Jurisprudência Flashcards
É possível a exclusão dos sobrenomes paternos em razão do abandono do genitor?
SIM.
Imagine que determinado indivíduo foi abandonado pelo pai quando era ainda criança, tendo sido criado apenas pela mãe. Quando completou 18 anos, esse rapaz decidiu que desejava que fosse excluído o nome de seu pai de seu assento de nascimento e que o patronímico de seu pai fosse retirado de seu nome, incluindo-se o outro sobrenome da mãe.
O STJ decidiu que esse pedido pode ser deferido e que pode ser excluído completamente do nome civil do interessado os sobrenomes de seu pai, que o abandonou em tenra idade.
A jurisprudência tem adotado posicionamento mais flexível acerca da imutabilidade ou definitividade do nome civil.
O princípio da imutabilidade do nome não é absoluto no sistema jurídico brasileiro. Além disso, a referida flexibilização se justifica pelo próprio papel que o nome desempenha na formação e consolidação da personalidade de uma pessoa.
Desse modo, o direito da pessoa de portar um nome que não lhe remeta às angústias decorrentes do abandono paterno e, especialmente, corresponda à sua realidade familiar, sobrepõe-se ao interesse público de imutabilidade do nome, já excepcionado pela própria Lei de Registros Públicos.
Sendo assim, nos moldes preconizados pelo STJ, considerando que o nome é elemento da personalidade, identificador e individualizador da pessoa na sociedade e no âmbito familiar, conclui-se que o abandono pelo genitor caracteriza o justo motivo de o interessado requerer a alteração de seu nome civil, com a respectiva exclusão completa dos sobrenomes paternos. STJ. 3ª Turma. REsp 1.304.718-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 18/12/2014 (Info 555).
NATUREZA JURÍDICA (TEORIAS SOBRE O NOME) Existem quatro principais teorias que explicam a natureza jurídica do nome:
a) Teoria da propriedade: segundo esta concepção, o nome integra o patrimônio da pessoa. Essa teoria é aplicada no caso dos nomes empresariais. No que tange à pessoa natural, o nome é mais do que o mero aspecto patrimonial, consistindo, na verdade, em direito da personalidade.
b) Teoria negativista: afirma que o nome não é um direito, mas apenas uma forma de designação das pessoas. A doutrina relata que era a posição adotada por Clóvis Beviláqua.
c) Teoria do estado: sustenta que o nome é um elemento do estado da pessoa natural.
d) Teoria do direito da personalidade: o nome é um direito da personalidade. É a teoria adotada pelo CC (art. 16): “toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome”.
PRINCÍPIO DA IMUTABILIDADE RELATIVA DO NOME
Em regra, o nome é imutável. É o chamado princípio da imutabilidade relativa do nome civil.
A regra da inalterabilidade relativa do nome civil preconiza que o nome (prenome e sobrenome), estabelecido por ocasião do nascimento, reveste-se de definitividade, admitindo-se sua modificação, excepcionalmente, nas hipóteses expressamente previstas em lei ou reconhecidas como excepcionais por decisão judicial (art. 57, Lei 6.015/75), exigindo-se, para tanto, justo motivo e ausência de prejuízo a terceiros (REsp 1138103/PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 06/09/2011).
Veja abaixo as exceções em que a alteração do nome é permitida:
1) NO PRIMEIRO ANO APÓS ATINGIR A MAIORIDADE CIVIL
Prevista no art. 56 da Lei de Registros Públicos (Lei n. 6.015/73): Art. 56. O interessado, no primeiro ano após ter atingido a maioridade civil, poderá, pessoalmente ou por procurador bastante, alterar o nome, desde que não prejudique os apelidos de família, averbando-se a alteração que será publicada pela imprensa.
2) Retificação de erros que não exijam qualquer indagação para sua constatação imediata
Prevista no art. 110 da LRP: Art. 110. Os erros que não exijam qualquer indagação para a constatação imediata de necessidade de sua correção poderão ser corrigidos de ofício pelo oficial de registro no próprio cartório onde se encontrar o assentamento, mediante petição assinada pelo interessado, representante legal ou procurador, independentemente de pagamento de selos e taxas, após manifestação conclusiva do Ministério Público.
3) Acréscimo ou substituição por apelidos públicos notórios
Prevista no art. 58 da LRP: Art. 58. O prenome será definitivo, admitindo-se, todavia, a sua substituição por apelidos públicos notórios.
Obs: deve ser feito por meio de ação judicial.
4) Averbação do nome abreviado, usado como firma comercial ou em atividade profissional
Prevista no § 1º do art. 57 da LRP: Art. 57 (…) § 1º Poderá, também, ser averbado, nos mesmos termos, o nome abreviado, usado como firma comercial registrada ou em qualquer atividade profissional.
5) Enteado pode adotar o sobrenome do padrasto
Previsto no § 8º do art. 57 da LRP: Art. 57 (…) § 8º O enteado ou a enteada, havendo motivo ponderável e na forma dos §§ 2º e 7º deste artigo, poderá requerer ao juiz competente que, no registro de nascimento, seja averbado o nome de família de seu padrasto ou de sua madrasta, desde que haja expressa concordância destes, sem prejuízo de seus apelidos de família.
6) Pessoas incluídas no programa de proteção a vítimas e testemunhas
Previsto no § 7º do art. 57 da LRP e no art. 9º da Lei n. 9.807/99: Art. 57 (…) § 7º Quando a alteração de nome for concedida em razão de fundada coação ou ameaça decorrente de colaboração com a apuração de crime, o juiz competente determinará que haja a averbação no registro de origem de menção da existência de sentença concessiva da alteração, sem a averbação do nome alterado, que somente poderá ser procedida mediante determinação posterior, que levará em consideração a cessação da coação ou ameaça que deu causa à alteração.
7) Por via judicial, com motivo declarado, por sentença, após oitiva do MP
Previsto no caput do art. 57 da LRP: Art. 57. A alteração posterior de nome, somente por exceção e motivadamente, após audiência do Ministério Público, será permitida por sentença do juiz a que estiver sujeito o registro, arquivando-se o mandado e publicando-se a alteração pela imprensa, ressalvada a hipótese do art. 110 desta Lei.
Observações:
Processo judicial de jurisdição voluntária;
Obrigatória a oitiva do MP;
Decidido pelo juiz por sentença;
Será competente o juiz a que estiver sujeito o registro;
Arquiva-se o mandado no Registro Civil de Pessoas Naturais;
Publica-se a alteração pela imprensa;
Exemplos de alteração do nome com base nesse art. 57:
Alterar o prenome caso exponha seu portador ao ridículo;
Retificar o patronímico constante do registro para obter a nacionalidade de outro país (o STJ já reconheceu o direito de suprimir incorreções na grafia do patronímico para que a pessoa pudesse obter a cidadania italiana. REsp 1138103/PR)
Alterar o nome em virtude de cirurgia de retificação de sexo.
NOVO CASO:
Pode ser deferido pedido formulado por filho que, no primeiro ano após atingir a maioridade, pretende excluir completamente de seu nome civil os sobrenomes de seu pai, que o abandonou em tenra idade. A mudança foi autorizada com base na interpretação conjugada dos arts. 56 e 57 da LRP.
O STJ tem adotado posicionamento mais flexível acerca da imutabilidade ou definitividade do nome civil.
O princípio da imutabilidade do nome não é absoluto no sistema jurídico brasileiro. Além disso, a referidaflexibilização se justifica “pelo próprio papel que o nome desempenha na formação e consolidação da personalidade de uma pessoa” (REsp 1.412.260-SP, Terceira Turma, DJe 22/5/2014).
Desse modo, o direito da pessoa de portar um nome que não lhe remeta às angústias decorrentes do abandono paterno e, especialmente, corresponda à sua realidade familiar, sobrepõe-se ao interesse público de imutabilidade do nome, já excepcionado pela própria Lei de Registros Públicos.
Sendo assim, nos moldes preconizados pelo STJ, considerando que o nome é elemento da personalidade, identificador e individualizador da pessoa na sociedade e no âmbito familiar, conclui-se que o abandono pelo genitor caracteriza o justo motivo de o interessado requerer a alteração de seu nome civil, com a respectiva exclusão completa dos sobrenomes paternos. STJ. 3ª Turma. REsp 1.304.718-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 18/12/2014 (Info 555).
Após o divórcio, o ex-cônjuge pode postular a supressão de seu nome de casado do registro de nascimento de seu filho, com a inclusão, no lugar, do nome de solteiro?
Se a genitora, ao se divorciar, volta a usar seu nome de solteira, é possível que o registro de nascimento dos filhos seja retificado para constar na filiação o nome atual da mãe.
É direito subjetivo da pessoa retificar seu patronímico no registro de nascimento de seus filhos após divórcio.
A averbação do patronímico no registro de nascimento do filho em decorrência do casamento atrai, à luz do princípio da simetria, a aplicação da mesma norma à hipótese inversa, qual seja, em decorrência do divórcio, um dos genitores deixa de utilizar o nome de casado (art. 3º, parágrafo único, da Lei nº 8.560/1992).
Em razão do princípio da segurança jurídica e da necessidade de preservação dos atos jurídicos até então praticados, o nome de casada não deve ser suprimido dos assentamentos, procedendo-se, tão somente, a averbação da alteração requerida após o divórcio. STJ. 3ª Turma. REsp 1.279.952-MG, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 3/2/2015 (Info 555).
Se duas pessoas vivem em união estável, é possível incluir o patronímico de um deles no nome do outro? Ex: Carlos Andrade vive em união estável com Juliana Barbosa. É permitido que Juliana acrescente o patronímico de seu companheiro e passe a se chamar “Juliana Barbosa Andrade”?
SIM, também é possível, conforme entendeu o STJ. Foi aplicado, por analogia, o art. 1.565, § 1º do CC, visto acima, que trata sobre o casamento. Como a união estável e o casamento são institutos semelhantes, é possível aplicar a regra de um para o outro, pois “onde impera a mesma razão, deve prevalecer a mesma decisão” (ubi eadem legis ratio ibi eadem dispositio). STJ. 4ª Turma. REsp 1.206.656–GO, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 16/10/2012.
Exigências para o acréscimo do patronímico do companheiro: Segundo decidiu o STJ, são feitas duas exigências para que a pessoa possa adotar o patronímico de seu companheiro:
a) Deverá existir prova documental da relação feita por instrumento público;
b) Deverá haver a anuência do companheiro cujo nome será adotado.
No divórcio é possível a um dos ex-cônjuges exigir a alteração do nome do outro, para retirar-lhe o seu sobrenome?
Regra: na separação e no divórcio o nome é mantido, salvo se a pessoa que acrescentou o sobrenome de seu cônjuge desejar retirá-lo.
Exceção: somente haverá a perda do sobrenome contra a vontade da pessoa que acrescentou se preenchidos os seguintes requisitos:
1) Houver pedido expresso do cônjuge que “forneceu” o sobrenome
; 2) A perda não pode causar prejuízo à identificação do cônjuge. Ex: Marta Suplicy;
3) A perda não pode causar prejuízo à identificação dos filhos;
4) Estar provada culpa grave por parte do cônjuge.
Se uma mulher é conhecida popularmente como “Tatiana”, mas seu verdadeiro nome é “Tatiane”, ela tem direito a alteração de seu registro civil?
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. PEDIDO DE ALTERAÇÃO DO PRENOME DE TATIANE PARA TATIANA. ARGUMENTO DE QUE A AUTORA É ASSIM RECONHECIDA NA SOCIEDADE, BEM COMO DE QUE HOUVE ERRO NA GRAFIA DO NOME PELO OFICIAL DO CARTÓRIO. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL, BEM COMO DE FUNDAMENTO RAZOÁVEL PARA SE AFASTAR O PRINCÍPIO DA IMUTABILIDADE DO PRENOME, PREVISTO NO ART. 58 DA LEI DE REGISTROS PÚBLICOS. MANUTENÇÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.
1. Nos termos do que proclama o art. 58 da Lei de Registros Públicos, a regra no ordenamento jurídico é a imutabilidade do prenome. Todavia, sendo o nome civil um direito da personalidade, por se tratar de elemento que designa o indivíduo e o identifica perante a sociedade, revela-se possível, nas hipóteses previstas em lei, bem como em determinados casos admitidos pela jurisprudência, a modificação do prenome.
2. Na hipótese, analisando-se a causa de pedir da ação de retificação de registro civil, não é possível verificar nenhuma circunstância excepcional apta a justificar a alteração do prenome da recorrente, porquanto não há que se falar em erro de grafia do nome, tampouco é possível reconhecer que o mesmo cause qualquer tipo de constrangimento à autora perante a sociedade.
3. A mera alegação de que a recorrente é conhecida “popularmente” como Tatiana, e não Tatiane, desacompanhada de outros elementos, não é suficiente para afastar o princípio da imutabilidade do prenome, sob pena de se transformar a exceção em regra.
4. Recurso especial desprovido.
(REsp 1728039/SC, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 12/06/2018, DJe 19/06/2018)
Transgênero pode alterar seu prenome e gênero mesmo sem a realização de cirurgia de transgenitalização e sem autorização judicial ? Qual a diferença entre transsexual e transgênero?
Os transgêneros, que assim o desejarem, independentemente da cirurgia de transgenitalização, ou da realização de tratamentos hormonais ou patologizantes, possuem o direito à alteração do prenome e do gênero (sexo) diretamente no registro civil. STF. Plenário. ADI 4275/DF, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o acórdão Min. Edson Fachin, julgado em 28/2 e 1º/3/2018 (Info 892).
Transgênero
Transgênero é o indivíduo que possui características físicas sexuais distintas das características psíquicas.
É uma pessoa que não se identifica com o seu gênero biológico.
A pessoa sente que ela nasceu no corpo errado. Ex: o menino nasceu fisicamente como menino, mas ele se sente como uma menina.
Assim, o transgênero tem um sexo biológico, mas se sente como se fosse do sexo oposto e espera ser reconhecido e aceito como tal.
Transexual
Da mesma forma, o transexual também possui características físicas sexuais distintas das características psíquicas. Ele também não se identifica com o seu gênero biológico.
Não existe ainda uma uniformidade científica, no entanto, segundo a posição majoritária, a diferença entre o transgênero e o transexual é a seguinte:
Resumindo:
- transgênero: quer poder se expressar e ser reconhecido como sendo do sexo oposto, mas não tem necessidade de modificar sua anatomia.
- transexual: quer poder se expressar e ser reconhecido como sendo do sexo oposto e deseja modificar sua anatomia (seu corpo) por meio da terapia hormonal e/ou da cirurgia de redesignação sexual (transgenitalização).
Identidade de gênero
Significa a maneira como alguém se sente e a maneira como deseja ser reconhecida pelas demais pessoas, independentemente do seu sexo biológico.
“A identidade de gênero se refere à experiência de uma pessoa com o seu próprio gênero. Pessoas transgênero possuem uma identidade de gênero que é diferente do sexo que lhes foi designado no momento de seu nascimento.
Uma pessoa transgênero ou trans pode identificar-se como homem, mulher, trans-homem, trans-mulher, como pessoa não-binária ou com outros termos, tais como hijra, terceiro gênero, dois-espíritos, travesti, fa’afafine, gênero queer, transpinoy, muxe, waria e meti. Identidade de gênero é diferente de orientação sexual. Pessoas trans podem ter qualquer orientação sexual, incluindo heterossexual, homossexual, bissexual e assexual.” (Nota Informativa das Nações Unidas. Disponível em https://unfe.org/system/unfe91-Portugese_TransFact_FINAL.pdf?platform=hootsuite)
A questão jurídica enfrentada, portanto, pelo STJ foi a seguinte: é possível que o transgênero altere seu nome e o gênero no assento de registro civil mesmo que não faça a cirurgia de transgenitalização?
SIM. Inicialmente o STJ decidiu que:
O direito dos transexuais à retificação do prenome e do sexo/gênero no registro civil não é condicionado à exigência de realização da cirurgia de transgenitalização. STJ. 4ª Turma. REsp 1.626.739-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 9/5/2017 (Info 608).
Agora, o STF avançou sobre o tema e, de forma mais ampla, utilizou a expressão transgênero, afirmando que:
Os transgêneros, que assim o desejarem, independentemente da cirurgia de transgenitalização, ou da realização de tratamentos hormonais ou patologizantes, possuem o direito à alteração do prenome e do gênero (sexo) diretamente no registro civil. STF. Plenário. ADI 4275/DF, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o acórdão Min. Edson Fachin, julgado em 28/2 e 1º/3/2018 (Info 892).
Premissas da decisão do STF:
1) O direito à igualdade sem discriminações abrange a identidade ou a expressão de gênero. O respeito à identidade de gênero é uma decorrência do princípio da igualdade.
2) A identidade de gênero é uma manifestação da própria personalidade da pessoa humana. Logo, cabe ao Estado apenas o papel de reconhecê-la, nunca de constituí-la. Isso significa que o Estado não diz o gênero da pessoa, ele deve apenas reconhecer o gênero que a pessoa se enxerga.
3) A pessoa não deve provar o que é, e o Estado não deve condicionar a expressão da identidade a qualquer tipo de modelo, ainda que meramente procedimental. Assim, se cabe ao Estado apenas o reconhecimento dessa identidade, ele não pode exigir ou condicionar a livre expressão da personalidade a um procedimento médico ou laudo psicológico. A alteração dos assentos no registro público depende apenas da livre manifestação de vontade da pessoa que visa expressar sua identidade de gênero.
Fundamentos jurídicos:
Constituição Federal • direito à dignidade (art. 1º, III, da CF); • direito à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem (art. 5º, X, da CF).
Pacto de São José da Costa Rica • direito ao nome (artigo 18); • direito ao reconhecimento da personalidade jurídica (artigo 3); • direito à liberdade pessoal (artigo 7.1 do Pacto); • o direito à honra e à dignidade (artigo 11.2 do Pacto)
Opinião Consultiva 24/17 da Corte Interamericana de Direitos Humanos, sobre “Identidade de Gênero e Igualdade e Não Discriminação a Casais dos Mesmo Sexo”, publicada em 24.11.2017, na qual se definiram as obrigações estatais em relação à mudança de nome, à identidade de gênero e os direitos derivadas de um vínculo entre casais do mesmo sexo. Veja trecho da Opinião Consultiva:
“(…) a Corte Interamericana deixa estabelecido que a orientação sexual e a identidade de gênero, assim como a expressão de gênero, são categorias protegidas pela Convenção.
Por isso está proibida pela Convenção qualquer norma, ato ou prática discriminatória baseada na orientação sexual, identidade de gênero ou expressão de gênero da pessoa. Em consequência, nenhuma norma, decisão ou prática do direito interno, seja por parte das autoridades estatais ou por particulares, podem diminuir ou restringir, de modo algum, os direitos de uma pessoa à sua orientação sexual, sua identidade de gênero e/ ou sua expressão de gênero”. (par. 78).
“O reconhecimento da identidade de gênero pelo Estado é de vital importância para garantir o gozo pleno dos direitos humanos das pessoas trans, incluindo a proteção contra a violência, a tortura e maus tratos, o direito à saúde, à educação, ao emprego, à vivência, ao acesso a seguridade social, assim como o direito à liberdade de expressão e de associação.”
Interpretação conforme a Constituição e o Pacto de São José da Costa Rica
O art. 58 da Lei nº 6.015/73 (Lei dos Registros Públicos) prevê:
Art. 58. O prenome será definitivo, admitindo-se, todavia, a sua substituição por apelidos públicos notórios.
O STF, contudo, afirmou que se deve fazer uma nova interpretação desse art. 58 à luz da Constituição Federal e do Pacto de São José da Costa Rica.
Exigir cirurgia ou outros procedimentos é contrário à dignidade da pessoa humana
O Estado deve abster-se de interferir em condutas que não prejudicam a terceiros e, ao mesmo tempo, buscar viabilizar as concepções e os planos de vida dos indivíduos, preservando a neutralidade estatal.
Mostra-se contrário aos princípios da dignidade da pessoa humana, da integridade física e da autonomia da vontade condicionar o exercício do legítimo direito à identidade à realização de um procedimento cirúrgico ou de qualquer outro meio de se atestar a identidade de uma pessoa.
Inadmitir a alteração do gênero no assento de registro civil é atitude absolutamente violadora de sua dignidade e de sua liberdade de ser, na medida em que não reconhece sua identidade sexual, negandolhe o pleno exercício de sua afirmação pública.
Vimos acima que o transgênero não precisa fazer cirurgia para requerer a alteração do prenome e do sexo. Ok. Uma última pergunta, apenas para não ficar dúvidas: a pessoa transgênera precisa de autorização judicial para essa alteração?
NÃO. O STF entendeu que exigir do transgênero a via jurisdicional para realizar essa alteração representaria limitante incompatível com a proteção que se deve dar à identidade de gênero. O pedido de retificação é baseado unicamente no consentimento livre e informado do solicitante, sem a necessidade de comprovar nada.
O uso, por sociedade empresária, de imagem de pessoa física fotografada isoladamente em local público, em meio a cenário destacada, configura dano moral, mesmo que não tenha havido nenhuma conotação ofensiva ou vexaminosa na publicação?
Configura dano moral a divulgação não autorizada de foto de pessoa física em campanha publicitária promovida por sociedade empresária com o fim de, mediante incentivo à manutenção da limpeza urbana, incrementar a sua imagem empresarial perante a população, ainda que a fotografia tenha sido capturada em local público e sem nenhuma conotação ofensiva ou vexaminosa. STJ. 4ª Turma. REsp 1.307.366-RJ, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 3/6/2014 (Info 546).
Assim, é cabível compensação por dano moral decorrente da simples utilização de imagem de pessoa física, em campanha publicitária, sem autorização do fotografado.
Aplica-se aqui o raciocínio da Súmula 403 do STJ: Independe de prova do prejuízo a indenização pela publicação não autorizada de imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais.
Quais são as condições para que se transacione sobre os direito da personalidade?
O exercício dos direitos da personalidade pode ser objeto de disposição voluntária, desde que não permanente nem geral, estando condicionado à prévia autorização do titular e devendo sua utilização estar de acordo com o contrato estabelecido entre as partes. STJ. 3ª Turma. REsp 1.630.851-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 27/4/2017 (Info 606).
O uso indevido de voz de locutora profissional em gravação de saudação telefônica, que não se enquadre como direito conexo ao de autor, não encontra proteção na Lei de Direitos Autorais. Isso porque a Lei nº 9.610/98 protege apenas os intérpretes ou executantes: de obras literárias ou artísticas; ou de expressões do folclore. A simples locução de uma saudação telefônica não se enquadra nessas situações que merecem proteção da Lei nº 9.610/98. STJ. 3ª Turma. REsp 1.630.851-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 27/4/2017 (Info 606).
Vale ressaltar que a voz, mesmo quando não se enquadra como direito conexo ao de autor, ainda assim goza de proteção legal por ser considerada como um “direito da personalidade”, garantido pela Constituição Federal e pelo Código Civil.
A voz humana encontra proteção nos direitos da personalidade, seja como direito autônomo ou como parte integrante do direito à imagem ou do direito à identidade pessoal.
Sendo a voz um direito de personalidade, ela poderia ter sido comercializada e utilizada para fins comerciais?
Claro que sim.
O simples fato de se tratar de direito da personalidade não afasta a possibilidade de exploração econômica da voz.
O exercício dos direitos da personalidade, a despeito da redação literal do art. 11 do Código Civil, são passíveis de limitação voluntária, desde que limitada.
Esse é o teor do Enunciado 4 da I Jornada de Direito Civil, em que se afirma: “O exercício dos direitos da personalidade pode sofrer limitação voluntária, desde que não seja permanente nem geral”.
Perfeitamente possível e válido, portanto, o negócio jurídico que tenha por objeto a gravação de voz, devendo-se averiguar apenas se foi ela gravada com autorização do seu titular e se sua utilização ocorreu dentro dos limites contratuais.
A dissolução irregular da empresa autoriza a desconsideração da personalidade jurídica?
O encerramento das atividades ou dissolução da sociedade, ainda que irregulares, não é causa, por si só, para a desconsideração da personalidade jurídica prevista no Código Civil. STJ. 2ª Seção. EREsp 1.306.553-SC, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 10/12/2014 (Info 554).
Essa é a posição também da doutrina majoritária, conforme restou consignado no Enunciado da IV Jornada de Direito Civil do CJF: 282 – Art. 50: O encerramento irregular das atividades da pessoa jurídica, por si só, não basta para caracterizar abuso da personalidade jurídica.
Obs: não se quer dizer com isso que o encerramento da sociedade jamais será causa de desconsideração de sua personalidade, mas que somente o será quando sua dissolução ou inatividade irregulares tenham o fim de fraudar a lei, com o desvirtuamento da finalidade institucional ou confusão patrimonial (Min. Maria Isabel Gallotti).
Em outras palavras, o encerramento irregular pode ser um indício de que houve abuso da personalidade (desvio de finalidade ou confusão patrimonial), mas serão necessárias outras provas para que se cumpra o que exige o art. 50 do CC.
Mas e a Súmula 435 do STJ?
O raciocínio do enunciado 435 do STJ não pode ser aplicado para as relações de Direito Civil por duas razões:
1) O Código Civil traz regras específicas sobre o tema, diferentes das normas do CTN, que inspiraram a edição da súmula. Como vimos acima, cada diploma legislativo, cada microssistema jurídico trouxe suas regras próprias para a desconsideração, devendo isso ser considerado pelo intérprete. Isso foi registrado pela doutrina na I Jornada de Direito Civil:
51 – Art. 50: A teoria da desconsideração da personalidade jurídica – disregard doctrine – fica positivada no novo Código Civil, mantidos os parâmetros existentes nos microssistemas legais e na construção jurídica sobre o tema.
2) A Súmula 435 do STJ não trata sobre desconsideração da personalidade, mas sim sobre redirecionamento da execução fiscal à luz de regras próprias do CTN, não sendo possível que as normas de um instituto sejam aplicadas indistintamente ao outro.
RESUMO:
O encerramento irregular das atividades da empresa devedora autoriza, por si só, que se busque os bens dos sócios para pagar a dívida?
Código Civil: NÃO
CDC: SIM
Lei Ambiental: SIM
CTN: SIM
O incidente de desconsideração de personalidade jurídica pode ser instaurado mesmo que não se demonstre a inexistência de bens da sociedade devedora?
Nas causas em que a relação for jurídica cível-empresarial, a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica será regulada pelo art. 50 do Código Civil.
A inexistência ou não localização de bens da pessoa jurídica não é condição para a desconsideração da personalidade jurídica. O que se exige é a demonstração da prática de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial (art. 50 do CC).
Assim, o incidente de desconsideração da personalidade jurídica pode ser instaurado mesmo nos casos em que não for comprovada a inexistência de bens do devedor.
Se, em uma execução movida contra sociedade empresarial, o juiz determinar a desconsideração da personalidade jurídica e a penhora de bens dos sócios, poderá a sociedade recorrer dessa decisão?
Em uma execução proposta pelo credor contra a empresa devedora, se o juiz determinar a desconsideração da personalidade jurídica e a penhora dos bens dos sócios, a pessoa jurídica tem legitimidade para recorrer contra essa decisão, desde que o recurso seja interposto com o objetivo de defender a sua autonomia patrimonial, isto é, a proteção da sua personalidade. No recurso, a pessoa jurídica não pode se imiscuir indevidamente na esfera de direitos dos sócios ou administradores incluídos no polo passivo por força da desconsideração. STJ. 3ª Turma. REsp 1.421.464-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 24/4/2014 (Info 544)
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. PESSOA JURÍDICA.
DESCONSIDERAÇÃO. PEDIDO DEFERIDO. IMPUGNAÇÃO. LEGITIMIDADE RECURSAL.
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NÃO PROVIDOS.
1. Trata-se de embargos de divergência interpostos contra acórdão que decide legitimidade da pessoa jurídica para interpor recurso de pronunciamento judicial que desconsidera a personalidade jurídica.
2. No caso, entendeu-se que, diante do rol de legitimados à interposição de recursos (arts. 499 do Código de Processo Civil de 1973 e 996 do Código de Processo Civil de 2015), do qual emerge a noção de sucumbência fundada no binômio necessidade/utilidade, a pessoa jurídica detém a mencionada legitimidade quando tiver potencial bastante para atingir o patrimônio moral da sociedade.
Fundamenta-se tal entendimento no fato de que à pessoa jurídica interessa a preservação de sua boa fama, assim como a punição de condutas ilícitas que venham a deslustrá-la.
3. Os fundamentos trazidos no acórdão recorrido estão mais condizentes com a própria noção de distinção de personalidades no ordenamento jurídico pátrio. A pessoa jurídica, como ente com personalidade distinta dos sócios que a compõem, também possui direitos a serem preservados, dentre eles o patrimônio moral, a honra objetiva, o bom nome. De fato, o argumento da falta de interesse na reforma da decisão, tendo em vista o fato de que apenas os sócios seriam prejudicados com a resolução (já que é sobre os seus bens particulares que recairia a responsabilidade pelas obrigações societárias), mostra-se frágil.
4. “O interesse na desconsideração ou, como na espécie, na manutenção do véu protetor, pode partir da própria pessoa jurídica, desde que, à luz dos requisitos autorizadores da medida excepcional, esta seja capaz de demonstrar a pertinência de seu intuito, o qual deve sempre estar relacionado à afirmação de sua autonomia, vale dizer, à proteção de sua personalidade. Assim, é possível, pelo menos em tese, que a pessoa jurídica se valha dos meios próprios de impugnação existentes para defender sua autonomia e regular administração, desde que o faça sem se imiscuir indevidamente na esfera de direitos dos sócios/administradores incluídos no polo passivo por força da desconsideração” (REsp 1.421.464/SP, Rel.
Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 24/4/2014, DJe 12/5/2014) 5. Embargos de divergência conhecidos, aos quais se nega provimento.
(EREsp 1208852/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES, CORTE ESPECIAL, julgado em 04/05/2016, DJe 20/05/2016)
Aplica-se às associações o disposto no ar.t 1.023 do Código Civil?
Art. 1.023. Se os bens da sociedade não lhe cobrirem as dívidas, respondem os sócios pelo saldo, na proporção em que participem das perdas sociais, salvo cláusula de responsabilidade solidária.
O Código Civil, ao tratar sobre a responsabilidade das sociedades simples, estabelece o seguinte:
Art. 1.023. Se os bens da sociedade não lhe cobrirem as dívidas, respondem os sócios pelo saldo, na proporção em que participem das perdas sociais, salvo cláusula de responsabilidade solidária.
Esse dispositivo NÃO se aplica às associações civis. As associações civis são caracterizadas pela união de pessoas que se organizam para a execução de atividades sem fins lucrativos.
Sociedades simples são formas de execução de atividade empresária, com finalidade lucrativa. STJ. 3ª Turma. REsp 1.398.438-SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 4/4/2017 (Info 602).
Art. 1.023 é próprio das sociedades, não podendo ser aplicado para as associações Pela análise topográfica do art. 1.023, ou seja, pela posição em que ele foi previsto no Código, já se percebe claramente que ele é voltado às sociedades, estando inserido no Título II, que trata das sociedades.
Além disso, ao se ler o artigo, verifica-se que ele fala apenas em “bens da sociedade” e em “sócios”. Logo, não se aplica às associações e aos associados.
O art. 1.023 prevê uma espécie de responsabilidade subsidiária dos sócios pelas dívidas da sociedade. Vale ressaltar que, para incidir o art. 1.023 não é necessária desconsideração da personalidade jurídica, conforme entende o STJ.
Quais são os requisitos para caracterização da fraude contra credores?
A ocorrêmcoa de fraude contra credores exige:
a) a anterioridade do crédito;
b) a comprovação de prejuízo ao credor (eventus damni);
c) que o ato jurídico praticado tenha levado o devedor à solvência; e
d) o conhecimento, pelo terceiro adquirente, do estado de insolvência do devedor (scientia fraudis).
OBS: Insta anotar que não obstante a lei prever expressamente a solução de anulabilidade do ato praticado em fraude contra credores, parte da doutrina e da jurisprudênca considera o ato como sendo meramente ineficaz (por todos, ver info 467 do STJ). De fato, essa parece ser a melhor solução, a ser adotada de lege ferenda, pois anulado o negócio jurídico o bem volta ao patrimônio do devedor. Tal situação pode criar injustiça, pois não necessariamente aquele credor que ingressou com a ação anulatória obterá a satisfação patrimonial.
Considere a seguinte situação: havia uma execução tramitando apenas contra a sociedade empresária; durante o curso deste processo, um dos sócios vendeu bem que estave em seu nome; algum tempo depois, o juiz determinou a desconsideração da personalidade jurídica e o redirecionamento da execução contra o sócio. Poderá, nesse caso, seu reconhecida a fraude à execução?
A fraude à execução só poderá ser reconhecida se o ato de disposição do bem for posterior à citação válida do sócio devedor, quando redirecionada a execução que fora originariamente proposta em face da pessoa jurídica.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.391.830-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 22/11/2016 (Info 594).
O entendimento acima exposto permanece válido com o CPC/2015?
Haverá polêmica, mas pela redação literal do novo CPC, não. Isso porque o CPC/2015 traz uma nova regra, que não havia no Código passado, afirmando que a fraude à execução tem como marco a data da citação da pessoa jurídica que é objeto da desconsideração: Art. 792 (…) § 3º Nos casos de desconsideração da personalidade jurídica, a fraude à execução verifica-se a partir da citação da parte cuja personalidade se pretende desconsiderar.
Outras questões:
O STJ, ainda na vigência do CPC/1973, apreciando o tema sob o regime do recurso repetitivo, definiu as seguintes teses:
1) Em regra, para que haja fraude à execução, é indispensável que tenha havido a citação válida do devedor.
2) Mesmo sem citação válida, haverá fraude à execução se, quando o devedor alienou ou onerou o bem, o credor já havia realizado a averbação da execução nos registros públicos. Presume-se em fraude de execução a alienação ou oneração de bens realizada após essa averbação.
3) Persiste válida a Súmula 375 do STJ, segundo a qual o reconhecimento da fraude de execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente.
4) A presunção de boa-fé é princípio geral de direito universalmente aceito, devendo ser respeitada a parêmia (ditado) milenar que diz o seguinte: “a boa-fé se presume, a má-fé se prova”.
5) Assim, não havendo registro da penhora na matrícula do imóvel, é do credor o ônus de provar que o terceiro adquirente tinha conhecimento de demanda capaz de levar o alienante à insolvência. STJ. Corte Especial. REsp 956.943-PR, Rel. originária Min. Nancy Andrighi, Rel. para acórdão Min. João Otávio de Noronha, julgado em 20/8/2014 (recurso repetitivo) (Info 552).
CASO (argumentos):
Segundo entendeu o Tribunal, para a configuração de fraude à execução, deve haver uma ação judicial contra o próprio devedor, demanda capaz de reduzi-lo à insolvência. Não basta que haja uma ação proposta contra a sociedade empresária da qual ele é sócio.
Somente com a superveniência da desconstituição da personalidade da pessoa jurídica é que o sócio da empresa (João) foi transformado em corresponsável pelo débito que era originalmente apenas da empresa.
Assim, ao tempo da alienação do imóvel, o sócio da empresa não era devedor e, nessa condição, tinha livre disposição sobre seus bens, sem que isso implique em fraude à atividade jurisdicional do Estado.
Desta feita, tem-se que a fraude à execução só poderá ser reconhecida se o ato de disposição do bem for posterior à citação válida do sócio devedor, quando redirecionada a execução que fora originariamente proposta em face da pessoa jurídica.
O entendimento acima exposto no REsp 1.391.830-SP permanece válido com o CPC/2015?
Penso que haverá polêmica. Isso porque o novo CPC traz uma nova regra, que não havia no Código passado, afirmando que a fraude à execução tem como marco a data da citação da pessoa jurídica que é objeto da desconsideração (tratando-se da desconsideração “tradicional”):
Art. 792 (…) § 3º Nos casos de desconsideração da personalidade jurídica, a fraude à execução verifica-se a partir da citação da parte cuja personalidade se pretende desconsiderar.
Desse modo, pela redação do CPC/2015, os efeitos da desconsideração deverão retroagir à data em que a pessoa jurídica foi citada. Neste caso, adotando-se a literalidade do dispositivo, o entendimento acima exposto teria que ser alterado agora.
Vale ressaltar, contudo, que esta regra ofende claramente a boa-fé dos terceiros adquirentes que não teriam, em tese, obrigação de saber que a pessoa que está alienando o bem é sócio de uma empresa, que a pessoa jurídica está sendo executada e que, no futuro, poderá ter a personalidade jurídica desconsiderada para atingir o patrimônio daquele sócio. Enfim, são conjecturas e cautelas muito grandes que se mostram irrazoáveis de serem impostas ao terceiro. Pela nova regra do art. 792, § 3º, o ato de comprar bens de um sócio de sociedade empresária passa a ser um negócio muito arriscado, ainda que contra ele (pessoa física) não haja nenhuma ação judicial em curso.
Importante lembrar que o STJ possui uma sólida tradição de proteger a boa-fé dos terceiros adquirentes, de forma que é necessário aguardar para sabermos como o Tribunal irá interpretar o dispositivo acima e se criará algum outro requisito para julgar ineficaz a alienação realizada. A doutrina majoritária critica esta previsão e fornece algumas interpretações para que o dispositivo não seja aplicado textualmente. Mas atenção! Em provas de concurso, a redação literal do art. 792, § 3º será exaustivamente cobrada nas provas, devendo ser assinalada como correta.
Qual é o prazo prescricional da pretensão do paciente de cobrar do plano de saúde os custos do procedimento médico cujo custeio foi indevidamente recusado por este?
R: 10 anos
Não há previsão específica de prazo prescricional para este caso.
Logo, aplica-se a regra geral de 10 anos prevista no art. 205 do CC.
A relação jurídica em tela é de natureza contratual. Logo, não se aplica o prazo de 3 anos previsto no art. 206, § 3o, V, do CC, pois este é destinado aos casos de responsabilidade extracontratual ou aquiliana:
Art. 206. Prescreve:
§ 3o Em três anos:
V - a pretensão de reparação civil;
De igual forma, não se aplica o prazo de 1 ano previsto no art. 206, § 1o, II, do CC, uma vez que, segundo o STJ, a causa de pedir no presente caso não decorre de contrato de seguro, mas sim da prestação de serviço de saúde, que deve receber tratamento próprio e não pode ser equiparado a um contrato de seguro.
Desse modo, não havendo previsão legal específica de prazo prescricional para demandas envolvendo prestação de serviços de saúde, deve-se aplicar a regra geral de prescrição prevista no art. 205 do CC:
Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor.
Qual é o prazo prescricional da pretensão de vítima de acidente de trânsito causado por concessionária de serviço de transporte público?
É de 5 anos o prazo prescricional para que a vítima de um acidente de trânsito proponha ação de indenização contra concessionária de serviço público de transporte coletivo (empresa de ônibus).
O fundamento legal para esse prazo está no art. 1º-C da Lei 9.494/97 e também no art. 14 c/c art. 27, do CDC. STJ. 3ª Turma. REsp 1.277.724-PR, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 26/5/2015 (Info 563).
Qual é o fundamento para esse prazo de 5 anos? Seria o Decreto 20.910/1932, que dispõe sobre a prescrição contra a Fazenda Pública?
NÃO. O fundamento legal para o prazo de 5 anos é o art. 1º-C da Lei n. 9.494/97, que se encontra em vigor e que é norma especial em relação ao art. 206, § 3º, V, do Código Civil. Veja o que diz o dispositivo:
Art. 1º-C. Prescreverá em cinco anos o direito de obter indenização dos danos causados por agentes de pessoas jurídicas de direito público e de pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos.
O STJ entendeu que não se aplicaria ao caso o Decreto 20.910/1932 porque a Lei n. 9.494/97 é mais específica para a situação já que envolvia concessionária de serviço público.
Outro fundamento que poderia ser invocado como reforço:
o CDC O pedestre que é atropelado por um ônibus de linha é considerado como consumidor por equiparação (bystander). Logo, há uma relação de consumo por força da regra de extensão do art. 17 do CDC:
Art. 17. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento.
Assim, pode-se aplicar também o regime da responsabilidade pelo fato do serviço do art. 14 do CDC, e, consequentemente, o prazo de prescrição seria também de 5 anos, conforme previsto no art. 27 do CDC:
Art. 27. Prescreve em 5 (cinco anos) a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço prevista na Seção II deste Capítulo, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria.
Qual é o prazo prescricional das pretensões de repetição de indébito relativo às tarifas de água e esgoto?
Súmula 412-STJ: A ação de repetição de indébito de tarifas de água e esgoto sujeita-se ao prazo prescricional estabelecido no Código Civil.
O prazo prescricional para as ações de repetição de indébito relativo às tarifas de serviços de água e esgoto cobradas indevidamente é de:
a) 20 (vinte) anos, na forma do art. 177 do Código Civil de 1916; ou
b) 10 (dez) anos, tal como previsto no art. 205 do Código Civil de 2002, observando-se a regra de direito intertemporal, estabelecida no art. 2.028 do Código Civil de 2002. STJ. 1ª Seção. REsp 1.532.514-SP, Rel. Min. Og Fernandes, Primeira Seção, julgado em 10/5/2017 (recurso repetitivo) (Info 603).
Discussão quanto à prescrição
A concessionária contestou a demanda argumentando que a pretensão de cobrança de boa parte dos valores pelo condomínio estaria prescrita. Isso porque, segundo a empresa, o prazo prescricional seria de 5 anos, com base no art. 1º do Decreto 20.910/1932, que trata sobre os prazos de ações propostas contra a Fazenda Pública. O condomínio, por sua vez, argumentava que deveriam ser aplicados os prazos previstos no Código Civil.
Qual das duas teses prevalece na jurisprudência: a da concessionária ou do condomínio? O prazo é o do Decreto 20.910/1932 ou do Código Civil?
Do Código Civil. O STJ editou uma súmula tratando sobre o tema:
Súmula 412-STJ: A ação de repetição de indébito de tarifas de água e esgoto sujeita-se ao prazo prescricional estabelecido no Código Civil.
O valor cobrado pelas concessionárias de água pela prestação do serviço possui natureza jurídica de tarifa (preço público). Dessa forma, o regime aplicável é o de direito privado, devendo, portanto, a prescrição ser regida pelo Código Civil e não por uma norma que é válida para as relações jurídicas da Fazenda Pública.
Mas, afinal de contas, qual é o prazo prescricional previsto no Código Civil de 2002?
Não existe um dispositivo específico no Código Civil tratando exatamente dessa situação. Em razão disso, aplica-se o prazo de 10 anos, conforme preconiza o art. 205 do CC:
Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor.
OBS : A ação de repetição de indébito por cobrança indevida de valores referentes a serviços não contratados de telefonia fixa tem prazo prescricional de 10 (dez) anos.
Autoriza-se a capitalização de juros em contratos não bancários?
A capitalização ANUAL de juros é permitida, seja para contrato bancários ou não bancários.
CIVIL E PROCESSUAL. RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. AÇÕES REVISIONAL E DE BUSCA E APREENSÃO CONVERTIDA EM DEPÓSITO. CONTRATO DE FINANCIAMENTO COM GARANTIA DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. JUROS COMPOSTOS. DECRETO 22.626/1933 MEDIDA PROVISÓRIA 2.170-36/2001. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. MORA. CARACTERIZAÇÃO.
1. A capitalização de juros vedada pelo Decreto 22.626/1933 (Lei de Usura) em intervalo inferior a um ano e permitida pela Medida Provisória 2.170-36/2001, desde que expressamente pactuada, tem por pressuposto a circunstância de os juros devidos e já vencidos serem, periodicamente, incorporados ao valor principal. Os juros não pagos são incorporados ao capital e sobre eles passam a incidir novos juros.
2. Por outro lado, há os conceitos abstratos, de matemática financeira, de “taxa de juros simples” e “taxa de juros compostos”, métodos usados na formação da taxa de juros contratada, prévios ao início do cumprimento do contrato. A mera circunstância de estar pactuada taxa efetiva e taxa nominal de juros não implica capitalização de juros, mas apenas processo de formação da taxa de juros pelo método composto, o que não é proibido pelo Decreto 22.626/1933.
3. Teses para os efeitos do art. 543-C do CPC: - “É permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano em contratos celebrados após 31.3.2000, data da publicação da Medida Provisória n. 1.963-17/2000 (em vigor como MP 2.170-36/2001), desde que expressamente pactuada.” - “A capitalização dos juros em periodicidade inferior à anual deve vir pactuada de forma expressa e clara. A previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada”.
4. Segundo o entendimento pacificado na 2ª Seção, a comissão de permanência não pode ser cumulada com quaisquer outros encargos remuneratórios ou moratórios.
5. É lícita a cobrança dos encargos da mora quando caracterizado o estado de inadimplência, que decorre da falta de demonstração da abusividade das cláusulas contratuais questionadas.
6. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, provido.
(REsp 973.827/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Rel. p/ Acórdão Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 08/08/2012, DJe 24/09/2012)
Avalie a seguinte situação: o réu foi condenado a pagar indenização acrescida de juros de mora até o efetivo adimplemento. Em outro processo, porém, relacionado a fatos conexos, teve ele todo seu patrimônio bloqueado. Nesse caso, poderá ele ser cobrado dos juros de mora no primeiro processo?
Réu foi condenado a pagar indenização acrescida de juros até o efetivo pagamento. O fato de o seu patrimônio ter sido bloqueado em outra ação judicial que trata sobre fatos conexos não significa que os juros de mora devem deixar de ser computados naquele primeiro processo
A mera notícia de decisão judicial determinando a indisponibilidade forçada dos bens do réu, no cerne de outro processo, com objeto e partes distintas, não possui o condão de interromper a incidência dos juros moratórios. STJ. 3ª Turma. REsp 1.740.260-RS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 26/06/2018 (Info 629).
Imagine a seguinte situação hipotética:
Dr. Marcelo era advogado de Maria em uma ação por ela proposta contra a empresa X.
Maria sagrou-se vencedora.
Marcelo, na condição de seu advogado, fez o levantamento do alvará judicial (sacou o valor que o juiz determinou que deveria ser pago a Maria), mas não lhe repassou todo o montante devido, apropriando-se de parte dos valores que ela teria direito.
Em outras palavras, o advogado ficou, indevidamente, com parte do dinheiro que era de Maria.
Diante disso, Maria constituiu outro advogado e, em março de 2017, ingressou com ação de cobrança contra Marcelo.
Ação civil pública
Vale ressaltar que Marcelo fez isso com centenas de outros clientes, tendo sido, inclusive, alvo de operação policial deflagrada para apurar o caso.
Em razão dos fatos, o Ministério Público ajuizou ação civil pública contra Marcelo a fim de que ele devolva todos os valores retidos ilegalmente de seus antigos clientes.
Em setembro de 2017, o juiz desta ACP, cautelarmente, determinou o bloqueio de todos os bens de Marcelo
Voltando ao processo da D. Maria
Em outubro de 2017, o juízo de primeiro grau responsável pela ação proposta por Maria julgou procedente a pretensão e condenou Marcelo a:
a) ressarcir integralmente os valores sacados, acrescidos de juros de mora e correção monetária;
b) pagar indenização de R$ 10 mil a título de danos morais, acrescidos de juros de mora e correção monetária.
Qual foi o termo inicial dos juros de mora neste caso? Os juros de mora deverão ser contados a partir de quando: da data em que Marcelo ficou indevidamente com os valores?
NÃO. O termo inicial dos juros, neste caso, é a data da citação. O termo inicial em caso de abuso de mandato é a data da citação:
Reconhecido o abuso de mandato por desacerto contratual, em razão de o advogado ter repassado valores a menor para seu mandatário, o marco inicial dos juros moratórios é a data da citação.
O termo inicial dos juros moratórios deve ser determinado a partir da natureza da relação jurídica mantida entre as partes.
No caso, tratando-se de mandato, a relação jurídica tem natureza contratual, sendo o termo inicial dos juros moratórios a data da citação (art. 405 do CC). STJ. 3ª Turma. REsp 1.403.005-MG, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 6/4/2017 (Info 602)
Qual foi o termo final dos juros de mora neste caso? Os juros de mora deverão ser contados a partir da citação. Mas quando eles irão terminar? Até quando são contados os juros de mora nesta situação?
O juiz determinou que os juros de mora deveriam incidir até o efetivo pagamento. Em outras palavras, o juiz da causa determinou que, enquanto Marcelo não pagasse a indenização, os juros de mora deveriam continuar incidindo.
[…]
No caso concreto, não houve o depósito integral para garantia do juízo espontaneamente realizado pelo réu. O que houve foi a mera notícia da indisponibilidade forçada de seus bens, que teria sido determinada em outra ação, com outro objeto e outras partes.
O aludido bloqueio patrimonial configura medida constritiva, de natureza preventiva, que não se confunde com a sistemática do depósito judicial em garantia e não caracteriza a satisfação voluntária da obrigação.
A constrição apenas impede que o réu promova atos tendentes a dilapidarseu patrimônio, causando ainda maiores prejuízos aos seus credores.
Além disso, o patrimônio bloqueado não guarda nenhuma relação direta com o crédito da autora, objeto da presente demanda, tampouco está à sua disposição para levantamento. Assim, esse dinheiro, bloqueado em outra ação, não está à disposição da autora.
Desse modo, inexiste fundamento jurídico plausível para a interrupção da mora antes do efetivo pagamento da indenização. A autora não pode ser prejudicada pelo fato de o réu ter praticado a mesma conduta ilícita com centenas de outras pessoas a ponto de gerar um bloqueio judicial de seu patrimônio no âmbito de outra demanda, da qual a vítima nem mesmo é parte. Se essa interrupção da mora fosse admitida, o réu estaria sendo beneficiado pela sua própria torpeza.
Vale ressaltar que não há nem mesmo certeza que o valor bloqueado na ACP será suficiente para indenizar todas as vítimas dos ilícitos praticados pelo réu.
Em caso de descontituição de contrato de mútuo feneratício celebrado com instituição financeira, tem o mutuário direito à repetição do indébito com os mesmo encargos do contrato?
Pessoa celebrou contrato de mútuo feneratício com instituição financeira. Por algum motivo (ex: nulidade, ato ilícito, abusividade etc.) o mutuário ingressou com ação judicial pedindo a resolução do contrato e a restituição das parcelas pagas.
Se esta ação for julgada procedente, o mutuário terá direito de receber os valores pagos acrescidos de juros remuneratórios no mesmo percentual que era previsto no contrato para ser cobrado pelo banco mutuante?
NÃO. O mutuário que celebrar contrato de mútuo feneratício com a instituição financeira mutuante, não tem direito de pedir repetição do indébito com os mesmos índices e taxas de encargos previstos no contrato.
Tese aplicável a todo contrato de mútuo feneratício celebrado com instituição financeira mutuante: “Descabimento da repetição do indébito com os mesmos encargos do contrato”. STJ. 2ª Seção. REsp 1.552.434-GO, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 13/06/2018 (recurso repetitivo) (Info 628).
Mútuo feneratício
A palavra “feneratício” vem do latim “feneratitius”, que significa algo “relativo à usura”.
O mútuo feneratício é o empréstimo que tem fins econômicos, ou seja, no qual haverá o pagamento de uma remuneração ao mutuante. Encontra-se previsto no art. 591 do CC:
Art. 591. Destinando-se o mútuo a fins econômicos, presumem-se devidos juros, os quais, sob pena de redução, não poderão exceder a taxa a que se refere o art. 406, permitida a capitalização anual.
Art. 406. Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional.
A remuneração pelo empréstimo de coisa fungível é chamada de juros remuneratórios. Assim, podemos resumir dizendo que mútuo feneratício consiste no “empréstimo de dinheiro a juro”.
Obs: segundo prevalece no STJ, a taxa dos juros moratórios a que se refere o art. 406 do CC é a dispositivo é a taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia – SELIC (STJ. 3ª Turma. AgRg no REsp 1105904/DF, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 20/09/2012).
Mútuo feneratício envolvendo instituições financeiras
O art. 591 prevê que, no mútuo feneratício, a taxa de juros não pode ser superior à taxa legal prevista no art. 406 do CC. O art. 591 do CC afirma também que a única capitalização possível seria a anual. Vale ressaltar, contudo, que essas restrições contidas no art. 591 do CC não se aplicam para o mútuo feneratício envolvendo instituições financeiras.
Qual será a taxa de juros que o banco poderá cobrar?
O STJ possui o entendimento de que os juros remuneratórios cobrados pelos bancos não estão sujeitos aos limites impostos pela Lei de Usura (Decreto nº 22.626/33), pelo Código Civil ou por qualquer outra lei. Em outras palavras, não existe lei limitando os juros que são cobrados pelos bancos (STJ. 2ª Seção. REsp 1061530/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 22/10/2008). Existe também uma súmula antiga do STF que afirma isso:
Súmula 596-STF: As disposições do Decreto 22.626 de 1933 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o sistema financeiro nacional.
Diante da ausência de lei que imponha limites aos juros cobrados pelas instituições financeiras, o STJ construiu a seguinte regra: os juros cobrados pelos bancos devem utilizar como índice a taxa média de mercado, que é calculada e divulgada pelo Banco Central (BACEN) em sua página na internet.
Vale ressaltar que essas taxas são divulgadas de acordo com o tipo de encargo que foi ajustado (prefixado, pós-fixado, taxas flutuantes e índices de preços), com a categoria do tomador (pessoas físicas e jurídicas) e com a modalidade de empréstimo realizada (hot money, desconto de duplicatas, desconto de notas promissórias, capital de giro, conta garantida, financiamento imobiliário, aquisição de bens, ‘vendor’, cheque especial, crédito pessoal etc.). Em outras palavras, para cada tipo de contrato existe uma média das taxas que estão sendo cobradas pelos bancos naquele mês.
Desse modo, o correto é que o contrato bancário traga uma cláusula dizendo expressamente a taxa de juros que será aplicada. No entanto, caso o contrato bancário não preveja, o STJ determina que deverá, em regra, ser aplicada a taxa média de mercado, divulgada pelo Bacen, praticada nas operações da mesma espécie.
Adotar essa taxa média é a solução mais adequada porque ela é calculada com base nas informações prestadas por todas as instituições financeiras e, por isso, representa o ponto de equilíbrio nas forças do mercado. Além disso, traz embutida em si o custo médio dos bancos e seu lucro médio, ou seja, um spread médio (REsp 1112880/PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 12/05/2010). (PESQUISAR!!!)
Repetição de indébito em contrato de mútuo feneratício celebrado com instituição financeira
Imagine que João celebrou contrato de mútuo com um banco por meio do qual tomou emprestado R$ 100 mil, com a obrigação de devolver a quantia principal mais juros remuneratórios.
Ele pagou durante 6 meses as prestações do empréstimo.
Ocorre que o advogado de João percebeu que havia uma nulidade no contrato.
Diante disso, ajuizou uma ação declaratória de nulidade do contrato cumulada com repetição de indébito. Em outras palavras, ele pediu para rescindir o ajuste e para receber de volta os valores que pagou durante os 6 meses.
Vale ressaltar que João pediu ao juiz para condenar o banco a restituir a quantia principal cobrada indevidamente (6 parcelas) acrescida dos mesmos juros que a instituição cobrou dele. Assim, o banco cobrou uma taxa de 11% ao mês. Logo, João pediu para receber de volta o valor acrescido de 11% ao mês.
O pedido de João foi acolhido? O mutuário terá direito de receber os valores pagos acrescidos de juros remuneratórios no mesmo percentual que era previsto no contrato para ser cobrado pelo banco mutuante? NÃO.
O mutuário que celebrar contrato de mútuo feneratício com a instituição financeira mutuante, não tem direito de pedir repetição do indébito com os mesmos índices e taxas de encargos previstos no contrato. STJ. 2ª Seção. REsp 1.552.434-GO, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 13/06/2018 (recurso repetitivo) (Info 628)
E o mutuário, além do principal, terá direito de receber alguma taxa de juros remuneratórios?
O STJ resolveu não decidir isso ainda neste recurso especial considerando que ainda não havia uma posição sedimentada do Tribunal a respeito.
Assim, por exemplo, se o banco cobrou uma taxa de 11% ao mês, o mutuário não terá direito de receber o principal mais 11% ao mês. As decisões judiciais que determinarem essa equivalência, serão reformadas com base nesse entendimento do STJ.
Não foi definido, contudo, ainda, o quanto o mutuário terá direito.
Desse modo, a única conclusão que o STJ já firmou é a de que, em caso de repetição de indébito envolvendo mútuo feneratício praticado por instituições financeiras mutuantes, o mutuário não terá direito de receber de volta a quantia acrescida dos mesmos encargos que são cobrados pelos bancos.
O Judiciário pode proceder à redução das arras confirmatória, caso a julgue desproporcional ao preço ajustado?
Se a proporção entre a quantia paga inicialmente e o preço total ajustado evidenciar que o pagamento inicial englobava mais do que o sinal, não se pode declarar a perda integral daquela quantia inicial como se arras confirmatórias fosse, sendo legítima a redução equitativa do valor a ser retido. STJ. 3ª Turma. REsp 1.513.259-MS, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 16/2/2016 (Info 577).
Arras confirmatórias:
_-_São previstas no contrato com o objetivo de reforçar, incentivar que as partes cumpram a obrigação combinada.
- A regra são as arras confirmatórias. Assim, no silêncio do contrato, as arras são confirmatórias.
- Se as partes cumprirem as obrigações contratuais, as arras serão devolvidas para a parte que as havia dado. Poderão também ser utilizadas como parte do pagamento.
- Se a parte que deu as arras não executar (cumprir) o contrato: a outra parte (inocente) poderá reter as arras, ou seja, ficar com elas para si. Se a parte que recebeu as arras não executar o contrato: a outra parte (inocente) poderá exigir a devolução das arras mais o equivalente*.
- Além das arras, a parte inocente poderá pedir:
indenização suplementar, se provar maior prejuízo, valendo as arras como taxa mínima;
a execução do contrato, com as perdas e danos, valendo as arras como o mínimo da indenização.
Arras penitenciais:
- São previstas no contrato com o objetivo de permitir que as partes possam desistir da obrigação combinada caso queiram e, se isso ocorrer, o valor das arras penitenciais já funcionará como sendo as perdas e danos.
- Ocorre quando o contrato estipula arras, mas também prevê o direito de arrependimento.
- Se as partes cumprirem as obrigações contratuais, as arras serão devolvidas para a parte que as havia dado. Poderão também ser utilizadas como parte do pagamento.
- Se a parte que deu as arras decidir não cumprir o contrato (exercer seu direito de arrependimento): ela perderá as arras dadas. Se a parte que recebeu as arras decidir não cumprir o contrato (exercer seu direito de arrependimento): deverá devolver as arras mais o equivalente*
- As arras penitenciais têm função unicamente indenizatória. Isso significa que a parte inocente ficará apenas com o valor das arras (e do equivalente) e NÃO terá direito a indenização suplementar.
Comentários do caso:
Realmente, o promitente-comprador, por ter dado causa à rescisão do contrato, deverá perder as arras confirmatórias que foram pagas. Isso está previsto no art. 418 do CC:
Art. 418. Se a parte que deu as arras não executar o contrato, poderá a outra tê-lo por desfeito, retendoas; se a inexecução for de quem recebeu as arras, poderá quem as deu haver o contrato por desfeito, e exigir sua devolução mais o equivalente, com atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, juros e honorários de advogado.
No entanto, para o STJ, o pagamento inicial feito pelo promitente-comprador, por representar 1/3 do valor final do negócio, não pode ser considerado como um mero “sinal” (arras), razão pela qual a aplicação do art. 418 do CC/02 deve sofrer flexibilização.
No caso concreto, ficou evidenciado que o pagamento inicial englobava mais do que o sinal, motivo pelo qual o STJ entendeu que neste valor de R$ 70 mil já estava embutido o “sinal” e algumas parcelas do contrato.
Para a Corte, se todo esse valor fosse considerado como arras confirmatórias, o promitente-comprador acabaria sendo onerado excessivamente e haveria um enriquecimento desproporcional do promitente-vendedor.
Segundo a jurisprudência do STJ, as arras confirmatórias devem ser fixadas em um percentual máximo que varie de 10% e 20% do valor do bem.
Esse seria o valor máximo que o promitente-vendedor poderia reter para si.
Na situação em exame, o STJ afirmou que o promitente-vendedor deveria reter, a título de arras confirmatórias, a quantia equivalente a 15% do valor do imóvel.
Vale ressaltar que, além das arras confirmatórias, o STJ determinou que o promitente-comprador deveria pagar ao promitente-vendedor o valor equivalente a 6 meses de aluguel (tempo que ele ficou morando no imóvel antes de ser retirado). Isso é possível. Estes alugueis correspondem ao valor das perdas e danos sofridos pelo promitente-vendedor e as perdas e danos podem ser cumuladas com as arras confirmatórias.
É cabível a cumulação da perda das arras com a imposição da cláusula penal compensatória?
Na hipótese de inexecução do contrato, revela-se inadmissível a cumulação das arras com a cláusula penal compensatória, sob pena de ofensa ao princípio do non bis in idem.
Ex: João celebrou contrato de promessa de compra e venda com uma incorporadora imobiliária para aquisição de um apartamento. João comprometeu-se a pagar 80 parcelas de R$ 3 mil e, em troca, receberia um apartamento. No início do contrato, João foi obrigado a pagar R$ 20 mil a título de arras. No contrato, havia uma cláusula penal compensatória prevendo que, em caso de inadimplemento por parte de João, a incorporadora poderia reter 10% das prestações que foram pagas por ele. Trata-se de cláusula penal compensatória. Suponhamos que, após pagar 30 parcelas, João tenha parado de pagar as prestações. Neste caso, João perderá apenas as arras, mas não será obrigado a pagar também a cláusula penal compensatória. Não é possível a cumulação da perda das arras com a imposição da cláusula penal compensatória. Logo, decretada a rescisão do contrato, fica a incorporadora autorizada a apenas reter o valor das arras, sem direito à cláusula penal. STJ. 3ª Turma. REsp 1.617.652-DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 26/09/2017 (Info 613).
Finalidades das arras A Min. Nancy Andrighi identifica que as arras têm por finalidades:
a) firmar a presunção de acordo final, tornando obrigatório o ajuste (caráter confirmatório);
b) servir de princípio de pagamento (se forem do mesmo gênero da obrigação principal);
c) prefixar o montante das perdas e danos devidos pelo descumprimento do contrato ou pelo exercício do direito de arrependimento, se expressamente estipulado pelas partes (caráter indenizatório).
Comentário:
Na hipótese de inadimplemento, as arras funcionam como uma espécie de cláusula penal compensatória, representando o valor previamente estimado pelas partes para indenizar a parte não culpada pela inexecução do contrato. A perda das arras, na hipótese, representa o efeito da resolução imputável e culposa.
Assim, as arras, a princípio, têm a função de indicar que a obrigação será cumprida. No entanto, ocorrendo a inexecução contratual elas passam a ter função de cláusula penal.
Tanto nas arras confirmatórias como nas arras penitenciais, se a parte que deu as arras não executar o contrato, a outra parte (inocente) poderá reter as arras, ou seja, ficar com elas para si.
Dessa forma, o que se conclui é que, na hipótese de inadimplemento do contrato, as arras apresentam natureza indenizatória, desempenhando papel semelhante ao da cláusula penal compensatória.
Logo, se as arras cumprem a mesma função da cláusula penal compensatória, não é possível que a parte inocente exija da parte culpada tanto as arras como a cláusula penal compensatória. Isso seria bis in idem (dupla condenação a mesmo título), o que é vedado pelo Direito.
Qual das duas deverá, então, prevalecer: as arras ou a cláusula penal?
Se previstas cumulativamente para o inadimplemento contratual, entende-se que deve incidir exclusivamente a pena de perda das arras, ou a sua devolução mais o equivalente, a depender da parte a quem se imputa a inexecução contratual. Isso porque o art. 419 do CC afirma que as arras valem como “taxa mínima” de indenização pela inexecução do contrato.
Assim, em nosso exemplo, como quem praticou a inexecução contratual foi quem deu as arras (João), ele perderá as arras
No caso de arras penitenciais, a parte inocente terá direito à indenização suplementar?
As arras penitenciais têm função unicamente indenizatória. Isso significa que a parte inocente ficará apenas com o valor das arras (e do equivalente) e NÃO terá direito a indenização suplementar.
A cláusula penal moratório pode ser cumulada com indenização por lucros cessantes?
A cláusula penal moratória tem a finalidade de indenizar pelo adimplemento tardio da obrigação, e, em regra, estabelecida em valor equivalente ao locativo, afasta-se sua cumulação com lucros cessantes. STJ. 2ª Seção. REsp 1.498.484-DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 22/05/2019 (recurso repetitivo) (Info 651).
O que é cláusula penal? Cláusula penal é…
- uma cláusula do contrato
- ou um contrato acessório ao principal
- em que se estipula, previamente, o valor da indenização que deverá ser paga
- pela parte contratante que não cumprir, culposamente, a obrigação.
CLÁUSULA PENAL MORATÓRIA:
- Estipulada para desestimular o devedor a incorrer em mora ou para evitar que deixe de cumprir determinada cláusula especial da obrigação principal. É a cominação contratual de uma multa para o caso de mora.
- Finalidade: para uns, funciona como punição pelo atraso no cumprimento da obrigação. Para outros autores, teria uma função apenas de inibir o descumprimento e indenizar os prejuízos (não teria finalidade punitiva).
- Aplicada para o caso de inadimplemento relativo.
- Ex: em uma promessa de compra e venda de um apartamento, é estipulada multa para o caso de atraso na entrega.
- Art. 411. Quando se estipular a cláusula penal para o caso de mora, ou em segurança especial de outra cláusula determinada, terá o credor o arbítrio de exigir a satisfação da pena cominada, juntamente com o desempenho da obrigação principal
CLÁUSULA PENAL COMPENSATÓRIA:
- Estipulada para servir como indenização no caso de total inadimplemento da obrigação principal.
- Funciona como uma prefixação das perdas e danos.
- Aplicada para o caso de inadimplemento absoluto.
- Ex: em um contrato para que um cantor faça um show no réveillon, é estipulada uma multa de 100 mil reais caso ele não se apresente.
- Art. 410. Quando se estipular a cláusula penal para o caso de total inadimplemento da obrigação, esta converter-se-á em alternativa a benefício do credor.
Em caso de atraso na entrega do imóvel, é possível a cumulação da indenização por lucros cessantes com a cláusula penal moratória? Em nosso exemplo, será possível condenar a construtora ao pagamento da multa e mais os lucros cessantes?
NÃO.
Para o Min. Luis Felipe Salomão, a natureza da cláusula penal moratória é eminentemente reparatória (indenizatória), possuindo também, reflexamente, uma função dissuasória (ou seja, de desestímulo ao descumprimento).
Tanto isso é verdade que a maioria dos contratos de promessa de compra e venda prevê uma multa contratual por atraso (cláusula penal moratória) que varia de 0,5% a 1% ao mês sobre o valor total do imóvel. Esse valor é escolhido porque representa justamente a quantia que o imóvel alugado, normalmente, produziria ao locador.
Assim, como a cláusula penal moratória já serve para indenizar/ressarcir os prejuízos que a parte sofreu, não se pode fazer a sua cumulação com lucros cessantes (que também consiste em uma forma de ressarcimento).
Diante desse cenário, havendo cláusula penal no sentido de prefixar, em patamar razoável, a indenização, não cabe a sua cumulação com lucros cessantes.
Mudança de entendimento
Vale ressaltar que a decisão acima explicada representa uma alteração de entendimento. Isso porque o STJ entendia que:
A cláusula penal moratória não era estipulada para compensar o inadimplemento nem para substituir o adimplemento. Assim, a cominação contratual de uma multa para o caso de mora não interferia com a responsabilidade civil. Logo, não havia óbice a que se exigisse a cláusula penal moratória juntamente com o valor referente aos lucros cessantes.
Desse modo, no caso de mora, existindo cláusula penal moratória, concedia-se ao credor a faculdade de requerer, cumulativamente: a) o cumprimento da obrigação; b) a multa contratualmente estipulada; e ainda c) indenização correspondente às perdas e danos decorrentes da mora. Nesse sentido: STJ. 3ª Turma. REsp 1355554-RJ, Rel. Min. Sidnei Beneti, julgado em 6/12/2012 (Info 513)
Se não houver cláusula penal, continua sendo possível a condenação por lucros cessantes
Nem sempre os contratos de promessa de compra e venda possuem cláusula penal estipulando multa para a construtora em caso de atraso na entrega do imóvel. Assim, se não existir cláusula penal e se houve efetivamente o atraso, será possível, em tese, condenar a construtora ao pagamento de lucros cessantes:
O atraso na entrega do imóvel enseja pagamento de indenização por lucros cessantes durante o período de mora do promitente vendedor, sendo presumido o prejuízo do promitente comprador. Os lucros cessantes serão devidos ainda que não fique demonstrado que o promitente comprador tinha finalidade negocial na transação. STJ. 2ª Seção. EREsp 1.341.138-SP, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 09/05/2018 (Info 626).
Vale ressaltar, no entanto, que essa hipótese será cada vez mais rara na prática, considerando o que decidiu o STJ no REsp 1.631.485-DF:
No contrato de adesão firmado entre o comprador e a construtora/incorporadora, havendo previsão de cláusula penal apenas para o inadimplemento do adquirente, deverá ela ser considerada para a fixação da indenização pelo inadimplemento do vendedor.
As obrigações heterogêneas (obrigações de fazer e de dar) serão convertidas em dinheiro, por arbitramento judicial. STJ. 2ª Seção. REsp 1.631.485-DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 22/05/2019 (recurso repetitivo) (Info 651).
Ampliando um pouco o debate: em um contrato no qual foi estipulada uma cláusula penal COMPENSATÓRIA, caso haja o inadimplemento, é possível que o credor exija o valor desta cláusula penal e mais as perdas e danos?
Também não. Não se pode cumular multa compensatória prevista em cláusula penal com indenização por perdas e danos decorrentes do inadimplemento da obrigação.
A finalidade da cláusula penal compensatória é recompor a parte pelos prejuízos que eventualmente decorram do inadimplemento total ou parcial da obrigação. Não é possível, portanto, cumular cláusula penal compensatória com perdas e danos decorrentes de inadimplemento contratual.
Com efeito, se as próprias partes já acordaram previamente o valor que entendem suficiente para recompor os prejuízos experimentados em caso de inadimplemento, não se pode admitir que, além desse valor, ainda seja acrescido outro, com fundamento na mesma justificativa – a recomposição de prejuízos.
Lei nº 13.786/2018
Em 28/12/2018, entrou em vigor a Lei nº 13.786/2018, que dispõe sobre a resolução do contrato por inadimplemento do adquirente de unidade imobiliária.
A Lei nº 13.786/2018 acrescentou o art. 43-A na Lei nº 4.591/64 para tratar sobre o inadimplemento (parcial ou absoluto) em contratos de compra e venda, promessa de venda, cessão ou promessa de cessão de unidades autônomas integrantes de incorporação imobiliária ou de loteamento. Veja inicialmente o que diz o caput:
Art. 43-A. A entrega do imóvel em até 180 (cento e oitenta) dias corridos da data estipulada contratualmente como data prevista para conclusão do empreendimento, desde que expressamente pactuado, de forma clara e destacada, não dará causa à resolução do contrato por parte do adquirente nem ensejará o pagamento de qualquer penalidade pelo incorporador.
Assim, o caput do art. 43-A prevê agora expressamente a validade da cláusula de tolerância (que já era admitida pela jurisprudência). Com isso, admite-se como tolerável (aceitável) um atraso de até 180 dias em relação ao prazo previsto para a entrega.
Por outro lado, se o empreendimento for entregue após os 180 dias de tolerância, isso já será considerado inaceitável e o adquirente poderá pedir cumulativamente:
- a resolução do contrato;
- a devolução de todo o valor que pagou; e
- o pagamento da multa estabelecida.
A incorporadora deverá fazer o pagamento em até 60 dias corridos, contados da resolução, acrescidos de correção monetária. É isso que prevê o novo § 1º do art. 43-A:
§ 1º Se a entrega do imóvel ultrapassar o prazo estabelecido no caput deste artigo, desde que o adquirente não tenha dado causa ao atraso, poderá ser promovida por este a resolução do contrato, sem prejuízo da devolução da integralidade de todos os valores pagos e da multa estabelecida, em até 60 (sessenta) dias corridos contados da resolução, corrigidos nos termos do § 8º do art. 67-A desta Lei.
O adquirente pode, no entanto, decidir que, mesmo tendo sido ultrapassado o prazo de tolerância, ele não quer a resolução do contrato, ou seja, ele permanece com interesse no imóvel.
Neste caso, este adquirente irá receber o imóvel e terá direito à indenização de 1% do valor efetivamente pago à incorporadora, para cada mês de atraso, acrescido de correção monetária. Veja a redação do § 2º do art. 43-A:
§ 2º Na hipótese de a entrega do imóvel estender-se por prazo superior àquele previsto no caput deste artigo, e não se tratar de resolução do contrato, será devida ao adquirente adimplente, por ocasião da entrega da unidade, indenização de 1% (um por cento) do valor efetivamente pago à incorporadora, para cada mês de atraso, pro rata die, corrigido monetariamente conforme índice estipulado em contrato.
Vale ressaltar que a multa do § 1º, vista acima, é decorrente da inexecução total da obrigação (houve a resolução do contrato).
O § 2º, por sua vez, prevê uma indenização para a mora (o contrato não foi desfeito, tendo sido apenas cumprido com atraso).
Assim, as sanções têm natureza jurídica e finalidade diversas, sendo, portanto, inacumuláveis, conforme prevê o § 3º do art. 43-A:
§ 3º A multa prevista no § 2º deste artigo, referente a mora no cumprimento da obrigação, em hipótese alguma poderá ser cumulada com a multa estabelecida no § 1º deste artigo, que trata da inexecução total da obrigação.
Como fica a questão da aplicação da Lei nº 13.786/2018 no tempo? Essas regras da Lei nº 13.786/2018, que acabei de explicar, podem ser aplicadas para os contratos celebrados antes da sua vigência?
NÃO. As regras da Lei nº 13.786/2018, que entrou em vigor no dia 28/12/2018, não podem ser aplicadas aos contratos anteriores à sua vigência.
A nova lei só poderá atingir contratos celebrados posteriormente à sua entrada em vigor.
Nas palavras do Min. Luis Felipe Salomão:
“(…) a Lei n. 13.786/2018 não será aplicada para a solução dos casos em julgamento, de modo a trazer segurança e evitar que os jurisdicionados que firmaram contratos anteriores sejam surpreendidos, ao arrepio do direito adquirido e do ato jurídico perfeito.”
O que vale é a data da celebração do contrato (e não a data do inadimplemento). Desse modo, imagine que o contrato foi celebrado em janeiro de 2017. Em janeiro de 2019, terminou o prazo de tolerância e a construtora não entregou o empreendimento. Neste caso, não se aplicam as regras trazidas pela Lei nº 13.786/2018 porque o pacto é anterior a esse diploma.
Assim, podemos fixar as conclusões:
- contratos celebrados até 27/12/2018: em caso de inadimplemento, aplica-se a jurisprudência do STJ firmada neste REsp 1.498.484-DF, não incidindo a Lei nº 13.786/2018.
- contratos celebrados a partir de 28/12/2018: devem ser aplicadas as regras da Lei nº 13.786/2018.