que os juros de mora devem deixar de ser computados naquele primeiro processo

A mera notícia de decisão judicial determinando a indisponibilidade forçada dos bens do réu, no cerne de outro processo, com objeto e partes distintas, não possui o condão de interromper a incidência dos juros moratórios. STJ. 3ª Turma. REsp 1.740.260-RS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 26/06/2018 (Info 629).

Imagine a seguinte situação hipotética:

Dr. Marcelo era advogado de Maria em uma ação por ela proposta contra a empresa X.

Maria sagrou-se vencedora.

Marcelo, na condição de seu advogado, fez o levantamento do alvará judicial (sacou o valor que o juiz determinou que deveria ser pago a Maria), mas não lhe repassou todo o montante devido, apropriando-se de parte dos valores que ela teria direito.

Em outras palavras, o advogado ficou, indevidamente, com parte do dinheiro que era de Maria.

Diante disso, Maria constituiu outro advogado e, em março de 2017, ingressou com ação de cobrança contra Marcelo.

Ação civil pública

Vale ressaltar que Marcelo fez isso com centenas de outros clientes, tendo sido, inclusive, alvo de operação policial deflagrada para apurar o caso.

Em razão dos fatos, o Ministério Público ajuizou ação civil pública contra Marcelo a fim de que ele devolva todos os valores retidos ilegalmente de seus antigos clientes.

Em setembro de 2017, o juiz desta ACP, cautelarmente, determinou o bloqueio de todos os bens de Marcelo

Voltando ao processo da D. Maria

Em outubro de 2017, o juízo de primeiro grau responsável pela ação proposta por Maria julgou procedente a pretensão e condenou Marcelo a:

a) ressarcir integralmente os valores sacados, acrescidos de juros de mora e correção monetária;
b) pagar indenização de R$ 10 mil a título de danos morais, acrescidos de juros de mora e correção monetária.

Qual foi o termo inicial dos juros de mora neste caso? Os juros de mora deverão ser contados a partir de quando: da data em que Marcelo ficou indevidamente com os valores?

NÃO. O termo inicial dos juros, neste caso, é a data da citação. O termo inicial em caso de abuso de mandato é a data da citação:

Reconhecido o abuso de mandato por desacerto contratual, em razão de o advogado ter repassado valores a menor para seu mandatário, o marco inicial dos juros moratórios é a data da citação.

O termo inicial dos juros moratórios deve ser determinado a partir da natureza da relação jurídica mantida entre as partes.

No caso, tratando-se de mandato, a relação jurídica tem natureza contratual, sendo o termo inicial dos juros moratórios a data da citação (art. 405 do CC). STJ. 3ª Turma. REsp 1.403.005-MG, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 6/4/2017 (Info 602)

Qual foi o termo final dos juros de mora neste caso? Os juros de mora deverão ser contados a partir da citação. Mas quando eles irão terminar? Até quando são contados os juros de mora nesta situação?

O juiz determinou que os juros de mora deveriam incidir até o efetivo pagamento. Em outras palavras, o juiz da causa determinou que, enquanto Marcelo não pagasse a indenização, os juros de mora deveriam continuar incidindo.

[…]

No caso concreto, não houve o depósito integral para garantia do juízo espontaneamente realizado pelo réu. O que houve foi a mera notícia da indisponibilidade forçada de seus bens, que teria sido determinada em outra ação, com outro objeto e outras partes.

O aludido bloqueio patrimonial configura medida constritiva, de natureza preventiva, que não se confunde com a sistemática do depósito judicial em garantia e não caracteriza a satisfação voluntária da obrigação.

A constrição apenas impede que o réu promova atos tendentes a dilapidarseu patrimônio, causando ainda maiores prejuízos aos seus credores.

Além disso, o patrimônio bloqueado não guarda nenhuma relação direta com o crédito da autora, objeto da presente demanda, tampouco está à sua disposição para levantamento. Assim, esse dinheiro, bloqueado em outra ação, não está à disposição da autora.

Desse modo, inexiste fundamento jurídico plausível para a interrupção da mora antes do efetivo pagamento da indenização. A autora não pode ser prejudicada pelo fato de o réu ter praticado a mesma conduta ilícita com centenas de outras pessoas a ponto de gerar um bloqueio judicial de seu patrimônio no âmbito de outra demanda, da qual a vítima nem mesmo é parte. Se essa interrupção da mora fosse admitida, o réu estaria sendo beneficiado pela sua própria torpeza.

Vale ressaltar que não há nem mesmo certeza que o valor bloqueado na ACP será suficiente para indenizar todas as vítimas dos ilícitos praticados pelo réu.

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20
Q

Em caso de descontituição de contrato de mútuo feneratício celebrado com instituição financeira, tem o mutuário direito à repetição do indébito com os mesmo encargos do contrato?

A

Pessoa celebrou contrato de mútuo feneratício com instituição financeira. Por algum motivo (ex: nulidade, ato ilícito, abusividade etc.) o mutuário ingressou com ação judicial pedindo a resolução do contrato e a restituição das parcelas pagas.

Se esta ação for julgada procedente, o mutuário terá direito de receber os valores pagos acrescidos de juros remuneratórios no mesmo percentual que era previsto no contrato para ser cobrado pelo banco mutuante?

NÃO. O mutuário que celebrar contrato de mútuo feneratício com a instituição financeira mutuante, não tem direito de pedir repetição do indébito com os mesmos índices e taxas de encargos previstos no contrato.

Tese aplicável a todo contrato de mútuo feneratício celebrado com instituição financeira mutuante: “Descabimento da repetição do indébito com os mesmos encargos do contrato”. STJ. 2ª Seção. REsp 1.552.434-GO, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 13/06/2018 (recurso repetitivo) (Info 628).

Mútuo feneratício

A palavra “feneratício” vem do latim “feneratitius”, que significa algo “relativo à usura”.

O mútuo feneratício é o empréstimo que tem fins econômicos, ou seja, no qual haverá o pagamento de uma remuneração ao mutuante. Encontra-se previsto no art. 591 do CC:

Art. 591. Destinando-se o mútuo a fins econômicos, presumem-se devidos juros, os quais, sob pena de redução, não poderão exceder a taxa a que se refere o art. 406, permitida a capitalização anual.

Art. 406. Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional.

A remuneração pelo empréstimo de coisa fungível é chamada de juros remuneratórios. Assim, podemos resumir dizendo que mútuo feneratício consiste no “empréstimo de dinheiro a juro”.

Obs: segundo prevalece no STJ, a taxa dos juros moratórios a que se refere o art. 406 do CC é a dispositivo é a taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia – SELIC (STJ. 3ª Turma. AgRg no REsp 1105904/DF, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 20/09/2012).

Mútuo feneratício envolvendo instituições financeiras

O art. 591 prevê que, no mútuo feneratício, a taxa de juros não pode ser superior à taxa legal prevista no art. 406 do CC. O art. 591 do CC afirma também que a única capitalização possível seria a anual. Vale ressaltar, contudo, que essas restrições contidas no art. 591 do CC não se aplicam para o mútuo feneratício envolvendo instituições financeiras.

Qual será a taxa de juros que o banco poderá cobrar?

O STJ possui o entendimento de que os juros remuneratórios cobrados pelos bancos não estão sujeitos aos limites impostos pela Lei de Usura (Decreto nº 22.626/33), pelo Código Civil ou por qualquer outra lei. Em outras palavras, não existe lei limitando os juros que são cobrados pelos bancos (STJ. 2ª Seção. REsp 1061530/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 22/10/2008). Existe também uma súmula antiga do STF que afirma isso:

Súmula 596-STF: As disposições do Decreto 22.626 de 1933 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o sistema financeiro nacional.

Diante da ausência de lei que imponha limites aos juros cobrados pelas instituições financeiras, o STJ construiu a seguinte regra: os juros cobrados pelos bancos devem utilizar como índice a taxa média de mercado, que é calculada e divulgada pelo Banco Central (BACEN) em sua página na internet.

Vale ressaltar que essas taxas são divulgadas de acordo com o tipo de encargo que foi ajustado (prefixado, pós-fixado, taxas flutuantes e índices de preços), com a categoria do tomador (pessoas físicas e jurídicas) e com a modalidade de empréstimo realizada (hot money, desconto de duplicatas, desconto de notas promissórias, capital de giro, conta garantida, financiamento imobiliário, aquisição de bens, ‘vendor’, cheque especial, crédito pessoal etc.). Em outras palavras, para cada tipo de contrato existe uma média das taxas que estão sendo cobradas pelos bancos naquele mês.

Desse modo, o correto é que o contrato bancário traga uma cláusula dizendo expressamente a taxa de juros que será aplicada. No entanto, caso o contrato bancário não preveja, o STJ determina que deverá, em regra, ser aplicada a taxa média de mercado, divulgada pelo Bacen, praticada nas operações da mesma espécie.

Adotar essa taxa média é a solução mais adequada porque ela é calculada com base nas informações prestadas por todas as instituições financeiras e, por isso, representa o ponto de equilíbrio nas forças do mercado. Além disso, traz embutida em si o custo médio dos bancos e seu lucro médio, ou seja, um spread médio (REsp 1112880/PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 12/05/2010). (PESQUISAR!!!)

Repetição de indébito em contrato de mútuo feneratício celebrado com instituição financeira

Imagine que João celebrou contrato de mútuo com um banco por meio do qual tomou emprestado R$ 100 mil, com a obrigação de devolver a quantia principal mais juros remuneratórios.

Ele pagou durante 6 meses as prestações do empréstimo.

Ocorre que o advogado de João percebeu que havia uma nulidade no contrato.

Diante disso, ajuizou uma ação declaratória de nulidade do contrato cumulada com repetição de indébito. Em outras palavras, ele pediu para rescindir o ajuste e para receber de volta os valores que pagou durante os 6 meses.

Vale ressaltar que João pediu ao juiz para condenar o banco a restituir a quantia principal cobrada indevidamente (6 parcelas) acrescida dos mesmos juros que a instituição cobrou dele. Assim, o banco cobrou uma taxa de 11% ao mês. Logo, João pediu para receber de volta o valor acrescido de 11% ao mês.

O pedido de João foi acolhido? O mutuário terá direito de receber os valores pagos acrescidos de juros remuneratórios no mesmo percentual que era previsto no contrato para ser cobrado pelo banco mutuante? NÃO.

O mutuário que celebrar contrato de mútuo feneratício com a instituição financeira mutuante, não tem direito de pedir repetição do indébito com os mesmos índices e taxas de encargos previstos no contrato. STJ. 2ª Seção. REsp 1.552.434-GO, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 13/06/2018 (recurso repetitivo) (Info 628)

E o mutuário, além do principal, terá direito de receber alguma taxa de juros remuneratórios?

O STJ resolveu não decidir isso ainda neste recurso especial considerando que ainda não havia uma posição sedimentada do Tribunal a respeito.

Assim, por exemplo, se o banco cobrou uma taxa de 11% ao mês, o mutuário não terá direito de receber o principal mais 11% ao mês. As decisões judiciais que determinarem essa equivalência, serão reformadas com base nesse entendimento do STJ.

Não foi definido, contudo, ainda, o quanto o mutuário terá direito.

Desse modo, a única conclusão que o STJ já firmou é a de que, em caso de repetição de indébito envolvendo mútuo feneratício praticado por instituições financeiras mutuantes, o mutuário não terá direito de receber de volta a quantia acrescida dos mesmos encargos que são cobrados pelos bancos.

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O Judiciário pode proceder à redução das arras confirmatória, caso a julgue desproporcional ao preço ajustado?

A

Se a proporção entre a quantia paga inicialmente e o preço total ajustado evidenciar que o pagamento inicial englobava mais do que o sinal, não se pode declarar a perda integral daquela quantia inicial como se arras confirmatórias fosse, sendo legítima a redução equitativa do valor a ser retido. STJ. 3ª Turma. REsp 1.513.259-MS, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 16/2/2016 (Info 577).

Arras confirmatórias:

_-_São previstas no contrato com o objetivo de reforçar, incentivar que as partes cumpram a obrigação combinada.

  • A regra são as arras confirmatórias. Assim, no silêncio do contrato, as arras são confirmatórias.
  • Se as partes cumprirem as obrigações contratuais, as arras serão devolvidas para a parte que as havia dado. Poderão também ser utilizadas como parte do pagamento.
  •  Se a parte que deu as arras não executar (cumprir) o contrato: a outra parte (inocente) poderá reter as arras, ou seja, ficar com elas para si.  Se a parte que recebeu as arras não executar o contrato: a outra parte (inocente) poderá exigir a devolução das arras mais o equivalente*.
  • Além das arras, a parte inocente poderá pedir:

 indenização suplementar, se provar maior prejuízo, valendo as arras como taxa mínima;

 a execução do contrato, com as perdas e danos, valendo as arras como o mínimo da indenização.

Arras penitenciais:

- São previstas no contrato com o objetivo de permitir que as partes possam desistir da obrigação combinada caso queiram e, se isso ocorrer, o valor das arras penitenciais já funcionará como sendo as perdas e danos.

  • Ocorre quando o contrato estipula arras, mas também prevê o direito de arrependimento.
  • Se as partes cumprirem as obrigações contratuais, as arras serão devolvidas para a parte que as havia dado. Poderão também ser utilizadas como parte do pagamento.
  •  Se a parte que deu as arras decidir não cumprir o contrato (exercer seu direito de arrependimento): ela perderá as arras dadas.  Se a parte que recebeu as arras decidir não cumprir o contrato (exercer seu direito de arrependimento): deverá devolver as arras mais o equivalente*
  • As arras penitenciais têm função unicamente indenizatória. Isso significa que a parte inocente ficará apenas com o valor das arras (e do equivalente) e NÃO terá direito a indenização suplementar.

Comentários do caso:

Realmente, o promitente-comprador, por ter dado causa à rescisão do contrato, deverá perder as arras confirmatórias que foram pagas. Isso está previsto no art. 418 do CC:

Art. 418. Se a parte que deu as arras não executar o contrato, poderá a outra tê-lo por desfeito, retendoas; se a inexecução for de quem recebeu as arras, poderá quem as deu haver o contrato por desfeito, e exigir sua devolução mais o equivalente, com atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, juros e honorários de advogado.

No entanto, para o STJ, o pagamento inicial feito pelo promitente-comprador, por representar 1/3 do valor final do negócio, não pode ser considerado como um mero “sinal” (arras), razão pela qual a aplicação do art. 418 do CC/02 deve sofrer flexibilização.

No caso concreto, ficou evidenciado que o pagamento inicial englobava mais do que o sinal, motivo pelo qual o STJ entendeu que neste valor de R$ 70 mil já estava embutido o “sinal” e algumas parcelas do contrato.

Para a Corte, se todo esse valor fosse considerado como arras confirmatórias, o promitente-comprador acabaria sendo onerado excessivamente e haveria um enriquecimento desproporcional do promitente-vendedor.

Segundo a jurisprudência do STJ, as arras confirmatórias devem ser fixadas em um percentual máximo que varie de 10% e 20% do valor do bem.

Esse seria o valor máximo que o promitente-vendedor poderia reter para si.

Na situação em exame, o STJ afirmou que o promitente-vendedor deveria reter, a título de arras confirmatórias, a quantia equivalente a 15% do valor do imóvel.

Vale ressaltar que, além das arras confirmatórias, o STJ determinou que o promitente-comprador deveria pagar ao promitente-vendedor o valor equivalente a 6 meses de aluguel (tempo que ele ficou morando no imóvel antes de ser retirado). Isso é possível. Estes alugueis correspondem ao valor das perdas e danos sofridos pelo promitente-vendedor e as perdas e danos podem ser cumuladas com as arras confirmatórias.

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É cabível a cumulação da perda das arras com a imposição da cláusula penal compensatória?

A

Na hipótese de inexecução do contrato, revela-se inadmissível a cumulação das arras com a cláusula penal compensatória, sob pena de ofensa ao princípio do non bis in idem.

Ex: João celebrou contrato de promessa de compra e venda com uma incorporadora imobiliária para aquisição de um apartamento. João comprometeu-se a pagar 80 parcelas de R$ 3 mil e, em troca, receberia um apartamento. No início do contrato, João foi obrigado a pagar R$ 20 mil a título de arras. No contrato, havia uma cláusula penal compensatória prevendo que, em caso de inadimplemento por parte de João, a incorporadora poderia reter 10% das prestações que foram pagas por ele. Trata-se de cláusula penal compensatória. Suponhamos que, após pagar 30 parcelas, João tenha parado de pagar as prestações. Neste caso, João perderá apenas as arras, mas não será obrigado a pagar também a cláusula penal compensatória. Não é possível a cumulação da perda das arras com a imposição da cláusula penal compensatória. Logo, decretada a rescisão do contrato, fica a incorporadora autorizada a apenas reter o valor das arras, sem direito à cláusula penal. STJ. 3ª Turma. REsp 1.617.652-DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 26/09/2017 (Info 613).

Finalidades das arras A Min. Nancy Andrighi identifica que as arras têm por finalidades:

a) firmar a presunção de acordo final, tornando obrigatório o ajuste (caráter confirmatório);
b) servir de princípio de pagamento (se forem do mesmo gênero da obrigação principal);
c) prefixar o montante das perdas e danos devidos pelo descumprimento do contrato ou pelo exercício do direito de arrependimento, se expressamente estipulado pelas partes (caráter indenizatório).

Comentário:

Na hipótese de inadimplemento, as arras funcionam como uma espécie de cláusula penal compensatória, representando o valor previamente estimado pelas partes para indenizar a parte não culpada pela inexecução do contrato. A perda das arras, na hipótese, representa o efeito da resolução imputável e culposa.

Assim, as arras, a princípio, têm a função de indicar que a obrigação será cumprida. No entanto, ocorrendo a inexecução contratual elas passam a ter função de cláusula penal.

Tanto nas arras confirmatórias como nas arras penitenciais, se a parte que deu as arras não executar o contrato, a outra parte (inocente) poderá reter as arras, ou seja, ficar com elas para si.

Dessa forma, o que se conclui é que, na hipótese de inadimplemento do contrato, as arras apresentam natureza indenizatória, desempenhando papel semelhante ao da cláusula penal compensatória.

Logo, se as arras cumprem a mesma função da cláusula penal compensatória, não é possível que a parte inocente exija da parte culpada tanto as arras como a cláusula penal compensatória. Isso seria bis in idem (dupla condenação a mesmo título), o que é vedado pelo Direito.

Qual das duas deverá, então, prevalecer: as arras ou a cláusula penal?

Se previstas cumulativamente para o inadimplemento contratual, entende-se que deve incidir exclusivamente a pena de perda das arras, ou a sua devolução mais o equivalente, a depender da parte a quem se imputa a inexecução contratual. Isso porque o art. 419 do CC afirma que as arras valem como “taxa mínima” de indenização pela inexecução do contrato.

Assim, em nosso exemplo, como quem praticou a inexecução contratual foi quem deu as arras (João), ele perderá as arras

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No caso de arras penitenciais, a parte inocente terá direito à indenização suplementar?

A

As arras penitenciais têm função unicamente indenizatória. Isso significa que a parte inocente ficará apenas com o valor das arras (e do equivalente) e NÃO terá direito a indenização suplementar.

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A cláusula penal moratório pode ser cumulada com indenização por lucros cessantes?

A

A cláusula penal moratória tem a finalidade de indenizar pelo adimplemento tardio da obrigação, e, em regra, estabelecida em valor equivalente ao locativo, afasta-se sua cumulação com lucros cessantes. STJ. 2ª Seção. REsp 1.498.484-DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 22/05/2019 (recurso repetitivo) (Info 651).

O que é cláusula penal? Cláusula penal é…

  • uma cláusula do contrato
  • ou um contrato acessório ao principal
  • em que se estipula, previamente, o valor da indenização que deverá ser paga
  • pela parte contratante que não cumprir, culposamente, a obrigação.

CLÁUSULA PENAL MORATÓRIA:

  • Estipulada para desestimular o devedor a incorrer em mora ou para evitar que deixe de cumprir determinada cláusula especial da obrigação principal. É a cominação contratual de uma multa para o caso de mora.
  • Finalidade: para uns, funciona como punição pelo atraso no cumprimento da obrigação. Para outros autores, teria uma função apenas de inibir o descumprimento e indenizar os prejuízos (não teria finalidade punitiva).
  • Aplicada para o caso de inadimplemento relativo.
  • Ex: em uma promessa de compra e venda de um apartamento, é estipulada multa para o caso de atraso na entrega.
  • Art. 411. Quando se estipular a cláusula penal para o caso de mora, ou em segurança especial de outra cláusula determinada, terá o credor o arbítrio de exigir a satisfação da pena cominada, juntamente com o desempenho da obrigação principal

CLÁUSULA PENAL COMPENSATÓRIA:

  • Estipulada para servir como indenização no caso de total inadimplemento da obrigação principal.
  • Funciona como uma prefixação das perdas e danos.
  • Aplicada para o caso de inadimplemento absoluto.
  • Ex: em um contrato para que um cantor faça um show no réveillon, é estipulada uma multa de 100 mil reais caso ele não se apresente.
  • Art. 410. Quando se estipular a cláusula penal para o caso de total inadimplemento da obrigação, esta converter-se-á em alternativa a benefício do credor.

Em caso de atraso na entrega do imóvel, é possível a cumulação da indenização por lucros cessantes com a cláusula penal moratória? Em nosso exemplo, será possível condenar a construtora ao pagamento da multa e mais os lucros cessantes?

NÃO.

Para o Min. Luis Felipe Salomão, a natureza da cláusula penal moratória é eminentemente reparatória (indenizatória), possuindo também, reflexamente, uma função dissuasória (ou seja, de desestímulo ao descumprimento).

Tanto isso é verdade que a maioria dos contratos de promessa de compra e venda prevê uma multa contratual por atraso (cláusula penal moratória) que varia de 0,5% a 1% ao mês sobre o valor total do imóvel. Esse valor é escolhido porque representa justamente a quantia que o imóvel alugado, normalmente, produziria ao locador.

Assim, como a cláusula penal moratória já serve para indenizar/ressarcir os prejuízos que a parte sofreu, não se pode fazer a sua cumulação com lucros cessantes (que também consiste em uma forma de ressarcimento).

Diante desse cenário, havendo cláusula penal no sentido de prefixar, em patamar razoável, a indenização, não cabe a sua cumulação com lucros cessantes.

Mudança de entendimento

Vale ressaltar que a decisão acima explicada representa uma alteração de entendimento. Isso porque o STJ entendia que:

A cláusula penal moratória não era estipulada para compensar o inadimplemento nem para substituir o adimplemento. Assim, a cominação contratual de uma multa para o caso de mora não interferia com a responsabilidade civil. Logo, não havia óbice a que se exigisse a cláusula penal moratória juntamente com o valor referente aos lucros cessantes.

Desse modo, no caso de mora, existindo cláusula penal moratória, concedia-se ao credor a faculdade de requerer, cumulativamente: a) o cumprimento da obrigação; b) a multa contratualmente estipulada; e ainda c) indenização correspondente às perdas e danos decorrentes da mora. Nesse sentido: STJ. 3ª Turma. REsp 1355554-RJ, Rel. Min. Sidnei Beneti, julgado em 6/12/2012 (Info 513)

Se não houver cláusula penal, continua sendo possível a condenação por lucros cessantes

Nem sempre os contratos de promessa de compra e venda possuem cláusula penal estipulando multa para a construtora em caso de atraso na entrega do imóvel. Assim, se não existir cláusula penal e se houve efetivamente o atraso, será possível, em tese, condenar a construtora ao pagamento de lucros cessantes:

O atraso na entrega do imóvel enseja pagamento de indenização por lucros cessantes durante o período de mora do promitente vendedor, sendo presumido o prejuízo do promitente comprador. Os lucros cessantes serão devidos ainda que não fique demonstrado que o promitente comprador tinha finalidade negocial na transação. STJ. 2ª Seção. EREsp 1.341.138-SP, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 09/05/2018 (Info 626).

Vale ressaltar, no entanto, que essa hipótese será cada vez mais rara na prática, considerando o que decidiu o STJ no REsp 1.631.485-DF:

No contrato de adesão firmado entre o comprador e a construtora/incorporadora, havendo previsão de cláusula penal apenas para o inadimplemento do adquirente, deverá ela ser considerada para a fixação da indenização pelo inadimplemento do vendedor.

As obrigações heterogêneas (obrigações de fazer e de dar) serão convertidas em dinheiro, por arbitramento judicial. STJ. 2ª Seção. REsp 1.631.485-DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 22/05/2019 (recurso repetitivo) (Info 651).

Ampliando um pouco o debate: em um contrato no qual foi estipulada uma cláusula penal COMPENSATÓRIA, caso haja o inadimplemento, é possível que o credor exija o valor desta cláusula penal e mais as perdas e danos?

Também não. Não se pode cumular multa compensatória prevista em cláusula penal com indenização por perdas e danos decorrentes do inadimplemento da obrigação.

A finalidade da cláusula penal compensatória é recompor a parte pelos prejuízos que eventualmente decorram do inadimplemento total ou parcial da obrigação. Não é possível, portanto, cumular cláusula penal compensatória com perdas e danos decorrentes de inadimplemento contratual.

Com efeito, se as próprias partes já acordaram previamente o valor que entendem suficiente para recompor os prejuízos experimentados em caso de inadimplemento, não se pode admitir que, além desse valor, ainda seja acrescido outro, com fundamento na mesma justificativa – a recomposição de prejuízos.

Lei nº 13.786/2018

Em 28/12/2018, entrou em vigor a Lei nº 13.786/2018, que dispõe sobre a resolução do contrato por inadimplemento do adquirente de unidade imobiliária.

A Lei nº 13.786/2018 acrescentou o art. 43-A na Lei nº 4.591/64 para tratar sobre o inadimplemento (parcial ou absoluto) em contratos de compra e venda, promessa de venda, cessão ou promessa de cessão de unidades autônomas integrantes de incorporação imobiliária ou de loteamento. Veja inicialmente o que diz o caput:

Art. 43-A. A entrega do imóvel em até 180 (cento e oitenta) dias corridos da data estipulada contratualmente como data prevista para conclusão do empreendimento, desde que expressamente pactuado, de forma clara e destacada, não dará causa à resolução do contrato por parte do adquirente nem ensejará o pagamento de qualquer penalidade pelo incorporador.

Assim, o caput do art. 43-A prevê agora expressamente a validade da cláusula de tolerância (que já era admitida pela jurisprudência). Com isso, admite-se como tolerável (aceitável) um atraso de até 180 dias em relação ao prazo previsto para a entrega.

Por outro lado, se o empreendimento for entregue após os 180 dias de tolerância, isso já será considerado inaceitável e o adquirente poderá pedir cumulativamente:

  • a resolução do contrato;
  • a devolução de todo o valor que pagou; e
  • o pagamento da multa estabelecida.

A incorporadora deverá fazer o pagamento em até 60 dias corridos, contados da resolução, acrescidos de correção monetária. É isso que prevê o novo § 1º do art. 43-A:

§ 1º Se a entrega do imóvel ultrapassar o prazo estabelecido no caput deste artigo, desde que o adquirente não tenha dado causa ao atraso, poderá ser promovida por este a resolução do contrato, sem prejuízo da devolução da integralidade de todos os valores pagos e da multa estabelecida, em até 60 (sessenta) dias corridos contados da resolução, corrigidos nos termos do § 8º do art. 67-A desta Lei.

O adquirente pode, no entanto, decidir que, mesmo tendo sido ultrapassado o prazo de tolerância, ele não quer a resolução do contrato, ou seja, ele permanece com interesse no imóvel.

Neste caso, este adquirente irá receber o imóvel e terá direito à indenização de 1% do valor efetivamente pago à incorporadora, para cada mês de atraso, acrescido de correção monetária. Veja a redação do § 2º do art. 43-A:

§ 2º Na hipótese de a entrega do imóvel estender-se por prazo superior àquele previsto no caput deste artigo, e não se tratar de resolução do contrato, será devida ao adquirente adimplente, por ocasião da entrega da unidade, indenização de 1% (um por cento) do valor efetivamente pago à incorporadora, para cada mês de atraso, pro rata die, corrigido monetariamente conforme índice estipulado em contrato.

Vale ressaltar que a multa do § 1º, vista acima, é decorrente da inexecução total da obrigação (houve a resolução do contrato).

O § 2º, por sua vez, prevê uma indenização para a mora (o contrato não foi desfeito, tendo sido apenas cumprido com atraso).

Assim, as sanções têm natureza jurídica e finalidade diversas, sendo, portanto, inacumuláveis, conforme prevê o § 3º do art. 43-A:

§ 3º A multa prevista no § 2º deste artigo, referente a mora no cumprimento da obrigação, em hipótese alguma poderá ser cumulada com a multa estabelecida no § 1º deste artigo, que trata da inexecução total da obrigação.

Como fica a questão da aplicação da Lei nº 13.786/2018 no tempo? Essas regras da Lei nº 13.786/2018, que acabei de explicar, podem ser aplicadas para os contratos celebrados antes da sua vigência?

NÃO. As regras da Lei nº 13.786/2018, que entrou em vigor no dia 28/12/2018, não podem ser aplicadas aos contratos anteriores à sua vigência.

A nova lei só poderá atingir contratos celebrados posteriormente à sua entrada em vigor.

Nas palavras do Min. Luis Felipe Salomão:

“(…) a Lei n. 13.786/2018 não será aplicada para a solução dos casos em julgamento, de modo a trazer segurança e evitar que os jurisdicionados que firmaram contratos anteriores sejam surpreendidos, ao arrepio do direito adquirido e do ato jurídico perfeito.”

O que vale é a data da celebração do contrato (e não a data do inadimplemento). Desse modo, imagine que o contrato foi celebrado em janeiro de 2017. Em janeiro de 2019, terminou o prazo de tolerância e a construtora não entregou o empreendimento. Neste caso, não se aplicam as regras trazidas pela Lei nº 13.786/2018 porque o pacto é anterior a esse diploma.

Assim, podemos fixar as conclusões:

  • contratos celebrados até 27/12/2018: em caso de inadimplemento, aplica-se a jurisprudência do STJ firmada neste REsp 1.498.484-DF, não incidindo a Lei nº 13.786/2018.
  • contratos celebrados a partir de 28/12/2018: devem ser aplicadas as regras da Lei nº 13.786/2018.
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É válida cláusula contratual que prevê a perda integral dos valores pagos em contrato de compromisso de compra e venda firmado entre particulares?

A

É válida a cláusula penal que prevê a perda integral dos valores pagos em contrato de compromisso de compra e venda firmado entre particulares. Para a caracterização do vício de lesão, exige-se a presença simultânea de:

a) elemento objetivo (desproporção das prestações); e
b) elemento subjetivo (a inexperiência ou a premente necessidade). Os dois elementos devem ser aferidos no caso concreto.

Tratando-se de negócio jurídico bilateral celebrado de forma voluntária entre particulares, é imprescindível a comprovação dos elementos subjetivos, sendo inadmissível a presunção nesse sentido.

O mero interesse econômico em resguardar o patrimônio investido em determinado negócio jurídico não configura premente necessidade para o fim do art. 157 do Código Civil. STJ. 3ª Turma.REsp 1.723.690-DF, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 06/08/2019 (Info 653).

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A aplicação da sanção civil do pagamento em dobro por cobrança judicial de dívida já adimplida pode ser postulada pelo réu na contestação, ou depende de reconvenção ou ação autônoma?

A

A aplicação da sanção civil do pagamento em dobro por cobrança judicial de dívida já adimplida (art. 1.531 do CC 1916 / art. 940 do CC 2002) pode ser postulada pelo réu na própria defesa, independendo da propositura de ação autônoma ou do manejo de reconvenção.

Para que haja a aplicação da sanção civil do pagamento em dobro por cobrança judicial de dívida já adimplida (art. 1.531 do CC 1916 / art. 940 do CC 2002), é imprescindível a demonstração de má-fé do credor. Permanece válido o entendimento da Súmula 159-STF: Cobrança excessiva, mas de boa fé, não dá lugar às sanções do art. 1.531 do Código Civil (atual art. 940 do CC 2002). STJ. 2ª Seção. REsp 1.111.270-PR, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 25/11/2015 (recurso repetitivo) (Info 576).

Art. 940. Aquele que demandar por dívida já paga, no todo ou em parte, sem ressalvar as quantias recebidas ou pedir mais do que for devido, ficará obrigado a pagar ao devedor, no primeiro caso, o dobro do que houver cobrado e, no segundo, o equivalente do que dele exigir, salvo se houver prescrição.

Obs1: essa penalidade do art. 940 deve ser aplicada independentemente da pessoa demandada ter provado qualquer tipo de prejuízo. Assim, ainda que Pedro não comprove ter sofrido dano, essa indenização será devida. O art. 940 do CC institui uma autêntica pena privada, aplicável independentemente da existência de prova do dano. (STJ. 3ª Turma. REsp 1.286.704/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe de 28/10/2013).

Obs2: a penalidade do art. 940 exige que o credor tenha exigido judicialmente a dívida já paga (“demandar” = “exigir em juízo”).

Para que Pedro cobre esse valor em dobro, é necessária ação autônoma ou reconvenção ou ele pode fazer isso por meio de mera contestação?

O pedido pode ser feito por meio de contestação. Segundo o STJ, a aplicação da penalidade do pagamento do dobro da quantia cobrada indevidamente pode ser requerida por toda e qualquer via processual. Assim, não depende da propositura de ação autônoma ou de que a parte a requeira em sede de reconvenção.

Sempre que houver cobrança de dívida já paga, haverá a condenação do autor à penalidade do art. 940 do CC?

Não, nem sempre. Segundo a jurisprudência, são exigidos dois requisitos para a aplicação do art. 940:

a) Cobrança JUDICIAL de dívida já paga (no todo ou em parte), sem ressalvar as quantias recebidas;
b) MÁ-FÉ do cobrador.

Se João tivesse desistido da ação de cobrança antes de Pedro apresentar contestação, isso o eximiria do pagamento da penalidade do art. 940 do CC?

SIM. O CC prevê que a indenização é excluída se o autor desistir da ação antes de contestada a lide: Art. 941. As penas previstas nos arts. 939 e 940 não se aplicarão quando o autor desistir da ação antes de contestada a lide, salvo ao réu o direito de haver indenização por algum prejuízo que prove ter sofrido.

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Q

A abusividade dos encargos acessórios da dívida descaracteriza a mora?

A

A abusividade de encargos acessórios do contrato não descaracteriza a mora. STJ. 2ª Seção. REsp 1.639.259-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 12/12/2018 (recurso repetitivo) (Info 639).

Obs: o reconhecimento da abusividade dos encargos essenciais exigidos no período da normalidade contratual descarateriza a mora (STJ. 2ª Seção. REsp 1061530/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 22/10/2008).

Imagine a seguinte situação hipotética:

João celebrou contrato de financiamento bancário por meio do qual tomou emprestado R$ 50 mil da instituição financeira, oferecendo um caminhão como garantia da dívida.

Ocorre que o banco inseriu no contrato três encargos acessórios a serem pagos pelo contratante, que não teve liberdade de escolha.

Assim, o contrato previa que João deveria, obrigatoriamente, pagar, além das parcelas do financiamento: • seguro de proteção financeira;

  • ressarcimento de despesas com pré-gravame;
  • comissão do correspondente bancário.

O banco poderia ter exigido o pagamento desses encargos?

NÃO. O STJ entende que essa exigência é abusiva.

Atraso no pagamento das parcelas do financiamento Após alguns meses, João passou a atrasar o pagamento das parcelas do contrato.

O contrato previa que, em caso de atraso, incidiria multa contratual, juros moratórios e correção monetária.

Diante da mora, o banco iniciou a cobrança dos encargos moratórios previstos no ajuste.

João defendeu-se afirmando que, como o banco estava exigindo alguns encargos manifestamente abusivos, o atraso no pagamento foi justificado e, portanto, a mora deveria ser afastada, não havendo motivo para que ele pagasse a multa, os juros e a correção monetária.

A tese de João foi acolhida pelo STJ?

NÃO. Vamos entender com calma.

Se o banco cobra encargos ilegais do contratante e este atrasa o pagamento, haverá a incidência de juros e correção monetária?

Depende:

Se são encargos ESSENCIAIS: NÃO

O reconhecimento da abusividade nos encargos exigidos no período da normalidade contratual descaracteriza (afasta) a mora. Isso porque afasta a “culpa” do mutuário pelo atraso. STJ. 2ª Seção. REsp 1061530/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 22/10/2008

Ex: em um contrato de mútuo bancário, se a instituição financeira cobra juros remuneratórios abusivos, o eventual atraso não gera mora (não gera pagamento das verbas decorrentes da mora).

Se são encargos ACESSÓRIOS: SIM

A abusividade de encargos acessórios do contrato não descaracteriza a mora. STJ. 2ª Seção. REsp 1.639.259-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 12/12/2018 (recurso repetitivo) (Info 639)

Ex: em um contrato de mútuo bancário, se a instituição financeira exige seguro de proteção financeira, ressarcimento de despesas com prégravame e comissão do correspondente bancário, o eventual atraso gera mora.

A abusividade em algum encargo acessório do contrato não contamina a parte principal da contratação, que deve ser conservada.

Deve-se fazer a redução do negócio jurídico, conforme preconiza o Código de Defesa do Consumidor, nos seguintes termos:

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: (…) § 2º A nulidade de uma cláusula contratual abusiva não invalida o contrato, exceto quando de sua ausência, apesar dos esforços de integração, decorrer ônus excessivo a qualquer das partes.

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28
Q

Quais são os requisitos para aplicação da teoria do adimplemento substancial?

A

Por meio da teoria do adimplemento subtancial, defende-se que, se o adimplemento da obrigação foi muito próximo ao resultado final, a parte credora não terá direito de pedir a resolução do contrato porque isso violaria a boa-fé objetiva, já que seria exagerado, desproporcional, iníquo.

No caso do adimplemento substancial, a parte devedora não cumpriu tudo, mas quase tudo, de modo que o credor terá que se contentar em pedir o cumprimento da parte que ficou inadimplida ou então pleitear indenização pelos prejuízo que sofreu (art. 475, CC). (INFO 500)

O STJ já decidiu que são necessários três requisitos para a aplicação da teoria:

a) A existÊncia de expectativas lefítima geradas pelo comportamento das partes;
b) O pagamento faltante há de ser ínfimo em se considerando o total do negócio;
c) Deve ser possível a conservação da eficácia do negócio sem prejuízo ao direito do credor de pleitear a quantia devida pelos meios ordinários (REsp 1581505).

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29
Q

A teoria do adimplemento substancial se aplica aos contrato de alienação fiduciária?

A

NÃO.

Não se aplica a teoria do adimplemento substancial aos contratos de alienação fiduciária em garantia regidos pelo Decreto-Lei 911/69. STJ. 2ª Seção. REsp 1.622.555-MG, Rel. Min. Marco Buzzi, Rel. para acórdão Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 22/2/2017 (Info 599).

TEORIA DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL

Em um contrato, se uma parte descumpre a sua obrigação, a parte credora terá, em regra, duas opções:

1) poderá exigir o cumprimento da prestação que não foi adimplida; ou
2) pedir a resolução (“desfazimento”) do contrato.

Além disso, tanto em um caso como no outro, ela poderá também pedir o pagamento de eventuais perdas e danos que comprove ter sofrido. Isso está previsto no art. 475 do Código Civil:

Art. 475. A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigirlhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos.

A teoria do adimplemento substancial tem por objetivo mitigar o que foi explicado acima. Segundo essa teoria, se a parte devedora cumpriu quase tudo que estava previsto no contrato (ex: eram 48 prestações, e ela pagou 46), então, neste caso, a parte credora não terá direito de pedir a resolução do contrato porque, como faltou muito pouco, o desfazimento do pacto seria uma medida exagerada, desproporcional, injusta e violaria a boa-fé objetiva.

Desse modo, havendo adimplemento substancial (adimplemento de grande parte do contrato), o credor teria apenas uma opção: exigir do devedor o cumprimento da prestação (das prestações) que ficou (ficaram) inadimplida(s) e pleitear eventual indenização pelos prejuízos que sofreu.

Veja o clássico conceito de Clóvis do Couto e Silva:

Adimplemento substancial “constitui um adimplemento tão próximo ao resultado final, que, tendo-se em vista a conduta das partes, exclui-se o direito de resolução, permitindo-se tão somente o pedido de indenização e/ou adimplemento, de vez que a primeira pretensão viria a ferir o princípio da boa-fé (objetiva)” (O Princípio da Boa-Fé no Direito Brasileiro e Português in Estudos de Direito Civil Brasileiro e Português. São Paulo: RT, 1980, p. 56).

A origem desta teoria remonta o Direito Inglês do séc. XVIII, tendo lá recebido o nome de “substancial performance”.

ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA

Conceito

“A alienação fiduciária em garantia é um contrato instrumental em que uma das partes, em confiança, aliena a outra a propriedade de um determinado bem, ficando esta parte (uma instituição financeira, em regra) obrigada a devolver àquela o bem que lhe foi alienado quando verificada a ocorrência de determinado fato.” (RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito Empresarial Esquematizado. São Paulo: Método, 2012, p. 565).

Regramento

O Código Civil de 2002 trata de forma genérica sobre a propriedade fiduciária em seus arts. 1.361 a 1.368- B. Existem, no entanto, leis específicas que também regem o tema:

  • alienação fiduciária envolvendo bens imóveis: Lei nº 9.514/97;
  • alienação fiduciária de bens móveis no âmbito do mercado financeiro e de capitais: Lei nº 4.728/65 e Decreto-Lei nº 911/69. É o caso, por exemplo, de um automóvel comprado por meio de financiamento bancário com garantia de alienação fiduciária.

Nas hipóteses em que houver legislação específica, as regras do CC-2002 aplicam-se apenas de forma subsidiária:

Art. 1.368-A. As demais espécies de propriedade fiduciária ou de titularidade fiduciária submetem-se à disciplina específica das respectivas leis especiais, somente se aplicando as disposições deste Código naquilo que não for incompatível com a legislação especial.

INAPLICABILIDADE DA TEORIA DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL À ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA REGIDA PELO DL 911/69

A espécie mais comum de alienação fiduciária é a de automóveis, que é regida pelo Decreto-Lei nº 911/69.

O que acontece em caso de inadimplemento do mutuário (em nosso exemplo, Antônio)?

Havendo mora por parte do mutuário, deverá ser adotado o procedimento previsto no DL 911/69:

Notificação do devedor

O credor deverá fazer a notificação extrajudicial do devedor de que este se encontra em débito, comprovando, assim, a mora. Essa notificação é indispensável para que o credor possa ajuizar ação de busca e apreensão. Confira:

Súmula 72-STJ: A comprovação da mora é imprescindível à busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente.

Como é feita a notificação do devedor? Essa notificação precisa ser realizada por intermédio do Cartório de Títulos e Documentos?

NÃO. Essa notificação é feita por meio de carta registrada com aviso de recebimento. Logo, não precisa ser realizada por intermédio do Cartório de RTD.

O aviso de recebimento da carta (AR) precisa ser assinado pelo próprio devedor?

NÃO. Não se exige que a assinatura constante do aviso de recebimento seja a do próprio destinatário (§ 2º do art. 2º do DL 911/69).

Para a constituição em mora por meio de notificação extrajudicial, é suficiente que seja entregue no endereço do devedor, ainda que não pessoalmente.

Ajuizamento da ação de busca e apreensão

Após comprovar a mora, o mutuante (Banco “X”) poderá ingressar com uma ação de busca e apreensão requerendo que lhe seja entregue o bem (art. 3º do DL 911/69). Essa busca e apreensão prevista no DL 911/69 é uma ação especial autônoma e independente de qualquer procedimento posterior.

Concessão da liminar

O juiz concederá a busca e apreensão de forma liminar (sem ouvir o devedor), desde que comprovada a mora ou o inadimplemento do devedor (art. 3º do DL 911/69).

Possibilidade de pagamento integral da dívida

No prazo de 5 dias após o cumprimento da liminar (apreensão do bem), o devedor fiduciante poderá pagar a integralidade da dívida pendente, segundo os valores apresentados pelo credor fiduciário na inicial, hipótese na qual o bem lhe será restituído livre do ônus (§ 2º do art. 3º do DL 911/69). Veja o dispositivo legal:

Art. 3º (…)

§ 1º Cinco dias após executada a liminar mencionada no caput, consolidar-se-ão a propriedade e a posse plena e exclusiva do bem no patrimônio do credor fiduciário, cabendo às repartições competentes,quando for o caso, expedir novo certificado de registro de propriedade em nome do credor, ou de terceiro por ele indicado, livre do ônus da propriedade fiduciária. (Redação dada pela Lei 10.931/2004)

§ 2º No prazo do § 1º, o devedor fiduciante poderá pagar a integralidade da dívida pendente, segundo os valores apresentados pelo credor fiduciário na inicial, hipótese na qual o bem lhe será restituído livre do ônus. (Redação dada pela Lei 10.931/2004)

[…]

A tese do devedor foi aceita pelo STJ? É possível a aplicação da teoria do adimplemento substancial para a alienação fiduciária regida pelo DL 911/69?

NÃO.

Conforme vimos acima, devidamente comprovada a mora ou o inadimplemento, o DL 911/69 autoriza que o credor fiduciário possa se valer da ação de busca e apreensão, sendo irrelevante examinar quantas parcelas já foram pagas ou estão em aberto.

Além disso, o art. 3º, § 2º do DL 911/69 prevê que o bem somente poderá ser restituído ao devedor se ele pagar, no prazo de 5 dias, a integralidade da dívida pendente.

Dessa forma, a lei foi muito clara ao exigir a quitação integral do débito como condição imprescindível para que o bem alienado fiduciariamente seja remancipado. Ou seja, nos termos da lei, para que o bem possa ser restituído ao devedor livre de ônus, é necessário que ele quite integralmente a dívida pendente.

Assim, mostra-se incongruente impedir a utilização da ação de busca e apreensão pelo simples fato de faltarem poucas prestações a serem pagas, considerando que a lei de regência do instituto expressamente exigiu o pagamento integral da dívida pendente.

Incentivo ao inadimplemento das últimas parcelas

Vale mencionar, ainda, que a aplicação da teoria do adimplemento substancial para obstar a utilização da ação de busca e apreensão representaria um incentivo ao inadimplemento das últimas parcelas contratuais, considerando que o devedor saberia que não perderia o bem e que o credor teria que se contentar em buscar o crédito faltante por outras vias judiciais menos eficazes.

Juros mais elevados

Se fosse aplicada a teoria do adimplemento substancial para os contratos de alienação fiduciária, haveria um enfraquecimento da garantia prevista neste instituto fazendo com que as instituições financeiras começassem a praticar juros mais elevados a fim de compensar esses riscos. Isso seria prejudicial para a economia e para os consumidores em geral.

Dessa forma, a propriedade fiduciária, concebida pelo legislador justamente para conferir segurança jurídica às concessões de crédito, essencial ao desenvolvimento da economia nacional, ficaria comprometida pela aplicação deturpada da teoria do adimplemento substancial.

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Q

Em que consiste o lucro de intervenção? Quais são seus fundamento e de que forma é possível a sua quantificação?

A

Determinada “farmácia de manipulação” utilizou o nome e a imagem da atriz Giovanna Antonelli, sem a sua autorização, em propagandas de um remédio para emagrecer.

O STJ afirmou que, além da indenização por danos morais e materiais, a atriz também tinha direito à restituição de todos os benefícios econômicos que a ré obteve na venda de seus produtos (restituição do “lucro da intervenção”).

Lucro da intervenção é uma vantagem patrimonial obtida indevidamente com base na exploração ou aproveitamento, de forma não autorizada, de um direito alheio.

Dever de restituição do lucro da intervenção é o dever que o indivíduo possui de pagar aquilo que foi auferido mediante indevida interferência nos direitos ou bens jurídicos de outra pessoa.

A obrigação de restituir o lucro da intervenção é baseada na vedação do enriquecimento sem causa (art. 884 do CC).

A ação de enriquecimento sem causa é subsidiária. Apesar disso, nada impede que a pessoa prejudicada ingresse com ação cumulando os pedidos de reparação dos danos (responsabilidade civil) e de restituição do indevidamente auferido (lucro da intervenção).

Para a configuração do enriquecimento sem causa por intervenção, não se faz imprescindível a existência de deslocamento patrimonial, com o empobrecimento do titular do direito violado, bastando a demonstração de que houve enriquecimento do interventor.

O critério mais adequado para se fazer a quantificação do lucro da intervenção é o do enriquecimento patrimonial (lucro patrimonial).

A quantificação do lucro da intervenção deverá ser feita por meio de perícia realizada na fase de liquidação de sentença, devendo o perito observar os seguintes critérios:

a) apuração do quantum debeatur com base no denominado lucro patrimonial;
b) delimitação do cálculo ao período no qual se verificou a indevida intervenção no direito de imagem da autora;
c) aferição do grau de contribuição de cada uma das partes e
d) distribuição do lucro obtido com a intervenção proporcionalmente à contribuição de cada partícipe da relação jurídica. STJ. 3ª Turma.REsp 1.698.701-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 02/10/2018 (Info 634).

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31
Q

Como se dá a responsabilidade dos menores nos casos em que seus atos causem prejuízos a terceiros?

A

A responsabilidade civil do incapaz pela reparação dos danos é subsidiária, condicional, mitigada e equitativa

Os incapazes (ex: filhos menores), quando praticarem atos que causem prejuízos, terão responsabilidade subsidiária, condicional, mitigada e equitativa, nos termos do art. 928 do CC.

Subsidiária: porque apenas ocorrerá quando os seus genitores não tiverem meios para ressarcir a vítima.

Condicional e mitigada: porque não poderá ultrapassar o limite humanitário do patrimônio mínimo do infante.

Equitativa: tendo em vista que a indenização deverá ser equânime, sem a privação do mínimo necessário para a sobrevivência digna do incapaz.

A responsabilidade dos pais dos filhos menores será substitutiva, exclusiva e não solidária.

INFO 599

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32
Q

A vítima de um ato ilícito praticado por menor pode propor a ação somente contra o pai do garoto, não sendo necessário incluir o adolescente no polo passivo?

A

Em ação indenizatória decorrente de ato ilícito, não há litisconsórcio necessário entre o genitor responsável pela reparação (art. 932, I, do CC) e o menor causador do dano.

É possível, no entanto, que o autor, por sua opção e liberalidade, tendo em conta que os direitos ou obrigações derivem do mesmo fundamento de fato ou de direito, intente ação contra ambos – pai e filho –, formando-se um litisconsórcio facultativo e simples.

Ex: Lucas, 15 anos de idade, brincava com a arma de fogo de seu pai e, por imprudência, acabou acertando um tiro em Vítor, que ficou ferido, mas sobreviveu. Vítor ajuizou ação de indenização por danos morais e materiais contra João (pai de Lucas). Não era necessário que Vítor propusesse a ação contra João e Lucas, em litisconsórcio. Vale a pena esclarecer, no entanto, que seria plenamente possível que o autor (vítima) tivesse, por sua opção e liberalidade, ajuizado a ação contra ambos (pai e filho). Neste caso, teríamos uma hipótese de litisconsórcio: facultativo e simples.

Não há como afastar a responsabilização do pai do filho menor simplesmente pelo fato de que ele não estava fisicamente ao lado de seu filho no momento da conduta

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33
Q

Os pais respondem pelos atos de seus filhos mesmo que estes não estejam sob sua autoridade e compania?

A

O art. 932 do CC prevê que os pais são responsáveis pela reparação civil em relação aos atos praticados por seus filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia.

O art. 932, I do CC, ao se referir à autoridade e companhia dos pais em relação aos filhos, quis explicitar o poder familiar (a autoridade parental não se esgota na guarda), compreendendo um plexo de deveres, como proteção, cuidado, educação, informação, afeto, dentre outros, independentemente da vigilância investigativa e diária, sendo irrelevante a proximidade física no momento em que os menores venham a causar danos.

Em outras palavras, não há como afastar a responsabilização do pai do filho menor simplesmente pelo fato de que ele não estava fisicamente ao lado de seu filho no momento da conduta. STJ. 4ª Turma. REsp 1.436.401-MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 2/2/2017 (Info 599).

Obs: cuidado com o REsp 1.232.011-SC, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 17/12/2015 (Info 575), precedente em sentido um pouco diverso envolvendo uma mãe que morava em outra cidade.

A mãe que, à época de acidente provocado por seu filho menor de idade, residia permanentemente em local distinto daquele no qual morava o menor - sobre quem apenas o pai exercia autoridade de fato - não pode ser responsabilizada pela reparação civil advinda do ato ilícito, mesmo considerando que ela não deixou de deter o poder familiar sobre o filho. STJ. 3ª Turma. REsp 1.232.011-SC, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 17/12/2015 (Info 575).

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34
Q

Policial que, fora de suas funções, prende vizinho por conta de xingamento sofridos pratica ato ilícito?

A

A privação da liberdade por policial fora do exercício de suas funções e com reconhecido excesso na conduta caracteriza dano moral in re ipsa.

Durante uma discussão no condomínio, um morador, que é policial, algemou e prendeu seu vizinho, após ser por ele ofendido verbalmente. STJ. 3ª Turma. REsp 1.675.015-DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 12/9/2017 (Info 612).

Imagine a seguinte situação hipotética:

João e Pedro moram no mesmo condomínio e discutiram por causa de uma vaga na garagem.

Durante a discussão, Pedro afirmou que João era um “policialzinho de merda”.

O argumento do réu foi acolhido pelo STJ?

NÃO.

A privação da liberdade por policial fora do exercício de suas funções e com reconhecido excesso na conduta caracteriza dano moral in re ipsa. STJ. 3ª Turma. REsp 1.675.015-DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 12/9/2017 (Info 612)

Diante disso, João, que é policial militar, algemou Pedro e o levou preso até a delegacia de polícia sob o argumento de que teria praticado desacato.

Vale ressaltar que João não estava no exercício de suas funções durante a briga e que Pedro possuía 60 anos de idade.

Depois do ocorrido, Pedro ajuizou ação de indenização por danos morais contra João.

O réu, ao contestar a ação, afirmou, dentre outros argumentos, que não restou comprovado o dano moral e que, portanto, não seria devida a indenização.

Constitui grave violação da integridade física e psíquica do indivíduo, e, portanto, ofensa à sua dignidade enquanto ser humano, a privação indevida da liberdade, sobretudo por preposto do Estado e fora do exercício das funções, caracterizando dano moral in re ipsa.

O réu agiu de forma arbitrária ao algemar o vizinho, pessoa idosa, no interior do condomínio onde moram, em meio à uma discussão, caracterizando-se, assim, a ofensa a sua liberdade pessoal e, consequentemente, a sua dignidade. Tal situação causa, indiscutivelmente, dano moral.

Destaca-se a narrativa dos fatos registrada no acórdão impugnado:

Após o incômodo registrado entre vizinhos, as partes se encontraram no corredor comum do prédio, momento em que se iniciou a discussão.

Nesse instante, as partes divergem quanto aos fatos ocorridos, alegando o autor que, depois de buscar uma câmera para filmar os diversos xingamentos desferidos pelo policial, este deu-lhe um tapa na mão esquerda (fís. 28/30). O réu, por sua vez, informa que, ao encontrar o autor no corredor, recebeu dele um empurrão e que, após perguntar pelo motivo da agressão sofrida, o autor o chamou de “policialzinho de merda”, razão pela qual foi-lhe dada voz de prisão por desacato.

Não obstante a controvérsia de quem deu início ao episódio, certo é que as fotos de fls. 48/54 e os documentos de fls. 63/78 demonstram que o autor sofreu severas agressões físicas, bem como que as algemas colocadas provocaram lesões por estarem extremamente apertadas.

E no caso dos autos, não restou demonstrada a natureza excepcional que justificasse o uso legítimo das algemas. Ao oposto, o próprio Ministério Público, na esfera criminal, ao apurar penalmente os fatos ocorridos, reconheceu que “o agente de polícia civil, consciente e voluntariamente, abusou de sua autoridade e exorbitou de suas funções ao algemar e conduzir arbitrariamente à Delegacia de Polícia FABIO SALGADO PETROSINO (60 anos). Na mesma ocasião, o denunciado teria ainda agredido fisicamente a vítima, provocando as lesões corporais descritas no laudo de exame de delito de fls. 18/19 e retratadas nas fotos de fls. 104/123” (fls. 340/341). (…)

E quanto ao dano moral sofrido, é cediça sua ocorrência, não somente pelo constrangimento do uso de algemas, mas pelo vexame sofrido em local público, consoante se observa das fotos de fls. 313/321, ferindo-lhe a honra e a dignidade, sobretudo por se tratar de pessoa idosa, atingindo a sua personalidade de tal forma que o autor, inclusive, buscou providências perante a Comissão de Direitos Humanos (fls. 79/80).

Dessa forma, diante da conduta ilícita do apelante, dos danos morais sofridos pelo apelado, bem como do nexo de causalidade entre ambos, o dever de indenizar é medida que se impõe, sendo correta a imputação de responsabilidade ao apelante. (fls. 659-61, e-STJ – sem grifos no original)

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35
Q

A demora no ajuizamento da ação de reparação por danos morais pode influenciar no montante indenizatório?

A

Na vigência do CC\1916: SIM.

Na vigência do CC-1916, a jurisprudência do STJ consolidou-se no sentido de que a demora na busca da reparação do dano moral deveria ser considerada na fixação do valor da indenização.

Esse entendimento baseava-se no fato de que, no Código passado, o prazo prescricional era muito extenso (20 anos).

Assim, o prazo prescricional muito longo previsto no Código Civil anterior resultava em situações extremas, nas quais o período decorrido entre o evento danoso e a propositura da ação indenizatória se revelava nitidamente exagerado ou desproporcional.

Na vigência do CC-2002: NÃO.

O CC de 2002 prevê o prazo prescicional de 3 anos para a pretensão de reparação civil fundamentada em relação extracontratual. Trata-se de prazo muito mais curto e, portanto, as situações extremas que eram verificadas no passado não mais persistem.

Logo, no atual panorama normativo, o momento em que a ação será proposta, desde que na fluência do prazo prescricional, mostra-se desinfluente para aferição do valor da indenização.

Não se mostra razoável presumir que o abalo psicológico suportado por aquele que perde um ente familiar é diminuído pela não manifestação imediata do seu inconformismo por intermédio de uma demanda judicial.

REsp 1677773.

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36
Q

O filho menor tem legitimidade para recorrer da sentença condenatória proferida contra seu pai decorrente de prejuízo por si causado?

A

Não.

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE REPARAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. RESPONSABILIDADE DOS PAIS PELOS DANOS CAUSADOS POR FILHOS MENORES. LEGITIMIDADE PARA RECORRER DO FILHO.
AUSÊNCIA.
1. Discussão acerca da legitimidade do filho menor para recorrer de sentença proferida em ação proposta unicamente em face de seu genitor, com fundamento na responsabilidade dos pais pelos atos ilícitos cometidos pelos filhos menores.
2. Inviável o reconhecimento de violação ao art. 535 do CPC quando não verificada no acórdão recorrido omissão, contradição ou obscuridade apontadas pelo recorrente.
3. A ausência de decisão sobre os dispositivos legais supostamente violados, não obstante a interposição de embargos de declaração, impede o conhecimento do recurso especial. Incidência da Súmula 211/STJ.
4. Em regra, é a parte sucumbente quem tem legitimidade para recorrer. O art. 499, §1º, do CPC, contudo, assegura ao terceiro prejudicado a possibilidade de interpor recurso de determinada decisão, desde que ela afete, direta ou indiretamente, uma relação jurídica de que seja titular.
5. A norma do art. 942 do Código Civil deve ser interpretada em conjunto com aquela dos arts. 928 e 934, que tratam, respectivamente, (i) da responsabilidade subsidiária e mitigada do incapaz e (ii) da inexistência de direito de regresso em face do descendente absoluta ou relativamente incapaz.
6. Na hipótese, conclui-se pela carência de interesse e legitimidade recursal do recorrente porque a ação foi proposta unicamente em face do seu genitor, não tendo sido demonstrado o nexo de interdependência entre seu interesse de intervir e a relação jurídica originalmente submetida à apreciação judicial.
7. Negado provimento ao recurso especial.
(REsp 1319626/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 26/02/2013, DJe 05/03/2013)

“Referido interesse, frise-se, deve ser jurídico, não se admitindo o recurso do terceiro prejudicado quando seu interesse é meramente econômico.

Na hipótese dos autos, verifica-se que a ação foi proposta unicamente contra o pai do recorrente, tendo em vista a responsabilidade deste pelos atos ilícitos cometidos pelo filho que, à época dos fatos, era menor de idade.

O Código Civil, no seu art. 932, trata das hipóteses em que a responsabilidade civil pode ser atribuída a outrem que não seja o causador do dano. Dentre elas, no inciso I, está a dos genitores pelos atos cometidos por seus filhos menores. Trata-se de responsabilidade objetiva decorrente do exercício do poder familiar.

Conforme mencionado, o recorrente procura justificar seu interesse recursal argumentando que essa responsabilidade é solidária com seu genitor, nos termos do art. 942, parágrafo único, do Código Civil.

Referido dispositivo legal, de fato, prevê que “são solidariamente responsáveis com os autores, os coautores e as pessoas designadas no art. 932”. Todavia, essa norma deve ser interpretada em conjunto com aquela dos arts. 928 e 934 do Código Civil, que tratam, respectivamente, (i) da responsabilidade subsidiária e mitigada do incapaz e (ii) da inexistência de direito de regresso em face do descendente absoluta ou relativamente incapaz.

Na lição de Maria Helena Diniz, o art. 928 e parágrafo único “substitui o princípio da irresponsabilidade absoluta da pessoa privada de discernimento (em razão de idade ou falha mental) pelo princípio da responsabilidade mitigada e subsidiária” (Curso de Direito Civil Brasileiro, v. 7, Responsabilidade Civil, 26ª ed., São Paulo: Saraiva, 2012, p. 558/559).

Assim, o patrimônio dos filhos menores pode responder pelos prejuízos causados a outrem desde que as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes. E, mesmo assim, nos termos do parágrafo único do art. 928, se for o caso de atingimento do patrimônio do menor, a indenização será equitativa e não terá lugar se privar do necessário o incapaz ou as pessoas que dele dependam.

Em outras palavras, o filho menor não é responsável solidário com seus genitores, pelos danos causados, mas subsidiário. E “a responsabilidade do pai, portanto, se o causador do dano for filho inimputável, será substitutiva, exclusiva e não solidária” (Carlos Alberto Menezes Direito e Sergio Cavalieri Filho, in Comentários ao Novo Código Civil, Sálvio de Figueiredo Teixeira (coord.), v. XIII, 3ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 2011, p. 355).

Na hipótese analisada, todavia, nem se chegou a cogitar acerca da atribuição de responsabilidade ao menor recorrente, tendo a ação sido proposta unicamente em face de seu genitor.

Ademais, mesmo que o pai do recorrente venha efetivamente a ressarcir os danos causados à vítima em decorrência das agressões sofridas, cumprindo os termos da sentença condenatória, o patrimônio do recorrente não será atingido porque, embora nos outros casos de atribuição de responsabilidade, previstos no art. 932, seja cabível o direito de regresso em face do causador do dano, o art. 934 afasta essa possibilidade na hipótese de pagamento efetuado por ascendente. Nas palavras de Silvio de Salvo Venosa:

“Essa ação regressiva apenas não está disponível para o ascendente que paga por ato de descendente, absoluta ou relativamente incapaz, pois essa responsabilidade pertence ao rol dos deveres do pátrio poder ou poder familiar. Nesse caso, a obrigação fica restrita ao plano moral” (Direito Civil, v. IV, 11ª ed., São Paulo, Atlas, 2011, p. 89).., p. 89).”

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Q

No caso de evento danoso que resulte na morte de mais de uma pessoa, a indenização por dano moral deve ser arbitrada por grupo familiar?

A

CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. AÇÃO REPARATÓRIA. DANOS MORAIS.
ACIDENTE DE HELICÓPTERO QUE CULMINOU NA MORTE DE PARENTE PRÓXIMO DOS EMBARGANTES: PAI E ESPOSO/COMPANHEIRO. FIXAÇÃO DA QUANTIA INDENIZATÓRIA DE FORMA GLOBAL, POR NÚCLEO FAMILIAR, QUE TRATA DE FORMA DIFERENCIADA PARENTES QUE SE ENCONTRAM SUBSTANCIALMENTE NA MESMA SITUAÇÃO. METODOLOGIA INDIVIDUAL, PARA FINS DE ESTIPULAÇÃO DOS DANOS MORAIS REPARATÓRIOS, QUE MELHOR SE COADUNA COM O TEOR DE UMA JUSTA INDENIZAÇÃO PARA OS FAMILIARES EMBARGANTES. PREVALÊNCIA DO ENTENDIMENTO ESPOSADO NOS ACÓRDÃOS PARADIGMAS. EMBARGOS PROVIDOS.
1. Na atual sistemática constitucional, o conceito de dano moral deve levar em consideração, eminentemente, a dignidade da pessoa humana - vértice valorativo e fundamental do Estado Democrático de Direito - conferindo-se à lesão de natureza extrapatrimonial dimensões mais amplas, em variadas perspectivas.
2. Dentre estas perspectivas, tem-se o caso específico de falecimento de um parente próximo - como a morte do esposo, do companheiro ou do pai. Neste caso, o dano experimentado pelo ofendido qualifica-se como dano psíquico, conceituado pelo ilustre Desembargador RUI STOCO como o distúrbio ou perturbação causado à pessoa através de sensações anímicas desagradáveis (…), em que a pessoa é atingida na sua parte interior, anímica ou psíquica, através de inúmeras sensações dolorosas e importunantes, como, por exemplo, a ansiedade, a angústia, o sofrimento, a tristeza, o vazio, o medo, a insegurança, o desolamento e outros (Tratado de Responsabilidade Civil, São Paulo, RT, 2007, p. 1.678).
3. A reparabilidade do dano moral possui função meramente satisfatória, que objetiva a suavização de um pesar, insuscetível de restituição ao statu quo ante. A justa indenização, portanto, norteia-se por um juízo de ponderação, formulado pelo Julgador, entre a dor suportada pelos familiares e a capacidade econômica de ambas as partes - além da seleção de um critério substancialmente equânime.
4. Nessa linha, a fixação de valor reparatório global por núcleo familiar - nos termos do acórdão embargado - justificar-se-ia apenas se a todos os lesados (que se encontram em idêntica situação, diga-se de passagem) fosse conferido igual tratamento, já que inexistem elementos concretos, atrelados a laços familiares ou afetivos, que fundamentem a discriminação a que foram submetidos os familiares de ambas as vítimas.
5. No caso em exame, não se mostra equânime a redução do valor indenizatório, fixado para os embargantes, tão somente pelo fato de o núcleo familiar de seu parente falecido - Carlos Porto da Silva - ser mais numeroso em relação ao da vítima Fernando Freitas da Rosa.
6. Como o dano extrapatrimonial suportado por todos os familiares das vítimas não foi objeto de gradação que fundamentasse a diminuição do montante reparatório devido aos embargantes, deve prevalecer a metodologia de arbitramento da quantia reparatória utilizada nos acórdãos paradigmas - qual seja, fixação de quantia reparatória para cada vítima - restabelecendo-se, dessa maneira, o montante de R$ 130.000,00, fixado pelo Tribunal a quo, para cada embargante, restabelecendo-se, ainda, os critérios de juros de mora e correção monetária fixados pelo Tribunal de origem.
7. Embargos de Divergência de ALICE TREIB e MARA REGINA parcialmente conhecidos e, nesse aspecto, providos. Embargos de Divergência de JÚLIO YATES e PEDRO YATES conhecidos e providos.
(EREsp 1127913/RS, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, CORTE ESPECIAL, julgado em 04/06/2014, DJe 05/08/2014)

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Q

Em que consiste o dano social e em que hipótese é cabível pedir sua indenização?

A

O dano social é uma nova espécie de dano reparável, que não se confunde com os danos materiais, morais e estéticos, e que decorre de comportamentos socialmente reprováveis, que diminuem o nível social de tranquilidade.

Em uma ação individual, o juiz condenou o réu ao pagamento de danos morais e, de ofício, determinou que pagasse também danos sociais em favor de uma instituição de caridade.

O STJ entendeu que essa decisão é nula, por ser “extra petita”.

Para que haja condenação por dano social, é indispensável que haja pedido expresso.

Vale ressaltar, no entanto, que, no caso concreto, mesmo que houvesse pedido de condenação em danos sociais na demanda em exame, o pleito não poderia ter sido julgado procedente, pois esbarraria na ausência de legitimidade para postulá-lo. Isso porque, na visão do STJ, a condenação por danos sociais somente pode ocorrer em demandas coletivas e, portanto, apenas os legitimados para a propositura de ações coletivas poderiam pleitear danos sociais.

Em suma, não é possível discutir danos sociais em ação individual. STJ. 2ª Seção. Rcl 12.062-GO, Rel. Ministro Raul Araújo, julgado em 12/11/2014 (recurso repetitivo) (Info 552)

O que são danos sociais? Danos sociais e danos morais coletivos são expressões sinônimas? NÃO.

Dano social não é sinônimo de dano moral coletivo.

Danos sociais, segundo Antônio Junqueira de Azevedo, “são lesões à sociedade, no seu nível de vida, tanto por rebaixamento de seu patrimônio moral – principalmente a respeito da segurança – quanto por diminuição na qualidade de vida. Os danos sociais são causa, pois, de indenização punitiva por dolo ou culpa grave, especialmente, repetimos, se atos que reduzem as condições coletivas de segurança, e de indenização dissuasória, se atos em geral da pessoa jurídica, que trazem uma diminuição do índice de qualidade de vida da população.” (p. 376).

O dano social é, portanto, uma nova espécie de dano reparável, que não se confunde com os danos materiais, morais e estéticos, e que decorre de comportamentos socialmente reprováveis, que diminuem o nível social de tranquilidade.

Alguns exemplos dados por Junqueira de Azevedo: o pedestre que joga papel no chão, o passageiro que atende ao celular no avião, o pai que solta balão com seu filho. Tais condutas socialmente reprováveis podem gerar danos como o entupimento de bueiros em dias de chuva, problemas de comunicação do avião causando um acidente aéreo, o incêndio de casas ou de florestas por conta da queda do balão etc.

Diante da prática dessas condutas socialmente reprováveis, o juiz deverá condenar o agente a pagar uma indenização de caráter punitivo, dissuasório ou didático, a título de dano social.

Conforme explica Flávio Tartuce, os danos sociais são difusos e a sua indenização deve ser destinada não para a vítima, mas sim para um fundo de proteção ao consumidor, ao meio ambiente etc., ou mesmo para uma instituição de caridade, a critério do juiz (Manual de Direito do Consumidor. São Paulo: Método, 2013, p. 58).

Os danos sociais representam a aplicação da função social da responsabilidade civil (PEREIRA, Ricardo Diego Nunes. Os novos danos: danos morais coletivos, danos sociais e danos por perda de uma chance. Disponível em: http://ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11307).

Ricardo Pereira cita alguns casos práticos:

Um deles é a decisão do TRT-2ª Região (processo 2007-2288), que condenou o Sindicato dos Metroviários de São Paulo e a Cia do Metrô a pagarem 450 cestas básicas a entidades beneficentes por terem realizado uma greve abusiva que causou prejuízo à coletividade.

Outro exemplo foi o caso de uma fraude ocorrida em um sistema de loterias, no Rio Grande do Sul, chamado de “Toto Bola”. Ficou constatado que a loteria seria fraudulenta, retirando do consumidor as chances de vencer. Nesse episódio, o TJ/RS, no Recurso Cível 71001281054, DJ 18/07/2007, determinou, de ofício, indenização a título de dano social para o Fundo de Proteção aos Consumidores.

Na V Jornada de Direito Civil do CJF/STJ foi aprovado um enunciado reconhecendo a existência dos danos sociais:

Enunciado 455: A expressão “dano” no art. 944 abrange não só os danos individuais, materiais ou imateriais, mas também os danos sociais, difusos, coletivos e individuais homogêneos a serem reclamados pelos legitimados para propor ações coletivas.

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39
Q

Credores de indenizaçãopor morte podem exigir que o pagamento seja efetuado d eum só vez?

A

A controvérsia remanescente neste Recurso Especial diz respeito à pensão mensal incluída na indenização, consoante o disposto no art. 950 do CC, tendo prevalecido na origem a orientação de que os recorridos têm direito a que a indenização seja arbitrada e paga de uma só vez, nos moldes do respectivo parágrafo único.

O pagamento de uma só vez da pensão por indenização é faculdade estabelecida para a hipótese do caput do art. 950 do CC, que se refere apenas a defeito que diminua a capacidade laborativa, não se estendendo aos casos de falecimento (REsp 1.230.007/MG, Rel.
Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJe 28/2/2011; REsp 1.045.775/ES, Rel. Ministro Massami Uyeda, Terceira Turma, DJe 4/8/2009; REsp 403.940/TO, Rel. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, Quarta Turma, DJ 12/8/2002, p. 221).
(REsp 1393577/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 04/02/2014, DJe 07/03/2014)

Art. 950. Se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou se lhe diminua a capacidade de trabalho, a indenização, além das despesas do tratamento e lucros cessantes até ao fim da convalescença, incluirá pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu.

Parágrafo único. O prejudicado, se preferir, poderá exigir que a indenização seja arbitrada e paga de uma só vez.

(…)

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40
Q

O parágrafo único do art. 950 do CC impõe um dever absoluto de o causador do dano pagar a indenização fixada de uma só vez?

A

O art. 950 do CC prevê que se a vítima sofrer uma ofensa que resulte em lesão por meio da qual o ofendido não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou se isso lhe diminuiu a capacidade de trabalho, esta vítima deverá ser indenizada com o pagamento de pensão.

O parágrafo único determina que, se o prejudicado preferir, ele poderá exigir que a indenização seja arbitrada e paga de uma só vez, ou seja, em vez de receber todo mês o valor da pensão, ele receberia à vista a quantia total.

O parágrafo único do art. 950 do CC impõe um dever absoluto de o causador do dano pagar a indenização fixada de uma só vez? Se a vítima pedir para receber de uma só vez, o magistrado é obrigado a acatar?

NÃO.

Nos casos de responsabilidade civil derivada de incapacitação para o trabalho (art. 950 do CC), a vítima não tem o direito absoluto de que a indenização por danos materiais fixada em forma de pensão seja arbitrada e paga de uma só vez.

O juiz é autorizado a avaliar, em cada caso concreto, se é conveniente ou não a aplicação da regra que estipula a parcela única (art. 950, parágrafo único, do CC), considerando a situação econômica do devedor, o prazo de duração do pensionamento, a idade da vítima, etc, para só então definir pela possibilidade de que a pensão seja ou não paga de uma só vez, antecipandose as prestações vincendas que só iriam ser creditadas no decorrer dos anos. Isso porque é preciso ponderar que, se por um lado é necessário satisfazer o crédito do beneficiário, por outro não se pode exigir o pagamento de uma só vez se isso puder levar o devedor à ruína.

Enunciado 381-CJF/STJ: O lesado pode exigir que a indenização, sob a forma de pensionamento, seja arbitrada e paga de uma só vez, salvo impossibilidade econômica do devedor, caso em que o juiz poderá fixar outra forma de pagamento, atendendo à condição financeira do ofensor e aos benefícios resultantes do pagamento antecipado. STJ. 3ª Turma. REsp 1.349.968-DF, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 14/4/2015 (Info 561).

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41
Q

O fato de a vítima do evento danoso manter a capacidade par outras atividades, diversas daquela exxercida no momento do acidente, é capaz de excluir ou atenuar o pensionamento de que trata o art. 950 do CC?

A

NÃO.

O fato de se poder presumir que a vítima ainda tenha capacidade laborativa para outras atividades, diversas daquela exercida no momento do acidente, não exclui, por si só, o pensionamento civil de que trata o art. 950 do CC, considerando que deve ser observado o princípio da reparação integral do dano.

Assim, a orientação jurisprudencial do STJ é no sentido de que a vítima do evento danoso - que sofre redução parcial e permanente da capacidade laborativa - tem direito ao pensionamento previsto no art. 950 do CC, independentemente da existência de capacidade para o exercício de outras atividades, em face do maior sacrifício tanto na busca de um emprego quanto na maior dificuldade na realização do serviço (STJ. 2ª Turma. REsp 1.269.274/RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 4/12/2012).

Outro argumento da empresa foi o de que seria exorbitante fixar a pensão em 100% do último soldo recebido pelo autor. Essa alegação foi aceita?

NÃO.

A pensão civil incluída em indenização por debilidade permanente de membro inferior causada a soldado do Exército Brasileiro por acidente de trânsito pode ser fixada em 100% do soldo que recebia quando em atividade. A pensão correspondente ao soldo integral que o soldado recebia na ativa repara de forma correta o gravíssimo dano por ele sofrido, devendo, portanto, tal montante ser mantido com amparo no princípio da reparação integral do dano.

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42
Q

A sociedade empresária gestora de portal de noticias que disponibiliza campo destinada a comentários de internautas terá responsabilidade solidária por comentários postados nesse campo?

A

A sociedade empresária gestora de portal de notícias que disponibilize campo destinado a comentários de internautas terá responsabilidade solidária por comentários postados nesse campo que, mesmo relacionados à matéria jornalística veiculada, sejam ofensivos a terceiro e que tenham ocorrido antes da entrada em vigor do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014). STJ. 3ª Turma. REsp 1.352.053-AL, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 24/3/2015 (Info 558).

Imagine a seguinte situação hipotética:

Determinada empresa jornalística possui um portal de notícias na internet.

Certo dia, foi publicada uma reportagem no portal sobre um político da cidade. No site, havia um campo para que os leitores publicassem seus comentários e, após essa reportagem, vários internautas postaram mensagens ofendendo a honra desse político.

Ao tomar conhecimento desses comentários, o político ajuizou ação de danos morais contra a empresa jornalística, alegando que o portal tinha responsabilidade civil por esses comentários publicados em seu site e que eles ofenderam sua honra.

Após ser citada, a empresa jornalística retirou os comentários do site.

A controvérsia, portanto, diz respeito à responsabilidade civil dos provedores de internet por mensagens postadas por terceiros em seu site.

Espécies de provedores

Existem diversas classificações a respeito dos provedores de internet. Destaco aqui duas que são importantes para o presente tema:

a) Provedores de INFORMAÇÃO

São aqueles que produzem as informações divulgadas na Internet. São os autores de escritos postados na internet. Ex: alguém que publica um texto seu em um blog.

Os provedores de informação possuem responsabilidade civil pelas matérias por ele divulgadas (REsp 1381610/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 03/09/2013).

b) Provedores de CONTEÚDO

São aqueles que disponibilizam na internet as informações criadas ou desenvolvidas pelos provedores de informação. Como exemplos desta espécie podemos citar os mantenedores de sites de relacionamento na internet (Facebook®, Instagram®, Twitter® etc.).

Em regra, os provedores de conteúdo não possuem responsabilidade civil pelas mensagens postadas diretamente pelos usuários, salvo se não providenciarem a exclusão do conteúdo ofensivo, após notificação (REsp 1338214/MT, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 21/11/2013).

No caso em tela, o referido portal de notícia enquadra-se como provedor de informação ou provedor de conteúdo?

 Quanto à matéria jornalística divulgada no site: ele se enquadra como provedor de informação;

 Quanto às postagens feitas pelos usuários: ele se amolda como provedor de conteúdo.

Na situação concreta, o portal de notícia deverá responder civilmente pelos comentários ofensivos que foram publicados?

SIM. A sociedade empresária gestora de portal de notícias que disponibilize campo destinado a comentários de internautas terá responsabilidade solidária por comentários postados nesse campo que, mesmo relacionados à matéria jornalística veiculada, sejam ofensivos a terceiro.

Na situação concreta, o portal de notícia deverá responder civilmente pelos comentários ofensivos que foram publicados? SIM. A sociedade empresária gestora de portal de notícias que disponibilize campo destinado a comentários de internautas terá responsabilidade solidária por comentários postados nesse campo que, mesmo relacionados à matéria jornalística veiculada, sejam ofensivos a terceiro.

Mas neste caso, o portal de notícia não era mero provedor de conteúdo quanto aos comentários dos leitores?

SIM. Ele era provedor de conteúdo. No entanto, mesmo assim o STJ afirmou que deveria haver a indenização porque o caso em análise trazia uma particularidade: o provedor de conteúdo era também um portal de notícias, ou seja, uma sociedade cuja atividade é precisamente o fornecimento de informações a um vasto público consumidor.

Essa particularidade diferencia o presente caso daqueles outros julgados pelo STJ, em que o provedor de conteúdo era empresa da área da informática, como a Google®, o Facebook®, a Microsoft® etc.

Não é razoável exigir que empresas de informática controlem o conteúdo das postagens efetuadas pelos usuários de seus serviços ou aplicativos. Todavia, tratando-se de uma sociedade que desenvolve atividade jornalística, o controle do potencial ofensivo dos comentários não apenas é viável, como necessário, por ser atividade inerente ao objeto da empresa.

Ademais, é fato notório, nos dias de hoje, que as redes sociais contêm um verdadeiro inconsciente coletivo que faz com que as pessoas escrevam mensagens, sem a necessária reflexão prévia, falando coisas que normalmente não diriam. Isso exige um controle por parte de quem é profissional da área de comunicação, que tem o dever de zelar para que o direito de crítica não ultrapasse o limite legal consistente no respeito à honra, à privacidade e à intimidade da pessoa criticada.

Assim, a ausência de qualquer controle, prévio ou posterior, configura defeito do serviço, uma vez que se trata de relação de consumo.

Ressalte-se que o ponto nodal não é apenas a efetiva existência de controle editorial, mas a viabilidade de ele ser exercido. Consequentemente, a sociedade empresária deve responder solidariamente pelos danos causados à vítima das ofensas morais, que, em última análise, é um bystander, por força do disposto no art. 17 do CDC.

No caso explicado acima, foi aplicada a Lei n. 12.965/2014 (Marco Civil da Internet)?

NÃO. O marco civil da Internet (Lei n. 12.965/2014) não pode ser aplicado para a situação acima narrada, porque os fatos ocorreram antes de sua entrada em vigor.

MARCO CIVIL:

Art. 18. O provedor de conexão à internet não será responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros.

Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.

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Q

O titular de blog é reponsável pelos danos causador por artigos de terceiros publicados em seu site?

A

O titular de blog é responsável pela reparação dos danos morais decorrentes da inserção, em seu site, por sua conta e risco, de artigo escrito por terceiro.

O STJ entende que o raciocínio que motivou a edição da Súmula 221 do STJ é aplicável em relação a todas as formas de imprensa, alcançado, assim, também o serviço de informação prestado por meio da internet.
Súmula 221-STJ: São civilmente responsáveis pelo ressarcimento de dano, decorrente de publicação pela imprensa, tanto o autor do escrito quanto o proprietário do veículo dedivulgação.
Nesse contexto, cabe ao titular do blog exercer o controle editorial das matérias a serem postadas, de modo a evitar a propagação de opiniões pessoais que contenham ofensivos à dignidade pessoal e profissionalde outras pessoas. (Info 528)

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Q

Há dano moral quando o Google exibe, com resultado de uma busca, a indicação do link de um site com a menção de conteúdo que já foi retirado pelo próprio site?

A

Não há dano moral quando o Google exibe, como resultado de uma busca, a indicação do link de um site que não mais contém aquela palavra ou frase porque já foi removida. Ex: determinado blog publicou a frase “João de Tal é um péssimo médico”. Depois de um tempo, o administrador deste blog retirou a expressão, mas manteve o restante do texto.

O Google demorou para atualizar seu sistema de buscas e continua exibindo o link deste blog quando a pessoa digita o nome “João de Tal”, mesmo não havendo mais qualquer referência no texto. Esse fato não gera, por si só, dano moral a ser pago pelo Google.

A relação da pessoa que pede a retirada do conteúdo e o Google é uma relação de consumo? A pessoa pode ser considerada consumidora e o Google fornecedor de serviços?

SIM.

Os serviços prestados pelo Google na internet, como é o caso de seu sistema de buscas, mesmo sendo gratuitos, configuram relação de consumo. O fato de o serviço prestado pelo provedor de serviço de Internet ser gratuito não desvirtua a relação de consumo, pois o termo “mediante remuneração”, contido no art. 3º, § 2º, do CDC, deve ser interpretado de forma ampla, de modo a incluir o ganho indireto do fornecedor. STJ. 3ª Turma. REsp 1.316.921-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 26/6/2012 (Info 500).

A ausência de congruência entre o resultado atual e os termos pesquisados, ainda que decorrentes da posterior alteração do conteúdo original publicado pela página, configuram falha na prestação do serviço de busca, que deve ser corrigida nos termos do art. 20 do CDC, por frustrarem as legítimas expectativas dos consumidores.

Não há dano moral quando o provedor de busca, mesmo após ser cientificado pelo consumidor, continua exibindo resultado desatualizado. Ex: ao se digitar o nome desse consumidor (argumento de pesquisa) continua aparecendo, entre os resultados, determinado site que tinha realmente este nome do consumidor, mas que já foi retirado de lá. Em outras palavras, não há dano moral quando o provedor, mesmo depois de alertado sobre a falha, exibe associação indevida entre o argumento de pesquisa e o resultado de busca.

O provedor de busca cientificado pelo consumidor sobre vínculo virtual equivocado entre o argumento de pesquisa (nome de consumidor) e o resultado de busca (sítio eletrônico) é obrigado a desfazer a referida indexação, ainda que esta não tenha nenhum potencial ofensivo. STJ. 3ª Turma. REsp 1.582.981-RJ, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 10/5/2016 (Info 583).

Qual é a natureza jurídica do serviço de pesquisa via internet?

Os sites de pesquisa (provedores de pesquisa), como o Google, são uma espécie do gênero “provedor de conteúdo”, pois esses sites não incluem, hospedam, organizam ou de qualquer outra forma gerenciam as páginas virtuais indicadas nos resultados disponibilizados, se limitando a indicar links onde podem ser encontrados os termos ou expressões de busca fornecidos pelo próprio usuário. STJ. 3ª Turma. REsp 1.316.921-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 26/6/2012 (Info 500).

Os provedores de pesquisa podem ser responsabilizados pelo conteúdo do resultado das buscas realizadas pelos usuários?

NÃO. Na visão do STJ, não se trata de atividade intrínseca ao serviço por eles prestado. Logo, não se pode reputar como defeituoso, nos termos do art. 14 do CDC, o site de pesquisa que não exerce esse controle sobre os resultados das buscas. Como o provedor de pesquisa age como mero intermediário, repassando textos e imagens produzidas por outras pessoas, sobre essas informações não exerceu fiscalização ou juízo de valor, não podendo ser responsabilizado por eventuais excessos e ofensas à moral, à intimidade e à honra de terceiros. Não se aplica aqui a teoria do risco da atividade. Conclui-se, portanto, ser ilegítima a responsabilização dos provedores de pesquisa pelo conteúdo do resultado das buscas realizadas por seus usuários. STJ. 3ª Turma. REsp 1.316.921-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 26/6/2012 (Info 500).

Os provedores de pesquisa podem ser obrigados a filtrar o conteúdo das pesquisas feitas por cada usuário?

NÃO. Os provedores de pesquisa realizam suas buscas dentro de um universo virtual, cujo acesso é público e irrestrito, ou seja, seu papel se restringe à identificação de páginas na web onde determinado dado ou informação, ainda que ilícito, estão sendo livremente veiculados.

Dessa forma, ainda que seus mecanismos de busca facilitem o acesso e a consequente divulgação de páginas cujo conteúdo seja potencialmente ilegal, fato é que essas páginas são públicas e compõem a rede mundial de computadores e, por isso, aparecem no resultado dos sites de pesquisa. Ora, se a página possui conteúdo ilícito, cabe ao ofendido adotar medidas para que haja a supressão da página e, com isso, automaticamente, ele não mais aparecerá nos resultados de busca virtual dos sites de pesquisa.

Não se ignora a evidente dificuldade de assim proceder, diante da existência de inúmeras páginas destinadas à exploração de conteúdo ilícito – sobretudo imagens íntimas, sensuais e/ou pornográficas, mas isso não justifica a transferência, para mero provedor de serviço de pesquisa, da responsabilidade pela identificação desses sites, especialmente porque teria as mesmas dificuldades encontradas por cada interessado individualmente considerado.

Sopesados os direitos envolvidos e o risco potencial de violação de cada um deles, o fiel da balança deve pender para a garantia da liberdade de informação assegurada pelo art. 220, § 1º, da CF/88, sobretudo considerando que a Internet representa, hoje, importante veículo de comunicação social de massa. STJ. 3ª Turma. REsp 1.316.921-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 26/6/2012 (Info 500).

Há possibilidade, de ordem técnica, para que os provedores de pesquisa possam controlar e filtrar os conteúdos ilícitos das páginas?

NÃO.

Inúmeras páginas são criadas diariamente e, além disso, a maioria das milhões de páginas existentes na web sofre atualização regularmente, por vezes em intervalos inferiores a uma hora, sendo que em qualquer desses momentos pode haver a inserção de informação com conteúdo ilícito. Essa circunstância,aliada ao fato de que a identificação de conteúdos ilícitos ou ofensivos não pode ser automatizada (deve ser feita por humanos), torna impraticável o controle prévio por parte dos provedores de pesquisa da cada página nova ou alterada, sob pena, inclusive, de seus resultados serem totalmente desatualizados. STJ. 3ª Turma. REsp 1.316.921-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 26/6/2012 (Info 500).

Em suma

Segundo o STJ, os provedores de pesquisa:

a) não respondem pelo conteúdo do resultado das buscas realizadas por seus usuários;
b) não podem ser obrigados a exercer um controle prévio do conteúdo dos resultados das buscas feitas por cada usuário; e
c) não podem ser obrigados a eliminar do seu sistema os resultados derivados da busca de determinado termo ou expressão, tampouco os resultados que apontem para uma foto ou texto específico, independentemente da indicação do URL da página onde este estiver inserido.

Até aí, tudo bem. Acima nós temos o entendimento majoritário no STJ. No entanto, nosso exemplo possui uma peculiaridade que ainda não havia sido enfrentada pelo Tribunal. O interessado (João) conseguiu, extrajudicialmente, retirar o conteúdo nocivo da página (com a supressão de seu nome). Apesar disso, o índice do Google Search permanece exibindo o link como se na página indicada ainda houvesse o conteúdo retirado. Por que isso acontece? Por que o Google continua exibindo-o em seus resultados mesmo o nome do interessado já tendo sido excluído?

Os sítios de busca, como o Google, disponibilizam uma ferramenta por meio da qual o usuário realiza as pesquisas acerca de qualquer assunto ou conteúdo existente na web, mediante fornecimento de critérios ligados ao resultado desejado, obtendo, como resposta imediata, os respectivos links das páginas onde a informação pode ser localizada. Ok, isso todo mundo sabe porque já fez uma pesquisa no Google.

O que nem todo mundo sabe é que, para fazer isso, o Google já rastreou e indexou, previamente, trilhões de páginas disponíveis na web, organizando essas informações em seus bancos de dados. Em outras palavras mais simples, é como se o Google constantemente rastreasse as páginas da web e organizasse essas informações em “estantes” para que, quando o usuário pesquise, esta busca seja rápida e forneça os resultados necessários conforme eles já foram organizados.

Essa indexação (“organização em estantes”) é atualizada, em regra, da seguinte forma: o sistema do Google vai acrescentando novas páginas à essa base de dados a partir de novas varreduras que faz na web. No entanto, em regra, o Google não retira essas páginas da indexação (não retira os sites das suas “estantes”).

Essa exclusão até ocorre, mas de acordo com critérios e segundo uma periodicidade que é prevista no algoritmo do sistema de buscas do Google. Não se trata de algo automático e imediato. Se você publicou algum texto em um blog e depois de um tempo excluiu uma frase dele, isso não significa que haverá a imediata exclusão disso do sistema de busca do Google. Esta ferramenta possui mecanismos próprios para realizar a atualização de seus resultados.

O fato de o Google não atualizar instantaneamente esses resultados gera, por si só, dano moral aos interessados? NÃO.

Segundo o STJ, essa ausência de atualização constante não gera, por si só, dano suscetível de imputar ao provedor de pesquisa a responsabilidade civil.

O resultado apontado em decorrência da ausência de atualização automática não é o conteúdo ofensivo em si, mas a mera indicação do link de uma página. Ao acessar a página por meio do link, todavia, o conteúdo exibido é exatamente aquele existente na página já atualizada e, portanto, livre do conteúdo ofensivo e do potencial danoso.

Em outras palavras, mesmo exibindo nos resultados uma frase que não mais existe no site, quando a pessoa abre o link informado não irá encontrar aquela referência e, portanto, não há, nesta desatualização, um fato que gere, por si só, dano moral.

Não há dano moral, mas essa situação pode ser considerada como uma falha do sistema de buscas? É possível que o interessado requeira que o Google corrija esta vinculação desatualizada que está sendo feita com seu nome?

SIM.

Ao espelhar um resultado que um dia esteve disponível mas que não mais se encontra publicado na rede mundial na data da busca, a ferramenta de pesquisa apresenta-se falha em seu funcionamento, não correspondendo adequadamente ao fim a que se destina.

Como já vimos, o serviço oferecido pelo Google é regido também pelo CDC e este diploma estabelece, em seu art. 20, que é dever dos fornecedores entregarem serviços que se mostrem adequados aos fins que razoavelmente deles se esperam.

Assim, o Google tem o dever de corrigir sua base de dados e adequá-la aos resultados de busca atuais, fazendo cessar a vinculação do nome do autor à página por ele indicada. Este é um dever seu enquanto fornecedor do serviço de busca, ou seja, o dever de entregar respostas adequadas ao critério pesquisado.

Em um ambiente tão dinâmico e complexo como a internet, é normal que ocorram falhas e incorreções decorrentes de informações desatualizadas. Também por isso o STJ entendeu que não caberia indenização por danos morais. No entanto, depois de o consumidor comunicar ao Google que está havendo essa incorreção, é dever dele corrigir a falha de seu serviço.

Caso o provedor não retire o resultado incorreto (desatualizado), nesta hipótese, podemos dizer que existe dano moral?

Também NÃO.

Não há dano moral quando o provedor de busca, mesmo após ser cientificado pelo consumidor, continua exibindo resultado desatualizado. Ex: ao se digitar o nome desse consumidor (argumento de pesquisa) continua aparecendo, entre os resultados, determinado site que tinha realmente este nome do consumidor, mas que já foi retirado de lá. Em outras palavras, não há dano moral quando o provedor, mesmo depois de alertado sobre a falha, exibe associação indevida entre o argumento de pesquisa e o resultado de busca. STJ. 3ª Turma. REsp 1.582.981-RJ, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 10/5/2016 (Info 583).

Mas neste caso, o consumidor ficará prejudicado? Ficará sem instrumentos para corrigir a falha?

NÃO.

O consumidor poderá ajuizar ação contra o provedor de pesquisa (no caso, o Google) pedindo que seja corrigida a falha, inclusive com a fixação de astreintes (multa cominatória).

O provedor, para tentar se isentar do dever de corrigir a falha, poderá argumentar que esse erro não gera nenhum prejuízo ao consumidor? Esta alegação é válida? NÃO.

O provedor de busca cientificado pelo consumidor sobre vínculo virtual equivocado entre o argumento de pesquisa (nome de consumidor) e o resultado de busca (sítio eletrônico) é obrigado a desfazer a referida indexação, ainda que esta não tenha nenhum potencial ofensivo. STJ. 3ª Turma. REsp 1.582.981-RJ, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 10/5/2016 (Info 583).

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Q

O desrespeito ao tempo limite previsto em legislação municipal para fila de banco é capaz de gerar dano moral?

A

A mera invocação de legislação municipal que estabelece tempo máximo de espera em fila de banco não é suficiente para ensejar o direito à indenização.

Em outras palavras, o simples fato de a pessoa ter esperado por atendimento bancário por tempo superior ao previsto na legislação municipal não enseja indenização por danos morais.

No entanto, se a espera por atendimento na fila de banco for excessiva ou associada a outros constrangimentos, pode ser reconhecida como provocadora de sofrimento moral e ensejar condenação por dano moral. (AgRg no AREsp 357.188)

OBS: Vale ressalta que existe um precedente da 2 Turma do STJ condenando a CEF por danos morais coletivos em virtude de sucessivos episódios em que houve desrespeito ao tempo máximo para atendimento dos clientes previsto na legislação municipal. (REsp 1402475).

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46
Q

Empresa de vigilância pode ser responsabilizada em caso de asslta a banco?

A

O banco mantinha contrato com a empresa de Vigilância Privada “XXX” por meio do qual esta se comprometia a prestar serviços de vigilância armada nas agências bancárias.

Determinado dia, o banco foi assaltado por um grupo de oito ladrões fortemente armados.

O banco ajuizou ação de indenização contra a empresa de vigilância sustentando que, por expressa disposição contratual, a empresa deveria ser responsabilizada pelo roubo e pelos prejuízos suportados pela instituição bancária.

A tese do banco foi aceita? A empresa de vigilância foi condenada a indenizar?

NÃO. A cláusula de contrato de prestação de serviço de vigilância armada que impõe o dever de obstar assaltos e de garantir a preservação do patrimônio de instituição financeira não acarreta à contratada automática responsabilização por roubo contra agência bancária da contratante, especialmente quando praticado por grupo fortemente armado. STJ. 4ª Turma. REsp 1.329.831-MA, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 10/3/2015 (Info 561).

A tese do banco foi aceita? A empresa de vigilância foi condenada a indenizar?

NÃO. Entendeu-se que não havia comprovação de que o vigilante da empresa tenha contribuído de alguma maneira para o evento danoso. Ficou constatado que, ainda que o segurança não tivesse aberto a porta giratória da agência bancária, tal providência seria absolutamente inócua diante do potencial ofensivo do grupo criminoso, composto de oito integrantes, que se apresentaram para a prática do delito armados com fuzis.

Além disso, a cláusula de contrato de prestação de serviço de vigilância armada que impõe o dever de obstar assaltos e de garantir a preservação do patrimônio de instituição financeira não acarreta à contratada automática responsabilização por roubo contra agência bancária da contratante, especialmente quando praticado por grupo fortemente armado.

A legislação que rege as empresas de vigilância estabelecem limites para o armamento utilizado pelos vigilantes, ou seja, eles não podem utilizar, dentro das agências bancárias, armas de grosso calibre, ao contrário dos bandidos que, quando assaltam bancos, valem-se de fuzis e outras armas pesadas.

Obrigação de meio

A obrigação da empresa de vigilância é de meio (e não de resultado), sendo impossível garantir que não haverá assaltos.

A empresa de vigilância tem apenas o dever de envidar todos os esforços razoáveis para evitar danos ao patrimônio da contratante e de agir com a diligência na minimização dos riscos. Todavia, não se pode exigir dos seguranças atitudes heroicas perante grupo criminoso fortemente armado.

Se fosse admitida a tese do banco, o contrato de vigilância iria se transformar em um verdadeiro contrato de seguro.

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47
Q

Os provedores de pesquisa podem ser obrigador a eliminar de seu sistema os resultados derivados da busca de determinado termo ou expressão, ou os resultados que apontem para um fato ou texto específico?

A

INTERNET. PROVEDOR DE PESQUISA. FILTRAGEM PRÉVIA. RESTRIÇÃO DOS RESULTADOS. DIREITO À INFORMAÇÃO.

A filtragem do conteúdo das pesquisas feitas por cada usuário não constitui atividade intrínseca ao serviço prestado pelos provedores de pesquisa, de modo que não se pode reputar defeituoso, nos termos do art. 14 do CDC, o site que não exerce esse controle sobre os resultados das buscas. Assim, não é possível, sob o pretexto de dificultar a propagação de conteúdo ilícito ou ofensivo na web, reprimir o direito da coletividade à informação. Isso porque os provedores de pesquisa não podem ser obrigados a eliminar do seu sistema os resultados derivados da busca de determinado termo ou expressão, tampouco os resultados que apontem para uma foto ou texto específico, independentemente da indicação do URL da página onde este estiver inserido. Os provedores de pesquisa realizam suas buscas dentro de um universo virtual, cujo acesso é público e irrestrito, ou seja, seu papel restringe-se à identificação de páginas na web onde determinado dado ou informação, ainda que ilícito, estão sendo livremente veiculados. Dessa forma, ainda que seus mecanismos de busca facilitem o acesso e a consequente divulgação de páginas cujo conteúdo seja potencialmente ilegal, fato é que essas páginas são públicas e compõem a rede mundial de computadores e, por isso, aparecem no resultado dos sites de pesquisa. Além disso, sopesados os direitos envolvidos e o risco potencial de violação de cada um deles, deve sobrepor-se a garantia da liberdade de informação assegurada pelo art. 220, § 1º, da CF, sobretudo considerando que a internet representa importante veículo de comunicação social de massa. E, uma vez preenchidos os requisitos indispensáveis à exclusão da web de uma determinada página virtual sob a alegação de veicular conteúdo ilícito ou ofensivo - notadamente a identificação do URL dessa página -, a vítima carecerá de interesse de agir contra o provedor de pesquisa, por absoluta falta de utilidade da jurisdição. Se a vítima identificou, via URL, o autor do ato ilícito, não tem motivo para demandar contra aquele que apenas facilita o acesso a esse ato que, até então, encontra-se publicamente disponível na rede para divulgação. REsp 1.316.921-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 26/6/2012.

OBS:

Excepcionalmente, é possível que o Judiciário determine o rompimento do vínculo estabelecido por sites de busca entre o nome da pessoa, utilizado como critério exclusivo de busca, e a notícia desabonadora apontada nos resultados

Determinada pessoa se envolveu em uma suspeita de fraude há mais muitos anos, tendo sido inocentada das acusações.

Ocorre que todas as vezes que digita seu nome completo no Google e demais provedores de busca, os primeiros resultados que aparecem até hoje são de páginas na internet que trazem reportagens sobre seu suposto envolvimento com a fraude.

Diante disso, ela ingressou com ação de obrigação de fazer contra o Google pedindo a desindexação, nos resultados das aplicações de busca mantida pela empresa, de notícias relacionadas às suspeitas de fraude no referido concurso. Invocou, como fundamento, o direito ao esquecimento.

O STJ afirmou o seguinte: em regra, os provedores de busca da internet (ex: Google) não têm responsabilidade pelos resultados de busca apresentados. Em outras palavras, não se pode atribuir a eles a função de censor, obrigando que eles filtrem os resultados das buscas, considerado que eles apenas espelham o conteúdo que existe na internet. A pessoa prejudicada deverá direcionar sua pretensão contra os provedores de conteúdo (ex: sites de notícia), responsáveis pela disponibilização do conteúdo indevido na internet.

Há, todavia, circunstâncias excepcionalíssimas em que é necessária a intervenção pontual do Poder Judiciário para fazer cessar o vínculo criado, nos bancos de dados dos provedores de busca, entre dados pessoais e resultados da busca, que não guardam relevância para interesse público à informação, seja pelo conteúdo eminentemente privado, seja pelo decurso do tempo.

Nessas situações excepcionais, o direito à intimidade e ao esquecimento, bem como a proteção aos dados pessoais deverá preponderar, a fim de permitir que as pessoas envolvidas sigam suas vidas com razoável anonimato, não sendo o fato desabonador corriqueiramente rememorado e perenizado por sistemas automatizados de busca.

No caso concreto, o STJ determinou que deveria haver a desvinculação da pesquisa com base no nome completo da autora com resultados que levassem às notícias sobre a fraude. Em outras palavras, o STJ afirmou o seguinte: o Google não precisa retirar de seus resultados as notícias da autora relacionadas com a suposta fraude no concurso. Mas para que esses resultados apareçam será necessário que o usuário faça uma pesquisa específica com palavras-chaves que remetam à fraude. Por outro lado, se a pessoa digitar unicamente o nome completo da autora, sem qualquer outro termo de pesquisa que remete à suspeita de fraude, não se deve mais aparecer os resultados relacionados com este fato desabonador.

Assim, podemos dizer que é possível determinar o rompimento do vínculo estabelecido por provedores de aplicação de busca na internet entre o nome de prejudicado, utilizado como critério exclusivo de busca, e a notícia apontada nos resultados.

O rompimento do referido vínculo sem a exclusão da notícia compatibiliza também os interesses individual do titular dos dados pessoais e coletivo de acesso à informação, na medida em que viabiliza a localização das notícias àqueles que direcionem sua pesquisa fornecendo argumentos de pesquisa relacionados ao fato noticiado, mas não àqueles que buscam exclusivamente pelos dados pessoais do indivíduo protegido. STJ. 3ª Turma. REsp 1.660.168-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, Rel. Acd. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 08/05/2018 (Info 628).

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Q

O que é o direito ao esquecimento?

A

O direito ao esquecimento é o direito que uma pessoa possui de não permitir que um fato, ainda que verídico, ocorrido em determinado momento de sua vida, seja exposto ao público em geral, causando-lhe sofrimento ou transtornos.

Exemplo histórico

O exemplo mais conhecido e mencionado é o chamado “caso Lebach” (Soldatenmord von Lebach), julgado pelo Tribunal Constitucional Alemão.

A situação foi a seguinte: em 1969, quatro soldados alemães foram assassinados em uma cidade na Alemanha chamada Lebach.

Após o processo, três réus foram condenados, sendo dois à prisão perpétua e o terceiro a seis anos de reclusão.

Esse terceiro condenado cumpriu integralmente sua pena e, dias antes de deixar a prisão, ficou sabendo que uma emissora de TV iria exibir um programa especial sobre o crime no qual seriam mostradas, inclusive, fotos dos condenados e a insinuação de que eram homossexuais. Diante disso, ele ingressou com uma ação inibitória para impedir a exibição do programa.

A questão chegou até o Tribunal Constitucional Alemão, que decidiu que a proteção constitucional da personalidade não admite que a imprensa explore, por tempo ilimitado, a pessoa do criminoso e sua vida privada.

Assim, naquele caso concreto, entendeu-se que o princípio da proteção da personalidade deveria prevalecer em relação à liberdade de informação. Isso porque não haveria mais um interesse atual naquela informação (o crime já estava solucionado e julgado há anos). Em contrapartida, a divulgação da reportagem iria causar grandes prejuízos ao condenado, que já havia cumprido a pena e precisava ter condições de se ressocializar, o que certamente seria bastante dificultado com a nova exposição do caso.

Dessa forma, a emissora foi proibida de exibir o documentário.

Obs: alguns pesquisadores afirmam que o caso Lebach não poderia ser utilizado como exemplo de aplicação do direito ao esquecimento uma vez que teria havido outras decisões na Alemanha autorizando a exibição do documentário. Trata-se, contudo, de um debate mais aprofundado, sem tanta relevância para fins de concurso, sendo certo também que, na doutrina brasileira, o referido episódio é sempre lembrado como um caso de direito ao esquecimento.

Nomenclatura

O direito ao esquecimento também é chamado de “direito de ser deixado em paz” ou o “direito de estar só”. Em outros países, é conhecido como the right to be let alone ou derecho al olvido.

Fundamento

No Brasil, o direito ao esquecimento possui assento constitucional e legal, considerando que é uma consequência do direito à vida privada (privacidade), intimidade e honra, assegurados pela CF/88 (art. 5º, X) e pelo CC/02 (art. 21).

Alguns autores também afirmam que o direito ao esquecimento é uma decorrência da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III da CF/88).

Conflito entre interesses constitucionais

A discussão quanto ao direito ao esquecimento envolve um conflito aparente entre a liberdade de expressão/informação e atributos individuais da pessoa humana, como a intimidade, privacidade e honra.

O direito ao esquecimento não é uma criação recente

Há muitos anos discute-se esse direito na Europa e nos EUA.

A título de exemplo, Fraçois Ost menciona interessante decisão de 1983, do Tribunal de última instância de Paris (Mme. Filipachi Cogedipresse), na qual esse direito restou assegurado nos seguintes termos:

“(…) qualquer pessoa que se tenha envolvido em acontecimentos públicos pode, com o passar do tempo, reivindicar o direito ao esquecimento; a lembrança destes acontecimentos e do papel que ela possa ter desempenhado é ilegítima se não for fundada nas necessidades da história ou se for de natureza a ferir sua sensibilidade; visto que o direito ao esquecimento, que se impõe a todos, inclusive aos jornalistas, deve igualmente beneficiar a todos, inclusive aos condenados que pagaram sua dívida para com a sociedade e tentam reinserir-se nela.” (OST, François. O Tempo do direito. Trad. Élcio Fernandes. Bauru: Edusc, 2005, p. 161).

Por que, então, esse tema está sendo novamente tão discutido?

O direito ao esquecimento voltou a ser tema de inegável importância e atualidade em razão da internet. Isso porque a rede mundial de computadores praticamente eterniza as notícias e informações. Com poucos cliques, é possível ler reportagens sobre fatos ocorridos há muitos anos, inclusive com fotos e vídeos. Enfim, é quase impossível ser esquecido com uma ferramenta tão poderosa disponibilizando facilmente um conteúdo praticamente infinito.

No Brasil, o direito ao esquecimento voltou a ser palco de intensos debates em razão da aprovação de um enunciado nesse sentido na VI Jornada de Direito Civil, além de o STJ ter julgado dois casos envolvendo esse direito há pouco tempo.

O direito ao esquecimento aplica-se apenas a fatos ocorridos no campo penal?

Não. A discussão quanto ao direito ao esquecimento surgiu, de fato, para o caso de ex-condenados que, após determinado período, desejavam que esses antecedentes criminais não mais fossem expostos, vez que lhes causavam inúmeros prejuízos. No entanto, esse debate foi se ampliando e, atualmente, envolve outros aspectos da vida da pessoa que ela almeja que sejam esquecidos.

É o caso, por exemplo, da apresentadora Xuxa, que no passado fez um determinado filme do qual se arrepende e que não mais deseja que seja exibido ou rememorado por lhe causar prejuízos profissionais e transtornos pessoais.

Pode-se imaginar ainda que o indivíduo deseje simplesmente ser esquecido, deixado em paz. Nesse sentido, podemos imaginar o exemplo de uma pessoa que era famosa (um artista, esportista, político etc.) que, em determinado momento de sua vida, decide voltar a ser um anônimo e não mais ser incomodado com reportagens, entrevistas ou qualquer outra forma de exposição pública. Em certa medida, isso aconteceu na década de 90 com a ex-atriz Lídia Brondi e, mais recentemente, com Ana Paula Arósio que, mesmo tendo carreiras de muito sucesso na televisão, optaram por voltar ao anonimato. Essa é, portanto, uma das expressões do direito ao esquecimento, que deve ser juridicamente assegurado.

Assim, se um veículo de comunicação tiver a infeliz ideia de fazer um especial mostrando a vida atual dessas ex-atrizes, com câmeras acompanhando seu dia-a-dia, entrevistando pessoas que as conheciam na época, mostrando lugares que atualmente frequentam etc., poderão elas requerer ao Poder Judiciário medidas que impeçam essa violação ao seu direito ao esquecimento.

Críticas ao chamado “direito ao esquecimento”

Vale ressaltar que existem doutrinadores que criticam a existência de um “direito ao esquecimento”. O Min. Luis Felipe Salomão, no julgamento do REsp 1.335.153-RJ, apesar de ser favorável ao direito ao esquecimento, colacionou diversos argumentos contrários à tese. Vejamos os mais relevantes:

 o acolhimento do chamado direito ao esquecimento constituiria um atentado à liberdade de expressão e de imprensa;

 o direito de fazer desaparecer as informações que retratam uma pessoa significa perda da própria história, o que vale dizer que o direito ao esquecimento afronta o direito à memória de toda a sociedade;

 o direito ao esquecimento teria o condão de fazer desaparecer registros sobre crimes e criminosos perversos, que entraram para a história social, policial e judiciária, informações de inegável interesse público;

 é absurdo imaginar que uma informação que é lícita se torne ilícita pelo simples fato de que já passou muito tempo desde a sua ocorrência;

 quando alguém se insere em um fato de interesse coletivo, mitiga-se a proteção à intimidade e privacidade em benefício do interesse público.

Sem dúvida nenhuma, o principal ponto de conflito quanto à aceitação do direito ao esquecimento reside justamente em como conciliar esse direito com a liberdade de expressão e de imprensa e com o direito à informação.

Enunciado 531 da VI Jornada

Em março de 2013, na VI Jornada de Direito Civil do CJF/STJ, foi aprovado um enunciado defendendo a existência do direito ao esquecimento como uma expressão da dignidade da pessoa humana. Veja:

Enunciado 531: A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento.

Justificativa: Os danos provocados pelas novas tecnologias de informação vêm-se acumulando nos dias atuais. O direito ao esquecimento tem sua origem histórica no campo das condenações criminais. Surge como parcela importante do direito do ex-detento à ressocialização. Não atribui a ninguém o direito de apagar fatos ou reescrever a própria história, mas apenas assegura a possibilidade de discutir o uso que é dado aos fatos pretéritos, mais especificamente o modo e a finalidade com que são lembrados.

Apesar de tais enunciados não terem força cogente, trata-se de uma importante fonte de pesquisa e argumentação utilizada pelos profissionais do Direito.

O STJ acolhe a tese do direito ao esquecimento?

SIM. Existem julgados do STJ nos quais já se afirmou que o sistema jurídico brasileiro protege o direito ao esquecimento (REsp 1.335.153-RJ e REsp 1.334.097-RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgados em 28/5/2013). Contudo, o deferimento, ou não, do direito ao esquecimento depende da análise do caso concreto.

Como conciliar, então, o direito ao esquecimento com o direito à informação?

Deve-se analisar se existe um interesse público atual na divulgação daquela informação. Se ainda persistir, não há que se falar em direito ao esquecimento, sendo lícita a publicidade daquela notícia.

É o caso, por exemplo, de “crimes genuinamente históricos, quando a narrativa desvinculada dos envolvidos se fizer impraticável” (Min. Luis Felipe Salomão).

Por outro lado, se não houver interesse público atual, a pessoa poderá exercer seu direito ao esquecimento, devendo ser impedidas notícias sobre o fato que já ficou no passado. Como assevera o Min. Gilmar Ferreira Mendes:

“Se a pessoa deixou de atrair notoriedade, desaparecendo o interesse público em torno dela, merece ser deixada de lado, como desejar. Isso é tanto mais verdade com relação, por exemplo, a quem já cumpriu pena criminal e que precisa reajustar-se à sociedade. Ele há de ter o direito a não ver repassados ao público os fatos que o levaram à penitenciária (MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 374).

O Min. Luis Felipe Salomão também ressaltou que “ressalvam-se do direito ao esquecimento os fatos genuinamente históricos – historicidade essa que deve ser analisada em concreto – cujo interesse público e social deve sobreviver à passagem do tempo” (REsp 1.334.097)

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL-CONSTITUCIONAL. LIBERDADE DE IMPRENSA VS. DIREITOS DA PERSONALIDADE. LITÍGIO DE SOLUÇÃO TRANSVERSAL. COMPETÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.
DOCUMENTÁRIO EXIBIDO EM REDE NACIONAL. LINHA DIRETA-JUSTIÇA. SEQUÊNCIA DE HOMICÍDIOS CONHECIDA COMO CHACINA DA CANDELÁRIA.
REPORTAGEM QUE REACENDE O TEMA TREZE ANOS DEPOIS DO FATO. VEICULAÇÃO INCONSENTIDA DE NOME E IMAGEM DE INDICIADO NOS CRIMES. ABSOLVIÇÃO POSTERIOR POR NEGATIVA DE AUTORIA. DIREITO AO ESQUECIMENTO DOS CONDENADOS QUE CUMPRIRAM PENA E DOS ABSOLVIDOS. ACOLHIMENTO. DECORRÊNCIA DA PROTEÇÃO LEGAL E CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DAS LIMITAÇÕES POSITIVADAS À ATIVIDADE INFORMATIVA. PRESUNÇÃO LEGAL E CONSTITUCIONAL DE RESSOCIALIZAÇÃO DA PESSOA.
PONDERAÇÃO DE VALORES. PRECEDENTES DE DIREITO COMPARADO.
1. Avulta a responsabilidade do Superior Tribunal de Justiça em demandas cuja solução é transversal, interdisciplinar, e que abrange, necessariamente, uma controvérsia constitucional oblíqua, antecedente, ou inerente apenas à fundamentação do acolhimento ou rejeição de ponto situado no âmbito do contencioso infraconstitucional, questões essas que, em princípio, não são apreciadas pelo Supremo Tribunal Federal.
2. Nos presentes autos, o cerne da controvérsia passa pela ausência de contemporaneidade da notícia de fatos passados, que reabriu antigas feridas já superadas pelo autor e reacendeu a desconfiança da sociedade quanto à sua índole. O autor busca a proclamação do seu direito ao esquecimento, um direito de não ser lembrado contra sua vontade, especificamente no tocante a fatos desabonadores, de natureza criminal, nos quais se envolveu, mas que, posteriormente, fora inocentado.
3. No caso, o julgamento restringe-se a analisar a adequação do direito ao esquecimento ao ordenamento jurídico brasileiro, especificamente para o caso de publicações na mídia televisiva, porquanto o mesmo debate ganha contornos bem diferenciados quando transposto para internet, que desafia soluções de índole técnica, com atenção, por exemplo, para a possibilidade de compartilhamento de informações e circulação internacional do conteúdo, o que pode tangenciar temas sensíveis, como a soberania dos Estados-nações.
4. Um dos danos colaterais da “modernidade líquida” tem sido a progressiva eliminação da “divisão, antes sacrossanta, entre as esferas do ‘privado’ e do ‘público’ no que se refere à vida humana”, de modo que, na atual sociedade da hiperinformação, parecem evidentes os “riscos terminais à privacidade e à autonomia individual, emanados da ampla abertura da arena pública aos interesses privados [e também o inverso], e sua gradual mas incessante transformação numa espécie de teatro de variedades dedicado à diversão ligeira” (BAUMAN, Zygmunt. Danos colaterais: desigualdades sociais numa era global. Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2013, pp. 111-113). Diante dessas preocupantes constatações, o momento é de novas e necessárias reflexões, das quais podem mesmo advir novos direitos ou novas perspectivas sobre velhos direitos revisitados.
5. Há um estreito e indissolúvel vínculo entre a liberdade de imprensa e todo e qualquer Estado de Direito que pretenda se autoafirmar como Democrático. Uma imprensa livre galvaniza contínua e diariamente os pilares da democracia, que, em boa verdade, é projeto para sempre inacabado e que nunca atingirá um ápice de otimização a partir do qual nada se terá a agregar. Esse processo interminável, do qual não se pode descurar - nem o povo, nem as instituições democráticas -, encontra na imprensa livre um vital combustível para sua sobrevivência, e bem por isso que a mínima cogitação em torno de alguma limitação da imprensa traz naturalmente consigo reminiscências de um passado sombrio de descontinuidade democrática.
6. Não obstante o cenário de perseguição e tolhimento pelo qual passou a imprensa brasileira em décadas pretéritas, e a par de sua inegável virtude histórica, a mídia do século XXI deve fincar a legitimação de sua liberdade em valores atuais, próprios e decorrentes diretamente da importância e nobreza da atividade. Os antigos fantasmas da liberdade de imprensa, embora deles não se possa esquecer jamais, atualmente, não autorizam a atuação informativa desprendida de regras e princípios a todos impostos.
7. Assim, a liberdade de imprensa há de ser analisada a partir de dois paradigmas jurídicos bem distantes um do outro. O primeiro, de completo menosprezo tanto da dignidade da pessoa humana quanto da liberdade de imprensa; e o segundo, o atual, de dupla tutela constitucional de ambos os valores.
8. Nesse passo, a explícita contenção constitucional à liberdade de informação, fundada na inviolabilidade da vida privada, intimidade, honra, imagem e, de resto, nos valores da pessoa e da família, prevista no art. 220, § 1º, art. 221 e no § 3º do art. 222 da Carta de 1988, parece sinalizar que, no conflito aparente entre esses bens jurídicos de especialíssima grandeza, há, de regra, uma inclinação ou predileção constitucional para soluções protetivas da pessoa humana, embora o melhor equacionamento deva sempre observar as particularidades do caso concreto. Essa constatação se mostra consentânea com o fato de que, a despeito de a informação livre de censura ter sido inserida no seleto grupo dos direitos fundamentais (art. 5º, inciso IX), a Constituição Federal mostrou sua vocação antropocêntrica no momento em que gravou, já na porta de entrada (art. 1º, inciso III), a dignidade da pessoa humana como - mais que um direito - um fundamento da República, uma lente pela qual devem ser interpretados os demais direitos posteriormente reconhecidos.
Exegese dos arts. 11, 20 e 21 do Código Civil de 2002. Aplicação da filosofia kantiana, base da teoria da dignidade da pessoa humana, segundo a qual o ser humano tem um valor em si que supera o das “coisas humanas”.
9. Não há dúvida de que a história da sociedade é patrimônio imaterial do povo e nela se inserem os mais variados acontecimentos e personagens capazes de revelar, para o futuro, os traços políticos, sociais ou culturais de determinada época. Todavia, a historicidade da notícia jornalística, em se tratando de jornalismo policial, há de ser vista com cautela. Há, de fato, crimes históricos e criminosos famosos; mas também há crimes e criminosos que se tornaram artificialmente históricos e famosos, obra da exploração midiática exacerbada e de um populismo penal satisfativo dos prazeres primários das multidões, que simplifica o fenômeno criminal às estigmatizadas figuras do “bandido” vs. “cidadão de bem”.
10. É que a historicidade de determinados crimes por vezes é edificada à custa de vários desvios de legalidade, por isso não deve constituir óbice em si intransponível ao reconhecimento de direitos como o vindicado nos presentes autos. Na verdade, a permissão ampla e irrestrita a que um crime e as pessoas nele envolvidas sejam retratados indefinidamente no tempo - a pretexto da historicidade do fato - pode significar permissão de um segundo abuso à dignidade humana, simplesmente porque o primeiro já fora cometido no passado.
Por isso, nesses casos, o reconhecimento do “direito ao esquecimento” pode significar um corretivo - tardio, mas possível - das vicissitudes do passado, seja de inquéritos policiais ou processos judiciais pirotécnicos e injustos, seja da exploração populista da mídia.
11. É evidente o legítimo interesse público em que seja dada publicidade da resposta estatal ao fenômeno criminal. Não obstante, é imperioso também ressaltar que o interesse público - além de ser conceito de significação fluida - não coincide com o interesse do público, que é guiado, no mais das vezes, por sentimento de execração pública, praceamento da pessoa humana, condenação sumária e vingança continuada.
12. Assim como é acolhido no direito estrangeiro, é imperiosa a aplicabilidade do direito ao esquecimento no cenário interno, com base não só na principiologia decorrente dos direitos fundamentais e da dignidade da pessoa humana, mas também diretamente do direito positivo infraconstitucional. A assertiva de que uma notícia lícita não se transforma em ilícita com o simples passar do tempo não tem nenhuma base jurídica. O ordenamento é repleto de previsões em que a significação conferida pelo Direito à passagem do tempo é exatamente o esquecimento e a estabilização do passado, mostrando-se ilícito sim reagitar o que a lei pretende sepultar. Precedentes de direito comparado.
13. Nesse passo, o Direito estabiliza o passado e confere previsibilidade ao futuro por institutos bem conhecidos de todos: prescrição, decadência, perdão, anistia, irretroatividade da lei, respeito ao direito adquirido, ato jurídico perfeito, coisa julgada, prazo máximo para que o nome de inadimplentes figure em cadastros restritivos de crédito, reabilitação penal e o direito ao sigilo quanto à folha de antecedentes daqueles que já cumpriram pena (art.
93 do Código Penal, art. 748 do Código de Processo Penal e art. 202 da Lei de Execuções Penais). Doutrina e precedentes.
14. Se os condenados que já cumpriram a pena têm direito ao sigilo da folha de antecedentes, assim também a exclusão dos registros da condenação no Instituto de Identificação, por maiores e melhores razões aqueles que foram absolvidos não podem permanecer com esse estigma, conferindo-lhes a lei o mesmo direito de serem esquecidos.
15. Ao crime, por si só, subjaz um natural interesse público, caso contrário nem seria crime, e eventuais violações de direito resolver-se-iam nos domínios da responsabilidade civil. E esse interesse público, que é, em alguma medida, satisfeito pela publicidade do processo penal, finca raízes essencialmente na fiscalização social da resposta estatal que será dada ao fato. Se é assim, o interesse público que orbita o fenômeno criminal tende a desaparecer na medida em que também se esgota a resposta penal conferida ao fato criminoso, a qual, certamente, encontra seu último suspiro, com a extinção da pena ou com a absolvição, ambas consumadas irreversivelmente. E é nesse interregno temporal que se perfaz também a vida útil da informação criminal, ou seja, enquanto durar a causa que a legitimava. Após essa vida útil da informação seu uso só pode ambicionar, ou um interesse histórico, ou uma pretensão subalterna, estigmatizante, tendente a perpetuar no tempo as misérias humanas.
16. Com efeito, o reconhecimento do direito ao esquecimento dos condenados que cumpriram integralmente a pena e, sobretudo, dos que foram absolvidos em processo criminal, além de sinalizar uma evolução cultural da sociedade, confere concretude a um ordenamento jurídico que, entre a memória - que é a conexão do presente com o passado - e a esperança - que é o vínculo do futuro com o presente -, fez clara opção pela segunda. E é por essa ótica que o direito ao esquecimento revela sua maior nobreza, pois afirma-se, na verdade, como um direito à esperança, em absoluta sintonia com a presunção legal e constitucional de regenerabilidade da pessoa humana.
17. Ressalvam-se do direito ao esquecimento os fatos genuinamente históricos - historicidade essa que deve ser analisada em concreto -, cujo interesse público e social deve sobreviver à passagem do tempo, desde que a narrativa desvinculada dos envolvidos se fizer impraticável.
18. No caso concreto, a despeito de a Chacina da Candelária ter se tornado - com muita razão - um fato histórico, que expôs as chagas do País ao mundo, tornando-se símbolo da precária proteção estatal conferida aos direitos humanos da criança e do adolescente em situação de risco, o certo é que a fatídica história seria bem contada e de forma fidedigna sem que para isso a imagem e o nome do autor precisassem ser expostos em rede nacional. Nem a liberdade de imprensa seria tolhida, nem a honra do autor seria maculada, caso se ocultassem o nome e a fisionomia do recorrido, ponderação de valores que, no caso, seria a melhor solução ao conflito.
19. Muito embora tenham as instâncias ordinárias reconhecido que a reportagem se mostrou fidedigna com a realidade, a receptividade do homem médio brasileiro a noticiários desse jaez é apta a reacender a desconfiança geral acerca da índole do autor, o qual, certamente, não teve reforçada sua imagem de inocentado, mas sim a de indiciado.
No caso, permitir nova veiculação do fato, com a indicação precisa do nome e imagem do autor, significaria a permissão de uma segunda ofensa à sua dignidade, só porque a primeira já ocorrera no passado, uma vez que, como bem reconheceu o acórdão recorrido, além do crime em si, o inquérito policial consubstanciou uma reconhecida “vergonha” nacional à parte.
20. Condenação mantida em R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), por não se mostrar exorbitante.
21. Recurso especial não provido.
(REsp 1334097/RJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 28/05/2013, DJe 10/09/2013)

ATUALIZAÇÃO (INFO 1005)

É incompatível com a Constituição a ideia de um direito ao esquecimento, assim entendido como o poder de obstar, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social analógicos ou digitais. Eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, a partir dos parâmetros constitucionais – especialmente os relativos à proteção da honra, da imagem, da privacidade e da personalidade em geral – e as expressas e específicas previsões legais nos âmbitos penal e cível. STF. Plenário. RE 1010606/RJ, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 11/2/2021 (Repercussão Geral – Tema 786) (Info 1005).

Inteiro teor

A previsão ou aplicação de um “direito ao esquecimento” afrontaria a liberdade de expressão.

O “direito ao esquecimento” caracteriza restrição excessiva e peremptória às liberdades de expressão e de manifestação de pensamento e ao direito que todo cidadão tem de se manter informado a respeito de fatos relevantes da história social, bem como equivale a atribuir, de forma absoluta e em abstrato, maior peso aos direitos à imagem e à vida privada, em detrimento da liberdade de expressão, compreensão que não se compatibiliza com a ideia de unidade da Constituição.

A liberdade de expressão não é absoluta, no entanto, a sua restrição pela mera passagem do tempo não encontra ampara no ordenamento jurídico

O ordenamento jurídico brasileiro está repleto de previsões constitucionais e legais voltadas à proteção da personalidade, com repertório jurídico suficiente a que esta norma fundamental se efetive em consagração à dignidade humana. Em todas essas situações legalmente definidas, é cabível a restrição, em alguma medida, à liberdade de expressão, sempre que afetados outros direitos fundamentais, mas não como decorrência de um pretenso e prévio direito de ver dissociados fatos ou dados por alegada descontextualização das informações em que inseridos, por força da passagem do tempo.

A existência de um comando jurídico que eleja a passagem do tempo como restrição à divulgação de informação verdadeira, licitamente obtida e com adequado tratamento dos dados nela inseridos, precisaria estar prevista, de modo pontual, em lei.

Mesmo se reconhecendo que não existe direito ao esquecimento, a honra, privacidade e direitos da personalidade permanecem protegidos por outros instrumentos

A ordem constitucional protege a honra, a privacidade e os direitos da personalidade e oferece, pela via da responsabilização, proteção contra informações inverídicas, ilicitamente obtidas ou decorrentes do abuso no exercício da liberdade de expressão. Essa proteção se estende tanto para o âmbito penal como cível.

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Q

A divulgação de informação falsa torna imperativa a responsabilização do veículo de imprensa?

A

A entidade responsável por prestar serviços de comunicação não tem o dever de indenizar pessoa física em razão da publicação de matéria de interesse público em jornal de grande circulação a qual tenha apontado a existência de investigações pendentes sobre ilícito supostamente cometido pela referida pessoa, ainda que posteriormente tenha ocorrido absolvição quanto às acusações, na hipótese em que a entidade busque fontes fidedignas, ouça as diversas partes interessadas e afaste quaisquer dúvidas sérias quanto à veracidade do que divulga. De fato, a hipótese descrita apresenta um conflito de direitos constitucionalmente assegurados: os direitos à liberdade de pensamento e à sua livre manifestação (art. 5º, IV e IX), ao acesso à informação (art. 5º, XIV) e à honra (art. 5º, X). Cabe ao aplicador da lei, portanto, exercer função harmonizadora, buscando um ponto de equilíbrio no qual os direitos conflitantes possam conviver. Nesse contexto, o direito à liberdade de informação deve observar o dever de veracidade, bem como o interesse público dos fatos divulgados. Em outras palavras, pode-se dizer que a honra da pessoa não é atingida quando são divulgadas informações verdadeiras e fidedignas a seu respeito e que, outrossim, são de interesse público. Quanto à veracidade do que noticiado pela imprensa, vale ressaltar que a diligência que se deve exigir na verificação da informação antes de divulgá-la não pode chegar ao ponto de as notícias não poderem ser veiculadas até se ter certeza plena e absoluta de sua veracidade. O processo de divulgação de informações satisfaz o verdadeiro interesse público, devendo ser célere e eficaz, razão pela qual não se coaduna com rigorismos próprios de um procedimento judicial, no qual deve haver cognição plena e exauriente dos fatos analisados. Além disso, deve-se observar que a responsabilidade da imprensa pelas informações por ela veiculadas é de caráter subjetivo, não se cogitando da aplicação da teoria do risco ou da responsabilidade objetiva. Assim, para a responsabilização da imprensa pelos fatos por ela reportados, não basta a divulgação de informação falsa, exige-se prova de que o agente divulgador conhecia ou poderia conhecer a falsidade da informação propalada, o que configuraria abuso do direito de informação. REsp 1.297.567-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 28/5/2013.

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Q

O incorporador pode ser responsabilização por ´vicios e defeito da construção, ou esta responsabilidade é exclusiva do construtor?

A

RECURSO ESPECIAL. INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA. CONSTRUÇÃO DE EDIFÍCIO. VÍCIOS E DEFEITOS SURGIDOS APÓS A ENTREGA DAS UNIDADES AUTÔNOMAS AOS ADQUIRENTES. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO INCORPORADOR E DO CONSTRUTOR. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA PARTE, DESPROVIDO.
1. O incorporador, como impulsionador do empreendimento imobiliário em condomínio, atrai para si a responsabilidade pelos danos que possam resultar da inexecução ou da má execução do contrato de incorporação, incluindo-se aí os danos advindos de construção defeituosa.
2. A Lei n. 4.591/64 estabelece, em seu art. 31, que a “iniciativa e a responsabilidade das incorporações imobiliárias caberão ao incorporador”. Acerca do envolvimento da responsabilidade do incorporador pela construção, dispõe que “nenhuma incorporação poderá ser proposta à venda sem a indicação expressa do incorporador, devendo também seu nome permanecer indicado ostensivamente no local da construção”, acrescentando, ainda, que “toda e qualquer incorporação, independentemente da forma por que seja constituída, terá um ou mais incorporadores solidariamente responsáveis” (art. 31, §§ 2º e 3º).
3. Portanto, é o incorporador o principal garantidor do empreendimento no seu todo, solidariamente responsável com outros envolvidos nas diversas etapas da incorporação. Essa solidariedade decorre tanto da natureza da relação jurídica estabelecida entre o incorporador e o adquirente de unidades autônomas quanto de previsão legal, já que a solidariedade não pode ser presumida (CC/2002, caput do art. 942; CDC, art. 25, § 1º; Lei 4.591/64, arts. 31 e 43).
4. Mesmo quando o incorporador não é o executor direto da construção do empreendimento imobiliário, mas contrata construtor, fica, juntamente com este, responsável pela solidez e segurança da edificação (CC/2002, art. 618). Trata-se de obrigação de garantia assumida solidariamente com o construtor.
5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, desprovido.
(REsp 884.367/DF, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 06/03/2012, DJe 15/03/2012)

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51
Q

O dano resultante da teoria da perda de uma chance possui que natureza jurídica?

A

O que é a teoria da perda de uma chance?

Trata-se de teoria inspirada na doutrina francesa (perte d’une chance). Na Inglaterra é chamada de loss-ofa-chance.

Segundo esta teoria, se alguém, praticando um ato ilícito, faz com que outra pessoa perca uma oportunidade de obter uma vantagem ou de evitar um prejuízo, esta conduta enseja indenização pelos danos causados.

Em outras palavras, o autor do ato ilícito, com a sua conduta, faz com que a vítima perca a oportunidade de obter uma situação futura melhor.

Com base nesta teoria, indeniza-se não o dano causado, mas sim a chance perdida.

A teoria da perda de uma chance é adotada no Brasil?

SIM, esta teoria é aplicada pelo STJ, que exige, no entanto, que o dano seja REAL, ATUAL e CERTO, dentro de um juízo de probabilidade, e não mera possibilidade, porquanto o dano potencial ou incerto, no espectro da responsabilidade civil, em regra não é indenizável (REsp 1.104.665-RS, Rel. Min. Massami Uyeda, julgado em 9/6/2009).

Em outros julgados, fala-se que a chance perdida deve ser REAL e SÉRIA, que proporcione ao lesado efetivas condições pessoais de concorrer à situação futura esperada. (AgRg no REsp 1220911/RS, Segunda Turma, julgado em 17/03/2011)

O dano resultante da aplicação da teoria da perda pode ser classificado como dano emergente ou como lucros cessantes?

Trata-se de uma terceira categoria. Com efeito, a teoria da perda de uma chance visa à responsabilização do agente causador não de um dano emergente, tampouco de lucros cessantes, mas de algo intermediário entre um e outro, precisamente a perda da possibilidade de se buscar posição mais vantajosa, que muito provavelmente se alcançaria, não fosse o ato ilícito praticado. (REsp 1190180/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 16/11/2010)

“A perda de uma chance, caracterizada pela violação direta ao bem juridicamente protegido, qual seja, a chance concreta, real, com alto grau de probabilidade de gerar um benefício ou de evitar um prejuízo, consubstancia modalidade autônoma de indenização.” (Prova do TJDFT 2014 CESPE).

Exemplos:

Tem direito a ser indenizada, com base na teoria da perda de uma chance, a criança que, em razão da ausência do preposto da empresa contratada por seus pais para coletar o material no momento do parto, não teve recolhidas as células-tronco embrionárias. STJ. 3ª Turma. REsp 1.291.247-RJ, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 19/8/2014 (Info 549).

Aplica-se a teoria da perda de chance ao caso de candidato a Vereador que deixa de ser eleito por reduzida diferença de oito votos após ser atingido por notícia falta publicada em jornal, resultando, por isso, a obrigação de indenização (REsp 821.004)

RESPONSABILIDADE CIVIL. ADVOCACIA. PERDA DO PRAZO PARA CONTESTAR.
INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS FORMULADA PELO CLIENTE EM FACE DO PATRONO. PREJUÍZO MATERIAL PLENAMENTE INDIVIDUALIZADO NA INICIAL.
APLICAÇÃO DA TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. CONDENAÇÃO EM DANOS MORAIS. JULGAMENTO EXTRA PETITA RECONHECIDO.
1. A teoria da perda de uma chance (perte d’une chance) visa à responsabilização do agente causador não de um dano emergente, tampouco de lucros cessantes, mas de algo intermediário entre um e outro, precisamente a perda da possibilidade de se buscar posição mais vantajosa que muito provavelmente se alcançaria, não fosse o ato ilícito praticado. Nesse passo, a perda de uma chance - desde que essa seja razoável, séria e real, e não somente fluida ou hipotética - é considerada uma lesão às justas expectativas frustradas do indivíduo, que, ao perseguir uma posição jurídica mais vantajosa, teve o curso normal dos acontecimentos interrompido por ato ilícito de terceiro.
2. Em caso de responsabilidade de profissionais da advocacia por condutas apontadas como negligentes, e diante do aspecto relativo à incerteza da vantagem não experimentada, as demandas que invocam a teoria da “perda de uma chance” devem ser solucionadas a partir de uma detida análise acerca das reais possibilidades de êxito do processo, eventualmente perdidas em razão da desídia do causídico.
Vale dizer, não é o só fato de o advogado ter perdido o prazo para a contestação, como no caso em apreço, ou para a interposição de recursos, que enseja sua automática responsabilização civil com base na teoria da perda de uma chance. É absolutamente necessária a ponderação acerca da probabilidade - que se supõe real - que a parte teria de se sagrar vitoriosa.
3. Assim, a pretensão à indenização por danos materiais individualizados e bem definidos na inicial, possui causa de pedir totalmente diversa daquela admitida no acórdão recorrido, de modo que há julgamento extra petita se o autor deduz pedido certo de indenização por danos materiais absolutamente identificados na inicial e o acórdão, com base na teoria da “perda de uma chance”, condena o réu ao pagamento de indenização por danos morais.
4. Recurso especial conhecido em parte e provido.
(REsp 1190180/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 16/11/2010, DJe 22/11/2010)

DIREITO CIVIL. CÂNCER. TRATAMENTO INADEQUADO. REDUÇÃO DAS POSSIBILIDADES DE CURA. ÓBITO. IMPUTAÇÃO DE CULPA AO MÉDICO. POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA TEORIA DA RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE. REDUÇÃO PROPORCIONAL DA INDENIZAÇÃO. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.
1. O STJ vem enfrentando diversas hipóteses de responsabilidade civil pela perda de uma chance em sua versão tradicional, na qual o agente frustra à vítima uma oportunidade de ganho. Nessas situações, há certeza quanto ao causador do dano e incerteza quanto à respectiva extensão, o que torna aplicável o critério de ponderação característico da referida teoria para a fixação do montante da indenização a ser fixada. Precedentes.
2. Nas hipóteses em que se discute erro médico, a incerteza não está no dano experimentado, notadamente nas situações em que a vítima vem a óbito. A incerteza está na participação do médico nesse resultado, à medida que, em princípio, o dano é causado por força da doença, e não pela falha de tratamento.
3. Conquanto seja viva a controvérsia, sobretudo no direito francês, acerca da aplicabilidade da teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance nas situações de erro médico, é forçoso reconhecer sua aplicabilidade. Basta, nesse sentido, notar que a chance, em si, pode ser considerado um bem autônomo, cuja violação pode dar lugar à indenização de seu equivalente econômico, a exemplo do que se defende no direito americano. Prescinde-se, assim, da difícil sustentação da teoria da causalidade proporcional.
4. Admitida a indenização pela chance perdida, o valor do bem deve ser calculado em uma proporção sobre o prejuízo final experimentado pela vítima. A chance, contudo, jamais pode alcançar o valor do bem perdido. É necessária uma redução proporcional.
5. Recurso especial conhecido e provido em parte, para o fim de reduzir a indenização fixada.
(REsp 1254141/PR, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 04/12/2012, DJe 20/02/2013)

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52
Q

Em que consiste a sham litigation?

A

A prática de sham litigation (litigância simulada) configura ato ilícito de abuso do direito de ação, podendo gerar indenização por danos morais e materiais

O ajuizamento de sucessivas ações judiciais, desprovidas de fundamentação idônea e intentadas com propósito doloso, pode configurar ato ilícito de abuso do direito de ação ou de defesa, o denominado assédio processual. STJ. 3ª Turma. REsp 1.817.845-MS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Rel. Acd. Min. Nancy Andrighi, julgado em 10/10/2019 (Info 658).

Trata-se daquilo que, nos Estados Unidos, ficou conhecido como “sham litigation” (litigância simulada), ou seja, a “ação ou conjunto de ações promovidas junto ao Poder Judiciário, que não possuem embasamento sólido, fundamentado e potencialidade de sucesso, com o objetivo central e disfarçado de prejudicar algum concorrente direto do impetrante, causando-lhe danos e dificuldades de ordem financeira, estrutural e reputacional.” (CORRÊA, Rogério. Você sabe o que é Sham Litigation? Disponível em: https://sollicita.com.br/Noticia/?p_idNoticia=13665&n=voc%C3%AAsabe-o-que-%C3%A9-sham-litigation?)

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53
Q

O aborto resultante de acidente de trânsito gera direito à indenização do seguro DPVAT?

A

O STJ decidiu que, se uma gestante envolve-se em acidente de carro e, em virtude disso, sofre um aborto, ela terá direito de receber a indenização por morte do DPVAT, nos termos do art. 3, I, da Lei 6.154\74.

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54
Q

O Ministério Público tem legitimidade par apleitear, em ACP, a indenização decorrente de DPVAT em benefício do segurado?

A

O Ministério Público possui legitimidade para ajuizar ação civil pública em defesa dos direitos individuais homogêneos dos beneficiários do seguro DPVAT, dado o interesse social qualificado presente na tutela dos referidos direitos subjetivos.

Está cancelada a súmula 470 do STJ, que tinha a seguinte redação: “O Ministério Público não tem legitimidade para pleitear, em ação civil pública, a indenização decorrente do DPVAT em benefício do segurado.” STJ. 2ª Seção. REsp 858.056/GO, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 27/05/2015 (Info 563).

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55
Q

Se, após a alienação do bem, mas antes de sua efetiva transferência, vem ela a ser objeto de penhora, a qual somente é desconstituída após embargos de terceiro ajuizados pelo adquirente, terá este direito à indenização do alienante a título de evicção?

A

Caracteriza-se evicção a inclusão de gravame capaz de impedir a transferência livre e desembaraçada de veículo objeto de negócio jurídico de compra e venda.

Caso concreto: foi vendido um carro, mas, antes que pudesse ser transferido à adquirente, houve um bloqueio judicial sobre o veículo. Foi necessário o ajuizamento de embargos de terceiro para liberação do automóvel, sendo, em seguida, desfeito o negócio. Neste caso, caracterizou-se a evicção, gerando o dever do alienante de indenizar a adquirente pelos prejuízos sofridos. STJ. 3ª Turma. REsp 1.713.096-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 20/02/2018 (Info 621).

Evicção

A evicção ocorre quando:

  • a pessoa que adquiriu um bem
  • perde a posse ou a propriedade desta coisa
  • em razão de uma decisão judicial ou de um ato administrativo
  • que reconhece que um terceiro possuía direitos anteriores sobre este bem
  • de modo que ele não poderia ter sido alienado.

Após perder a posse ou a propriedade do bem, o adquirente (evicto) deverá ser indenizado pelo alienante por conta deste prejuízo. O fundamento desta indenização está no princípio da garantia. Logo, não interessa discutir se o alienante estava ou não de boa-fé quando vendeu o bem. Mesmo de boa-fé, ele terá a obrigação de indenizar o evicto.

Veja como o Min. Luis Felipe Salomão definiu o instituto: “A evicção consiste na perda parcial ou integral da posse ou da propriedade do bem, via de regra, em virtude de decisão judicial que atribui o uso, a posse ou a propriedade a outrem, em decorrência de motivo jurídico anterior ao contrato de aquisição.” (REsp 1.332.112-GO).

Evicção vem do latim evincere ou evictio, que significa algo como “ser vencido”. Na língua portuguesa existe o verbo “evencer”, que significa “promover a evicção de alguém”.

A evicção representa um sistema especial de responsabilidade negocial

Há indenização mesmo o automóvel tendo sido, ao final, liberado?

SIM. O fato de haver decisão judicial liberando o bem não elimina o direito da empresa de ser indenizada pelos prejuízos que sofreu. Isso porque ela teve que contratar advogado e fazer outras despesas para recuperar a posse do bem, além de ter tido que restituir os valores que haviam sido pagos pela adquirente.

Neste caso, é possível falar em evicção mesmo não tendo havido “perda da coisa”?

SIM. Tradicionalmente, fala-se que a evicção é a perda da coisa. No entanto, a Min. Nancy Andrigui explica que a evicção não se configura apenas com a “perda da coisa” em si, mas sim com a privação de um direito que incide sobre a coisa. Esse direito pode ser não apenas sobre a propriedade, mas também sobre a posse.

Assim, ocorre a evicção quando há privação do direito de propriedade ou de posse sobre a coisa. E essa privação pode ser total ou parcial.

A inclusão de um gravame sobre a coisa é um exemplo de privação parcial que incide sobre o bem.

O fato de ter sido constituído um gravame sobre o bem, tornando necessário o ajuizamento de embargos de terceiro para que se pudesse obter a respectiva liberação evidencia que houve o rompimento da sinalagmaticidade das prestações. Isso porque pelo contrato, o alienante deveria ter transmitido o bem livre de qualquer restrição, sob pena de responder pela evicção. Em palavras mais simples, o alienante não cumpriu a sua parte da obrigação.

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56
Q

Para que o evicto cobre seus direito, é necessário o trânsito em julgado da decisão que decretou a perda da coisa?

A

PROCESSO CIVIL. DIREITO CIVIL. EXERCÍCIO DOS DIREITOS ADVINDOS DA EVICÇÃO. DENUNCIAÇÃO DA LIDE. DESNECESSIDADE. TRÂNSITO EM JULGADO DA DECISÃO. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA.
1. Não ocorre violação ao art. 535 do Código de Processo Civil quando o Juízo, embora de forma sucinta, aprecia fundamentadamente todas as questões relevantes ao deslinde do feito, apenas adotando fundamentos divergentes da pretensão do recorrente. Precedentes.
2. A evicção consiste na perda parcial ou integral do bem, via de regra, em virtude de decisão judicial que atribui o uso, a posse ou a propriedade a outrem, em decorrência de motivo jurídico anterior ao contrato de aquisição, podendo ocorrer, ainda, em virtude de ato administrativo do qual também decorra a privação da coisa.
Precedentes.
3. A perda do bem por vício anterior ao negócio jurídico oneroso é fator determinante da evicção, tanto que há situações em que, a despeito da existência de decisão judicial ou de seu trânsito em julgado, os efeitos advindos da privação do bem se consumam, desde que, por óbvio, haja a efetiva ou iminente perda da posse ou da propriedade, e não uma mera cogitação da perda ou limitação desse direito.
4. O trânsito em julgado da decisão que atribui a outrem a posse ou a propriedade da coisa confere o respaldo ideal para o exercício do direito oriundo da evicção. Todavia, o aplicador do direito não pode ignorar a realidade hodierna do trâmite processual nos tribunais que, muitas vezes, faz com que o processo permaneça ativo por longos anos, ocasionando prejuízos consideráveis advindos da constrição imediata dos bens do evicto, que aguarda, impotente, o trânsito em julgado da decisão que já há muito assegurava-lhe o direito.
5. No caso dos autos, notadamente, houve decisão declaratória da ineficácia das alienações dos imóveis litigiosos - assim como seu arresto - em virtude do reconhecimento de fraude nos autos da execução fiscal movida pelo Estado de Goiás contra a empresa Onogás S/A, que transferiu os referidos bens à recorrente, sendo certo que, em consulta ao sítio do Tribunal a quo, verificou-se a improcedência dos embargos à execução fiscal em 14/12/2012, em processo que tramita desde 1998.
6. Dessarte, a despeito de não ter ainda ocorrido o trânsito em julgado da decisão prolatada na execução fiscal, que tornou ineficaz a alienação dos bens imóveis objeto do presente recurso, as circunstâncias fáticas e jurídicas acenam para o robusto direito do adquirente, mormente ante a determinação de arresto, medida que pode implicar no desapossamento dos bens e que promove sua imediata afetação ao procedimento executivo futuro.
7. O exercício do direito oriundo da evicção independe da denunciação da lide ao alienante na ação em que terceiro reivindica a coisa, sendo certo que tal omissão apenas acarretará para o réu a perda da pretensão regressiva, privando-lhe da imediata obtenção do título executivo contra o obrigado regressivamente, restando-lhe, ainda, o ajuizamento de demanda autônoma. Ademais, no caso, o adquirente não integrou a relação jurídico-processual que culminou na decisão de ineficácia da alienação, haja vista se tratar de executivo fiscal, razão pela qual não houve o descumprimento da cláusula contratual que previu o chamamento da recorrente ao processo.
8. Recurso especial não provido.
(REsp 1332112/GO, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 21/03/2013, DJe 17/04/2013)

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Q

Qual é o prazo prescricional da pretensão de indenização decorrente da evicção?

A

Independentemente do seu nomen juris, a natureza da pretensão deduzida em ação baseada na garantia da evicção é tipicamente de reparação civil decorrente de inadimplemento contratual, a qual se submete ao prazo prescricional de três anos, previsto no art. 206, § 3º, V, do CC/02.
Reconhecida a evicção, exsurge, nos termos dos arts. 447 e seguintes do CC/02, o dever de indenizar, ainda que o adquirente não tenha exercido a posse do bem, já que teve frustrada pelo alienante sua legítima expectativa de obter a transmissão plena do direito.
(REsp 1577229/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 08/11/2016, DJe 14/11/2016)

OBS DIZER DIREITO:

Em minha opi nião esse entendimento encontra-se superado, tendo em vista que, posteriormente, o STJ decidiu que o art. 206, pár. 3, V, do CC não se aplica para prescrição decorrente de ilícito contratuais. Para responsabilidade civil contratual incide o prazo de 10 anos.

A pretensão indenizatória decorrente do inadimplemento contratual sujeita-se ao prazo prescricional decenal (Art. 205 do CC), se nou houver previsão legal de prazo diferenciado. (INFO 649)

O acórdão embargado, da Terceira Turma, reconheceu a aplicabilidade do prazo prescricional trienal (art. 206, § 3º, V, do Código Civil) aos casos de responsabilidade civil contratual. Já os acórdãos paradigmas, provenientes das Turmas integrantes da Primeira Seção, reconhecem que a pretensão indenizatória decorrente do inadimplemento contratual sujeita-se ao prazo prescricional decenal (art. 205, do Código Civil). Um primeiro aspecto que deve ser levado em conta é que o diploma civil detém unidade lógica e deve ser interpretado em sua totalidade, de forma sistemática. Destarte, a partir do exame do Código Civil, é possível se inferir que o termo “reparação civil” empregado no art. 206, § 3º, V, somente se repete no Título IX, do Livro I, da Parte Especial do diploma, o qual se debruça sobre a responsabilidade civil extracontratual. De modo oposto, no Título IV do mesmo Livro, da Parte Especial do Código, voltado ao inadimplemento das obrigações, inexiste qualquer menção à “reparação civil”. Tal sistematização permite extrair que o código, quando emprega o termo “reparação civil”, está se referindo unicamente à responsabilidade civil aquiliana, restringindo a abrangência do seu art. 206, § 3º, V. E tal sistemática não advém do acaso, e sim da majoritária doutrina nacional que, inspirada nos ensinamentos internacionais provenientes desde o direito romano, há tempos reserva o termo “reparação civil” para apontar a responsabilidade por ato ilícito stricto sensu, bipartindo a responsabilidade civil entre extracontratual e contratual (teoria dualista), ante a distinção ontológica, estrutural e funcional entre ambas, o que vedaria inclusive seu tratamento isonômico. Sob outro enfoque, o contrato e seu cumprimento constituem regime principal, ao qual segue o dever de indenizar, de caráter nitidamente acessório. A obrigação de indenizar assume na hipótese caráter acessório, pois advém do descumprimento de uma obrigação principal anterior. É de se concluir, portanto, que, enquanto não prescrita a pretensão central alusiva à execução específica da obrigação, sujeita ao prazo de 10 anos (caso não exista outro prazo específico), não pode estar fulminado pela prescrição o provimento acessório relativo às perdas e danos advindos do descumprimento de tal obrigação pactuada, sob pena de manifesta incongruência, reforçando assim a inaplicabilidade ao caso de responsabilidade contratual do art. 206, § 3º, V, do Código Civil.

Cuidado com o Enunciado 419 da Jornada de Direito Civil

Risque de seus materiais de estudo o enunciado 419 da V Jornada de Direito Civil, considerando que o entendimento ali exposto está em confronto com o STJ: Enunciado 419-CJF: O prazo prescricional de três anos para a pretensão de reparação civil aplica-se tanto à responsabilidade contratual quanto à responsabilidade extracontratual.

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Q

É possível postular-se a revisão de cláusula contratual em ação de prestação de contas?

A

Na origem, tratou-se de ação de prestação de contas ajuizada em face de banco em que se exigiu a demonstração, de forma mercantil, da movimentação financeira do contrato de abertura de crédito em conta corrente celebrado entre as partes, desde o início do relacionamento, nos termos do art. 917 do Código de Processo Civil. Tendo em vista a especialidade do rito, não se comporta no âmbito da prestação de contas a pretensão de alterar ou revisar cláusula contratual. As contas devem ser prestadas, com a exposição, de forma mercantil, das receitas e despesas, e o respectivo saldo (CPC/1973, art. 917). A apresentação das contas e o respectivo julgamento devem ter por base os pressupostos assentados ao longo da relação contratual existente entre as partes. Nesse contexto, não será possível a alteração das bases do contrato mantido entre as partes, pois o rito especial da prestação de contas é incompatível com a pretensão de revisar contrato, em razão das limitações ao contraditório e à ampla defesa. Essa impossibilidade de se proceder à revisão de cláusulas contratuais diz respeito a todo o procedimento da prestação de contas, ou seja, não pode o autor da ação deduzir pretensões revisionais na petição inicial (primeira fase), conforme a reiterada jurisprudência do STJ, tampouco é admissível tal formulação em impugnação às contas prestadas pelo réu (segunda fase). Isso ocorre porque, repita-Savese, o procedimento especial da prestação de contas não abrange a análise de situações complexas, mas tão somente o mero levantamento de débitos e créditos gerados durante a gestão de bens e negócios do cliente bancário. A ação de prestação de contas não é, portanto, o meio hábil a dirimir conflitos no tocante a cláusulas de contrato, nem em caráter secundário, uma vez que tal ação objetiva, tão somente, a exposição dos componentes de crédito e débito resultantes de determinada relação jurídica, concluindo pela apuração de saldo credor ou devedor.

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Q

Diferencie a teoria da imprevisão da teoria da base objetiva do negócio e indique as disposições legais que as acolheram.

A

O CDC, ao contrário do CC-2002, não adotou a teoria da imprevisão, mas sim a teoria do rompimento da base objetiva do negócio jurídico, inspirada na doutrina alemã, muito bem desenvolvida por Karl Larenz.

Pela teoria acolhida pelo CDC, haverá revisão do cotnrato se um fato superveniente alterou as bases objetivas do ajuste, ou seja, o ambiente econômico inicialmente presente. Não interessa se este fato era previsível ou imp´revisível. Conforme lição do Professor Leonardo Garcia, podemos fazer as seguintes comparações:

TEORIA DA IMPREVISÃO X TEORIA DA BASE OBJETIVA

Surgida na França, no pós Primeira Guerra x Surgida na Alemanha, também no pós Primeira Guerra

É um teoria subjetiva x É uma teoria objetiva

Previstas nos arts. 317 e 478 do CC x Prevista no art. 6, V, do CDC

Exige a imprevisibilidade e a extraordinariedade do fato superveniente x Dispensa a imprevisibilidade e o caráter extraordinário dos fatos supervenientes. Somente exige um fato superveniente que rompa a base objetiva.

Exige a extrema vantagem para o credor x Não exige esta condição.

Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.

Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.

Art. 6º São direitos básicos do consumidor: V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas;

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61
Q

Uma brusca desvalorização do real frente ao dolar pode ser considerada situação a atrair a aplicação da teoria da imprevisão?

A

Determinado médico importou um equipamento para utilizar em sua atividade profissional. A aquisição foi feita por meio de um financiamento celebrado em moeda estrangeira (dólar). Na época, o valor do dólar e do real eram muito próximos, sendo a conversão próxima de 1 real para cada 1 dólar. Ocorre que, em janeiro 1999, ocorreu na economia brasileira uma grande desvalorização do real e o dólar passou a valer cerca de 2 reais.

No caso concreto, o médico pode ser considerado consumidor?

NÃO. Não há relação de consumo entre o fornecedor de equipamento médico-hospitatar e o médico que firmam contrato de compra e venda de equipamento de ultrassom com cláusula de reserva de domínio e de indexação ao dólar americano, na hipótese em que o profissional de saúde tenha adquirido o objeto do contrato para o desempenho de sua atividade econômica.

É possível a aplicação da teoria da base objetiva na presente situação?

NÃO. A teoria da base objetiva ou da base do negócio jurídico tem sua aplicação restrita às relações jurídicas de consumo, não sendo aplicável às contratuais puramente civis.

É possível acolher o pedido do médico para a revisão do contrato com base na teoria da imprevisão e da onerosidade excessiva?

NÃO. Tratando-se de relação contratual paritária – a qual não é regida pelas normas consumeristas –, a maxidesvalorização do real em face do dólar americano ocorrida a partir de janeiro de 1999 não autoriza a aplicação da teoria da imprevisão ou da teoria da onerosidade excessiva, com intuito de promover a revisão de cláusula de indexação ao dólar americano.

O histórico econômico do Brasil já indicava que seria possível que ocorresse uma desvalorização do real frente ao dólar, não sendo possível, portanto, falar que isso era um fato imprevisível ou extraordinário. STJ. 3ª Turma. REsp 1.321.614-SP, Rel. originário Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Rel. para acórdão Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 16/12/2014 (Info 556).

Por último: é possível acolher o pedido do médico para a revisão do contrato com base na teoria da imprevisão e da onerosidade excessiva?

NÃO. Tratando-se de relação contratual paritária – a qual não é regida pelas normas consumeristas –, a maxidesvalorização do real em face do dólar americano ocorrida a partir de janeiro de 1999 não autoriza a aplicação da teoria da imprevisão ou da teoria da onerosidade excessiva, com intuito de promover a revisão de cláusula de indexação ao dólar americano.

Na relação contratual, a regra é a observância do princípio pacta sunt servanda, segundo o qual o contrato faz lei entre as partes e, por conseguinte, impõe ao Estado o dever de não intervir nas relações privadas. Ademais, o princípio da autonomia da vontade confere aos contratantes ampla liberdade para estipular o que lhes convenha, desde que preservada a moral, a ordem pública e os bons costumes, valores que não podem ser derrogados pelas partes.

Desse modo, a intervenção do Poder Judiciário nos contratos, à luz da teoria da imprevisão ou da teoria da onerosidade excessiva, exige a demonstração de mudanças supervenientes das circunstâncias iniciais vigentes à época da realização do negócio, oriundas de evento imprevisível (teoria da imprevisão) e de evento imprevisível e extraordinário (teoria da onerosidade excessiva), que comprometam o valor da prestação, demandando tutela jurisdicional específica, tendo em vista, em especial, o disposto nos arts. 317, 478 e 479 do CC.

Assim, constitui pressuposto da aplicação das referidas teorias, a teor dos arts. 317 e 478 do CC, como se pode extrair de suas próprias denominações, a existência de um fato imprevisível em contrato de execução diferida, que imponha consequências indesejáveis e onerosas para um dos contratantes.

A par disso, o histórico inflacionário e as sucessivas modificações no padrão monetário experimentados pelo País desde longa data até julho de 1994, quando sobreveio o Plano Real, seguido de período de relativa estabilidade até a maxidesvalorização do real em face do dólar, ocorrida a partir de janeiro de 1999, não autorizam concluir pela inexistência de risco objetivo nos contratos firmados com base na cotação da moeda norte-americana, em se tratando de relação contratual paritária.

Em resumo, o histórico econômico do Brasil já indicava que seria possível que ocorresse uma desvalorização do real frente ao dólar, não sendo possível, portanto, falar que isso era um fato imprevisível ou extraordinário.

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Q

Para fins do art. 108 do CC, deve-se considerar o preço dado pelas partes no negócio ou o valor calculado pelo Fisco?

Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País.

A

A compra e venda de bens IMÓVEIS pode ser feita por meio de contrato particular ou é necessário escritura pública?

  • Em regra: é necessário escritura pública (art. 108 do CC).
  • Exceção: a compra e venda pode ser feita por contrato particular (ou seja, sem escritura pública) se o valor do bem imóvel alienado for inferior a 30 salários-mínimos.

Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País.

Para fins do art. 108, deve-se adotar o preço dado pelas partes ou o valor calculado pelo Fisco?

O valor calculado pelo Fisco. O art. 108 do CC fala em valor do imóvel (e não em preço do negócio). Assim, havendo disparidade entre ambos, é o valor do imóvel calculado pelo Fisco que deve ser levado em conta para verificar se será necessária ou não a elaboração da escritura pública. A avaliação feita pela Fazenda Pública para fins de apuração do valor venal do imóvel é baseada em critérios objetivos, previstos em lei, os quais admitem aos interessados o conhecimento das circunstâncias consideradas na formação do quantum atribuído ao bem. Logo, trata-se de um critério objetivo e público que evita a ocorrência de fraudes.

Obs: está superado o Enunciado 289 das Jornadas de Direito Civil do CJF. (Enunciado 289: O valor de 30 salários mínimos a que se refere o art. 108 do Código Civil brasileiro, ao dispor este sobre a forma pública ou particular dos negócios jurídicos que envolvam bens imóveis, é o atribuído pelas partes contratantes, e não qualquer outro valor arbitrado pela Administração Pública com finalidade exclusivamente tributária.)

STJ. 4ª Turma. REsp 1.099.480-MG, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 2/12/2014 (Info 562).

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Q

Ainda que sem prévia ou concomitante revisão do contrato de compra e venda com reserva de domínio, pode o vendedor, ante o inadimplemento do comprador, pleitear a proteção possessória sobre o móvel objeto da avença?

A

Art. 521. Na venda de coisa móvel, pode o vendedor reservar para si a propriedade, até que o preço esteja integralmente pago.

Características

A cláusula de reserva de domínio deve ser estipulada por escrito.

Para valer contra terceiros, o contrato precisa ser registrado no domicílio do comprador (art. 522). A serventia competente para esse registro é o RTD (Registro de Títulos e Documentos). Se o bem vendido foi um automóvel, caberá a anotação do gravame no Certificado de Registro do Veículo (CRV), nos termos da Lei nº 11.882/2008:

Art. 6º Em operação de arrendamento mercantil ou qualquer outra modalidade de crédito ou financiamento a anotação da alienação fiduciária de veículo automotor no certificado de registro a que se refere a Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997, produz plenos efeitos probatórios contra terceiros, dispensado qualquer outro registro público.

Apesar de a venda com reserva de domínio não ser o mesmo que alienação fiduciária, aplica-se aqui o mesmo raciocínio que inspirou a edição da súmula 92 do STJ:

Súmula 92-STJ: A terceiro de boa-fé não é oponível a alienação fiduciária não anotada no certificado de registro do veículo automotor.

Em caso de mora do comprador, o vendedor terá três opções:

a) Ação executiva (execução do contrato)

Ocorre quando o contrato assinado preenche os requisitos para ser considerado um título executivo extrajudicial, nos termos do art. 585, II, do CPC 1973 (art. 784, III, do CPC 2015).

b) Ação de cobrança

Se o contrato assinado não preenche os requisitos para ser considerado um título executivo, o vendedor poderá ajuizar ação cobrando as prestações vencidas e vincendas e o que mais for devido. Repare, portanto, que, em caso de atraso, ocorrerá o vencimento antecipado das parcelas futuras. Ex: eram 12 parcelas; depois da 4ª, o comprador tornou-se inadimplente; logo, todas as 8 restantes já são consideradas vencidas.

Vale ressaltar que, se o vendedor conseguir receber esse valor pleiteado na ação, o bem objeto do negócio jurídico passa a pertencer ao comprador.

c) Ação de reintegração de posse da coisa vendida (alguns autores defendem que seria uma ação de busca, apreensão e depósito, com base no art. 1.071 do CPC 1973, que não foi repetido no CPC 2015)

Caso opte por pedir a reintegração de posse (ou busca e apreensão), mesmo depois de ter de volta o bem o vendedor poderá reter as prestações pagas até o necessário para cobrir a depreciação da coisa, as despesas feitas e o que mais de direito lhe for devido (art. 527). Em outras palavras, o vendedor poderá utilizar o valor já pago pelo comprador para cobrir seus prejuízos. Isso porque a coisa foi usada e já não vale o mesmo do que quando era nova. Além disso, o vendedor teve despesas com notificação extrajudicial etc.

Se as prestações pagas pelo comprador forem maiores do que os gastos do vendedor, ele deverá devolver o excedente ao comprador. Se forem menores, ele poderá ajuizar ação de cobrança para pleitear o restante.

Vale ressaltar que se o vendedor quiser ajuizar a ação de reintegração de posse da coisa vendida, ele não precisará previamente pedir a rescisão do contrato, podendo propor desde logo a ação possessória. Nesse sentido, decidiu o STJ:

Ainda que sem prévia ou concomitante rescisão do contrato de compra e venda com reserva de domínio, o vendedor pode, ante o inadimplemento do comprador, pleitear a proteção possessória sobre o bem móvel objeto da avença. STJ. 4ª Turma. REsp 1.056.837-RN, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 3/11/2015 (Info 573).

  1. A lei ou a doutrina não impõem, textual ou implicitamente, a necessidade de ajuizamento preliminar de demanda rescisória do contrato de compra e venda com reserva de domínio, para a obtenção da retomada do bem. Isso porque não se trata, aqui, da análise do ius possessionis (direito de posse decorrente do simples fato da posse), mas sim do ius possidendi, ou seja, do direito à posse decorrente do inadimplemento contratual, onde a discussão acerca da titularidade da coisa é inviabilizada, haja vista se tratar de contrato de compra e venda com reserva de domínio onde a transferência da propriedade só se perfectibiliza com o pagamento integral do preço, o que não ocorreu em razão da inadimplência do devedor.

A fim de melhor elucidar a questão, o ius possessionis é o direito DE posse, ou seja, é o poder sobre a coisa e a possibilidade de sua defesa por intermédio dos interditos (interdito proibitório, de manutenção da posse ou de reintegração de posse). Trata-se de conceito que se relaciona diretamente com a posse direta e indireta.

Já o ius possidendi é o direito À posse, decorrente do direito de propriedade, ou seja, é o próprio domínio. Em outras palavras, é o direito conferido ao titular de possuir o que é seu, independentemente de prévio ajuizamento de demanda objetivando rescindir o contrato de compra e venda, uma vez que nos ajustes cravados com cláusula de reserva de domínio, a propriedade do bem, até o pagamento integral do preço, pertence ao vendedor, ou seja, não se consolida a transferência da propriedade ao comprador.
(REsp 1056837/RN, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 03/11/2015, DJe 10/11/2015)

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Q

A doação noficiosa submete-se a prazo prescricional? Se sim, qual? Herdeiro que cedeu sua parte da herança pode propor a ação anulatória?

A

Doação inoficiosa é a que invade a legítima dos herdeiros necessários.

A pessoa que tenha herdeiros necessários só pode doar até o limite máximo da metade de seu patrimônio, considerando que a outra metade é a chamada “legítima” (art. 1.846 do CC) e pertence aos herdeiros necessários.

A doação inoficiosa é nula (art. 549 do CC).

Ação cabível para se obter a anulação: ação de nulidade de doação inoficiosa (ação de redução).

Prazo da ação: 10 anos (art. 205 do cc) (REsp 1049078)

Quando se inicia esse prazo: conta-se a partir do registro do ato jurídico que se pretende anular.

Quem pode propor: apenas os herdeiros necessário do doador.

Mesmo que o herdeiro necessário tenha cedido sua parte na herança, ele terá legitimidade par a ação de anulação?

Quando se inicia esse

O herdeiro que cede seus direitos hereditários possui legitimidade para pleitear a declaração de nulidade de doação inoficiosa (arts. 1.176 do CC/1916 e 549 do CC/2002) realizada pelo autor da herança em benefício de terceiros. Isso porque o fato de o herdeiro ter realizado a cessão de seus direitos hereditários não lhe retira a qualidade de herdeiro, que é personalíssima. De fato, a cessão de direitos hereditários apenas transfere ao cessionário a titularidade da situação jurídica do cedente, de modo a permitir que aquele exija a partilha dos bens que compõem a herança. REsp 1.361.983-SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 18/3/2014.

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Q

A aposição da cláusula de impenhorabilidade e\ou incomunicablidade em ato de liberalidade importa na automática inclusão da cláusula de inalienabilidade?

A

O art. 1.911 do Código Civil estabelece:

Art. 1.911. A cláusula de inalienabilidade, imposta aos bens por ato de liberalidade, implica impenhorabilidade e incomunicabilidade.

A interpretação deste art. 1.911 nos permite chegar a quatro conclusões:

a) há possibilidade de imposição autônoma das cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade, a critério do doador/instituidor. Em outras palavras, o doador/instituidor pode impor só uma, só duas ou as três cláusulas.
b) uma vez aposto o gravame da inalienabilidade, pressupõe-se, ex vi lege (por força de lei), automaticamente, a impenhorabilidade e a incomunicabilidade. Assim, se tiver sido imposta cláusula de inalienabilidade ao imóvel, isso significa que ele, obrigatoriamente, será também impenhorável e incomunicável.
c) a inserção exclusiva da proibição de não penhorar e/ou não comunicar não gera a presunção da inalienabilidade. A aposição da cláusula de impenhorabilidade e/ou incomunicabilidade em ato de liberalidade não importa, automaticamente, na cláusula de inalienabilidade.
d) a instituição autônoma da impenhorabilidade, por si só, não pressupõe a incomunicabilidade e vice-versa. STJ. 4ª Turma. REsp 1.155.547-MG, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 06/11/2018 (Info 637).

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66
Q

Uma vez estabelecida a cláusula de inalienabilidade, pode ela ser excluída por vontade do herdeiro ou donatário?

A

É possível o cancelamento da cláusula de inalienabilidade de imóvel após a morte dos doadores se não houver justa causa para a manutenção da restrição ao direito de propriedade.

A doação do genitor para os filhos e a instituição de cláusula de inalienabilidade, por representar adiantamento de legítima, deve ser interpretada na linha do que prescreve o art. 1. 848 do CC, exigindo-se justa causa notadamente para a instituição da restrição ao direito de propriedade.

Caso concreto: decidiu ser possível o cancelamento da cláusula de inalienabilidade após a morte dos doadores, considerando que já se passou quase duas décadas do ato de liberalidade e tendo em vista a ausência de justa causa para a manutenção da restrição. Não havendo justo motivo para que se mantenha congelado o bem sob a propriedade dos donatários, todos maiores, que manifestam não possuir interesse em manter sob o seu domínio o imóvel, há de se cancelar as cláusulas que o restringem. STJ. 3ª Turma.

Pode ser aplicado o art. 1.848 do CC ao presente caso

O ato intervivos de transferência de bem do patrimônio dos pais aos filhos configura adiantamento de legítima e, com a morte dos doadores, passa a ser legítima propriamente dita, revelando-se importante o quanto estabelece o art. 1.848 do CC:

Art. 1.848. Salvo se houver justa causa, declarada no testamento, não pode o testador estabelecer cláusula de inalienabilidade, impenhorabilidade, e de incomunicabilidade, sobre os bens da legítima.

Não havendo justo motivo para que se mantenha congelado o bem sob a propriedade dos donatários, todos maiores, que manifestam não possuir interesse em manter sob o seu domínio o imóvel, há de se cancelar a cláusula de inalienabilidade.

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Q

Se o segurado, embriagado (condição que exclui a cobertura do seguro), causa danos a terceiros, a seguradora do primeiro poderá ser compelida a ressarcir o prejuízo dos últimos?

A

No contrato de seguro de automóvel, é lícita a cláusula que exclui a cobertura securitária para o caso de o acidente de trânsito (sinistro) ter sido causado em decorrência da embriaguez do segurado.

No entanto, esta cláusula é ineficaz perante terceiros (garantia de responsabilidade civil).

Isso significa que, mesmo que contrato preveja a exclusão da cobertura em caso de embriaguez do segurado, a seguradora será obrigada a indenizar a vítima (terceiro) caso o acidente tenha sido causado pelo segurado embriagado.

Em outras palavras, não se pode invocar essa cláusula contra a vítima.

Depois de indenizar a vítima, a seguradora poderá exigir seu direito de regresso contra o segurado (causador do dano).

A garantia de responsabilidade civil não visa apenas proteger o interesse econômico do segurado tendo, também como objetivo preservar o interesse dos terceiros prejudicados.

O seguro de responsabilidade civil se transmudou após a edição do Código Civil de 2002, de forma que deixou de ser apenas uma forma de reembolsar as indenizações pagas pelo segurado e passou a ser também um meio de proteção das vítimas, prestigiando, assim, a sua função social.

É inidônea a exclusão da cobertura de responsabilidade civil no seguro de automóvel quando o motorista dirige em estado de embriaguez, visto que somente prejudicaria a vítima já penalizada, o que esvaziaria a finalidade e a função social dessa garantia, de proteção dos interesses dos terceiros prejudicados à indenização, ao lado da proteção patrimonial do segurado. STJ. 3ª Turma.REsp 1.738.247-SC, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 27/11/2018 (Info 639).

A cláusula 2.3.1 é ineficaz perante terceiros

Nesse contexto, deve-se considerar que a cláusula que exclui a cobertura securitária na hipótese de o acidente de trânsito advir da embriaguez do segurado é uma cláusula válida (não possui nulidade), mas ineficaz perante terceiros.

A cláusula de exclusão de cobertura securitária na hipótese de o sinistro ter sido causado por embriaguez do segurado tem seu alcance eficacial restrito ao segurado, sendo ineficaz perante terceiros, vítimas inocentes do evento danoso, em face das peculiaridades do contrato de seguro facultativo de responsabilidade civil (art. 787 do Código Civil).

Do contrário, se entendêssemos que essa cláusula é eficaz perante terceiros, estaria sendo punida a vítima que não concorreu para a ocorrência do dano. Essa é a lição de Sérgio Cavalieri Filho:

“(…) a embriaguez só não excluirá a cobertura no caso de seguro de responsabilidade civil, porque este (…) destina-se a reparar os danos causados pelo segurado, culposa ou dolosamente, a terceiros, as maiores vítimas da tragédia do trânsito. Excluir a cobertura em casos tais seria punir as vítimas em lugar do causador dos danos.” (CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 10ª ed., São Paulo: Atlas, 2012, p. 489)

Logo, não é correta a exclusão da cobertura de responsabilidade civil por danos a terceiros no seguro de automóvel quando o motorista dirige em estado de embriaguez, visto que somente prejudicaria a vítima já penalizada, o que esvaziaria a finalidade e a função social dessa garantia, de proteção dos interesses dos terceiros prejudicados à indenização, ao lado da proteção patrimonial do segurado.

Função social do contrato de seguro

A função social do contrato de seguro facultativo de responsabilidade civil perante terceiros vai muito além do simples reembolso ao segurado, apresentando-se como verdadeiro instrumento de garantia aos terceiros prejudicados, vítimas inocentes do sinistro provocado pelo segurado.

Sua finalidade é voltada ao interesse coletivo, beneficiando os terceiros inocentes, não se restringindo ao interesse individual do segurado.

Na relação entre segurado e seguradora, a cláusula é válida e eficaz

Perante o segurado, a cláusula de exclusão da cobertura é válida e eficaz. Isso significa, por exemplo, que no exemplo dado:

  • a Seguradora não estaria obrigada a reparar os danos causados ao veículo do segurado;
  • a Seguradora, após indenizar a vítima (Pedro), poderá ingressar com ação de regresso contra o segurado (John) pedindo o ressarcimento pelos valores pagos.
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Q

É válida cláusula prevista em seguro de acidente pessoais que exclua complicações decorrente de gravidez, parto, aborto, intoxicações alimentares, exames e tratamentos?

A

É abusiva a exclusão do seguro de acidentes pessoais em contrato de adesão para as hipóteses de:

a) gravidez, parto ou aborto e suas consequências;
b) perturbações e intoxicações alimentares de qualquer espécie; e
c) todas as intercorrências ou complicações consequentes da realização de exames, tratamentos clínicos ou cirúrgicos. STJ. 3ª Turma. REsp 1.635.238-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 11/12/2018 (Info 640).

Como Maria sabia que você é operador do Direito, ela lhe mandou uma foto por WhatsApp perguntando: essa cláusula é válida?

A resposta é NÃO.

Segundo a Resolução CNSP nº 117/04, da SUSEP, acidente pessoal é o “evento com data caracterizada, exclusivo e diretamente externo, súbito, involuntário, violento, e causador de lesão física, que, por si só e independente de toda e qualquer outra causa, tenha como consequência direta a morte, ou a invalidez permanente, total ou parcial, do segurado, ou que torne necessário tratamento médico”.

As complicações decorrentes de gravidez, parto, aborto, perturbações e intoxicações alimentares, intercorrências ou complicações consequentes da realização de exames, tratamentos clínicos ou cirúrgicos constituem eventos imprevisíveis, fortuitos e inserem-se dentro do conceito de “acidente pessoal” de forma que qualquer cláusula excludente da cobertura é efetivamente abusiva porque limita os direitos do consumidor.

Inserir cláusula de exclusão de risco em contrato padrão, cuja abstração e generalidade abarquem até mesmo as situações de legítimo interesse do segurado quando da contratação da proposta, representa imposição de desvantagem exagerada ao consumidor, por confiscar-lhe justamente o conteúdo para o qual se dispôs ao pagamento do prêmio. Desse modo, esta cláusula é nula, nos termos do art. 51, IV, do CDC:

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: (…)

IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade;

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A seguradora pode recursar a celebração de contrato com consumidor negativado, ainda que ele se proponha a pagar à vista o seguro?

A

A seguradora não pode recusar a contratação de seguro a quem se disponha a pronto pagamento se a justificativa se basear unicamente na restrição financeira do consumidor junto a órgãos de proteção ao crédito. STJ. 3ª Turma. REsp 1.594.024-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 27/11/2018 (Info 640)

Em regra, é proibida a recusa de venda direta de produto ou serviço

Em uma relação de consumo, a recusa de venda direta de produto ou serviço constitui conduta abusiva para aquele que se dispuser a adquiri-lo mediante pronto pagamento, exceto nos casos de intermediação previstos em normas especiais. É o que prevê o art. 39, IX, do CDC:

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

IX - recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, diretamente a quem se disponha a adquirilos mediante pronto pagamento, ressalvados os casos de intermediação regulados em leis especiais;

Essa regra é mitigada nos contratos de seguro

Nas relações securitárias, a interpretação do art. 39, IX, do CDC é mitigada. Isso significa que, em tese, a seguradora pode se recusar a fazer contrato de seguro, desde que haja uma justificativa para isso.

Assim, existem situações em que a recusa se justifica porque o contrato de seguro envolve a análise do risco pela seguradora, não podendo isso ser ignorado.

Vale ressaltar que, se não aceitar a proposta de seguro, a seguradora é obrigada a fazer uma comunicação formal ao contratante, justificando o motivo da recusa (art. 2º, § 4º, da Circular nº 251/2004 da Superintendência de Seguros Privados - SUSEP)

Se o interessado em fazer o seguro possui uma restrição financeira, a seguradora poderá se recusar a assinar o contrato?

Depende:

  • Se o pagamento do prêmio for parcelado: SIM. Neste caso, será legítima a recusa. Isso porque se trata de uma venda a crédito.
  • Se o pagamento do prêmio for à vista: NÃO. Aí a recusa será abusiva porque não haverá uma justificativa razoável.

Em outras palavras, as seguradoras não podem justificar a aludida recusa com base apenas no passado financeiro do consumidor, se o pagamento for à vista.

Vale ressaltar que, segundo o STJ, a seguradora poderá elevar o valor do prêmio, diante do aumento do risco, dado que a pessoa com restrição de crédito é mais propensa a sinistros.

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O fato de o condutor do veículo da sociedade empresarial segurada não possuir habilitação configura agravamento de risco?

A

SIM. Caso a sociedade empresária segurada, de forma negligente, deixe de evitar que empregado não habilitado dirija o veículo objeto do seguro, ocorrerá a exclusão do dever de indenizar se demonstrado que a falta de habilitação importou em incremento do risco (Info 542).

O STJ aceitou o argumento da seguradora?

SIM. Caso a sociedade empresária segurada, de forma negligente, deixe de evitar que empregado não habilitado dirija o veículo objeto do seguro, ocorrerá a exclusão do dever de indenizar se demonstrado que a falta de habilitação importou em incremento do risco. Isso porque, à vista dos princípios da eticidade, da boa-fé e da proteção da confiança, o agravamento do risco decorrente da culpa in vigilando da sociedade empresária segurada, ao não evitar que empregado não habilitado se apossasse do veículo, tem como consequência a exclusão da cobertura (art. 768 do CC), haja vista que o apossamento proveio de culpa grave do segurado.

O agravamento intencional do risco, por ser excludente do dever de indenizar do segurador, deve ser interpretado restritivamente, notadamente em face da presunção de que as partes comportam-se de boafé nos negócios jurídicos por elas celebrados. Por essa razão, entende-se que o agravamento do risco exige prova concreta de que o segurado contribuiu para sua consumação.

Assim, é imprescindível a demonstração de que a falta de habilitação, no caso concreto, gerou um incremento (aumento) do risco. Na hipótese em tela, havia prova pericial atestando que o acidente foi causado por imperícia do condutor. Logo, o STJ entendeu que a ausência da carteira de habilitação (no caso concreto) serviu para agravar o risco, sendo, portanto, causa excludente do dever de indenizar.

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É válida a cláusula contratual de seguro de vida que preveja o reajuste do valor do prêmio de acordo com a idade do segurado?

A

A cláusula de contrato de seguro de vida que estabelece o aumento do prêmio do seguro de acordo com a faixa etária mostra-se abusiva quando imposta ao segurado maior de 60 anos de idade e que conte com mais de 10 anos de vínculo contratual. STJ. 3ª Turma. REsp 1.376.550-RS, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 28/4/2015 (Info 561).

Pode-se dizer que a cláusula de contrato de seguro de vida que estabelece o aumento do prêmio do seguro de acordo com a faixa etária é sempre abusiva?

NÃO. Segundo a jurisprudência do STJ, admitem-se aumentos suaves e graduais necessários para o reequilíbrio da carteira, mediante um cronograma extenso, do qual o segurado tem de ser cientificado previamente (STJ. 2ª Seção. REsp 1.073.595/MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 29/4/2011).

No caso concreto acima relatado, esse aumento foi válido?

NÃO.

A cláusula de contrato de seguro de vida que estabelece o aumento do prêmio do seguro de acordo com a faixa etária mostra-se abusiva quando imposta ao segurado:

 maior de 60 anos de idade; e

 que conte com mais de 10 anos de vínculo contratual.

De onde o STJ retirou esses dois requisitos (maior de 60 anos e mais de 10 anos de vínculo)?

Esses requisitos foram construídos pelo STJ a partir da aplicação analógica das regras previstas para os contratos de plano de saúde no art. 15, parágrafo único, da Lei n. 9.656/98:

Art. 15. A variação das contraprestações pecuniárias estabelecidas nos contratos de produtos de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º desta Lei, em razão da idade do consumidor, somente poderá ocorrer caso estejam previstas no contrato inicial as faixas etárias e os percentuais de reajustes incidentes em cada uma delas, conforme normas expedidas pela ANS, ressalvado o disposto no art. 35-E.

Parágrafo único. É vedada a variação a que alude o caput para consumidores com mais de sessenta anos de idade, que participarem dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º, ou sucessores, há mais de dez anos.

A Lei n. 9.656/98 regula os planos e seguros de saúde, mas, diante da inexistência de lei específica para os seguros de vida, o STJ aplica esse diploma por analogia.

OBSERVAÇÃO: NÃO CONFUNDIR COM A JURISPRUDÊNCIA RELATIVA AOS PLANOS DE SAÚDE

Em regra, é válida a cláusula prevista em contrato de seguro-saúde que autoriza o aumento das mensalidades do seguro quando o usuário completar 60 anos de idade. Exceções. Essa cláusula será abusiva quando:

a) não respeitar os limites e requisitos estabelecidos na Lei 9.656/98; ou
b) aplicar índices de reajuste desarrazoados ou aleatórios, que onerem em demasia o segurado. STJ. 4ª Turma. REsp 1.381.606-DF, Rel. originária Min. Nancy Andrighi, Rel. para acórdão Min. João Otávio De Noronha, julgado em 7/10/2014 (Info 551).

A tese alegada foi aceita pelo STJ? É nula a cláusula prevista em contrato de seguro-saúde que autoriza o aumento das mensalidades do seguro quando o usuário completar 60 anos de idade?

NÃO. O STJ decidiu que é VÁLIDA a cláusula prevista em contrato de seguro-saúde que autoriza o aumento das mensalidades do seguro quando o usuário completar 60 anos de idade, desde que:

a) haja respeito aos limites e requisitos estabelecidos na Lei n. 9.656/98; e
b) não se apliquem índices de reajuste desarrazoados ou aleatórios, que onerem em demasia o segurado.

Segundo o STJ, quanto mais avançada a idade do segurado, independentemente de ser ele enquadrado ou não como idoso, maior será seu risco subjetivo, pois normalmente a pessoa de mais idade necessita de serviços de assistência médica com maior frequência do que a que se encontra em uma faixa etária menor. Trata-se de uma constatação natural, de um fato que se observa na vida e que pode ser cientificamente confirmado.

Por isso mesmo, os contratos de seguro-saúde normalmente trazem cláusula prevendo reajuste em função do aumento da idade do segurado, tendo em vista que os valores cobrados pela seguradora a título de prêmio devem ser proporcionais ao grau de probabilidade de ocorrência do evento risco coberto. Maior o risco, maior o valor do prêmio.

Pensando nisso, a Lei n. 9.656/98 (Lei dos Planos e Seguros Privados de Saúde) previu expressamente a possibilidade de que a mensalidade do seguro-saúde sofra aumentos a partir do momento em que o segurado mude sua faixa etária, estabelecendo, contudo, algumas restrições a esses reajustes (art. 15)

Posteriormente, em 2003, foi editado o Estatuto do Idoso, que estabeleceu em seu art. 15, § 3º, ser “vedada a discriminação do idoso nos planos de saúde pela cobrança de valores diferenciados em razão da idade”.

A questão que surgiu foi a seguinte: a Lei n. 10.741/2003 acabou com a possibilidade de cobrança de valores diferenciados em planos de saúde para idosos?

A resposta é NÃO. Segundo o STJ, deve-se encontrar um ponto de equilíbrio entre a Lei dos Planos de Saúde e o Estatuto do Idoso, a fim de se chegar a uma solução justa para os interesses em conflito.

Para o STJ, não se pode interpretar de forma absoluta o art. 15, § 3º, do Estatuto do Idoso, ou seja, não se pode dizer que, abstratamente, todo e qualquer reajuste que se baseie na idade será abusivo. O que o Estatuto do Idoso quis proibir foi a discriminação contra o idoso, ou seja, o tratamento diferenciado sem qualquer justificativa razoável.

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Qual é o prazo prescricional para a propositura de ação objetivando a restituição de prêmios em virtude de conduta supostamente abusiva da seguradora?

A

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO. SEGURO DE VIDA. ALEGAÇÃO DE NULIDADE DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. PRETENSÃO INDENIZATÓRIA DECORRENTE DA EXTINÇÃO DO CONTRATO.
IMPRESCRITIBILIDADE AFASTADA. INCIDÊNCIA DO PRAZO PRESCRICIONAL ÂNUO.
1. Ação ajuizada em 02/12/2010. Recurso especial atribuído ao gabinete em 26/08/2016. Julgamento: CPC/73 2. O propósito recursal é definir o prazo prescricional aplicável às pretensões deduzidas pelo segurado.
3. O recorrido, em sua petição inicial, deduz as seguintes pretensões: i) a de manutenção das condições contratuais previstas na “Apólice 40” (apólice já extinta); ii) a declaração de nulidade da cláusula que prevê o reajuste por mudança de faixa etária prevista na “Apólice Ouro Vida Grupo Especial” (apólice ainda vigente); e iii) também, a repetição de indébito relativa aos valores pagos a maior a este título.
4. Quanto à pretensão de manutenção das condições gerais contidas na “Apólice 40” (contrato já extinto), mostra-se imperiosa a aplicação do prazo prescricional anual previsto no art. 206, § 1º, II, “b”, do CC/02, que versa sobre a pretensão do segurado contra o segurador.
5. Quanto às pretensões relativas ao contrato ainda vigente, constata-se que as mesmas não se restringem à declaração de nulidade das cláusulas contratuais, mas, justamente, à obtenção dos efeitos patrimoniais dela decorrentes, ou seja, a indenização pelos prejuízos advindos do pagamento a maior do prêmio, em virtude da previsão de atualização segundo a mudança de faixa etária.
6. O prazo prescricional para a propositura de ação objetivando a restituição de prêmios em virtude de conduta supostamente abusiva da seguradora, amparada em cláusula contratual considerada abusiva, é de 1 (um) ano, por aplicação do art. 206, § 1º, II, “b”, do Código Civil.
7. A relação jurídica estabelecida entre as partes é de trato sucessivo, com renovação periódica da avença, devendo ser aplicada, por analogia, a Súmula 85/STJ. Logo, não há que se falar em prescrição do fundo de direito e, como consequência, serão passíveis de cobrança apenas as quantias indevidamente desembolsadas nos 12 (doze) meses que precederam o ajuizamento da ação.
6. Recurso especial conhecido e parcialmente provido.
(REsp 1637474/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/05/2018, DJe 18/05/2018)

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Qual é o termo inicial do prazo prescricional para a seguradora buscar o ressarcimento, regressivamente, ao autor do dano: a data em que efetuado o pagamento da indenização securitária à segurada, ou a data em que quantificado o dano, isto é, a data em que se promoveu a venda do salvado (sucata)?

A

DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REGRESSIVA DE RESSARCIMENTO DE DANOS. REPARAÇÃO CIVIL. ACIDENTE DE TRÂNSITO. PRESCRIÇÃO TRIENAL.
TERMO INICIAL. DATA EM QUE EFETUADO O PAGAMENTO DA INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA.
1. Ação regressiva, por meio da qual a seguradora objetiva o ressarcimento das despesas suportadas em razão de acidente de trânsito que envolveu sua segurada e que ocasionou a perda total de seu veículo.
2. Ação ajuizada em 04/03/2013. Recurso especial concluso ao gabinete em 01/02/2017. Julgamento: CPC/2015.
3. O propósito recursal é definir o termo inicial do prazo prescricional para a seguradora buscar ressarcimento, regressivamente, ao autor do dano - se a data em que efetuado o pagamento da indenização securitária à segurada ou se a data em que quantificado o dano, isto é, data em que se promoveu a venda do salvado (sucata).
4. O termo inicial do prazo prescricional do direito de a seguradora pleitear a indenização do dano causado por terceiro ao segurado é a data em que foi efetuado o pagamento da indenização securitária, sendo indiferente, para fins de contagem do início de fluência do prazo prescricional, a data de venda do salvado (sucata).
5. Recurso especial conhecido e não provido, com majoração de honorários.
(REsp 1705957/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 17/09/2019, DJe 20/09/2019)

“[…] a jurisprudência desta Corte perfilha o entendimento de que, ao efetuar o pagamento da indenização ao segurado em decorrência de danos causados por terceiro, a seguradora sub-roga-se nos direitos daquele, nos limites desses direitos. Assim, não se transfere à seguradora mais direitos do que o segurado detinha no momento do pagamento da indenização. Via de consequência, dentro do prazo prescricional aplicável à relação originária, a seguradora pode buscar o ressarcimento do que despendeu com a indenização securitária […]”.

Na hipótese dos autos, por se tratar de reparação civil decorrente de acidente de trânsito, o prazo prescricional aplicável é o de 3 (três) anos, previsto no art. 206, § 3º, V, do CC/02, prazo este que, como anteriormente delineado, será aplicável à pretensão regressiva da seguradora.

A controvérsia posta a deslinde nos presentes autos, contudo, cinge-se em perscrutar qual seria o termo inicial para a aplicação do referido prazo prescricional.

Com efeito, é certo que, em observância ao princípio da actio nata, o marco inicial para a contagem do prazo prescricional para a ação de regresso é o momento em que o sub-rogado detiver condições processuais para demandar em juízo, na busca de satisfação do crédito.

Destarte, tem-se que o termo inicial do prazo prescricional do direito de a seguradora pleitear a indenização do dano causado por terceiro ao segurado é a data em que foi efetuado o pagamento da indenização securitária (AgInt no REsp 1.714.969/PA, 4ª Turma, DJe 09/08/2018; AgInt no AREsp 1.013.889/RJ, 4ª Turma, DJe 22/03/2017).

Assim, diferentemente do que quer fazer crer a recorrente, a data em que realizada a venda do salvado (sucata) é indiferente para fins de contagem do início de fluência do prazo prescricional.

É que a ação regressiva pode ser ajuizada antes mesmo salvado, isto é, antes mesmo da quantificação do prejuízo da venda do salvado, isto é, antes mesmo da quantificação do prejuízo.

Como mesmo destacado em sentença:

Com a devida vênia, a mim não parece que a venda do salvado interfira em tal mecânica, na medida em que o que se deve levar em consideração pelo hermeneuta é o surgimento da pretensão, não a quantificação do dano, de resto permitindo o artigo 286, do Código de Processo Civil, por seu inciso II, que a seguradora ajuizasse a ação antes mesmo da liquidação do prejuízo, ao estabelecer a norma processual que o pedido deve ser sempre certo e determinado, sendo lícito não sê-lo “quando não for possível determinar, de modo definitivo, as consequência do ato do fato ilícito”.

Logo, como se vê, a falta de venda do salvado em nada impedia o ajuizamento a fim de impedir o transcurso do fato impeditivo do direito alegado, o que não foi visualizado pela credora, arcando ela, pois, com o ônus de sua incúria, pelo que a improcedência do pedido é medida de rigor.

De mais a mais, permitir que se condicione o surgimento da pretensão à venda do salvado seria concluir com a existência de fato impeditivo do transcurso da prescrição não previsto em lei, com o que não se coaduna (e-STJ fl. 219).

Assim, deve-se ter por prescrita a prescrição da recorrente na espécie, uma vez que o pagamento da indenização securitária deu-se em 08/02/2010 e o ajuizamento da presente ação regressiva somente ocorreu em 04/03/2013.

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Q

É válida a fiança concedida por fiador convivente em união estável sem a outorga uxória do outro companheiro?

A

SÚMULA N. 332. A fiança prestada sem autorização de um dos cônjuges implica a ineficácia total da garantia.

Ainda que a união estável esteja formalizada por meio de escritura pública, é válida a fiança prestada por um dos conviventes sem a autorização do outro.
STJ. 2a Turma. REsp 1.299.866-DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 25/2/2014.

Outorga uxória
Se a pessoa for casada, em regra, ela somente poderá ser fiadora se o cônjuge concordar.
Essa concordância, que é chamada de “outorga uxória/marital”, não é necessária se a pessoa for casada sob o regime da separação absoluta.
Tal regra encontra-se prevista no art. 1.647, III, do CC:
Art. 1.647. Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta:
(…)
III - prestar fiança ou aval;

Se o cônjuge negar essa autorização sem motivo justo, a pessoa poderá pedir ao juiz que supra a outorga, ou seja, o magistrado poderá autorizar que a fiança seja prestada mesmo sem o consentimento.

Na união estável não se exige o consentimento do companheiro para a prática dos atos previstos no art.
1.647 do CC.

Qual é o fundamento para essa conclusão?

O STJ considerou que a fiança prestada sem a autorização do companheiro é válida porque é impossível ao credor saber se o fiador vive ou não em união estável com alguém.
Como para a caracterização da união estável não se exige um ato formal, solene e público, como no casamento, fica difícil ao credor se proteger de eventuais prejuízos porque ele nunca terá plena certeza se o fiador possui ou não um companheiro.
Segundo o Min. Luis Felipe Salomão, é certo que não existe superioridade do casamento sobre a união
estável, sendo ambas equiparadas constitucionalmente. Isso não significa, contudo, que os dois institutos sejam inexoravelmente coincidentes, ou seja, eles não são idênticos.
Vale ressaltar que o fato de o fiador ter celebrado uma escritura pública com sua companheira, disciplinando essa união estável, não faz com que isso altere a conclusão do julgado. Isso porque para tomar conhecimento da existência dessa escritura, o credor teria que percorrer todos os cartórios de notas do Brasil, o que se mostra inviável e inexigível.
Dessa forma, o STJ considerou que não é nula nem anulável a fiança prestada por fiador convivente em união estável, sem a outorga uxória, mesmo que tenha havido a celebração de escritura pública entre os consortes.

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75
Q

O fiador tem legitimidade ativa para propor ação de rescisão contratual, a fim de postular, por exemplo, o afastamento da cobrança de juros abusivos?

A

O fiador de mútuo bancário NÃO tem legitimidade para, exclusivamente e em nome próprio, pleitear em juízo a revisão e o afastamento de cláusulas e encargos abusivos constantes do contrato principal.

O fiador até possui interesse de agir, mas falta-lhe LEGITIMAÇÃO , já que ele não é titular do direito material que se pretende tutelar em juízo (não foi ele quem assinou o contrato de mútuo). STJ. 3ª Turma. REsp 1.178.616-PR, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 14/4/2015 (Info 560).

João tem legitimidade para propor essa demanda? O indivíduo tem legitimidade para ajuizar ação de revisão de contrato bancário no qual figurou como fiador pedindo que os encargos cobrados sejam declarados abusivos?

NÃO. O fiador de mútuo bancário NÃO tem legitimidade para, exclusivamente e em nome próprio, pleitear em juízo a revisão e o afastamento de cláusulas e encargos abusivos constantes do contrato principal. A fiança é obrigação acessória, assumida por terceiro, que garante ao credor o cumprimento total ou parcial da obrigação principal de outrem (o devedor) caso este não a cumpra ou não possa cumpri-la conforme o avençado (art. 818 do CC).

A relação jurídica que se estabelece entre o credor e o devedor do negócio jurídico principal não se confunde com a relação construída no contrato secundário (de fiança), firmado entre o credor e o fiador, que se apresenta como mero garantidor do adimplemento da obrigação principal. Em outras palavras, uma coisa é o contrato principal (no caso, um contrato de mútuo), outra é o contrato de fiança (que é só um acessório do principal). Desse modo, tais contratos, apesar de vinculados pela acessoriedade, dizem respeito a relações jurídicas diferentes.

O fiador não tem relação direta com o contrato de mútuo. Logo, ele é parte ilegítima para, exclusivamente e em nome próprio, postular em juízo a revisão e o afastamento de cláusulas e encargos abusivos constantes deste contrato. O mútuo bancário é fruto da comunhão de vontades entre o mutuante (credor) e o mutuário (devedor), sendo o fiador parte estranha nesta relação jurídica.

Mas neste caso, o fiador não teria interesse de agir já que, se a dívida não for paga, ele é quem irá responder?

SIM. O fiador tem interesse de agir. O que lhe falta, no entanto, é legitimidade para agir.

Não se pode confundir legitimidade para agir com interesse de agir.

 Quem possui interesse de agir: a pessoa que necessita da tutela requerida em juízo.

 Quem possui legitimidade para agir: a pessoa que seja titular do direito material discutido em juízo.

A legitimidade está prevista no art. 18 do CPC 2015 (art. 6º do CPC 1973):

Art. 18. Ninguém poderá pleitear direito alheio em nome próprio, salvo quando autorizado pelo ordenamento jurídico.

Para postular em juízo, é necessário ter interesse E legitimidade (art. 17 do CPC 2015) (art. 3º do CPC 1973). Não basta um ou outro. É indispensável que estejam presentes os dois.

Desse modo, apesar de o fiador possuir interesse na diminuição da dívida que se comprometeu garantir perante o credor, ele não tem legitimidade para demandar a revisão das cláusulas apostas no contrato principal, já que não foi ele quem assinou o contrato de mútuo (ele só assinou o contrato de fiança) (obs: o instrumento, ou seja, o “papel” que o fiador assinou pode ser até o mesmo onde está previsto o contrato de mútuo, mas o fiador, ao assiná-lo, está firmando apenas o contrato de fiança).

O legitimado para pedir a revisão do contrato é o titular do direito material discutido em juízo, isto é, o devedor principal (em nosso exemplo, Pedro).

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76
Q

A interrupção do prazo prescricional operada contra o fiador prejudica o devedor afiançado?

A

Em regra, o ato interruptivo da prescrição apresenta caráter pessoal e somente aproveitará a quem o promover ou prejudicará aquele contra quem for dirigido (persona ad personam non fit interruptio). Isso está previsto no art. 204 do CC (“A interrupção da prescrição por um credor não aproveita aos outros; semelhantemente, a interrupção operada contra o co-devedor, ou seu herdeiro, não prejudicado aos demais coobrigados”).

Exceção a esta regra: interrompida a prescrição contra o devedor afiançado, por via de consequência, estará interrompida a prescrição contra o fiador em razão do princípio da gravitação jurídica (o acessório segue o principal), nos termos do art. 204, § 3º, do CC:

§ 3º A interrupção produzida contra o principal devedor prejudica o fiador.

A interrupção do prazo prescricional operada contra o fiador não prejudica o devedor afiançado, salvo nas hipóteses em que os devedores sejam solidários

Como regra, a interrupção operada contra o fiador não prejudica o devedor afiançado. Isso porque o principal não segue a sorte do acessório.

Existe, no entanto, uma exceção: a interrupção em face do fiador poderá, sim, excepcionalmente, acabar prejudicando o devedor principal nas hipóteses em que a referida relação for reconhecida como de devedores solidários, ou seja, caso o fiador tenha renunciado ao benefício ou se obrigue como principal pagador ou devedor solidário. STJ. 4ª Turma. STJ. 4ª Turma. REsp 1.276.778-MS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 28/3/2017 (Info 602).

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77
Q

A partir de que momento conta-se o prazo para a purgação da mora nos contrato de locação?

A

Termo inicial do prazo para purgação da mora

Na ação de despejo por falta de pagamento, o locatário ou o fiador poderão evitar a rescisão da locação efetuando, no prazo de 15 dias, contado da citação, o pagamento do débito atualizado mediante depósito judicial (art. 62, II, da Lei nº 8.245/91).

A partir de quando começa a ser contado este prazo que o requerido possui para purgar a mora? O que o art. 62, II, da Lei quer dizer quando fala “contado da citação”?

O prazo de 15 dias para purgação da mora deve ser contado a partir da juntada aos autos do mandado de citação ou aviso de recebimento devidamente cumprido.

Não cabimento de purgação complementar da mora caso os valores tenham sido contestados pelo locatário

A contestação de parte do débito na ação de despejo por falta de pagamento é incompatível com a intimação do locatário para fins de complementação do depósito em relação às parcelas tidas por ele como indevidas.

Não se deve intimar o locatário para efetuar a purgação complementar da mora (art. 62, III, da Lei nº 8.245/91) se houve manifestação contrária de sua parte, em contestação, quanto à intenção de efetuar o pagamento das parcelas não depositadas.

Em outras palavras, se o locatário, regularmente citado, contesta parte da dívida, não cabe a sua intimação para complementar o depósito de emenda da mora e pagar tais parcelas. STJ. 3ª Turma. REsp 1.624.005-DF, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 25/10/2016 (Info 593).

Art. 62. Nas ações de despejo fundadas na falta de pagamento de aluguel e acessórios da locação, de aluguel provisório, de diferenças de aluguéis, ou somente de quaisquer dos acessórios da locação, observar-se-á o seguinte: (…)

II – o locatário e o fiador poderão evitar a rescisão da locação efetuando, no prazo de 15 (quinze) dias, contado da citação, o pagamento do débito atualizado, independentemente de cálculo e mediante depósito judicial, incluídos: a) os aluguéis e acessórios da locação que vencerem até a sua efetivação; b) as multas ou penalidades contratuais, quando exigíveis; c) os juros de mora; d) as custas e os honorários do advogado do locador, fixados em dez por cento sobre o montante devido, se do contrato não constar disposição diversa;

A purgação da mora é feita mediante depósito judicial vinculado à respectiva ação de despejo, ou seja, trata-se de ato intrínseco ao processo (endoprocessual) e nele deve ser comprovada.

Assim, o art. 62, II, da Lei nº 8.245/91, por estabelecer prazo para a prática de ato processual, deve ser interpretado em conjunto com as regras do CPC, em especial o art. 231, I e II.

78
Q

É válida a cláusula, inserida em contrato de locação, que prevÊ a prorrogação da vigência da fiança em caso de prorrogação do contrato final?

A

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO (ART. 544 DO CPC/73) - AÇÃO DE COBRANÇA FUNDADA EM CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO.
IRRESIGNAÇÃO DA PARTE RÉ.
1. Não obstante o contrato acessório de fiança possua natureza benéfica, impondo a interpretação estrita de seus termos (art. 114 do Código Civil), esta Corte entende que é válida a cláusula de prorrogação automática da garantia, quando também estendido o prazo de vigência do ajuste principal, ressalvado, porém, o direito de o fiador pleitear a exoneração da fiança com base no art. 835 do mesmo diploma legal.
2. Agravo interno desprovido.
(AgInt no AREsp 847.970/PR, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 15/05/2018, DJe 25/05/2018)

Art. 835. O fiador poderá exonerar-se da fiança que tiver assinado sem limitação de tempo, sempre que lhe convier, ficando obrigado por todos os efeitos da fiança, durante sessenta dias após a notificação do credor.

79
Q

Qual é o prazo prescricional para o fiador cobrar do locatário inadimplente o valor que pagou ao locador?

A

É trienal o prazo de prescrição para fiador que pagou integralmente dívida objeto de contrato de locação pleitear o ressarcimento dos valores despendidos contra os locatários inadimplentes.

O termo inicial deste prazo é a data em que houve o pagamento do débito pelo fiador, considerando que é a partir daí que ocorre a sub-rogação, e, via de consequência, inaugura-se ao fiador a possibilidade de demandar judicialmente a satisfação de seu direito. STJ. 3ª Turma. REsp 1.432.999-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 16/5/2017 (Info 605).

Mas o art. 206, § 3º, I fala em “pretensão relativa a aluguéis”. Isso se aplica também para o pedido de ressarcimento formulado pelo fiador que pagou?

SIM. O fiador, ao pagar a dívida para o locador, sub-roga-se nos direitos do credor, ou seja, passa a ter os mesmos direitos que o credor (locador) possuía, conforme preconiza o art. 349 do CC:

Art. 349. A sub-rogação transfere ao novo credor todos os direitos, ações, privilégios e garantias do primitivo, em relação à dívida, contra o devedor principal e os fiadores.

Dessa forma, ocorrendo a sub-rogação do fiador nos direitos do credor, em razão do pagamento da dívida objeto de contrato de locação, permanecem todos os elementos da obrigação primitiva, inclusive o prazo prescricional, modificando-se tão somente o sujeito ativo (credor), e, também, por óbvio, o termo inicial do lapso prescricional, que, no caso, será a data do pagamento da dívida pelo fiador, e não de seu vencimento.

Assim, como o art. 206, § 3º, I valia para o locador, agora ele se aplica para o fiador que pagou, em razão de ele ter se sub-rogado nos direitos do credor originário.

80
Q

As Convenções de Varsóvia e de Montreal se aplicam ao transporte aéreo doméstico? Essas convenções preveêm limitação à indenização por danos morais?

A

Em caso de extravio de bagagem ocorrido em transporte internacional envolvendo consumidor, aplica-se o CDC ou a indenização tarifada prevista nas Convenções de Varsóvia e de Montreal?

As Convenções internacionais. Nos termos do art. 178 da Constituição da República, as normas e os tratados internacionais limitadores da responsabilidade das transportadoras aéreas de passageiros, especialmente as Convenções de Varsóvia e Montreal, têm prevalência em relação ao Código de Defesa do Consumidor.

Art. 178. A lei disporá sobre a ordenação dos transportes aéreo, aquático e terrestre, devendo, quanto à ordenação do transporte internacional, observar os acordos firmados pela União, atendido o princípio da reciprocidade. STF. Plenário. RE 636331/RJ, Rel. Min. Gilmar Mendes e ARE 766618/SP, Rel. Min. Roberto Barroso, julgados em 25/05/2017 (repercussão geral) (Info 866).

Conflito entre dois diplomas

No presente caso, temos um conflito entre dois diplomas legais:

 O CDC, que garante ao consumidor o princípio da reparação integral do dano;

 As Convenções de Varsóvia e de Montreal, que determinam a indenização tarifada em caso de transporte internacional.

Assim, a antinomia ocorre entre o art. 14 do CDC, que impõe ao fornecedor do serviço o dever de reparar os danos causados, e o art. 22 da Convenção de Varsóvia, que fixa limite máximo para o valor devido pelo transportador, a título de reparação.

Critérios para resolver esta antinomia

A Convenção de Varsóvia, enquanto tratado internacional comum, possui natureza de lei ordinária e, portanto, está no mesmo nível hierárquico que o CDC. Logo, não há diferença de hierarquia entre os diplomas normativos. Diante disso, a solução do conflito envolve a análise dos critérios cronológico e da especialidade.

Em relação ao critério cronológico, os acordos internacionais referidos são mais recentes que o CDC. Isso porque, apesar de o Decreto 20.704 ter sido publicado em 1931, ele sofreu sucessivas modificações posteriores ao CDC.

Além disso, a Convenção de Varsóvia – e os regramentos internacionais que a modificaram – são normas especiais em relação ao CDC, pois disciplinam modalidade especial de contrato, qual seja, o contrato de transporte aéreo internacional de passageiros.

Três importantes observações:

1) as Convenções de Varsóvia e de Montreal regulam apenas o transporte internacional (art. 178 da CF/88). Em caso de transporte nacional, aplica-se o CDC;
2) a limitação indenizatória prevista nas Convenções de Varsóvia e de Montreal abrange apenas a reparação por danos materiais, não se aplicando para indenizações por danos morais.
3) as Convenções de Varsóvia e de Montreal devem ser aplicadas não apenas na hipótese de extravio de bagagem, mas também em outras questões envolvendo o transporte aéreo internacional.

81
Q

Se um advogado celebra contrato prejudicial aos interesses de seu cliente, poderá este cobrar daquele o ressarcimento dos prejuízos sofridos, ainad que não postule o reconhecimento da nulidade do acordo?

A

Nas ações de indenização do mandante contra o mandatário incide o prazo prescricional de 10 anos, previsto no art. 205 do Código Civil, por se tratar de responsabilidade proveniente de relação contratual.

Neste caso, o prazo prescricional tem início não no momento em que o acordo foi homologado, mas sim a data em que a vítima soube que havia sido prejudicada. Isso com base na chamada teoria da actio nata.

O fato de o advogado-mandatário ostentar procuração com poderes para transigir não afasta a responsabilidade pelos prejuízos causados por culpa sua ou de pessoa para quem substabeleceu, nos termos dos arts. 667 do Código Civil e 32, caput, do Estatuto da Advocacia.

A responsabilidade pelos danos decorrentes do abuso de poder pelo mandatário independe da prévia anulação judicial do ato praticado, pois o prejuízo não decorre de eventual nulidade, mas sim da violação dos deveres subjacentes à relação jurídica entre o advogado e o assistido.

Caso concreto: advogado celebrou acordo prejudicial ao cliente, por meio do qual renunciou a crédito consolidado em sentença com remota possibilidade de reversão, em virtude de ajuste espúrio realizado com a parte contrária. STJ. 3ª Turma. REsp 1.750.570-RS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 11/09/2018 (Info 633).

A procuração outorgada ao advogado autorizava que ele fizesse transação em nome do autor. Logo, ele não ultrapassou os limites formais da procuração. Mesmo assim terá que indenizar?

SIM. O fato de o advogado dispor de procuração que lhe permitia a realização de transação não lhe autorizava a agir de forma temerária e a seu livre arbítrio, nem lhe autorizava a celebrar acordos manifestamente contrários aos interesses de seu cliente com o objetivo de se locupletar indiretamente às custas do mandante. Isso porque, conforme prevê o art. 667 do Código Civil:

Art. 667. O mandatário é obrigado a aplicar toda sua diligência habitual na execução do mandato, e a indenizar qualquer prejuízo causado por culpa sua ou daquele a quem substabelecer, sem autorização, poderes que devia exercer pessoalmente.

O mandatário não apenas faltou com a necessária diligência em favor de seu cliente, como atuou de modo a lhe causar prejuízos, renunciando a crédito já reconhecido judicialmente em sentença com remota possibilidade de reversão, em virtude de ajuste espúrio realizado com a parte contrária.

Tese 3. Para que haja o dever de indenizar, é necessário que seja previamente anulado o acordo conduzido pelo advogado e que foi homologado judicialmente?

NÃO.

O mau cumprimento do mandato advocatício não implica, necessária e automaticamente, a invalidade dos atos praticados pelo mandatário.

Houve, no caso, abuso de poder por parte do mandatário, que se configura quando este, no desempenho de suas atividades, atua de modo contrário ao que lhe foi solicitado, implícita ou explicitamente, pelo outorgante, mas sem exceder os limites expressamente estabelecidos no mandato. Diferencia-se,portanto, do excesso de poder, que ocorreria caso o mandatário extrapolasse a limitação de poderes outorgados pelo mandante, por exemplo, transigindo sem ostentar procuração para tanto.

Na hipótese de abuso de poder, caso dos presentes autos, o mandante permanece, em tese, responsável pelas obrigações assumidas pelo mandatário em seu nome, sobretudo em se tratando de avença que restou homologada judicialmente. Nada impede, contudo, que busque a anulação do acordo por meio da via adequada.

Assim sendo, a ausência de invalidação do acordo judicial não constitui óbice para a responsabilização do recorrente, pois a conduta lesiva imputada ao réu não é a celebração de um acordo nulo, mas sim, a quebra das obrigações ínsitas ao mandato outorgado

82
Q

É lícito o estabelecimento de cláusula penal em contrato de prestação de serviços advocatícios?

A

Não é possível a estipulação de multa no contrato de honorários para as hipóteses de renúncia ou revogação unilateral do mandato do advogado, independentemente de motivação, respeitado o direito de recebimento dos honorários proporcionais ao serviço prestado.

É direito do advogado renunciar ou da parte revogar o mandato a qualquer momento e sem necessidade de declinar as razões. Isso porque a relação entre advogado e cliente é pautada pela confiança, fidúcia, sendo um contrato personalíssimo (intuitu personae).

Apesar de o advogado não poder exigir multa pelo fato de o contratante ter revogado o mandato, ele poderá cobrar o valor dos honorários advocatícios na proporção dos serviços que já foram prestados. Cláusula penal em contratos advocatícios:

 é lícita para situações de mora e/ou inadimplemento (ex: multa pelo atraso no pagamento dos honorários).

 não é permitida para as hipóteses de renúncia ou revogação do mandato (ex: multa pelo fato de o cliente ter decidido revogar o mandato e constituir outro advogado). STJ. 4ª Turma. REsp 1.346.171-PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 11/10/2016 (Info 593).

83
Q

O advogado substabelecente responde pelos atos ilícito praticados pelo advogado substabelecido?

A

O advogado substabelecente somente irá responder por ato ilícito cometido pelo advogado substabelecido se ficar evidenciado que, no momento da escolha, a despeito de possuir inequívoca ciência acerca da inidoneidade do aludido causídico, ainda assim o elegeu para o desempenho do mandato. STJ. 3ª Turma. REsp 1.742.246-ES, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 19/03/2019 (Info 644).

O advogado substabelecente, por expressa disposição legal, somente se responsabiliza pelos atos praticados pelo causídico substabelecido se tiver agido com culpa na escolha deste ou nas instruções dadas a ele, em havendo, naturalmente, autorização para substabelecer. Essa é a redação do § 2º do art. 667 do Código Civil:

Art. 667 (…) § 2º Havendo poderes de substabelecer, só serão imputáveis ao mandatário os danos causados pelo substabelecido, se tiver agido com culpa na escolha deste ou nas instruções dadas a ele.

Se na procuração havia autorização para substabelecer, o mandatário (substabelecente) não responde pelos atos praticados pelo substabelecido que venham causar danos ao mandante, salvo se for comprovada a sua culpa in eligendo, que se dá no caso de o mandatário proceder a uma má escolha do substabelecido, recaindo sobre pessoa que não possui capacidade legal (geral ou específica), condição técnica ou idoneidade para desempenhar os poderes a ela transferidos.

A culpa in eligendo resta configurada, ainda, se o substabelecente negligenciar orientações ou conferir instruções deficientes ao substabelecido, subtraindo-lhe as condições necessárias para o bom desempenho do mandato.

Para o reconhecimento da culpa in elegendo do substabelecente, é indispensável que este, no momento da escolha, tenha inequívoca ciência a respeito da ausência de capacidade legal, de condição técnica ou de idoneidade do substabelecido para o exercício do mandato.

[…]

É certo que o substabelecimento, em especial o com reserva de poderes, demonstra que o substabelecente possui o mínimo de confiança no substabelecido. Todavia, essa relação prévia de confiança, por si, não é suficiente para vincular o substabelecente, a ponto de responsabilizá-lo por atos praticados pelo substabelecido que venham a desbordar dos poderes transferidos, a revelar sua inaptidão para o exercício do mandato. Entendimento contrário redundaria na responsabilidade sempre solidária entre mandatário e substabelecido pelos atos praticados por esse último. Isso seria uma espécie de imputação objetiva que não encontra nenhum amparo legal.

84
Q

É devida a comissão de corretagem ainda que o resultado útil da intermediação imobiliária seja negócio de natureza diversa da inicialmente contratada?

A

É devida a comissão de corretagem ainda que o resultado útil da intermediação imobiliária seja negócio de natureza diversa da inicialmente contratada.

Ex: corretor foi contratado para procurar um interessado em comprar o terreno; encontrou um interessado em fazer um contrato de parceria para loteamento urbano; o contrato de parceria foi celebrado; mesmo o terreno não tendo sido vendido, o corretor deverá receber a comissão por ter aproximado as partes, gerando um ganho para o seu contratante. STJ. 3ª Turma. REsp 1.765.004-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Rel. Acd. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 27/11/2018 (Info 640).

O que é um contrato de corretagem?

Pelo contrato de corretagem, o corretor obriga-se a obter para uma pessoa que o contrata (denominada “cliente” ou “comitente”) um ou mais negócios, conforme as instruções recebidas.

O contrato de corretagem está previsto, de forma genérica, nos arts. 722 a 729 do CC.

Para Araken de Assis, a corretagem “é um contrato de colaboração por aproximação, talvez o mais expressivo, pois a atividade de corretor aproxima, por definição, os futuros contratantes, prestando inestimável incremento ao comércio jurídico” (Contratos nominados. Vol. 2, 2ª ed, São Paulo: Saraiva, 2009, p. 265)

Quando se fala neste contrato, normalmente as pessoas só se lembram da corretagem de imóveis. No entanto, existem outras espécies de corretagem, como é o caso do corretor de ações na Bolsa de Valores ou o corretor de mercadorias (bens móveis).

Qual é o valor da comissão de corretagem?

O valor da comissão de corretagem deverá estar previsto na lei ou no contrato firmado entre as partes.

E se não estiver previsto na lei nem no contrato?

Neste caso, este valor será arbitrado segundo a natureza do negócio e os usos locais (art. 724 do CC). Não há lei estipulando o valor da comissão de corretagem na venda de imóveis. Aplica-se, portanto, os usos e costumes. No dia-a-dia imobiliário, quando não há previsão contratual, deverá ser pago ao corretor 6% sobre o valor do imóvel urbano vendido, conforme prevê a tabela do CRECI.

De quem é a responsabilidade pelo pagamento da comissão de corretagem: do vendedor ou do comprador?

  • Regra: a obrigação de pagar a comissão de corretagem é daquele que efetivamente contrata o corretor (não importa se é o comprador ou o vendedor).
  • Exceção: o contrato firmado entre as partes e o corretor poderá dispor em sentido contrário, ou seja, poderá prever que comprador e vendedor irão dividir o pagamento, que só o vendedor irá pagar etc. STJ. 3ª Turma. REsp 1288450-AM, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 24/2/2015 (Info 556).

O corretor terá direito à comissão? É devida a comissão de corretagem mesmo quando o resultado obtido com a intermediação é diverso daquele inicialmente contratado?

SIM. É devida a comissão de corretagem ainda que o resultado útil da intermediação imobiliária seja negócio de natureza diversa da inicialmente contratada. STJ. 3ª Turma. REsp 1.765.004-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Rel. Acd. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 27/11/2018 (Info 640).

Ficou demonstrado que o corretor efetivamente promoveu a aproximação entre João e a imobiliária. Esse trabalho não pode ser ignorado.

Por outro lado, deve-se reconhecer um inegável benefício patrimonial obtido por João com a parceria realizada com a imobiliária. Com efeito, o que antes era uma gleba de terra rural, sem uso e benfeitorias, acabou se transformando em um empreendimento imobiliário de grande porte, um verdadeiro bairro planejado, dividido em diversos lotes destinados à construção civil de uso residencial, cujos valores das vendas alcançarão montante muito superior ao inicialmente pretendido. Em razão desse resultado útil, o STJ entendeu que a atuação do corretor, que promoveu a aproximação do contratante com a imobiliária deve sim ser remunerada.

Mutatis mutandis, pode-se citar julgado antigo do STJ no mesmo caminho:

(…) Aperfeiçoa-se o contrato de corretagem se a aquisição imobiliária resultante da seleção de lotes se concretiza em face da aproximação realizada pela empresa intermediária, ainda que a forma de pagamento tenha sido diversa daquela originariamente prevista. (…) STJ. 4ª Turma. REsp 476.472/SC, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, julgado em 11/11/2003.

Qual será a base de cálculo da comissão de corretagem? Em outras palavras, os 6% da comissão de corretagem serão calculados sobre o valor inicial do terreno ou sobre o terreno após o loteamento?

Sobre o valor inicial do terreno. Seria desarrazoado admitir que a base de cálculo do percentual da comissão de corretagem fosse o valor de mercado do imóvel já loteado, com toda a infraestrutura posteriormente implementada pela empresa loteadora

85
Q

De quem é a responsabilidade pelo pagamento da comissão de corretagem: do vendedor ou do comprador?

A

Contrato de corretagem é o ajuste por meio do qual o corretor obriga-se a obter para uma pessoa que o contrata ( “cliente” ou “comitente”) um ou mais negócios, conforme as instruções recebidas (art. 722 do CC).

O contrato de corretagem é informal, não precisando ser escrito (pode ser verbal).

De quem é a responsabilidade pelo pagamento da comissão de corretagem: do vendedor ou do comprador?

  • Regra: a obrigação de pagar a comissão de corretagem é daquele que efetivamente contrata o corretor (não importa se é o comprador ou o vendedor).
  • Exceção: o contrato firmado entre as partes e o corretor poderá dispor em sentido contrário, ou seja, poderá prever que comprador e vendedor irão dividir o pagamento, que só o vendedor irá pagar etc.

A remuneração do corretor, se não foi fixada no contrato nem na lei, será arbitrada segundo a natureza do negócio e os usos locais. No dia-a-dia imobiliário, não havendo previsão contratual, deverá ser pago ao corretor 6% sobre o valor do imóvel urbano vendido. STJ. 3ª Turma. REsp 1.288.450-AM, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 24/2/2015 (Info 556).

Importante! Não confundir com o encargo relacionado com outras despesas (art. 490 do CC).

 Despesas feitas com a escritura e registro do bem imóvel vendido: são de responsabilidade do COMPRADOR, salvo estipulação contratual em contrário.

 Despesas para a tradição (entrega) do bem móvel: são de responsabilidade do VENDEDOR, salvo estipulação contratual em contrário

86
Q

Compete à Justiça Comum ou à Trabalhista julgar ação de obrigação de fazer cumulada com reparação de danos materiais e morais, na qual se postula a reativação da conta do UBER por ex-operador do aplicativo?

A

Compete à justiça comum estadual julgar ação de obrigação de fazer cumulada com reparação de danos materiais e morais ajuizada por motorista de aplicativo pretendendo a reativação de sua conta Uber para que possa voltar a usar o aplicativo e realizar seus serviços.

As ferramentas tecnológicas disponíveis atualmente permitiram criar uma nova modalidade de interação econômica, fazendo surgir a economia compartilhada (sharing economy), em que a prestação de serviços por detentores de veículos particulares é intermediada por aplicativos geridos por empresas de tecnologia. Nesse processo, os motoristas, executores da atividade, atuam como empreendedores individuais, sem vínculo de emprego com a empresa proprietária da plataforma. STJ. 2ª Seção. CC 164.544-MG, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 28/08/2019 (Info 655).

Não há relação de emprego entre o motorista e a Uber

A relação de emprego exige os pressupostos da pessoalidade, habitualidade, subordinação e onerosidade. Ausente algum desses pressupostos, o trabalho caracteriza-se como autônomo ou eventual.

A empresa Uber atua no mercado através de um aplicativo de celular responsável por fazer a aproximação entre os motoristas parceiros e seus clientes, os passageiros.

Os motoristas de aplicativo não mantém relação hierárquica com a empresa Uber porque seus serviços são prestados de forma eventual, sem horários pré-estabelecidos e não recebem salário fixo, o que descaracteriza o vínculo empregatício entre as partes.

Relação de cunho civil

Afastada a relação de emprego, tem-se que o sistema de transporte privado individual, a partir de provedores de rede de compartilhamento, detém natureza de cunho civil.

A atividade desenvolvida pelos motoristas de aplicativos foi reconhecida com a edição da Lei nº 13.640/2018, que alterou a Lei nº 12.587/2012 (Lei da Política Nacional de Mobilidade Urbana), para incluir o inciso X em seu art. 4º, com a seguinte redação:

Art. 4º Para os fins desta Lei, considera-se: (…) X – transporte remunerado privado individual de passageiros: serviço remunerado de transporte de passageiros, não aberto ao público, para a realização de viagens individualizadas ou compartilhadas solicitadas exclusivamente por usuários previamente cadastrados em aplicativos ou outras plataformas de comunicação em rede.

A lei atribuiu à atividade caráter privado, em consonância com o conceito adotado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) para o compartilhamento de bens entre pessoas, por meio de sistema informatizado, chamado de “peer-to-peer platforms” ou “peer platform markets”, ou seja, um mercado entre pares – P2P, conforme nos esclarece a doutrina sobre o tema:

“Essa nova modalidade de interação econômica não se confunde com os clássicos modelos que envolvem uma empresa e um consumidor (B2C – business to consumer), duas empresas (B2B – business to business) ou consumidores (C2C – consumer to consumer). Há, na realidade, um “mercado de duas pontas” (two-sided markets), visto que existem dois sujeitos interessados, sendo que um deles se predispõe a permitir que o outro se utilize de um bem, que se encontra em seu domínio, e o outro concorda em usufruí-lo mediante remuneração. No entanto, toda a transação é intermediada por um agente econômico que controla a plataforma digital.” (SILVA, Joseane Suzart Lopes da. O transporte remunerado individual de passageiros no Brasil por meio de aplicativo: a Lei 13.640/2018 e a proteção dos consumidores diante da economia do compartilhamento. Revista de Direito do Consumidor, vol. 118, ano 27, pp. 157/158)

A OCDE utiliza a designação desse mercado de peer platform markets (mercado de plataformas de parceria), analisando apenas o segmento que envolve intercâmbios econômicos entre particulares, peer to peer (P2P), “esses modelos de negócios tornam acessíveis oportunidades econômicas para indivíduos que fornecem os bens ou serviços (‘peer providers’) e para as plataformas que fazem a conexão (‘peer platform’)”. Para os consumidores (peer consumers), esse mercado oferece vantagens, como menores custos, maior seletividade, conveniência, experiências sociais, ou mesmo uma proposta de consumo mais sustentável.” (PAIXÃO, Marcelo Barros Falcão da. Os desafios do direito do consumidor e da regulação na sharing economy. Revista dos Tribunais. vol. 994. ano 107. São Paulo: Ed. RT, agosto 2018, pp. 227/228).

As ferramentas tecnológicas disponíveis atualmente permitiram criar uma nova modalidade de interação econômica, fazendo surgir a economia compartilhada (sharing economy), em que a prestação de serviços por detentores de veículos particulares é intermediada por aplicativos geridos por empresas de tecnologia. Nesse processo, os motoristas, executores da atividade, atuam como empreendedores individuais, sem vínculo de emprego com a empresa proprietária da plataforma.

Em suma, tratando-se de demanda em que a causa de pedir e o pedido deduzidos na inicial não se referem à existência de relação de trabalho entre as partes, configurando-se em litígio que deriva de relação jurídica de cunho eminentemente civil, é o caso de se declarar a competência da Justiça Estadual

87
Q

É válida a previsão de utilização obrigatória de arbitragem em relação de consumo?

A

DIREITO PROCESSUAL CIVIL E CONSUMIDOR. CONTRATO DE ADESÃO. CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM. LIMITES E EXCEÇÕES. ARBITRAGEM EM CONTRATOS DE FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO. CABIMENTO. LIMITES.
1. Com a promulgação da Lei de Arbitragem, passaram a conviver, em harmonia, três regramentos de diferentes graus de especificidade: (i) a regra geral, que obriga a observância da arbitragem quando pactuada pelas partes, com derrogação da jurisdição estatal; (ii) a regra específica, contida no art. 4º, § 2º, da Lei nº 9.307/96 e aplicável a contratos de adesão genéricos, que restringe a eficácia da cláusula compromissória; e (iii) a regra ainda mais específica, contida no art. 51, VII, do CDC, incidente sobre contratos derivados de relação de consumo, sejam eles de adesão ou não, impondo a nulidade de cláusula que determine a utilização compulsória da arbitragem, ainda que satisfeitos os requisitos do art. 4º, § 2º, da Lei nº 9.307/96.
2. O art. 51, VII, do CDC se limita a vedar a adoção prévia e compulsória da arbitragem, no momento da celebração do contrato, mas não impede que, posteriormente, diante de eventual litígio, havendo consenso entre as partes (em especial a aquiescência do consumidor), seja instaurado o procedimento arbitral.
3. As regras dos arts. 51, VIII, do CDC e 34 da Lei nº 9.514/97 não são incompatíveis. Primeiro porque o art. 34 não se refere exclusivamente a financiamentos imobiliários sujeitos ao CDC e segundo porque, havendo relação de consumo, o dispositivo legal não fixa o momento em que deverá ser definida a efetiva utilização da arbitragem.
4. Recurso especial a que se nega provimento.
(REsp 1169841/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 06/11/2012, DJe 14/11/2012)

88
Q

A parte pode postular a nulidade da cláusula arbitral perante o Judiciário?

A

O Poder Judiciário pode decretar a nulidade de cláusula arbitral (compromissória) sem que essa questão tenha sido apreciada anteriormente pelo próprio árbitro?

Regra: Não. Segundo o art. 8º, parágrafo único da Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307/96), antes de judicializar a questão, a parte que deseja arguir a nulidade da cláusula arbitral deve formular esse pedido ao próprio árbitro.

Exceção: compromissos arbitrais patológicos. O Poder Judiciário pode, nos casos em que prima facie é identificado um compromisso arbitral “patológico”, isto é, claramente ilegal, declarar a nulidade dessa cláusula, independentemente do estado em que se encontre o procedimento arbitral. STJ. 3ª Turma. REsp 1.602.076-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 15/9/2016 (Info 591).

Segundo a Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307/96), antes de judicializar a questão, a parte que deseja arguir a nulidade da cláusula arbitral deve formular esse pedido ao próprio árbitro, nos termos do art. 8º, parágrafo único:

Art. 8º (…) Parágrafo único. Caberá ao árbitro decidir de ofício, ou por provocação das partes, as questões acerca da existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem e do contrato que contenha a cláusula compromissória.

Assim, por expressa previsão legal, não pode a parte ajuizar ação anulatória para desconstituir acordo com base na nulidade da cláusula compromissória ali presente antes de submeter o assunto ao árbitro.

Luiz Antônio Scavone Júnior explica esse art. 8º, parágrafo único:

“O significado do dispositivo, portanto, indica que qualquer alegação de nulidade do contrato ou da cláusula arbitral, diante de sua existência e seguindo o espírito da lei, deve ser dirimida pela arbitragem e não pelo Poder Judiciário. A lei pretendeu, neste sentido, “fechar uma brecha” que permitiria às partes, sempre que alegassem a nulidade da cláusula arbitral ou do contrato, ignorar o pacto de arbitragem e acessar o Poder Judiciário para dirimir o conflito. Em resumo, ainda que o conflito verse sobre a nulidade do próprio contrato ou da cláusula arbitral, a controvérsia deverá ser decidida inicialmente pela arbitragem e não pelo Poder Judiciário, (…)” (Manual de Arbitragem. 4ª ed. São Paulo: RT, 2010, p. 87).

Isso é conhecido como aplicação do princípio da kompetenz-kompetenz (competência-competência) considerando que compete ao próprio árbitro dizer se ele é ou não competente para conhecer aquele conflito. Assim, se a parte está alegando que a cláusula compromissória é nula e que a questão não deve ser submetida à arbitragem, quem primeiro deverá examinar a questão é o próprio árbitro.

Vale ressaltar que não haverá prejuízo à parte porque, mesmo se o árbitro considerar que a cláusula é válida (e julgar a arbitragem), essa questão da nulidade poderá ser apreciada pelo Poder Judiciário em momento posterior. Isso porque, para fazer cumprir a sentença arbitral, o credor terá que ajuizar uma execução judicial. Nesse momento, o devedor poderá se defender por meio de embargos à execução alegando a nulidade da cláusula arbitral e, consequentemente, da sentença arbitral.

Nesse sentido é a jurisprudência do STJ:

Segundo a Lei de Arbitragem (art. 8º, parágrafo único, da Lei nº 9.307/96), se a parte quiser arguir a nulidade da cláusula arbitral, deverá formular esse pedido, em primeiro lugar, ao próprio árbitro, sendo inadmissível que ajuíze diretamente ação anulatória. STJ. 3ª Turma. REsp 1.302.900-MG, Rel. Min. Sidnei Beneti, julgado em 9/10/2012

89
Q

É possível que a cláusula compromissória prevista no contrato principal seja estendida ao contrato acessório?

A

Uma fábrica e um banco celebraram dois contratos:

  • ajuste 1: contrato de abertura de crédito (no qual havia uma cláusula compromissória).
  • ajuste 2: contrato de swap (no qual não havia cláusula compromissória).

Foi reconhecido que havia coligação contratual entre os dois ajustes, sendo o contrato de swap dependente do contrato de abertura de crédito (ajuste principal).

Nos contratos coligados, as partes celebram uma pluralidade de negócios jurídicos tendo por desiderato um conjunto econômico, criando entre eles efetiva dependência.

Tendo sido reconhecida a coligação contratual, é possível que a cláusula compromissória prevista no contrato principal (contrato de abertura de crédito) seja estendida ao contrato de swap (dependente). Isso porque ambos são integrantes de uma operação econômica única. STJ. 3ª Turma. REsp 1.639.035-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 18/09/2018 (Info 635).

90
Q

Sendo uma modelo fotografada para uma revista, o titular dos direito autorais será a modelo ou o fotógrafo?

A

Imagine que determinada modelo é fotografada para uma revista.

O titular dos direitos autorais sobre essas fotos será o fotógrafo (e não a modelo).

Em se tratando de fotografia, para efeitos de proteção do direito autoral, o autor – e, portanto, o titular do direito autoral – é o fotógrafo (e não o fotografado).

O fotógrafo, detentor da técnica e da inspiração, é quem coordena os demais elementos complementares ao retrato do objeto – como iluminação – e capta a oportunidade do momento e o transforma em criação intelectual, digna, portanto, de tutela como manifestação de cunho artístico.

A pessoa fotografada terá proteção jurídica, mas com base no direito de imagem (e não no direito autoral).

Desse modo, a proteção do fotografado é feita com fundamento no art. 20 do Código Civil (e não com base na Lei 9.610/98). STJ. 4ª Turma. REsp 1.322.704-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 23/10/2014 (Info 554).

91
Q

Se um Município contratou, mediante licitação, uma empresa para a realização de evento, será desta ou daquela a responsabilidade pelo pagamento de direitos autorais?

A

Se o Município contratou, mediante licitação, uma empresa para a realização do evento, será dela a responsabilidade pelo pagamento dos direitos autorais.

Exceções: esta responsabilidade poderá ser transferida para o Município em duas hipóteses:

1) se ficar demonstrado que o Poder Público colaborou direta ou indiretamente para a execução do espetáculo; ou
2) se ficar comprovado que o Município teve culpa em seu dever de fiscalizar o cumprimento do contrato público (culpa in eligendo ou in vigilando).

Em síntese: no caso em que sociedade empresária tenha sido contratada mediante licitação para a execução integral de evento festivo promovido pelo Poder Público, a contratada - e não o ente que apenas a contratou, sem colaborar direta ou indiretamente para a execução do espetáculo - será responsável pelo pagamento dos direitos autorais referentes às obras musicais executadas no evento, salvo se comprovada a ação culposa do contratante quanto ao dever de fiscalizar o cumprimento dos contratos públicos (culpa in eligendo ou in vigilando). STJ. 3ª Turma. REsp 1.444.957-MG, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 9/8/2016 (Info 588).

Por que o dever de pagar os direitos autorais é da empresa contratada para realizar o evento?

De acordo com o § 4º do art. 68 da Lei nº 9.610/98, antes da realização do evento em que haverá a execução pública de obras musicais, o “empresário” deve apresentar ao ECAD a comprovação dos recolhimentos relativos aos direitos autorais. Se houver o descumprimento desta obrigação, cabe ao ECAD cobrar a dívida, judicial ou extrajudicialmente.

Desse modo, quando o § 4º do art. 68 fala em “empresário”, entende-se a pessoa responsável pela realização do evento.

E qual é o fundamento para não se cobrar, a princípio, do Município?

O fundamento para esta conclusão encontra-se no art. 71 da Lei nº 8.666/93: Art. 71. O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato.

§ 1º A inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis.

§ 2º A Administração Pública responde solidariamente com o contratado pelos encargos previdenciários resultantes da execução do contrato, nos termos do art. 31 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991.

A doutrina assevera ao comentar o tema: “(…) quando a Administração contrata e paga a empresa ou o profissional para o fornecimento de bens, para a prestação de serviços ou para a execução de obras, ela transfere ao contratado toda e qualquer responsabilidade pelos encargos decorrentes da execução do contrato. Ao ser apresentada a proposta pelo licitante, ele, portanto, irá fazer incluir em seu preço todos os encargos, de toda e qualquer natureza. Desse modo, quando o poder público paga ao contratado o valor da remuneração pela execução de sua parte na avença, todos os encargos assumidos pelo contratado estão sendo remunerados. Não cabe, portanto, querer responsabilizar a Administração, por exemplo, pelos encargos assumidos pelo contratado junto aos seus fornecedores. (…)” (FURTADO, Lucas Rocha. Curso de licitações e contratos. 6ª ed., Belo Horizonte: Fórum, 2015, p. 599).

A única exceção está expressamente prevista no § 2º do art. 71 da Lei nº 8.666/93, segundo o qual a Administração Pública responde solidariamente com o contratado pelos encargos previdenciários resultantes da execução do contrato. Fora dessa específica hipótese, não há que se falar em responsabilidade solidária do ente público.

No julgamento da ADC nº 16/DF, o STF declarou a constitucionalidade do referido art. 71.

Desde então, a jurisprudência entende que o ente público, em regra, não responde pelos débitos da empresa contratada, salvo se provado que contribuiu culposamente para o resultado danoso. Confira: (…) Na ADC 16, este Tribunal afirmou a tese de que a Administração Pública não pode ser responsabilizada automaticamente por débitos trabalhistas de suas contratadas ou conveniadas. Só se admite sua condenação, em caráter subsidiário, quando o juiz ou tribunal conclua que a entidade estatal contribuiu para o resultado danoso ao agir ou omitir-se de forma culposa (in eligendo ou in vigilando). (…) STJ. 1ª Turma. Rcl 16.846 AgR, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 19/5/2015.

Os valores pagos a título de direito autoral estão incluídos nos encargos de que trata o art. 71?

SIM. Os direitos autorais cobrados pelo ECAD possuem natureza jurídica eminentemente privada e, portanto, consideram-se inseridos no conceito de “encargos comerciais”.

92
Q

Se os quartos de um hotel são equipados com TV por assinatura, quem será responsa´vel pelo pagamento dos direito autorais: o hotel ou a empresa prestadora dos serviços de transmissão de sinal de TV por assinatura?

A

Hotéis pagam direitos autorais ao ECAD pelo simples fato de os quartos serem equipados com TV

A simples disponibilização de aparelhos radiofônicos (rádios) e televisores em quartos de hotéis, motéis, clínicas e hospitais autoriza a cobrança de direitos autorais por parte do ECAD.

Se o quarto do hotel for equipado com TV por assinatura, tanto a empresa de TV a cabo como o hotel pagarão direitos autorais

Não há bis in idem nas hipóteses de cobrança de direitos autorais tanto da empresa exploradora do serviço de hotelaria (hotel) como da empresa prestadora dos serviços de transmissão de sinal de TV por assinatura (ex: NET).

Prazo prescricional para o ECAD ajuizar ação cobrando direitos autorais

A cobrança em juízo dos direitos decorrentes da execução de obras musicais sem prévia e expressa autorização do autor envolve pretensão de reparação civil, a atrair a aplicação do prazo de prescrição de 3 anos de que trata o art. 206, § 3º, V, do Código Civil.

ECAD não pode cobrar multa moratória prevista em seu regulamento

Por ausência de previsão legal e ante a inexistência de relação contratual, é descabida a cobrança de multa moratória estabelecida unilateralmente em Regulamento de Arrecadação do ECAD. STJ. 3ª Turma. REsp 1.589.598-MS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 13/6/2017 (Info 606).

Realmente, neste caso, tanto a NET como o hotel irão pagar direitos autorais ao ECAD. Ocorre que isso se deve a “motivos” (fatos geradores) diferentes:

 O fato gerador da obrigação do hotel é a captação de transmissão de radiodifusão em local de frequência coletiva.

 O fato gerador da obrigação da NET é a própria radiodifusão sonora ou televisiva.

Dessa forma, os fatos geradores são autônomos e geram obrigações que são exigíveis de modo independente.

O art. 29 da Lei nº 9.610/98 deixa claro que existe distinção entre “radiodifusão sonora ou televisa” e “captação de transmissão de radiodifusão” e que para cada uma das situações exige-se autorização específica:

Art. 29. Depende de autorização prévia e expressa do autor a utilização da obra, por quaisquer modalidades, tais como: (…) VIII - a utilização, direta ou indireta, da obra literária, artística ou científica, mediante: (…) d) radiodifusão sonora ou televisiva; e) captação de transmissão de radiodifusão em locais de frequência coletiva;

93
Q

Exige-se pagamento de direito autorais pela execução de músicas em casamento?

A

Os nubentes são responsáveis pelo pagamento ao ECAD de taxa devida em razão da execução de músicas, sem autorização dos autores, na festa de seu casamento realizada em clube, ainda que o evento não vise à obtenção de lucro direto ou indireto. (Info 526)

epresentações e execuções públicas.

§ 1º Considera-se representação pública a utilização de obras teatrais no gênero drama, tragédia, comédia, ópera, opereta, balé, pantomimas e assemelhadas, musicadas ou não, mediante a participação de artistas, remunerados ou não, em locais de freqüência coletiva ou pela radiodifusão, transmissão e exibição cinematográfica.

§ 2º Considera-se execução pública a utilização de composições musicais ou lítero-musicais, mediante a participação de artistas, remunerados ou não, ou a utilização de fonogramas e obras audiovisuais, em locais de freqüência coletiva, por quaisquer processos, inclusive a radiodifusão ou transmissão por qualquer modalidade, e a exibição cinematográfica.

§ 3º Consideram-se locais de freqüência coletiva os teatros, cinemas, salões de baile ou concertos, boates, bares, clubes ou associações de qualquer natureza, lojas, estabelecimentos comerciais e industriais, estádios, circos, feiras, restaurantes, hotéis, motéis, clínicas, hospitais, órgãos públicos da administração direta ou indireta, fundacionais e estatais, meios de transporte de passageiros terrestre, marítimo, fluvial ou aéreo, ou onde quer que se representem, executem ou transmitam obras literárias, artísticas ou científicas.

Em outras palavras, não importa se o evento tem ou não objetivo de lucro. Se houver execução de músicas (ainda que gravadas), deverá ser paga, previamente, a remuneração relativa aos direitos autorais.

Se Eduardo e Mônica tivessem decidido se casar em casa, teriam que pagar direitos autorais pelas músicas executadas?
NÃO. O art. 46, VI, da Lei n. 9.610/98 afirma que não haverá pagamento de direitos autorais caso a execução das músicas aconteça em casa, sem intuito de lucro:
Art. 46. Não constitui ofensa aos direitos autorais:
VI - a representação teatral e a execução musical, quando realizadas no recesso familiar ou, para fins exclusivamente didáticos, nos estabelecimentos de ensino, não havendo em qualquer caso intuito de lucro;

Não é possível aplicar esse art. 46, VI, para os casos de casamento realizado em salão de festas? Não é possível ampliar a expressão “recesso familiar” para abranger também o casamento comemorado apenas para a família e amigos em uma casa de eventos?
NÃO. As exceções ao pagamento de direitos autorais devem ser interpretadas restritivamente, à luz do art. 4o da Lei n. 9.610/98. Logo, a execução de músicas em festa de casamento realizado em salão de clube, sem autorização dos autores das canções e sem pagamento da taxa devida ao ECAD não se enquadra no art. 46, VI, da Lei.

OBSERVAÇÃO QUANTO À OUTRO INFORMATIVO:

É indevida a cobrança de direitos autorais pela execução, sem autorização prévia dos titulares dos direitos autorais ou de seus substitutos, de músicas folclóricas e culturais em festa junina realizada no interior de estabelecimento de ensino, na hipótese em que o evento tenha sido organizado como parte de projeto pedagógico, reunindo pais, alunos e professores, com vistas à integração escola-família, sem venda de ingressos e sem a utilização econômica das obras. STJ. 2ª Seção. REsp 1.575.225-SP, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 22/6/2016 (Info 587).

Em regra, mesmo que o evento não vise o lucro, deverá haver pagamento de direitos autorais

A Lei nº 9.610/98 (Lei de Direitos Autorais), em regra, não exige que o evento tenha finalidade lucrativa (direta ou indireta) para que seja obrigatório o pagamento dos direitos autorais. Em outras palavras, em regra, mesmo a exibição da obra não tenha objetivo de lucro, ainda assim é dever o pagamento da retribuição autoral.

O fato gerador do pagamento dos direitos autorais é a exibição pública da obra artística, em local de frequência coletiva.

Exceção: execução musical nos estabelecimentos de ensino sem intuito de lucro

A regra acima exposta tem uma exceção prevista no art. 46, VI, da Lei nº 9.610/98. Veja:

Art. 46. Não constitui ofensa aos direitos autorais: (…) VI - a representação teatral e a execução musical, quando realizadas no recesso familiar ou, para fins exclusivamente didáticos, nos estabelecimentos de ensino, não havendo em qualquer caso intuito de lucro;

A regra prevista no art. 46, VI, por ser especial, tem prevalência sobre os arts. 29 e 68, que são consideradas regras gerais.

Assim, o caráter pedagógico da atividade - execução de músicas culturais e folclóricas em festa junina - ocorrida, sem fins lucrativos, no interior de estabelecimento de ensino, justifica o não cabimento da cobrança de direitos autorais.

Fins exclusivamente didáticos (pedagógicos)

O ECAD defendia a tese de que, quando o inciso VI do art. 46 fala em “fins exclusivamente didáticos”, isso significa que só estaria dispensado do pagamento dos direitos autorais escolas de música.

No entanto, a maioria dos Ministros não deu essa interpretação tão restrita e entendeu que essa expressão pode abranger também a realização de uma festa junina pela escola, na qual há execução de músicas culturais e folclóricas. Esse tipo de atividade é considerada como tendo caráter pedagógico.

Tratando-se de festa de confraternização, pedagógica, didática, de fins culturais, que congrega a escola e a família, é fácil constatar que a admissão da cobrança de direitos autorais representa um desestímulo a essa união. Esse desagregamento não deve ser a tônica, levando-se em consideração a sociedade brasileira, tão marcada pela violência e carente de valores sociais e culturais mais sólidos.

Deve ser analisado o evento no caso concreto

O STJ esclareceu que cada solução dependerá do caso concreto, pois as circunstâncias de cada evento é que irão determinar seu devido enquadramento.

Quermesse, casamento, batizado, hotel e hospital: deverá haver pagamento de direitos autorais

Ressalte-se, por fim, que o STJ tem posição consolidada no sentido de que é devido o pagamento de direitos autorais nos casos de reprodução musical realizada no âmbito de quermesses (inclusive de igrejas), casamentos, batizados, hotel e hospital. Esse entendimento continua em vigor. Isso porque tais situações não se enquadram no art. 46, VI, devendo incidir, portanto, a regra geral de proteção ao direito do autor.

94
Q

O ECAD pode cobrar multa moratória prevista exclusivamente em seu regulamento?

A

NÃO. Por ausência legal e ante a inexistência de relação contratual, é descabida a cobrança de multa moratória estabelecida unilateralmente em Regulamento de Arrecadação do ECAD. (INFO 606).

95
Q

É possível a utilização do interdito proibitório para proteção de direito autoral?

A

Súmula 288- STJ: É inadmissível o interdito proibitório para proteção do direito autoral.

A nosso ver, as criações do espírito (que dão origem, inclusive, ao direito autoral) em si mesmas não podem ser objeto de posse. Tem razão Oliveira Ascensão, ao escrever, com referência ao direito brasileiro: “Todavia, hoje como ontem, parece-nos que a posse pressupõe necessariamente uma coisa sobre a qual se exerçam poderes. Mesmo a chamada posse de direitos não deixa de pressupor uma coisa sobre a qual recai o exercício do direito. Por isso a posse se perde pela destruição da coisa, por exemplo, e a referência a esta perpassa todo o regime da posse. O direito de autor, que não pressupóe uma coisa, não pode assim originar posse.

O próprio artigo 485 do Código Civil exprime esta idéia, pois exige para o possuidor que tenha de fato o exercício, o que só pode significar o exercício de poderes de fato. O direito de autor não permite situações que caiam nesta previsão, porque sobre a obra não se pode produzir uma situação de fato.

A obra não é pois suscetível de posse. Como veremos, os meios de tutela desta dispensam o recurso ao meios possessórios.

96
Q

É necessária prévia autorização do autor para a realização da paródia?

A

A paródia é uma das limitações do direito de autor, com previsão no art. 47 da Lei 9.610/98, que prevê serem livres as paráfrases e paródias que não forem verdadeiras reproduções da obra originária nem lhe implicarem descrédito. Respeitadas essas condições, é desnecessária a autorização do titular da obra parodiada.

A finalidade da paródia, se comercial, eleitoral, educativa, puramente artística ou qualquer outra, é indiferente para a caracterização de sua licitude e liberdade assegurada pela Lei nº 9.610/98.

Caso concreto: durante sua campanha de reeleição para Deputado Federal em 2014, o humorista Tiririca fez uma paródia da música “O Portão”, de autoria de Roberto Carlos e Erasmo Carlos, na qual pedia votos. O STJ entendeu que não era devida indenização para o titular dos direitos autorais porque, em regra, não é necessária prévia autorização para a realização de paródias. STJ. 3ª Turma. REsp 1.810.440-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 12/11/2019 (Info 661).

Paródia

A paródia é forma de expressão do pensamento. É a imitação cômica de composição literária, filme, música, obra qualquer, dotada de comicidade, que se utiliza do deboche e da ironia para entreter. Consiste em uma interpretação nova, adaptação de obra já existente a um novo contexto, com versão diferente, debochada, satírica (Min. Luis Felipe Salomão).

Na paródia a pessoa faz um uso transformativo da obra original, resultando, portanto, em uma obra nova, ainda que reverenciando a obra parodiada.

A intenção é a de despertar o riso, porém sem causar prejuízo à obra original.

Paródia como limitação dos direitos de autor

A paródia é uma das limitações do direito de autor, conforme prevê o art. 47 da Lei nº 9.610/98:

Art. 47. São livres as paráfrases e paródias que não forem verdadeiras reproduções da obra originária nem lhe implicarem descrédito.

97
Q

É válida a penhora da integralidade de imóvel submetido ao regime de multipropriedade (time-sharing) em decorrência de dívida de condomínio de responsabilidade do organizador do compartilhamento?

A

É inválida a penhora da integralidade de imóvel submetido ao regime de multipropriedade (time-sharing) em decorrência de dívida de condomínio de responsabilidade do organizador do compartilhamento.

A multipropriedade imobiliária, mesmo não efetivamente codificada, possui natureza jurídica de direito real, harmonizando-se com os institutos constantes do rol previsto no art. 1.225 do Código Civil. STJ. 3ª Turma. REsp 1.546.165-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Rel. para acórdão Min. João Otávio de Noronha, julgado em 26/4/2016 (Info 589).

Time-sharing (multipropriedade)

  • Time-sharing ocorre quando um bem
  • é dividido entre vários proprietários
  • sendo que cada um deles utilizará a coisa,
  • com exclusividade,
  • durante certo(s) período(s) de tempo por ano,
  • em um sistema de rodízio.

Qual é a natureza jurídica da time-sharing: trata-se de direito real ou pessoal (obrigacional)?

Existe grande divergência na doutrina acerca do tema.

Uma primeira corrente defende que se trata de direito PESSOAL (obrigacional), pois afirma que os direitos reais são em número limitado (numerus clausus) e estão previstos taxativamente no art. 1.225 do CC. A time-sharing não se enquadra em nenhum deles. O integrante do time-sharing não pode ser considerado proprietário, considerando que este modelo possui inúmeras diferenças em relação ao direito de propriedade, podendo ser apontadas as seguintes:

1) no time-sharing, o direito de uso e gozo ocorre apenas em um período do ano, enquanto no direito de propriedade não existe esta limitação;
2) não há liberdade quanto ao modo de uso, só podendo utilizar o bem para a finalidade com a qual ele foi criado (ex: se é um imóvel para lazer, não pode ser utilizado para fins comerciais);
3) a pessoa integrante do time-sharing não pode efetuar modificações no imóvel, o que não ocorreria se ela fosse proprietária.

O STJ, no entanto, seguindo o entendimento majoritário na doutrina, decidiu que se trata de direito real:

A multipropriedade imobiliária, mesmo não efetivamente codificada, possui natureza jurídica de direito real, harmonizando-se com os institutos constantes do rol previsto no art. 1.225 do Código Civil. STJ. 3ª Turma. REsp 1.546.165-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Rel. para acórdão Min. João Otávio de Noronha, julgado em 26/4/2016 (Info 589).

O time-sharing, também chamada de multipropriedade imobiliária, possui forte liame com o instituto da propriedade, sendo até mesmo considerada por alguns como uma expressão do direito de propriedade.

Ao contrário do que afirma a primeira corrente, é possível que sejam admitidos como direitos reais não apenas aqueles que estão enumerados na lei, mas também outros que possam ser criados a partir da liberdade negocial.

Veja o que Maria Helena Diniz afirmou sobre o instituto: “O sistema time-sharing ou multipropriedade imobiliária é uma espécie condominial relativa aos locais de lazer, pela qual há um aproveitamento econômico de bem imóvel (casa, chalé, apartamento), repartido, como ensina Gustavo Tepedino, em unidades fixas de tempo, assegurando a cada co-titular o seu uso exclusivo e perpétuo durante certo período anual. (…) Trata-se de uma multipropriedade periódica, muito útil para desenvolvimento de turismo em hotéis, clubes e em navios (…) Há um direito real de habitação periódica, como dizem os portugueses, democratizando o imóvel de férias, cujo administrador (trustee) o mantém em nome de um clube, concedendo e organizando o seu uso periódico. Todos os adquirentes são comproprietários de fração ideal, sofrendo limitações temporais e condominiais, sendo que a relação de tempo repartido fica estabelecida em regulamento.” (Curso de Direito Civil Brasileiro. 22ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007, vol. 4, p. 243.)

CASO:

É inválida a penhora da integralidade de imóvel submetido ao regime de multipropriedade (time-sharing) em decorrência de dívida de condomínio de responsabilidade do organizador do compartilhamento. STJ. 3ª Turma. REsp 1.546.165-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Rel. para acórdão Min. João Otávio de Noronha, julgado em 26/4/2016 (Info 589).

A multipropriedade imobiliária, mesmo não efetivamente codificada, possui natureza jurídica de direito real, harmonizando-se, portanto, com os institutos constantes do rol previsto no art. 1.225 do Código Civil; e o multiproprietário, no caso de penhora do imóvel objeto de compartilhamento espaço-temporal (timesharing), tem, nos embargos de terceiro, o instrumento judicial protetivo de sua fração ideal do bem objeto de constrição.

Assim, é insubsistente a penhora sobre a integralidade do imóvel submetido ao regime de multipropriedade na hipótese em que a parte embargante é titular de fração ideal do bem e nada tem a ver com a dívida

O Código Civil não traz nenhuma proibição de que sejam criados novos direitos reais a partir da convenção de vontades. Além disso, a time-sharing se harmoniza com os atributos dos direitos reais, considerando que o participante detém as faculdades de uso, gozo e disposição sobre fração ideal do bem, ainda que objeto de compartilhamento pelos multiproprietários de espaço e turnos fixos de tempo.

98
Q

É lícita a proibição do voto do condômino inadimplente em assembleia condominial?

A

O côndomino que estiver em débito com as obrigações condomiais não poderá votas nas assembleias do condomínio (art. 1.335, III, do CC).

No entanto, se o condômino for proprietário de diversas unidades autônomas, ainda que inadimplente em relação a uma ou algumas destas, terá direito de participação e de voto relativamente às suas unidades que estejam em dia com as taxas de condomínio. (Info 530).

99
Q

Os condôminos podem ser chamados a responder por dívidas do condomínio. Nesse caso, poderá ocorrer a penhora de bem de família?

A

É possível a penhora de bem de família de condômino, na proporção de sua fração ideal, se inexistente patrimônio próprio do condomínio para responder por dívida oriunda de danos a terceiros.

Ex: um pedestre foi ferido por conta de um pedaço da fachada que nele caiu. Essa vítima terá que propor a ação contra o condomínio. Se o condomínio não tiver patrimônio próprio para satisfazer o débito, os condôminos podem ser chamados a responder pela dívida, na proporção de sua fração ideal. Mesmo que um condômino tenha comprado um apartamento neste prédio depois do fato, ele ainda assim poderá ser obrigado a pagar porque as despesas de condomínio são obrigações propter rem. O juiz poderá determinar a penhora dos apartamentos para pagamento da dívida mesmo que se trate de bem de família, considerando que as dívidas decorrentes de despesas condominiais são consideradas como exceção à impenhorabilidade do bem de família, nos termos do art. 3º, IV, da Lei nº 8.009/90. STJ. 4ª Turma. REsp 1.473.484-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 21/06/2018 (Info 631).

Isso é possível? É possível que os condôminos sejam chamados a pagar a indenização que foi reconhecida como sendo uma obrigação do condomínio?

SIM. Cada condômino é obrigado a concorrer para o pagamento das despesas e encargos suportados pelo condomínio, na proporção de sua quota-parte, conforme preveem o art. 1.315 do Código Civil e o art. 12 da Lei nº 4.591/64 (que dispõe sobre o condomínio em edificações e as incorporações imobiliárias):

Art. 1.315. O condômino é obrigado, na proporção de sua parte, a concorrer para as despesas de conservação ou divisão da coisa, e a suportar os ônus a que estiver sujeita. Parágrafo único. Presumem-se iguais as partes ideais dos condôminos.

Art. 12. Cada condômino concorrerá nas despesas do condomínio, recolhendo, nos prazos previstos na Convenção, a quota-parte que lhe couber em rateio.

Assim, um dos deveres de todo e qualquer condômino é o de ratear (dividir) as despesas condominiais.

Trata-se daquilo que o Min. Luis Felipe Salomão denominou de “solidariedade condominial”, a fim de que seja permitida a continuidade e manutenção do próprio Condomínio, impedindo a ruptura de sua estabilidade econômico-financeira, o que poderia provocar dano considerável aos demais comunheiros (REsp 1247020/DF, DJe 11/11/2015)

Vale ainda mencionar o art. 938 do CC:

Art. 938. Aquele que habitar prédio, ou parte dele, responde pelo dano proveniente das coisas que dele caírem ou forem lançadas em lugar indevido.

Enunciado 557 da Jornada de Direito Civil do CJF/STJ: Nos termos do art. 938 do CC, se a coisa cair ou for lançada de condomínio edilício, não sendo possível identificar de qual unidade, responderá o condomínio, assegurado o direito de regresso.

O art. 1.315 fala apenas em “despesas de conservação”…

No entanto, a doutrina e a jurisprudência interpretam essa expressão de forma ampla, de modo que ela “abrange não somente as verbas despendidas com a conservação ou manutenção do edifício (v.g., limpeza, funcionamento dos elevadores, empregados, consumo de água e luz, etc), mas também as destinadas a obras ou inovações aprovadas pela assembleia de condôminos (v.g., ampliação da garagem, instalação de portão eletrônico, construção de salão de festas etc). Inclui, ainda, outros títulos, como a responsabilidade por indenizações, tributos, seguros etc”. (LOPES, João Batista. Condomínio. 10ª ed. São Paulo: RT, 2008, p. 115).

100
Q

O promitente comprador e o promitente vendedor de imóvel têm legitimidade passiva concorrente em ação de cobrança de débitos posteriores à imissão daquele na posse do bem?

A

A responsabilidade pelo pagamento das despesas condominiais é sempre do proprietário?

NÃO. As despesas condominiais constituem-se em obrigações “propter rem” e são de responsabilidade não apenas daquele que detém a qualidade de proprietário da unidade imobiliária. As cotas condominiais podem ser de responsabilidade da pessoa que, mesmo ser proprietária, é titular de um dos aspectos da propriedade, tais como a posse, o gozo ou a fruição, desde que esta tenha estabelecido relação jurídica direta com o condomínio. É o caso, por exemplo, do promitente comprador que já está morando no imóvel e que já fez todos os cadastros no condomínio como sendo o novo morador da unidade.

Em caso de compromisso de compra e venda, a legitimidade passiva para ação de cobrança será do promitente-comprador ou do promitente vendedor?

Depende. Em caso de promessa de compra e venda, a responsabilidade pelas despesas de condomínio pode recair tanto sobre o promitente vendedor quanto sobre o promissário comprador, dependendo das circunstâncias de cada caso concreto:

1) A responsabilidade será do PROMITENTE COMPRADOR se ficar comprovado que:
a) o promissário comprador se imitiu na posse (ele já está na posse direta do bem); e
b) o condomínio teve ciência inequívoca da transação (o condomínio sabe que houve a “venda”).

Nesta hipótese, o condomínio não poderá ajuizar ação contra o promitente vendedor pelas cotas condominiais relativas ao período em que a posse foi exercida pelo promissário comprador.

O fato de o compromisso de compra e venda estar ou não registrado irá interferir?

NÃO. Não há nenhuma relevância, para o efeito de definir a responsabilidade pelas despesas condominiais, se o contrato de promessa de compra e venda foi ou não registrado. O que importa realmente é a relação jurídica material com o imóvel, representada pela imissão na posse pelo promissário comprador e pela ciência inequívoca do condomínio acerca da transação. STJ. 2ª Seção. REsp 1.345.331-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 8/4/2015 9 (recurso repetitivo) (Info 560).

Teses firmadas para fins de recurso repetitivo:

O presente julgado foi apreciado sob a sistemática do recurso repetitivo, na qual o STJ define teses que serão aplicadas para casos semelhantes. Confira as teses que foram aprovadas:

a) O que define a responsabilidade pelo pagamento das obrigações condominiais não é o registro do compromisso de compra e venda, mas a relação jurídica material com o imóvel, representada pela imissão na posse pelo promissário comprador e pela ciência inequívoca do condomínio acerca da transação.
b) Havendo compromisso de compra e venda não levado a registro, a responsabilidade pelas despesas de condomínio pode recair tanto sobre o promitente vendedor quanto sobre o promissário comprador, dependendo das circunstâncias de cada caso concreto.
c) Se ficar comprovado: (i) que o promissário comprador se imitira na posse; e (ii) o condomínio teve ciência inequívoca da transação, afasta-se a legitimidade passiva do promitente vendedor para responder por despesas condominiais relativas a período em que a posse foi exercida pelo promissário comprador.

OBSERVAÇÃO:

Ocorre que mesmo após o julgamento desse recurso especial repetitivo (REsp 1.345.331-RS), a 3ª Turma do STJ julgou em sentido contrário à tese exposta na letra “c”.

Segundo decidiu a 3ª Turma do STJ, o promitente comprador e o promitente vendedor de imóvel têm legitimidade passiva concorrente em ação de cobrança de débitos condominiais posteriores à imissão daquele na posse do bem, admitindo-se a penhora do imóvel, como garantia da dívida, quando o titular do direito de propriedade (promitente vendedor) figurar no polo passivo da demanda. STJ. 3ª Turma. REsp 1.442.840-PR, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 6/8/2015 (Info 567).

Conforme afirmou o Min. Paulo de Tarso, pela leitura isolada da tese “c”, do REsp 1.345.331-RS, o proprietário estaria isento de arcar com as despesas de condomínio a partir da imissão do promitente comprador na posse do imóvel. Porém, a tese firmada no repetitivo deve ser interpretada de acordo com a solução dada ao caso que deu origem à afetação. Há de se observar, portanto, que, no caso do REsp 1.345.331-RS, a ação de cobrança havia sido ajuizada contra o proprietário (promitente vendedor), tendo havido embargos de terceiro pelos promitentes compradores na fase de execução.

Naquele julgado, entendeu-se que a responsabilidade pelo pagamento das despesas condominiais seria dos promitentes compradores, porque relativas a débitos surgidos após a imissão destes na posse do imóvel. Porém, não se desconstituiu a penhora do imóvel. Há, portanto, uma aparente contradição entre a tese e a solução dada ao caso concreto, pois a tese “c”, em sua literalidade, conduziria à desconstituição da penhora sobre o imóvel do promitente vendedor. A contradição, contudo, é apenas aparente, podendo ser resolvida à luz da teoria da dualidade da obrigação.

Observe-se, inicialmente, que o promitente comprador não é titular do direito real de propriedade, tendo apenas direito real de aquisição caso registrado o contrato de promessa de compra e venda. Desse modo, o condomínio ficaria impossibilitado de penhorar o imóvel. Restaria, então, penhorar bens do patrimônio pessoal do promitente comprador. Porém, não é rara a hipótese em que o comprador esteja adquirindo seu primeiro imóvel e não possua outros bens penhoráveis, o que conduziria a uma execução frustrada. Esse resultado não se coaduna com a natureza, tampouco com finalidade da obrigação propter rem. Quanto à natureza, é da essência dessa obrigação que ela nasça automaticamente com a titularidade do direito real e somente se extinga com a extinção do direito ou a transferência da titularidade, ressalvadas as prestações vencidas.

Como se verifica, não há possibilidade de a obrigação se extinguir por ato de vontade do titular do direito real, pois a fonte da obrigação propter rem é a situação jurídica de direito real, não a manifestação de vontade. Logo, a simples pactuação de uma promessa de compra e venda não é suficiente para extinguir a responsabilidade do proprietário pelo pagamento das despesas de condomínio. De outra parte, quanto à finalidade, a obrigação propter rem destina-se a manter a conservação da coisa. Nessa esteira, ao se desconstituir a penhora sobre o imóvel, o atendimento da finalidade de conservação acaba sendo comprometido, pois o condomínio passa a depender da incerta possibilidade de encontrar bens penhoráveis no patrimônio do promitente comprador.

Vale lembrar, ainda, que a mera possibilidade de penhora do imóvel tem, por si só, o efeito psicológico de desestimular a inadimplência, de modo que a impossibilidade de penhora geraria o efeito inverso, atentando contra a finalidade da obrigação propter rem, que é manter a conservação da coisa. Há premente necessidade, portanto, de se firmar uma adequada interpretação da tese firmada pelo rito do art. 543-C do CPC, de modo a afastar interpretações contrárias à natureza e à finalidade da obrigação propter rem.

101
Q

O proprietário de imóvel gerador de débito condominiais pode ter o seu bem penhorado em ação de cobrança ajuizada em face do locatário, já em fase de cumprimento de sentença, da qual não figurou no polo passivo?

A

DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE TERCEIRO. PENHORA DO IMÓVEL GERADOR DOS DÉBITOS CONDOMINIAIS NO BOJO DE AÇÃO DE COBRANÇA NA QUAL A PROPRIETÁRIA DO BEM NÃO FIGUROU COMO PARTE. POSSIBILIDADE.
OBRIGAÇÃO PROPTER REM.
1. Embargos de terceiro opostos pela proprietária do imóvel, por meio dos quais se insurge contra a penhora do bem, realizada nos autos de ação de cobrança de cotas condominiais, já em fase de cumprimento de sentença, ajuizada em face da locatária.
2. Ação ajuizada em 22/03/2011. Recurso especial concluso ao gabinete em 30/06/2016. Julgamento: CPC/73.
3. O propósito recursal é definir se a proprietária do imóvel gerador dos débitos condominiais pode ter o seu bem penhorado no bojo de ação de cobrança, já em fase de cumprimento de sentença, da qual não figurou no polo passivo, uma vez que ajuizada, em verdade, em face da então locatária do imóvel.
4. Em se tratando a dívida de condomínio de obrigação propter rem e partindo-se da premissa de que o próprio imóvel gerador das despesas constitui garantia ao pagamento da dívida, o proprietário do imóvel pode ter seu bem penhorado no bojo de ação de cobrança, já em fase de cumprimento de sentença, da qual não figurou no polo passivo.
5. A solução da controvérsia perpassa pelo princípio da instrumentalidade das formas, aliado ao princípio da efetividade do processo, no sentido de se utilizar a técnica processual não como um entrave, mas como um instrumento para a realização do direito material. Afinal, se o débito condominial possui caráter ambulatório, não faz sentido impedir que, no âmbito processual, o proprietário possa figurar no polo passivo do cumprimento de sentença.
6. Em regra, deve prevalecer o interesse da coletividade dos condôminos, permitindo-se que o condomínio receba as despesas indispensáveis e inadiáveis à manutenção da coisa comum.
7. Recurso especial conhecido e provido.
(REsp 1829663/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 05/11/2019, DJe 07/11/2019)

Segundo o reiterado entendimento deste Superior Tribunal de Justiça, respaldado em abalizada doutrina, a obrigação de pagamento das despesas condominiais é de natureza propter rem, ou seja, é obrigação “própria da coisa”, ou, melhor ainda, assumida “por causa da coisa”.

Outrora, muito se discutiu se as obrigações ditas propter rem estariam contidas no universo dos direitos reais, ou se, por outro lado, seriam afetas ao universo dos direitos obrigacionais. Referida diferenciação, ao fim e ao cabo, restou suplantada pela constatação de que “a obrigação propter rem se encontra no terreno fronteiriço entre os direitos reais e os pessoais” (RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, Parte Geral: das Obrigações, 9ª ed., Saraiva, vol. II, p. 108); que se formam numa situação de imbricação entre os direitos reais e obrigacionais, assimilando características de ambos (FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: direitos reais, 14ª ed., JusPodivm, 2018, p. 56).

Em outros termos, caracteriza-se a obrigação propter rem pela particularidade de a pessoa do devedor se individualizar única e exclusivamente pela titularidade do direito real, desvinculada de qualquer manifestação da vontade do sujeito.

Por isso é que, em havendo transferência da titularidade, a obrigação é igualmente transmitida.
SERPA LOPES, se aprofundando no estudo dessa espécie de obrigação, concluiu que ela se caracteriza por decorrer da titularidade de um direito real, impondo a satisfação de determinada prestação relativa à coisa. Assim, as obrigações propter rem “recaem sobre uma pessoa por força de um determinado direito real, com o qual se encontram numa vinculação tão estreita, que o seguem a título de acessórios, inseparáveis” (Curso de Direito Civil, Obrigações em Geral, 2ª ed, Freitas Bastos, vol. II, p. 66).

Diz-se, então, que a obrigação propter rem é dotada de ambulatoriedade, ou, ainda, que se trata, ela mesma, de obrigação ambulatória. Assim, independentemente da vontade dos envolvidos, a obrigação de satisfazer determinadas prestações acompanha a coisa em todas as suas mutações subjetivas.

[…]

Outra questão comumente discutida no âmbito da obrigação de pagamento das despesas condominiais diz respeito à própria responsabilidade no adimplemento de tais despesas, dado, inclusive, o caráter propter rem da obrigação. Dito de outra forma, discute-se se tal obrigação encerra-se na pessoa que é proprietária do bem ou se ela se estende a outras pessoas que tenham uma relação jurídica vinculada ao imóvel – que não o vínculo de propriedade.

Frisa-se que as obrigações propter rem recaem sobre determinada pessoa por força de determinado direito real, isto é, só existem em razão da situação jurídica do obrigado, de titular do domínio ou de detentor de determinada coisa (GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 2 : teoria geral das obrigações. 13 ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 27).

Como mesmo lembrado pelo renomado jurista, é o que ocorre, por exemplo, com a obrigação imposta aos proprietários e inquilinos de um prédio de não prejudicarem a segurança, o sossego e a saúde dos vizinhos (CC, art. 1.277). Por se transferir a eventuais novos ocupantes do imóvel, é também denominada obrigação ambulatória (GONÇALVES, Carlos Roberto. Op. Cit., p. 27).

Em julgamento de recurso repetitivo, a 2ª Seção desta Corte firmou a tese de que “o que define a responsabilidade pelo pagamento das obrigações condominiais não é o registro do compromisso de compra e venda, mas a relação jurídica material com o imóvel, representada pela imissão na posse pelo promissário comprador, dependendo das circunstâncias de cada caso concreto” (REsp 1.345.331/RS, 2ª Seção, DJe 20/04/2015)

Na oportunidade, ressaltou o Min. Luis Felipe Salomão, relator dos autos, no corpo de seu voto, que as despesas condominiais, compreendidas como obrigações propter rem, são de responsabilidade daquele que detém a qualidade de proprietário da unidade imobiliária, ou ainda pelo titular de um dos aspectos da propriedade, tais como a posse, o gozo, a fruição, desde que esse tenha estabelecido relação jurídica direta com o condomínio.

Não somente, a 4ª Turma desta Corte – ainda que analisando questão relativa à responsabilidade da promitente vendedora por despesas condominiais referentes ao período em que o bem esteve na pose do promitente comprador em razão de rescisão do contrato de promessa de compra e venda na qual foi reintegrada na posse do imóvel – ao interpretar o retrocitado precedente repetitivo da Segunda Seção, consignou que o Min. Relator teria reconhecido a faculdade do condomínio de propor a ação de cobrança de cotas condominiais contra aquele dentre os quais possuam liame jurídico com a unidade habitacional, sendo ele o proprietário, promissário comprador, adquirente, arrematante, ocupante do imóvel, etc., tendo em vista, exatamente, o intuito de fazer prevalecer o interesse da massa condominial, a fim de resgatar de maneira mais célere as despesas inadimplidas (AgInt no REsp 1.229.639/PR, 4ª Turma, DJe 20/10/2016).

A corroborar com a linha de entendimento perfilhada por esta Corte, vale citar lição de abalizada doutrina:

A força vinculante das obrigações propter rem manifesta-se conforme a situação do devedor ante uma coisa, seja como titular do domínio, seja como possuidor. Assim, nesse tipo de obrigação, o devedor é determinado de acordo com sua relação em face de uma coisa, que é conexa com o débito (DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, volume 2 : teoria geral das obrigações. 32 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 27) (grifos acrescentados).

Nessa linha de raciocínio, no julgamento do REsp 1.704.498/SP (DJe 24/04/2018), esta 3ª Turma já decidiu pela possibilidade da arrendatária do imóvel – quem exerce a posse direta sobre o bem e quem, em realidade, usufrui dos serviços prestados pelo condomínio – figurar no polo passivo de ação de cobrança de despesas condominiais, não obstante não seja proprietária do mesmo.

Especificamente no que concerne ao ajuizamento da ação de cobrança de cotas condominiais, tem-se, destarte, que o interesse prevalecente é o da coletividade de receber os recursos para o pagamento de despesas indispensáveis e inadiáveis, podendo o credor escolher o que mais prontamente poderá cumprir com a obrigação, ficando obviamente ressalvado o direito de regresso (CHAVES DE FARIAS, Cristiano. ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil. Vol. 5. 9ª ed. rev., ampl. e atual. Ed. Juspodivm: Bahia, 2013, p. 734).

Nessa trilha, não é o bastante citar, também, a doutrina de Francisco Eduardo Loureiro:

A natureza das despesas condominiais permite, mais, que a ação de cobrança seja ajuizada diretamente contra o locatário ou o comodatário, se assim for de interesse do condomínio (Código Civil comentado : doutrina e jurisprudência : Lei n. 10.406, de 10.01.2002 / coordenador Cezar Peluso. 8 ed. rev. e atual. São Paulo: Manole, 2014, p. 1.277).

Conclui-se, pelo exposto, que a ação de cobrança de débitos condominiais pode ser proposta em face de qualquer um daqueles que tenha uma relação jurídica vinculada ao imóvel, o que mais prontamente possa cumprir com a obrigação.

Vale lembrar que, por ocasião do julgamento do retrocitado recurso especial, como relatora dos autos, sublinhei que a admissão da arrendatária no polo passivo da ação de cobrança, não implicaria no reconhecimento de solidariedade entre proprietário e arrendatário no pagamento dos débitos condominiais em atraso, mas apenas no reconhecimento de que ambos poderiam figurar no polo passivo da obrigação, a fim de fazer prevalecer o interesse da coletividade dos condôminos, sempre resguardado o direito de regresso contra o real proprietário do bem.

3. DA PENHORA DO IMÓVEL GERADOR DOS DÉBITOS CONDOMINIAIS NO BOJO DE AÇÃO DE COBRANÇA AJUIZADA EM FACE DA LOCATÁRIA DO BEM

De início, reitera-se que, na hipótese ora sob exame, a ação de cobrança de cotas condominiais não foi ajuizada em face da proprietária do imóvel (ora recorrida), mas sim, em face da locatária.

E, definido que ação de cobrança de despesas condominiais pode ser ajuizada em face daquele que, ainda que não seja proprietário do imóvel gerador dos débitos, tenha relação jurídica direta com o condomínio, em razão da titularidade de um dos aspectos da propriedade, resta analisar se o imóvel do próprio proprietário pode ser penhorado no bojo de ação de cobrança da qual não foi parte, ajuizada em face da locatária do bem.

Urge salientar que a controvérsia posta a deslinde nos presentes autos é justamente a acima referida, pois os presentes embargos de terceiro foram opostos em razão da penhora de imóvel de propriedade da recorrida, realizada no bojo de ação de cobrança, já em fase de cumprimento de sentença, da qual não foi parte, uma vez que ajuizada unicamente em desfavor de Mogi Center Hotel Ltda., locatária do bem.

Destaca-se que o TJ/SP reconheceu a impossibilidade da penhora do referido imóvel, sob o argumento de que é inviável redirecionar a execução à pessoa que não figurou na relação jurídica originária, em respeito aos limites subjetivos da coisa julgada, […]

Com efeito, é certo que, como regra, nos termos do art. 472 do CPC/73, à época vigente, os efeitos da coisa julgada apenas se operam inter partes, não beneficiando nem prejudicando estranhos à relação processual em que se formou.

No entanto, essa regra não é absoluta e comporta exceções. Em determinadas hipóteses, a coisa julgada pode atingir, além das partes, terceiros que não participaram de sua formação.

E, partindo da premissa de que, em última análise, o próprio imóvel gerador das despesas constitui garantia ao pagamento da dívida, dada a natureza propter rem da obrigação, deve-se admitir a inclusão do proprietário no cumprimento de sentença em curso.

A solução da controvérsia perpassa pelo princípio da instrumentalidade das formas, aliado ao princípio da efetividade do processo, no sentido de se utilizar a técnica processual não como um entrave, mas como um instrumento para a realização do direito material. Afinal, se o débito condominial possui caráter ambulatório, não faz sentido impedir que, no âmbito processual, o proprietário possa figurar no polo passivo do cumprimento de sentença.

Não constitui demasia realçar que deve prevalecer o interesse da coletividade dos condôminos, permitindo que o condomínio receba as despesas indispensáveis e inadiáveis à manutenção da coisa comum.

[…]

Sob esse espeque, devem ser julgados improcedentes os embargos de terceiro opostos pela recorrida.

102
Q

Qual a diferença entre obrigação propter rem e ônus real? Os débitos condominiais se enquadram em qual conceito?

A

Art. 1.345. O adquirente de unidade responde pelos débitos do alienante, em relação ao condomínio, inclusive multas e juros moratórios.

Comentários de Francisco Eduardo Loureiro:

Merece o preceito exame atento. Não resta dúvida de que as obrigações do titular da unidade autônoma em condomínio edilício têm natureza propter rem, ou seja, existem quando um titular de um direito real é obrigado, devido a essa condição, a satisfazer determinada prestação. Em termos diversos, a pessoa do devedor se individualiza pela titularidade do direito real. Assim, quem adquire unidade autônoma passa a arcar com as respectivas despesas, pois a obrigação é imposta a que for seu titular (TACSP)

O artigo, porém, vai além. Dispõe que o adquirente arca com todos os dévito do alienante, inclusive multa e juros moratórios. Logo, arca com dívida vencidas no período anterior ao da aquisição, ultrapassando a natureza propter rem da obrigação. Na lição clássica de Antunes Varela, o artigo em exame descreve verdadeiro ônus real. Segundo o autor, “a diferença prática entre ônus e as obrigações reais, tal como a história do direito as modelou, está em que, quanto a estas, o titular só fica vinculado às obrigações constituídas na vigência do seu direito, enquanto nos ônus reais o titular da coisa fica obrigado mesmo em relação às prestação anteriores, por suceder na titularidade de uma coisa a que está visceralmente unida à obrigação”.

Disso decorrem relevantes efeitos. Primeiro, o titular da coisa no momento em que se constitui a obrigação responde com todos seus bens. Já o adquirente posterior responde apenas até o valor da coisa onerada, que garante o cumprimento da obrigação. Segundo, está revogada a regra do art. 4, parágrafo único, da Lei 4.591\64. Se a própria lei explicita que o adquirente responde pelos débito anteriores, perde o sentido a prova da quitação de débito existente no momento da alientação. A jurisprudência administrativa do Estado de São Paulo, em recente e louvável alteração de posicionamento, deixou de subordinar o registro e a lavratura de escritura de alienação de unidade autônoma à prévia prova da quitação do débito condominial. […]

103
Q

A obrigação de pagar verba de sucumbência, decorrente de sentença proferida em ação de cobrança de cotas condominiais, pode ser qualificada como ambulatória?

A

As verbas de sucumbência, decorrentes de condenação em ação de cobrança de cotas condominiais, não possuem natureza ambulatória (propter rem).

O art. 1.345 do CC estabelece que o adquirente de unidade responde pelos débitos do alienante, em relação ao condomínio, inclusive multas e juros moratórios.

A obrigação de pagar as verbas de sucumbência, ainda que sejam elas decorrentes de sentença proferida em ação de cobrança de cotas condominiais, não pode ser qualificada como ambulatória (propter rem), seja porque tal prestação não se enquadra dentre as hipóteses previstas no art. 1.345 do CC para o pagamento de despesas indispensáveis e inadiáveis do condomínio, seja porque os honorários constituem direito autônomo do advogado, não configurando débito do alienante em relação ao condomínio, senão débito daquele em relação ao advogado deste. STJ. 3ª Turma. REsp 1.730.651-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 09/04/2019 (Info 646).

104
Q

A alteração da fachada que não possa ser vista do térreo, mas apenas de prédios vizinhos, depende de autorização da totalidade dos condôminos?

A

O condômino não pode, sem a anuência de todos os condôminos, alterar a cor das esquadrias externas de seu apartamento para padrão distinto do empregado no restante da fachada do edifício, ainda que a modificação esteja posicionada em recuo, não acarrete prejuízo direto ao valor dos demais imóveis e não possa ser vista do térreo, mas apenas de andares correspondentes de prédios vizinhos. STJ. 3ª Turma. REsp 1.483.733-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 25/8/2015 (Info 568).

O legislador, tanto no Código Civil como na Lei nº 4.591/64 (Lei dos Condomínios) proibiu expressamente alterações da cor da fachada. Confira:

Art. 1.336. São deveres do condômino:

III - não alterar a forma e a cor da fachada, das partes e esquadrias externas;

Art. 10. É defeso a qualquer condômino:

I - alterar a forma externa da fachada;

Il - decorar as partes e esquadriais externas com tonalidades ou côres diversas das empregadas no conjunto da edificação; (…)

§ 2º O proprietário ou titular de direito à aquisição de unidade poderá fazer obra que (VETADO) ou modifique sua fachada, se obtiver a aquiescência da unanimidade dos condôminos

O argumento de que a alteração seria possível porque a mudança é pouco visível da rua não pode ser aceita porque a lei não faz essa exceção. Além disso, a lei também não exige que haja prejuízo direto no valor dos apartamentos dos demais moradores do condomínio. A lei simplesmente proíbe alterações na fachada.

Fachada não é somente aquilo que pode ser visualizado do térreo. Assim, isoladamente, no caso concreto, a alteração pode não afetar diretamente o preço dos demais imóveis do edifício, mas deve-se ponderar que se cada proprietário de unidade superior resolver personalizar sua fachada, alterando as cores das esquadrias, isso irá gerar a quebra da unidade arquitetônica, com a inevitável desvalorização do condomínio.

105
Q

A convenção condominial pode proibir a criação de animais nas unidades autônomas?

A

Acerca da regulamentação da criação de animais pela convenção condominial, podem surgir três situações:

a) Se a convenção não regular a matéria: o condômino pode criar animais em sua unidade autônoma, desde que não viole os deveres previstos no art. 1.336, IV, do CC e no art. 19 da Lei nº 4.591/64.
b) Se a convenção veda apenas a permanência de animais causadores de incômodos aos demais moradores: essa norma condominial é válida (não apresenta nenhuma ilegalidade).
c) Se a convenção proíbe a criação e a guarda de quaisquer espécies de animais: essa restrição se mostra desarrazoada, considerando que determinados animais não apresentam risco à incolumidade e à tranquilidade dos demais moradores e dos frequentadores ocasionais do condomínio. O impedimento de criar animais em partes exclusivas (unidades autônomas) somente se justifica para a preservação da segurança, da higiene, da saúde e do sossego. Se tais aspectos não estão em risco, não há motivo para a proibição.

Assim, é ilegítima a restrição genérica contida em convenção condominial que proíbe a criação e guarda de animais de quaisquer espécies em unidades autônomas STJ. 3ª Turma. REsp 1.783.076-DF, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 14/05/2019 (Info 649).

106
Q

É possível a aplicação conjunta de multa moratória e multa sancionatória por conta de inadimplemento dos débitos condominiais?

A

Se o condômino descumpre reiteradamente o dever de contribuir para as despesas do condomínio (inciso I do art. 1.336 do CC), o condomínio poderá aplicar contra ele, além da multa moratória (§ 1º do art. 1.336 do CC), multa sancionatória em razão de comportamento “antissocial” ou “nocivo” (art. 1.337 do CC).

Assim, o condômino que deixar de adimplir reiteradamente a importância devida a título de cotas condominiais poderá, desde que aprovada a sanção em assembleia por deliberação de 3/4 (três quartos) dos condôminos, ser obrigado a pagar multa em até o quíntuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, conforme a gravidade da falta e a sua reiteração. STJ. 4ª Turma. REsp 1.247.020-DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 15/10/2015 (Info 573)

Multa e juros no caso de inadimplência

Se o condômino atrasar o pagamento da cota condominial, o condomínio poderá cobrar multa e juros de mora:

Art. 1.336 (…) § 1º O condômino que não pagar a sua contribuição ficará sujeito aos juros moratórios convencionados ou, não sendo previstos, os de um por cento ao mês e multa de até dois por cento sobre o débito.

Juros de mora: Em regra, será de 1% ao mês. A convenção de condomínio poderá fixar taxa de juros inferior (o que é raro) ou superior (o que é possível segundo o STJ REsp 1002525/DF).

Multa moratória: Em regra, será de 2% sobre o débito. A convenção de condomínio poderá fixar taxa de multa inferior. A convenção NÃO pode prever multa superior a 2%. Este é o limite máximo (teto)

Existem alguns condôminos, contudo, que frequentemente atrasam a taxa do condomínio. Neste caso, será possível que o condomínio tome alguma atitude para coibir essa prática?

SIM. Se o condômino descumpre reiteradamente o dever de contribuir para as despesas do condomínio (inciso I do art. 1.336 do CC), o condomínio poderá aplicar contra ele, além da multa moratória (§ 1º do art. 1.336 do CC), multa sancionatória em razão de comportamento “antissocial” ou “nocivo” (art. 1.337 do CC).

Assim, o condômino que deixar de adimplir reiteradamente a importância devida a título de cotas condominiais poderá, desde que aprovada a sanção em assembleia por deliberação de 3/4 (três quartos) dos condôminos, ser obrigado a pagar multa em até o quíntuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, conforme a gravidade da falta e a sua reiteração. Veja o que diz o Código Civil:

Art. 1.337. O condômino, ou possuidor, que não cumpre reiteradamente com os seus deveres perante o condomínio poderá, por deliberação de três quartos dos condôminos restantes, ser constrangido a pagar multa correspondente até ao quíntuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, conforme a gravidade das faltas e a reiteração, independentemente das perdas e danos que se apurem.

Parágrafo único. O condômino ou possuidor que, por seu reiterado comportamento anti-social, gerar incompatibilidade de convivência com os demais condôminos ou possuidores, poderá ser constrangido a pagar multa correspondente ao décuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, até ulterior deliberação da assembléia.

O caput do art. 1.337 do CC inovou ao permitir a aplicação de “multa” de até o quíntuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais (5x o valor da cota condominial), em face do condômino ou possuidor que não cumpra reiteradamente com os seus deveres com o condomínio, independente das perdas e danos que eventualmente venham a ser apurados.

A doutrina afirma que o art. 1.337 do CC trata do chamado “condômino nocivo” ou “antissocial”. Normalmente, os livros dão como exemplos o caso do condômino que pratica prostituição no imóvel, faz “jogo do bicho”, promove brigas etc. É possível incluir o condômino que reiteradamente atrasa a cota condominial no conceito de “condômino nocivo” ou “antissocial”?

SIM. Segundo o STJ, o “condômino nocivo” ou “antissocial” não é somente aquele que pratica atividades ilícitas, utiliza o imóvel para atividades de prostituição, promove a comercialização de drogas proibidas ou desrespeita constantemente o dever de silêncio, mas também aquele que deixa de contribuir de forma reiterada com o pagamento das despesas condominiais.

O caput do art. 1.337 do CC utilizou uma redação aberta e previu, de forma genérica, que a multa poderá ser aplicada ao condômino “que não cumpre reiteradamente com os seus deveres perante o condomínio”, sem fazer qualquer restrição ou óbice legal que impeça a aplicação ao devedor contumaz de débitos condominiais.

Não haveria bis in idem ao se aplicar a multa do § 1º do art. 1.336 cumulativamente com a multa do art. 1.337?

NÃO. Isso porque são multas com natureza e finalidade distintas.

 Multa do § 1º do art. 1.336: tem natureza jurídica moratória;

 Multa do art. 1.337: tem caráter sancionatório.

Ademais, essa cumulação se justifica em função de um valor superior chamado de “solidariedade condominial”, segundo a qual todos os condôminos devem cumprir seus deveres a fim de que seja garantida a continuidade e manutenção do próprio condomínio, impedindo que haja a ruptura da sua estabilidade econômico-financeira, o que provocaria dano considerável aos demais comunheiros.

A atitude do condômino que reiteradamente deixa de contribuir com o pagamento das despesas condominiais viola os mais comezinhos deveres anexos da boa-fé objetiva, principalmente a cooperação e lealdade, devendo tal atitude ser rechaçada veementemente, já que coloca em risco a continuidade da propriedade condominial.

Exige-se reiteração da conduta

Importante esclarecer que a aplicação da sanção com base no art. 1.337, caput, do Código Civil exige que o condômino seja devedor reiterado e contumaz em relação ao pagamento dos débitos condominiais, não bastando o simples inadimplemento involuntário de alguns débitos.

Direito de defesa

Vale ressaltar que, para que o condomínio aplique essa multa, é necessário que garanta ao condômino direito ao contraditório e à ampla defesa. Assim, a sanção prevista para o comportamento antissocial reiterado de condômino não pode ser aplicada sem que antes lhe seja conferido o direito de defesa. STJ. 4ª Turma. REsp 1.365.279-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 25/8/2015 (Info 570).

107
Q

O usufrutuário pode ajuizar ação reivindicatória contra terceiros ou contra o nu-proprietário?

A

Usufruto é o direito real e temporário de usar e fruir (retirar frutos e utilidades) coisa alheia (bem móvel ou imóvel), de forma gratuita, sem alterar-lhe a substância ou destinação econômica.

O usufrutuário detém a posse direta do bem. Além disso, como se trata de direito real, ele também possui o poder de sequela, podendo perseguir a coisa, aonde quer que ela vá. Como o usufrutuário detém a posse direta do bem, é óbvio que ele pode se valer das ações possessórias caso esteja sendo ameaçado em sua posse.

No entanto, como o usufruto é um direito real e como o usufrutuário detém poder de sequela, a doutrina e a jurisprudência também admitem que ele ajuíze ação reivindicatória – de caráter petitório – com o objetivo de fazer prevalecer o seu direito sobre o bem, seja contra o nu-proprietário, seja contra terceiros. STJ. 3ª Turma. REsp 1.202.843-PR, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 21/10/2014 (Info 550).

108
Q

É cabível oposição em ação de usucapião?

A

ão cabe intervenção de terceiros na modalidade de oposição na ação de usucapião. STJ. 3ª Turma.REsp 1.726.292-CE, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 12/02/2019 (Info 642).

Previsão

A oposição está prevista no art. 682 do CPC/2015:

Art. 682. Quem pretender, no todo ou em parte, a coisa ou o direito sobre que controvertem autor e réu poderá, até ser proferida a sentença, oferecer oposição contra ambos.

Natureza jurídica

No CPC/1973: era uma espécie de intervenção de terceiros. No CPC/2015: foi tratada como uma ação autônoma.

Qual é o meio processual para que o interessado impugne esse pedido do autor da ação de usucapião?

Contestação.

Assim, se Pedro entendeu que ele é quem tinha direito de usucapir o imóvel e que, portanto, o pedido de João deveria ser julgado improcedente, ele deveria ter exercido a sua pretensão por meio de uma contestação (e não por intermédio de oposição).

Falta de interesse processual

A oposição, como vimos, é uma ação judicial. Logo, somente deve ser conhecida se preencher as condições da ação e os pressupostos processuais.

Entre as condições da ação, está o interesse processual (ou interesse de agir).

Se o autor não tinha “necessidade” de ajuizar a ação que foi proposta, isso significa que essa ação não deverá ser conhecida por falta de interesse processual.

Assim, conclui-se que Pedro não tinha interesse processual para oferecer oposição porque a tutela por ele buscada podia ser alcançada pela simples contestação.

O indivíduo não tem necessidade de ingressar com oposição em uma ação de usucapião porque basta que ele apresente uma contestação. Se ele não tem necessidade, significa dizer que, se ajuizar oposição na ação de usucapião, esta oposição não deverá ser admitida por falta de interesse processual.

Essa é também a posição da doutrina:

“(…) cabe indagar se na ação de usucapião é possível que o terceiro se utilize da oposição como forma de demonstrar a existência de pretensão contraditória àquela formulada pelo autor. Posicionamo-nos pela negativa, justamente pela universalidade do juízo do usucapião. A citação nesse procedimento revela um ato complexo, e a manifestação de qualquer terceiro interessado revelara autêntica contestação, com a concretização do procedimento edital (art. 259 do CPC), que não se confunde com a citação por edital. Desta forma, a intervenção do terceiro nasce por força do ato citatório de caráter universal. Sendo ultrapassada a fase para a impugnarão, não poderá o terceiro valer-se da oposição”. (ARAÚJO, Fabio Caldas. Intervenção de terceiros. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 414-415)

Aquele que se opõe ao pedido do autor na ação de usucapião não é terceiro

Além do argumento acima, podemos também enunciar outro para não admitir a oposição: Pedro não pode ser considerado “terceiro” em relação ao direito material discutido na ação de usucapião.

Como a lei exige a convocação de todos os interessados para ingressarem no polo passivo da ação de usucapião, se assim desejarem, isso significa que neste procedimento não há a figura do terceiro.

Ora, se a lei determina a citação por edital de todos os interessados e Pedro ingressa no feito dizendo que é interessado, então ele é parte no processo (e não terceiro)

. Só o terceiro pode apresentar oposição. Se o indivíduo é parte, sua manifestação no processo nunca poderá ser feita por meio de oposição.

109
Q

Havendo estabelecimento de metragem mínima para imóveis urbanos em legislação municipal, é admissível o reconhecimento de usucapião de área que não a atinja?

A

Se forem preenchidos os requisitos do art. 183 da CF/88, a pessoa terá direito à usucapião especial urbana e o fato de o imóvel em questão não atender ao mínimo dos módulos urbanos exigidos pela legislação local para a respectiva área (dimensão do lote) não é motivo suficiente para se negar esse direito, que tem índole constitucional.

Requisitos da usucapião especial urbana

A usucapião especial urbana é prevista no art. 183 da CF/88, sendo também reproduzida no art. 1.240 do CC e no art. 9º da Lei n. 10.257/2001.

Para se ter direito à usucapião especial urbana, é necessário preencher os seguintes requisitos:

a) 250m2 : a pessoa deve estar na posse de uma área urbana de, no máximo, 250m2 ;
b) 5 anos: a pessoa deve ter a posse mansa e pacífica dessa área por, no mínimo, 5 anos ininterruptos, sem oposição de ninguém;
c) Moradia: o imóvel deve estar sendo utilizado para a moradia da pessoa ou de sua família;
d) Não ter outro imóvel: a pessoa não pode ser proprietária de outro bem imóvel (urbano ou rural).

Algumas observações:

 Não se exige que a pessoa prove que tinha um justo título ou que estava de boa-fé;

 Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez;

 É possível usucapião especial urbana de apartamentos (nesse caso, quando for calcular se o tamanho do imóvel é menor que 250m2 não se incluirá a área comum, como salão de festas etc, mas tão somente a parte privativa);

 O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.

A decisão do magistrado está correta? O fato de haver essa limitação na lei municipal impede que a pessoa tenha direito à usucapião especial urbana?

NÃO. A decisão do juiz não foi correta. Segundo decidiu o STF, se forem preenchidos os requisitos do art. 183 da CF/88, a pessoa terá direito à usucapião especial urbana e o fato de o imóvel em questão não atender ao mínimo dos módulos urbanos exigidos pela legislação local para a respectiva área (dimensão do lote) não é motivo suficiente para se negar esse direito, que tem índole constitucional. Para que seja deferido o direito à usucapião especial urbana basta o preenchimento dos requisitos exigidos pelo texto constitucional, de modo que não se pode impor obstáculos, de índole infraconstitucional, para impedir que se aperfeiçoe, em favor de parte interessada, o modo originário de aquisição de propriedade.

STJ

Não obsta o pedido declaratório de usucapião especial urbana o fato de a área do imóvel ser inferior à correspondente ao “módulo urbano” (a área mínima a ser observada no parcelamento de solo urbano por determinação infraconstitucional). STJ. 4ª Turma. REsp 1.360.017-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 5/5/2016 (Info 584).

110
Q

O juiz pode reconhecer de ofício a usucapião?

A

Alguns autores afirmam que a USUCAPIÃO também pode ser chamada de prescrição aquisitiva. Assim, existiriam em nosso ordenamento jurídico, duas formas de prescrição:

a) Prescrição extintiva (prescrição propriamente dita).
b) Prescrição aquisitiva (usucapião). O § 5º do art. 219 do CPC 1973 prevê que “o juiz pronunciará, de ofício, a prescrição”.

Essa regra do art. 219, § 5º do CPC 1973 aplica-se apenas para a prescrição extintiva ou também para a prescrição aquisitiva (usucapião)? O juiz pode reconhecer, de ofício, a usucapião? Ex: Pedro, mesmo sem ser proprietário, está morando em um imóvel há mais de 20 anos sem ser incomodado por ninguém; determinado dia, João (que figura no registro de imóveis como proprietário do bem) ajuíza ação de reintegração de posse; o juiz, mesmo sem que Pedro alegue, poderá declarar que houve usucapião (prescrição aquisitiva)?

NÃO. O § 5º do art. 219 do CPC 1973 não autoriza a declaração, de ofício, da usucapião. Em outras palavras, o juiz não pode reconhecer a usucapião a não ser que haja requerimento da parte. Não se aplica o § 5º do art. 219 do CPC 1973 à usucapião.

O disposto no § 5º do art. 219 está intimamente ligado às causas extintivas, conforme expressamente dispõe o art. 220.

Além disso, a prescrição extintiva e a usucapião são institutos diferentes, sendo inadequada a aplicação da disciplina de um deles frente ao outro, uma vez que a expressão “prescrição aquisitiva” como sinônima de usucapião, tem razões mais ligadas a motivos fáticos/históricos.

Essa conclusão acima exposta persiste com o CPC 2015?

SIM. Mesmo com o novo CPC, o juiz continuará sem poder declarar de ofício a usucapião. STJ. 4ª Turma. REsp 1.106.809-RS, Rel. originário Min. Luis Felipe Salomão, Rel. para acórdão Min. Marco Buzzi, julgado em 3/3/2015 (Info 560).

Por quê?

O § 5º do art. 219 do CPC 1973 não estabeleceu qualquer distinção em relação à espécie de prescrição. Sendo assim, num primeiro momento, até se poderia cogitar ser possível ao juiz declarar de ofício a aquisição mediante usucapião de propriedade. Entretanto, em uma análise mais calma, percebe-se que não se pode chegar a essa conclusão.

Primeiro, porque o disposto no § 5º do art. 219 está intimamente ligado às causas extintivas, conforme expressamente dispõe o art. 220.

Segundo, porque a prescrição extintiva e a usucapião são institutos diferentes, sendo inadequada a aplicação da disciplina de um deles frente ao outro, uma vez que a expressão “prescrição aquisitiva” como sinônima de usucapião, tem razões mais ligadas a motivos fáticos/históricos do que a contornos meramente temporais.

Essa diferenciação é imprescindível, sob pena de ocasionar insegurança jurídica, além de violação aos princípios do contraditório e ampla defesa, pois, no processo de usucapião, o direito de defesa assegurado ao confinante é impostergável, eis que lhe propicia oportunidade de questionar os limites oferecidos ao imóvel usucapiendo.

Como simples exemplo, se assim fosse, nas ações possessórias o demandante poderia obter um julgamento de mérito, pela procedência, antes mesmo da citação da outra parte, afinal, o magistrado haveria de reconhecer a prescrição (na hipótese, a aquisitiva-usucapião) já com a petição inicial, no primeiro momento.

Consequentemente, a outra parte teria eliminada qualquer possibilidade de defesa do seu direito de propriedade constitucionalmente assegurado, sequer para alegar uma eventual suspensão ou interrupção daquele lapso prescricional.

Ademais, conforme a doutrina, o juiz, ao sentenciar, não pode fundamentar o decidido em causa não articulada pelo demandante, ainda que por ela seja possível acolher o pedido do autor. Trata-se de decorrência do dever de o juiz decidir a lide “nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões, não suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte” (art. 128 do CPC). Ainda de acordo com a doutrina, essa vedação, em razão do princípio da igualdade das partes no processo, aplica-se não só ao demandado, mas, também, ao réu, de sorte que o juiz não poderia reconhecer ex officio de uma exceção material em prol do réu, como por exemplo, a exceção de usucapião.

111
Q

A decretação da falência da empresa proprietária do imóvel cuja posse está com terceiro, que age na condição de dano, interrompe o prazo da usucapião?

A

O curso da prescrição aquisitiva da propriedade de bem que compõe a massa falida é interrompido com a decretação da falência.

Ex: João é possuidor, há 4 anos e 6 meses, de uma área urbana de 200m2, que utiliza para a sua própria moradia. Ele não tem o título de propriedade dessa área, mas lá mora há todos esses anos sem oposição de ninguém. Imagine que foi decretada a falência da empresa que é proprietária desse imóvel. Isso significa que, neste instante, o prazo para João adquirir o bem por usucapião vai ser interrompido, ou seja, vai recomeçar do zero. STJ. 3ª Turma. REsp 1.680.357-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 10/10/2017 (Info 613).

A sentença declaratória de falência forma a massa falida subjetiva e objetiva. A massa objetiva é a afetação do patrimônio do falido como um todo para o pagamento das dívidas.

Vale ressaltar que a sentença declaratória da falência produz efeitos imediatos, tão logo prolatada pelo juízo concursal.

Com a decretação da falência, há a constrição geral do patrimônio do falido por meio de um ato de “penhoramento abstrato”. Isso quer dizer que, com a decretação da falência, é como se todos os bens do falido ficassem automaticamente vinculados ao pagamento das dívidas.

Essa constrição sobre os bens do falido ocorre independentemente de qualquer ato formal de penhora ou sequestro.

Desse modo, a pessoa que estava na posse do bem do falido aguardando o prazo da usucapião perde a a posse pela incursão do Estado na sua esfera jurídica.

112
Q

A falta de citação dos confinantes na ação de usucapião constitui causa de nulidade absoluta do processo?

A

o. Apesar de amplamente recomendável, a falta de citação dos confinantes não acarretará, por si, ou seja, obrigatoriamente, a nulidade da sentença que declara a usucapião. Não há que se falar em nulidade absoluta, no caso.

A ausência de citação dos confinantes e respectivos cônjuges na ação de usucapião é considerada hipótese de nulidade relativa, somente gerando a nulidade do processo caso se constate o efetivo prejuízo. STJ. 4ª Turma. REsp 1.432.579-MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 24/10/2017 (Info 616).

No CPC/2015 existe previsão expressa de citação dos confinantes?

SIM.

Essa obrigatoriedade encontra-se no art. 246, § 3º do CPC/2015 e pode ser assim resumida:

  • Regra: na ação de usucapião de imóvel, os confinantes serão citados pessoalmente.
  • Exceção: quando a ação de usucapião tiver por objeto unidade autônoma de prédio em condomínio, tal citação é dispensada.

Por que os confinantes têm que ser citados na ação de usucapião? Qual é a razão de o CPC trazer essa exigência?

Por duas razões:

1) os confinantes podem trazer informações úteis ao deslinde do processo;
2) a depender do caso concreto, o confinante pode ter que defender os limites de sua propriedade. Ex: o autor afirma que a fazenda objeto da usucapião termina depois do córrego; o confinante contesta essa alegação e comprova que a área do córrego já está dentro de sua propriedade.

Como explica Fábio Caldas de Araújo:

“Os confinantes atuam diretamente na avaliação das confrontações traçadas pelo requerente garantindo a integridade de suas respectivas propriedades. E de forma indireta atuam como testemunha do prescribente, delimitando o espaço geográfico em que o mesmo assenta sua posse ad usucapionem. (ARAÚJO, Fábio Caldas de. Usucapião. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 454).

Dessa forma, o principal objetivo da citação dos confinantes é o de evitar que eles sofram prejuízos, razão pela qual é indispensável a sua citação.

E o que acontece caso não haja a citação dos confinantes? Haverá nulidade absoluta do processo? NÃO.

Apesar de amplamente recomendável, a falta de citação dos confinantes não acarretará, por si, ou seja, obrigatoriamente, a nulidade da sentença que declara a usucapião. Não há que se falar em nulidade absoluta, no caso.

Como já dito, o principal intento da citação dos confinantes do imóvel usucapiendo é o de delimitar a área usucapienda, evitando, assim, eventual invasão indevida dos terrenos vizinhos.

Assim, apesar da relevância da participação dos confinantes (e respectivos cônjuges) na ação de usucapião, o que se conclui é que a ausência de citação dos referidos confinantes gera apenas nulidade relativa, de forma que somente invalidará a sentença caso fique demonstrado efetivo prejuízo ao confinante não citado. STJ. 4ª Turma. REsp 1.432.579-MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 24/10/2017 (Info 616).

Veja importante lição doutrinária nesse sentido:

“Caso qualquer dos confrontantes deixe de ser citado pessoalmente, a sentença que ferir interesses seus, que seriam defendidos na ação de usucapião, é, a nosso ver, inexistente, por falta de um pressuposto processual de existência do processo, como também o seria caso não fosse publicado o edital previsto no art. 942, II, do CPC.

Porém, se, apesar da falta de citação de um dos confrontantes, a sentença a ele não disser respeito, ou seja, a área usucapienda em nada afete sua área de domínio, posse ou qualquer outro interesse, não será caso de inexistência ou nulidade ou ineficácia da sentença, pois este não tem, neste caso, no processo, interesse de réu, de parte, fato que só se pode constatar ao final da ação. Daí a necessidade, por precaução, da citação de todos. Trata-se, pois, de necessariedade secundum eventum litis.” (PINTO, Nelson Luiz. Ação de usucapião. São Paulo: RT, 1991, p. 82-83)

E o que acontece caso não haja a citação do proprietário do imóvel (e seu cônjuge)?

Neste caso, o vício é mais grave. A sentença de usucapião proferida sem a citação do proprietário e seu cônjuge será considerada absolutamente ineficaz, inutiliter data, tratando-se de nulidade insanável.

113
Q

Particulares possuem legitimidade para ajuizar ação possessória que vise a resguardar o livre exercício do uso de via municipal (bem público de uso comum do povo) instituída como servidão de passagem?

A

Particulares podem ajuizar ação possessória para resguardar o livre exercício do uso de via municipal (bem público de uso comum do povo) instituída como servidão de passagem.

Ex: a empresa começou a construir uma indústria e a obra está invadindo a via de acesso (rua) que liga a avenida principal à uma comunidade de moradores locais. Os moradores possuem legitimidade para ajuizar ação de reintegração de posse contra a empresa alegando que a rua que está sendo invadida representa uma servidão de passagem. STJ. 3ª Turma. REsp 1.582.176-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 20/9/2016 (Info 590).

Bem de uso comum do povo

O art. 99 do Código Civil classifica os bens públicos de acordo com a sua destinação (ou afetação):

a) bem de uso comum do povo: São aqueles destinados à utilização geral pelos indivíduos, podendo ser utilizados por todos em igualdade de condições, independentemente de consentimento individualizado por parte do Poder Público (uso coletivo). Exs: ruas, praças, rios, praias etc

[…]

Desse modo, quando se fala em bem de uso comum do povo, o particular é o usuário concreto do bem e, como tal, pode ser considerado como titular de direito subjetivo público. Em outras palavras, se o seu direito de utilizar o bem de uso comum for violado, seja por terceiro, seja pela própria Administração Pública, ele poderá defender o seu direito de usar o bem, seja na via administrativa ou judicial.

Exemplo: se um rico empresário resolve construir uma casa na beira da praia e fechá-la, tornando-a privativa, qualquer outra pessoa poderá questionar judicialmente esta medida. Nesse sentido: DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 27ª ed., São Paulo: Atlas, 2014. p. 763-764

Possibilidade jurídica de o particular requerer a proteção possessória de bem público de uso comum

Realmente, o STJ possui inúmeros julgados afirmando que a ocupação irregular de bem público dominical não caracteriza posse, mas mera detenção, hipótese que afasta o reconhecimento de direitos em favor do particular com base em alegada boa-fé.

Assim, por exemplo, se o particular invade um bem público que não é utilizado para nada (ex: um terreno baldio), a jurisprudência entende que ele não é considerado possuidor, mas mero detentor. Logo, não poderá invocar a proteção possessória contra o Poder Público.

Esse entendimento, porém, não se aplica para o caso de um particular que está defendendo seu direito de usar um bem público de uso comum do povo. Aqui a situação é diferente.

No caso de bens públicos de uso comum do povo, podemos sim falar em posse e o particular poderá defendê-la em juízo. Nesse sentido: THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Procedimentos Especiais – vol. III, Rio de Janeiro: Forense, 2014, p.122).

Desse modo, podemos concluir que:

 o ordenamento jurídico não permite a proteção possessória em caso de particular que ocupe bens públicos dominicais, sendo esta situação caracterizada como mera detenção;

 é possível, no entanto, que particulares exerçam proteção possessória para garantir seu direito de utilizar bens de uso comum do povo, como é o caso, por exemplo, da tutela possessória para assegurar o direito de uso de uma via pública.

114
Q

Imagine a seguinte situação: a empresa “A” contratou uma contrutora para fazer um centro comercial no terreno pertencente a empresa “B”. A empresa “A” acabou não adimplindo o contrato com a construtora. A empresa “B” poderá ser responsabilizada pelo débito de “A”?

A

O construtor proprietário dos materiais poderá cobrar do proprietário do solo a indenização devida pela construção, quando não puder havê-la do contratante.

Ex: a empresa “A” contratou uma construtora para fazer um centro comercial no terreno pertencente à empresa “B”. A empresa “B”, mesmo não tendo participado do contrato, poderá ser responsabilizada subsidiariamente caso a construção seja realizada e a construtora não seja paga.

Aplica-se, ao caso, o parágrafo único do art. 1.257: “O proprietário das sementes, plantas ou materiais poderá cobrar do proprietário do solo a indenização devida, quando não puder havê-la do plantador ou construtor.” STJ. 4ª Turma. REsp 963.199-DF, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 11/10/2016 (Info 593).

A empresa “B”, proprietária do terreno, mesmo que não tenha sido a contratante da construção e embora não tenha qualquer vínculo obrigacional com a construtora, pode vir a ser responsabilizada pelo pagamento do débito por força do parágrafo único do art. 1.257 do CC:

Art. 1.257 (…) Parágrafo único. O proprietário das sementes, plantas ou materiais poderá cobrar do proprietário do solo a indenização devida, quando não puder havê-la do plantador ou construtor.

A construtora, na condição de proprietária dos materiais utilizados (tijolos, areia, cimento, ferros, azulejos etc), poderá cobrar da empresa “B”, proprietária do solo, a indenização devida pela construção, em virtude de não ter podido recebê-la do construtor da obra (empresa “A”).

Vale ressaltar que a empresa “B” adquiriu a propriedade da construção que foi realizada em seu terreno por meio do instituto chamado de “acessão”.

“Acessão é o modo originário aquisitivo de propriedade em razão do qual o proprietário de um bem passa a adquirir a titularidade de tudo que a ele se adere. Isto é, pela acessão contínua, uma coisa se une ou se incorpora materialmente a outra, em estado permanente, por ação humana ou causa natural, e o proprietário da coisa principal adquire a propriedade da coisa acessória que se lhe uniu ou incorporou.

[…]

A acessão como modo de aquisição de propriedade imóvel pode-se dar de imóvel a imóvel (aluvião, avulsão, formação de ilhas, álveo abandonado) e de móvel a imóvel (plantações e construções). Subdividese ainda em acessão natural (aluvião, avulsão, álveo abandonado, formação de ilhas) ou artificial (construções e plantações).

Este modo de aquisição da propriedade é centrado em dois problemas jurídicos: a) a quem atribuir a propriedade da coisa acedente à principal; b) as consequências patrimoniais decorrentes da acessão

A primeira questão é solucionada invocando-se a antiga parêmia de que o acessório segue o principal. O fundamento jurídico da acessão repousa na inconveniência de destacar-se o que acede ao principal, pois é preferível atribuir a propriedade toda do dono da coisa principal do que estabelecer um condomínio indesejável entre os proprietários das coisas que se uniram. Percebe-se que as regras da acessão objetivam indicar qual será a propriedade preponderante, quando o acréscimo é de titularidade diversa da coisa que foi acrescida.

O segundo problema é examinado de forma a, sempre que possível, indenizar o titular desfalcado da propriedade, em respeito ao princípio que veda o enriquecimento sem causa.” (FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Direito Reais. Vol. V. 5ª ed. Juspodivm: Salvador, 2013, p. 482-483)

O ordenamento jurídico pátrio repudia o enriquecimento sem causa. Assim, a construção representou um acréscimo no patrimônio da empresa “B” e, em razão disso, esta, na qualidade de proprietária do lote, pode ser subsidiariamente responsabilizada, restando-lhe ajuizar ação de regresso contra a empresa contratante (“A”) caso entenda que esta lhe deve algum valor.

115
Q

No caso de alienação fiduciária, como deve ser feita a notificação do devedor? Do ato deverá constar obrigatoriamente a assinatura do devedor?

A

Essa notificação é feita por meio de carta registrada com aviso de recebimento. Logo, não precisa mais ser realizada por intermédio do Cartório de RTD.

A Lei 13.043\2014 alterou o pár. 2 do art. 2 do DL 911\69, deixando expresso que não se exige que a assinatura constante do aviso de recebimento seja do próprio destinatário.

OBSERVAÇÃO:

Em alienação fiduciária de imóvel (Lei n 9.514\1997), é nula a intimação do devedor para oportunizar a purgação de mora realizada por meio de carta com aviso de recebimento quando esta for recebida por pessoa desconhecida e alheia à relação jurídica.

Ficar atento, porém, as inovações trazidas pela Lei 13.465\2017:

Art. 26.

§ 3º A intimação far-se-á pessoalmente ao fiduciante, ou ao seu representante legal ou ao procurador regularmente constituído, podendo ser promovida, por solicitação do oficial do Registro de Imóveis, por oficial de Registro de Títulos e Documentos da comarca da situação do imóvel ou do domicílio de quem deva recebê-la, ou pelo correio, com aviso de recebimento.

§ 3o-A. Quando, por duas vezes, o oficial de registro de imóveis ou de registro de títulos e documentos ou o serventuário por eles credenciado houver procurado o intimando em seu domicílio ou residência sem o encontrar, deverá, havendo suspeita motivada de ocultação, intimar qualquer pessoa da família ou, em sua falta, qualquer vizinho de que, no dia útil imediato, retornará ao imóvel, a fim de efetuar a intimação, na hora que designar, aplicando-se subsidiariamente o disposto nos arts. 252, 253 e 254 da Lei no 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil). (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)

§ 3o-B. Nos condomínios edilícios ou outras espécies de conjuntos imobiliários com controle de acesso, a intimação de que trata o § 3o-A poderá ser feita ao funcionário da portaria responsável pelo recebimento de correspondência. (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)

116
Q

A notificação destinada a comprovar a mora nas dívidas garantidas por alienação fiduciária deve conter a indicação do valor do débito, sob pena de ineficácia?

A

SÚMULA N. 245 do STJ. A notificação destinada a comprovar a mora nas dívidas garantidas por alienação fiduciária dispensa a indicação do valor do débito.

117
Q

Ocorrendo a apreensão do bem, no caso de alienação fifuciária, o devedor tem direito a purgar a mora?

A

Nos contratos firmados na vigência da Lei 10.931/2004, compete ao devedor, no prazo de 5 (cinco) dias após a execução da liminar na ação de busca e apreensão, pagar a integralidade da dívida - entendida esta como os valores apresentados e comprovados pelo credor na inicial -, sob pena de consolidação da propriedade do bem móvel objeto de alienação fiduciária STJ. 2ª Seção. REsp 1.418.593-MS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 14/5/2014 (recurso repetitivo).

Nos contratos anteriores à vigência da Lei n. 10.931/2004, é permitida a purgação da mora?

SIM. Antes da Lei n. 10.931/2004 era permitida a purgação da mora, desde que o devedor já tivesse pago no mínimo 40% do valor financiado. Tal entendimento estava, inclusive, consagrado em um enunciado do STJ:

Súmula 284-STJ: A purga da mora, nos contratos de alienação fiduciária, só é permitida quando já pagos pelo menos 40% (quarenta por cento) do valor financiado.

A súmula 284-STJ ainda é válida?

Para contratos anteriores à Lei 10.931/2004: SIM.

Para contratos posteriores à Lei 10.931/2004: NÃO.

O que acontece em caso de inadimplemento do mutuário (em nosso exemplo, Antônio)?

Havendo mora por parte do mutuário, o procedimento será o seguinte (regulado pelo DL 911/69):

 Protesto do título ou notificação do credor: o credor (mutuante) deverá fazer o protesto do título ou a notificação extrajudicial do devedor, por meio do Cartório de Registro de Títulos e Documentos, de que este se encontra em débito, comprovando, assim, a mora (Agora basta carta com AR).

Súmula 72 do STJ: A comprovação da mora é imprescindível à busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente.

Obs: a notificação não precisa ser pessoal, bastando que seja entregue no endereço do devedor.

 Ajuizamento da ação: após comprovar a mora, o mutuante (Banco “X”) poderá ingressar com uma ação de busca e apreensão requerendo que lhe seja entregue o bem (art. 3º do DL 911/69). Essa busca e apreensão prevista no DL 911/69 é uma ação especial autônoma e independente de qualquer procedimento posterior.

 Concessão da liminar: o juiz concederá a busca e apreensão de forma liminar (sem ouvir o devedor), desde que comprovada a mora ou o inadimplemento do devedor (art. 3º do DL 911/69).

 Apreensão do bem: o bem é apreendido e entregue ao credor.

 Possibilidade de pagamento integral da dívida: no prazo de 5 dias após o cumprimento da liminar (apreensão do bem), o devedor fiduciante poderá pagar a integralidade da dívida pendente, segundo os valores apresentados pelo credor fiduciário na inicial, hipótese na qual o bem lhe será restituído livre do ônus (§ 2º do art. 3º do DL 911/69). Veja o dispositivo legal:

Art. 3º (…)

§ 1º Cinco dias após executada a liminar mencionada no caput, consolidar-se-ão a propriedade e a posse plena e exclusiva do bem no patrimônio do credor fiduciário, cabendo às repartições competentes, quando for o caso, expedir novo certificado de registro de propriedade em nome do credor, ou de terceiro por ele indicado, livre do ônus da propriedade fiduciária. (Redação dada pela Lei 10.931/2004)

§ 2º No prazo do § 1º, o devedor fiduciante poderá pagar a integralidade da dívida pendente, segundo os valores apresentados pelo credor fiduciário na inicial, hipótese na qual o bem lhe será restituído livre do ônus. (Redação dada pela Lei 10.931/2004)

 Contestação: no prazo de 15 dias após o cumprimento da liminar (apreensão do bem), o devedor fiduciante apresentará resposta (uma espécie de contestação).

Obs1: a resposta poderá ser apresentada, ainda que o devedor tenha decidido pagar a integralidade da dívida, caso entenda ter havido pagamento a maior e deseje a restituição.

Obs2: nesta defesa apresentada pelo devedor, é possível que ele invoque a ilegalidade das cláusulas contratuais (ex: juros remuneratórios abusivos). Se ficar provado que o contrato era abusivo, isso justificaria o inadimplemento e descaracterizaria a mora.

 Sentença: da sentença proferida, cabe apelação apenas no efeito devolutivo.

118
Q

É possível a discussão sobre a legalidade de cláusulas contratuais como matéria de defesa na ação de busca e apreensão decorrente de alienação fiduciária?

A

Consolidou-se o entendimento no STJ de que é admitida a ampla defesa do devedor no âmbito da ação de busca e apreensão decorrente de alienação fiduciária, sendo possível discutir em contestação eventual abusividade contratual, uma vez que essa matéria tem relação direta com a mora, pois justificaria ou não a busca e apreensão do bem (Info 509 do STJ).

119
Q

Se o devedor de contrato de alienação fiduciária estiver em processo de recuperação judicial ou extrajudicial, mesmo assim será possível a busca e apreensão do bem?

A

Sim.

DL 911\69: Art. 6o-A. O pedido de recuperação judicial ou extrajudicial pelo devedor nos termos da Lei no 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, não impede a distribuição e a busca e apreensão do bem. (Incluído pela Lei nº 13.043, de 2014)

120
Q

Na alienação fiduciária do bem imóvel, é possível que ocorra a purgação da mora mesmo após já ter havida a consolidação da propriedaed em nome do credor?

A

Na alienação fiduciária de bem imóvel, é possível que ocorra a purgação da mora mesmo após já ter havido a consolidação da propriedade em nome do credor? Até que momento é possível a purgação?

SIM. Mesmo que já consolidada a propriedade do imóvel dado em garantia em nome do credor fiduciário, é possível a purgação da mora.

Em verdade, a purgação é admitida até a assinatura do auto de arrematação.

Nos contratos de alienação fiduciária de bem imóvel (regido pela Lei 9.514/97) aplica, subsidiariamente, o Decreto-Lei 70/1966, que prevê o seguinte que “é lícito ao devedor, a qualquer momento, até a assinatura do auto de arrematação, purgar o débito”. STJ. 3ª Turma. REsp 1.462.210-RS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 18/11/2014 (Info 552)

Parcelas que deverão ser pagas

Na notificação constará a advertência de que o devedor, no prazo de 15 dias, deverá pagar:  a prestação vencida e as que se vencerem até a data do pagamento;  os juros convencionais;  as penalidades;  os demais encargos contratuais;  os encargos legais (inclusive tributos);  as contribuições condominiais;  e as despesas de cobrança e de intimação.

Dessa forma, o devedor terá 15 dias para purgar a mora.

Havendo a purgação da mora, convalescerá o contrato de alienação fiduciária, ou seja, será restabelecida a sua vigência.

E o que acontece se o devedor não purgar a mora no prazo de 15 dias?

Decorrido o prazo sem a purgação da mora, o oficial do Registro de Imóveis certificará esse fato e promoverá a averbação, na matrícula do imóvel, da consolidação da propriedade em nome do fiduciário (credor) (§ 7º do art. 26). Em outras palavras, o credor passa a ser o proprietário pleno do imóvel.

Leilão

Após ser consolidada a propriedade em nome do fiduciário (credor), este terá o prazo de 30 dias, contados da data do registro, para promover leilão público para a alienação do imóvel (art. 27, caput). Depois de o bem ter sido alienado, é lavrado um auto de arrematação.

Na alienação fiduciária de bem imóvel, é possível que ocorra a purgação da mora mesmo após já ter havido a consolidação da propriedade em nome do credor? Até que momento é possível a purgação?

SIM. Mesmo que já consolidada a propriedade do imóvel dado em garantia em nome do credor fiduciário, é possível a purgação da mora.

Em verdade, a purgação é admitida até a assinatura do auto de arrematação.

Nos contratos de alienação fiduciária de bem imóvel (regido pela Lei 9.514/97) aplica, subsidiariamente, o Decreto-Lei 70/1966, que prevê o seguinte que “é lícito ao devedor, a qualquer momento, até a assinatura do auto de arrematação, purgar o débito”. STJ. 3ª Turma. REsp 1.462.210-RS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 18/11/2014 (Info 552).

121
Q

É abusiva a cláusula de juros compensatória incidentes em períodos anterior à entrega das chaves nos contratos de compromisso de compra e venda de imóveis em construção sob o regimento de incorporação imobiliária?

A

Não é abusiva a cláusula de cobrança de juros compensatórios incidentes em período anterior à entrega das chaves nos contratos de compromisso de compra e venda de imóveis em construção sob o regime de incorporação imobiliária. Em outras palavras, os “juros no pé” não são abusivos.

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. DIREITO CIVIL. INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA.
IMÓVEL EM FASE DE CONSTRUÇÃO. COBRANÇA DE JUROS COMPENSATÓRIOS ANTES DA ENTREGA DAS CHAVES. LEGALIDADE.
1. Na incorporação imobiliária, o pagamento pela compra de um imóvel em fase de produção, a rigor, deve ser à vista. Nada obstante, pode o incorporador oferecer prazo ao adquirente para pagamento, mediante parcelamento do preço. Afigura-se, nessa hipótese, legítima a cobrança de juros compensatórios.
2. Por isso, não se considera abusiva cláusula contratual que preveja a cobrança de juros antes da entrega das chaves, que, ademais, confere maior transparência ao contrato e vem ao encontro do direito à informação do consumidor (art. 6º, III, do CDC), abrindo a possibilidade de correção de eventuais abusos.
3 No caso concreto, a exclusão dos juros compensatórios convencionados entre as partes, correspondentes às parcelas pagas antes da efetiva entrega das chaves, altera o equilíbrio financeiro da operação e a comutatividade da avença.
4. Precedentes: REsp n. 379.941/SP, Relator Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 3/10/2002, DJ 2/12/2002, p. 306, REsp n. 1.133.023/PE, REsp n. 662.822/DF, REsp n.
1.060.425/PE e REsp n. 738.988/DF, todos relatados pelo Ministro ALDIR PASSARINHO JÚNIOR, REsp n. 681.724/DF, relatado pelo Ministro PAULO FURTADO (Desembargador convocado do TJBA), e REsp n.
1.193.788/SP, relatado pelo Ministro MASSAMI UYEDA.
5. Embargos de divergência providos, para reformar o acórdão embargado e reconhecer a legalidade da cláusula do contrato de promessa de compra e venda de imóvel que previu a cobrança de juros compensatórios de 1% (um por cento) a partir da assinatura do contrato.
(EREsp 670.117/PB, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, Rel. p/ Acórdão Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 13/06/2012, DJe 26/11/2012)

Antigo entendimento:

DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. COBRANÇA DE JUROS COMPENSATÓRIOS DURANTE A OBRA. “JUROS NO PÉ”. ABUSIVIDADE. INEXISTÊNCIA DE EMPRÉSTIMO, FINANCIAMENTO OU QUALQUER USO DE CAPITAL ALHEIO. 1. Em contratos de promessa de compra e venda de imóvel em construção, descabe a cobrança de juros compensatórios antes da entrega das chaves do imóvel - “juros no pé” -, porquanto, nesse período, não há capital da construtora/incorporadora mutuado ao promitente comprador, tampouco utilização do imóvel prometido. 2. Em realidade, o que há é uma verdadeira antecipação de pagamento, parcial e gradual, pelo comprador, para um imóvel cuja entrega foi contratualmente diferida no tempo. Vale dizer, se há aporte de capital, tal se verifica por parte do comprador para com o vendedor, de sorte a beirar situação aberrante a cobrança reversa de juros compensatórios, de quem entrega o capital por aquele que o toma de empréstimo. 3. Recurso especial improvido.

TRECHOS DO INTERIOR TEOR DA TESE VENCEDORA:

“Sem razão alguma os recorrentes. Como está claro no Acórdão recorrido as rés fixaram o mesmo preço tanto para a compra com pagamento de uma só vez como para pagamento parcelado e previram, apenas, os juros legais nesta última, daí que não seria “justo que, optando pela forma parcelada de pagamento do bem, o adquirente pagasse o mesmo preço se à vista fosse o pagamento, em verdadeira desvantagem, aí sim, àqueles que optaram por pagar o valor do bem de uma só vez”. Com razão o Acórdão recorrido quando afirma que “não há que se falar que a cláusula contratual que prevê a incidência de juros para o pagamento parcelado do bem se trata de condição abusiva, ou leonina” , sendo certo que não tem pertinência a alegação dos autores de que os juros somente deveriam ter sido cobrados quando da entrega da unidade, avalizando a sentença que asseriu que “equivocam-se os autores, quando aduzem que só nasce o contrato de mútuo quando da entrega da unidade. Não existe mútuo, mas pagamento, que, em regra, nos contratos de incorporação imobiliária, é feito na data da celebração, e não na da entrega da unidade”.

Em conclusão: não é abusiva a cláusula do contrato de compra e venda de imóvel que considera acréscimo no valor das prestações, desde a data da celebração, como condição para o pagamento parcelado. “(Citação)

De início, relembro que, no contrato de incorporação, a comercialização de unidade imobiliária ainda em produção facilita o acesso à moradia na maioria dos casos e, muitas vezes, representa um excelente investimento para o adquirente, pois o que normalmente acontece nessa modalidade de venda é que o preço do imóvel na planta é bastante inferior ao preço do imóvel pronto.

Na lição de MARIA HELENA DINIZ, “a incorporação é um empreendimento que visa obter, pela venda antecipada dos apartamentos, o capital necessário para a construção do prédio.” (Curso de Direito Civil Brasileiro. Vol. 3. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 682). Nesse sentido, a Lei n. 4.591/1964, em seu art. 29, assim define o incorporador:

“a pessoa física ou jurídica, comerciante ou não, que embora não efetuando a construção, compromisse ou efetive a venda de frações ideais de terreno objetivando a vinculação de tais frações a unidades autônomas, em edificações a serem construídas ou em construção sob regime condominial, ou que meramente aceite propostas para efetivação de tais transações, coordenando e levando a termo a incorporação e responsabilizando-se, conforme o caso, pela entrega, a certo prazo, preço e determinadas condições, das obras concluídas”.

Em obra clássica sobre o assunto, CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA define o incorporador como “toda pessoa física ou jurídica que promova a construção para alienação total ou parcial de edificação composta de unidades autônomas, qualquer que seja a sua natureza ou destinação” (Condomínio e Incorporações. 10ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998).

Assim, enquanto o comprador tem a obrigação de pagar o preço ajustado, o incorporador, por sua vez, assume toda a responsabilidade pela conclusão do empreendimento: aquisição do terreno, concepção do projeto de edificação, aprovação dos documentos junto aos órgãos competentes, efetuação dos registros no Cartório, construção da obra (ou sua supervisão) e venda das unidades, diretamente ou por meio de terceiros.

O pagamento pela compra de um imóvel em fase de produção, a rigor, deve ser feito à vista. Nada obstante, pode o incorporador oferecer certo prazo ao adquirente para o pagamento, mediante parcelamento do preço, que pode se estender, como é o caso concreto objeto deste recurso, a prazos que vão além do tempo previsto para o término da obra. É, sem dúvida, um favorecimento financeiro que se oferece ao comprador. Em tal hipótese, em decorrência dessa convergência de interesses, o incorporador estará antecipando os recursos que são de responsabilidade do adquirente, destinados a assegurar o regular andamento do empreendimento. Afigura-se, nessa situação, legítima a cobrança de juros compensatórios.

O Ministro aposentado RUY ROSADO DE AGUIAR, em trabalho acadêmico no qual analisa a diferença entre venda a crédito e venda financiada, esclarece que:

“Se a relação é apenas entre fornecedor e comprador, não há mútuo, mas simples crédito concedido pelo comerciante. Nesse caso, o comerciante, que não realiza financiamento, nem é uma instituição financeira, pode cobrar juro.” (Os juros na perspectiva do código civil. In: PFEIFFER, Roberto Augusto Castelhanos e PASQUALOTTO, Adalberto (Coordenadores). “Código de Defesa do consumidor e Código Civil de 2002: convergências e assimetrias”. Biblioteca de Direito do Consumidor. Vol. 26. São Paulo: RT, 2005, p. 165).

A propósito, como destacou o Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO em seu voto paradigma antes transcrito, seria realmente injusto que, optando pela compra parcelada, o adquirente pagasse exatamente o mesmo preço da compra à vista, sem nenhum acréscimo, o que representaria uma desvantagem exagerada para aqueles que optaram pelo pagamento imediato.

De fato, como reiteradamente alertam os órgãos de defesa dos consumidores, não existe venda a prazo pelo preço de venda à vista. O que pode acontecer é o consumidor comprar à vista pagando o preço correspondente da venda a prazo.

Quanto ao argumento segundo o qual não se trata de venda, mas de simples promessa, a lei e a remansosa jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e deste Superior Tribunal de Justiça conferem, de modo eloquente, a necessária segurança jurídica ao instituto da promessa de compra e venda de imóvel. Também não me convence o argumento de que antes da entrega das chaves não haveria o uso e o gozo do imóvel por parte do adquirente. Tais circunstâncias são da índole das incorporações imobiliárias, como bem atesta MELHIM NAMEM CHALHUB:

“a) contrato de promessa de compra e venda da unidade como ‘coisa futura’ É modalidade que se utiliza nas hipóteses, muito freqüentes, em que o incorporador assume o risco da construção, estabelecendo desde logo o preço final da unidade e obrigando-se a entregá-la concluída e averbada no Registro de Imóveis. Nesse caso, o incorporador outorga um contrato de promessa de compra e venda no qual se convenciona sua obrigação de transmitir a propriedade da futura unidade, com a obrigação do adquirente, na contrapartida, de pagar-lhe o preço em parcelas. (…).” (Da incorporação imobiliária. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 174).

Ademais, sobre os custos totais de uma incorporação imobiliária incidem custos financeiros de diversas naturezas, sendo os decorrentes do parcelamento do preço apenas um deles.

Ninguém duvida que esses juros compensatórios, relativos ao período anterior à entrega das chaves, se não puderem ser convencionados no contrato, serão incluídos no preço final da obra e suportados pelo adquirente, sendo dosados, porém, de acordo com a boa ou má intenção do incorporador.

Em tais condições, concluo que a melhor forma de se preservar o direito à informação do consumidor, conforme exige o art. 6º, III, do CDC, é permitir a previsão, expressamente convencionada no instrumento contratual, da cobrança dos juros compensatórios sobre todo o valor parcelado do preço de aquisição do bem.

Com efeito, se os juros compensatórios estiverem previstos no compromisso de compra e venda, o incorporador estará assumindo que não os incluiu no custo final da obra. Isso traz maior transparência ao contrato, abrindo inclusive a possibilidade de o Judiciário corrigir eventuais abusos.

Por tudo isso, não considero abusiva a cláusula que prevê a cobrança de juros compensatórios, incidentes em período anterior à entrega das chaves, em compromissos de compra e venda de imóveis em construção sob o regime de incorporação imobiliária.

122
Q

No uso de inadimplência de adquirentes de lotes, pode o loteador ajuizar ação ordinária com intuito de rescindir o contrato de promessa de compra e venda mesmo que ainda não tenha sido efetuado o registro do parcelamento do solo?

A

Deve ser extinto sem resolução de mérito o processo decorrente do ajuizamento, por loteador, de ação ordinária com o intuito de, em razão da suposta inadimplência dos adquirentes do lote, rescindir contrato de promessa de compra e venda de imóvel urbano loteado sem o devido registro do respectivo parcelamento do solo, nos termos da Lei 6.766/1979. STJ. 3ª Turma. REsp 1.304.370-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 24/4/2014 (Info 543).

Imagine a seguinte situação hipotética:

João celebrou contrato de promessa de compra e venda com determinado loteador urbano (empresa que faz loteamentos, nos termos da Lei n. 6.766/79).

Por meio do contrato, o loteador (promitente vendedora) comprometeu-se a vender a João um imóvel no loteamento “Jardim Feliz”.

Em contrapartida, João obrigou-se a pagar o valor de 96 mil reais, parcelados em 48 meses.

Ao final, tendo sido efetuado todo o pagamento, a empresa transferiria a propriedade do bem.

Durante a vigência do contrato, João já ficaria na posse do lote.

Ação de rescisão

João cumpriu regularmente sua obrigação durante 10 meses.

A partir daí, deixou de pagar as prestações. Diante disso, o loteador propôs ação de rescisão do contrato, cumulada com reintegração na posse e perdas e danos.

Contestação

Em sua defesa, o promitente comprador alegou que deixou de pagar porque o referido loteamento comercializado pelo loteador não estava devidamente legalizado.

A discussão chegou até o STJ. O que decidiu a Corte?

Segundo o STJ, o processo deve ser extinto sem resolução de mérito em virtude de o pedido formulado pelo autor ser juridicamente impossível (art. 267, VI, do CPC), ou seja, vedado pelo ordenamento jurídico.

Por quê?

O contrato celebrado violou o art. 37 da Lei n. 6.766/79 (Lei do parcelamento do solo urbano):

Art. 37. É vedado vender ou prometer vender parcela de loteamento ou desmembramento não registrado.

Além disso, a Lei exige do autor da ação de resolução do contrato de promessa de compra e venda a comprovação da regularidade do loteamento, parcelamento ou da incorporação. Confira:

Art. 46. O loteador não poderá fundamentar qualquer ação ou defesa na presente Lei sem apresentação dos registros e contratos a que ela se refere.

A venda irregular de imóvel situado em loteamento não regularizado constitui ato jurídico com objeto ilícito. Dessa forma, constatada a ilicitude do objeto do contrato em análise (promessa de compra e venda de imóvel loteado sem o devido registro do respectivo parcelamento do solo urbano), deve-se concluir pela sua nulidade.

Por conseguinte, caracterizada a impossibilidade jurídica do pedido, o processo deve ser extinto sem resolução do mérito, nos termos do art. 267, VI, do CPC:

Art. 267. Extingue-se o processo, sem resolução de mérito: VI - quando não concorrer qualquer das condições da ação, como a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual;

123
Q

No caso de rescisão de contrato de compra e venda, é devida a indenização por acessões ou benfeitorias feitas sem licença do munípio?

A

Em ação que busque a rescisão de contrato de compra e venda de imóvel urbano, antes de afastar a indenização pelas benfeitorias ou acessões realizadas sem a obtenção de licença da prefeitura municipal (art. 34, parágrafo único, da Lei 6.766/1979), é necessário apurar se a irregularidade é insanável.

  • Se a irregularidade pela falta de licença puder ser sanada e a construção e benfeitorias puderem ser mantidas no imóvel: haverá direito de o possuidor ser indenizado, descontando-se eventuais multas e outras despesas que o vendedor tenha na Prefeitura para regularização.
  • Se a irregularidade não puder ser sanada e a construção e benfeitorias tiverem que ser retiradas: NÀO haverá direito de o possuidor ser indenizado. STJ. 4ª Turma. REsp 1.191.862-PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 16/5/2014 (Info 542).

Imagine a seguinte situação hipotética:

João celebrou contrato de promessa de compra e venda com determinada incorporadora.

Por meio do contrato, a incorporadora (promitente vendedora) comprometeu-se a vender a João um imóvel no loteamento “Jardim Feliz”.

Em contrapartida, João obrigou-se a pagar o valor de 96 mil reais, parcelados em 48 meses.

Ao final, tendo sido efetuado todo o pagamento, a empresa transferiria a propriedade do bem.

Durante a vigência do contrato, João já ficaria na posse do imóvel.

Ação de rescisão

João cumpriu regularmente sua obrigação durante 10 meses. A partir daí, deixou de pagar as prestações. Diante disso, a empresa propôs ação de rescisão do contrato, cumulada com reintegração na posse e perdas e danos.

Direito de retenção

João apresentou contestação na qual afirma que já construiu uma casa no terreno e, por isso, pede o direito de retenção pelas acessões e benfeitorias realizadas no local.

Em outras palavras, o réu sustentou que era possuidor de boa fé do imóvel e que tem o direito de, antes de ser retirado do local, receber indenização pelas acessões e benfeitorias que fez. Invocou para tanto o art. 1.219 do CC e o art. 34 da Lei n. 6.766/79:

Art. 1.219. O possuidor de boa-fé tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis, bem como, quanto às voluptuárias, se não lhe forem pagas, a levantá-las, quando o puder sem detrimento da coisa, e poderá exercer o direito de retenção pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis.

Art. 34. Em qualquer caso de rescisão por inadimplemento do adquirente, as benfeitorias necessárias ou úteis por ele levadas a efeito no imóvel deverão ser indenizadas, sendo de nenhum efeito qualquer disposição contratual em contrário.

Obs1: apesar de o art. 1.219 do CC e do art. 34 da Lei n. 6.766/79 mencionarem apenas “benfeitorias”, a doutrina majoritária e o STJ entendem que o direito de retenção abrange também as acessões (como é o caso de uma casa construída em um terreno). Nesse sentido: STJ. 3ª Turma. Resp 1.316.895/SP, julgado em 11/06/2013.

Obs2: nas ações possessórias, o direito de retenção deverá ser alegado no momento da contestação, sob pena de preclusão (STJ. 3ª Turma. REsp 1.278.094-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 16/8/2012).

Réplica

A incorporadora refutou o argumento do réu quanto ao direito de retenção, afirmando que a casa (acessão) e as benfeitorias foram realizadas sem que João tivesse, previamente, obtido alvará do Município. Logo, essa construção e benfeitorias foram feitas de forma irregular, não merecendo ser indenizadas, conforme previsto no art. 34, parágrafo único, da Lei n. 6.766/79 (Lei do Parcelamento Urbano):

Art. 34. Em qualquer caso de rescisão por inadimplemento do adquirente, as benfeitorias necessárias ou úteis por ele levadas a efeito no imóvel deverão ser indenizadas, sendo de nenhum efeito qualquer disposição contratual em contrário.

Parágrafo único. Não serão indenizadas as benfeitorias feitas em desconformidade com o contrato ou com a lei.

A questão chegou até o STJ. O que decidiu a Corte?

Em ação que busque a rescisão de contrato de compra e venda de imóvel urbano, antes de afastar a indenização pelas benfeitorias ou acessões realizadas sem a obtenção de licença da prefeitura municipal (art. 34, parágrafo único, da Lei n. 6.766/79), é necessário apurar se a irregularidade é insanável.

A licença para construir é um requisito imprescindível a qualquer obra realizada em terreno urbano. No entanto, a ausência de licença para construir emitida pela prefeitura municipal é irregularidade que pode ser ou não sanável, a depender do caso concreto:

 Se a irregularidade pela falta de licença puder ser sanada e a construção e benfeitorias puderem ser mantidas no imóvel: haverá direito de o possuidor que as realizou ser indenizado.

 Se a irregularidade não puder ser sanada e a construção e benfeitorias tiverem que ser retiradas: NÃO haverá direito de o possuidor que as realizou ser indenizado.

Desse modo, antes de decidir sobre a obrigação de indenizar as acessões e benfeitorias, é necessário apurar a situação junto à Prefeitura e eventual necessidade de demolição da obra.

A solução acima tem por objetivo evitar o enriquecimento ilícito de qualquer dos litigantes.

124
Q

É devida a condenação ao pagamento de taxa de ocupação (aluguéis) pelo período em que o comprador permanece na posse do bem imóvel, no caso de rescisão do contrato de promessa de compra e venda, mesmo que o vendedor tenha dado causa ao desfazimento do negócio?

A

É devida a condenação ao pagamento de taxa de ocupação (aluguéis) pelo período em que o comprador permanece na posse do bem imóvel, no caso de rescisão do contrato de promessa de compra e venda, independentemente de ter sido o vendedor quem deu causa ao desfazimento do negócio.

Ex: João e Pedro celebraram promessa de compra e venda de um apartamento. Pedro (promitente comprador) estava morando no imóvel há 6 meses e pagando regularmente as prestações. Ocorre que o contrato foi desfeito por culpa de João. Todo o valor pago por Pedro deverá ser devolvido, assim como ele terá que ser indenizado pelas benfeitorias que realizou.

Por outro lado, Pedro terá que pagar taxa de ocupação (aluguel) pelos meses em que morou no apartamento. O fundamento para isso não está na culpa, mas sim na proibição do enriquecimento sem causa. STJ. 3ª Turma.REsp 1.613.613-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 12/06/2018 (Info 629).

As partes devem retornar ao status quo ante e morar de graça no imóvel representaria um enriquecimento sem causa do promitente comprador.

O desfazimento do negócio jurídico de compra e venda do imóvel motiva o retorno das partes ao estado anterior com, de um lado, a devolução do preço pago e a indenização pelas benfeitorias e, de outro, a restituição do imóvel e o pagamento de aluguéis pelo período de ocupação do bem objeto do contrato rescindido.

Em outras palavras, o descumprimento contratual por parte do vendedor provoca determinadas consequências que, todavia, não isentam o comprador de remunerar o proprietário pelo período de ocupação do bem.

Esse é o entendimento reiterado do STJ:

(…) Apesar de a rescisão contratual ter ocorrido por culpa da construtora (fornecedor), é devido o pagamento de aluguéis, pelo adquirente (consumidor), em razão do tempo em que este ocupou o imóvel. O pagamento da verba consubstancia simples retribuição pelo usufruto do imóvel durante determinado interregno temporal, rubrica que não se relaciona diretamente com danos decorrentes do rompimento da avença, mas com a utilização de bem alheio. Daí por que se mostra desimportante indagar quem deu causa à rescisão do contrato, se o suporte jurídico da condenação é a vedação do enriquecimento sem causa. (…) STJ. 4ª Turma. REsp 955.134/SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 16/08/2012.

O promitente comprador deverá pagar essa taxa de ocupação não porque tenha feito algo de errado. O pagamento de aluguéis não envolve discussão acerca da licitude ou ilicitude da conduta do ocupante. Não é uma sanção, mas simplesmente a retribuição pelo uso de um bem que não era seu: (…) O pagamento de aluguéis é devido não porque se enquadram estes na categoria de perdas e danos decorrentes do ilícito, mas por imperativo legal segundo o qual a ninguém é dado enriquecer-se sem causa à custa de outrem. STJ. 4ª Turma. AgRg no AREsp 394.466/PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 03/12/2013.

Por esse motivo, considera-se irrelevante questionar quem teria sido o causador do desfazimento do negócio para fins de estipulação do ressarcimento pela ocupação.

125
Q

O contrato de alienação fiduciária realizada entre construtora e instituição financeira tem eficácia perante terceiro adquirente de unidade habitacional no efifício objeto da avença?

A

Situação hipotética: João celebrou contrato de promessa de compra e venda para adquirir determinado apartamento. Mesmo após quitar toda a dívida, não conseguiu a escritura definitiva de compra e venda do imóvel. Foi, então, que descobriu que a construtora havia assinado contrato de financiamento com uma instituição bancária e, como pacto acessório foi celebrada uma alienação fiduciária, em que foi dada, em garantia, a unidade habitacional em que mora João.

Essa a alienação fiduciária firmada entre a construtora e o agente financeiro não tem eficácia perante o adquirente do imóvel (em nosso exemplo, João).

Aplica-se aqui, por analogia, o raciocínio da Súmula 308 do STJ: A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel. STJ. 3ª Turma. REsp 1.576.164-DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 14/05/2019 (Info 649).

126
Q

Em que hipóteses o Código Civil autoriza o casamento de menor impúbere?

A

Antiga redação do art. 1.520 do CC:

Art. 1.520. Excepcionalmente, será permitido o casamento de quem ainda não alcançou a idade núbil ( art. 1517 ), para evitar imposição ou cumprimento de pena criminal ou em caso de gravidez.

Atual:

Art. 1.520. Não será permitido, em qualquer caso, o casamento de quem não atingiu a idade núbil, observado o disposto no art. 1.517 deste Código . (Redação dada pela Lei nº 13.811, de 2019)

127
Q

A pessoa que iniciou união estável com a outra antes de completar 70 anos terá de adotar o regime de seperação obrigatória de bens caso venha a casar com ela após essa idade, como prescreve o art. 1.641, II, do CC?

Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento:

II – da pessoa maior de 70 (setenta) anos;

A

A proteção matrimonial conferida ao noivo, nos termos do art. 258, parágrafo único, II, do Código Civil de 1916, não se revela necessária quando o enlace for precedido de longo relacionamento em união estável, que se iniciou quando os cônjuges não tinham restrição legal à escolha do regime de bens. STJ. 4ª Turma. REsp 1.318.281-PE, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 1/12/2016 (Info 595).

Antes do matrimônio e quando João tinha menos que 60 anos, o casal já vivia em união estável. Desse modo, neste caso, não há sentido em se aplicar a regra do art. 258, parágrafo único, II, do Código Civil de 1916, porque não há necessidade de proteção do idoso, já que a união estável e seus reflexos patrimoniais começaram antes que ele tivesse 60 anos.

Durante o período em que o casal estava em união estável, o regime vigente entre eles era o da comunhão parcial de bens. Quando eles decidiram converter a união estável em casamento, não haveria lógica em se obrigar o regime da separação, sob pena de se estimular que eles permanecessem na relação informal e de se punir aqueles que buscam um maior reconhecimento e proteção por parte do Estado, impossibilitando a oficialização do matrimônio.

Como é a situação no Código Civil de 2002?

O Código Civil de 2002 possui uma previsão semelhante, com a diferença de ter ampliado a idade para 70 anos. Confira:

Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento:

II – da pessoa maior de 70 (setenta) anos;

Desse modo, a decisão do STJ acima exposta (REsp 1.318.281-PE) pode ser aplicada para as situações ocorridas sob a égide do CC-2002.

Assim, adaptando o entendimento, podemos afirmar o seguinte:

A proteção matrimonial conferida pelo art. 1.641, II, do Código Civil de 2002, não deve ser aplicada quando o casamento for precedido de união estável que se iniciou quando os cônjuges eram menores de 70 anos.

Esse é também o entendimento consolidado na doutrina (enunciado nº 261, da III Jornada de Direito Civil).

Obs: a doutrina praticamente de forma unânime afirma que o art. 1.641, II, do CC-2002 é inconstitucional por violar a dignidade da pessoa humana e o princípio da proporcionalidade. Vale ressaltar, no entanto, que ainda não há decisão do STF sobre o tema.

128
Q

Que bens se comunicam no regime de sepração obrigatória de bens?

A

No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento, desde que comprovado o esforço comum para sua aquisição.

Esse esforço comum não pode ser presumido. Deve ser comprovado.

O regime de separação legal de bens (também chamado de separação obrigatória de bens) é aquele previsto no art. 1.641 do Código Civil. STJ. 2ª Seção. EREsp 1.623.858-MG, Rel. Min. Lázaro Guimarães (Desembargador Convocado do TRF 5ª Região), julgado em 23/05/2018 (recurso repetitivo) (Info 628).

Havendo dissolução de casamento que era regulado pelo regime da separação obrigatória de bens (art. 1.641, II, do CC), como deve ser feita a partilha dos bens?

Deverão ser partilhados apenas os bens adquiridos onerosamente na constância da união estável, e desde que comprovado o esforço comum na sua aquisição.

Desse modo, em nosso exemplo, Andressa terá direito à meação dos bens adquiridos durante o casamento, desde que comprovado o esforço comum.

Esse “esforço comum” pode ser presumido?

NÃO. O esforço comum deve ser comprovado.

Quando o STJ fala “desde que comprovado o esforço comum”, ele está dizendo que não se pode presumir. Deve ser provado pelo cônjuge supostamente prejudicado.

Se houvesse presunção do esforço comum o regime da separação obrigatória não existiria na prática

Se fosse adotada a ideia de que o esforço comum deve ser presumido isso levaria à ineficácia do regime da separação obrigatória (ou legal) de bens, pois, para afastar a presunção, o interessado teria que fazer prova negativa, comprovar que o ex-cônjuge ou ex-companheiro em nada contribuiu para a aquisição onerosa de determinado bem. Isso faria com que fosse praticamente impossível a separação dos aquestos.

A exigência de comprovação do esforço comum é mais consentânea com os fins da separação legal

O entendimento de que a comunhão dos bens adquiridos pode ocorrer, desde que comprovado o esforço comum, parece mais consentânea com o sistema legal de regime de bens do casamento, recentemente adotado no Código Civil de 2002, pois prestigia a eficácia do regime de separação legal de bens.

Caberá ao interessado comprovar que teve efetiva e relevante (ainda que não financeira) participação no esforço para aquisição onerosa de determinado bem a ser partilhado com a dissolução da união (prova positiva).

Súmula 377 do STF

O STF possui uma súmula antiga sobre o tema (editada em 1964). Veja a redação do enunciado:

Súmula 377-STF: No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento.

Essa súmula 377 do STF permanece válida?

SIM. No entanto, ela deve ser interpretada da seguinte forma: “No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento”, desde que comprovado o esforço comum para sua aquisição. Nesse sentido: STJ. 4ª Turma. REsp 1.689.152/SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 24/10/2017.

O que foi explicado acima vale também para a união estável?

SIM. O STJ possui alguns julgados afirmando que essas regras sobre separação legal devem ser aplicadas também no caso de união estável. Nesse sentido: STJ. 4ª Turma. REsp 1689152/SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 24/10/2017.

Separação LEGAL (obrigatória) ≠ Separação ABSOLUTA

Separação LEGAL (OBRIGATÓRIA)

Separação LEGAL (obrigatória) é aquela prevista nas hipóteses do art. 1.641 do Código Civil.

No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento, desde que comprovado o esforço comum para sua aquisição.

Aplica-se a Súmula 377 do STF.

Separação ABSOLUTA

Separação ABSOLUTA é a separação convencional, ou seja, estipulada voluntariamente pelas partes (art. 1.687 do CC).

Na separação absoluta (convencional), não há comunicação dos bens adquiridos na constância do casamento. Assim, somente haverá separação absoluta (incomunicável) na separação convencional.

Não se aplica a Súmula 377 do STF

129
Q

A sociedade de fato em empreendimento entre ex-cônjuges depende de prova documental?

A

A prova escrita constitui requisito indispensável para a configuração da sociedade de fato perante os sócios entre si. Caso concreto: Daniel e Alessandra casaram-se sob o regime da separação convencional de bens. Durante o casamento, Daniel montou um restaurante. Apesar de não ser sócia, Alessandra trabalhava no restaurante, auxiliando o marido. Quando se divorciaram, Alessandra ajuizou ação pedindo para ser reconhecida a existência de sociedade de fato (sociedade em comum) no restaurante, ou seja, que ela fosse tida como sócia de Daniel. O pedido foi negado em razão da ausência de qualquer prova escrita dessa sociedade de fato. Além disso, também se considerou que não havia affectio societatis entre as partes e que não restou demonstrado que a mulher praticasse atos de gestão ou que tivesse assumido os riscos do negócio juntamente com o ex-marido. STJ. 3ª Turma. REsp 1.706.812-DF, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 03/09/2019 (Info 656).

Sociedade de fato ou em comum

Uma sociedade empresária nasce a partir de um acordo de vontades de seus sócios, que pode ser realizado por meio de um contrato social ou de um estatuto, conforme o tipo societário a ser criado.

A “sociedade de fato” (atualmente chamada de “sociedade em comum”) é uma exceção a essa regra.

A sociedade em comum não passou pelas solenidades legais necessárias para adquirir personalidade jurídica. Apesar disso, trata-se de sujeito de direitos e obrigações.

No caso não se tem nem mesmo “sociedade em comum”.

A condição para se admitir a existência de uma sociedade é a configuração da affectio societatis (que não se confunde com a affectio maritalis) e a integralização de capital ou a demonstração de prestação de serviços. Tais requisitos são basilares para se estabelecer qualquer vínculo empresarial.

Tais requisitos não foram comprovados, no caso concreto.

Os resultados comerciais podem ser positivos ou negativos, motivo pelo qual se presume que quem exerce a empresa deve assumir também os riscos do negócio.

No caso concreto, não ficou demonstrado que Alessandra tenha realizado aportes ou integralizado o capital, pretendendo ser considerada sócia por ter apoiado o marido nas atividades de funcionamento do restaurante.

Não há notícia da prática de atos de gestão pela mulher nem de prestação de contas de valores administrados por ela. Além disso, não restou configurada a indispensável affectio societatis voltada ao exercício conjunto da atividade econômica ou à partilha de resultados, como exige o art. 981 do CC:

Art. 981. Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados.

Necessidade de documento escrito

Vale relembrar, ainda, o que diz o art. 987 do CC:

Art. 987. Os sócios, nas relações entre si ou com terceiros, somente por escrito podem provar a existência da sociedade, mas os terceiros podem prová-la de qualquer modo.

Conforme explica André Luiz Santa Cruz Ramos: “se quem necessita provar a existência da sociedade são os seus próprios sócios - com a finalidade, por exemplo de discutir a partilha de investimentos -, só se admite a prova por escrito” (RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito Empresarial Esquematizado. 5ª ed., São Paulo: Método, p. 239).

130
Q

No caso de regime de comunhão parcial de bens, os valores do FGTS auferidos durante a União se comunicam, mesmo que eles não tenham sequer sido sacados à época do divórcio?

A

Diante do divórcio de cônjuges que viviam sob o regime da comunhão parcial de bens, não deve ser reconhecido o direito à meação dos valores que foram depositados em conta vinculada ao FGTS em datas anteriores à constância do casamento e que tenham sido utilizados para aquisição de imóvel pelo casal durante a vigência da relação conjugal. Ao contrário, deve ser reconhecido o direito à meação dos valores do FGTS auferidos DURANTE a constância do casamento, ainda que o saque daqueles valores não seja realizado imediatamente à separação do casal. Os proventos do trabalho recebidos, por um ou outro cônjuge, na vigência do casamento, compõem o patrimônio comum do casal, a ser partilhado na separação, tendo em vista a formação de sociedade de fato, configurada pelo esforço comum dos cônjuges, independentemente de ser financeira a contribuição de um dos consortes e do outro não. A incomunicabilidade prevista no inciso VI do art. 1.659 do CC somente ocorre quando os valores são percebidos em momento anterior ou posterior ao casamento. STJ. 2ª Seção. REsp 1.399.199-RS, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Rel. para acórdão Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 9/3/2016 (Info 581).

O que é FGTS? Qual é a sua natureza jurídica?

FGTS é a sigla para Fundo de Garantia por Tempo de Serviço.

O FGTS foi criado pela Lei n.º 5.107/66 com o objetivo de proteger o trabalhador demitido sem justa causa. Atualmente, o FGTS é regido pela Lei n.º 8.036/90.

O FGTS nada mais é do que uma conta bancária aberta em nome do trabalhador e vinculada a ele no momento em que celebra seu primeiro contrato de trabalho.

Nessa conta bancária, o empregador deposita todos os meses o valor equivalente a 8% do salário pago ao empregado, acrescido de juros e atualização monetária (conhecidos pela sigla “JAM”).

Assim, vai sendo formado um fundo de reserva financeira para o trabalhador, ou seja, uma espécie de “poupança”, que é utilizada pelo obreiro quando fica desempregado sem justa causa ou quando precisa para alguma finalidade relevante, assim considerada pela lei.

Se o empregado for demitido sem justa causa, o empregador é obrigado a depositar, na conta vinculada do trabalhador, uma indenização compensatória de 40% do montante de todos os depósitos realizados na conta vinculada durante a vigência do contrato de trabalho, atualizados monetariamente e acrescidos dos respectivos juros (art. 18, § 1º da Lei nº 8.036/90).

O trabalhador que possui conta do FGTS vinculada a seu nome é chamado de trabalhador participante do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço.

O FGTS possui natureza jurídica de direito social do trabalhador, sendo considerado, portanto, fruto civil do trabalho (STJ. 3ª Turma. REsp 848.660/RS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe 13/05/2011).

Por que interessa saber que o FGTS tem natureza jurídica de “direito trabalhista” (fruto civil do trabalho)?

Porque o inciso VI do art. 1.659 do CC prevê que ficam excluídos da comunhão os valores auferidos com o trabalho pessoal de cada cônjuge. Veja:

Art. 1.659. Excluem-se da comunhão:

VI — os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge; Obs: a palavra “proventos” está empregada neste inciso com o significado de vantagem financeira, ganho, proveito, lucro etc.

Dessa forma, sendo o FGTS uma vantagem financeira decorrente do trabalho pessoal de cada cônjuge, ele se enquadra neste inciso VI do art. 1.659 do CC.

Os proventos (ganhos) decorrentes do trabalho pessoal do cônjuge estão sempre fora da comunhão? Este inciso é interpretado de forma literal e absoluta?

NÃO. O STJ mitiga a redação literal desse inciso.

Apesar da determinação expressa do Código Civil no sentido da incomunicabilidade, o STJ entende que não se deve excluir da comunhão os proventos do trabalho recebidos na constância do casamento, sob pena de se desvirtuar a própria natureza do regime. A comunhão parcial de bens funda-se na noção de que devem formar o patrimônio comum os bens adquiridos onerosamente na vigência do casamento. Os salários e demais ganhos decorrentes do trabalho constituem-se em bens adquiridos onerosamente durante o casamento. Pela lógica, devem se comunicar.

Essa é também a opinião da doutrina: “(…) Não há como excluir da universalidade dos bens comuns os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge (CC, art. 1.659, VI). Ora, se os ganhos do trabalho não se comunicam, nem se dividem pensões e rendimentos outros de igual natureza, praticamente tudo é incomunicável, pois a maioria das pessoas vive de seu trabalho. O fruto da atividade laborativa dos cônjuges não pode ser considerado incomunicável, e isso em qualquer dos regimes de bens, sob pena de aniquilar-se o regime patrimonial, tanto no casamento como na união estável, porquanto nesta também vigora o regime da comunhão parcial (CC, art. 1.725). (…) De regra, é do esforço pessoal de cada um que advêm os créditos, as sobras e economias para a aquisição dos bens conjugais. (…) (DIAS, Maria Berenice. Regime de bens e algumas absurdas incomunicabilidades. Disponível em: www.mariaberenice.com.br)

Resumindo o entendimento do STJ quanto ao inciso VI do art. 1.659:

 Se os proventos do trabalho foram adquiridos ANTES ou DEPOIS do casamento: não se comunicam. Os valores pertencerão ao patrimônio particular de quem tem o direito a seu recebimento. 

Se os proventos do trabalho foram adquiridos DURANTE o casamento: comunicam-se.

131
Q

A separação judicial continua existindo no ordenamento jurídico?

A

A EC 66/2010 não revogou, expressa ou tacitamente, a legislação ordinária que trata da separação judicial.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.431.370-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 15/8/2017 (Info 610). STJ. 4ª Turma. REsp 1.247.098-MS, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 14/3/2017 (Info 604).

Antes da EC 66/2010

§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos

DEPOIS da EC 66/2010

§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio.

Principais argumentos invocados para esta conclusão:

 Analisando a literalidade do art. 226, § 6º, percebe-se que a única alteração promovida pela EC 66/2010 foi a supressão do requisito temporal para divórcio, bem como do sistema bifásico, para que o casamento seja dissolvido pelo divórcio. Ocorreu, portanto, facilitação ao divórcio (e não a abolição da separação judicial).

 O texto constitucional dispõe que o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio. Isso significa que a CF conferiu uma faculdade aos cônjuges, não significando, contudo, que tenha extinguido a possibilidade de separação judicial.

 Se o divórcio é permitido sem qualquer restrição, forçoso concluir que também é possível a separação judicial considerando que, quem pode o mais, pode o menos também.

Entender que a alteração promovida pela EC 66/2010 suprimiu a existência da separação extrajudicial ou judicial levaria à interpretação de que qualquer assunto que não fosse mais tratado no texto constitucional por desconstitucionalização estaria extinto, o que seria um absurdo.

 Não ocorreu a revogação tácita da legislação infraconstitucional que versa sobre a separação, dado que a EC 66/2010 não tratou em momento algum sobre a separação, bem como não dispôs sobre matéria com ela incompatível.

 O novo CPC (Lei nº 13.105/2015) manteve em diversos dispositivos referências ao instituto da separação judicial, inclusive regulando-o no capítulo que trata das ações de família, demonstrando, de forma indiscutível, que a mens legis foi a de manter a figura da separação no ordenamento jurídico pátrio.

Considerando que o divórcio e a separação ainda coexistem no ordenamento jurídico, qual é a diferença entre eles?

Separação (judicial ou extrajudicial):

A separação é modalidade de extinção da sociedade conjugal, pondo fim aos deveres de coabitação e fidelidade, bem como ao regime de bens (art. 1.571, III, do Código Civil) sem, no entanto, dissolver o casamento.

A separação é uma medida temporária e de escolha pessoal dos envolvidos, que podem optar, a qualquer tempo, por restabelecer a sociedade conjugal ou pela sua conversão definitiva em divórcio.

Divórcio:

É forma de dissolução do vínculo conjugal e extingue o próprio vínculo conjugal, pondo termo ao casamento, refletindo diretamente sobre o estado civil da pessoa e permitindo que os excônjuges celebrem novo casamento, o que não ocorre com a separação.

O divórcio é, em tese, definitivo. Caso as pessoas divorciadas desejem ficar novamente juntas, precisam se casar novamente.

132
Q

A ação de partilha posterior ao divórcio deve tramitar no juízo que decretou o divórcio, mesmo que um dos ex-cônjuges tenha mudado de domicílio e se tornado incapaz?

A

A incapacidade superveniente de uma das partes, após a decretação do divórcio, não tem o condão de alterar a competência funcional do juízo prevento.

Assim, a ação de partilha posterior ao divórcio deve tramitar no juízo que decretou o divórcio, mesmo que um dos ex-cônjuges tenha mudado de domicílio e se tornado incapaz.

Não se aplica, no caso a regra do art. 50 do CPC/2015, que prevê a competência do domicílio do incapaz (competência territorial especial). Isso porque a competência funcional, decorrente da acessoriedade entre as ações de divórcio e partilha, possui natureza absoluta. Por outro lado, a competência territorial especial conferida ao autor incapaz, apesar de ter como efeito o afastamento das normas gerais previstas no diploma processual, possui natureza relativa.

As regras de competência absoluta preponderam em relação às das de competência relativa. STJ. 2ª Seção. CC 160.329-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 27/02/2019 (Info 643).

A ação de partilha de bens posterior ao divórcio está prevista no art. 731, parágrafo único, c/c 647 a 658 do CPC/2015:

Art. 731 (…) Parágrafo único. Se os cônjuges não acordarem sobre a partilha dos bens, far-se-á esta depois de homologado o divórcio, na forma estabelecida nos arts. 647 a 658.

Qual é o juízo competente para julgar a ação de partilha posterior?

A ação de partilha posterior é de competência do juízo que decretou o divórcio.

Havendo partilha posterior ao divórcio, surge um critério de competência funcional do juízo que decretou a dissolução da sociedade conjugal, em razão da acessoriedade entre as duas ações (art. 61 do CPC/2015):

Art. 61. A ação acessória será proposta no juízo competente para a ação principal

Há, entre as duas demandas (divórcio e partilha), uma interligação decorrente da unidade do conflito de interesses, pois a partilha é decorrência lógica do divórcio. Existe uma relação de conexão substancial entre as ações, o que gera a prevenção do juízo que julgou a ação de divórcio.

Em outras palavras, o legislador permitiu a partilha posterior, mas esta deverá ser feita no mesmo juízo do divórcio.

Temos, então, no caso, um conflito entre uma regra de competência funcional (prevenção por acessoriedade) e outra de competência territorial especial (domicílio do incapaz). O que prevaleceu? Qual o juízo competente para essa ação de partilha posterior?

Prevaleceu a regra de competência funcional (prevenção por acessoriedade).

Será competente para essa ação o juízo da 5ª Vara de Família de Belo Horizonte.

Natureza dessas regras de competência

  • A competência funcional, decorrente da acessoriedade entre as ações de divórcio e partilha, possui natureza absoluta.
  • Por outro lado, a competência territorial especial conferida ao autor incapaz, apesar de ter como efeito o afastamento das normas gerais previstas no diploma processual, possui natureza relativa.

Regras de competência absoluta preponderam

As regras de competência absoluta preponderam em relação às das de competência relativa. Isso porque:

  • as regras de competência absoluta estão submetidas a um regime jurídico cogente, respaldado no interesse público.
  • as regras de competência relativa seguem um regime dispositivo, em que o defeito somente pode ser arguido pela própria parte e está sujeito à preclusão.

A competência absoluta não admite, em regra, derrogação, prorrogação ou modificação, sendo que a ulterior incapacidade de uma das partes (regra especial de competência relativa) não altera o Juízo prevento.

133
Q

A justiça brasileira poderá, em processo de divórcio, dispor sobre a partilha de bem situado no exterior?

A

É possível, em processo de dissolução de casamento em curso no país, que se disponha sobre direitos patrimoniais decorrentes do regime de bens da sociedade conjugal aqui estabelecida, ainda que a decisão tenha reflexos sobre bens situados no exterior para efeitos da referida partilha. STJ. 4ª Turma. REsp 1.552.913-RJ, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 8/11/2016 (Info 597)

O art. 23, III, do CPC afirma que a Justiça brasileira é competente (com exclusão de qualquer outra) para fazer a partilha de bens situados no Brasil. O que esse dispositivo está querendo dizer é que a Justiça de outro país não pode dispor sobre esse tema. No entanto, o art. 23, III, não está afirmando que a Justiça brasileira está impedida de fazer a partilha de bens situados no exterior.

Realmente, o princípio da soberania impede qualquer ingerência do Poder Judiciário Brasileiro na efetivação de direitos relativos a bens localizados no exterior. Isso não significa, contudo, que a Justiça brasileira não possa, em processo de divórcio que tramita em nosso país, dispor sobre direitos patrimoniais decorrentes do regime de bens, ainda que a decisão tenha reflexos sobre bens situados no exterior para efeitos da referida partilha. Depois de a Justiça brasileira decidir, caberá à parte, assim entendendo, promover a efetivação de seu direito material aqui reconhecido mediante os trâmites adequados conforme o direito internacional. Em outras palavras, a Justiça brasileira decide e depois a parte buscará a homologação e cumprimento da decisão no país onde está situado o bem.

134
Q

A pretensão de partilha de bem comum submete-se a prazo prescricional?

A

O art. 197, I, do Código Civil prevê que “não corre a prescrição entre os cônjuges, na constância da sociedade conjugal”.

Se os cônjuges estão separados há muitos anos, não se deve aplicar a regra do art. 197, I, do CC.

Mesmo não estando prevista no rol do art. 1.571 do CC, a separação de fato muito prolongada, ou por tempo razoável, também pode ser considerada como causa de dissolução da sociedade conjugal e, em assim sendo, não tem o condão de impedir a fluência do prazo prescricional da pretensão de partilha de bens de ex-cônjuges.

Caso concreto: a pretensão de partilha de bem comum após mais de 30 anos da separação de fato e da partilha amigável dos bens comuns do ex-casal está fulminada pela prescrição. STJ. 3ª Turma. REsp 1.660.947-TO, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 05/11/2019 (Info 660).

Imagine a seguinte situação hipotética:

João e Maria são casados sob o regime da comunhão universal de bens.

Ocorre que, desde 1989, eles não mais vivem juntos. O amor chegou ao fim e cada um foi viver em uma casa diferente e eles têm contato esporádico. Houve, portanto, a chamada “separação de fato”.

O que é separação de fato?

“Separação de fato, singelamente, deve ser entendido como a livre decisão dos cônjuges em pôr fim à sociedade conjugal, sem recurso aos meios legais. Ela põe fim aos direitos, deveres e efeitos do casamento, mas os cônjuges permanecem no estado civil de casados.” (Min. Moura Ribeiro).

Segundo Orlando Gomes, a separação de fato caracteriza-se tanto pela existência de elemento subjetivo, quanto objetivo. Este seria a própria separação, passando os cônjuges a viver em tetos distintos, deixando, por outras palavras, de cumprir o dever de coabitação, no mais amplo sentido da expressão. Já o elemento subjetivo é o animus de dar como encerrada a vida conjugal, comportando-se como se o vínculo matrimonial fosse dissolvido (Direito de Família. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 25).

Acordo informal no momento da separação de fato

No momento da separação de fato, eles fizeram uma espécie de acordo: João ficaria com a casa onde moravam e Maria receberia um outro imóvel menor.

Em 2019, ou seja, 30 anos depois, Maria ajuizou ação de divórcio contra João, pedindo a dissolução formal do vínculo conjugal. Além disso, na ação, argumentou que a divisão dos bens efetuada por ocasião da separação de fato não foi correta e que ela foi prejudicada porque o bem recebido era de valor bem inferior à casa.

O juiz decidiu que a pretensão de partilha dos bens, após 30 anos da separação de fato do casal, estava fulminada pela prescrição.

Maria interpôs recurso, alegando que não correu a prescrição neste caso por conta do art. 197, I, do Código Civil, que dispõe:

Art. 197. Não corre a prescrição: I - entre os cônjuges, na constância da sociedade conjugal;

O Tribunal de Justiça manteve a sentença porque entendeu que a quebra da sociedade conjugal em virtude da separação de fato do casal por mais de 30 anos, ainda que a ruptura não tivesse sido feita na forma legal, mas por decisão voluntária de ambos, fez cessar o regime de bens estabelecidos entre eles, permitindo o curso normal da prescrição e os efeitos jurídicos e patrimoniais do divórcio, desde a consumada separação de fato.

Assim, separação de fato por longo período mitiga a regra do art. 197, I, do CC/02, que obsta a fluência da prescrição entre cônjuges.

O STJ concordou com a argumentação do Tribunal de Justiça?

SIM.

Separação de fato também pode ser considerada como causa de dissolução da sociedade conjugal, mesmo não estando prevista no art. 1.571 do CC

O Código Civil prevê, no art. 1.571, os casos em que a sociedade conjugal tem fim:

Art. 1.571. A sociedade conjugal termina: I - pela morte de um dos cônjuges; II - pela nulidade ou anulação do casamento; III - pela separação judicial; IV - pelo divórcio.

Mesmo não estando prevista no rol do art. 1.571, a separação de fato muito prolongada, ou por tempo razoável, também pode ser considerada como causa de dissolução da sociedade conjugal e, em assim sendo, não tem o condão de impedir a fluência do prazo prescricional da pretensão de partilha de bens de ex-cônjuges.

O intérprete nem sempre deve se apegar somente à literalidade do texto da lei, necessitando também, ao realizar o seu juízo de hermenêutica, perquirir a finalidade da norma, ou seja, a sua razão de ser e o bem jurídico que ela visa proteger, nos exatos termos do art. 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB. É necessário, portanto, ter uma visão holográfica.

Qual é a razão de existência do art. 197, I, do CC?

A doutrina explica que são razões de ordem moral que impedem que o prazo prescricional corra entre cônjuges, na constância da sociedade conjugal.

Entre cônjuges deve existir harmonia e não haveria estabilidade caso a prescrição estivesse correndo, obrigando que um tivesse que ajuizar ações contra o outro, na constância do casamento, para evitar que essa pretensão fosse extinta pela prescrição.

Assim, a finalidade do dispositivo é preservar a a harmonia e a estabilidade do vínculo matrimonial (bem jurídico protegido).

Sociedade conjugal é diferente de vínculo conjugal

Paulo Nader explica que:

  • O vínculo conjugal é a relação jurídica que se instaura entre os cônjuges.
  • A sociedade conjugal é o compromisso de comunhão de vida.

Se o vínculo conjugal é dissolvido, extingue-se a sociedade conjugal. A recíproca nem sempre é verdadeira. Assim, o término da sociedade conjugal não acaba, necessariamente, com o vínculo conjugal.

O vínculo conjugal somente se dissolve, no casamento válido, com a morte (real ou presumida), declaração judicial de ausência ou pelo divórcio. (Curso de Direito Civil; V. 5: Direito de Família. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 197).

Separação de fato extingue o regime de bens e cessa os deveres matrimoniais

A jurisprudência entende que a separação de fato põe fim ao regime matrimonial de bens e acaba com os deveres matrimoniais de coabitação e fidelidade recíproca.

Separação de fato significa o fim da affectio maritalis

A configuração da separação de fato implica o fim da affectio maritalis entre os cônjuges, com a vontade de dar por encerrado o vínculo conjugal, e, em assim sendo, o art. 197, I, do CC/02 também deve abranger tal situação fática, que é jurídica.

135
Q

Em que consiste o contrato de convivência? Sua eficácia depende de que seja realizado por escritura pública?

A

É válido, desde que escrito, o pacto de convivência formulado pelo casal no qual se opta pela adoção da regulação patrimonial da futura relação como símil (igual) ao regime de comunhão universal, ainda que não tenha sido feito por meio de escritura pública.

Em outras palavras, um casal que vive (ou viverá) em união estável pode celebrar contrato de convivência dizendo que aquela relação será regida por um regime de bens igual ao regime da comunhão universal. Esse contrato, para ser válido, precisa ser feito por escrito, mas não é necessário que seja realizado por escritura pública. STJ. 3ª Turma. REsp 1.459.597-SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 1/12/2016 (Info 595)

No caso do casamento, se os nubentes desejarem fazer um pacto antenupcial, o Código Civil exige que isso seja formalizado por meio de escritura pública (art. 1.640, parágrafo único). Para o contrato de união estável exige-se esta mesma formalidade? O contrato de união estável precisa ser feito por escritura pública ou precisa ser averbado no registro de imóveis?

NÃO. Diferentemente do casamento, no caso da regulação de bens envolvendo a união estável, o Código Civil exigiu apenas que isso fosse feito por contrato escrito, não obrigando a lavratura de escritura pública ou qualquer outra providência notarial ou registral. Confira o art. 1.725 do CC:

Art. 1.725. Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens.

Essa sempre foi a opinião da doutrina:

“Considerando que a união estável é uma realidade fática, desprovida de formalidades legais, o contrato de convivência, por conseguinte, é um negócio jurídico informal, não reclamando solenidades previstas em lei. Apenas e tão somente exige-se a sua celebração por escrito, afastando-se a forma verbal. Assim, pode ser celebrado por escritura pública ou particular, não submetido ao registro público.” (FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Vol. 6. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 502).

Provimento 37/2014-CNJ

Vale ressaltar que o CNJ, em 2014, editou um Provimento para dispor sobre o registro da união estável no Livro “E”, por Oficial do Registro Civil da Pessoas Naturais.

Este provimento deixa claro que não é obrigatório o registro do contrato de convivência nem a sua celebração por escritura pública. Confira os arts. 1º e 7º:

Art. 1º. É facultativo o registro da união estável prevista nos artigos 1.723 a 1.727 do Código Civil, mantida entre o homem e a mulher,ou entre duas pessoas do mesmo sexo.

Art. 7º Não é exigível o prévio registro da união estável para que seja registrada a sua dissolução, devendo, nessa hipótese, constar do registro somente a data da escritura pública de dissolução.

É possível que o casal celebre o contrato de convivência estipulando que entre eles vigora o regime da comunhão universal de bens?

SIM. Não há nenhum impedimento. Quando o casal decide fazer o contrato escrito de que trata o art. 1.725 do CC, poderá adotar quaisquer dos regimes de bens previstos no Código Civil para o casamento (art. 1.658 e ss).

136
Q

É lícito aos conviventes atribuir efeitos retroativos ao contrato de união estável, a fim de eleger o regime de bens aplicável ao período de convivência anterior à sua assinatura?

A

Não é lícito aos conviventes atribuírem efeitos retroativos ao contrato de união estável, a fim de eleger o regime de bens aplicável ao período de convivência anterior à sua assinatura.

Ex: em 2010, Christian, rico empresário, começa a namorar Anastasia. O relacionamento fica sério e se transforma em uma união pública, duradoura e contínua. Eles, inclusive, falam em constituir uma família. Em 2015, orientado por seus advogados, Christian decide celebrar com Anastasia um “contrato de união estável” (contrato de convivência). No instrumento é estipulado que o regime de bens do casal é o da separação total. Consta uma cláusula no contrato prevendo que esse regime de bens retroage ao ano de 2010, quando começou o relacionamento entre o casal. O STJ entende que essa cláusula de retroação é inválida. STJ. 3ª Turma. REsp 1.383.624-MG, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 2/6/2015 (Info 563).

Não é lícito aos conviventes atribuírem efeitos retroativos ao contrato de união estável, a fim de eleger o regime de bens aplicável ao período de convivência anterior à sua assinatura.

O regime de bens entre os companheiros começa a vigorar na data da assinatura do contrato, assim como o regime de bens entre os cônjuges começa a produzir efeitos na data do casamento (§ 1º do art. 1.639 do CC).

Assim, em nosso exemplo, Anastasia será proprietária de metade do que Christian adquiriu onerosamente desde que começou a união estável até a data da assinatura do contrato quando passa a vigorar o regime da separação total. O contrato de união estável é válido, mas somente gera efeitos para o futuro, ou seja, o STJ não admitiu a atribuição de efeitos pretéritos. Em suma, só a cláusula da retroação é que era ilícita.

Cuidado:

Muitos livros defendem posição contrária ao que foi decidido pelo STJ. É o caso, por exemplo, de Maria Berenice Dias e Francisco José Cahali. Assim, muita atenção para o tipo de pergunta que será feita na hora da prova para não se lembrar do que leu no livro e errar a questão, especialmente em concursos CESPE.

137
Q

O art. 1.647, I, do CC aplica-se à união estável?

A

O art. 1.647, I, do CC prevê que, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta, alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis.

Se duas pessoas vivem em união estável, é como se elas fossem casadas sob o regime da comunhão parcial de bens (art. 1.725 do CC).

Para a 3ª Turma do STJ, a regra do art. 1.647, I, do CC pode ser aplicada à união estável, desde que tenha sido dada publicidade aos eventuais adquirentes a respeito da existência dessa união estável.

Se um imóvel foi alienado pelo companheiro sem a anuência de sua companheira, a anulação dessa alienação somente será possível se no registro de imóveis onde está inscrito o bem, houvesse a averbação (uma espécie de anotação/observação feita no registro) de que o proprietário daquele imóvel vive em união estável.

Se não houver essa averbação no registro imobiliário e se não existir nenhuma outra prova de que o adquirente do apartamento estava de má-fé, deve-se presumir que o comprador estava de boa-fé, preservando, assim, a alienação realizada, em nome da segurança jurídica e da proteção ao terceiro de boa-fé.

Em suma: a invalidação da alienação de imóvel comum, fundada na falta de consentimento do companheiro, dependerá da publicidade conferida à união estável, mediante a averbação de contrato de convivência ou da decisão declaratória da existência de união estável no Ofício do Registro de Imóveis em que cadastrados os bens comuns, ou da demonstração de má-fé do adquirente. STJ. 3ª Turma. REsp 1.424.275-MT, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 4/12/2014 (Info 554)

A 3ª Turma do STJ decidiu o seguinte:

 A CF/88 equipara a união estável ao casamento (art. 226, § 3º).  Se duas pessoas vivem em união estável, é como se elas fossem casadas sob o regime da comunhão parcial de bens (art. 1.725 do CC).

 A regra do art. 1.647, I, do CC pode ser aplicada à união estável, desde que tenha sido dada publicidade aos eventuais adquirentes a respeito da existência dessa união estável.

 E como pode ser conferida essa publicidade? Mediante a averbação do contrato de convivência ou da sentença que declarou a existência da união estável no Registro Imobiliário em que está inscrito o imóvel adquirido na constância da união.

 Assim, a anulação da alienação somente seria possível se no registro de imóveis onde está inscrito o apartamento, houvesse a averbação (uma espécie de anotação/observação feita no registro) de que o proprietário daquele imóvel vive em união estável.

Como não havia essa averbação no registro imobiliário e como não existe nenhuma outra prova de que o adquirente do apartamento estava de má-fé, deve-se presumir que o comprador (terceiro na relação jurídica entre os conviventes) estava de boa-fé.

Outro julgado do STJ:

A 4ª Turma do STJ considerou que a fiança prestada sem a autorização do companheiro é válida porque é impossível ao credor saber se o fiador vive ou não em união estável com alguém.

Como, para a caracterização da união estável, não se exige um ato formal, solene e público, como no casamento, fica difícil ao credor se proteger de eventuais prejuízos porque ele nunca terá plena certeza se o fiador possui ou não um companheiro.

Segundo o Min. Luis Felipe Salomão, é certo que não existe superioridade do casamento sobre a união estável, sendo ambas equiparadas constitucionalmente. Isso não significa, contudo, que os dois institutos sejam inexoravelmente coincidentes, ou seja, eles não são idênticos.

Vale ressaltar que o fato de o fiador ter celebrado uma escritura pública com sua companheira, disciplinando essa união estável, não faz com que isso altere a conclusão do julgado. Isso porque, para tomar conhecimento da existência dessa escritura, o credor teria que percorrer todos os cartórios de notas do Brasil, o que se mostra inviável e inexigível.

Dessa forma, o STJ considerou que não é nula nem anulável a fiança prestada por fiador convivente em união estável, sem a outorga uxória, mesmo que tenha havido a celebração de escritura pública entre os consortes.

COMPARANDO OS DOIS ENTENDIMENTOS:

As regras do art. 1.647 do CC aplicam-se à união estável?

1ª) SIM, mas desde que seja conferida publicidade a essa união estável a fim de que não prejudique terceiros de boa-fé. Vale ressaltar que, no caso concreto, o STJ manteve válido o negócio jurídico mesmo sem a concordância da companheira, considerando que não havia prova da publicidade da união estável. STJ. 3ª Turma. REsp 1424275/MT, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 04/12/2014.

2ª) NÃO. É justificável que haja uma diferença de tratamento entre o casamento e a união estável quando se fala sobre a exigência ou não de outorga uxória (art. 1.647 do CC). Isso porque o casamento é ato jurídico cartorário e solene que gera publicidade erga omnes. Já a união estável não goza dessa presunção de publicidade, de modo que fica difícil ao credor se proteger de eventuais prejuízos porque ele nunca terá plena certeza se a pessoa com quem contrata vive ou não em união estável. STJ. 4ª Turma. REsp 1299866/DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 25/02/2014.

138
Q

Benefício de previdência privada fechada entra na partilha em caso de dissolução de união estável?

A

O benefício de previdência privada fechada é excluído da partilha em dissolução de união estável regida pela comunhão parcial de bens. STJ. 3ª Turma. REsp 1.477.937-MG, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 27/4/2017 (Info 606).

O benefício de previdência privada fechada amolda-se como sendo uma das exceções previstas no art. 1.659, VII, do CC:

Art. 1.659. Excluem-se da comunhão: (…) VII — as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes.

A previdência complementar fechada possui natureza análoga aos institutos das pensões, meios-soldos, montepios, incluindo-se, por isso, na expressão “outras rendas” prevista no art. 1.659, VII, do CC/2002. Desse modo, trata-se de verba excluída da partilha em caso de dissolução da união estável.

Vale ressaltar, inclusive, que o valor investido na previdência complementar fechada não pode nem ser resgatado por livre escolha do participante, sob pena de violação de normas previdenciárias e estatutárias.

Existem requisitos para que ocorra o levantamento a fim de que se mantenha o equilíbrio financeiro e atuarial do plano de previdência.

Admitir a possibilidade de resgate antecipado de renda investida no plano de previdência privada fechada significaria lesar terceiros de boa-fé (demais participantes do plano).

Apenas a título de reforço de argumentação, vale ressaltar que a aposentadoria pública (benefício pago pelo INSS) também não é incluída na meação como “bem”, sendo incomunicável.

139
Q

Se um dos cônjuges, que mantém comunhão sob o regime de separação obrigatória de bens, ganha na loteria, terá o outro direito à meação?

A

Se a pessoa inicia uma união estável possuindo mais de 70 anos, o regime patrimonial que irá regular essa relação é o da separação obrigatória de bens (art. 1.641, II, do CC).

Apesar disso, se, durante essa relação, um dos companheiros ganhar na loteria, o valor do prêmio integra a massa de bens comuns do casal (art. 1.660, II, do CC), de forma que pertence a ambos.

Assim, havendo dissolução da união estável, o valor desse prêmio deverá ser partilhado igualmente entre os consortes.

Em suma, o prêmio de loteria, recebido por ex-companheiro septuagenário durante a relação de união estável, deve ser objeto de meação entre o casal em caso de dissolução do relacionamento. STJ. 4ª Turma. REsp 1.689.152-SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 24/10/2017 (Info 616).

Ao maior de 70 anos é imposto o regime de separação obrigatória de bens.

O objetivo do legislador foi o de proteger o idoso e seus herdeiros de casamentos realizados por interesse estritamente econômico. Trata-se de “prudência legislativa em favor das pessoas e de suas famílias, considerando a idade dos nubentes. É de lembrar que, conforme os anos passam, a idade avançada acarreta maiores carências afetivas e, portanto, maiores riscos corre aquele que tem mais de setenta anos de sujeitar-se a um casamento em que o outro nubente tenha em vista somente vantagens financeiras, ou seja, em que os atrativos matrimoniais sejam pautados em fortuna e não no afeto” (MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: direito de família. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 295).

Essa regra do art. 1.641, II, do CC fala em “casamento”. É possível estendê-la também para a união estável?

SIM. O STJ possui alguns julgados afirmando que essa regra específica do casamento deve ser estendida à união estável. Nesse sentido: STJ. 4ª Turma. REsp 646.259/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 22/06/2010.

Havendo dissolução de união estável regida pelo regime da separação obrigatória de bens (art. 1.641, II, do CC), como deve ser feita a partilha dos bens?

Deverão ser partilhados apenas os bens adquiridos onerosamente na constância da união estável, e desde que comprovado o esforço comum na sua aquisição (STJ. 2ª Seção. EREsp 1171820/PR, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 26/08/2015).

Desse modo, em nosso exemplo, Carla terá direito à meação dos bens adquiridos durante a união estável, desde que comprovado o esforço comum.

E quanto ao prêmio da loteria, ela terá direito?

SIM. Segundo o Código Civil, a loteria ingressa na comunhão sob a rubrica de “bens adquiridos por fato eventual, com ou sem o concurso de trabalho ou despesa anterior”. Veja:

Art. 1.660. Entram na comunhão: (…) II - os bens adquiridos por fato eventual, com ou sem o concurso de trabalho ou despesa anterior; (Artigo inserido na parte que trata do regime de comunhão parcial)

“Os bens adquiridos por fato eventual, ou seja, a título gratuito e não esperado, também integram a massa de bens comuns, mesmo não havendo o consórcio de esforço comum dos nubentes para tal aquisição, sendo, neste caso, responsável o fator sorte.” (TEPEDINO, Gustavo. Código civil interpretado conforme a Constituição da República. Vol. IV, Rio de Janeiro: Renovar, 2014, p. 306)

“O inciso II trata dos bens adquiridos por fato eventual. Nesse caso, não se leva em consideração se houve concurso de trabalho ou despesa anterior de qualquer cônjuge. São exemplos os bens havidos por aluvião (art. 1.250), por descoberta (art. 1.233), os tesouros (art. 1.264), a aposta e a loteria”. (SILVA, Regina Beatriz Tavares da. Código Civil Comentado. 6ª ed., São Paulo: Saraiva. p. 1.810).

Mas João era maior de 70 anos… Mesmo assim, o prêmio da loteria irá ser objeto de partilha?

SIM. O STJ apontou quatro razões:

1) Trata-se de bem comum, que ingressa no patrimônio do casal, independentemente da aferição do esforço de cada um, pouco importando se houve ou não despesa do outro consorte. A própria redação do dispositivo afirma, expressamente, que “os bens adquiridos por fato eventual, com ou sem o concurso de trabalho ou despesa anterior”, são comuns.
2) Foi o próprio legislador quem estabeleceu a referida comunicabilidade.
3) A comunicabilidade é a regra, que admite exceções, a depender do regime de bens, sendo que aquele de separação legal do septuagenário é diverso do regime de separação convencional, tendo recebido mitigação reconhecida pela jurisprudência do STF e do STJ, sendo, em verdade, uma mescla de regimes.
4) A partilha dos referidos ganhos com a loteria não ofende o objetivo da lei, já que o prêmio foi ganho durante a relação, não havendo falar em matrimônio (união estável) realizado por interesse. A pessoa não sabia que ele iria ganhar o prêmio.

140
Q

É possível aplicar o intstituto da guarda para animais de estimação?

A

Na dissolução de entidade familiar, é possível o reconhecimento do direito de visita a animal de estimação adquirido na constância da união, demonstrada a relação de afeto com o animal.

Na dissolução da entidade familiar em que haja algum conflito em relação ao animal de estimação, independentemente da qualificação jurídica a ser adotada, a resolução deverá buscar atender, sempre a depender do caso em concreto, aos fins sociais, atentando para a própria evolução da sociedade, com a proteção do ser humano e do seu vínculo afetivo com o animal. STJ. 4ª Turma. REsp 1.713.167-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 19/06/2018 (Info 634).

Natureza jurídica dos animais segundo o Código Civil

Segundo o Código Civil, os animais possuem natureza jurídica de “coisas”. Os animais, via de regra, enquadram-se na categoria de semoventes, conforme o art. 82 do CC:

Art. 82. São móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social.

Assim, a Lei não atribuiu aos animais a qualidade de pessoas, não sendo eles dotados de personalidade jurídica, não podendo ser considerados, segundo a ótica do Código Civil, como sujeitos de direitos.

Ao contrário, os animais, para o Código Civil, são objeto de relações jurídicas. Nesse sentido, podemos citar alguns exemplos de dispositivos que conferem a eles esse tratamento jurídico: arts. 82, 445, § 2º, 936, 1.444, 1.445 e 1.446.

Necessidade de se rediscutir essa categorização

Apesar dessa categorização legal, cresce a cada dia a ideia de que os animais de companhia (“animais de estimação”) não devem ser considerados como simples coisas (inanimadas).

Ao contrário, eles merecem tratamento peculiar diante da atual conjectura do conceito de família e sua função social.

É notório o crescimento, em todo o mundo, do número de animais de estimação no âmbito das famílias e, cada vez mais, são tratados como verdadeiros membros destas.

Diante dessa realidade social, os Tribunais do país têm-se deparado com situações de divórcio e dissolução de uniões estáveis em que a única divergência está justamente na definição da custódia do animal.

Projeto de lei

Vale destacar que existe projeto de lei que tramita no Congresso Nacional que tem como objetivo justamente disporsobre a guarda dos animais de estimação nos casos de dissolução litigiosa da sociedade e do vínculo conjugal.

Direito comparado

Importante também registrar que a legislação de alguns países europeus já avançou na proteção dos animais de companhia retirando a natureza jurídica de “coisas”.

Nesse sentido:

  • Áustria, Alemanha e Suíça indicam expressamente que os animais não são coisas.
  • França, Nova Zelândia e Portugal vão além e preveem que os animais são seres sencientes(seres dotados de sensibilidade)

Correntes na doutrina brasileira

É possível encontrar na doutrina brasileira três correntes principais sobre o tema:

1ª) Animais possuem status de pessoa.

Biologicamente, o ser humano é animal, ser vivo com capacidade de locomação e de resposta a estímulos, inclusive em relação aos grandes símios que, com base no DNA, seriam parentes muito próximos dos humanos.

Em razão disso, ao animal deveria ser atribuído direitos da personalidade, o próprio titular do direito vindicado, sob pena de a diferença de tratamento caracterizar odiosa discriminação.

2ª) Animais não são pessoas, mas são sujeitos de direitos.

Para essa corrente, o melhor é separar o conceito de “pessoa” e o de “sujeito de direito”, possibilitando a proteção dos animais na qualidade de sujeito de direito sem personalidade.

Assim, os animais estariam protegidos não como objeto de direito (patrimônio do seu proprietário), mas sim pelo fato de ser animal (sujeito de direito).

3ª) Animais devem continuar como semoventes (objeto de direito).

Segundo essa terceira corrente, os animais de companhia devem permancer dentro de sua natureza jurídica tradicional, ou seja, como semoventes (coisa) e, portanto, mero objeto de direito das relações jurídicas titularizadas pelas pessoas.

Não é possível aplicar o instituto da guarda para animais de estimação

A guarda, instituto de direito de família, não pode ser simples e diretamente aplicado para animais de estimação. Isso porque a guarda envolve não apenas direitos, mas também deveres do guardião para a pessoa sob guarda.

Logo, considerar que é possível falar em guarda de animais, seria o mesmo que reconhecer que eles são sujeitos de direito.

Assim, não é possível equiparar a posse de animais com a guarda de filhos. Os animais, mesmo com todo afeto merecido, continuarão sendo “não humanos” e, por conseguinte, portadores de demandas diferentes das nossas.

A guarda propriamente dita - inerente ao poder familiar - instituto, por essência, de direito de família, não pode ser simples e fielmente subvertida para definir o direito dos consortes, por meio do enquadramento de seus animais de estimação, notadamente porque é um munus exercido no interesse tanto dos pais quanto do filho. STJ. 4ª Turma. REsp 1.713.167-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 19/06/2018 (Info 634)

Necessidade de se encontrar uma solução para as disputas envolvendo os animais ao fim das relações conjugais

Estudos vêm demonstrando uma série de ocorrências que indicam que os animais de companhia ganharam o status de verdadeiros membros da família.

Vale ressaltar, no entanto, que o simples fato de o animal ser tido como de estimação, recebendo o afeto da entidade familiar, não tem a força de alterar a sua substância, a ponto de converter a sua natureza jurídica de coisa para sujeito de direitos.

Por outro lado, está mais do que claro que o regramento jurídico dos “bens” não é suficiente para resolver, satisfatoriamente, as disputas familiares envolvendo animais de estimação nos dias atuais.

Os animais de companhia possuem valor subjetivo único e peculiar, aflorando sentimentos bastante íntimos em seus donos, totalmente diversos de qualquer outro tipo de propriedade privada. Por conta disso, o regramento jurídico dos bens não se vem mostrando suficiente para resolver, de forma satisfatória, a disputa familiar envolvendo os pets, visto que não se trata de simples discussão atinente à posse e à propriedade. STJ. 4ª Turma. REsp 1.713.167-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 19/06/2018 (Info 634).

Em outras palavras, resolver os conflitos envolvendo animais de estimação segundo as regras tradicionais de posse e propriedade não é a solução mais adequada.

Desprezar a relação do homem com seu animal é violar a dignidade da pessoa humana

A ordem jurídica não pode, simplesmente, desprezar o relevo, a importância, da relação do homem com seu animal de estimação, sobretudo nos tempos atuais.

Assim, o Direito deve ter como norte o fato, cultural e da pós-modernidade, de que há uma disputa dentro da entidade familiar em que prepondera o afeto de ambos os cônjuges pelo animal.

Portanto, a solução deve buscar a preservação e a garantia dos direitos da pessoa humana, mais precisamente o âmago de sua dignidade.

Desse modo, negar o contato do indivíduo com o animal de estimação em razão do fim do relacionamento viola a dignidade da pessoa humana.

Os animais de companhia são seres que, inevitavelmente, possuem natureza especial e, como ser senciente - dotados de sensibilidade, sentindo as mesmas dores e necessidades biopsicológicas dos animais racionais -, também devem ter o seu bem-estar considerado. STJ. 4ª Turma. REsp 1.713.167-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 19/06/2018 (Info 634).

Em conclusão:

Na dissolução de entidade familiar, é possível o reconhecimento do direito de visita a animal de estimação adquirido na constância da união, demonstrada a relação de afeto com o animal.

Na dissolução da entidade familiar em que haja algum conflito em relação ao animal de estimação, independentemente da qualificação jurídica a ser adotada, a resolução deverá buscar atender, sempre a depender do caso em concreto, aos fins sociais, atentando para a própria evolução da sociedade, com a proteção do ser humano e do seu vínculo afetivo com o animal. STJ. 4ª Turma. REsp 1.713.167-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 19/06/2018 (Info 634).

Polêmica

Vale ressaltar que o julgado foi por maioria, com dois votos contrários vencidos.

Além disso, o Min. Marco Buzzi acompanhou o Relator, mas o fez por fundamentação diversa, afirmando que os dois ex-consortes teriam direitos sobre a cadela com base no instituto da copropriedade, não havendo que se falar em “direito de visitas”. Dessa forma, pode ser que, em um futuro próximo, o tema ainda venha a ser rediscutido.

141
Q

Mesmo nas hipóteses em que não ostente a condição de herdeira, a viúva poderá impugnar a ação de investigação de paternidade?

A

Mesmo nas hipóteses em que não ostente a condição de herdeira, a viúva poderá impugnar ação de investigação de paternidade post mortem, devendo receber o processo no estado em que este se encontra. STJ. 4ª Turma. REsp 1.466.423-GO, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 23/2/2016 (Info 578).

Na hipótese de a viúva não ser herdeira do investigado, ela não ostentará, em princípio, a condição de parte ou litisconsorte necessária na ação de investigação de paternidade post mortem. Em outras palavras, o autor da ação não precisa propor a demanda contra ela.

A relação processual estará, em regra, completa com a citação de todos os seus herdeiros, não havendo nulidade pela não inclusão no polo passivo de viúva não herdeira. Ocorre que o Código Civil autoriza que qualquer pessoa que tenha interesse possa contestar a ação de investigação de paternidade (art. 1.615).

No caso concreto, Maria não possui interesse patrimonial na demanda, considerando que, mesmo que Lucas seja reconhecido como filho, o que irá mudar é que Pedro e Tiago terão que dividir a herança com ele. A meação de Maria permanecerá intacta.

A viúva possui, no entanto, interesse moral na causa.

Em regra, o interesse meramente moral não autoriza a intervenção como assistente. No entanto, a interpretação da doutrina e da jurisprudência é que, no caso do art. 1.615 do CC, o interesse moral permite que a viúva intervenha no polo passivo da ação de investigação de paternidade post mortem.

Dessa forma, Maria poderá assumir o polo passivo da ação, juntamente com os demais réus, pelo fato de possuir interesse moral na causa, o que satisfaz a exigência do art. 1.615 do CC:

Art. 1.615. Qualquer pessoa, que justo interesse tenha, pode contestar a ação de investigação de paternidade, ou maternidade.

142
Q

A ação rescisória de sentença proferida em ação de investigação de paternidade cujo genitor é pré-morto deve ser ajuizada em face de quem: herdeiros ou espólio?

A

A ação rescisória de sentença proferida em ação de investigação de paternidade cujo genitor é pré-morto deve ser ajuizada em face dos herdeiros, e não do espólio. STJ. 3ª Turma. REsp 1.667.576-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 10/09/2019 (Info 656).

Ação de estado e de natureza pessoal

Por se tratar de ação de estado e de natureza pessoal, a ação de investigação de paternidade em que o pretenso genitor biológico é pré-morto (já faleceu) deve ser ajuizada somente em face dos herdeiros do falecido (e não de seu espólio).

Segue a mesma lógica da ação de investigação de paternidade

Se Cristina ajuizasse a ação de investigação de paternidade depois da morte de João, ela teria que propor contra os herdeiros (e não contra o espólio do falecido). Isso porque, segundo a jurisprudência do STJ, a ação de investigação de paternidade deve ser ajuizada em face dos herdeiros, e não do espólio do falecido. Nesse sentido: STJ. 3ª Turma. REsp 331.842/AL, DJ 10/06/2002

Logo, em caso de ação rescisória contra ação de investigação de paternidade, o raciocínio deve ser o mesmo e a ação deve ser proposta também contra os herdeiros (e não contra o espólio).

Espólio é um mero ente despersonalizado que titulariza a herança até que haja a partilha

O espólio não é parte legítima para responder à ação rescisória em que se pleiteia a rescisão de sentença e o rejulgamento de ação investigatória de paternidade post mortem na medida em que, nessa ação, nada será pedido contra o espólio, que tão somente é um ente despersonalizado apto a titularizar a universalidade jurídica denominada herança até que se efetive a partilha dos bens.

Obs: o espólio é o ente despersonalizado que representa a herança em juízo ou fora dele. Mesmo sem possuir personalidade jurídica, o espólio tem capacidade para praticar atos jurídicos (ex.: celebrar contratos no interesse da herança) e tem legitimidade processual (pode estar no polo ativo ou passivo da relação processual) (FARIAS, Cristiano Chaves. et. al., Código Civil para concursos. Salvador: Juspodivm, 2013, p. 1396).

143
Q

Os efeitos da sentença transitada em julgado que reconhece o vínculo de parentesco entre filho e pai em ação de investigação de paternidade alcançam os avós que não participaram do processo? Justifique.

A

Os efeitos da sentença transitada em julgado que reconhece o vínculo de parentesco entre filho e pai em ação de investigação de paternidade alcançam o avô, ainda que este não tenha participado da relação jurídica processual. STJ. 4ª Turma. REsp 1.331.815-SC, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 16/6/2016 (Info 587)

Limites subjetivos da coisa julgada

Quando se fala em limites subjetivos da coisa julgada, isso significa: “a quem a coisa julgada atinge”, ou seja, “quem está submetido à coisa julgada” formada naquele processo.

Em regra, os limites subjetivos da coisa julgada são inter partes, ou seja, estão limitados às partes do processo. Isso está previsto no art. 506 do CPC/2015, transcrito acima.

Ao ler este artigo, você poderia pensar: “então o avô está correto, já que ele não foi parte no processo de investigação e não pode ser prejudicado”.

Ocorre que é preciso diferenciar “limites subjetivos da coisa julgada” de “efeitos da sentença”. São institutos diferentes.

Efeitos da sentença

Os efeitos da sentença são as alterações que a sentença produz sobre as relações existentes fora do processo. Os efeitos da sentença irradiam-se com eficácia erga omnes, atingindo mesmo aqueles que não figuraram como parte na relação jurídica processual.

Limites subjetivos da coisa julgada X efeitos da sentença

Desse modo, é fundamental não confundir limites subjetivos da coisa julgada com efeitos da sentença. Conforme explica a doutrina:

“Importante distinção diz respeito aos limites subjetivos da coisa julgada e os efeitos da sentença. Apesar da coisa julgada só atingir as partes que litigaram no processo (exatamente os limites subjetivos ora analisados), os efeitos da sentença a todos atingem, independentemente da legitimidade ou participação no processo.

Contudo, apenas foi possível traçar essa distinção quando, com LIEBMAN, passou-se a diferenciar os efeitos da sentença da coisa julgada. Assim, após a sistematização da posição dos terceiros e dos efeitos advindos da sentença, admitiu-se que, em regra, os efeitos da decisão podem atingir terceiros, ao passo que a coisa julgada atinge apenas as partes.” (DELLORE, Luiz. Estudos sobre coisa julgada e controle de constitucionalidade. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 65-66.)

Coisa julgada não abrange o avô, mas os efeitos da sentença o atingem

A coisa julgada formada na ação de investigação de paternidade ajuizada pelo filho em face do pai não atinge o avô, na medida em que esta primeira demanda foi proposta exclusivamente contra seu filho (Pedro). No entanto, os efeitos da sentença o atingem. Ex: se duas pessoas se divorciam em um processo judicial de divórcio, a coisa julgada atinge apenas aos dois; no entanto, os efeitos dessa sentença irradiam-se de forma erga omnes; o ex-casal não está divorciado apenas entre eles, mas sim perante qualquer pessoa.

Os efeitos da sentença não encontram a mesma limitação subjetiva que o art. 506 do CPC/2015 destina ao instituto da coisa julgada, de maneira que também podem atingir, direta ou indiretamente, terceiros que não participaram da relação jurídica processual. Os efeitos da sentença possuem, portanto, eficácia erga omnes.

Assim, tendo o filho promovido ação de investigação de paternidade contra o pai, na qual se deu o julgamento de procedência do pedido e o trânsito em julgado, o vínculo parental entre eles é, por força da coisa julgada que ali se formou, imutável e indiscutível, à luz do art. 502 do CPC/2015.

Nesse contexto, o avô agora suporta as consequências da decisão que assentou a paternidade de seu filho, cujos efeitos atingem-no de maneira reflexa, por força de sua ascendência em relação ao pai judicialmente reconhecido. Ora, se o autor é filho de seu filho, logo, por força de um vínculo jurídico lógico e necessário, é seu neto (art. 1.591 do CC).

Repita-se: não está o avô sujeito à coisa julgada, que só atinge as partes da ação investigatória, mas efetivamente suporta os efeitos que resultam da decisão, independentemente de sua participação na relação processual.

Vale ressaltar que não é apenas o avô que irá suportar esses efeitos, mas toda e qualquer pessoa, física ou jurídica. Os efeitos são erga omnes. É o caso, por exemplo, do INSS. Perante a autarquia previdenciária, Lucas é filho de Pedro e, portanto, seu dependente, mesmo o INSS não tendo participado da ação de investigação de paternidade. O INSS não se submete à coisa julgada, mas está sujeito aos efeitos da sentença.

144
Q

Se o marido ou companheira descobre que foi induzida em erro no momento de registrar criança e que não é pai biológico do seu filho registral, ele poderá contestar a paternidade, pedindo a retificação do registro (art. 1.601 a 1.604 do CC), em qualquer hipótese?

Art. 1.601. Cabe ao marido o direito de contestar a paternidade dos filhos nascidos de sua mulher, sendo tal ação imprescritível.

Parágrafo único. Contestada a filiação, os herdeiros do impugnante têm direito de prosseguir na ação.

Art. 1.602. Não basta a confissão materna para excluir a paternidade.

Art. 1.603. A filiação prova-se pela certidão do termo de nascimento registrada no Registro Civil.

Art. 1.604. Ninguém pode vindicar estado contrário ao que resulta do registro de nascimento, salvo provando-se erro ou falsidade do registro.

A

Se o marido ou companheiro descobre que foi induzido em erro no momento de registrar a criança e que não é pai biológico do seu filho registral, ele poderá contestar a paternidade, pedindo a retificação do registro (arts. 1.601 e 1.604 do CC). Não se pode obrigar o pai registral, induzido a erro substancial, a manter uma relação de afeto, igualmente calcada no vício de consentimento originário, impondo-lhe os deveres daí advindos, sem que, voluntária e conscientemente, o queira.

Vale ressaltar, no entanto, que, para que o pai registral enganado consiga desconstituir a paternidade é indispensável que tão logo ele tenha sabido da verdade (da traição), ele tenha se afastado do suposto filho, rompendo imediatamente o vínculo afetivo.

Se o pai registral enganado, mesmo quando descobriu a verdade, ainda manteve vínculos afetivos com o filho registral, neste caso ele não mais poderá desconstituir a paternidade.

“Adoção à brasileira” A situação acima descrita é diferente da chamada “adoção à brasileira”, que ocorre quando o homem e/ou a mulher declara, para fins de registro civil, o menor como sendo seu filho biológico sem que isso seja verdade. No caso de adoção à brasileira, o pai sabe que não é genitor biológico (ele não foi enganado).

Caso o pai registral se arrependa da “adoção à brasileira” realizada, ele poderá pleitear a sua anulação?

NÃO. O pai que questiona a paternidade de seu filho registral (não biológico), que ele próprio registrou conscientemente, está violando a boa-fé objetiva, mais especificamente a regra da venire contra factum proprium (proibição de comportamento contraditório).

Para que seja possível a anulação do registro é indispensável que fique provado que o pai registrou o filho enganado (induzido em erro), ou seja, é imprescindível que tenha havido vício de consentimento. STJ. 3ª Turma. REsp 1.330.404-RS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 5/2/2015

No caso concreto, houve vínculo de afeto entre o pai registral (João) e Eduardo. Não seria possível manter o registro com base na paternidade socioafetiva?

A 3ª Turma do STJ, neste julgado, entendeu que não. Segundo defendeu o Min. Relator, “o estabelecimento da filiação socioafetiva perpassa, necessariamente, pela vontade e, mesmo, pela voluntariedade do apontado pai, ao despender afeto, de ser reconhecido como tal. É dizer: as manifestações de afeto e carinho por parte de pessoa próxima à criança somente terão o condão de convolarem-se numa relação de filiação, se, além da caracterização do estado de posse de filho, houver, por parte daquele que despende o afeto, a clara e inequívoca intenção de ser concebido juridicamente como pai ou mãe daquela criança.”

No caso concreto, a relação afetiva que havia entre pai registral e filho foi rompida quando este tinha cinco anos, de forma que há oito anos eles não mais teriam qualquer contato. Segundo foi apurado, atualmente é impossível o restabelecimento desse vínculo que um dia existiu.

Para o Min. Marco Aurélio Bellizze, “não se pode obrigar o pai registral, induzido a erro substancial, a manter uma relação de afeto, igualmente calcada no vício de consentimento originário, impondo-lhe os deveres daí advindos, sem que, voluntária e conscientemente, o queira. Como assinalado, a filiação sociafetiva pressupõe a vontade e a voluntariedade do apontado pai de ser assim reconhecido juridicamente, circunstância, inequivocamente, ausente na hipótese dos autos.”

E se, no momento em que descobriu a traição, o pai registral tivesse continuado a ter contato com Eduardo como se nada tivesse acontecido? Nesse caso, poderia João, depois de uns anos, ajuizar a ação e conseguir a desconstituição?

NÃO. O Min. Relator afirmou que se o pai registral, mesmo após ter obtido ciência da verdade dos fatos, ou seja, de que não era pai biológico do filho, mantivesse com este, voluntariamente, vínculos de afetividades, aí não seria possível a desconstituição porque teria ficado provada a paternidade socioafetiva.

145
Q

Imagine agora que Vitor, já maior, descubra que André não é seu pai biológico, mas sim Bruno. Vitor ajuíza ação de reconhecimento de paternidade cumulada com nulidade do registro contra Bruno e André. A ação terá êxito segundo o entendimento do STJ?

A

SIM. É possível o reconhecimento da paternidade biológica e a anulação do registro de nascimento na hipótese em que pleiteados pelo filho adotado conforme prática conhecida como “adoção à brasileira”.

O direito da pessoa ao reconhecimento de sua ancestralidade e origem genética insere-se nos atributos da própria personalidade.

Caracteriza violação ao princípio da dignidade da pessoa humana cercear o direito de conhecimento da origem genética, respeitando-se, por conseguinte, a necessidade psicológica de se conhecer a verdade biológica (STJ. REsp 833.712/RS).

A prática conhecida como “adoção à brasileira”, ao contrário da adoção legal, não tem a aptidão de romper os vínculos civis entre o filho e os pais biológicos, que devem ser restabelecidos sempre que o filho manifestar o seu desejo de desfazer o liame jurídico advindo do registro ilegalmente levado a efeito, restaurando-se, por conseguinte, todos os consectários legais da paternidade biológica, como os registrais, os patrimoniais e os hereditário.

A ação será julgada procedente e o registro será anulado mesmo que tenha se estabelecido uma relação socioafetiva entre Vítor e André?

SIM. O STJ entende que, mesmo que o filho tenha sido acolhido e tenha usufruído de uma relação socioafetiva, nada lhe retira o direito, em havendo sua insurgência ao tomar conhecimento de sua real história, de ter acesso à sua verdade biológica que lhe foi usurpada, desde o nascimento até a idade madura. Presente o dissenso, portanto, prevalecerá o direito ao reconhecimento do vínculo biológico (REsp 833.712/RS). Dessa forma, a filiação socioafetiva desenvolvida com o pai registral não afasta o direito do filho de ver reconhecida a sua filiação biológica.

Conclusão

1) PAI registral ajuíza ação negatória de paternidade e de nulidade do registro:

Para que seja julgada procedente é necessário que: a) ele tenha sido enganado (induzido em erro); b) não tenha sido construída uma relação socioafetiva entre ele e o filho após descobrir que não era o pai biológico.

Fundamentos: princípios do melhor interesse do menor e da boa-fé objetiva (vedação ao venire contra factum proprium); art. 1.604 do CC.

2) FILHO ajuíza ação de investigação de paternidade e de nulidade do registro

A ação poderá ser julgada procedente, mesmo que tenha sido construída uma relação socioafetiva entre ele e o pai registral.

Fundamentos: dignidade da pessoa humana e reconhecimento da ancestralidade biológica como direito da personalidade.

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Q
A
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Q

O STF admite a coexistência de paternidade biológia e socioafetiva? Ou seja, admite a pluriparentalidade?

A

A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios.

Ex: Lucas foi registrado e criado como filho por João; vários anos depois, Lucas descobre que seu pai biológico é Pedro; Lucas poderá buscar o reconhecimento da paternidade biológica de Pedro sem que tenha que perder a filiação socioafetiva que construiu com João; ele terá dois pais; será um caso de pluriparentalidade; o filho terá direitos decorrentes de ambos os vínculos, inclusive no campo sucessório. STF. Plenário. RE 898060/SC, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 21 e 22/09/2016 (Info 840).

A “adoção à brasileira” é permitida?

NÃO. Formalmente, esta conduta é até mesmo prevista como crime pelo Código Penal: Parto suposto. Supressão ou alteração de direito inerente ao estado civil de recém-nascido

Art. 242. Dar parto alheio como próprio; registrar como seu o filho de outrem; ocultar recém-nascido ou substituí-lo, suprimindo ou alterando direito inerente ao estado civil: Pena — reclusão, de dois a seis anos.

Parágrafo único — Se o crime é praticado por motivo de reconhecida nobreza: Pena — detenção, de um a dois anos, podendo o juiz deixar de aplicar a pena.

Vale ressaltar, entretanto, que, na prática, dificilmente alguém é condenado ou recebe pena por conta desse delito. Isso porque, no caso concreto, poderá o juiz reconhecer a existência de erro de proibição ou, então, aplicar o perdão judicial previsto no parágrafo único do art. 242 do CP.

É preciso, no entanto, que seja investigada a conduta porque, embora a “adoção à brasileira”, na maioria das vezes, não represente torpeza de quem a pratica, pode ela ter sido utilizada para a consecução de outros ilícitos, como o tráfico internacional de crianças.

O pedido formulado pelo autor pode ser acolhido? É possível que o indivíduo busque ser reconhecido como filho biológico de determinado pai e, ao mesmo tempo, continue como filho socioafetivo de outro? É possível que uma pessoa tenha dois pais: um biológico e outro socioafetivo e receba de ambos os direitos relacionados a essa filiação?

SIM.

A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios. STF. Plenário. RE 898060/SC, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 21 e 22/09/2016 (Info 840).

Dignidade da pessoa humana e proteção dos modelos de família diversos do tradicional

A dignidade da pessoa humana, prevista no art. 1º, III, da CF/88, é classificada por alguns doutrinadores como sendo um “sobreprincípio”, porque atua “sobre” outros princípios.

A dignidade humana compreende o ser humano como um ser intelectual e moral, capaz de determinar-se e desenvolver-se em liberdade. No campo do direito de família, a dignidade da pessoa humana confere ao indivíduo a possibilidade de que ele escolha o formato de família que ele quiser, de acordo com as suas relações afetivas interpessoais, mesmo que elas não estejam previstas em lei.

Direito à busca da felicidade

O chamado “direito à busca da felicidade” está estritamente ligado à dignidade da pessoa humana. Alguns dizem que ele deriva deste sobreprincípio e outros afirmam que ele é o próprio cerne (núcleo) da dignidade da pessoa humana.

A origem histórica do direito à busca da felicidade está em 4 de julho de 1776, na Filadélfia, Pensilvânia, quando foi publicada a declaração de independência dos Estados Unidos da América. Em seu preâmbulo, o documento exibe a seguinte frase atribuída a Thomas Jefferson:

“Consideramos estas verdades como evidentes por si mesmas, que todos os homens são criados iguais, dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis, que entre estes estão a vida, a liberdade e a busca da felicidade.”

O direito à busca da felicidade faz com que o indivíduo seja o centro do ordenamento jurídico-político que deverá reconhecer que ele tem a capacidade de autodeterminação, de autossuficiência e a liberdade de escolher seus próprios objetivos. O Estado deve atuar para garantir que essas capacidades próprias sejam respeitadas.

O Min. Luiz Fux narra que a primeira vez em que a Suprema Corte dos Estados Unidos reconheceu a força normativa do direito à busca da felicidade foi no caso Meyer v. Nebraska, de 1923 (262 U.S. 390). Havia uma lei do Estado de Nebraska de 1919 que proibia as pessoas de estudaram idiomas estrangeiros. O objetivo da lei, denominada “Siman Act”, era perseguir os imigrantes alemães por conta da 1ª guerra mundial. Um professor de alemão chamado Robert T. Meyer questionou a constitucionalidade da lei. A Suprema Corte acolheu o pedido e declarou a lei inconstitucional, afirmando que o direito à busca da felicidade seria uma norma constitucional implícita e que a lei seria inválida porque interferiu na vocação de professores, nas oportunidades dos alunos de adquirirem conhecimento e na prerrogativa dos pais de controlar a educação de seus descendentes. Segundo o Min. Fux, “a lição mais importante a ser extraída do caso é a de que sequer em tempos de guerra, excepcionais por natureza, poderá o indivíduo serreduzido a mero instrumento de consecução da vontade dos governantes”.

Transportando-se para o Direito de Família, o direito à busca da felicidade funciona como um escudo do ser humano em face das tentativas do Estado de enquadrar a sua realidade familiar em modelos préconcebidos pela lei. “É o direito que deve se curvar às vontades e necessidades das pessoas, não o contrário, assim como um alfaiate, ao deparar-se com uma vestimenta em tamanho inadequado, faz ajustes na roupa, e não no cliente.”

Dois exemplos de aplicação do direito à busca da felicidade pela Suprema Corte dos EUA em casos envolvendo direito de família:

 Loving v. Virginia, de 1967 (388 U.S. 1): uma mulher negra e um homem branco foram condenados a um ano de prisão por terem se casado em descumprimento ao Racial Integrity Act, de 1924, lei que proibia casamentos entre pessoas de “raças diferentes”. A Suprema Corte reverteu a condenação do casal adotando, dentre outros fundamentos, o de que o direito à liberdade de casamento é um dos direitos individuais vitais e essenciais para a busca ordenada da felicidade por homens livres;

 Obergefell v. Hodges, de 2015: este foi o julgado por meio do qual a Suprema Corte dos EUA permitiu o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Fico decidido que a Constituição reconhece a possibilidade de casamento de casais homoafetivos porque o direito a casar é uma decorrência essencial do direito à busca da felicidade. “A Constituição promete liberdade a todos aqueles sob seu alcance, uma liberdade que inclui certos direitos específicos que permitem a pessoas, dentro de um âmbito legal, definir e expressar sua identidade” (trecho do voto do Justice Anthony Kennedy).

Alguns Ministros do STF, em seus votos, já invocaram o direito à busca da felicidade em temas de direito de família. Confira:

“Reconhecimento do direito à preferência sexual como direta emanação do princípio da ‘dignidade da pessoa humana’: direito a auto-estima no mais elevado ponto da consciência do indivíduo. Direito à busca da felicidade. Salto normativo da proibição do preconceito para a proclamação do direito à liberdade sexual.” (ADPF 132, Rel. Min. Ayres Britto, DJe de 14/10/2011)

Em suma, tanto a dignidade humana como o direito à busca da felicidade asseguram que os indivíduos sejam senhores dos seus próprios destinos, condutas e modos de vida, sendo proibido que o Estado, seja por meio de seus governantes, seja por intermédio dos legisladores, imponha modelos obrigatórios de família.

Deve-se garantir também que a pessoa seja feliz com suas escolhas existenciais. Isso inclui a proteção e o reconhecimento, pelo ordenamento jurídico, de modelos familiares diversos da concepção tradicional.

Não há hierarquia entre a filiação biológica e a afetiva

O Direito deve acolher tanto os vínculos de filiação originados da ascendência biológica (filiação biológica) como também aqueles construídos pela relação afetiva (filiação socioafetiva).

Atualmente, não cabe estabelecer uma hierarquia entre a filiação afetiva e a biológica, devendo ser reconhecidos ambos os vínculos quando isso for o melhor para os interesses do descendente.

Como afirma o Min. Fux:

“Não cabe à lei agir como o Rei Salomão, na conhecida história em que propôs dividir a criança ao meio pela impossibilidade de reconhecer a parentalidade entre ela e duas pessoas ao mesmo tempo. Da mesma forma, nos tempos atuais, descabe pretender decidir entre a filiação afetiva e a biológica quando o melhor interesse do descendente é o reconhecimento jurídico de ambos os vínculos. Do contrário, estar-se-ia transformando o ser humano em mero instrumento de aplicação dos esquadros determinados pelos legisladores. É o direito que deve servir à pessoa, não o contrário.”

Obs: vale ressaltar que a filiação socioafetiva independe da realização de registro, bastando a consolidação do vínculo afetivo entre as partes ao longo do tempo, como ocorre nos casos de posse do estado de filho. Assim, a “adoção à brasileira” é uma das formas de ocorrer a filiação socioafetiva, mas esta poderá se dar mesmo sem que o pai socioafetivo tenha registrado o filho.

Pluriparentalidade

O conceito de pluriparentalidade não é novidade no Direito Comparado. Nos Estados Unidos, onde os Estados têm competência legislativa em matéria de Direito de Família, a Suprema Corte de Louisiana possui jurisprudência consolidada quanto ao reconhecimento da “dupla paternidade” (dual paternity). Essas decisões da Suprema Corte fizeram com que, em 2005, houvesse uma alteração no Código Civil estadual de Louisiana e passou-se a reconhecer expressamente a possibilidade de dupla paternidade. Com isso, Louisiana se tornou o primeiro Estado norte-americano a permitir legalmente que um filho tenha dois pais, atribuindo-se a ambos as obrigações inerentes à parentalidade.

O fato de o legislador no Brasil não prever expressamente a possibilidade de uma pessoa possuir dois pais (um socioafetivo e outro biológico) não pode servir de escusa para se negar proteção a situações de pluriparentalidade. Esta posição, agora adotada pelo STF, já era reconhecida pela doutrina:

“Não mais se pode dizer que alguém só pode ter um pai e uma mãe. Agora é possível que pessoas tenham vários pais. Identificada a pluriparentalidade, é necessário reconhecer a existência de múltiplos vínculos de filiação. Todos os pais devem assumir os encargos decorrentes do poder familiar, sendo que o filho desfruta de direitos com relação a todos. Não só no âmbito do direito das famílias, mas também em sede sucessória. (…)” (DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 6ª ed. São Paulo: RT, 2010, p. 370). Em suma, é juridicamente possível a cumulação de vínculos de filiação derivados da afetividade e da consanguinidade.

Paternidade responsável

Haveria uma afronta ao princípio da paternidade responsável (art. 226, § 7º, da CF/88) se fosse permitido que o pai biológico ficasse desobrigado de ser reconhecido como tal pelo simples fato de o filho já ter um pai socioafetivo.

Todos os pais devem assumir os encargos decorrentes do poder familiar, e o filho deve poder desfrutar de direitos com relação a todos, não só no âmbito do direito das famílias, mas também em sede sucessória.

148
Q

O filho menor pode ajuizar ação de investigação de paternidade com intuito de modificar seu registro civil mais de 4 anos após atingir a maioridade?

A

A ação de investigação de paternidade é imprescritível. O prazo decadencial de 4 anos estabelecido no art. 1.614 do CC/2002 aplica-se apenas aos casos em que se pretende, exclusivamente, desconstituir o reconhecimento de filiação, não tendo incidência nas investigações de paternidade, nas quais a anulação do registro civil constitui mera consequência lógica da procedência do pedido.

  • Ação pedindo apenas a desconstituição do reconhecimento de filiação: prazo de 4 anos.
  • Ação pedindo a investigação de paternidade e a consequente desconstituição do reconhecimento de filiação: imprescritível. STJ. 4ª Turma. AgRg no REsp 1.259.703-MS, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 24/2/2015 (Info 556).

Art. 1.614. O filho maior não pode ser reconhecido sem o seu consentimento, e o menor pode impugnar o reconhecimento, nos quatro anos que se seguirem à maioridade, ou à emancipação.

149
Q

Quais são as exceções ao estabelecimento da guarda compartilhada? Pode o juiz criar outras exceções com base nas peculiaridades do caso?

A

REGRA: o CC determina que, quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, o juiz deverá aplicar a guarda compartilhada (art. 1.584, § 2º).

EXCEÇÕES: Não será aplicada a guarda compartilhada se:

a) um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor;
b) um dos genitores não estiver apto a exercer o poder familiar.

O § 2º do art. 1.584 afirma que “encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar”, será aplicada a guarda compartilhada. O que significa essa expressão: “genitores aptos a exercer o poder familiar”? Quando o genitor não estará apto a exercer o poder familiar?

A guarda compartilhada somente deixará de ser aplicada quando houver inaptidão de um dos ascendentes para o exercício do poder familiar, fato que deverá ser declarado, prévia ou incidentalmente à ação de guarda, por meio de decisão judicial (STJ. 3ª Turma. REsp 1.629.994-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 6/12/2016. Info 595).

O § 2º do art. 1.584 somente admite duas exceções em que não será aplicada a guarda compartilhada. A interpretação desse dispositivo pode ser relativizada? É possível afastar a guarda compartilhada com base em peculiaridades do caso concreto mesmo que não previstas no § 2º do art. 1.584 do CC?

O STJ está dividido, havendo decisões em ambos os sentidos:

1ª) NÃO. A guarda compartilhada apresenta força vinculante, devendo ser obrigatoriamente adotada, salvo se um dos genitores não estiver apto a exercer o poder familiar ou se um deles declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor (STJ. 3ª Turma. REsp 1626495/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 15/09/2016).

2ª) SIM. As peculiaridades do caso concreto podem servir como argumento para que não seja implementada a guarda compartilhada. Ex: se houver dificuldades geográficas (pai mora em uma cidade e mãe em outra, distante). Isso porque deve-se atentar para o princípio do melhor interesse dos menores. Assim, as partes poderão demonstrar a existência de impedimento insuperável ao exercício da guarda compartilhada, podendo o juiz aceitar mesmo que não expressamente previsto no art. 1.584, § 2º. A aplicação obrigatória da guarda compartilhada pode ser mitigada se ficar constatado que ela será prejudicial ao melhor interesse do menor (STJ. 3ª Turma. REsp 1605477/RS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 21/06/2016). STJ. 3ª Turma. REsp 1.629.994-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 6/12/2016 (Info 595).

150
Q

O filho pode ajuizar ação de exigir contas em desfavor de seus genitores em relação aos valores por eles recebidos?

A

O pai e a mãe, enquanto no exercício do poder familiar, são usufrutuários dos bens dos filhos (usufruto legal), bem como têm a administração dos bens dos filhos menores sob sua autoridade, nos termos do art. 1.689, incisos I e II, do Código Civil.

Por essa razão, em regra, não existe o dever de prestar contas acerca dos valores recebidos pelos pais em nome do menor, durante o exercício do poder familiar. Isso porque há presunção de que as verbas recebidas tenham sido utilizadas para a manutenção da comunidade familiar, abrangendo o custeio de alimentação, saúde, vestuário, educação, lazer, entre outros.

Excepcionalmente, admite-se o ajuizamento de ação de prestação de contas pelo filho, sempre que a causa de pedir estiver fundada na suspeita de abuso de direito no exercício desse poder.

Assim, a ação de prestação de contas ajuizada pelo filho em desfavor dos pais é possível quando a causa de pedir estiver relacionada com suposto abuso do direito ao usufruto legal e à administração dos bens dos filhos. STJ. 3ª Turma. REsp 1.623.098-MG, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 13/03/2018 (Info 622).

Nos termos do art. 1.689 do Código Civil, extrai-se que o pai e a mãe, enquanto no exercício do poder familiar, são usufrutuários dos bens dos filhos (usufruto legal), bem como têm a administração dos bens dos filhos menores sob sua autoridade.

Por esse motivo, em regra, não existe o dever de prestar contas acerca dos valores recebidos pelos pais em nome do menor durante o exercício do poder familiar. Isso porque há presunção de que as verbas recebidas tenham sido utilizadas para a manutenção da comunidade familiar, abrangendo o custeio de alimentação, saúde, vestuário, educação, lazer, entre outros.

Ocorre que esse munus deve ser exercido sempre visando atender ao princípio do melhor interesse do menor, introduzido em nosso sistema jurídico como corolário da doutrina da proteção integral, consagrada pelo art. 227 da Constituição Federal, o qual deve orientar a atuação tanto do legislador quanto do aplicador da norma jurídica, vinculando-se o ordenamento infraconstitucional aos seus contornos.

Em outras palavras, o fato de os pais serem usufrutuários e administradores dos bens dos filhos menores, em razão do poder familiar, não lhes confere liberdade total para utilizar, como quiserem, o patrimônio de seus filhos, o qual, a rigor, não lhes pertence.

Não por outra razão que o art. 1.691 do Código Civil determina que “não podem os pais alienar, ou gravar de ônus real, os imóveis dos filhos, nem contrair, em nome deles, obrigações que ultrapassem os limites da simples administração, salvo por necessidade ou evidente interesse da prole, mediante prévia autorização do juiz”

Assim, partindo-se da premissa de que o poder dos pais, em relação ao usufruto e administração dos bens de filhos menores, não é absoluto, deve-se permitir, em caráter excepcional, o ajuizamento da ação de prestação de contas pelo filho, sempre que a causa de pedir estiver fundada na suspeita de abuso de direito no exercício desse poder, como ocorrido na espécie.

Ora, inviabilizar, de plano, o ajuizamento da ação de prestação de contas nesse tipo de situação, sob o fundamento de impossibilidade jurídica do pedido para toda e qualquer hipótese, acabaria por cercear o direito do filho de questionar judicialmente eventual abuso de direito de seus pais no exercício dos encargos previstos no art. 1.689 do Código Civil, contrariando a própria finalidade da norma em comento, isto é, de preservação dos interesses do menor.

Flexibilização do procedimento

Vale ressaltar que deverá ser flexibilizada a forma de prestação das contas, pois não seria razoável admitir, sobretudo em razão da excepcionalidade do caso, que a mãe do autor tenha um “livro-caixa” especificando todas as receitas e despesas tidas com seu filho.

Assim, neste caso concreto, basta que a ré demonstre, com elementos mínimos, que garantiu os direitos básicos de seu filho, não tendo o abandonado materialmente.

151
Q

João possui dois filhos com mulheres diferentes. Para um, já paga 20% de seu salário como pensão. Para o outro, pretende pagar 2% dessa referência, sob o argumento de que a mãe deste possui boa condição financeira. Seu argumento pode ser acolhido?

A

Em regra, não deverá haver diferença no valor ou no percentual dos alimentos destinados a prole, pois se presume que, em tese, os filhos - indistintamente - possuem as mesmas demandas vitais, tenham as mesmas condições dignas de sobrevivência e igual acesso às necessidades mais elementares da pessoa humana.

A igualdade entre os filhos, todavia, não tem natureza absoluta e inflexível, de modo que é admissível a fixação de alimentos em valor ou percentual distinto entre os filhos se demonstrada a existência de necessidades diferenciadas entre eles ou, ainda, de capacidades contributivas diferenciadas dos genitores.

Exemplo: João possui dois filhos, com mulheres diferentes. Para o filho 1, paga 20% de seu salário e para o filho 2, 15%. O STJ admitiu que essas pensões sejam em valores diferentes porque a capacidade financeira da mãe do filho 2 é muito maior do que a genitora do filho 1. STJ. 3ª Turma. REsp 1.624.050/MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 19/06/2018 (Info 628).

152
Q

O espólio do genitor do autor pode ser réu em ação de alimentos se o genitor não havia assumido obrigação alimentar por acordo ou decisão judicial antes de sua morte?

A

O espólio de genitor do autor de ação de alimentos não possui legitimidade para figurar no polo passivo da ação na hipótese em que inexista obrigação alimentar assumida pelo genitor por acordo ou decisão judicial antes da sua morte. De fato, o art. 23 da Lei do Divórcio e o art. 1.700 do CC estabelecem que a “obrigação de prestar alimentos transmite-se aos herdeiros do devedor”. Ocorre que, de acordo com a jurisprudência do STJ e com a doutrina majoritária, esses dispositivos só podem ser invocados se a obrigação alimentar já fora estabelecida anteriormente ao falecimento do autor da herança por acordo ou sentença judicial. Isso porque esses dispositivos não se referem à transmissibilidade em abstrato do dever jurídico de prestar alimentos, mas apenas à transmissão (para os herdeiros do devedor) de obrigação alimentar já assumida pelo genitor por acordo ou decisão judicial antes da sua morte. Precedentes citados: AgRg no REsp 981.180/RS, Terceira Turma, DJe 15/12/2010; e REsp 1.130.742/DF, Quarta Turma, DJe 17/12/2012. REsp 1.337.862-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 11/2/2014.

153
Q

Com o óbito do alimentante, a obrigação de prestar alimentos a sua ex-companheira, assumida em acordo, transfere-se ao espólio?

A

Extingue-se, com o óbito do alimentante, a obrigação de prestar alimentos a sua ex-companheira decorrente de acordo celebrado em razão do encerramento da união estável, transmitindo-se ao espólio apenas a responsabilidade pelo pagamento dos débitos alimentares que porventura não tenham sido quitados pelo devedor em vida (art. 1.700 do CC).

De acordo com o art. 1.700 do CC, “A obrigação de prestar alimentos transmite-se aos herdeiros do devedor, na forma do art. 1.694”. Esse comando deve ser interpretado à luz do entendimento doutrinário de que a obrigação alimentar é fruto da solidariedade familiar, não devendo, portanto, vincular pessoas fora desse contexto.

A morte do alimentante traz consigo a extinção da personalíssima obrigação alimentar, pois não se pode conceber que um vínculo alimentar decorrente de uma já desfeita solidariedade entre o falecido-alimentante e a alimentada, além de perdurar após o término do relacionamento, ainda lance seus efeitos para além da vida do alimentante, deitando garras no patrimônio dos herdeiros, filhos do de cujus.

Entender que a obrigação alimentar persiste após a morte, ainda que nos limites da herança, implicaria agredir o patrimônio dos herdeiros (adquirido desde o óbito por força da saisine).

Aliás, o que se transmite, no disposto do art. 1.700 do CC, é a dívida existente antes do óbito e nunca o dever ou a obrigação de pagar alimentos, pois personalíssima.

Não há vínculos entre os herdeiros e a ex-companheira que possibilitem se protrair, indefinidamente, o pagamento dos alimentos a esta, fenecendo, assim, qualquer tentativa de transmitir a obrigação de prestação de alimentos após a morte do alimentante. O que há, e isso é inegável, até mesmo por força do expresso texto de lei, é a transmissão da dívida decorrente do débito alimentar que por ventura não tenha sido paga pelo alimentante enquanto em vida.

Essa limitação de efeitos não torna inócuo o texto legal que preconiza a transmissão, pois, no âmbito do STJ, se vem dando interpretação que, embora lhe outorgue efetividade, não descura dos comandos macros que regem as relações das obrigações alimentares. Daí a existência de precedentes que limitam a prestação dos alimentos, pelo espólio, à circunstância do alimentado também ser herdeiro, ante o grave risco de demoras, naturais ou provocadas, no curso do inventário, que levem o alimentado a carência material inaceitável (REsp 1.010.963-MG, Terceira Turma, DJe 5/8/2008).

Qualquer interpretação diversa, apesar de gerar mais efetividade ao art. 1.700 do CC, vergaria de maneira inaceitável os princípios que regem a obrigação alimentar, dando ensejo à criação de situações teratológicas, como o de viúvas pagando alimentos para ex-companheiras do de cujus, ou verdadeiro digladiar entre alimentados que também sejam herdeiros, todos pedindo, reciprocamente, alimentos.

Assim, admite-se a transmissão tão somente quando o alimentado também seja herdeiro, e, ainda assim, enquanto perdurar o inventário, já se tratando aqui de uma excepcionalidade, porquanto extinta a obrigação alimentar desde o óbito. A partir de então (no caso de herdeiros) ou a partir do óbito do alimentante (para aqueles que não o sejam), fica extinto o direito de perceber alimentos com base no art. 1.694 do CC, ressaltando-se que os valores não pagos pelo alimentante podem ser cobrados do espólio. REsp 1.354.693-SP, Rel. originário Min. Maria Isabel Gallotti, voto vencedor Min. Nancy Andrighi, Rel. para acórdão Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 26/11/2014, DJe 20/2/2015.

154
Q

Obrigação alimentar extinta, mas mantida por longo período de tempo por mera liberalidade do alimentando, pode-se perpetuar por conta da surrectio?

A

Obrigação alimentar extinta, mas mantida por longo período de tempo por mera liberalidade do alimentante, não pode ser perpetuada com fundamento no instituto da surrectio. STJ. 3ª Turma. REsp 1.789.667-RJ, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Rel. Acd. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 13/08/2019 (Info 654).

Surrectio A surrectio (erwirkung) significa que…

  • a parte passou a cumprir, na prática, uma obrigação que não estava prevista no acordo
  • e, em razão de essa conduta ter se repetido ao longo do tempo,
  • pode-se considerar que a parte assumiu essa nova obrigação,
  • surgindo, assim, um novo dever contratual para ela não originalmente previsto no contrato.

O pedido de Maria foi aceito pelo STJ? O fato de João, por mera liberalidade, ter continuado pagando a pensão alimentícia faz com que surja para ele o dever de arcar com essa obrigação por prazo indeterminado?

NÃO. A boa intenção de João perante a ex-mulher não pode ser interpretada em seu desfavor.

A espontânea solidariedade de João, que resolveu pagar durante todos esses anos a pensão, está relacionada com motivos de ordem pessoal e íntima, e que, portanto, refogem do papel do Judiciário, que deve se imiscuir sempre com cautela, intervindo o mínimo possível na seara familiar.

Assim, não se pode dizer que houve exercício anormal ou irregular de direito.

A liberalidade de pagar a pensão durante esses anos não gerou direito subjetivo na ex-mulher, considerando que a própria beneficiária já tinha ciência de que ela não tinha esse direito e que o ex-marido pagava mesmo sem que o acordo o obrigasse.

Entender em sentido diverso desencorajaria a solidariedade entre ex-cônjuges que já não fazem parte do mesmo núcleo familiar, o que não é razoável no âmbito do Direito de Família.

Assim, não há falar em ilicitude na conduta do ex-cônjuge, por inexistência de previsibilidade de pagamento eterno dos alimentos, especialmente porque ausente relação obrigacional.

A boa-fé não pode, nesse momento, ser-lhe prejudicial. Portanto, a teoria do abuso de direito não se aplica no caso concreto, em que a assistência foi humanitária e, perceptivelmente, provisória.

O dever de prestar alimentos entre ex-cônjuges ou companheiros é regra excepcional que desafia interpretação restritiva.

No caso, a ex-esposa fez dos alimentos percebidos voluntariamente um modo de subsistência por escolha própria.

A fixação de alimentos depende do preenchimento de uma série de requisitos e não pode decorrer apenas do decurso do tempo.

A idade avançada ou a fragilidade circunstancial de saúde, fatos inexistentes quando da separação, não podem ser imputados ao ex-cônjuge, pois houve tempo hábil para se restabelecer após o divórcio, já que separada faticamente há quase duas décadas.

Por fim, vale ressaltar que não há título executivo judicial ou extrajudicial apto a ensejar a cobrança dos alimentos, pois, desde que ultrapassado o prazo de 24 meses a obrigação findou, ficando exonerado o alimentante do pagamento a partir de então.

Como é cediço, a execução desamparada em título judicial ou extrajudicial é nula.

155
Q

A hipótese do art. 1.698 é de litisconsórcio obrigatório ou facultativo?

A

O Código Civil prevê o seguinte:

Art. 1.698. Se o parente, que deve alimentos em primeiro lugar, não estiver em condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os de grau imediato; sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos, e, intentada ação contra uma delas, poderão as demais ser chamadas a integrar a lide.

Neste julgado, o STJ entendeu que este artigo possui natureza jurídica de “litisconsórcio facultativo ulterior simples”.

Trata-se, contudo, de litisconsórcio com uma particularidade: em regra, a sua formação pode ocorrer não apenas por iniciativa do autor, mas também por provocação do réu ou do Ministério Público.

Vale ressaltar, contudo, uma exceção: se o credor dos alimentos (autor da ação) for menor emancipado, possuir capacidade processual plena e optar livremente por ajuizar a demanda somente em face do genitor, não pode o réu provocar o chamamento ao processo da genitora do autor (codevedora).

Em ação de alimentos, quando se trata de credor com plena capacidade processual, cabe exclusivamente a ele provocar a integração posterior no polo passivo. STJ. 3ª Turma. REsp 1.715.438-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 13/11/2018 (Info 638).

Se todos os devedores previstos no art. 1.698 não estiverem na lide, como é possível “chama-los” para participar do processo?

Existem quatro correntes sobre esse dispositivo:

1ª) trata-se de intervenção de terceiro anômala ou atípica, suscetível de instauração por provocação de quaisquer das partes. É a posição defendida por Daniel Amorim Assumpção Neves e por Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald.

2ª) consiste em litisconsórcio facultativo ulterior simples e, como tal, de iniciativa privativa do autor da ação e credor dos alimentos. Nesse sentido, está por exemplo a doutrina de Yussef Said Cahali, de Flávio Tartuce e de Fredie Didier Jr.

3ª) representa hipótese de litisconsórcio necessário. Defendida por Rolf Madaleno.

4ª) cuida-se de uma hipótese adicional de chamamento ao processo. É a tese defendida por Cássio Scarpinella Bueno

Qual foi a corrente adotada pelo STJ?

O STJ, neste julgado, manifestou-se no sentido da 2ª corrente e entendeu que se trata de litisconsórcio facultativo ulterior simples.

Trata-se, contudo, de litisconsórcio com uma particularidade: a formação dessa singular espécie de litisconsórcio não ocorre somente por iniciativa exclusiva do autor, mas também por provocação do réu ou do Ministério Público, quando o credor dos alimentos for incapaz.

Desse modo, o art. 1.698 do CC é um litisconsórcio facultativo ulterior simples que pode ser formado:

  • por iniciativa do autor;
  • por provocação do réu;
  • por provocação do MP (quando envolver incapaz).

Mas por que não foi admitido, no caso concreto, a provocação do réu (pai de Lucas) para que a genitora também participasse da lide?

Porque o se tratava de credor de alimentos com plena capacidade processual.

O STJ entendeu que:

Em ação de alimentos, quando se trata de credor com plena capacidade processual, cabe exclusivamente a ele provocar a integração posterior no polo passivo. STJ. 3ª Turma. REsp 1.715.438-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 13/11/2018 (Info 638).

Se o autor (credor) não quis fazer isso, essa sua inércia deve ser interpretada como concordância tácita com os alimentos que puderem ser prestados pelo réu por ele indicado na petição inicial, sem prejuízo de eventual e futuro ajuizamento de ação autônoma de alimentos em face dos demais coobrigados.

O credor dos alimentos é menor emancipado, possui capacidade processual plena e optou livremente por ajuizar a ação somente em face do genitor, cabendo a ele, com exclusividade, provocar a integração posterior do polo passivo, devendo a sua inércia em fazê-lo ser interpretada como a abdicação, ao menos neste momento, da quota-parte que lhe seria devida pela genitora coobrigada, sem prejuízo de eventualmente ajuizar, no futuro, ação de alimentos autônoma em face da genitora.

Em síntese, em relação aos legitimados para provocar a integração do polo passivo, é possível concluir que:

a) Nas hipóteses em que o credor de alimentos reúna plena capacidade processual, cabe a ele, exclusivamente, provocar a integração posterior do polo passivo, devendo a sua inércia ser interpretada como concordância tácita com os alimentos que puderem ser prestados pelo demandado;
b) Se o autor ajuizou a ação por meio de representante processual, ou seja, o credor de alimentos é incapaz, a integração posterior do polo passivo pode ser promovida pelo réu (devedor) ou pelo MP.

Qual é o momento processual adequado para a integração do polo passivo?

  • Autor: deverá requerer em sua réplica à contestação;
  • Réu: deverá requerer na contestação;
  • MP: após a prática dos referidos atos processuais pelas partes. Não é possível a ampliação objetiva ou subjetiva da lide após o saneamento e organização do processo, em homenagem ao contraditório, à ampla defesa e à razoável duração do processo.
156
Q

Admite-se a renúncia à pensão alimentícia?

A

DIREITO CIVIL. IRRENUNCIABILIDADE, NA CONSTÂNCIA DO VÍNCULO FAMILIAR, DOS ALIMENTOS DEVIDOS.

Tendo os conviventes estabelecido, no início da união estável, por escritura pública, a dispensa à assistência material mútua, a superveniência de moléstia grave na constância do relacionamento, reduzindo a capacidade laboral e comprometendo, ainda que temporariamente, a situação financeira de um deles, autoriza a fixação de alimentos após a dissolução da união. De início, cabe registrar que a presente situação é distinta daquelas tratadas em precedentes do STJ, nos quais a renúncia aos alimentos se deu ao término da relação conjugal. Naqueles casos, o entendimento aplicado foi no sentido de que, “após a homologação do divórcio, não pode o ex-cônjuge pleitear alimentos se deles desistiu expressamente por ocasião do acordo de separação consensual” (AgRg no Ag 1.044.922-SP, Quarta Turma, DJe 2/8/2010). No presente julgado, a hipótese é de prévia dispensa dos alimentos, firmada durante a união estável, ou seja, quando ainda existentes os laços conjugais que, por expressa previsão legal, impõem aos companheiros, reciprocamente, o dever de assistência. Observe-se que a assistência material mútua constitui tanto um direito como uma obrigação para os conviventes, conforme art. 2º, II, da Lei 9.278/1996 e arts. 1.694 e 1.724 do CC. Essas disposições constituem normas de interesse público e, por isso, não admitem renúncia, nos termos do art. 1.707 do CC: “Pode o credor não exercer, porém lhe é vedado renunciar o direito a alimentos, sendo o respectivo crédito insuscetível de cessão, compensação ou penhora”. Nesse contexto, e não obstante considere-se válida e eficaz a renúncia manifestada por ocasião de acordo de separação judicial ou de divórcio, nos termos da reiterada jurisprudência do STJ, não pode ela ser admitida na constância do vínculo familiar. Nesse sentido há entendimento doutrinário e, de igual, dispõe o Enunciado 263, aprovado na III Jornada de Direito Civil, segundo o qual: “O art. 1.707 do Código Civil não impede seja reconhecida válida e eficaz a renúncia manifestada por ocasião do divórcio (direto ou indireto) ou da dissolução da ‘união estável’. A irrenunciabilidade do direito a alimentos somente é admitida enquanto subsista vínculo de Direito de Família”. Com efeito, ante o princípio da irrenunciabilidade dos alimentos, decorrente do dever de mútua assistência expressamente previsto nos dispositivos legais citados, não se pode ter como válida disposição que implique renúncia aos alimentos na constância da união, pois esses, como dito, são irrenunciáveis. REsp 1.178.233-RJ, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 18/11/2014, DJe 9/12/2014.

157
Q

É possível, em sede de execução de alimentos, a dedução na pensão alimentícia de despesas pagas “in natura”?

A

É possível, em sede de execução de alimentos, a dedução na pensão alimentícia fixada exclusivamente em pecúnia das despesas pagas “in natura”, com o consentimento do credor, referentes a aluguel, condomínio e IPTU do imóvel onde residia o exequente.

Vale ressaltar que a regra geral é a incompensabilidade da dívida alimentar (art. 1.707 do CC) e eventual compensação deve ser analisada caso a caso, devendo-se examinar se houve o consentimento, ainda que tácito, do credor, e se o pagamento in natura foi destinado, efetivamente, ao atendimento de necessidade essencial do alimentado e não se configurou como mera liberalidade do alimentante. STJ. 3ª Turma. REsp 1.501.992-RJ, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 20/03/2018 (Info 624).

Mas e o art. 1.707 do Código Civil?

Segundo o STJ, o objetivo desse art. 1.707 é o de evitar que o credor, ao ser obrigado a compensar, fique sem recursos para poder suprir suas necessidades básicas (STJ. 3ª Turma. HC 109416/RS, Rel. Min. Massami Uyeda, DJe 18/02/2009).

Por essa razão, em regra, não se admite a compensação de alimentos fixados em pecúnia com aqueles pagos in natura. Em regra, se o devedor pagou de forma diferente da estipulada pelo juízo, isso deve ser entendido como mera liberalidade (STJ. 4ª Turma. AgRg no REsp. 1257779/MG, Rel. Min. Antônio Carlos Ferreira, DJe 12/11/2014).

Art. 1.707 do CC não é absoluto

Por outro lado, deve-se ponderar que o princípio da não compensação do crédito alimentar não é absoluto.

O art. 1.707 do CC “deve ser aplicado ponderadamente, para que dele não resulte enriquecimento sem causa da parte do beneficiário” (CAHALI, Yussef Said. Dos Alimentos. São Paulo: RT, 2009, p. 89).

Nesse sentido, já decidiu o STJ:

(…) Esta Corte tem manifestado que a obrigação de o devedor de alimentos cumpri-la em conformidade com o fixado em sentença, sem possibilidade de compensar alimentos arbitrado em espécie com parcelas pagas in natura, pode ser flexibilizada para afastar o enriquecimento indevido de uma das partes. (…) STJ. 4ª Turma. AgInt no REsp 1560205/RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 16/05/2017.

Custeio direto de despesas alimentares

Se o devedor custeou despesas de natureza alimentar (exs: educação, habitação e saúde), mesmo sem que isso estivesse no título judicial, neste caso não se pode considerar que houve uma mera liberalidade do alimentante. Houve sim o cumprimento efetivo, ainda que parcial, da obrigação alimentar, com o atendimento de necessidades essenciais do alimentado que, certamente, teriam de ser suportadas pela pensão mensal fixada em pecúnia.

Ora, se o pai paga o colégio do filho, por exemplo, isso deve sim ser abatido porque é intuitivo que o dinheiro da pensão serviria necessariamente para custear essa despesa.

Vale ressaltar, ainda, que, no âmbito das relações de família, é comum a realização de acordos informais entre os pais do alimentado, alterando-se a forma de pagamento da pensão fixada em juízo e passando o alimentante a realizar o pagamento direto de algumas obrigações alimentares.

158
Q

A pensão alimentícia incide sobre as verbas indenizatórias?

A

As verbas auxílio-acidente, vale-cesta e vale-alimentação não integram a base de cálculo para fins de desconto de pensão alimentícia. Isso porque os alimentos incidem sobre verbas pagas em caráter habitual, não se aplicando a quaisquer daquelas que não ostentem caráter usual ou que sejam equiparadas a verbas de indenização. Portanto, a verba alimentar apenas incide sobre vencimentos, salários ou proventos, valores auferidos pelo devedor no desempenho de suas funções ou de suas atividades empregatícias, decorrentes dos rendimentos ordinários do devedor, motivo pelo qual se excluem as verbas indenizatórias e os descontos obrigatórios (previdenciário e imposto de renda) da sua base de cálculo. O auxílio-acidente encontra previsão no art. 201 da CF, no art. 86 da Lei 8.213/1991 e no art. 104 do Dec. 3.048/1999, os quais prevêem taxativamente sua natureza indenizatória. Por sua vez, a natureza indenizatória das verbas denominadas auxílio cesta-alimentação e vale-alimentação está prevista no art. 6º do Dec. 5/1991, que, ao regulamentar o Programa de Alimentação do Trabalhador - PAT (Lei 6.321/1976), assenta: “a parcela paga in natura pela empresa não tem natureza salarial, não se incorpora à remuneração para qualquer efeitos, não constitui base de incidência de contribuição previdenciária ou do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e nem se configura como rendimento tributável do trabalhador”. REsp 1.159.408-PB, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 7/11/2013.

159
Q

O MP pode ajuizar ação de alimentos em favor de criança ou adolescente? Mesmo que exista Defensoria Pública instalada em funcionamento na localidade?

A

Súmula 594-STJ: O Ministério Público tem legitimidade ativa para ajuizar ação de alimentos em proveito de criança ou adolescente independentemente do exercício do poder familiar dos pais, ou do fato de o menor se encontrar nas situações de risco descritas no artigo 98 do Estatuto da Criança e do Adolescente, ou de quaisquer outros questionamentos acerca da existência ou eficiência da Defensoria Pública na comarca.

STJ. 2ª Seção. Aprovada em 25/10/2017, DJe 06/11/2017.

Quais são os fundamentos para que se reconheça a legitimidade ativa do MP na ação de alimentos em favor das crianças e adolescentes?

Fundamentos constitucionais

 O direito das crianças e adolescentes aos alimentos pode ser classificado como sendo um interesse individual indisponível, o que se insere nas atribuições do MP, conforme previsto no art. 127 da CF/88.

 É dever não apenas da família, como também da sociedade e do Estado, assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, entre outros (art. 227).

Fundamento legal

 Compete ao Ministério Público promover e acompanhar as ações de alimentos em favor de crianças e adolescentes (art. 201, III, do ECA).

O Ministério Público pode ajuizar ação de alimentos em favor de criança ou adolescente mesmo que na localidade exista Defensoria Pública instalada e funcionando?

SIM. O Ministério Público tem legitimidade ativa para ajuizar ação de alimentos em proveito de criança ou adolescente independentemente de existir ou não Defensoria Pública no local. Isso porque as atuações dos órgãos não se confundem, não sendo idênticas.

Ação de alimentos proposta pelo MP:

Na ação de alimentos, o MP atua como substituto processual, pleiteando, em nome próprio, o direito do infante aos alimentos. Para isso, em tese, o Parquet não precisa que a mãe ou o responsável pela criança ou adolescente procure o órgão em busca de assistência. O MP pode atuar de ofício. Aliás, na maioria das vezes o MP atua quando há a omissão dos pais ou responsáveis na satisfação dos direitos mínimos da criança e do adolescente, notadamente o direito à alimentação.

Ação proposta pela Defensoria:

Na ação de alimentos, a Defensoria Pública atua como representante processual, pleiteando, em nome da criança ou do adolescente, o seu direito aos alimentos. Para tanto, a Defensoria só pode ajuizar a ação de alimentos se for provocada pelos responsáveis pela criança ou adolescente.

Existia uma posição sustentando que o MP somente poderia ajuizar ação de alimentos se a mãe da criança ou do adolescente não estivesse exercendo o poder familiar, uma vez que, em caso contrário, ela deveria tomar essa providência. Essa posição prevaleceu?

NÃO. O Ministério Público tem legitimidade ativa para ajuizar ação de alimentos em proveito de criança ou adolescente, independentemente do exercício do poder familiar dos pais. Em suma, a mãe e o pai podem estar no pleno exercício do poder familiar e mesmo assim a ação ser proposta pelo Parquet.

Existia uma posição sustentando que o MP somente poderia ajuizar ação de alimentos se ficasse caracterizado que a criança ou o adolescente estivesse em situação de risco (art. 98 do ECA). Essa posição prevaleceu?

NÃO. O Ministério Público tem legitimidade ativa para ajuizar ação de alimentos em proveito de criança ou adolescente mesmo que a criança ou adolescente não se encontre nas situações de risco descritas no art. 98 do ECA.

Vigora em nosso ordenamento a doutrina da proteção integral da criança e do adolescente. Como decorrência lógica dessa doutrina, o ECA adota, em seu art. 100, parágrafo único, VI, o princípio da intervenção precoce, segundo o qual a atuação do Estado na proteção do infante deve ocorrer antes que o infante caia no que o antigo Código de Menores chamava de situação irregular, como nas hipóteses de maus-tratos, violação extrema de direitos por parte dos pais e demais familiares.

160
Q

Se, no acordo firmado entre os cônjuges relativos à obrigação alimentar, não constou cláusula referente a atualização monetária, poderá, ainda assim, o cônjuge alimentando cobrar essa verba?

A

O acordo que estabelece a obrigação alimentar entre ex-cônjuges possui natureza consensual e, portanto, a incidência de correção monetária para atualização da obrigação ao longo do tempo deve estar expressamente prevista no contrato.

Os alimentos acordados voluntariamente entre ex-cônjuges, por se encontrarem na esfera de sua estrita disponibilidade, devem ser considerados como verdadeiro contrato, cuja validade e eficácia dependem exclusivamente da higidez da manifestação de vontade das partes apostas no acordo. Não confundir:

  • acordo de alimentos entre ex-cônjuges não prevê atualização monetária da pensão alimentícia ao longo do tempo: o valor da obrigação se mantém pelo valor histórico (valor original).
  • decisão judicial não prevê atualização monetária da pensão alimentícia: mesmo assim a prestação deverá ser corrigida, atualizando-se o valor historicamente fixado.

Observação: a correção monetária explicada acima diz respeito à atualização da obrigação original fixada no contrato e paga na data do vencimento. Não se estava tratando sobre correção monetária de parcelas pagas em atraso. Mesmo que o contrato não preveja, haverá incidência de correção monetária caso o alimentante pague a pensão alimentícia após a data do vencimento. STJ. 3ª Turma. REsp 1.705.669-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 12/02/2019 (Info 642)

O regime jurídico envolvendo os contratos é notoriamente distinto daquele estabelecido para as obrigações judicialmente fixadas. Assim, há diferenças em caso de obrigação alimentar fixada por contrato ou por decisão judicial.

Além disso, o direito aos alimentos entre ex-cônjugestem matriz ontológica distinta do dever de alimentos devidos aos descendentes, menores ou incapazes.

Diante dessas peculiaridades, caso o título seja omisso quanto à fixação da correção monetária, a solução será diferente para os casos de obrigações contratuais e judiciais:

  • silente o contrato quanto à incidência de correção monetária para a apuração do quantum devido, o valor da obrigação se mantém pelo valor histórico;
  • por outro lado, silente a decisão judicial quanto ao índice aplicável, deverá, mesmo assim, a prestação ser corrigida, atualizando-se o valor historicamente fixado.

Não confundir com a correção monetária das parcelas em atraso

Irei insistir novamente em um importante ponto. A correção monetária explicada acima diz respeito à atualização da obrigação original fixada no contrato e paga na data do vencimento.

Não se estava tratando sobre correção monetária de parcelas pagas em atraso.

Mesmo que o contrato não preveja, haverá incidência de correção monetária caso o alimentante pague a pensão alimentícia após a data do vencimento.

Assim, ainda que o contrato entre João e Maria não preveja correção monetária, se ele atrasar 15 dias, por exemplo, terá que pagar R$ 2 mil + o índice de correção monetária referente a esses 15 dias.

Isso porque a atualização monetária do valor atrasado (mora) decorre de imposição legal.

O Código Civil prevê que o devedor responda por todos os danos decorrentes do não adimplemento oportuno da obrigação, inclusive pela correção monetária. Veja:

Art. 395. Responde o devedor pelos prejuízos a que sua mora der causa, mais juros, atualização dos valores monetários segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.

Todavia, esse raciocínio do art. 395 do CC não pode ser meramente transportado para impor a atualização monetária do valor original das obrigações ajustadas.

Assim, a correção monetária da prestação inadimplida a tempo e modo (prestação em atraso) não se confunde com a atualização monetária do valor histórico da prestação de trato sucessivo. São situações diferentes.

161
Q

A mãe tem legitimidade para prosseguir na execução de pensão alimentícia proposta à época em que era guardiã da filho menor, ainda que depeois disso tenho sido a guarda transferida ao pai do executado?

A

A mãe tem legitimidade para prosseguir na execução de pensão alimentícia proposta à época em que era guardiã do filho menor, ainda que depois disso a guarda tenha sido transferida ao pai executado?

4ª Turma do STJ: SIM. A genitora que, ao tempo em que exercia a guarda judicial do filho, representou-o em ação de execução de débitos alimentares possui legitimidade para prosseguir no processo executivo com intuito de ser ressarcida, ainda que, no curso da cobrança judicial, a guarda tenha sido transferida ao genitor (executado). STJ. 4ª Turma. REsp 1.410.815-SC, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 9/8/2016 (Info 590).

3ª Turma do STJ: NÃO. A genitora do alimentando não pode prosseguir na execução de alimentos, em nome próprio, a fim de perceber os valores referentes aos débitos alimentares vencidos, após a transferência da titularidade da guarda do menor ao executado. Não se pode falar em sub-rogação no caso, considerando que o direito aos alimentos possui caráter personalíssimo. STJ. 3ª Turma. REsp 1.771.258-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 06/08/2019 (Info 654).

Principais argumentos da 4ª Turma do STJ (pode prosseguir)

Realmente, a partir do momento em que houve a alteração da guarda para o pai, cessou a obrigação do genitor de pagar a pensão alimentícia. No entanto, tal fato não o exime da dívida alimentar pretérita, contraída nos meses em que a guarda da criança estava com a mãe.

O pai, mesmo estando atualmente com o filho, continua obrigado a pagar os meses de pensão alimentícia atrasados nos quais a guarda da criança estava com a mãe. Isso porque, neste período, enquanto não recebia o dinheiro da pensão, ela teve que assumir os gastos com a criação e sustento do filho e tais despesas devem ser ressarcidas.

Assim, o débito alimentar no período em que Lucas estava sob a guarda materna permanece inalterado e a genitora tem legitimidade para continuar executando tal quantia.

Maria Berenice Dias já se debruçou sobre este tema e ensina:

“Para evitar prejuízo enorme, como o genitor que detém a guarda é quem acaba sozinho provendo ao sustento da prole, indispensável reconhecer a ocorrência de sub-rogação. Ou seja, resta ele como titular do crédito vencido e não pago enquanto o filho era menor, ainda que relativamente capaz. Se ele está sob sua guarda, como o dever de lhe prover o sustento é de ambos os genitores, quando tal encargo é desempenhado somente por um deles, pode reembolsar-se com relação ao omisso. (…)

O mesmo ocorre quando o filho passa para a guarda do outro genitor. Se existe um crédito alimentar, quem arcou sozinho com o sustento do filho pode reembolsar-se do que despendeu. Dispõe ele de legitimidade para cobrar os alimentos. Age em nome próprio, como credor sub-rogado.” (DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 9ª ed. São Paulo: RT, 2013. p. 582.)

Vale ressaltar que agora constará na execução a mãe como sendo a exequente. Isso porque a 4ª Turma do STJ entendeu que há, neste caso, sub-rogação.

A mãe, como arcou com a dívida que era do pai da criança, sub-rogou-se no direito de cobrar o pai como se fosse o filho.

O CPC/2015 permite que o sub-rogado que não receber o crédito do devedor possa prosseguir na execução já iniciada pelo credor originário. Veja:

Art. 857 (…) § 2º A sub-rogação não impede o sub-rogado, se não receber o crédito do executado, de prosseguir na execução, nos mesmos autos, penhorando outros bens.

Por fim, deve-se ressaltar que, no processo de execução, a mãe não poderá pedir a prisão civil do devedor. A 4ª Turma do STJ entendeu que, como houve a alteração da guarda e a execução atualmente está correndo no interesse da mãe, não é mais possível pedir a prisão civil do devedor, razão pela qual o prosseguimento do feito deve seguir o rito previsto no art. 913 do CPC/2015.

Principais argumentos da 3ª Turma do STJ (não pode prosseguir)

Não há como conferir legitimidade à genitora para, em nome próprio, por sub-rogação, prosseguir com a execução de alimentos, visando ser ressarcida pelos débitos alimentares referentes ao período em que detinha a guarda do menor.

Se fosse permitida essa sub-rogação, isso iria:

  • conflitar com a natureza jurídica do direito aos alimentos, que tem caráter personalíssimo;
  • afrontar a finalidade precípua dos alimentos, que têm por objetivo conferir àquele que os recebe a própria subsistência, como corolário do princípio da dignidade humana.

Em conformidade com o direito civil constitucional — que preconiza uma releitura dos institutos reguladores das relações jurídicas privadas, a serem interpretados segundo a Constituição Federal, com esteio, basicamente, nos princípios da proteção da dignidade da pessoa humana, da solidariedade social e da isonomia material —, o direito aos alimentos deve ser concebido como um direito da personalidade do indivíduo,

Trata-se, pois, de direito subjetivo inerente à condição de pessoa humana, imprescindível ao seu desenvolvimento, à sua integridade física, psíquica e intelectual e, mesmo, à sua subsistência.

Os alimentos, concebidos como direito da personalidade, integram o patrimônio moral do alimentando, e não o seu patrimônio econômico, ainda que possam ser apreciáveis economicamente.

Por se tratar de um direito da personalidade, o direito aos alimentos assume nítido viés personalíssimo, pois se destina a assegurar a subsistência da pessoa do alimentando, unicamente, em todos os seus aspectos (integridade física, psíquica e intelectual), como corolário dos princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade que deve permear as relações familiares, a partir das específicas particularidades da pessoa do credor de alimentos e do alimentante.

Como esse direito apresenta esse viés personalíssimo e se destina a assegurar a existência do alimentando (e de ninguém mais), não se pode admitir que ele possa ser transmitido a terceiros, seja por negócio jurídico, seja por qualquer outro fato jurídico. Isso é previsto no art. 1.707 do Código Civil:

Art. 1.707. Pode o credor não exercer, porém lhe é vedado renunciar o direito a alimentos, sendo o respectivo crédito insuscetível de cessão, compensação ou penhora.

Nessa linha de entendimento, é de se concluir que, uma vez extinta a obrigação alimentar pela exoneração do alimentante, como no caso concreto, a genitora não possui legitimidade para prosseguir na execução de alimentos (vencidos), em nome próprio, pois não há que se falar em sub-rogação, diante do caráter personalíssimo do direito discutido.

Para a 3ª Turma, se a mãe entende que foi prejudicada e que o pai se beneficiou com a extinção da obrigação alimentar, ela deverá propor uma nova demanda (uma ação de enriquecimento sem causa), em nome próprio, contra o pai da criança, pedindo o ressarcimento pelos gastos despendidos no cuidado do alimentando que eram da obrigação do alimentante. Essa garantia de reembolso daquele que arca sozinho com as despesas do alimentando tem previsão no art. 871 do Código Civil:

Art. 871. Quando alguém, na ausência do indivíduo obrigado a alimentos, por ele os prestar a quem se devem, poder-lhes-á reaver do devedor a importância, ainda que este não ratifique o ato.

Dessa maneira, para o propósito perseguido, isto é, de evitar que o alimentante, a despeito de inadimplente, se beneficie com a extinção da obrigação alimentar, o que poderia acarretar enriquecimento sem causa, a genitora poderá, por meio de ação própria, obter o ressarcimento dos gastos despendidos no cuidado do alimentando, durante o período de inadimplência do obrigado, nos termos do que preconiza o art. 871 do Código Civil.

162
Q

A teoria do adimplemento substancial pode ser invocada para evitar a prisão do devedor de alimentos?

A

A teoria do adimplemento substancial não tem incidência nos vínculos jurídicos familiares, revelando-se inadequada para solver controvérsias relacionadas a obrigações de natureza alimentar. STJ. 4ª Turma. HC 439.973-MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Rel. Acd. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 16/08/2018 (Info 632).

A teoria do adimplemento substancial tem aplicação restrita ao âmbito do direito contratual, não tendo incidência, portanto, nos vínculos jurídicos familiares.

A obrigação alimentar diz respeito a bem jurídico indisponível, intimamente ligado à subsistência do alimentando. A relevância desses alimentos é tão grande que o legislador constituinte previu como hipótese na qual cabe prisão civil, o que demonstra que se trata de uma dívida diferente das demais.

É antiga e pacífica a jurisprudência do STJ no sentido de que: O pagamento parcial do débito não afasta a possibilidade de prisão civil do alimentante executado. STJ. 3ª Turma. RHC 80.591/GO, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 25/04/2017.

Esse entendimento se justifica porque os alimentos impostos por decisão judicial guardam consigo a presunção de que o valor econômico neles contido traduz o mínimo existencial do alimentando, de modo que a subtração de qualquer parcela dessa quantia pode ensejar severos prejuízos a sua própria manutenção.

Além disso, o julgamento sobre a cogitada irrelevância do inadimplemento da obrigação não se prende ao exame exclusivo do critério quantitativo, sendo também necessário avaliar sua importância para satisfazer as necessidades do credor alimentar. Ora, a subtração de um pequeno percentual pode mesmo ser insignificante para um determinado alimentando, mas possivelmente não para outro, mais necessitado. Tem-se que o critério quantitativo não é suficiente nem exclusivo para a caracterização do adimplemento substancial.

Vale ressaltar, por fim, que o sistema jurídico já prevê mecanismos por meio dos quais o devedor pode justificar o motivo pelo qual não cumpriu a obrigação alimentar: CPC/Art.

Art. 528. No cumprimento de sentença que condene ao pagamento de prestação alimentícia ou de decisão interlocutória que fixe alimentos, o juiz, a requerimento do exequente, mandará intimar o executado pessoalmente para, em 3 (três) dias, pagar o débito, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo.

163
Q

Ainda que o valor fixado a título de alimentos transitórios supere o indispensável à garantia de uma vida digna ao alimetando, é adequada a utilização do rito previsto no art. 528 do CPC de 2015?

Art. 528. No cumprimento de sentença que condene ao pagamento de prestação alimentícia ou de decisão interlocutória que fixe alimentos, o juiz, a requerimento do exequente, mandará intimar o executado pessoalmente para, em 3 (três) dias, pagar o débito, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo.

§ 1º Caso o executado, no prazo referido no caput , não efetue o pagamento, não prove que o efetuou ou não apresente justificativa da impossibilidade de efetuá-lo, o juiz mandará protestar o pronunciamento judicial, aplicando-se, no que couber, o disposto no art. 517 .

§ 2º Somente a comprovação de fato que gere a impossibilidade absoluta de pagar justificará o inadimplemento.

§ 3º Se o executado não pagar ou se a justificativa apresentada não for aceita, o juiz, além de mandar protestar o pronunciamento judicial na forma do § 1º, decretar-lhe-á a prisão pelo prazo de 1 (um) a 3 (três) meses.

A

Ainda que o valor fixado a título de alimentos transitórios supere o indispensável à garantia de uma vida digna ao alimentando, é adequada a utilização do rito previsto no art. 733 do CPC – cujo teor prevê possibilidade de prisão do devedor de alimentos – para a execução de decisão que estabeleça a obrigação em valor elevado, tendo em vista a conduta do alimentante que, após a separação judicial, protela a partilha dos bens que administra, privando o alimentando da posse da parte que lhe cabe no patrimônio do casal. STJ. 3a Turma. REsp 1.362.113-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 18/2/2014.

RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. EXECUÇÃO DE ALIMENTOS TRANSITÓRIOS. PROCEDIMENTO ADEQUADO. RITO DA PRISÃO ESTABELECIDO NO ART. 733 DO CPC.
1. Execução de alimentos ajuizada em 21/09/2010, da qual foi extraído o presente recurso especial, concluso ao Gabinete em 09/07/2013.
2. Discute-se o procedimento adequado à execução de alimentos transitórios.
3. A obrigação de prestar alimentos transitórios - a tempo certo - é cabível, em regra, quando o alimentando é pessoa com idade, condições e formação profissional compatíveis com uma provável inserção no mercado de trabalho, necessitando dos alimentos apenas até que atinja sua autonomia financeira, momento em que se emancipará da tutela do alimentante - outrora provedor do lar -, que será então liberado da obrigação, a qual se extinguirá automaticamente. Precedentes.
4. Hipótese em que a fixação de valor elevado da obrigação alimentar está ligada à distinta situação de demora verificada na partilha dos bens do casal, possuindo assim os alimentos natureza jurídica própria, porque estabelecidos em razão de uma causa temporária e específica.
5. Se assim o é, porque dotados de caráter efêmero, os alimentos transitórios ou, mais precisamente, a obrigação à sua prestação imprescindivelmente deve estar acompanhada de instrumentos suficientemente eficazes à sua consecução prática, evitando que uma necessidade específica e temporária se transfigure em uma demanda perene e duradoura ou, ainda, em um benefício que sequer o alimentado queira dele usufruir.
6. Na espécie, a busca, já longa e cansativa, da recorrente pelo encerramento do vínculo - patrimonial - que ainda nutre, à sua contra vontade, com o recorrido encontra amparo inclusive na Constituição Federal, que assegura a liberdade e a independência da mulher, enquanto ser de iguais direitos e obrigações do homem (art.
5º, caput e inc. I, CF/88).
7. A pretensão da recorrente de demandar pela partilha do patrimônio que lhe é devido deve ser albergada não por altruísmo ou outro sentimento de benevolência qualquer, mas sim pelo fato de ser ela também proprietária do que construiu em igualdade de forças com o recorrido.
8. Impõe-se conceber que, sem prejuízo ao disposto no enunciado nº 309 da Súmula/STJ, somente o rito da execução cumulado com a prisão (art. 733, CPC) é o adequado para plena eficácia da decisão que conferiu, em razão da desarrazoada demora na partilha de bens do casal litigante, alimentos transitórios em valor suficiente à composição definitiva do litígio instalado entre as partes e, ainda, para que a situação outrora tida por temporária não se eternize no tempo.
9. Recurso especial provido.
(REsp 1362113/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/02/2014, DJe 06/03/2014)

164
Q

No caso de inadimplemento da obrigação alimentar, os avós podem ser presos, ainda que possuam bens passíveis de penhora?

A

Havendo meios executivos mais adequados e igualmente eficazes para a satisfação da dívida alimentar dos avós, é admissível a conversão da execução para o rito da penhora e da expropriação, a fim de afastar o decreto prisional em desfavor dos executados. STJ. 3ª Turma. HC 416.886-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 12/12/2017 (Info 617).

A responsabilidade dos avós na prestação de alimentos (obrigação alimentar avoenga) possui as características da complementaridade e da subsidiariedade. Assim, para estender a obrigação alimentar aos avós e bisavós, deve-se demonstrar fortemente que os genitores estão absolutamente impossibilitados de prestar os alimentos de forma suficiente.

O fato de os avós terem assumido uma obrigação de natureza complementar de forma espontânea não significa dizer que, em caso de inadimplemento, a execução deverá obrigatoriamente seguir o rito estabelecido para o cumprimento das obrigações alimentares devidas pelos genitores, que são, em última análise, os responsáveis originários pela prestação dos alimentos necessários aos menores.

Não há dúvida de que o inadimplemento causou transtornos ao menor; todavia, sopesando-se os prejuízos que seriam causados na hipótese de manutenção do decreto prisional dos idosos, conclui-se que a solução mais adequada à espécie é autorizar a conversão da execução para o rito da penhora e da expropriação, o que, a um só tempo, homenageia o princípio da menor onerosidade da execução (art. 805 do CPC/2015) e também o princípio da máxima utilidade da execução.

Registre-se, ainda, que está sendo vedado somente o uso da prisão civil, técnica coercitiva mais gravosa existente no ordenamento jurídico, para estimular o cumprimento da obrigação. Isso não significa, evidentemente, que estaria o juízo de 1º grau vinculado à tipicidade executiva, motivo pelo qual poderá ele, a depender do grau de recalcitrância manifestado pelos pacientes e da potencial eficácia da medida, empregar outros meios de coerção ou sub-rogação, valendo-se, por exemplo:

(i) de uma medida sub-rogatória típica da execução de alimentos (requerimento de desconto em folha, na forma do art. 529 do CPC/15), ou;
(ii) de uma medida coercitiva típica da execução de alimentos (protesto do título executivo, nos termos do art. 528, §3º, do CPC/15), ou;
(iii) de uma medida sub-rogatória típica do rito expropriatório (requerimento de penhora de bens dos arts. 831 e seguintes do CPC/15) ou, ainda;
(iv) de outras medidas atípicas de natureza indutiva, coercitiva, mandamental ou sub-rogatória autorizadas, em sentido amplo, pelo art. 139, IV, do CPC/15.

165
Q

Qual é o prazo para interposição de recurso ordinária em HC contra decisão do TJ que nega liberdade para devedor de alimentos?

A

O prazo para interposição de recurso ordinário em habeas corpus, ainda que se trate de matéria não criminal, continua sendo de 5 dias, nos termos do art. 30 da Lei nº 8.038/90, não se aplicando à hipótese os arts. 1.003, §5º, e 994, V, do CPC/2015.

Ex: recurso ordinário contra decisão do TJ que negou habeas corpus a indivíduo que se encontra preso em razão de dívida de alimentos. STJ. 3ª Turma. RHC 109.330-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 09/04/2019 (Info 646).

166
Q

O desemprego serve como motivo para afastar a prisão do devedor de alimentos?

A

A CF/88 (art. 5º, LXVII) só admite a prisão por dívida decorrente de pensão alimentícia quando a não prestação é voluntária e inescusável: “LXVII - não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel;”

Com base nessa orientação, a 2ª Turma concedeu habeas corpus de ofício a determinado devedor que estava preso por não ter pago a pensão alimentícia, mas provou, no caso concreto, que estava desempregado. Os Ministros entenderam que o inadimplemento não foi voluntário em virtude da situação de desemprego. STF. 2ª Turma. HC 131554/SP, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 15/12/2015 (Info 812).

Observação: situação decidida com base no caso concreto. Não significa que sempre que o devedor estiver desempregado, ele estará dispensado de pagar a pensão alimentícia. Ex: ele pode não estar trabalhando, mas possuir outras fontes de renda, como alugueis, investimentos etc. Neste caso, continuará tendo a obrigação de pagar, podendo, inclusive, ser preso em caso de inadimplemento.

167
Q

Imóvel comercial do devedor cujo aluguel é utilizado para o custeio do seus gastos com moradia é penhorável?

A

Segundo a redação literal da súmula 486-STJ, “é impenhorável o único imóvel RESIDENCIAL do devedor que esteja locado a terceiros, desde que a renda obtida com a locação seja revertida para a subsistência ou a moradia da sua família.”

A 2ª Turma do STJ, contudo, ampliou esta proteção e decidiu que também é impenhorável o único imóvel COMERCIAL do devedor que esteja alugado quando o valor do aluguel é destinado unicamente ao pagamento de locação residencial por sua entidade familiar. STJ. 2ª Turma. REsp 1.616.475-PE, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 15/9/2016 (Info 591).

A Lei conceitua o que seja imóvel residencial para fins de impenhorabilidade:

Art. 5º Para os efeitos de impenhorabilidade, de que trata esta lei, considera-se residência um único imóvel utilizado pelo casal ou pela entidade familiar para moradia permanente. Parágrafo único. Na hipótese de o casal, ou entidade familiar, ser possuidor de vários imóveis utilizados como residência, a impenhorabilidade recairá sobre o de menor valor, salvo se outro tiver sido registrado, para esse fim, no Registro de Imóveis e na forma do art. 70 do Código Civil.

Desse modo, pela redação legal, somente seria impenhorável o imóvel próprio utilizado pelo casal ou pela entidade familiar para moradia permanente. No entanto, o STJ ampliou a proteção ao bem de família, conforme pudemos observar pela Súmula 486.

Assim, se um casal, uma entidade familiar ou mesmo uma pessoa solteira e sozinha, possui um imóvel residencial “X” e o aluga, pela redação da lei ele não seria bem de família legal e poderia ser penhorado.

Entretanto, o STJ afirma que esse imóvel poderá ser considerado também impenhorável desde que cumpridos os seguintes requisitos:

 O imóvel alugado seja o único do devedor;

 A renda obtida com a locação seja revertida para a subsistência ou a moradia.

O STJ assim decide porque entende que, em uma interpretação teleológica e valorativa, o objetivo da norma é o de garantir a moradia familiar ou a subsistência da família.

OUTRA SITUAÇÃO

Se você observar bem a redação da Súmula 486 do STJ verá que esta situação 2 não está abrangida na proteção por ela conferida. Em outras palavras, a redação literal do enunciado protege como bem de família apenas o imóvel residencial do devedor que esteja locado a terceiros (não inclui o imóvel comercial). No entanto, seguindo uma tendência, o STJ, nesta decisão, ampliou a abrangência da súmula 486 e entendeu que o imóvel comercial também pode gozar da proteção como bem de família caso esteja locado para terceiro e a renda obtida seja utilizada para o pagamento da moraria do proprietário.

168
Q

Imóvel de sociedade empresária na qual reside o sócio pode ser objeto de penhora?

A

A impenhorabilidade do bem de família no qual reside o sócio devedor não é afastada pelo fato de o imóvel pertencer à sociedade empresária. STJ. 4ª Turma. EDcl no AREsp 511.486-SC, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 3/3/2016 (Info 579).

O STJ entende que, mesmo nos casos em que o imóvel pertence à pessoa jurídica, é possível conferir a ele a proteção como bem de família se ele é utilizado como residência pelos sócios.

Nesse sentido: (…) É impenhorável a residência do casal, ainda que de propriedade de sociedade comercial, da qual os cônjuges são sócios exclusivos. (…) (STJ. 3ª Turma. REsp 356.077/MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 30/08/2002).

O bem de família é um instituto que visa a assegurar o direito fundamento à moradia (art. 6º, caput, da CF/88), sendo um corolário da dignidade da pessoa humana, razão pela qual é preciso que seja dada uma interpretação ampliativa à proteção legal.

O benefício conferido pela Lei nº 8.009/90 se trata de norma cogente, que contém princípio de ordem pública, e sua incidência somente é afastada se caracterizada alguma hipótese descrita no art. 3º do mesmo diploma

169
Q

O fato de o imóvel do devedor ser de elevado valor afasta a proteção da Lei 8.009, ou gera alguma mitigação dessa proteção?

A

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. IMPENHORABILIDADE DE IMÓVEL. BEM DE FAMÍLIA. SÚMULA 7/STJ. IMÓVEL DE ALTO VALOR. PROTEÇÃO CONTRA A PENHORA. POSSIBILIDADE DE O DEVEDOR RESIDIR EM LOCAL DIVERSO. ENTENDIMENTOS EM HARMONIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE.
SÚMULA 83/STJ. INOVAÇÃO RECURSAL. IMPOSSIBILIDADE DE APRECIAÇÃO EM AGRAVO INTERNO. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.
1. Segundo o acórdão, as provas dos autos ensejam conclusão no sentido de que o imóvel em discussão está protegido contra a penhorabilidade, por ser qualificado como bem de família. Esse entendimento foi fundado na apreciação fático-probatória da causa, atraindo a aplicação da Súmula 7/STJ.
2. O simples fato de o imóvel ser de luxo ou de elevado valor, por si só, não afasta a proteção prevista na Lei n. 8.009/1990.
Precedentes.
3. Consoante o STJ, “não pode ser objeto de penhora o único bem imóvel do devedor que não é destinado à sua residência ou mesmo à locação em face de circunstância alheia à sua vontade, tais como a impossibilidade de moradia em razão de falta de serviço estatal” (REsp 825.660/SP, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Quarta Turma, julgado em 01/12/2009, DJe 14/12/2009 [Se não fossem alheis, poderia penhorar]).
4. É sabido que “a alegação de teses que não constaram das razões do recurso especial constitui-se em inovação recursal, o que não é permitido em sede de agravo interno” (AgInt no AREsp 1.217.869/GO, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 24/04/2018, DJe 27/04/2018).
5. Agravo interno desprovido.
(AgInt no AREsp 1199556/PR, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 05/06/2018, DJe 14/06/2018)

  1. A jurisprudência desta Corte assegura a prevalência da proteção legal ao bem de família, independentemente de seu padrão. A legislação é bastante razoável e prevê inúmeras exceções à garantia legal, de modo que o julgador não deve fazer uma releitura da lei, alegando que sua interpretação atende melhor ao escopo do diploma legal.
  2. Admite-se, excepcionalmente, a penhora de parte do imóvel quando for possível o seu desmembramento em unidades autônomas, semdescaracterizá-lo, levando em consideração, com razoabilidade, as circunstâncias e peculiaridades do caso. Situação não demonstrada no caso dos autos.
  3. A impenhorabilidade se estende às construções e benfeitorias integrantes da residência familiar, dado que a lei, em sua finalidade social, procura preservar o imóvel residencial como um todo. Precedentes.
  4. Agravo interno não provido. (AgInt no REsp 1.505.028/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 19/09/2017, DJe 11/10/2017)
  5. A impenhorabilidade do bem de família visa resguardar não somente o casal, mas o sentido amplo de entidade familiar. Assim, no caso de separação dos membros da família, como na hipótese em comento, a entidade familiar, para efeitos de impenhorabilidade de bem, não se extingue, ao revés, surge em duplicidade: uma composta pelos cônjuges e outra composta pelas filhas de um dos cônjuges. Precedentes.
  6. A finalidade da Lei nº 8.009/90 não é proteger o devedor contra suas dívidas, tornando seus bens impenhoráveis, mas, sim, reitera-se, a proteção da entidade familiar no seu conceito mais amplo.

(REsp 1.126.173/MG, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 09/04/2013, DJe 12/04/2013)

170
Q

Se uma propriedade rural possui extensão suficiente para ser dividida e não há rpova de que toda ela seja necessária à subsistência da unidade familiar, poderá ela vir a ser objeto de penhora?

A

CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DECLARATÓRIOS NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. PROPRIEDADE RURAL COM LEILÃO PRÓXIMO. PLEITO PARA QUE SE REAVALIE A IMPENHORABILIDADE DO IMÓVEL. INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 7 DO STJ.
PRECEDENTES.
1. O bem de família em razão da sua função social, impossibilita sua alienação para satisfação de dívida. No entanto, em determinadas hipóteses, tal impenhorabilidade pode ser mitigada, como no caso em tela, em que a propriedade rural tem extensão suficiente para ser dividida e não ficou comprovado o uso de toda a sua área para subsistência da unidade familiar.
2. As instâncias ordinárias, com base nas provas colacionadas, concluíram que inexistem impedimentos para a hasta pública da propriedade rural penhorada. Entendimento diverso por meio do especial demandaria o revolvimento do acervo probatório.
3. O executado não apresentou argumento novo capaz de modificar a conclusão adotada, que se apoiou em entendimento aqui consolidado.
Incidência da Súmula nº 7 do STJ.
4. Agravo regimental não provido.
(AgRg nos EDcl no AREsp 559.836/SP, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 12/02/2015, DJe 20/02/2015)

Inteiro teor:
“[…] Em suma, além de não se enquadrar como pequena propriedade rural, não está demonstrado que o imóvel penhorado seja trabalhado pelo agravante ou sua família ou que lhes sirva de residência, razões pelas quais não se reconhece a alegada impenhorabilidade (e-STJ, fls. 359/360).

171
Q

O bem de família do fiador pode ser penhorado em caso de locação comercial?

A

E M E N T A RECURSO EXTRAORDINÁRIO MANEJADO CONTRA ACÓRDÃO PUBLICADO EM 31.8.2005. INSUBMISSÃO À SISTEMÁTICA DA REPERCUSSÃO GERAL. PREMISSAS DISTINTAS DAS VERIFICADAS EM PRECEDENTES DESTA SUPREMA CORTE, QUE ABORDARAM GARANTIA FIDEJUSSÓRIA EM LOCAÇÃO RESIDENCIAL. CASO CONCRETO QUE ENVOLVE DÍVIDA DECORRENTE DE CONTRATO DE LOCAÇÃO DE IMÓVEL COMERCIAL. PENHORA DE BEM DE FAMÍLIA DO FIADOR. INCOMPATIBILIDADE COM O DIREITO À MORADIA E COM O PRINCÍPIO DA ISONOMIA. 1. A dignidade da pessoa humana e a proteção à família exigem que se ponham ao abrigo da constrição e da alienação forçada determinados bens. É o que ocorre com o bem de família do fiador, destinado à sua moradia, cujo sacrifício não pode ser exigido a pretexto de satisfazer o crédito de locador de imóvel comercial ou de estimular a livre iniciativa. Interpretação do art. 3º, VII, da Lei nº 8.009/1990 não recepcionada pela EC nº 26/2000. 2. A restrição do direito à moradia do fiador em contrato de locação comercial tampouco se justifica à luz do princípio da isonomia. Eventual bem de família de propriedade do locatário não se sujeitará à constrição e alienação forçada, para o fim de satisfazer valores devidos ao locador. Não se vislumbra justificativa para que o devedor principal, afiançado, goze de situação mais benéfica do que a conferida ao fiador, sobretudo porque tal disparidade de tratamento, ao contrário do que se verifica na locação de imóvel residencial, não se presta à promoção do próprio direito à moradia. 3. Premissas fáticas distintivas impedem a submissão do caso concreto, que envolve contrato de locação comercial, às mesmas balizas que orientaram a decisão proferida, por esta Suprema Corte, ao exame do tema nº 295 da repercussão geral, restrita aquela à análise da constitucionalidade da penhora do bem de família do fiador em contrato de locação residencial. 4. Recurso extraordinário conhecido e provido.

TOFFOLI (voto vencido):

Na mesma esteira, não vejo fundamento constitucional a autorizar qualquer modificação quanto ao posicionamento adotado por esta Corte, simplesmente por se tratar de fiança sobre um imóvel comercial.

Pela leitura do caput do art. 6º do texto constitucional, podemos concluir que a norma que relaciona a moradia como direito social não contém densidade normativa suficiente para gerar os efeitos pretendidos. Há certo consenso entre os constitucionalistas no sentido de que diversos enunciados normativos de direitos fundamentais sociais não são dotados de “exequibilidade autônoma”, por falta de determinabilidade constitucional suficiente do conteúdo do direito (QUEIROZ, Cristina. Direitos Fundamentais Sociais . Coimbra: Coimbra, 2006. p. 66).

Aliás, como acentuado por juristas alemães, dentre eles, Ernst Forsthoff, Ernst-Wolfgang Böckenförde e Robert Alexy, criticando a tese do “ovo jurídico constitucional”, de Werner Kägi, não podemos ter na Constituição de um país apenas normas consideradas como de “ordem fundamental”, com determinações vinculantes e proibições específicas. Há em nossa Constituição Federal diversos dispositivos que prestigiaram a discricionariedade e que concederam uma margem de ação ao legislador, com a inclusão de normas de “ordem quadro”, em especial para a definição dos conteúdos jurídicos dos direitos sociais.

[…]

O direito à moradia necessita ter seu conteúdo determinado pelo legislador infraconstitucional. Exige-se, conforme anotado por Maria Paula Dallari Bucci, que existam processos juridicamente disciplinados, que concretizem a ação governamental, como é o caso dos processos i) legislativo; ii) de planejamento; iii) orçamentário; iv) administrativo e até mesmo v) eleitoral e vi) judiciário (cf. Fundamentos para uma teoria jurídica das políticas públicas. São Paulo: Saraiva, 2013).

É sabido que o direito constitucional à moradia possui feições positivas e negativas, como bem lembrou o Ministério Público. Ao mesmo tempo que o sistema normativo estabelece obrigações e prestações positivas pelo Estado, a atender direitos individuais ou transindividuais, terá esse direito fundamental, em certas situações, as mesmas características dos direitos de defesa, o que autorizará, em casos concretos, o exercício de um direito de proteção contra a ação de particulares e do próprio Estado. Entretanto, esse direito de defesa também há de respeitar os limites de seu conteúdo legal, em seu sentido lato .

A doutrina ressalta que o direito à moradia não deve ser confundido com o direito de propriedade, na medida em que o direito à moradia pode, por exemplo, ser implantado por normas jurídicas que estimulem a oferta de imóveis para a finalidade de locação habitacional pelo mecanismo do reforço das garantias contratuais do locador, como, v.g., a penhorabilidade do bem de família do fiador de contrato de locação descrito no art. 3º, inciso VII da Lei 8.009/90, que não contraria o direito à moradia desenhado no art. 6º, caput, da Constituição Federal, com a redação atribuída pela EC nº 26/2000 (cf., MOARES, Guilherme Peña. Curso de Direito Constitucional. Atlas: São Paulo, 2010. p. 558 ).

[…]

Na esteira desse raciocínio, anoto que não desconhece a Suprema Corte a importância que teve a nova Lei de Locações Urbanas (Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991) na abertura de novas moradias em grandes centros urbanos, a qual veio a determinar, em seu art. 58, inciso V, que os recursos interpostos contra as sentenças, em diversas ações, passavam a ter efeito somente devolutivo, dentre elas, as de despejo por falta de pagamento. Configurou a lei verdadeira política pública, garantindo o direito de moradia a diversas pessoas que não conseguiam um lugar para residir, diante da resistência dos proprietários em colocar seus respectivos imóveis para alugar no regime jurídico revogado.

O fato é que não parece existir qualquer dúvida de que as alterações legislativas em institutos de direito civil, como no presente caso, não apenas foram consentâneas com a formatação constitucional do direito social à moradia, como também se revelaram, ao tornar efetivas as garantias negociais, medidas dinâmicas e eficazes para sua ampliação.

Não há que se olvidar, inclusive, da função do instituto de direito civil da fiança. Essa, que teve sua origem no direito romano, vem a ser uma garantia assecuratória do credor, que deposita sua fé na pessoa do fiador, a quem incumbe cumprir a obrigação contratada caso o devedor principal não a cumpra. Adotada a subsidiariedade da obrigação do fiador a partir de Justiniano, em momento algum, até a data de hoje, as regras civis imputaram ao fiador o dever de dar as mesmas garantias patrimoniais que o afiançado, ou vice-versa. Trata-se de uma obrigação livremente assumida pelo fiador, nos termos do art. 818 do Código Civil. […]

O art. 3º, inciso VII, da Lei nº 8.099, de 29 de março de 1990, ao tratar da garantia qualificada, não fez qualquer diferenciação quanto à natureza do contrato de locação, razão pela qual não há como se acatar a interpretação pretendida pelos recorrentes, como também salientado no parecer ministerial.

[…]

EMENTA BARROSO (acompanhando Toffoli):

  1. O Supremo Tribunal Federal pacificou o entendimento sobre a constitucionalidade da penhora do bem de família do fiador por débitos decorrentes do contrato de locação. 2. A lógica do precedente é válida também para os contratos de locação comercial, na medida em que – embora não envolva o direito à moradia dos locatários – compreende o seu direito à livre iniciativa. 3. A possibilidade de penhora do bem de família do fiador – que voluntariamente oferece seu patrimônio como garantia do débito – impulsiona o empreendedorismo, ao viabilizar a celebração de contratos de locação empresarial em termos mais favoráveis. 4. Por outro lado, não há desproporcionalidade na exceção à impenhorabilidade do bem de família (Lei nº 8009/1990, art. 5º, VII). O dispositivo legal é razoável ao abrir a exceção à fiança prestada voluntariamente para viabilizar a livre iniciativa. Ninguém é obrigado a prestar fiança em contrato de locação de imóvel comercial; se o faz, porém, no exercício constitucionalmente protegido de sua autonomia da vontade, poderá ter seu imóvel penhorado para o pagamento das dívidas não quitadas pelo locatário. 5. Recurso extraordinário desprovido.

COMENTÁRIOS BARROS:

Foi a razão pela qual eu pedi vista. Há dois fundamentos que me motivaram a acompanhar a posição do Relator.

A posição pacífica do Tribunal é a de que é possível penhorar o bem de família do locador. Não se fez propriamente uma distinção de se tratar de locação residencial, porém, eu pedi vista, achando que, talvez, se pudesse fazer. Mas veja Vossa Excelência, o fiador celebra espontaneamente um contrato. Depois de tê-lo feito espontaneamente, cuja única finalidade é garantir a percepção do aluguel pelo proprietário, ele se escusa de cumprir a sua obrigação, que assumiu voluntariamente, dizendo que é um bem de família. É um pouco, como eu senti, de paternalização para estimular a pessoa a não cumprir aquilo que se obrigou.

O valor constitucional contraposto, Vossa Excelência tem razão, não é o direito de moradia. Porém, a lógica de baratear o custo da fiança, na locação residencial, também se aplica, ao baratear o custo da locação, na locação comercial, porque não temos de pensar no grande empresário. Há pequenos empreendedores que também precisam de fiador para a locação, aliás, esses são os que mais precisam.

Portanto, em última análise, a gente penalizaria o pequeno empresário em favor de um fiador que assumiu espontaneamente uma obrigação.

Por essas razões, eu me convenci de que também deveria se aplicar à locação comercial a mesma lógica, embora eu seja capaz de intuir o sentimento de Vossa Excelência, de que direito de moradia não tem o mesmo status de livre iniciativa, conquanto ambos sejam valores constitucionais.

ROSA WEBER:

Acrescento que, no caso de locação comercial, a imposição de restrições ao direito fundamental à moradia do fiador, por meio da penhora do único imóvel destinado à sua residência, tampouco se justifica sob o ângulo da proporcionalidade. A uma, porque a medida não é necessária, ante a existência de instrumentos outros suscetíveis de viabilizar a garantia da satisfação do crédito do locador de imóvel comercial, notadamente caução, seguro de fiança locatícia e cessão fiduciária de quotas de fundos de investimento (art. 37 da Lei nº 8.245/1991). A duas, porque conjecturas meramente teóricas, sobre a dificuldade ou a onerosidade na prestação de outras modalidades de garantia ou, ainda, sobre empecilho na obtenção de fiadores com mais de um imóvel, não legitimam, segundo compreendo, o sacrifício do direito fundamental à moradia em nome de projetada promoção da livre iniciativa.

Considerações a respeito da autonomia da vontade e da liberdade contratual do fiador não podem relegar a segundo plano a necessidade de observar os limites estabelecidos em normas de ordem pública, de natureza cogente, voltadas à promoção de outros valores constitucionalmente protegidos.

Eventual desestímulo à livre iniciativa que decorra da afirmação da impenhorabilidade do bem de família do fiador em contrato de locação de imóvel comercial não se reveste de envergadura suficiente para suplantar a necessidade de observar o direito constitucionalmente assegurado à moradia, enquanto desdobramento da própria dignidade da pessoa humana e da proteção à família (arts. 1º, III, e 226, caput, da Magna Carta).

A imposição de limites à penhora de certos bens constitui conquista civilizatória, endereçada a assegurar o mínimo existencial. Admitir a penhora de bem de família para satisfazer débito decorrente de locação comercial, em nome da promoção da livre iniciativa, redundaria, no limite, em solapar todo o arcabouço erigido para preservar a dignidade humana em face de dívidas.

Em abono dessa perspectiva, o primeiro vetor interpretativo que levo em conta na solução do caso é o art. 6º da Magna Carta, na redação dada pela Emenda Constitucional nº 26/2000, de aplicação imediata , vigente, como é incontroverso, à data da arrematação do bem de família dos recorrentes:

“Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”

[…]

(RE 605709, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Relator(a) p/ Acórdão: ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 12/06/2018, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-032 DIVULG 15-02-2019 PUBLIC 18-02-2019)

172
Q

A impenhorabilidade do bem de família pode ser oposta ao credor de pensão alimentícia decorrente de indenização por ato ilícito?

A

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA.
ACIDENTE DE TRÂNSITO. CONDENAÇÕES CÍVEL E CRIMINAL.
IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA. EXCEÇÃO APLICÁVEL SOMENTE À VERBA ALIMENTAR. ACÓRDÃO A QUO EM HARMONIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE SUPERIOR. AGRAVO DESPROVIDO.
1. A pensão alimentícia está prevista expressamente no art. 3º, III, da Lei n. 8.009/1990 como hipótese de exceção à impenhorabilidade do bem de família, sendo irrelevante a origem dessa prestação, se decorrente de relação familiar ou de ato ilícito.
“De outra parte, não é possível ampliar o alcance da norma prevista no art. 3.º, inciso VI, do mesmo diploma legal, para afastar a impenhorabilidade de bem de família em caso de indenização por ilícito civil, desconsiderando a exigência legal expressa de que haja ‘sentença penal condenatória’” (REsp 711889/PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 22/06/2010, DJe 01/07/2010).
2. Agravo interno desprovido.
(AgInt no REsp 1619189/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/10/2016, DJe 10/11/2016)

173
Q

Se um bem é hipotecado para garantir empréstimo contraído por terceiro, poderá ele vir a ser penhorado, no caso de inadimplemento, ainda que se trate de bem de família?

A

Em regra, o bem de família não pode ser penhorado (art. 1 da Lei 8.009\90)

O inciso V do art. 3 diz, contudo, que o bem de família pode ser penhorado se o imóvel foi oferecido em hipoteca com garantia real pelo casal ou pela entidade familiar.

A hipoteca é uma espécie de direito real de garantia, disciplinada nos arts 1.473 e 1.505 do CC. Se a parte que deu o bem em hipoteca não cumprir a sua obrigação o cedor poderá executar a hipoteca, hipótese na qual o imóvel dado em garantia será alienada e o valor obtido utilizado para pagar o débito.

Assim, em regr,a é possível a penhora do imóvel que tiver sido oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar.

O STJ, contudo, ao interpretar esse inciso, faz a seguinte observação: a penhora do bem de família somente será admitida se o imóvel foi dado em garantia de uma dívida que beneficiou o casal ou entedade familiar.

Dessa modo, a exceção prevista no art. 3, V, da Lei n 8.009\90 não se aplica aos casos em que a hipoteca é dada como garantia de empréstimo contraído em favor de terceiro, somente quando garante empréstimo tomado diretamente em favor do próprio devedor.

EMENTA:

AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. PENHORA. BEM DE FAMÍLIA. GARANTIA PRESTADA PELO SÓCIO TAMBÉM EM NOME PRÓPRIO. ART. 3º, V, DA LEI N. 8009/90.
1. A jurisprudência desta Corte orienta que a exceção prevista no artigo 3º, V, da Lei n. 8009/90 não se aplica aos casos em que a hipoteca é dada como garantia de empréstimo contraído em favor de terceiro, somente quando garante empréstimo tomado diretamente em favor do próprio devedor, o que ocorreu no caso em exame.
2. Agravo interno a que se nega provimento.
(AgInt nos EDcl no AREsp 665.233/SC, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 06/02/2018, DJe 09/02/2018)

OUTRAS HIPÓTESES:

O bem de família é IMPENHORÁVEL quando for dado em garantia real de dívida por um dos sócios da pessoa jurídica, cabendo ao credor o ônus da prova de que o proveito se reverteu à entidade familiar.

O bem de família é PENHORÁVEL quando os únicos sócios da empresa devedora são os titulares do imóvel hipotecado, sendo ônus dos proprietários a demonstração de que não se beneficiaram dos valores auferidos. Assim, é possível a penhora de bem de família dado em garantia hipotecária pelo casal quando os cônjuges forem os únicos sócios da pessoa jurídica devedora. STJ. 2ª Seção. EAREsp 848.498-PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 25/04/2018 (Info 627).

174
Q

A renúncia ao bem de família é válida? O devedor pode oferecer seu bem de família para ser penhorado?

A

A renúncia ao bem de família é válida? O devedor pode oferecer seu bem de família para ser penhorado?

Em regra, NÃO. O STJ possui diversos julgados afirmando que a proteção conferida ao instituto de bem de família pela Lei 8.009/90 é uma norma cogente, uma questão de ordem pública.

Logo, não se admite que o titular desse benefício renuncie à sua proteção.

Exceção: não se deve desconstituir a penhora de imóvel sob o argumento de se tratar de bem de família na hipótese em que, mediante acordo homologado judicialmente, o executado tenha pactuado com o exequente a prorrogação do prazo para pagamento e a redução do valor de dívida que contraíra em benefício da família, oferecendo o imóvel em garantia e renunciando expressamente ao oferecimento de qualquer defesa, de modo que, descumprido o acordo, a execução prosseguiria com a avaliação e praça do imóvel. STJ. 3ª Turma. REsp 1.461.301-MT, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 5/3/2015 (Info 558).

A renúncia ao bem de família é válida? O devedor pode oferecer seu bem de família para ser penhorado?

REGRA: NÃO. O STJ possui diversos julgados afirmando que a proteção conferida ao instituto de bem de família pela Lei n. 8.009/90 é uma norma cogente, uma questão de ordem pública. Logo, não se admite que o titular desse benefício renuncie à sua proteção. Nesse sentido: STJ. 4ª Turma. AgRg no AREsp 537.034/MS, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 26/08/2014. Assim, em regra, a jurisprudência do STJ entende que o bem de família é impenhorável, mesmo quando indicado à constrição pelo próprio devedor.

EXCEÇÃO:

Na hipótese acima narrada, o STJ entendeu que a situação em exame apresenta certas peculiaridades que tornam válida a renúncia.

Com efeito, no caso em análise, o executado agiu em descompasso com o princípio nemo venire contra factum proprium, adotando comportamento contraditório, num momento ofertando o bem à penhora e, no instante seguinte, arguindo a impenhorabilidade do mesmo bem, o que evidencia a ausência de boa-fé. Essa conduta antiética deve ser coibida, sob pena de desprestígio do próprio Poder Judiciário, que validou o acordo celebrado.

Se, por um lado, é verdade que a Lei n. 8.009/90 veio para proteger o núcleo familiar, resguardando-lhe a moradia, não é menos correto afirmar que aquele diploma legal não pretendeu estimular o comportamento dissimulado.

Como se trata de acordo judicial celebrado nos próprios autos da execução, a garantia somente podia ser constituída mediante formalização de penhora incidente sobre o bem. Nada impedia, no entanto, que houvesse a celebração do pacto por escritura pública, com a constituição de hipoteca sobre o imóvel e posterior juntada aos autos com vistas à homologação judicial.

Se tivesse ocorrido dessa forma, seria plenamente válida a penhora sobre o bem em razão da exceção à impenhorabilidade prevista no inciso V do art. 3º da Lei 8.009/1990, não existindo, portanto, nenhuma diferença substancial entre um ato e outro no que interessa às partes.

Acrescente-se, finalmente, que a decisão homologatória do acordo tornou preclusa a discussão da matéria, de forma que o mero inconformismo do devedor contra uma das cláusulas pactuadas, manifestado tempos depois, quando já novamente inadimplentes, não tem força suficiente para tornar ineficaz a avença.

Dessa forma, não se pode permitir, em razão da boa-fé que deve reger as relações jurídicas, a desconstituição da penhora, sob pena de desprestígio do próprio Poder Judiciário.

175
Q

O credor de débito relativo a reforma da residência do devedor pode penhorar essa residência para satisfazer seu crédito?

A

O crédito oriundo de contrato de empreitada para a construção, ainda que parcial, de imóvel residencial, encontra-se nas exceções legais à impenhorabilidade do bem de família.

Ex: João comprou uma casa antiga para reformar e passar a morar ali com a família. Ele contratou a empresa FB Engenharia para fazer a reforma. A empresa terminou o serviço e João passou a residir no local. Ocorre que ele não pagou as últimas parcelas do contrato com a empresa e ficou devendo R$ 40 mil, materializado em notas promissórias. O imóvel onde João reside poderá ser penhorado para pagar a dívida, sendo essa uma exceção à impenhorabilidade do bem de família. Fundamento: art. 3º, II, da Lei nº 8.009/90.

Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido: (…) II - pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato; STJ. 4ª Turma. REsp 1.221.372-RS, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 15/10/2019 (Info 658).

Não se trata de interpretação extensiva

Vale ressaltar que essa conclusão não representa uma interpretação extensiva das exceções legais descritas no art. 3º. Na verdade, há o perfeito enquadramento (subsunção) da situação à hipótese prevista na lei.

Entendimento em outro sentido premiaria o comportamento contraditório do devedor e ensejaria o seu inegável enriquecimento indevido, causando insuperável prejuízo/dano ao prestador que, mediante prévio e regular ajuste, bancou com seus aportes a obra ou aquisição somente concretizada pelo tomador valendo-se de recursos do primeiro.

Em suma:

O crédito oriundo de contrato de empreitada para a construção, ainda que parcial, de imóvel residencial, encontra-se nas exceções legais à impenhorabilidade do bem de família. STJ. 4ª Turma. REsp 1.221.372-RS, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 15/10/2019 (Info 658).

Por favor, não confunda:

Não é possível a penhora do bem de família para pagamento de despesas com a compra de materiais de construção, ainda que utilizados pelo devedor para a construção do imóvel onde reside:

A inadimplência dos réus em relação a compras de materiais de construção do imóvel onde residem não autoriza afastar a impenhorabilidade de bem de família, dado que a hipótese excepcional em contrário, prevista no art. 3º, II, da Lei n. 8.009/90, é taxativa, não permitindo elastecimento de modo a abrandar a regra protetiva conferida pelo referenciado diploma legal. STJ. 4ª Turma. AgRg no Ag 888.313/RS, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, julgado em 24/06/2008.

176
Q

A citação dos herdeiros no inventário judicial deve ser feito por AR ou por oficial de justiça?

A

Tendo sido declinados na petição inicial todos os dados pessoais indispensáveis à correta identificação dos herdeiros, inclusive os seus respectivos endereços, devem ser eles citados pessoalmente por carta com aviso de recebimento, vedada a citação por oficial de justiça (porque comprometeria a duração razoável do processo). STJ. 3ª Turma. REsp 1.584.088-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 15/05/2018 (Info 626)

Imagine a seguinte situação hipotética:

João faleceu e deixou 17 herdeiros.

A viúva ingressou com ação de inventário na vara de sucessões de Belo Horizonte (MG).

Na petição inicial foram indicados todos os herdeiros, com os respectivos endereços.

Ocorre que alguns herdeiros moram em Municípios do interior do Estado.

O juiz determinou a citação por edital dos herdeiros que não residem em Belo Horizonte.

Agiu corretamente o juiz? Essa citação foi válida?

NÃO. Todos os herdeiros foram detalhadamente identificados na petição inicial tendo a inventariante informado, de modo preciso, seus respectivos endereços.

Desse modo, não há motivo para fazer a citação por edital. Tais herdeiros deveriam ter sido citados por carta com aviso de recebimento.

Vale ressaltar que também seria indevida a citação desses herdeiros por meio de oficial de justiça, considerando que esta providência acarretaria prejuízo à celeridade do processo.

A citação válida é pressuposto de existência da relação jurídico-processual, sendo verdadeiramente imprescindível, à luz da garantia constitucional do contraditório, que as partes potencialmente atingidas por uma futura decisão judicial tenham a oportunidade de ser adequadamente cientificadas da lide (direito de informação), de apresentarem tempestivamente suas alegações e provas (direito de reação) e de efetivamente contribuir no processo de formação do convencimento judicial (direito de influência), motivo pelo qual a citação editalícia deve sempre ser vista como excepcionalíssima no sistema e, assim, autorizada apenas nas hipóteses em que haja evidente e irreparável prejuízo à garantia da razoável duração do processo.

CPC/2015

Vale ressaltar que o presente julgado foi proferido com base no CPC/1973. No entanto, penso que a solução seria a mesma com o CPC/2015.

O art. 626, § 1º do CPC/2015 prevê expressamente a citação dos herdeiros por correio, com aviso de recebimento. Além disso, o legislador determinou também a publicação de edital para avisar outros eventuais interessados (credores, cessionários etc.). Desse modo, o sistema atual é o seguinte:

Citação pelo correio do cônjuge/companheiro, herdeiros e legatários mais a publicação de edital. Veja a redação do dispositivo:

Art. 626. Feitas as primeiras declarações, o juiz mandará citar, para os termos do inventário e da partilha, o cônjuge, o companheiro, os herdeiros e os legatários e intimar a Fazenda Pública, o Ministério Público, se houver herdeiro incapaz ou ausente, e o testamenteiro, se houver testamento.

§ 1º O cônjuge ou o companheiro, os herdeiros e os legatários serão citados pelo correio, observado o disposto no art. 247, sendo, ainda, publicado edital, nos termos do inciso III do art. 259.

177
Q

Qual é o termo inicial do prazo prescricional da petição de herança em caso de reconhecimento póstumo da paternidade?

A

Na hipótese em que ação de investigação de paternidade post mortem tenha sido ajuizada após o trânsito em julgado da decisão de partilha de bens deixados pelo de cujus, o termo inicial do prazo prescricional para o ajuizamento de ação de petição de herança é a data do trânsito em julgado da decisão que reconheceu a paternidade, e não o trânsito em julgado da sentença que julgou a ação de inventário.

Em suma, o termo inicial para o ajuizamento da ação de petição de herança é a data do trânsito em julgado da ação de investigação de paternidade, quando, em síntese, confirma-se a condição de herdeiro. STJ. 3ª Turma. REsp 1.475.759-DF, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 17/5/2016 (Info 583).

Prazo prescricional

A pretensão de petição de herança prescreve no prazo de 10 anos, nos termos do art. 205 do CC, já que não existe um prazo específico fixado no Código:

Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor.

Segundo o art. 189 do CC, o prazo prescricional somente começa a correr quando há violação do direito subjetivo alegado.

Não há que se falar em petição de herança enquanto não houver a confirmação da paternidade. Dessa forma, conclui-se que o termo inicial para o ajuizamento da ação de petição de herança é a data do trânsito em julgado da ação de investigação de paternidade, quando, em síntese, confirma-se a condição de herdeiro.

No mesmo sentido é o entendimento da doutrina majoritária:

“O termo inicial do lapso prescricional é coincidente com a data da abertura da sucessão, como já decidiu o Supremo Tribunal Federal, uma vez que não se pode postular acerca de herança de pessoa viva. Somente depois da morte há legitimação ativa para suceder, por parte de quem tiver de pleitear a herança. (…)

Todavia, se a legitimação depender do prévio reconhecimento da paternidade, o dies a quo do prazo prescricional será a data em que o direito puder ser exercido, ou seja, o momento em que for reconhecida a paternidade, e não o da abertura da sucessão.” (GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito das sucessões. 10ª ed., v. 7. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 142).

178
Q

A reserva da quarta parte da herança, prevista no art. 1.832 do CC, aplica-se à hipótese de concorrência sucessória híbrida?

Art. 1.832. Em concorrência com os descendentes (art. 1.829, inciso I) caberá ao cônjuge quinhão igual ao dos que sucederem por cabeça, não podendo a sua quota ser inferior à quarta parte da herança, se for ascendente dos herdeiros com que concorrer.

A

A reserva da quarta parte da herança, prevista no art. 1.832 do Código Civil, não se aplica à hipótese de concorrência sucessória híbrida.

Concorrência sucessória híbrida ocorre quando o cônjuge/companheiro estiver concorrendo com descendentes comuns e com descendentes exclusivos do falecido. Ex: José faleceu e deixou como herdeiros Paula (cônjuge) e 5 filhos, sendo 3 filhos também de Paula e 2 de um outro casamento anterior de José. Paula e cada um dos demais herdeiros receberá 1/6 da herança.

Art. 1.832. Em concorrência com os descendentes (art. 1.829, inciso I) caberá ao cônjuge quinhão igual ao dos que sucederem por cabeça, não podendo a sua quota ser inferior à quarta parte da herança, se for ascendente dos herdeiros com que concorrer.

Assim, essa reserva de um quarto da herança, prevista no art. 1.832 do CC, não se aplica em caso de concorrência sucessória híbrida. A reserva de, no mínimo, 1/4 da herança em favor do consorte do falecido ocorrerá apenas quando concorra com seus próprios descendentes (e eles superem o número de 3). STJ. 3ª Turma. REsp 1.617.650-RS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 11/06/2019 (Info 651).

Nesse sentido é o enunciado 527 da V Jornada de Direito Civil do CJF: “Na concorrência entre o cônjuge e os herdeiros do de cujus, não será reservada a quarta parte da herança para o sobrevivente no caso de filiação híbrida.”

179
Q

No regime de separação convencional de bens, o cônjuge sobrevivente concorre com os descendentes do falecido pela herança?

A

O cônjuge, qualquer que seja o regime de bens adotado pelo casal, é herdeiro necessário (art. 1.845 do CC).

No regime de separação convencional de bens, o cônjuge sobrevivente concorre com os descendentes do falecido. A lei afasta a concorrência apenas quanto ao rewgime da separação legal de bens prevista no art. 1.641 do CC.

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: (Vide Recurso Extraordinário nº 646.721) (Vide Recurso Extraordinário nº 878.694)

I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

OBSERVAÇÃO:

Ementa: Direito constitucional e civil. Recurso extraordinário. Repercussão geral. Inconstitucionalidade da distinção de regime sucessório entre cônjuges e companheiros. 1. A Constituição brasileira contempla diferentes formas de família legítima, além da que resulta do casamento. Nesse rol incluem-se as famílias formadas mediante união estável. 2. Não é legítimo desequiparar, para fins sucessórios, os cônjuges e os companheiros, isto é, a família formada pelo casamento e a formada por união estável. Tal hierarquização entre entidades familiares é incompatível com a Constituição de 1988. 3. Assim sendo, o art. 1790 do Código Civil, ao revogar as Leis nºs 8.971/94 e 9.278/96 e discriminar a companheira (ou o companheiro), dando-lhe direitos sucessórios bem inferiores aos conferidos à esposa (ou ao marido), entra em contraste com os princípios da igualdade, da dignidade humana, da proporcionalidade como vedação à proteção deficiente, e da vedação do retrocesso. 4. Com a finalidade de preservar a segurança jurídica, o entendimento ora firmado é aplicável apenas aos inventários judiciais em que não tenha havido trânsito em julgado da sentença de partilha, e às partilhas extrajudiciais em que ainda não haja escritura pública. 5. Provimento do recurso extraordinário. Afirmação, em repercussão geral, da seguinte tese: “No sistema constitucional vigente, é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no art. 1.829 do CC/2002”.
(RE 878694, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 10/05/2017, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-021 DIVULG 05-02-2018 PUBLIC 06-02-2018)

180
Q

Se provar que não teve culpa pela separação, o ex-cônjuge poderá ser considerado herdeiro, ainda que a separação de fato tenha ocorrido há mais de dois anos?

A

Ocorrendo a morte de um dos cônjuges após dois anos da separação de fato do casal, é legalmente relevante, para fins sucessórios, a discussão da culpa do cônjuge sobrevivente pela ruptura da vida em comum, cabendo a ele o ônus de comprovar que a convivência do casal se tornara impossível sem a sua culpa.

Assim, em regra, o cônjuge separado há mais de dois anos não é herdeiro, salvo se ele (cônjuge sobrevivente) provar que não teve culpa pela separação. STJ. 4ª Turma. REsp 1.513.252-SP, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 3/11/2015 (Info 573).

Se a pessoa morrer e for casada, o cônjuge terá direito à herança? O cônjuge é herdeiro?

SIM. O cônjuge é herdeiro necessário (art. 1.845 do CC).

Exceção:

O cônjuge não será herdeiro se, quando houve a morte, o casal estava separado há mais de dois anos, nos termos do art. 1.830 do CC:

Art. 1.830. Somente é reconhecido direito sucessório ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estavam separados judicialmente, nem separados de fato há mais de dois anos, salvo prova, neste caso, de que essa convivência se tornara impossível sem culpa do sobrevivente.

O art. 1.830 do CC fala em “culpa” e a doutrina brasileira possui ojeriza (aversão) à culpa na relações familiares. Diante disso, indaga-se: esse dispositivo continua válido e sendo aplicável pela jurisprudência?

SIM. Ocorrendo a morte de um dos cônjuges após dois anos da separação de fato do casal, é legalmente relevante, para fins sucessórios, a discussão da culpa do cônjuge sobrevivente pela ruptura da vida em comum. Assim, o STJ continua aplicando o art. 1.830 do CC, que permanece válido.

Críticas da doutrina

Como já dito, esse dispositivo é amplamente criticado pela doutrina brasileira, principalmente, no que diz respeito à possibilidade de discussão de culpa como requisito para se determinar a exclusão ou não do cônjuge sobrevivente da ordem de vocação hereditária.

Rolf Madaleno, por exemplo, em texto carregado de ironia, fala que o art. 1.830 institui a “culpa mortuária” ou “culpa funerária”, ressaltando a dificuldade de produção da prova após o falecimento de um dos cônjuges, que poderá gerar longas e desgastantes discussões processuais (Rolf Madaleno, A concorrência sucessória e o trânsito processual: a culpa mortuária., In: Revista brasileira de direito de família, v. 7, n. 29, p. 144-151, abr./maio 2005).

Paulo Lôbo sustenta que a imputação da culpa do falecido pela separação de fato viola os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório, impedindo que o falecido possa contraditar a acusação de culpa (Direito Civil: Sucessões. São Paulo: Saraiva, 2014).

Francisco José Cahali e Giselda Hironaka são também críticos da previsão e observam que a imputação de culpa para fins de direito sucessório representa verdadeiro retrocesso, principalmente diante da EC 66/2010, que trouxe a possibilidade da dissolução do casamento diretamente por divórcio sem observação de tempo mínimo de convivência ou discussão de culpa (CAHALI, Francisco José; HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Direito das Sucessões. 5ª ed. São Paulo: RT, 2014).

Apesar disso, o STJ considerou que não há que se falar em ilegalidade ou impertinência da discussão da culpa no vigente direito sucessório, devendo ser mantida a aplicação do art. 1.830 do CC para os casos em que ele regular.

Qual será o parâmetro utilizado pelo juiz para aferir a culpa de que trata o art. 1.830 do CC?

O magistrado deverá utilizar como critérios os motivos elencados no art. 1.573 do CC, que caracterizam a impossibilidade da comunhão de vida:

Art. 1.573. Podem caracterizar a impossibilidade da comunhão de vida a ocorrência de algum dos seguintes motivos:

I - adultério;

II - tentativa de morte;

III - sevícia ou injúria grave;

IV - abandono voluntário do lar conjugal, durante um ano contínuo;

V - condenação por crime infamante;

VI - conduta desonrosa.

Parágrafo único. O juiz poderá considerar outros fatos que tornem evidente a impossibilidade da vida em comum.

De quem é o ônus de provar a culpa mencionada no art. 1.830 do CC? O cônjuge sobrevivente é quem deverá provar que não teve culpa? Ou os demais herdeiros interessados (exs: filhos, irmãos etc.) na herança é que deverão provar que o falecido não teve culpa?

O ônus da prova é do cônjuge sobrevivente.

O cônjuge sobrevivente é que deverá provar que não teve culpa pela separação. Ele que terá que comprovar que a convivência se tornou impossível sem culpa sua.

Se o cônjuge sobrevivente não conseguir provar isso, ele não terá direito à herança.

Isso se justifica porque, conforme se verifica da ordem de vocação hereditária prevista no art. 1.829 do CC/2002, o cônjuge separado de fato é exceção à ordem de vocação.

Assim, em regra, o cônjuge separado há mais de dois anos não é herdeiro, salvo se ele (cônjuge sobrevivente) provar que não teve culpa pela separação.

Resumindo:

Ocorrendo a morte de um dos cônjuges após dois anos da separação de fato do casal, é legalmente relevante, para fins sucessórios, a discussão da culpa do cônjuge sobrevivente pela ruptura da vida em comum, cabendo a ele o ônus de comprovar que a convivência do casal se tornara impossível sem a sua culpa. STJ. 4ª Turma. REsp 1.513.252-SP, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 3/11/2015 (Info 573).

181
Q

Quais fundamentos o STF invocou para julgar inconstitucional o disposto no art. 1.790 do CC?

A

No sistema constitucional vigente, é inconstitucional a diferenciação de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no artigo 1.829 do Código Civil. STF. Plenário. RE 646721/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso e RE 878694/MG, Rel. Min. Roberto Barroso, julgados em 10/5/2017 (repercussão geral) (Info 864)

Mudanças na noção tradicional de família

O regime sucessório sempre buscou proteger a família do falecido.

A noção tradicional de família esteve ligada durante muito tempo à ideia de casamento.

Vale ressaltar, no entanto, que esse modelo passou a sofrer alterações, principalmente durante a segunda metade do século XX, quando o laço formal do matrimônio passou a ser substituído pela afetividade e por um projeto de vida em comum.

CF/88 protege diferentes modalidades de família

A CF/88 prevê não apenas a família decorrente do casamento (família matrimonial), sendo protegidas outras modalidades de família.

Umas das espécies de família protegidas pela Constituição é a família derivada da união estável, seja ela hetero ou homoafetiva. Isso está expresso no § 3º do art. 226 do Texto Constitucional:

Art. 226 (…) § 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

Código Civil de 2002 regrediu no tratamento do tema

O legislador, cumprindo a vontade constituinte, editou duas leis ordinárias que equiparavam os regimes jurídicos sucessórios do casamento e da união estável (Lei nº 8.971/94 e Lei 9.278/96).

O Código Civil de 2002, no entanto, regrediu no tratamento do tema e “desequiparou”, para fins de sucessão, o casamento e a união estável, fazendo com que o(a) companheiro(a) do falecido tivesse uma proteção bem menor do que aquela que é conferida ao cônjuge.

Dessa forma, o CC-2002 promoveu verdadeiro retrocesso, criando uma hierarquização entre as famílias, o que não é admitido pela Constituição, que trata todas as famílias com o mesmo grau de valia, respeito e consideração.

Princípios constitucionais violados

Dessa forma, o art. 1.790 do CC é inconstitucional porque viola:

 o princípio da igualdade;

 a dignidade da pessoa humana;

 o princípio da proporcionalidade (na modalidade de proibição à proteção deficiente) e

 o princípio da vedação ao retrocesso.

182
Q

O filho do morto tem direito de exigir de seus irmãos a colação dos bens que estes receberam via doação a título de adiantamento de legítima, se não havia sequer sido concebido ao tempo da liberalidade?

A

O filho do morto tem o direito de exigir de seus irmãos a colação dos bens que estes receberam via doação a título de adiantamento da legítima, ainda que sequer tenha sido concebido ao tempo da liberalidade.

Para efeito de cumprimento do dever de colação, é irrelevante se o herdeiro nasceu antes ou após a doação, não havendo também diferença entre os descendentes, se são eles irmãos germanos ou unilaterais ou se supervenientes à eventual separação ou divórcio do doador.

Ex: em 2007, João doou todo o seu patrimônio (casas, apartamentos, carros etc.) para seus três filhos (Hugo, Tiago e Luis). Em 2010, João teve um novo filho (João Jr.), fruto de um relacionamento com sua secretária. Em 2012, João faleceu. Foi aberto inventário de João e, João Jr., o caçula temporão, representado por sua mãe, habilitou-se nos autos e ingressou com incidente de colação, distribuído por dependência nos autos do inventário, requerendo que todos os bens recebidos em doação por Hugo, Tiago e Luis fossem colacionados (devolvidos) para serem partilhados. Os donatários (Hugo, Tiago e Luis) contestaram o pedido afirmando que João Jr. ainda não havia nascido e sequer tinha sido concebido ao tempo das doações, o que afastaria o seu interesse em formular pedido de colação. STJ. 3ª Turma. REsp 1.298.864-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 19/5/2015 (Info 563).

Para efeito de cumprimento do dever de colação, é irrelevante se o herdeiro nasceu antes ou após a doação, não havendo também diferença entre os descendentes, se são eles irmãos germanos ou unilaterais ou se supervenientes à eventual separação ou divórcio do doador.

O que deve prevalecer é a ideia de que a doação feita de ascendente para descendente impõe ao(s) donatário(s) a obrigação, de quando o doador morrer, o(s) descendendente(s) beneficiado(s) trazer(em) o patrimônio recebido à colação, a fim de igualar as legítimas, caso existem outros herdeiros necessários (arts. 2.002, parágrafo único, e 2.003 do CC).

183
Q

O cálculo do valor da colação dos bens doados deverá ser feito tendo como critério o tempo da liberalidade ou da abertura da sucessão?

A

Em um vaso envolvendo situação antes do CPC-2015, o STJ decidiu que o valor de colação dos bens doados deverá ser aquele atribuído ao tempo da liberalidade, corrigido monetariamente até a data da abertura da sucessão. Aplicou-se aqui a regra do art. 2.004 do CC de 2002.

Art. 2.004. O valor de colação dos bens doados será aquele, certo ou estimativo, que lhes atribuir o ato de liberalidade.

§ 1 o Se do ato de doação não constar valor certo, nem houver estimação feita naquela época, os bens serão conferidos na partilha pelo que então se calcular valessem ao tempo da liberalidade.

§ 2 o Só o valor dos bens doados entrará em colação; não assim o das benfeitorias acrescidas, as quais pertencerão ao herdeiro donatário, correndo também à conta deste os rendimentos ou lucros, assim como os danos e perdas que eles sofrerem.

Obs: o CPC-2015, em seu art. 639, parágrafo único, traz regra diferente do art. 2004 do CC-2002 e diz que o valor de colação dos bens deverá ser calculado ao tempo da morte do autor da herança. Confira:

Art. 639. No prazo estabelecido no art. 627 , o herdeiro obrigado à colação conferirá por termo nos autos ou por petição à qual o termo se reportará os bens que recebeu ou, se já não os possuir, trar-lhes-á o valor.

Parágrafo único. Os bens a serem conferidos na partilha, assim como as acessões e as benfeitorias que o donatário fez, calcular-se-ão pelo valor que tiverem ao tempo da abertura da sucessão.

Diante disso, não se pode afirmar que a conclusão do STJ no REsp 1.116. 568-SP seria a mesma caso a morte tivesse ocorrido agora, ou seja, sob a vigência do CPC-2015. Isso porque este diploma é posterior ao CC-2002 e, pelo menos sob o critério cronológico, teria prevalência em relação ao CC.

CC comentado, Mauro Antonini:

Na Jornada de Direito Civil, promovida pelo Conselho de Justiça Federal em setembro de 2002, foi aprovado o Enunciado n. 119, segundo o qual o art. 2004 se aplica quando o bem não mais pertencer ao donatário, pois, se ainda estiver compondo seu patrimônio, a colação deve ser feita pelo valor do bem na abertura da sucessão. Essa conclusão, segundo o enunciado, resulta da interpretação sistemática deste dispositivo com a proibição do enriquecimento sem causa. Respeitado o entendimento, parece não ser o mais adequado, pois o pár 2 do art. 2.004 dispõe não estarem sujeitas à colação valorizações ou desvalorizações do bem após a doação. Assim, se o imóvel doado, por causa de abertura de uma via pública próxima, em data posterior à doação, sofre considerável valorização, a colação será feita pelo valor do bem ao tempo da doação, desconsiderado o acréscimo posterior. Em contrapartida, se por algum fator qualquer houve desvalorização do bem, o prejuízo é suportado pelo donatário. Houve clara opção do legislador de imputar ao donatário, após a doação, as vicissitudes pelas quais passar o bem. Não há enriquecimento ikícito, ao contrário do que dispõe o enunciado, pois se trate de lícita opção legislativa, pela qual o donatária se locupleta com os lucros e rendimentos auferidos após a doação, mas suporta, em contrapartida, os prejuízos supervenientes.

No parágrafo único do art. 639, o CPC-2015 reproduz o parágrafo único do art. 1.014 do CPC-1973, estabelecendo que os bens a serem objeto de colação, assim como as acessões e as benfeitorias que o donatário fez, calcular-se-ão pelo valor que tiverem ao tempo da abertura da sucessão. Sendo norma posterior, é de se indagar se revogou ao menos em parte o presente art. 2.004 do CC. Parece que a solução mais adequada é a de considerar que a norma do CPC-2015 contém claro equívoco, causando séria distorção no sistema e, por isso, deve ser mantida a disposição do art. 2.004. Pois a colação tem por razão de ser a conferência do que o donatária recebeu como antecipação de legítima. Caso tenha de incluir na colação acessões e benfeitorias que ele introduziu ao bem, com recursos próprios, irá colacionar mais do que recebeu por doação, o que representará causa de inadmissível enriquecimento ikícito dos demais herdeiros. Se o bem, após a doação, sofreu considerável valorização ou desvalorização, essas varições patrimoniais não correspondem ao valor com o qual o doador pretendeu contemplar o donatário, como adiantamento de legítima. Além disso, a norma do CPC-2015 tem a desvantagem de não dar solução para o caso de o bem vir a perecer após a doação, antes da abertura da sucessão, ou, nesse intervalo, ter sido alienado pelo donatário. Recorde-se a licação de Carlos Maximiliano citada nos cometário ao art. 1.878, no sentido de que, na interpretação da lei, cabe optar pela solução equitativa e lógica, em vez da que conduz a resultado absutdo. A interpretação literal do parágrafo único do art. 639 do CPC-2015 parece afetar a coerência do sistema e, por isso, reputa-se que deve ser mantido o regramento deste art. 2.004 do CC.

184
Q

O cônjuge ou companheiro terá direito real de habitação mesmo que possua outros bens?

A

O reconhecimento do direito real de habitação, a que se refere o art. 1.831 do Código Civil, não pressupõe a inexistência de outros bens no patrimônio do cônjuge/companheiro sobrevivente. Em outras palavras, mesmo que o cônjuge ou companheiro sobrevivente possua outros bens, ele terá direito real de habitação.

Isso se justifica porque o objetivo da lei é permitir que o cônjuge/companheiro sobrevivente permaneça no mesmo imóvel familiar que residia ao tempo da morte como forma, não apenas de concretizar o direito constitucional à moradia, mas também por razões de ordem humanitária e social, já que não se pode negar a existência de vínculo afetivo e psicológico estabelecido pelos cônjuges/companheiros com o imóvel em que, no transcurso de sua convivência, constituíram não somente residência, mas um lar. STJ. 3ª Turma.REsp 1.582.178-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 11/09/2018 (Info 633).

O fato de a companheira ter adquirido outro imóvel residencial com o dinheiro recebido pelo seguro de vida do de cujus não tem o condão de excluí-la do direito real de habitação referente ao imóvel em que residia com seu companheiro ao tempo da abertura da sucessão, uma vez que, segundo o art. 794 do CC, no seguro de vida, para o caso de morte, o capital estipulado não está sujeito às dívidas do segurado, nem se considera herança para todos os efeitos de direito.

Dessa forma, se o dinheiro do seguro não se insere no patrimônio do de cujus, não há falar em restrição ao direito real de habitação, porquanto o imóvel adquirido pela companheira sobrevivente não faz parte dos bens a inventariar.

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Se o cônjuge sobrevivente casar novamente ou constituir uma união estável, ele perderá o direito real de habitação?

A

Se o cônjuge sobrevivente casar novamente ou constituir uma união estável, ele perderá o direito real de habitação? Ex: João era casado com Maria. Faleceu, deixando quatro filhos e, como herança, um único apartamento, que estava em seu nome e onde morava com a esposa. Diante desse cenário, Maria passou a ter direito real de habitação sobre o imóvel. Suponhamos que 10 anos após a morte de João, Maria passou a viver em união estável com Pedro. Ela perderá o direito real de habitação sobre o imóvel?

  • Se a morte do autor da herança ocorreu na vigência do CC/1916: SIM. A constituição de união estável superveniente à abertura da sucessão, ocorrida na vigência do Código Civil de 1916, afasta o estado de viuvez previsto como condição resolutiva do direito real de habitação do cônjuge supérstite.
  • Se a morte do autor da herança ocorreu na vigência do CC/2002: NÃO (posição majoritária da doutrina).

O Código Civil de 1916 previa que o direito real de habitação seria extinto caso o cônjuge sobrevivente deixasse de ser viúvo, ou seja, caso se casasse ou iniciasse uma união estável (art. 1.611, § 2º). Como o CC-2002 não repetiu essa regra, entende-se que houve um silêncio eloquente e que não mais existe causa de extinção do direito real de habitação em caso de novo casamento ou união estável. STJ. 3ª Turma. REsp 1.617.636-DF, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 27/08/2019 (Info 655).

Art. 2.041. As disposições deste Código relativas à ordem da vocação hereditária ( arts. 1.829 a 1.844 ) não se aplicam à sucessão aberta antes de sua vigência, prevalecendo o disposto na lei anterior (Lei n o 3.071, de 1 o de janeiro de 1916) .

Art. 1.831. Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar.

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A
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Q
A
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Q

No caso de o cônjuge residir em imóvel de copropriedade do cônjuge falecido com os irmãos, tem ele direito real de habitação sobre esse bem?

A

CIVIL. DIREITO REAL DE HABITAÇÃO. INOPONIBILIDADE A TERCEIROS COPROPRIETÁRIOS DO IMÓVEL. CONDOMÍNIO PREEXISTENTE À ABERTURA DA SUCESSÃO. ART. ANALISADO: 1.611, § 2º, do CC/16.
1. Ação reivindicatória distribuída em 07/02/2008, da qual foi extraído o presente recurso especial, concluso ao Gabinete em 19/03/2010.
2. Discute-se a oponibilidade do direito real de habitação da viúva aos coproprietários do imóvel em que ela residia com o falecido.
3. A intromissão do Estado-legislador na liberdade das pessoas disporem dos respectivos bens só se justifica pela igualmente relevante proteção constitucional outorgada à família (art. 203, I, da CF/88), que permite, em exercício de ponderação de valores, a mitigação dos poderes inerentes à propriedade do patrimônio herdado, para assegurar a máxima efetividade do interesse prevalente, a saber, o direito à moradia do cônjuge supérstite.
4. No particular, toda a matriz sociológica e constitucional que justifica a concessão do direito real de habitação ao cônjuge supérstite deixa de ter razoabilidade, em especial porque o condomínio formado pelos irmãos do falecido preexiste à abertura da sucessão, pois a copropriedade foi adquirida muito antes do óbito do marido da recorrida, e não em decorrência deste evento.
5. Recurso especial conhecido e provido.
(REsp 1184492/SE, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 01/04/2014, DJe 07/04/2014)

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Q

No que toca ao testemento particular, se ele não for assinado por três testemunhas, como exige o CC, mas apenas por duas, poderá ainda assim ser reputado válido?

A

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. PROCEDIMENTO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA DE CONFIRMAÇÃO DE TESTAMENTO. FLEXIBILIZAÇÃO DAS FORMALIDADES EXIGIDAS EM TESTAMENTO PARTICULAR. POSSIBILIDADE. CRITÉRIOS. VÍCIOS MENOS GRAVES, PURAMENTE FORMAIS E QUE NÃO ATINGEM A SUBSTÂNCIA DO ATO DE DISPOSIÇÃO. LEITURA DO TESTAMENTO NA PRESENÇA DE TESTEMUNHAS EM NÚMERO INFERIOR AO MÍNIMO LEGAL. INEXISTÊNCIA DE VÍCIO GRAVE APTO A INVALIDAR O TESTAMENTO. AUSÊNCIA, ADEMAIS, DE DÚVIDAS ACERCA DA CAPACIDADE CIVIL DO TESTADOR OU DE SUA VONTADE DE DISPOR.
FLEXIBILIZAÇÃO ADMISSÍVEL. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. AUSÊNCIA DE COTEJO ANALÍTICO.
1- Ação distribuída em 22/04/2014. Recurso especial interposto em 08/07/2015 e atribuídos à Relatora em 15/09/2016.
2- O propósito recursal é definir se o vício formal consubstanciado na leitura do testamento particular apenas a duas testemunhas é suficiente para invalidá-lo diante da regra legal que determina que a leitura ocorra, ao menos, na presença de três testemunhas.
3- A jurisprudência desta Corte se consolidou no sentido de que, para preservar a vontade do testador, são admissíveis determinadas flexibilizações nas formalidades legais exigidas para a validade do testamento particular, a depender da gravidade do vício de que padece o ato de disposição. Precedentes.
4- São suscetíveis de superação os vícios de menor gravidade, que podem ser denominados de puramente formais e que se relacionam essencialmente com aspectos externos do testamento particular, ao passo que vícios de maior gravidade, que podem ser chamados de formais-materiais porque transcendem a forma do ato e contaminam o seu próprio conteúdo, acarretam a invalidade do testamento lavrado sem a observância das formalidades que servem para conferir exatidão à vontade do testador.
5- Na hipótese, o vício que impediu a confirmação do testamento consiste apenas no fato de que a declaração de vontade da testadora não foi realizada na presença de três, mas, sim, de somente duas testemunhas, espécie de vício puramente formal incapaz de, por si só, invalidar o testamento, especialmente quando inexistentes dúvidas ou questionamentos relacionados à capacidade civil do testador, nem tampouco sobre a sua real vontade de dispor dos seus bens na forma constante no documento.
6- A ausência de cotejo analítico entre o acórdão recorrido e os julgados colacionados como paradigma impede o conhecimento do recurso especial interposto pela divergência jurisprudencial.
7- Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido.
(REsp 1583314/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 21/08/2018, DJe 23/08/2018)

Outro caso:

RECURSO ESPECIAL. TESTAMENTO PARTICULAR. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. ARTIGOS 458 E 535 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. ATO JURÍDICO PERFEITO. OFENSA NÃO CONFIGURADA. ASSINATURA DO TESTADOR.
REQUISITO ESSENCIAL DE VALIDADE. ABRANDAMENTO. IMPOSSIBILIDADE.
1. Cuida-se de procedimento especial de jurisdição voluntária consubstanciado em pedido de abertura e registro de testamento particular.
2. Cinge-se a controvérsia a determinar se pode subsistir o testamento particular formalizado sem todos os requisitos exigidos pela legislação de regência, no caso, a assinatura do testador e a leitura perante as testemunhas.
3. A jurisprudência desta Corte tem flexibilizado as formalidades prescritas em lei no tocante às testemunhas do testamento particular quando o documento tiver sido escrito e assinado pelo testador e as demais circunstâncias do autos indicarem que o ato reflete a vontade do testador.
4. No caso dos autos, o testamento é apócrifo, não sendo, portanto, possível concluir, de modo seguro, que o testamento redigido de próprio punho exprime a real vontade do testador.
5. Recurso especial provido.
(REsp 1444867/DF, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/09/2014, DJe 31/10/2014)

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Q

Mesmo que exista testamento, é possível a realização do inventário e partilha por escritura pública?

A

RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSO CIVIL. SUCESSÕES. EXISTÊNCIA DE TESTAMENTO. INVENTÁRIO EXTRAJUDICIAL. POSSIBILIDADE, DESDE QUE OS INTERESSADOS SEJAM MAIORES, CAPAZES E CONCORDES, DEVIDAMENTE ACOMPANHADOS DE SEUS ADVOGADOS. ENTENDIMENTO DOS ENUNCIADOS 600 DA VII JORNADA DE DIREITO CIVIL DO CJF; 77 DA I JORNADA SOBRE PREVENÇÃO E SOLUÇÃO EXTRAJUDICIAL DE LITÍGIOS; 51 DA I JORNADA DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL DO CJF; E 16 DO IBDFAM.
1. Segundo o art. 610 do CPC/2015 (art. 982 do CPC/73), em havendo testamento ou interessado incapaz, proceder-se-á ao inventário judicial. Em exceção ao caput, o § 1° estabelece, sem restrição, que, se todos os interessados forem capazes e concordes, o inventário e a partilha poderão ser feitos por escritura pública, a qual constituirá documento hábil para qualquer ato de registro, bem como para levantamento de importância depositada em instituições financeiras.
2. O Código Civil, por sua vez, autoriza expressamente, independentemente da existência de testamento, que, “se os herdeiros forem capazes, poderão fazer partilha amigável, por escritura pública, termo nos autos do inventário, ou escrito particular, homologado pelo juiz” (art. 2.015). Por outro lado, determina que “será sempre judicial a partilha, se os herdeiros divergirem, assim como se algum deles for incapaz” (art. 2.016) - bastará, nesses casos, a homologação judicial posterior do acordado, nos termos do art. 659 do CPC.
3. Assim, de uma leitura sistemática do caput e do § 1° do art. 610 do CPC/2015, c/c os arts. 2.015 e 2.016 do CC/2002, mostra-se possível o inventário extrajudicial, ainda que exista testamento, se os interessados forem capazes e concordes e estiverem assistidos por advogado, desde que o testamento tenha sido previamente registrado judicialmente ou haja a expressa autorização do juízo competente.
4. A mens legis que autorizou o inventário extrajudicial foi justamente a de desafogar o Judiciário, afastando a via judicial de processos nos quais não se necessita da chancela judicial, assegurando solução mais célere e efetiva em relação ao interesse das partes. Deveras, o processo deve ser um meio, e não um entrave, para a realização do direito. Se a via judicial é prescindível, não há razoabilidade em proibir, na ausência de conflito de interesses, que herdeiros, maiores e capazes, socorram-se da via administrativa para dar efetividade a um testamento já tido como válido pela Justiça.
5. Na hipótese, quanto à parte disponível da herança, verifica-se que todos os herdeiros são maiores, com interesses harmoniosos e concordes, devidamente representados por advogado. Ademais, não há maiores complexidades decorrentes do testamento. Tanto a Fazenda estadual como o Ministério Público atuante junto ao Tribunal local concordaram com a medida. Somado a isso, o testamento público, outorgado em 2/3/2010 e lavrado no 18° Ofício de Notas da Comarca da Capital, foi devidamente aberto, processado e concluído perante a 2ª Vara de Órfãos e Sucessões.
6. Recurso especial provido.
(REsp 1808767/RJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 15/10/2019, DJe 03/12/2019)