Jurisprudência Flashcards
É possível a exclusão dos sobrenomes paternos em razão do abandono do genitor?
SIM.
Imagine que determinado indivíduo foi abandonado pelo pai quando era ainda criança, tendo sido criado apenas pela mãe. Quando completou 18 anos, esse rapaz decidiu que desejava que fosse excluído o nome de seu pai de seu assento de nascimento e que o patronímico de seu pai fosse retirado de seu nome, incluindo-se o outro sobrenome da mãe.
O STJ decidiu que esse pedido pode ser deferido e que pode ser excluído completamente do nome civil do interessado os sobrenomes de seu pai, que o abandonou em tenra idade.
A jurisprudência tem adotado posicionamento mais flexível acerca da imutabilidade ou definitividade do nome civil.
O princípio da imutabilidade do nome não é absoluto no sistema jurídico brasileiro. Além disso, a referida flexibilização se justifica pelo próprio papel que o nome desempenha na formação e consolidação da personalidade de uma pessoa.
Desse modo, o direito da pessoa de portar um nome que não lhe remeta às angústias decorrentes do abandono paterno e, especialmente, corresponda à sua realidade familiar, sobrepõe-se ao interesse público de imutabilidade do nome, já excepcionado pela própria Lei de Registros Públicos.
Sendo assim, nos moldes preconizados pelo STJ, considerando que o nome é elemento da personalidade, identificador e individualizador da pessoa na sociedade e no âmbito familiar, conclui-se que o abandono pelo genitor caracteriza o justo motivo de o interessado requerer a alteração de seu nome civil, com a respectiva exclusão completa dos sobrenomes paternos. STJ. 3ª Turma. REsp 1.304.718-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 18/12/2014 (Info 555).
NATUREZA JURÍDICA (TEORIAS SOBRE O NOME) Existem quatro principais teorias que explicam a natureza jurídica do nome:
a) Teoria da propriedade: segundo esta concepção, o nome integra o patrimônio da pessoa. Essa teoria é aplicada no caso dos nomes empresariais. No que tange à pessoa natural, o nome é mais do que o mero aspecto patrimonial, consistindo, na verdade, em direito da personalidade.
b) Teoria negativista: afirma que o nome não é um direito, mas apenas uma forma de designação das pessoas. A doutrina relata que era a posição adotada por Clóvis Beviláqua.
c) Teoria do estado: sustenta que o nome é um elemento do estado da pessoa natural.
d) Teoria do direito da personalidade: o nome é um direito da personalidade. É a teoria adotada pelo CC (art. 16): “toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome”.
PRINCÍPIO DA IMUTABILIDADE RELATIVA DO NOME
Em regra, o nome é imutável. É o chamado princípio da imutabilidade relativa do nome civil.
A regra da inalterabilidade relativa do nome civil preconiza que o nome (prenome e sobrenome), estabelecido por ocasião do nascimento, reveste-se de definitividade, admitindo-se sua modificação, excepcionalmente, nas hipóteses expressamente previstas em lei ou reconhecidas como excepcionais por decisão judicial (art. 57, Lei 6.015/75), exigindo-se, para tanto, justo motivo e ausência de prejuízo a terceiros (REsp 1138103/PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 06/09/2011).
Veja abaixo as exceções em que a alteração do nome é permitida:
1) NO PRIMEIRO ANO APÓS ATINGIR A MAIORIDADE CIVIL
Prevista no art. 56 da Lei de Registros Públicos (Lei n. 6.015/73): Art. 56. O interessado, no primeiro ano após ter atingido a maioridade civil, poderá, pessoalmente ou por procurador bastante, alterar o nome, desde que não prejudique os apelidos de família, averbando-se a alteração que será publicada pela imprensa.
2) Retificação de erros que não exijam qualquer indagação para sua constatação imediata
Prevista no art. 110 da LRP: Art. 110. Os erros que não exijam qualquer indagação para a constatação imediata de necessidade de sua correção poderão ser corrigidos de ofício pelo oficial de registro no próprio cartório onde se encontrar o assentamento, mediante petição assinada pelo interessado, representante legal ou procurador, independentemente de pagamento de selos e taxas, após manifestação conclusiva do Ministério Público.
3) Acréscimo ou substituição por apelidos públicos notórios
Prevista no art. 58 da LRP: Art. 58. O prenome será definitivo, admitindo-se, todavia, a sua substituição por apelidos públicos notórios.
Obs: deve ser feito por meio de ação judicial.
4) Averbação do nome abreviado, usado como firma comercial ou em atividade profissional
Prevista no § 1º do art. 57 da LRP: Art. 57 (…) § 1º Poderá, também, ser averbado, nos mesmos termos, o nome abreviado, usado como firma comercial registrada ou em qualquer atividade profissional.
5) Enteado pode adotar o sobrenome do padrasto
Previsto no § 8º do art. 57 da LRP: Art. 57 (…) § 8º O enteado ou a enteada, havendo motivo ponderável e na forma dos §§ 2º e 7º deste artigo, poderá requerer ao juiz competente que, no registro de nascimento, seja averbado o nome de família de seu padrasto ou de sua madrasta, desde que haja expressa concordância destes, sem prejuízo de seus apelidos de família.
6) Pessoas incluídas no programa de proteção a vítimas e testemunhas
Previsto no § 7º do art. 57 da LRP e no art. 9º da Lei n. 9.807/99: Art. 57 (…) § 7º Quando a alteração de nome for concedida em razão de fundada coação ou ameaça decorrente de colaboração com a apuração de crime, o juiz competente determinará que haja a averbação no registro de origem de menção da existência de sentença concessiva da alteração, sem a averbação do nome alterado, que somente poderá ser procedida mediante determinação posterior, que levará em consideração a cessação da coação ou ameaça que deu causa à alteração.
7) Por via judicial, com motivo declarado, por sentença, após oitiva do MP
Previsto no caput do art. 57 da LRP: Art. 57. A alteração posterior de nome, somente por exceção e motivadamente, após audiência do Ministério Público, será permitida por sentença do juiz a que estiver sujeito o registro, arquivando-se o mandado e publicando-se a alteração pela imprensa, ressalvada a hipótese do art. 110 desta Lei.
Observações:
Processo judicial de jurisdição voluntária;
Obrigatória a oitiva do MP;
Decidido pelo juiz por sentença;
Será competente o juiz a que estiver sujeito o registro;
Arquiva-se o mandado no Registro Civil de Pessoas Naturais;
Publica-se a alteração pela imprensa;
Exemplos de alteração do nome com base nesse art. 57:
Alterar o prenome caso exponha seu portador ao ridículo;
Retificar o patronímico constante do registro para obter a nacionalidade de outro país (o STJ já reconheceu o direito de suprimir incorreções na grafia do patronímico para que a pessoa pudesse obter a cidadania italiana. REsp 1138103/PR)
Alterar o nome em virtude de cirurgia de retificação de sexo.
NOVO CASO:
Pode ser deferido pedido formulado por filho que, no primeiro ano após atingir a maioridade, pretende excluir completamente de seu nome civil os sobrenomes de seu pai, que o abandonou em tenra idade. A mudança foi autorizada com base na interpretação conjugada dos arts. 56 e 57 da LRP.
O STJ tem adotado posicionamento mais flexível acerca da imutabilidade ou definitividade do nome civil.
O princípio da imutabilidade do nome não é absoluto no sistema jurídico brasileiro. Além disso, a referidaflexibilização se justifica “pelo próprio papel que o nome desempenha na formação e consolidação da personalidade de uma pessoa” (REsp 1.412.260-SP, Terceira Turma, DJe 22/5/2014).
Desse modo, o direito da pessoa de portar um nome que não lhe remeta às angústias decorrentes do abandono paterno e, especialmente, corresponda à sua realidade familiar, sobrepõe-se ao interesse público de imutabilidade do nome, já excepcionado pela própria Lei de Registros Públicos.
Sendo assim, nos moldes preconizados pelo STJ, considerando que o nome é elemento da personalidade, identificador e individualizador da pessoa na sociedade e no âmbito familiar, conclui-se que o abandono pelo genitor caracteriza o justo motivo de o interessado requerer a alteração de seu nome civil, com a respectiva exclusão completa dos sobrenomes paternos. STJ. 3ª Turma. REsp 1.304.718-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 18/12/2014 (Info 555).
Após o divórcio, o ex-cônjuge pode postular a supressão de seu nome de casado do registro de nascimento de seu filho, com a inclusão, no lugar, do nome de solteiro?
Se a genitora, ao se divorciar, volta a usar seu nome de solteira, é possível que o registro de nascimento dos filhos seja retificado para constar na filiação o nome atual da mãe.
É direito subjetivo da pessoa retificar seu patronímico no registro de nascimento de seus filhos após divórcio.
A averbação do patronímico no registro de nascimento do filho em decorrência do casamento atrai, à luz do princípio da simetria, a aplicação da mesma norma à hipótese inversa, qual seja, em decorrência do divórcio, um dos genitores deixa de utilizar o nome de casado (art. 3º, parágrafo único, da Lei nº 8.560/1992).
Em razão do princípio da segurança jurídica e da necessidade de preservação dos atos jurídicos até então praticados, o nome de casada não deve ser suprimido dos assentamentos, procedendo-se, tão somente, a averbação da alteração requerida após o divórcio. STJ. 3ª Turma. REsp 1.279.952-MG, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 3/2/2015 (Info 555).
Se duas pessoas vivem em união estável, é possível incluir o patronímico de um deles no nome do outro? Ex: Carlos Andrade vive em união estável com Juliana Barbosa. É permitido que Juliana acrescente o patronímico de seu companheiro e passe a se chamar “Juliana Barbosa Andrade”?
SIM, também é possível, conforme entendeu o STJ. Foi aplicado, por analogia, o art. 1.565, § 1º do CC, visto acima, que trata sobre o casamento. Como a união estável e o casamento são institutos semelhantes, é possível aplicar a regra de um para o outro, pois “onde impera a mesma razão, deve prevalecer a mesma decisão” (ubi eadem legis ratio ibi eadem dispositio). STJ. 4ª Turma. REsp 1.206.656–GO, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 16/10/2012.
Exigências para o acréscimo do patronímico do companheiro: Segundo decidiu o STJ, são feitas duas exigências para que a pessoa possa adotar o patronímico de seu companheiro:
a) Deverá existir prova documental da relação feita por instrumento público;
b) Deverá haver a anuência do companheiro cujo nome será adotado.
No divórcio é possível a um dos ex-cônjuges exigir a alteração do nome do outro, para retirar-lhe o seu sobrenome?
Regra: na separação e no divórcio o nome é mantido, salvo se a pessoa que acrescentou o sobrenome de seu cônjuge desejar retirá-lo.
Exceção: somente haverá a perda do sobrenome contra a vontade da pessoa que acrescentou se preenchidos os seguintes requisitos:
1) Houver pedido expresso do cônjuge que “forneceu” o sobrenome
; 2) A perda não pode causar prejuízo à identificação do cônjuge. Ex: Marta Suplicy;
3) A perda não pode causar prejuízo à identificação dos filhos;
4) Estar provada culpa grave por parte do cônjuge.
Se uma mulher é conhecida popularmente como “Tatiana”, mas seu verdadeiro nome é “Tatiane”, ela tem direito a alteração de seu registro civil?
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. PEDIDO DE ALTERAÇÃO DO PRENOME DE TATIANE PARA TATIANA. ARGUMENTO DE QUE A AUTORA É ASSIM RECONHECIDA NA SOCIEDADE, BEM COMO DE QUE HOUVE ERRO NA GRAFIA DO NOME PELO OFICIAL DO CARTÓRIO. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL, BEM COMO DE FUNDAMENTO RAZOÁVEL PARA SE AFASTAR O PRINCÍPIO DA IMUTABILIDADE DO PRENOME, PREVISTO NO ART. 58 DA LEI DE REGISTROS PÚBLICOS. MANUTENÇÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.
1. Nos termos do que proclama o art. 58 da Lei de Registros Públicos, a regra no ordenamento jurídico é a imutabilidade do prenome. Todavia, sendo o nome civil um direito da personalidade, por se tratar de elemento que designa o indivíduo e o identifica perante a sociedade, revela-se possível, nas hipóteses previstas em lei, bem como em determinados casos admitidos pela jurisprudência, a modificação do prenome.
2. Na hipótese, analisando-se a causa de pedir da ação de retificação de registro civil, não é possível verificar nenhuma circunstância excepcional apta a justificar a alteração do prenome da recorrente, porquanto não há que se falar em erro de grafia do nome, tampouco é possível reconhecer que o mesmo cause qualquer tipo de constrangimento à autora perante a sociedade.
3. A mera alegação de que a recorrente é conhecida “popularmente” como Tatiana, e não Tatiane, desacompanhada de outros elementos, não é suficiente para afastar o princípio da imutabilidade do prenome, sob pena de se transformar a exceção em regra.
4. Recurso especial desprovido.
(REsp 1728039/SC, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 12/06/2018, DJe 19/06/2018)
Transgênero pode alterar seu prenome e gênero mesmo sem a realização de cirurgia de transgenitalização e sem autorização judicial ? Qual a diferença entre transsexual e transgênero?
Os transgêneros, que assim o desejarem, independentemente da cirurgia de transgenitalização, ou da realização de tratamentos hormonais ou patologizantes, possuem o direito à alteração do prenome e do gênero (sexo) diretamente no registro civil. STF. Plenário. ADI 4275/DF, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o acórdão Min. Edson Fachin, julgado em 28/2 e 1º/3/2018 (Info 892).
Transgênero
Transgênero é o indivíduo que possui características físicas sexuais distintas das características psíquicas.
É uma pessoa que não se identifica com o seu gênero biológico.
A pessoa sente que ela nasceu no corpo errado. Ex: o menino nasceu fisicamente como menino, mas ele se sente como uma menina.
Assim, o transgênero tem um sexo biológico, mas se sente como se fosse do sexo oposto e espera ser reconhecido e aceito como tal.
Transexual
Da mesma forma, o transexual também possui características físicas sexuais distintas das características psíquicas. Ele também não se identifica com o seu gênero biológico.
Não existe ainda uma uniformidade científica, no entanto, segundo a posição majoritária, a diferença entre o transgênero e o transexual é a seguinte:
Resumindo:
- transgênero: quer poder se expressar e ser reconhecido como sendo do sexo oposto, mas não tem necessidade de modificar sua anatomia.
- transexual: quer poder se expressar e ser reconhecido como sendo do sexo oposto e deseja modificar sua anatomia (seu corpo) por meio da terapia hormonal e/ou da cirurgia de redesignação sexual (transgenitalização).
Identidade de gênero
Significa a maneira como alguém se sente e a maneira como deseja ser reconhecida pelas demais pessoas, independentemente do seu sexo biológico.
“A identidade de gênero se refere à experiência de uma pessoa com o seu próprio gênero. Pessoas transgênero possuem uma identidade de gênero que é diferente do sexo que lhes foi designado no momento de seu nascimento.
Uma pessoa transgênero ou trans pode identificar-se como homem, mulher, trans-homem, trans-mulher, como pessoa não-binária ou com outros termos, tais como hijra, terceiro gênero, dois-espíritos, travesti, fa’afafine, gênero queer, transpinoy, muxe, waria e meti. Identidade de gênero é diferente de orientação sexual. Pessoas trans podem ter qualquer orientação sexual, incluindo heterossexual, homossexual, bissexual e assexual.” (Nota Informativa das Nações Unidas. Disponível em https://unfe.org/system/unfe91-Portugese_TransFact_FINAL.pdf?platform=hootsuite)
A questão jurídica enfrentada, portanto, pelo STJ foi a seguinte: é possível que o transgênero altere seu nome e o gênero no assento de registro civil mesmo que não faça a cirurgia de transgenitalização?
SIM. Inicialmente o STJ decidiu que:
O direito dos transexuais à retificação do prenome e do sexo/gênero no registro civil não é condicionado à exigência de realização da cirurgia de transgenitalização. STJ. 4ª Turma. REsp 1.626.739-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 9/5/2017 (Info 608).
Agora, o STF avançou sobre o tema e, de forma mais ampla, utilizou a expressão transgênero, afirmando que:
Os transgêneros, que assim o desejarem, independentemente da cirurgia de transgenitalização, ou da realização de tratamentos hormonais ou patologizantes, possuem o direito à alteração do prenome e do gênero (sexo) diretamente no registro civil. STF. Plenário. ADI 4275/DF, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o acórdão Min. Edson Fachin, julgado em 28/2 e 1º/3/2018 (Info 892).
Premissas da decisão do STF:
1) O direito à igualdade sem discriminações abrange a identidade ou a expressão de gênero. O respeito à identidade de gênero é uma decorrência do princípio da igualdade.
2) A identidade de gênero é uma manifestação da própria personalidade da pessoa humana. Logo, cabe ao Estado apenas o papel de reconhecê-la, nunca de constituí-la. Isso significa que o Estado não diz o gênero da pessoa, ele deve apenas reconhecer o gênero que a pessoa se enxerga.
3) A pessoa não deve provar o que é, e o Estado não deve condicionar a expressão da identidade a qualquer tipo de modelo, ainda que meramente procedimental. Assim, se cabe ao Estado apenas o reconhecimento dessa identidade, ele não pode exigir ou condicionar a livre expressão da personalidade a um procedimento médico ou laudo psicológico. A alteração dos assentos no registro público depende apenas da livre manifestação de vontade da pessoa que visa expressar sua identidade de gênero.
Fundamentos jurídicos:
Constituição Federal • direito à dignidade (art. 1º, III, da CF); • direito à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem (art. 5º, X, da CF).
Pacto de São José da Costa Rica • direito ao nome (artigo 18); • direito ao reconhecimento da personalidade jurídica (artigo 3); • direito à liberdade pessoal (artigo 7.1 do Pacto); • o direito à honra e à dignidade (artigo 11.2 do Pacto)
Opinião Consultiva 24/17 da Corte Interamericana de Direitos Humanos, sobre “Identidade de Gênero e Igualdade e Não Discriminação a Casais dos Mesmo Sexo”, publicada em 24.11.2017, na qual se definiram as obrigações estatais em relação à mudança de nome, à identidade de gênero e os direitos derivadas de um vínculo entre casais do mesmo sexo. Veja trecho da Opinião Consultiva:
“(…) a Corte Interamericana deixa estabelecido que a orientação sexual e a identidade de gênero, assim como a expressão de gênero, são categorias protegidas pela Convenção.
Por isso está proibida pela Convenção qualquer norma, ato ou prática discriminatória baseada na orientação sexual, identidade de gênero ou expressão de gênero da pessoa. Em consequência, nenhuma norma, decisão ou prática do direito interno, seja por parte das autoridades estatais ou por particulares, podem diminuir ou restringir, de modo algum, os direitos de uma pessoa à sua orientação sexual, sua identidade de gênero e/ ou sua expressão de gênero”. (par. 78).
“O reconhecimento da identidade de gênero pelo Estado é de vital importância para garantir o gozo pleno dos direitos humanos das pessoas trans, incluindo a proteção contra a violência, a tortura e maus tratos, o direito à saúde, à educação, ao emprego, à vivência, ao acesso a seguridade social, assim como o direito à liberdade de expressão e de associação.”
Interpretação conforme a Constituição e o Pacto de São José da Costa Rica
O art. 58 da Lei nº 6.015/73 (Lei dos Registros Públicos) prevê:
Art. 58. O prenome será definitivo, admitindo-se, todavia, a sua substituição por apelidos públicos notórios.
O STF, contudo, afirmou que se deve fazer uma nova interpretação desse art. 58 à luz da Constituição Federal e do Pacto de São José da Costa Rica.
Exigir cirurgia ou outros procedimentos é contrário à dignidade da pessoa humana
O Estado deve abster-se de interferir em condutas que não prejudicam a terceiros e, ao mesmo tempo, buscar viabilizar as concepções e os planos de vida dos indivíduos, preservando a neutralidade estatal.
Mostra-se contrário aos princípios da dignidade da pessoa humana, da integridade física e da autonomia da vontade condicionar o exercício do legítimo direito à identidade à realização de um procedimento cirúrgico ou de qualquer outro meio de se atestar a identidade de uma pessoa.
Inadmitir a alteração do gênero no assento de registro civil é atitude absolutamente violadora de sua dignidade e de sua liberdade de ser, na medida em que não reconhece sua identidade sexual, negandolhe o pleno exercício de sua afirmação pública.
Vimos acima que o transgênero não precisa fazer cirurgia para requerer a alteração do prenome e do sexo. Ok. Uma última pergunta, apenas para não ficar dúvidas: a pessoa transgênera precisa de autorização judicial para essa alteração?
NÃO. O STF entendeu que exigir do transgênero a via jurisdicional para realizar essa alteração representaria limitante incompatível com a proteção que se deve dar à identidade de gênero. O pedido de retificação é baseado unicamente no consentimento livre e informado do solicitante, sem a necessidade de comprovar nada.
O uso, por sociedade empresária, de imagem de pessoa física fotografada isoladamente em local público, em meio a cenário destacada, configura dano moral, mesmo que não tenha havido nenhuma conotação ofensiva ou vexaminosa na publicação?
Configura dano moral a divulgação não autorizada de foto de pessoa física em campanha publicitária promovida por sociedade empresária com o fim de, mediante incentivo à manutenção da limpeza urbana, incrementar a sua imagem empresarial perante a população, ainda que a fotografia tenha sido capturada em local público e sem nenhuma conotação ofensiva ou vexaminosa. STJ. 4ª Turma. REsp 1.307.366-RJ, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 3/6/2014 (Info 546).
Assim, é cabível compensação por dano moral decorrente da simples utilização de imagem de pessoa física, em campanha publicitária, sem autorização do fotografado.
Aplica-se aqui o raciocínio da Súmula 403 do STJ: Independe de prova do prejuízo a indenização pela publicação não autorizada de imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais.
Quais são as condições para que se transacione sobre os direito da personalidade?
O exercício dos direitos da personalidade pode ser objeto de disposição voluntária, desde que não permanente nem geral, estando condicionado à prévia autorização do titular e devendo sua utilização estar de acordo com o contrato estabelecido entre as partes. STJ. 3ª Turma. REsp 1.630.851-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 27/4/2017 (Info 606).
O uso indevido de voz de locutora profissional em gravação de saudação telefônica, que não se enquadre como direito conexo ao de autor, não encontra proteção na Lei de Direitos Autorais. Isso porque a Lei nº 9.610/98 protege apenas os intérpretes ou executantes: de obras literárias ou artísticas; ou de expressões do folclore. A simples locução de uma saudação telefônica não se enquadra nessas situações que merecem proteção da Lei nº 9.610/98. STJ. 3ª Turma. REsp 1.630.851-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 27/4/2017 (Info 606).
Vale ressaltar que a voz, mesmo quando não se enquadra como direito conexo ao de autor, ainda assim goza de proteção legal por ser considerada como um “direito da personalidade”, garantido pela Constituição Federal e pelo Código Civil.
A voz humana encontra proteção nos direitos da personalidade, seja como direito autônomo ou como parte integrante do direito à imagem ou do direito à identidade pessoal.
Sendo a voz um direito de personalidade, ela poderia ter sido comercializada e utilizada para fins comerciais?
Claro que sim.
O simples fato de se tratar de direito da personalidade não afasta a possibilidade de exploração econômica da voz.
O exercício dos direitos da personalidade, a despeito da redação literal do art. 11 do Código Civil, são passíveis de limitação voluntária, desde que limitada.
Esse é o teor do Enunciado 4 da I Jornada de Direito Civil, em que se afirma: “O exercício dos direitos da personalidade pode sofrer limitação voluntária, desde que não seja permanente nem geral”.
Perfeitamente possível e válido, portanto, o negócio jurídico que tenha por objeto a gravação de voz, devendo-se averiguar apenas se foi ela gravada com autorização do seu titular e se sua utilização ocorreu dentro dos limites contratuais.
A dissolução irregular da empresa autoriza a desconsideração da personalidade jurídica?
O encerramento das atividades ou dissolução da sociedade, ainda que irregulares, não é causa, por si só, para a desconsideração da personalidade jurídica prevista no Código Civil. STJ. 2ª Seção. EREsp 1.306.553-SC, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 10/12/2014 (Info 554).
Essa é a posição também da doutrina majoritária, conforme restou consignado no Enunciado da IV Jornada de Direito Civil do CJF: 282 – Art. 50: O encerramento irregular das atividades da pessoa jurídica, por si só, não basta para caracterizar abuso da personalidade jurídica.
Obs: não se quer dizer com isso que o encerramento da sociedade jamais será causa de desconsideração de sua personalidade, mas que somente o será quando sua dissolução ou inatividade irregulares tenham o fim de fraudar a lei, com o desvirtuamento da finalidade institucional ou confusão patrimonial (Min. Maria Isabel Gallotti).
Em outras palavras, o encerramento irregular pode ser um indício de que houve abuso da personalidade (desvio de finalidade ou confusão patrimonial), mas serão necessárias outras provas para que se cumpra o que exige o art. 50 do CC.
Mas e a Súmula 435 do STJ?
O raciocínio do enunciado 435 do STJ não pode ser aplicado para as relações de Direito Civil por duas razões:
1) O Código Civil traz regras específicas sobre o tema, diferentes das normas do CTN, que inspiraram a edição da súmula. Como vimos acima, cada diploma legislativo, cada microssistema jurídico trouxe suas regras próprias para a desconsideração, devendo isso ser considerado pelo intérprete. Isso foi registrado pela doutrina na I Jornada de Direito Civil:
51 – Art. 50: A teoria da desconsideração da personalidade jurídica – disregard doctrine – fica positivada no novo Código Civil, mantidos os parâmetros existentes nos microssistemas legais e na construção jurídica sobre o tema.
2) A Súmula 435 do STJ não trata sobre desconsideração da personalidade, mas sim sobre redirecionamento da execução fiscal à luz de regras próprias do CTN, não sendo possível que as normas de um instituto sejam aplicadas indistintamente ao outro.
RESUMO:
O encerramento irregular das atividades da empresa devedora autoriza, por si só, que se busque os bens dos sócios para pagar a dívida?
Código Civil: NÃO
CDC: SIM
Lei Ambiental: SIM
CTN: SIM
O incidente de desconsideração de personalidade jurídica pode ser instaurado mesmo que não se demonstre a inexistência de bens da sociedade devedora?
Nas causas em que a relação for jurídica cível-empresarial, a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica será regulada pelo art. 50 do Código Civil.
A inexistência ou não localização de bens da pessoa jurídica não é condição para a desconsideração da personalidade jurídica. O que se exige é a demonstração da prática de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial (art. 50 do CC).
Assim, o incidente de desconsideração da personalidade jurídica pode ser instaurado mesmo nos casos em que não for comprovada a inexistência de bens do devedor.
Se, em uma execução movida contra sociedade empresarial, o juiz determinar a desconsideração da personalidade jurídica e a penhora de bens dos sócios, poderá a sociedade recorrer dessa decisão?
Em uma execução proposta pelo credor contra a empresa devedora, se o juiz determinar a desconsideração da personalidade jurídica e a penhora dos bens dos sócios, a pessoa jurídica tem legitimidade para recorrer contra essa decisão, desde que o recurso seja interposto com o objetivo de defender a sua autonomia patrimonial, isto é, a proteção da sua personalidade. No recurso, a pessoa jurídica não pode se imiscuir indevidamente na esfera de direitos dos sócios ou administradores incluídos no polo passivo por força da desconsideração. STJ. 3ª Turma. REsp 1.421.464-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 24/4/2014 (Info 544)
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. PESSOA JURÍDICA.
DESCONSIDERAÇÃO. PEDIDO DEFERIDO. IMPUGNAÇÃO. LEGITIMIDADE RECURSAL.
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NÃO PROVIDOS.
1. Trata-se de embargos de divergência interpostos contra acórdão que decide legitimidade da pessoa jurídica para interpor recurso de pronunciamento judicial que desconsidera a personalidade jurídica.
2. No caso, entendeu-se que, diante do rol de legitimados à interposição de recursos (arts. 499 do Código de Processo Civil de 1973 e 996 do Código de Processo Civil de 2015), do qual emerge a noção de sucumbência fundada no binômio necessidade/utilidade, a pessoa jurídica detém a mencionada legitimidade quando tiver potencial bastante para atingir o patrimônio moral da sociedade.
Fundamenta-se tal entendimento no fato de que à pessoa jurídica interessa a preservação de sua boa fama, assim como a punição de condutas ilícitas que venham a deslustrá-la.
3. Os fundamentos trazidos no acórdão recorrido estão mais condizentes com a própria noção de distinção de personalidades no ordenamento jurídico pátrio. A pessoa jurídica, como ente com personalidade distinta dos sócios que a compõem, também possui direitos a serem preservados, dentre eles o patrimônio moral, a honra objetiva, o bom nome. De fato, o argumento da falta de interesse na reforma da decisão, tendo em vista o fato de que apenas os sócios seriam prejudicados com a resolução (já que é sobre os seus bens particulares que recairia a responsabilidade pelas obrigações societárias), mostra-se frágil.
4. “O interesse na desconsideração ou, como na espécie, na manutenção do véu protetor, pode partir da própria pessoa jurídica, desde que, à luz dos requisitos autorizadores da medida excepcional, esta seja capaz de demonstrar a pertinência de seu intuito, o qual deve sempre estar relacionado à afirmação de sua autonomia, vale dizer, à proteção de sua personalidade. Assim, é possível, pelo menos em tese, que a pessoa jurídica se valha dos meios próprios de impugnação existentes para defender sua autonomia e regular administração, desde que o faça sem se imiscuir indevidamente na esfera de direitos dos sócios/administradores incluídos no polo passivo por força da desconsideração” (REsp 1.421.464/SP, Rel.
Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 24/4/2014, DJe 12/5/2014) 5. Embargos de divergência conhecidos, aos quais se nega provimento.
(EREsp 1208852/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES, CORTE ESPECIAL, julgado em 04/05/2016, DJe 20/05/2016)
Aplica-se às associações o disposto no ar.t 1.023 do Código Civil?
Art. 1.023. Se os bens da sociedade não lhe cobrirem as dívidas, respondem os sócios pelo saldo, na proporção em que participem das perdas sociais, salvo cláusula de responsabilidade solidária.
O Código Civil, ao tratar sobre a responsabilidade das sociedades simples, estabelece o seguinte:
Art. 1.023. Se os bens da sociedade não lhe cobrirem as dívidas, respondem os sócios pelo saldo, na proporção em que participem das perdas sociais, salvo cláusula de responsabilidade solidária.
Esse dispositivo NÃO se aplica às associações civis. As associações civis são caracterizadas pela união de pessoas que se organizam para a execução de atividades sem fins lucrativos.
Sociedades simples são formas de execução de atividade empresária, com finalidade lucrativa. STJ. 3ª Turma. REsp 1.398.438-SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 4/4/2017 (Info 602).
Art. 1.023 é próprio das sociedades, não podendo ser aplicado para as associações Pela análise topográfica do art. 1.023, ou seja, pela posição em que ele foi previsto no Código, já se percebe claramente que ele é voltado às sociedades, estando inserido no Título II, que trata das sociedades.
Além disso, ao se ler o artigo, verifica-se que ele fala apenas em “bens da sociedade” e em “sócios”. Logo, não se aplica às associações e aos associados.
O art. 1.023 prevê uma espécie de responsabilidade subsidiária dos sócios pelas dívidas da sociedade. Vale ressaltar que, para incidir o art. 1.023 não é necessária desconsideração da personalidade jurídica, conforme entende o STJ.
Quais são os requisitos para caracterização da fraude contra credores?
A ocorrêmcoa de fraude contra credores exige:
a) a anterioridade do crédito;
b) a comprovação de prejuízo ao credor (eventus damni);
c) que o ato jurídico praticado tenha levado o devedor à solvência; e
d) o conhecimento, pelo terceiro adquirente, do estado de insolvência do devedor (scientia fraudis).
OBS: Insta anotar que não obstante a lei prever expressamente a solução de anulabilidade do ato praticado em fraude contra credores, parte da doutrina e da jurisprudênca considera o ato como sendo meramente ineficaz (por todos, ver info 467 do STJ). De fato, essa parece ser a melhor solução, a ser adotada de lege ferenda, pois anulado o negócio jurídico o bem volta ao patrimônio do devedor. Tal situação pode criar injustiça, pois não necessariamente aquele credor que ingressou com a ação anulatória obterá a satisfação patrimonial.
Considere a seguinte situação: havia uma execução tramitando apenas contra a sociedade empresária; durante o curso deste processo, um dos sócios vendeu bem que estave em seu nome; algum tempo depois, o juiz determinou a desconsideração da personalidade jurídica e o redirecionamento da execução contra o sócio. Poderá, nesse caso, seu reconhecida a fraude à execução?
A fraude à execução só poderá ser reconhecida se o ato de disposição do bem for posterior à citação válida do sócio devedor, quando redirecionada a execução que fora originariamente proposta em face da pessoa jurídica.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.391.830-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 22/11/2016 (Info 594).
O entendimento acima exposto permanece válido com o CPC/2015?
Haverá polêmica, mas pela redação literal do novo CPC, não. Isso porque o CPC/2015 traz uma nova regra, que não havia no Código passado, afirmando que a fraude à execução tem como marco a data da citação da pessoa jurídica que é objeto da desconsideração: Art. 792 (…) § 3º Nos casos de desconsideração da personalidade jurídica, a fraude à execução verifica-se a partir da citação da parte cuja personalidade se pretende desconsiderar.
Outras questões:
O STJ, ainda na vigência do CPC/1973, apreciando o tema sob o regime do recurso repetitivo, definiu as seguintes teses:
1) Em regra, para que haja fraude à execução, é indispensável que tenha havido a citação válida do devedor.
2) Mesmo sem citação válida, haverá fraude à execução se, quando o devedor alienou ou onerou o bem, o credor já havia realizado a averbação da execução nos registros públicos. Presume-se em fraude de execução a alienação ou oneração de bens realizada após essa averbação.
3) Persiste válida a Súmula 375 do STJ, segundo a qual o reconhecimento da fraude de execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente.
4) A presunção de boa-fé é princípio geral de direito universalmente aceito, devendo ser respeitada a parêmia (ditado) milenar que diz o seguinte: “a boa-fé se presume, a má-fé se prova”.
5) Assim, não havendo registro da penhora na matrícula do imóvel, é do credor o ônus de provar que o terceiro adquirente tinha conhecimento de demanda capaz de levar o alienante à insolvência. STJ. Corte Especial. REsp 956.943-PR, Rel. originária Min. Nancy Andrighi, Rel. para acórdão Min. João Otávio de Noronha, julgado em 20/8/2014 (recurso repetitivo) (Info 552).
CASO (argumentos):
Segundo entendeu o Tribunal, para a configuração de fraude à execução, deve haver uma ação judicial contra o próprio devedor, demanda capaz de reduzi-lo à insolvência. Não basta que haja uma ação proposta contra a sociedade empresária da qual ele é sócio.
Somente com a superveniência da desconstituição da personalidade da pessoa jurídica é que o sócio da empresa (João) foi transformado em corresponsável pelo débito que era originalmente apenas da empresa.
Assim, ao tempo da alienação do imóvel, o sócio da empresa não era devedor e, nessa condição, tinha livre disposição sobre seus bens, sem que isso implique em fraude à atividade jurisdicional do Estado.
Desta feita, tem-se que a fraude à execução só poderá ser reconhecida se o ato de disposição do bem for posterior à citação válida do sócio devedor, quando redirecionada a execução que fora originariamente proposta em face da pessoa jurídica.
O entendimento acima exposto no REsp 1.391.830-SP permanece válido com o CPC/2015?
Penso que haverá polêmica. Isso porque o novo CPC traz uma nova regra, que não havia no Código passado, afirmando que a fraude à execução tem como marco a data da citação da pessoa jurídica que é objeto da desconsideração (tratando-se da desconsideração “tradicional”):
Art. 792 (…) § 3º Nos casos de desconsideração da personalidade jurídica, a fraude à execução verifica-se a partir da citação da parte cuja personalidade se pretende desconsiderar.
Desse modo, pela redação do CPC/2015, os efeitos da desconsideração deverão retroagir à data em que a pessoa jurídica foi citada. Neste caso, adotando-se a literalidade do dispositivo, o entendimento acima exposto teria que ser alterado agora.
Vale ressaltar, contudo, que esta regra ofende claramente a boa-fé dos terceiros adquirentes que não teriam, em tese, obrigação de saber que a pessoa que está alienando o bem é sócio de uma empresa, que a pessoa jurídica está sendo executada e que, no futuro, poderá ter a personalidade jurídica desconsiderada para atingir o patrimônio daquele sócio. Enfim, são conjecturas e cautelas muito grandes que se mostram irrazoáveis de serem impostas ao terceiro. Pela nova regra do art. 792, § 3º, o ato de comprar bens de um sócio de sociedade empresária passa a ser um negócio muito arriscado, ainda que contra ele (pessoa física) não haja nenhuma ação judicial em curso.
Importante lembrar que o STJ possui uma sólida tradição de proteger a boa-fé dos terceiros adquirentes, de forma que é necessário aguardar para sabermos como o Tribunal irá interpretar o dispositivo acima e se criará algum outro requisito para julgar ineficaz a alienação realizada. A doutrina majoritária critica esta previsão e fornece algumas interpretações para que o dispositivo não seja aplicado textualmente. Mas atenção! Em provas de concurso, a redação literal do art. 792, § 3º será exaustivamente cobrada nas provas, devendo ser assinalada como correta.
Qual é o prazo prescricional da pretensão do paciente de cobrar do plano de saúde os custos do procedimento médico cujo custeio foi indevidamente recusado por este?
R: 10 anos
Não há previsão específica de prazo prescricional para este caso.
Logo, aplica-se a regra geral de 10 anos prevista no art. 205 do CC.
A relação jurídica em tela é de natureza contratual. Logo, não se aplica o prazo de 3 anos previsto no art. 206, § 3o, V, do CC, pois este é destinado aos casos de responsabilidade extracontratual ou aquiliana:
Art. 206. Prescreve:
§ 3o Em três anos:
V - a pretensão de reparação civil;
De igual forma, não se aplica o prazo de 1 ano previsto no art. 206, § 1o, II, do CC, uma vez que, segundo o STJ, a causa de pedir no presente caso não decorre de contrato de seguro, mas sim da prestação de serviço de saúde, que deve receber tratamento próprio e não pode ser equiparado a um contrato de seguro.
Desse modo, não havendo previsão legal específica de prazo prescricional para demandas envolvendo prestação de serviços de saúde, deve-se aplicar a regra geral de prescrição prevista no art. 205 do CC:
Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor.
Qual é o prazo prescricional da pretensão de vítima de acidente de trânsito causado por concessionária de serviço de transporte público?
É de 5 anos o prazo prescricional para que a vítima de um acidente de trânsito proponha ação de indenização contra concessionária de serviço público de transporte coletivo (empresa de ônibus).
O fundamento legal para esse prazo está no art. 1º-C da Lei 9.494/97 e também no art. 14 c/c art. 27, do CDC. STJ. 3ª Turma. REsp 1.277.724-PR, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 26/5/2015 (Info 563).
Qual é o fundamento para esse prazo de 5 anos? Seria o Decreto 20.910/1932, que dispõe sobre a prescrição contra a Fazenda Pública?
NÃO. O fundamento legal para o prazo de 5 anos é o art. 1º-C da Lei n. 9.494/97, que se encontra em vigor e que é norma especial em relação ao art. 206, § 3º, V, do Código Civil. Veja o que diz o dispositivo:
Art. 1º-C. Prescreverá em cinco anos o direito de obter indenização dos danos causados por agentes de pessoas jurídicas de direito público e de pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos.
O STJ entendeu que não se aplicaria ao caso o Decreto 20.910/1932 porque a Lei n. 9.494/97 é mais específica para a situação já que envolvia concessionária de serviço público.
Outro fundamento que poderia ser invocado como reforço:
o CDC O pedestre que é atropelado por um ônibus de linha é considerado como consumidor por equiparação (bystander). Logo, há uma relação de consumo por força da regra de extensão do art. 17 do CDC:
Art. 17. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento.
Assim, pode-se aplicar também o regime da responsabilidade pelo fato do serviço do art. 14 do CDC, e, consequentemente, o prazo de prescrição seria também de 5 anos, conforme previsto no art. 27 do CDC:
Art. 27. Prescreve em 5 (cinco anos) a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço prevista na Seção II deste Capítulo, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria.
Qual é o prazo prescricional das pretensões de repetição de indébito relativo às tarifas de água e esgoto?
Súmula 412-STJ: A ação de repetição de indébito de tarifas de água e esgoto sujeita-se ao prazo prescricional estabelecido no Código Civil.
O prazo prescricional para as ações de repetição de indébito relativo às tarifas de serviços de água e esgoto cobradas indevidamente é de:
a) 20 (vinte) anos, na forma do art. 177 do Código Civil de 1916; ou
b) 10 (dez) anos, tal como previsto no art. 205 do Código Civil de 2002, observando-se a regra de direito intertemporal, estabelecida no art. 2.028 do Código Civil de 2002. STJ. 1ª Seção. REsp 1.532.514-SP, Rel. Min. Og Fernandes, Primeira Seção, julgado em 10/5/2017 (recurso repetitivo) (Info 603).
Discussão quanto à prescrição
A concessionária contestou a demanda argumentando que a pretensão de cobrança de boa parte dos valores pelo condomínio estaria prescrita. Isso porque, segundo a empresa, o prazo prescricional seria de 5 anos, com base no art. 1º do Decreto 20.910/1932, que trata sobre os prazos de ações propostas contra a Fazenda Pública. O condomínio, por sua vez, argumentava que deveriam ser aplicados os prazos previstos no Código Civil.
Qual das duas teses prevalece na jurisprudência: a da concessionária ou do condomínio? O prazo é o do Decreto 20.910/1932 ou do Código Civil?
Do Código Civil. O STJ editou uma súmula tratando sobre o tema:
Súmula 412-STJ: A ação de repetição de indébito de tarifas de água e esgoto sujeita-se ao prazo prescricional estabelecido no Código Civil.
O valor cobrado pelas concessionárias de água pela prestação do serviço possui natureza jurídica de tarifa (preço público). Dessa forma, o regime aplicável é o de direito privado, devendo, portanto, a prescrição ser regida pelo Código Civil e não por uma norma que é válida para as relações jurídicas da Fazenda Pública.
Mas, afinal de contas, qual é o prazo prescricional previsto no Código Civil de 2002?
Não existe um dispositivo específico no Código Civil tratando exatamente dessa situação. Em razão disso, aplica-se o prazo de 10 anos, conforme preconiza o art. 205 do CC:
Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor.
OBS : A ação de repetição de indébito por cobrança indevida de valores referentes a serviços não contratados de telefonia fixa tem prazo prescricional de 10 (dez) anos.
Autoriza-se a capitalização de juros em contratos não bancários?
A capitalização ANUAL de juros é permitida, seja para contrato bancários ou não bancários.
CIVIL E PROCESSUAL. RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. AÇÕES REVISIONAL E DE BUSCA E APREENSÃO CONVERTIDA EM DEPÓSITO. CONTRATO DE FINANCIAMENTO COM GARANTIA DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. JUROS COMPOSTOS. DECRETO 22.626/1933 MEDIDA PROVISÓRIA 2.170-36/2001. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. MORA. CARACTERIZAÇÃO.
1. A capitalização de juros vedada pelo Decreto 22.626/1933 (Lei de Usura) em intervalo inferior a um ano e permitida pela Medida Provisória 2.170-36/2001, desde que expressamente pactuada, tem por pressuposto a circunstância de os juros devidos e já vencidos serem, periodicamente, incorporados ao valor principal. Os juros não pagos são incorporados ao capital e sobre eles passam a incidir novos juros.
2. Por outro lado, há os conceitos abstratos, de matemática financeira, de “taxa de juros simples” e “taxa de juros compostos”, métodos usados na formação da taxa de juros contratada, prévios ao início do cumprimento do contrato. A mera circunstância de estar pactuada taxa efetiva e taxa nominal de juros não implica capitalização de juros, mas apenas processo de formação da taxa de juros pelo método composto, o que não é proibido pelo Decreto 22.626/1933.
3. Teses para os efeitos do art. 543-C do CPC: - “É permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano em contratos celebrados após 31.3.2000, data da publicação da Medida Provisória n. 1.963-17/2000 (em vigor como MP 2.170-36/2001), desde que expressamente pactuada.” - “A capitalização dos juros em periodicidade inferior à anual deve vir pactuada de forma expressa e clara. A previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada”.
4. Segundo o entendimento pacificado na 2ª Seção, a comissão de permanência não pode ser cumulada com quaisquer outros encargos remuneratórios ou moratórios.
5. É lícita a cobrança dos encargos da mora quando caracterizado o estado de inadimplência, que decorre da falta de demonstração da abusividade das cláusulas contratuais questionadas.
6. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, provido.
(REsp 973.827/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Rel. p/ Acórdão Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 08/08/2012, DJe 24/09/2012)
Avalie a seguinte situação: o réu foi condenado a pagar indenização acrescida de juros de mora até o efetivo adimplemento. Em outro processo, porém, relacionado a fatos conexos, teve ele todo seu patrimônio bloqueado. Nesse caso, poderá ele ser cobrado dos juros de mora no primeiro processo?
Réu foi condenado a pagar indenização acrescida de juros até o efetivo pagamento. O fato de o seu patrimônio ter sido bloqueado em outra ação judicial que trata sobre fatos conexos não significa que os juros de mora devem deixar de ser computados naquele primeiro processo
A mera notícia de decisão judicial determinando a indisponibilidade forçada dos bens do réu, no cerne de outro processo, com objeto e partes distintas, não possui o condão de interromper a incidência dos juros moratórios. STJ. 3ª Turma. REsp 1.740.260-RS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 26/06/2018 (Info 629).
Imagine a seguinte situação hipotética:
Dr. Marcelo era advogado de Maria em uma ação por ela proposta contra a empresa X.
Maria sagrou-se vencedora.
Marcelo, na condição de seu advogado, fez o levantamento do alvará judicial (sacou o valor que o juiz determinou que deveria ser pago a Maria), mas não lhe repassou todo o montante devido, apropriando-se de parte dos valores que ela teria direito.
Em outras palavras, o advogado ficou, indevidamente, com parte do dinheiro que era de Maria.
Diante disso, Maria constituiu outro advogado e, em março de 2017, ingressou com ação de cobrança contra Marcelo.
Ação civil pública
Vale ressaltar que Marcelo fez isso com centenas de outros clientes, tendo sido, inclusive, alvo de operação policial deflagrada para apurar o caso.
Em razão dos fatos, o Ministério Público ajuizou ação civil pública contra Marcelo a fim de que ele devolva todos os valores retidos ilegalmente de seus antigos clientes.
Em setembro de 2017, o juiz desta ACP, cautelarmente, determinou o bloqueio de todos os bens de Marcelo
Voltando ao processo da D. Maria
Em outubro de 2017, o juízo de primeiro grau responsável pela ação proposta por Maria julgou procedente a pretensão e condenou Marcelo a:
a) ressarcir integralmente os valores sacados, acrescidos de juros de mora e correção monetária;
b) pagar indenização de R$ 10 mil a título de danos morais, acrescidos de juros de mora e correção monetária.
Qual foi o termo inicial dos juros de mora neste caso? Os juros de mora deverão ser contados a partir de quando: da data em que Marcelo ficou indevidamente com os valores?
NÃO. O termo inicial dos juros, neste caso, é a data da citação. O termo inicial em caso de abuso de mandato é a data da citação:
Reconhecido o abuso de mandato por desacerto contratual, em razão de o advogado ter repassado valores a menor para seu mandatário, o marco inicial dos juros moratórios é a data da citação.
O termo inicial dos juros moratórios deve ser determinado a partir da natureza da relação jurídica mantida entre as partes.
No caso, tratando-se de mandato, a relação jurídica tem natureza contratual, sendo o termo inicial dos juros moratórios a data da citação (art. 405 do CC). STJ. 3ª Turma. REsp 1.403.005-MG, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 6/4/2017 (Info 602)
Qual foi o termo final dos juros de mora neste caso? Os juros de mora deverão ser contados a partir da citação. Mas quando eles irão terminar? Até quando são contados os juros de mora nesta situação?
O juiz determinou que os juros de mora deveriam incidir até o efetivo pagamento. Em outras palavras, o juiz da causa determinou que, enquanto Marcelo não pagasse a indenização, os juros de mora deveriam continuar incidindo.
[…]
No caso concreto, não houve o depósito integral para garantia do juízo espontaneamente realizado pelo réu. O que houve foi a mera notícia da indisponibilidade forçada de seus bens, que teria sido determinada em outra ação, com outro objeto e outras partes.
O aludido bloqueio patrimonial configura medida constritiva, de natureza preventiva, que não se confunde com a sistemática do depósito judicial em garantia e não caracteriza a satisfação voluntária da obrigação.
A constrição apenas impede que o réu promova atos tendentes a dilapidarseu patrimônio, causando ainda maiores prejuízos aos seus credores.
Além disso, o patrimônio bloqueado não guarda nenhuma relação direta com o crédito da autora, objeto da presente demanda, tampouco está à sua disposição para levantamento. Assim, esse dinheiro, bloqueado em outra ação, não está à disposição da autora.
Desse modo, inexiste fundamento jurídico plausível para a interrupção da mora antes do efetivo pagamento da indenização. A autora não pode ser prejudicada pelo fato de o réu ter praticado a mesma conduta ilícita com centenas de outras pessoas a ponto de gerar um bloqueio judicial de seu patrimônio no âmbito de outra demanda, da qual a vítima nem mesmo é parte. Se essa interrupção da mora fosse admitida, o réu estaria sendo beneficiado pela sua própria torpeza.
Vale ressaltar que não há nem mesmo certeza que o valor bloqueado na ACP será suficiente para indenizar todas as vítimas dos ilícitos praticados pelo réu.
Em caso de descontituição de contrato de mútuo feneratício celebrado com instituição financeira, tem o mutuário direito à repetição do indébito com os mesmo encargos do contrato?
Pessoa celebrou contrato de mútuo feneratício com instituição financeira. Por algum motivo (ex: nulidade, ato ilícito, abusividade etc.) o mutuário ingressou com ação judicial pedindo a resolução do contrato e a restituição das parcelas pagas.
Se esta ação for julgada procedente, o mutuário terá direito de receber os valores pagos acrescidos de juros remuneratórios no mesmo percentual que era previsto no contrato para ser cobrado pelo banco mutuante?
NÃO. O mutuário que celebrar contrato de mútuo feneratício com a instituição financeira mutuante, não tem direito de pedir repetição do indébito com os mesmos índices e taxas de encargos previstos no contrato.
Tese aplicável a todo contrato de mútuo feneratício celebrado com instituição financeira mutuante: “Descabimento da repetição do indébito com os mesmos encargos do contrato”. STJ. 2ª Seção. REsp 1.552.434-GO, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 13/06/2018 (recurso repetitivo) (Info 628).
Mútuo feneratício
A palavra “feneratício” vem do latim “feneratitius”, que significa algo “relativo à usura”.
O mútuo feneratício é o empréstimo que tem fins econômicos, ou seja, no qual haverá o pagamento de uma remuneração ao mutuante. Encontra-se previsto no art. 591 do CC:
Art. 591. Destinando-se o mútuo a fins econômicos, presumem-se devidos juros, os quais, sob pena de redução, não poderão exceder a taxa a que se refere o art. 406, permitida a capitalização anual.
Art. 406. Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional.
A remuneração pelo empréstimo de coisa fungível é chamada de juros remuneratórios. Assim, podemos resumir dizendo que mútuo feneratício consiste no “empréstimo de dinheiro a juro”.
Obs: segundo prevalece no STJ, a taxa dos juros moratórios a que se refere o art. 406 do CC é a dispositivo é a taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia – SELIC (STJ. 3ª Turma. AgRg no REsp 1105904/DF, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 20/09/2012).
Mútuo feneratício envolvendo instituições financeiras
O art. 591 prevê que, no mútuo feneratício, a taxa de juros não pode ser superior à taxa legal prevista no art. 406 do CC. O art. 591 do CC afirma também que a única capitalização possível seria a anual. Vale ressaltar, contudo, que essas restrições contidas no art. 591 do CC não se aplicam para o mútuo feneratício envolvendo instituições financeiras.
Qual será a taxa de juros que o banco poderá cobrar?
O STJ possui o entendimento de que os juros remuneratórios cobrados pelos bancos não estão sujeitos aos limites impostos pela Lei de Usura (Decreto nº 22.626/33), pelo Código Civil ou por qualquer outra lei. Em outras palavras, não existe lei limitando os juros que são cobrados pelos bancos (STJ. 2ª Seção. REsp 1061530/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 22/10/2008). Existe também uma súmula antiga do STF que afirma isso:
Súmula 596-STF: As disposições do Decreto 22.626 de 1933 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o sistema financeiro nacional.
Diante da ausência de lei que imponha limites aos juros cobrados pelas instituições financeiras, o STJ construiu a seguinte regra: os juros cobrados pelos bancos devem utilizar como índice a taxa média de mercado, que é calculada e divulgada pelo Banco Central (BACEN) em sua página na internet.
Vale ressaltar que essas taxas são divulgadas de acordo com o tipo de encargo que foi ajustado (prefixado, pós-fixado, taxas flutuantes e índices de preços), com a categoria do tomador (pessoas físicas e jurídicas) e com a modalidade de empréstimo realizada (hot money, desconto de duplicatas, desconto de notas promissórias, capital de giro, conta garantida, financiamento imobiliário, aquisição de bens, ‘vendor’, cheque especial, crédito pessoal etc.). Em outras palavras, para cada tipo de contrato existe uma média das taxas que estão sendo cobradas pelos bancos naquele mês.
Desse modo, o correto é que o contrato bancário traga uma cláusula dizendo expressamente a taxa de juros que será aplicada. No entanto, caso o contrato bancário não preveja, o STJ determina que deverá, em regra, ser aplicada a taxa média de mercado, divulgada pelo Bacen, praticada nas operações da mesma espécie.
Adotar essa taxa média é a solução mais adequada porque ela é calculada com base nas informações prestadas por todas as instituições financeiras e, por isso, representa o ponto de equilíbrio nas forças do mercado. Além disso, traz embutida em si o custo médio dos bancos e seu lucro médio, ou seja, um spread médio (REsp 1112880/PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 12/05/2010). (PESQUISAR!!!)
Repetição de indébito em contrato de mútuo feneratício celebrado com instituição financeira
Imagine que João celebrou contrato de mútuo com um banco por meio do qual tomou emprestado R$ 100 mil, com a obrigação de devolver a quantia principal mais juros remuneratórios.
Ele pagou durante 6 meses as prestações do empréstimo.
Ocorre que o advogado de João percebeu que havia uma nulidade no contrato.
Diante disso, ajuizou uma ação declaratória de nulidade do contrato cumulada com repetição de indébito. Em outras palavras, ele pediu para rescindir o ajuste e para receber de volta os valores que pagou durante os 6 meses.
Vale ressaltar que João pediu ao juiz para condenar o banco a restituir a quantia principal cobrada indevidamente (6 parcelas) acrescida dos mesmos juros que a instituição cobrou dele. Assim, o banco cobrou uma taxa de 11% ao mês. Logo, João pediu para receber de volta o valor acrescido de 11% ao mês.
O pedido de João foi acolhido? O mutuário terá direito de receber os valores pagos acrescidos de juros remuneratórios no mesmo percentual que era previsto no contrato para ser cobrado pelo banco mutuante? NÃO.
O mutuário que celebrar contrato de mútuo feneratício com a instituição financeira mutuante, não tem direito de pedir repetição do indébito com os mesmos índices e taxas de encargos previstos no contrato. STJ. 2ª Seção. REsp 1.552.434-GO, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 13/06/2018 (recurso repetitivo) (Info 628)
E o mutuário, além do principal, terá direito de receber alguma taxa de juros remuneratórios?
O STJ resolveu não decidir isso ainda neste recurso especial considerando que ainda não havia uma posição sedimentada do Tribunal a respeito.
Assim, por exemplo, se o banco cobrou uma taxa de 11% ao mês, o mutuário não terá direito de receber o principal mais 11% ao mês. As decisões judiciais que determinarem essa equivalência, serão reformadas com base nesse entendimento do STJ.
Não foi definido, contudo, ainda, o quanto o mutuário terá direito.
Desse modo, a única conclusão que o STJ já firmou é a de que, em caso de repetição de indébito envolvendo mútuo feneratício praticado por instituições financeiras mutuantes, o mutuário não terá direito de receber de volta a quantia acrescida dos mesmos encargos que são cobrados pelos bancos.
O Judiciário pode proceder à redução das arras confirmatória, caso a julgue desproporcional ao preço ajustado?
Se a proporção entre a quantia paga inicialmente e o preço total ajustado evidenciar que o pagamento inicial englobava mais do que o sinal, não se pode declarar a perda integral daquela quantia inicial como se arras confirmatórias fosse, sendo legítima a redução equitativa do valor a ser retido. STJ. 3ª Turma. REsp 1.513.259-MS, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 16/2/2016 (Info 577).
Arras confirmatórias:
_-_São previstas no contrato com o objetivo de reforçar, incentivar que as partes cumpram a obrigação combinada.
- A regra são as arras confirmatórias. Assim, no silêncio do contrato, as arras são confirmatórias.
- Se as partes cumprirem as obrigações contratuais, as arras serão devolvidas para a parte que as havia dado. Poderão também ser utilizadas como parte do pagamento.
- Se a parte que deu as arras não executar (cumprir) o contrato: a outra parte (inocente) poderá reter as arras, ou seja, ficar com elas para si. Se a parte que recebeu as arras não executar o contrato: a outra parte (inocente) poderá exigir a devolução das arras mais o equivalente*.
- Além das arras, a parte inocente poderá pedir:
indenização suplementar, se provar maior prejuízo, valendo as arras como taxa mínima;
a execução do contrato, com as perdas e danos, valendo as arras como o mínimo da indenização.
Arras penitenciais:
- São previstas no contrato com o objetivo de permitir que as partes possam desistir da obrigação combinada caso queiram e, se isso ocorrer, o valor das arras penitenciais já funcionará como sendo as perdas e danos.
- Ocorre quando o contrato estipula arras, mas também prevê o direito de arrependimento.
- Se as partes cumprirem as obrigações contratuais, as arras serão devolvidas para a parte que as havia dado. Poderão também ser utilizadas como parte do pagamento.
- Se a parte que deu as arras decidir não cumprir o contrato (exercer seu direito de arrependimento): ela perderá as arras dadas. Se a parte que recebeu as arras decidir não cumprir o contrato (exercer seu direito de arrependimento): deverá devolver as arras mais o equivalente*
- As arras penitenciais têm função unicamente indenizatória. Isso significa que a parte inocente ficará apenas com o valor das arras (e do equivalente) e NÃO terá direito a indenização suplementar.
Comentários do caso:
Realmente, o promitente-comprador, por ter dado causa à rescisão do contrato, deverá perder as arras confirmatórias que foram pagas. Isso está previsto no art. 418 do CC:
Art. 418. Se a parte que deu as arras não executar o contrato, poderá a outra tê-lo por desfeito, retendoas; se a inexecução for de quem recebeu as arras, poderá quem as deu haver o contrato por desfeito, e exigir sua devolução mais o equivalente, com atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, juros e honorários de advogado.
No entanto, para o STJ, o pagamento inicial feito pelo promitente-comprador, por representar 1/3 do valor final do negócio, não pode ser considerado como um mero “sinal” (arras), razão pela qual a aplicação do art. 418 do CC/02 deve sofrer flexibilização.
No caso concreto, ficou evidenciado que o pagamento inicial englobava mais do que o sinal, motivo pelo qual o STJ entendeu que neste valor de R$ 70 mil já estava embutido o “sinal” e algumas parcelas do contrato.
Para a Corte, se todo esse valor fosse considerado como arras confirmatórias, o promitente-comprador acabaria sendo onerado excessivamente e haveria um enriquecimento desproporcional do promitente-vendedor.
Segundo a jurisprudência do STJ, as arras confirmatórias devem ser fixadas em um percentual máximo que varie de 10% e 20% do valor do bem.
Esse seria o valor máximo que o promitente-vendedor poderia reter para si.
Na situação em exame, o STJ afirmou que o promitente-vendedor deveria reter, a título de arras confirmatórias, a quantia equivalente a 15% do valor do imóvel.
Vale ressaltar que, além das arras confirmatórias, o STJ determinou que o promitente-comprador deveria pagar ao promitente-vendedor o valor equivalente a 6 meses de aluguel (tempo que ele ficou morando no imóvel antes de ser retirado). Isso é possível. Estes alugueis correspondem ao valor das perdas e danos sofridos pelo promitente-vendedor e as perdas e danos podem ser cumuladas com as arras confirmatórias.
É cabível a cumulação da perda das arras com a imposição da cláusula penal compensatória?
Na hipótese de inexecução do contrato, revela-se inadmissível a cumulação das arras com a cláusula penal compensatória, sob pena de ofensa ao princípio do non bis in idem.
Ex: João celebrou contrato de promessa de compra e venda com uma incorporadora imobiliária para aquisição de um apartamento. João comprometeu-se a pagar 80 parcelas de R$ 3 mil e, em troca, receberia um apartamento. No início do contrato, João foi obrigado a pagar R$ 20 mil a título de arras. No contrato, havia uma cláusula penal compensatória prevendo que, em caso de inadimplemento por parte de João, a incorporadora poderia reter 10% das prestações que foram pagas por ele. Trata-se de cláusula penal compensatória. Suponhamos que, após pagar 30 parcelas, João tenha parado de pagar as prestações. Neste caso, João perderá apenas as arras, mas não será obrigado a pagar também a cláusula penal compensatória. Não é possível a cumulação da perda das arras com a imposição da cláusula penal compensatória. Logo, decretada a rescisão do contrato, fica a incorporadora autorizada a apenas reter o valor das arras, sem direito à cláusula penal. STJ. 3ª Turma. REsp 1.617.652-DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 26/09/2017 (Info 613).
Finalidades das arras A Min. Nancy Andrighi identifica que as arras têm por finalidades:
a) firmar a presunção de acordo final, tornando obrigatório o ajuste (caráter confirmatório);
b) servir de princípio de pagamento (se forem do mesmo gênero da obrigação principal);
c) prefixar o montante das perdas e danos devidos pelo descumprimento do contrato ou pelo exercício do direito de arrependimento, se expressamente estipulado pelas partes (caráter indenizatório).
Comentário:
Na hipótese de inadimplemento, as arras funcionam como uma espécie de cláusula penal compensatória, representando o valor previamente estimado pelas partes para indenizar a parte não culpada pela inexecução do contrato. A perda das arras, na hipótese, representa o efeito da resolução imputável e culposa.
Assim, as arras, a princípio, têm a função de indicar que a obrigação será cumprida. No entanto, ocorrendo a inexecução contratual elas passam a ter função de cláusula penal.
Tanto nas arras confirmatórias como nas arras penitenciais, se a parte que deu as arras não executar o contrato, a outra parte (inocente) poderá reter as arras, ou seja, ficar com elas para si.
Dessa forma, o que se conclui é que, na hipótese de inadimplemento do contrato, as arras apresentam natureza indenizatória, desempenhando papel semelhante ao da cláusula penal compensatória.
Logo, se as arras cumprem a mesma função da cláusula penal compensatória, não é possível que a parte inocente exija da parte culpada tanto as arras como a cláusula penal compensatória. Isso seria bis in idem (dupla condenação a mesmo título), o que é vedado pelo Direito.
Qual das duas deverá, então, prevalecer: as arras ou a cláusula penal?
Se previstas cumulativamente para o inadimplemento contratual, entende-se que deve incidir exclusivamente a pena de perda das arras, ou a sua devolução mais o equivalente, a depender da parte a quem se imputa a inexecução contratual. Isso porque o art. 419 do CC afirma que as arras valem como “taxa mínima” de indenização pela inexecução do contrato.
Assim, em nosso exemplo, como quem praticou a inexecução contratual foi quem deu as arras (João), ele perderá as arras
No caso de arras penitenciais, a parte inocente terá direito à indenização suplementar?
As arras penitenciais têm função unicamente indenizatória. Isso significa que a parte inocente ficará apenas com o valor das arras (e do equivalente) e NÃO terá direito a indenização suplementar.
A cláusula penal moratório pode ser cumulada com indenização por lucros cessantes?
A cláusula penal moratória tem a finalidade de indenizar pelo adimplemento tardio da obrigação, e, em regra, estabelecida em valor equivalente ao locativo, afasta-se sua cumulação com lucros cessantes. STJ. 2ª Seção. REsp 1.498.484-DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 22/05/2019 (recurso repetitivo) (Info 651).
O que é cláusula penal? Cláusula penal é…
- uma cláusula do contrato
- ou um contrato acessório ao principal
- em que se estipula, previamente, o valor da indenização que deverá ser paga
- pela parte contratante que não cumprir, culposamente, a obrigação.
CLÁUSULA PENAL MORATÓRIA:
- Estipulada para desestimular o devedor a incorrer em mora ou para evitar que deixe de cumprir determinada cláusula especial da obrigação principal. É a cominação contratual de uma multa para o caso de mora.
- Finalidade: para uns, funciona como punição pelo atraso no cumprimento da obrigação. Para outros autores, teria uma função apenas de inibir o descumprimento e indenizar os prejuízos (não teria finalidade punitiva).
- Aplicada para o caso de inadimplemento relativo.
- Ex: em uma promessa de compra e venda de um apartamento, é estipulada multa para o caso de atraso na entrega.
- Art. 411. Quando se estipular a cláusula penal para o caso de mora, ou em segurança especial de outra cláusula determinada, terá o credor o arbítrio de exigir a satisfação da pena cominada, juntamente com o desempenho da obrigação principal
CLÁUSULA PENAL COMPENSATÓRIA:
- Estipulada para servir como indenização no caso de total inadimplemento da obrigação principal.
- Funciona como uma prefixação das perdas e danos.
- Aplicada para o caso de inadimplemento absoluto.
- Ex: em um contrato para que um cantor faça um show no réveillon, é estipulada uma multa de 100 mil reais caso ele não se apresente.
- Art. 410. Quando se estipular a cláusula penal para o caso de total inadimplemento da obrigação, esta converter-se-á em alternativa a benefício do credor.
Em caso de atraso na entrega do imóvel, é possível a cumulação da indenização por lucros cessantes com a cláusula penal moratória? Em nosso exemplo, será possível condenar a construtora ao pagamento da multa e mais os lucros cessantes?
NÃO.
Para o Min. Luis Felipe Salomão, a natureza da cláusula penal moratória é eminentemente reparatória (indenizatória), possuindo também, reflexamente, uma função dissuasória (ou seja, de desestímulo ao descumprimento).
Tanto isso é verdade que a maioria dos contratos de promessa de compra e venda prevê uma multa contratual por atraso (cláusula penal moratória) que varia de 0,5% a 1% ao mês sobre o valor total do imóvel. Esse valor é escolhido porque representa justamente a quantia que o imóvel alugado, normalmente, produziria ao locador.
Assim, como a cláusula penal moratória já serve para indenizar/ressarcir os prejuízos que a parte sofreu, não se pode fazer a sua cumulação com lucros cessantes (que também consiste em uma forma de ressarcimento).
Diante desse cenário, havendo cláusula penal no sentido de prefixar, em patamar razoável, a indenização, não cabe a sua cumulação com lucros cessantes.
Mudança de entendimento
Vale ressaltar que a decisão acima explicada representa uma alteração de entendimento. Isso porque o STJ entendia que:
A cláusula penal moratória não era estipulada para compensar o inadimplemento nem para substituir o adimplemento. Assim, a cominação contratual de uma multa para o caso de mora não interferia com a responsabilidade civil. Logo, não havia óbice a que se exigisse a cláusula penal moratória juntamente com o valor referente aos lucros cessantes.
Desse modo, no caso de mora, existindo cláusula penal moratória, concedia-se ao credor a faculdade de requerer, cumulativamente: a) o cumprimento da obrigação; b) a multa contratualmente estipulada; e ainda c) indenização correspondente às perdas e danos decorrentes da mora. Nesse sentido: STJ. 3ª Turma. REsp 1355554-RJ, Rel. Min. Sidnei Beneti, julgado em 6/12/2012 (Info 513)
Se não houver cláusula penal, continua sendo possível a condenação por lucros cessantes
Nem sempre os contratos de promessa de compra e venda possuem cláusula penal estipulando multa para a construtora em caso de atraso na entrega do imóvel. Assim, se não existir cláusula penal e se houve efetivamente o atraso, será possível, em tese, condenar a construtora ao pagamento de lucros cessantes:
O atraso na entrega do imóvel enseja pagamento de indenização por lucros cessantes durante o período de mora do promitente vendedor, sendo presumido o prejuízo do promitente comprador. Os lucros cessantes serão devidos ainda que não fique demonstrado que o promitente comprador tinha finalidade negocial na transação. STJ. 2ª Seção. EREsp 1.341.138-SP, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 09/05/2018 (Info 626).
Vale ressaltar, no entanto, que essa hipótese será cada vez mais rara na prática, considerando o que decidiu o STJ no REsp 1.631.485-DF:
No contrato de adesão firmado entre o comprador e a construtora/incorporadora, havendo previsão de cláusula penal apenas para o inadimplemento do adquirente, deverá ela ser considerada para a fixação da indenização pelo inadimplemento do vendedor.
As obrigações heterogêneas (obrigações de fazer e de dar) serão convertidas em dinheiro, por arbitramento judicial. STJ. 2ª Seção. REsp 1.631.485-DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 22/05/2019 (recurso repetitivo) (Info 651).
Ampliando um pouco o debate: em um contrato no qual foi estipulada uma cláusula penal COMPENSATÓRIA, caso haja o inadimplemento, é possível que o credor exija o valor desta cláusula penal e mais as perdas e danos?
Também não. Não se pode cumular multa compensatória prevista em cláusula penal com indenização por perdas e danos decorrentes do inadimplemento da obrigação.
A finalidade da cláusula penal compensatória é recompor a parte pelos prejuízos que eventualmente decorram do inadimplemento total ou parcial da obrigação. Não é possível, portanto, cumular cláusula penal compensatória com perdas e danos decorrentes de inadimplemento contratual.
Com efeito, se as próprias partes já acordaram previamente o valor que entendem suficiente para recompor os prejuízos experimentados em caso de inadimplemento, não se pode admitir que, além desse valor, ainda seja acrescido outro, com fundamento na mesma justificativa – a recomposição de prejuízos.
Lei nº 13.786/2018
Em 28/12/2018, entrou em vigor a Lei nº 13.786/2018, que dispõe sobre a resolução do contrato por inadimplemento do adquirente de unidade imobiliária.
A Lei nº 13.786/2018 acrescentou o art. 43-A na Lei nº 4.591/64 para tratar sobre o inadimplemento (parcial ou absoluto) em contratos de compra e venda, promessa de venda, cessão ou promessa de cessão de unidades autônomas integrantes de incorporação imobiliária ou de loteamento. Veja inicialmente o que diz o caput:
Art. 43-A. A entrega do imóvel em até 180 (cento e oitenta) dias corridos da data estipulada contratualmente como data prevista para conclusão do empreendimento, desde que expressamente pactuado, de forma clara e destacada, não dará causa à resolução do contrato por parte do adquirente nem ensejará o pagamento de qualquer penalidade pelo incorporador.
Assim, o caput do art. 43-A prevê agora expressamente a validade da cláusula de tolerância (que já era admitida pela jurisprudência). Com isso, admite-se como tolerável (aceitável) um atraso de até 180 dias em relação ao prazo previsto para a entrega.
Por outro lado, se o empreendimento for entregue após os 180 dias de tolerância, isso já será considerado inaceitável e o adquirente poderá pedir cumulativamente:
- a resolução do contrato;
- a devolução de todo o valor que pagou; e
- o pagamento da multa estabelecida.
A incorporadora deverá fazer o pagamento em até 60 dias corridos, contados da resolução, acrescidos de correção monetária. É isso que prevê o novo § 1º do art. 43-A:
§ 1º Se a entrega do imóvel ultrapassar o prazo estabelecido no caput deste artigo, desde que o adquirente não tenha dado causa ao atraso, poderá ser promovida por este a resolução do contrato, sem prejuízo da devolução da integralidade de todos os valores pagos e da multa estabelecida, em até 60 (sessenta) dias corridos contados da resolução, corrigidos nos termos do § 8º do art. 67-A desta Lei.
O adquirente pode, no entanto, decidir que, mesmo tendo sido ultrapassado o prazo de tolerância, ele não quer a resolução do contrato, ou seja, ele permanece com interesse no imóvel.
Neste caso, este adquirente irá receber o imóvel e terá direito à indenização de 1% do valor efetivamente pago à incorporadora, para cada mês de atraso, acrescido de correção monetária. Veja a redação do § 2º do art. 43-A:
§ 2º Na hipótese de a entrega do imóvel estender-se por prazo superior àquele previsto no caput deste artigo, e não se tratar de resolução do contrato, será devida ao adquirente adimplente, por ocasião da entrega da unidade, indenização de 1% (um por cento) do valor efetivamente pago à incorporadora, para cada mês de atraso, pro rata die, corrigido monetariamente conforme índice estipulado em contrato.
Vale ressaltar que a multa do § 1º, vista acima, é decorrente da inexecução total da obrigação (houve a resolução do contrato).
O § 2º, por sua vez, prevê uma indenização para a mora (o contrato não foi desfeito, tendo sido apenas cumprido com atraso).
Assim, as sanções têm natureza jurídica e finalidade diversas, sendo, portanto, inacumuláveis, conforme prevê o § 3º do art. 43-A:
§ 3º A multa prevista no § 2º deste artigo, referente a mora no cumprimento da obrigação, em hipótese alguma poderá ser cumulada com a multa estabelecida no § 1º deste artigo, que trata da inexecução total da obrigação.
Como fica a questão da aplicação da Lei nº 13.786/2018 no tempo? Essas regras da Lei nº 13.786/2018, que acabei de explicar, podem ser aplicadas para os contratos celebrados antes da sua vigência?
NÃO. As regras da Lei nº 13.786/2018, que entrou em vigor no dia 28/12/2018, não podem ser aplicadas aos contratos anteriores à sua vigência.
A nova lei só poderá atingir contratos celebrados posteriormente à sua entrada em vigor.
Nas palavras do Min. Luis Felipe Salomão:
“(…) a Lei n. 13.786/2018 não será aplicada para a solução dos casos em julgamento, de modo a trazer segurança e evitar que os jurisdicionados que firmaram contratos anteriores sejam surpreendidos, ao arrepio do direito adquirido e do ato jurídico perfeito.”
O que vale é a data da celebração do contrato (e não a data do inadimplemento). Desse modo, imagine que o contrato foi celebrado em janeiro de 2017. Em janeiro de 2019, terminou o prazo de tolerância e a construtora não entregou o empreendimento. Neste caso, não se aplicam as regras trazidas pela Lei nº 13.786/2018 porque o pacto é anterior a esse diploma.
Assim, podemos fixar as conclusões:
- contratos celebrados até 27/12/2018: em caso de inadimplemento, aplica-se a jurisprudência do STJ firmada neste REsp 1.498.484-DF, não incidindo a Lei nº 13.786/2018.
- contratos celebrados a partir de 28/12/2018: devem ser aplicadas as regras da Lei nº 13.786/2018.
É válida cláusula contratual que prevê a perda integral dos valores pagos em contrato de compromisso de compra e venda firmado entre particulares?
É válida a cláusula penal que prevê a perda integral dos valores pagos em contrato de compromisso de compra e venda firmado entre particulares. Para a caracterização do vício de lesão, exige-se a presença simultânea de:
a) elemento objetivo (desproporção das prestações); e
b) elemento subjetivo (a inexperiência ou a premente necessidade). Os dois elementos devem ser aferidos no caso concreto.
Tratando-se de negócio jurídico bilateral celebrado de forma voluntária entre particulares, é imprescindível a comprovação dos elementos subjetivos, sendo inadmissível a presunção nesse sentido.
O mero interesse econômico em resguardar o patrimônio investido em determinado negócio jurídico não configura premente necessidade para o fim do art. 157 do Código Civil. STJ. 3ª Turma.REsp 1.723.690-DF, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 06/08/2019 (Info 653).
A aplicação da sanção civil do pagamento em dobro por cobrança judicial de dívida já adimplida pode ser postulada pelo réu na contestação, ou depende de reconvenção ou ação autônoma?
A aplicação da sanção civil do pagamento em dobro por cobrança judicial de dívida já adimplida (art. 1.531 do CC 1916 / art. 940 do CC 2002) pode ser postulada pelo réu na própria defesa, independendo da propositura de ação autônoma ou do manejo de reconvenção.
Para que haja a aplicação da sanção civil do pagamento em dobro por cobrança judicial de dívida já adimplida (art. 1.531 do CC 1916 / art. 940 do CC 2002), é imprescindível a demonstração de má-fé do credor. Permanece válido o entendimento da Súmula 159-STF: Cobrança excessiva, mas de boa fé, não dá lugar às sanções do art. 1.531 do Código Civil (atual art. 940 do CC 2002). STJ. 2ª Seção. REsp 1.111.270-PR, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 25/11/2015 (recurso repetitivo) (Info 576).
Art. 940. Aquele que demandar por dívida já paga, no todo ou em parte, sem ressalvar as quantias recebidas ou pedir mais do que for devido, ficará obrigado a pagar ao devedor, no primeiro caso, o dobro do que houver cobrado e, no segundo, o equivalente do que dele exigir, salvo se houver prescrição.
Obs1: essa penalidade do art. 940 deve ser aplicada independentemente da pessoa demandada ter provado qualquer tipo de prejuízo. Assim, ainda que Pedro não comprove ter sofrido dano, essa indenização será devida. O art. 940 do CC institui uma autêntica pena privada, aplicável independentemente da existência de prova do dano. (STJ. 3ª Turma. REsp 1.286.704/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe de 28/10/2013).
Obs2: a penalidade do art. 940 exige que o credor tenha exigido judicialmente a dívida já paga (“demandar” = “exigir em juízo”).
Para que Pedro cobre esse valor em dobro, é necessária ação autônoma ou reconvenção ou ele pode fazer isso por meio de mera contestação?
O pedido pode ser feito por meio de contestação. Segundo o STJ, a aplicação da penalidade do pagamento do dobro da quantia cobrada indevidamente pode ser requerida por toda e qualquer via processual. Assim, não depende da propositura de ação autônoma ou de que a parte a requeira em sede de reconvenção.
Sempre que houver cobrança de dívida já paga, haverá a condenação do autor à penalidade do art. 940 do CC?
Não, nem sempre. Segundo a jurisprudência, são exigidos dois requisitos para a aplicação do art. 940:
a) Cobrança JUDICIAL de dívida já paga (no todo ou em parte), sem ressalvar as quantias recebidas;
b) MÁ-FÉ do cobrador.
Se João tivesse desistido da ação de cobrança antes de Pedro apresentar contestação, isso o eximiria do pagamento da penalidade do art. 940 do CC?
SIM. O CC prevê que a indenização é excluída se o autor desistir da ação antes de contestada a lide: Art. 941. As penas previstas nos arts. 939 e 940 não se aplicarão quando o autor desistir da ação antes de contestada a lide, salvo ao réu o direito de haver indenização por algum prejuízo que prove ter sofrido.
A abusividade dos encargos acessórios da dívida descaracteriza a mora?
A abusividade de encargos acessórios do contrato não descaracteriza a mora. STJ. 2ª Seção. REsp 1.639.259-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 12/12/2018 (recurso repetitivo) (Info 639).
Obs: o reconhecimento da abusividade dos encargos essenciais exigidos no período da normalidade contratual descarateriza a mora (STJ. 2ª Seção. REsp 1061530/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 22/10/2008).
Imagine a seguinte situação hipotética:
João celebrou contrato de financiamento bancário por meio do qual tomou emprestado R$ 50 mil da instituição financeira, oferecendo um caminhão como garantia da dívida.
Ocorre que o banco inseriu no contrato três encargos acessórios a serem pagos pelo contratante, que não teve liberdade de escolha.
Assim, o contrato previa que João deveria, obrigatoriamente, pagar, além das parcelas do financiamento: • seguro de proteção financeira;
- ressarcimento de despesas com pré-gravame;
- comissão do correspondente bancário.
O banco poderia ter exigido o pagamento desses encargos?
NÃO. O STJ entende que essa exigência é abusiva.
Atraso no pagamento das parcelas do financiamento Após alguns meses, João passou a atrasar o pagamento das parcelas do contrato.
O contrato previa que, em caso de atraso, incidiria multa contratual, juros moratórios e correção monetária.
Diante da mora, o banco iniciou a cobrança dos encargos moratórios previstos no ajuste.
João defendeu-se afirmando que, como o banco estava exigindo alguns encargos manifestamente abusivos, o atraso no pagamento foi justificado e, portanto, a mora deveria ser afastada, não havendo motivo para que ele pagasse a multa, os juros e a correção monetária.
A tese de João foi acolhida pelo STJ?
NÃO. Vamos entender com calma.
Se o banco cobra encargos ilegais do contratante e este atrasa o pagamento, haverá a incidência de juros e correção monetária?
Depende:
Se são encargos ESSENCIAIS: NÃO
O reconhecimento da abusividade nos encargos exigidos no período da normalidade contratual descaracteriza (afasta) a mora. Isso porque afasta a “culpa” do mutuário pelo atraso. STJ. 2ª Seção. REsp 1061530/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 22/10/2008
Ex: em um contrato de mútuo bancário, se a instituição financeira cobra juros remuneratórios abusivos, o eventual atraso não gera mora (não gera pagamento das verbas decorrentes da mora).
Se são encargos ACESSÓRIOS: SIM
A abusividade de encargos acessórios do contrato não descaracteriza a mora. STJ. 2ª Seção. REsp 1.639.259-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 12/12/2018 (recurso repetitivo) (Info 639)
Ex: em um contrato de mútuo bancário, se a instituição financeira exige seguro de proteção financeira, ressarcimento de despesas com prégravame e comissão do correspondente bancário, o eventual atraso gera mora.
A abusividade em algum encargo acessório do contrato não contamina a parte principal da contratação, que deve ser conservada.
Deve-se fazer a redução do negócio jurídico, conforme preconiza o Código de Defesa do Consumidor, nos seguintes termos:
Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: (…) § 2º A nulidade de uma cláusula contratual abusiva não invalida o contrato, exceto quando de sua ausência, apesar dos esforços de integração, decorrer ônus excessivo a qualquer das partes.
Quais são os requisitos para aplicação da teoria do adimplemento substancial?
Por meio da teoria do adimplemento subtancial, defende-se que, se o adimplemento da obrigação foi muito próximo ao resultado final, a parte credora não terá direito de pedir a resolução do contrato porque isso violaria a boa-fé objetiva, já que seria exagerado, desproporcional, iníquo.
No caso do adimplemento substancial, a parte devedora não cumpriu tudo, mas quase tudo, de modo que o credor terá que se contentar em pedir o cumprimento da parte que ficou inadimplida ou então pleitear indenização pelos prejuízo que sofreu (art. 475, CC). (INFO 500)
O STJ já decidiu que são necessários três requisitos para a aplicação da teoria:
a) A existÊncia de expectativas lefítima geradas pelo comportamento das partes;
b) O pagamento faltante há de ser ínfimo em se considerando o total do negócio;
c) Deve ser possível a conservação da eficácia do negócio sem prejuízo ao direito do credor de pleitear a quantia devida pelos meios ordinários (REsp 1581505).
A teoria do adimplemento substancial se aplica aos contrato de alienação fiduciária?
NÃO.
Não se aplica a teoria do adimplemento substancial aos contratos de alienação fiduciária em garantia regidos pelo Decreto-Lei 911/69. STJ. 2ª Seção. REsp 1.622.555-MG, Rel. Min. Marco Buzzi, Rel. para acórdão Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 22/2/2017 (Info 599).
TEORIA DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL
Em um contrato, se uma parte descumpre a sua obrigação, a parte credora terá, em regra, duas opções:
1) poderá exigir o cumprimento da prestação que não foi adimplida; ou
2) pedir a resolução (“desfazimento”) do contrato.
Além disso, tanto em um caso como no outro, ela poderá também pedir o pagamento de eventuais perdas e danos que comprove ter sofrido. Isso está previsto no art. 475 do Código Civil:
Art. 475. A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigirlhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos.
A teoria do adimplemento substancial tem por objetivo mitigar o que foi explicado acima. Segundo essa teoria, se a parte devedora cumpriu quase tudo que estava previsto no contrato (ex: eram 48 prestações, e ela pagou 46), então, neste caso, a parte credora não terá direito de pedir a resolução do contrato porque, como faltou muito pouco, o desfazimento do pacto seria uma medida exagerada, desproporcional, injusta e violaria a boa-fé objetiva.
Desse modo, havendo adimplemento substancial (adimplemento de grande parte do contrato), o credor teria apenas uma opção: exigir do devedor o cumprimento da prestação (das prestações) que ficou (ficaram) inadimplida(s) e pleitear eventual indenização pelos prejuízos que sofreu.
Veja o clássico conceito de Clóvis do Couto e Silva:
Adimplemento substancial “constitui um adimplemento tão próximo ao resultado final, que, tendo-se em vista a conduta das partes, exclui-se o direito de resolução, permitindo-se tão somente o pedido de indenização e/ou adimplemento, de vez que a primeira pretensão viria a ferir o princípio da boa-fé (objetiva)” (O Princípio da Boa-Fé no Direito Brasileiro e Português in Estudos de Direito Civil Brasileiro e Português. São Paulo: RT, 1980, p. 56).
A origem desta teoria remonta o Direito Inglês do séc. XVIII, tendo lá recebido o nome de “substancial performance”.
ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA
Conceito
“A alienação fiduciária em garantia é um contrato instrumental em que uma das partes, em confiança, aliena a outra a propriedade de um determinado bem, ficando esta parte (uma instituição financeira, em regra) obrigada a devolver àquela o bem que lhe foi alienado quando verificada a ocorrência de determinado fato.” (RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito Empresarial Esquematizado. São Paulo: Método, 2012, p. 565).
Regramento
O Código Civil de 2002 trata de forma genérica sobre a propriedade fiduciária em seus arts. 1.361 a 1.368- B. Existem, no entanto, leis específicas que também regem o tema:
- alienação fiduciária envolvendo bens imóveis: Lei nº 9.514/97;
- alienação fiduciária de bens móveis no âmbito do mercado financeiro e de capitais: Lei nº 4.728/65 e Decreto-Lei nº 911/69. É o caso, por exemplo, de um automóvel comprado por meio de financiamento bancário com garantia de alienação fiduciária.
Nas hipóteses em que houver legislação específica, as regras do CC-2002 aplicam-se apenas de forma subsidiária:
Art. 1.368-A. As demais espécies de propriedade fiduciária ou de titularidade fiduciária submetem-se à disciplina específica das respectivas leis especiais, somente se aplicando as disposições deste Código naquilo que não for incompatível com a legislação especial.
INAPLICABILIDADE DA TEORIA DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL À ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA REGIDA PELO DL 911/69
A espécie mais comum de alienação fiduciária é a de automóveis, que é regida pelo Decreto-Lei nº 911/69.
O que acontece em caso de inadimplemento do mutuário (em nosso exemplo, Antônio)?
Havendo mora por parte do mutuário, deverá ser adotado o procedimento previsto no DL 911/69:
Notificação do devedor
O credor deverá fazer a notificação extrajudicial do devedor de que este se encontra em débito, comprovando, assim, a mora. Essa notificação é indispensável para que o credor possa ajuizar ação de busca e apreensão. Confira:
Súmula 72-STJ: A comprovação da mora é imprescindível à busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente.
Como é feita a notificação do devedor? Essa notificação precisa ser realizada por intermédio do Cartório de Títulos e Documentos?
NÃO. Essa notificação é feita por meio de carta registrada com aviso de recebimento. Logo, não precisa ser realizada por intermédio do Cartório de RTD.
O aviso de recebimento da carta (AR) precisa ser assinado pelo próprio devedor?
NÃO. Não se exige que a assinatura constante do aviso de recebimento seja a do próprio destinatário (§ 2º do art. 2º do DL 911/69).
Para a constituição em mora por meio de notificação extrajudicial, é suficiente que seja entregue no endereço do devedor, ainda que não pessoalmente.
Ajuizamento da ação de busca e apreensão
Após comprovar a mora, o mutuante (Banco “X”) poderá ingressar com uma ação de busca e apreensão requerendo que lhe seja entregue o bem (art. 3º do DL 911/69). Essa busca e apreensão prevista no DL 911/69 é uma ação especial autônoma e independente de qualquer procedimento posterior.
Concessão da liminar
O juiz concederá a busca e apreensão de forma liminar (sem ouvir o devedor), desde que comprovada a mora ou o inadimplemento do devedor (art. 3º do DL 911/69).
Possibilidade de pagamento integral da dívida
No prazo de 5 dias após o cumprimento da liminar (apreensão do bem), o devedor fiduciante poderá pagar a integralidade da dívida pendente, segundo os valores apresentados pelo credor fiduciário na inicial, hipótese na qual o bem lhe será restituído livre do ônus (§ 2º do art. 3º do DL 911/69). Veja o dispositivo legal:
Art. 3º (…)
§ 1º Cinco dias após executada a liminar mencionada no caput, consolidar-se-ão a propriedade e a posse plena e exclusiva do bem no patrimônio do credor fiduciário, cabendo às repartições competentes,quando for o caso, expedir novo certificado de registro de propriedade em nome do credor, ou de terceiro por ele indicado, livre do ônus da propriedade fiduciária. (Redação dada pela Lei 10.931/2004)
§ 2º No prazo do § 1º, o devedor fiduciante poderá pagar a integralidade da dívida pendente, segundo os valores apresentados pelo credor fiduciário na inicial, hipótese na qual o bem lhe será restituído livre do ônus. (Redação dada pela Lei 10.931/2004)
[…]
A tese do devedor foi aceita pelo STJ? É possível a aplicação da teoria do adimplemento substancial para a alienação fiduciária regida pelo DL 911/69?
NÃO.
Conforme vimos acima, devidamente comprovada a mora ou o inadimplemento, o DL 911/69 autoriza que o credor fiduciário possa se valer da ação de busca e apreensão, sendo irrelevante examinar quantas parcelas já foram pagas ou estão em aberto.
Além disso, o art. 3º, § 2º do DL 911/69 prevê que o bem somente poderá ser restituído ao devedor se ele pagar, no prazo de 5 dias, a integralidade da dívida pendente.
Dessa forma, a lei foi muito clara ao exigir a quitação integral do débito como condição imprescindível para que o bem alienado fiduciariamente seja remancipado. Ou seja, nos termos da lei, para que o bem possa ser restituído ao devedor livre de ônus, é necessário que ele quite integralmente a dívida pendente.
Assim, mostra-se incongruente impedir a utilização da ação de busca e apreensão pelo simples fato de faltarem poucas prestações a serem pagas, considerando que a lei de regência do instituto expressamente exigiu o pagamento integral da dívida pendente.
Incentivo ao inadimplemento das últimas parcelas
Vale mencionar, ainda, que a aplicação da teoria do adimplemento substancial para obstar a utilização da ação de busca e apreensão representaria um incentivo ao inadimplemento das últimas parcelas contratuais, considerando que o devedor saberia que não perderia o bem e que o credor teria que se contentar em buscar o crédito faltante por outras vias judiciais menos eficazes.
Juros mais elevados
Se fosse aplicada a teoria do adimplemento substancial para os contratos de alienação fiduciária, haveria um enfraquecimento da garantia prevista neste instituto fazendo com que as instituições financeiras começassem a praticar juros mais elevados a fim de compensar esses riscos. Isso seria prejudicial para a economia e para os consumidores em geral.
Dessa forma, a propriedade fiduciária, concebida pelo legislador justamente para conferir segurança jurídica às concessões de crédito, essencial ao desenvolvimento da economia nacional, ficaria comprometida pela aplicação deturpada da teoria do adimplemento substancial.
Em que consiste o lucro de intervenção? Quais são seus fundamento e de que forma é possível a sua quantificação?
Determinada “farmácia de manipulação” utilizou o nome e a imagem da atriz Giovanna Antonelli, sem a sua autorização, em propagandas de um remédio para emagrecer.
O STJ afirmou que, além da indenização por danos morais e materiais, a atriz também tinha direito à restituição de todos os benefícios econômicos que a ré obteve na venda de seus produtos (restituição do “lucro da intervenção”).
Lucro da intervenção é uma vantagem patrimonial obtida indevidamente com base na exploração ou aproveitamento, de forma não autorizada, de um direito alheio.
Dever de restituição do lucro da intervenção é o dever que o indivíduo possui de pagar aquilo que foi auferido mediante indevida interferência nos direitos ou bens jurídicos de outra pessoa.
A obrigação de restituir o lucro da intervenção é baseada na vedação do enriquecimento sem causa (art. 884 do CC).
A ação de enriquecimento sem causa é subsidiária. Apesar disso, nada impede que a pessoa prejudicada ingresse com ação cumulando os pedidos de reparação dos danos (responsabilidade civil) e de restituição do indevidamente auferido (lucro da intervenção).
Para a configuração do enriquecimento sem causa por intervenção, não se faz imprescindível a existência de deslocamento patrimonial, com o empobrecimento do titular do direito violado, bastando a demonstração de que houve enriquecimento do interventor.
O critério mais adequado para se fazer a quantificação do lucro da intervenção é o do enriquecimento patrimonial (lucro patrimonial).
A quantificação do lucro da intervenção deverá ser feita por meio de perícia realizada na fase de liquidação de sentença, devendo o perito observar os seguintes critérios:
a) apuração do quantum debeatur com base no denominado lucro patrimonial;
b) delimitação do cálculo ao período no qual se verificou a indevida intervenção no direito de imagem da autora;
c) aferição do grau de contribuição de cada uma das partes e
d) distribuição do lucro obtido com a intervenção proporcionalmente à contribuição de cada partícipe da relação jurídica. STJ. 3ª Turma.REsp 1.698.701-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 02/10/2018 (Info 634).
Como se dá a responsabilidade dos menores nos casos em que seus atos causem prejuízos a terceiros?
A responsabilidade civil do incapaz pela reparação dos danos é subsidiária, condicional, mitigada e equitativa
Os incapazes (ex: filhos menores), quando praticarem atos que causem prejuízos, terão responsabilidade subsidiária, condicional, mitigada e equitativa, nos termos do art. 928 do CC.
Subsidiária: porque apenas ocorrerá quando os seus genitores não tiverem meios para ressarcir a vítima.
Condicional e mitigada: porque não poderá ultrapassar o limite humanitário do patrimônio mínimo do infante.
Equitativa: tendo em vista que a indenização deverá ser equânime, sem a privação do mínimo necessário para a sobrevivência digna do incapaz.
A responsabilidade dos pais dos filhos menores será substitutiva, exclusiva e não solidária.
INFO 599
A vítima de um ato ilícito praticado por menor pode propor a ação somente contra o pai do garoto, não sendo necessário incluir o adolescente no polo passivo?
Em ação indenizatória decorrente de ato ilícito, não há litisconsórcio necessário entre o genitor responsável pela reparação (art. 932, I, do CC) e o menor causador do dano.
É possível, no entanto, que o autor, por sua opção e liberalidade, tendo em conta que os direitos ou obrigações derivem do mesmo fundamento de fato ou de direito, intente ação contra ambos – pai e filho –, formando-se um litisconsórcio facultativo e simples.
Ex: Lucas, 15 anos de idade, brincava com a arma de fogo de seu pai e, por imprudência, acabou acertando um tiro em Vítor, que ficou ferido, mas sobreviveu. Vítor ajuizou ação de indenização por danos morais e materiais contra João (pai de Lucas). Não era necessário que Vítor propusesse a ação contra João e Lucas, em litisconsórcio. Vale a pena esclarecer, no entanto, que seria plenamente possível que o autor (vítima) tivesse, por sua opção e liberalidade, ajuizado a ação contra ambos (pai e filho). Neste caso, teríamos uma hipótese de litisconsórcio: facultativo e simples.
Não há como afastar a responsabilização do pai do filho menor simplesmente pelo fato de que ele não estava fisicamente ao lado de seu filho no momento da conduta
Os pais respondem pelos atos de seus filhos mesmo que estes não estejam sob sua autoridade e compania?
O art. 932 do CC prevê que os pais são responsáveis pela reparação civil em relação aos atos praticados por seus filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia.
O art. 932, I do CC, ao se referir à autoridade e companhia dos pais em relação aos filhos, quis explicitar o poder familiar (a autoridade parental não se esgota na guarda), compreendendo um plexo de deveres, como proteção, cuidado, educação, informação, afeto, dentre outros, independentemente da vigilância investigativa e diária, sendo irrelevante a proximidade física no momento em que os menores venham a causar danos.
Em outras palavras, não há como afastar a responsabilização do pai do filho menor simplesmente pelo fato de que ele não estava fisicamente ao lado de seu filho no momento da conduta. STJ. 4ª Turma. REsp 1.436.401-MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 2/2/2017 (Info 599).
Obs: cuidado com o REsp 1.232.011-SC, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 17/12/2015 (Info 575), precedente em sentido um pouco diverso envolvendo uma mãe que morava em outra cidade.
A mãe que, à época de acidente provocado por seu filho menor de idade, residia permanentemente em local distinto daquele no qual morava o menor - sobre quem apenas o pai exercia autoridade de fato - não pode ser responsabilizada pela reparação civil advinda do ato ilícito, mesmo considerando que ela não deixou de deter o poder familiar sobre o filho. STJ. 3ª Turma. REsp 1.232.011-SC, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 17/12/2015 (Info 575).
Policial que, fora de suas funções, prende vizinho por conta de xingamento sofridos pratica ato ilícito?
A privação da liberdade por policial fora do exercício de suas funções e com reconhecido excesso na conduta caracteriza dano moral in re ipsa.
Durante uma discussão no condomínio, um morador, que é policial, algemou e prendeu seu vizinho, após ser por ele ofendido verbalmente. STJ. 3ª Turma. REsp 1.675.015-DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 12/9/2017 (Info 612).
Imagine a seguinte situação hipotética:
João e Pedro moram no mesmo condomínio e discutiram por causa de uma vaga na garagem.
Durante a discussão, Pedro afirmou que João era um “policialzinho de merda”.
O argumento do réu foi acolhido pelo STJ?
NÃO.
A privação da liberdade por policial fora do exercício de suas funções e com reconhecido excesso na conduta caracteriza dano moral in re ipsa. STJ. 3ª Turma. REsp 1.675.015-DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 12/9/2017 (Info 612)
Diante disso, João, que é policial militar, algemou Pedro e o levou preso até a delegacia de polícia sob o argumento de que teria praticado desacato.
Vale ressaltar que João não estava no exercício de suas funções durante a briga e que Pedro possuía 60 anos de idade.
Depois do ocorrido, Pedro ajuizou ação de indenização por danos morais contra João.
O réu, ao contestar a ação, afirmou, dentre outros argumentos, que não restou comprovado o dano moral e que, portanto, não seria devida a indenização.
Constitui grave violação da integridade física e psíquica do indivíduo, e, portanto, ofensa à sua dignidade enquanto ser humano, a privação indevida da liberdade, sobretudo por preposto do Estado e fora do exercício das funções, caracterizando dano moral in re ipsa.
O réu agiu de forma arbitrária ao algemar o vizinho, pessoa idosa, no interior do condomínio onde moram, em meio à uma discussão, caracterizando-se, assim, a ofensa a sua liberdade pessoal e, consequentemente, a sua dignidade. Tal situação causa, indiscutivelmente, dano moral.
Destaca-se a narrativa dos fatos registrada no acórdão impugnado:
Após o incômodo registrado entre vizinhos, as partes se encontraram no corredor comum do prédio, momento em que se iniciou a discussão.
Nesse instante, as partes divergem quanto aos fatos ocorridos, alegando o autor que, depois de buscar uma câmera para filmar os diversos xingamentos desferidos pelo policial, este deu-lhe um tapa na mão esquerda (fís. 28/30). O réu, por sua vez, informa que, ao encontrar o autor no corredor, recebeu dele um empurrão e que, após perguntar pelo motivo da agressão sofrida, o autor o chamou de “policialzinho de merda”, razão pela qual foi-lhe dada voz de prisão por desacato.
Não obstante a controvérsia de quem deu início ao episódio, certo é que as fotos de fls. 48/54 e os documentos de fls. 63/78 demonstram que o autor sofreu severas agressões físicas, bem como que as algemas colocadas provocaram lesões por estarem extremamente apertadas.
E no caso dos autos, não restou demonstrada a natureza excepcional que justificasse o uso legítimo das algemas. Ao oposto, o próprio Ministério Público, na esfera criminal, ao apurar penalmente os fatos ocorridos, reconheceu que “o agente de polícia civil, consciente e voluntariamente, abusou de sua autoridade e exorbitou de suas funções ao algemar e conduzir arbitrariamente à Delegacia de Polícia FABIO SALGADO PETROSINO (60 anos). Na mesma ocasião, o denunciado teria ainda agredido fisicamente a vítima, provocando as lesões corporais descritas no laudo de exame de delito de fls. 18/19 e retratadas nas fotos de fls. 104/123” (fls. 340/341). (…)
E quanto ao dano moral sofrido, é cediça sua ocorrência, não somente pelo constrangimento do uso de algemas, mas pelo vexame sofrido em local público, consoante se observa das fotos de fls. 313/321, ferindo-lhe a honra e a dignidade, sobretudo por se tratar de pessoa idosa, atingindo a sua personalidade de tal forma que o autor, inclusive, buscou providências perante a Comissão de Direitos Humanos (fls. 79/80).
Dessa forma, diante da conduta ilícita do apelante, dos danos morais sofridos pelo apelado, bem como do nexo de causalidade entre ambos, o dever de indenizar é medida que se impõe, sendo correta a imputação de responsabilidade ao apelante. (fls. 659-61, e-STJ – sem grifos no original)
A demora no ajuizamento da ação de reparação por danos morais pode influenciar no montante indenizatório?
Na vigência do CC\1916: SIM.
Na vigência do CC-1916, a jurisprudência do STJ consolidou-se no sentido de que a demora na busca da reparação do dano moral deveria ser considerada na fixação do valor da indenização.
Esse entendimento baseava-se no fato de que, no Código passado, o prazo prescricional era muito extenso (20 anos).
Assim, o prazo prescricional muito longo previsto no Código Civil anterior resultava em situações extremas, nas quais o período decorrido entre o evento danoso e a propositura da ação indenizatória se revelava nitidamente exagerado ou desproporcional.
Na vigência do CC-2002: NÃO.
O CC de 2002 prevê o prazo prescicional de 3 anos para a pretensão de reparação civil fundamentada em relação extracontratual. Trata-se de prazo muito mais curto e, portanto, as situações extremas que eram verificadas no passado não mais persistem.
Logo, no atual panorama normativo, o momento em que a ação será proposta, desde que na fluência do prazo prescricional, mostra-se desinfluente para aferição do valor da indenização.
Não se mostra razoável presumir que o abalo psicológico suportado por aquele que perde um ente familiar é diminuído pela não manifestação imediata do seu inconformismo por intermédio de uma demanda judicial.
REsp 1677773.
O filho menor tem legitimidade para recorrer da sentença condenatória proferida contra seu pai decorrente de prejuízo por si causado?
Não.
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE REPARAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. RESPONSABILIDADE DOS PAIS PELOS DANOS CAUSADOS POR FILHOS MENORES. LEGITIMIDADE PARA RECORRER DO FILHO.
AUSÊNCIA.
1. Discussão acerca da legitimidade do filho menor para recorrer de sentença proferida em ação proposta unicamente em face de seu genitor, com fundamento na responsabilidade dos pais pelos atos ilícitos cometidos pelos filhos menores.
2. Inviável o reconhecimento de violação ao art. 535 do CPC quando não verificada no acórdão recorrido omissão, contradição ou obscuridade apontadas pelo recorrente.
3. A ausência de decisão sobre os dispositivos legais supostamente violados, não obstante a interposição de embargos de declaração, impede o conhecimento do recurso especial. Incidência da Súmula 211/STJ.
4. Em regra, é a parte sucumbente quem tem legitimidade para recorrer. O art. 499, §1º, do CPC, contudo, assegura ao terceiro prejudicado a possibilidade de interpor recurso de determinada decisão, desde que ela afete, direta ou indiretamente, uma relação jurídica de que seja titular.
5. A norma do art. 942 do Código Civil deve ser interpretada em conjunto com aquela dos arts. 928 e 934, que tratam, respectivamente, (i) da responsabilidade subsidiária e mitigada do incapaz e (ii) da inexistência de direito de regresso em face do descendente absoluta ou relativamente incapaz.
6. Na hipótese, conclui-se pela carência de interesse e legitimidade recursal do recorrente porque a ação foi proposta unicamente em face do seu genitor, não tendo sido demonstrado o nexo de interdependência entre seu interesse de intervir e a relação jurídica originalmente submetida à apreciação judicial.
7. Negado provimento ao recurso especial.
(REsp 1319626/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 26/02/2013, DJe 05/03/2013)
“Referido interesse, frise-se, deve ser jurídico, não se admitindo o recurso do terceiro prejudicado quando seu interesse é meramente econômico.
Na hipótese dos autos, verifica-se que a ação foi proposta unicamente contra o pai do recorrente, tendo em vista a responsabilidade deste pelos atos ilícitos cometidos pelo filho que, à época dos fatos, era menor de idade.
O Código Civil, no seu art. 932, trata das hipóteses em que a responsabilidade civil pode ser atribuída a outrem que não seja o causador do dano. Dentre elas, no inciso I, está a dos genitores pelos atos cometidos por seus filhos menores. Trata-se de responsabilidade objetiva decorrente do exercício do poder familiar.
Conforme mencionado, o recorrente procura justificar seu interesse recursal argumentando que essa responsabilidade é solidária com seu genitor, nos termos do art. 942, parágrafo único, do Código Civil.
Referido dispositivo legal, de fato, prevê que “são solidariamente responsáveis com os autores, os coautores e as pessoas designadas no art. 932”. Todavia, essa norma deve ser interpretada em conjunto com aquela dos arts. 928 e 934 do Código Civil, que tratam, respectivamente, (i) da responsabilidade subsidiária e mitigada do incapaz e (ii) da inexistência de direito de regresso em face do descendente absoluta ou relativamente incapaz.
Na lição de Maria Helena Diniz, o art. 928 e parágrafo único “substitui o princípio da irresponsabilidade absoluta da pessoa privada de discernimento (em razão de idade ou falha mental) pelo princípio da responsabilidade mitigada e subsidiária” (Curso de Direito Civil Brasileiro, v. 7, Responsabilidade Civil, 26ª ed., São Paulo: Saraiva, 2012, p. 558/559).
Assim, o patrimônio dos filhos menores pode responder pelos prejuízos causados a outrem desde que as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes. E, mesmo assim, nos termos do parágrafo único do art. 928, se for o caso de atingimento do patrimônio do menor, a indenização será equitativa e não terá lugar se privar do necessário o incapaz ou as pessoas que dele dependam.
Em outras palavras, o filho menor não é responsável solidário com seus genitores, pelos danos causados, mas subsidiário. E “a responsabilidade do pai, portanto, se o causador do dano for filho inimputável, será substitutiva, exclusiva e não solidária” (Carlos Alberto Menezes Direito e Sergio Cavalieri Filho, in Comentários ao Novo Código Civil, Sálvio de Figueiredo Teixeira (coord.), v. XIII, 3ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 2011, p. 355).
Na hipótese analisada, todavia, nem se chegou a cogitar acerca da atribuição de responsabilidade ao menor recorrente, tendo a ação sido proposta unicamente em face de seu genitor.
Ademais, mesmo que o pai do recorrente venha efetivamente a ressarcir os danos causados à vítima em decorrência das agressões sofridas, cumprindo os termos da sentença condenatória, o patrimônio do recorrente não será atingido porque, embora nos outros casos de atribuição de responsabilidade, previstos no art. 932, seja cabível o direito de regresso em face do causador do dano, o art. 934 afasta essa possibilidade na hipótese de pagamento efetuado por ascendente. Nas palavras de Silvio de Salvo Venosa:
“Essa ação regressiva apenas não está disponível para o ascendente que paga por ato de descendente, absoluta ou relativamente incapaz, pois essa responsabilidade pertence ao rol dos deveres do pátrio poder ou poder familiar. Nesse caso, a obrigação fica restrita ao plano moral” (Direito Civil, v. IV, 11ª ed., São Paulo, Atlas, 2011, p. 89).., p. 89).”
No caso de evento danoso que resulte na morte de mais de uma pessoa, a indenização por dano moral deve ser arbitrada por grupo familiar?
CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. AÇÃO REPARATÓRIA. DANOS MORAIS.
ACIDENTE DE HELICÓPTERO QUE CULMINOU NA MORTE DE PARENTE PRÓXIMO DOS EMBARGANTES: PAI E ESPOSO/COMPANHEIRO. FIXAÇÃO DA QUANTIA INDENIZATÓRIA DE FORMA GLOBAL, POR NÚCLEO FAMILIAR, QUE TRATA DE FORMA DIFERENCIADA PARENTES QUE SE ENCONTRAM SUBSTANCIALMENTE NA MESMA SITUAÇÃO. METODOLOGIA INDIVIDUAL, PARA FINS DE ESTIPULAÇÃO DOS DANOS MORAIS REPARATÓRIOS, QUE MELHOR SE COADUNA COM O TEOR DE UMA JUSTA INDENIZAÇÃO PARA OS FAMILIARES EMBARGANTES. PREVALÊNCIA DO ENTENDIMENTO ESPOSADO NOS ACÓRDÃOS PARADIGMAS. EMBARGOS PROVIDOS.
1. Na atual sistemática constitucional, o conceito de dano moral deve levar em consideração, eminentemente, a dignidade da pessoa humana - vértice valorativo e fundamental do Estado Democrático de Direito - conferindo-se à lesão de natureza extrapatrimonial dimensões mais amplas, em variadas perspectivas.
2. Dentre estas perspectivas, tem-se o caso específico de falecimento de um parente próximo - como a morte do esposo, do companheiro ou do pai. Neste caso, o dano experimentado pelo ofendido qualifica-se como dano psíquico, conceituado pelo ilustre Desembargador RUI STOCO como o distúrbio ou perturbação causado à pessoa através de sensações anímicas desagradáveis (…), em que a pessoa é atingida na sua parte interior, anímica ou psíquica, através de inúmeras sensações dolorosas e importunantes, como, por exemplo, a ansiedade, a angústia, o sofrimento, a tristeza, o vazio, o medo, a insegurança, o desolamento e outros (Tratado de Responsabilidade Civil, São Paulo, RT, 2007, p. 1.678).
3. A reparabilidade do dano moral possui função meramente satisfatória, que objetiva a suavização de um pesar, insuscetível de restituição ao statu quo ante. A justa indenização, portanto, norteia-se por um juízo de ponderação, formulado pelo Julgador, entre a dor suportada pelos familiares e a capacidade econômica de ambas as partes - além da seleção de um critério substancialmente equânime.
4. Nessa linha, a fixação de valor reparatório global por núcleo familiar - nos termos do acórdão embargado - justificar-se-ia apenas se a todos os lesados (que se encontram em idêntica situação, diga-se de passagem) fosse conferido igual tratamento, já que inexistem elementos concretos, atrelados a laços familiares ou afetivos, que fundamentem a discriminação a que foram submetidos os familiares de ambas as vítimas.
5. No caso em exame, não se mostra equânime a redução do valor indenizatório, fixado para os embargantes, tão somente pelo fato de o núcleo familiar de seu parente falecido - Carlos Porto da Silva - ser mais numeroso em relação ao da vítima Fernando Freitas da Rosa.
6. Como o dano extrapatrimonial suportado por todos os familiares das vítimas não foi objeto de gradação que fundamentasse a diminuição do montante reparatório devido aos embargantes, deve prevalecer a metodologia de arbitramento da quantia reparatória utilizada nos acórdãos paradigmas - qual seja, fixação de quantia reparatória para cada vítima - restabelecendo-se, dessa maneira, o montante de R$ 130.000,00, fixado pelo Tribunal a quo, para cada embargante, restabelecendo-se, ainda, os critérios de juros de mora e correção monetária fixados pelo Tribunal de origem.
7. Embargos de Divergência de ALICE TREIB e MARA REGINA parcialmente conhecidos e, nesse aspecto, providos. Embargos de Divergência de JÚLIO YATES e PEDRO YATES conhecidos e providos.
(EREsp 1127913/RS, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, CORTE ESPECIAL, julgado em 04/06/2014, DJe 05/08/2014)
Em que consiste o dano social e em que hipótese é cabível pedir sua indenização?
O dano social é uma nova espécie de dano reparável, que não se confunde com os danos materiais, morais e estéticos, e que decorre de comportamentos socialmente reprováveis, que diminuem o nível social de tranquilidade.
Em uma ação individual, o juiz condenou o réu ao pagamento de danos morais e, de ofício, determinou que pagasse também danos sociais em favor de uma instituição de caridade.
O STJ entendeu que essa decisão é nula, por ser “extra petita”.
Para que haja condenação por dano social, é indispensável que haja pedido expresso.
Vale ressaltar, no entanto, que, no caso concreto, mesmo que houvesse pedido de condenação em danos sociais na demanda em exame, o pleito não poderia ter sido julgado procedente, pois esbarraria na ausência de legitimidade para postulá-lo. Isso porque, na visão do STJ, a condenação por danos sociais somente pode ocorrer em demandas coletivas e, portanto, apenas os legitimados para a propositura de ações coletivas poderiam pleitear danos sociais.
Em suma, não é possível discutir danos sociais em ação individual. STJ. 2ª Seção. Rcl 12.062-GO, Rel. Ministro Raul Araújo, julgado em 12/11/2014 (recurso repetitivo) (Info 552)
O que são danos sociais? Danos sociais e danos morais coletivos são expressões sinônimas? NÃO.
Dano social não é sinônimo de dano moral coletivo.
Danos sociais, segundo Antônio Junqueira de Azevedo, “são lesões à sociedade, no seu nível de vida, tanto por rebaixamento de seu patrimônio moral – principalmente a respeito da segurança – quanto por diminuição na qualidade de vida. Os danos sociais são causa, pois, de indenização punitiva por dolo ou culpa grave, especialmente, repetimos, se atos que reduzem as condições coletivas de segurança, e de indenização dissuasória, se atos em geral da pessoa jurídica, que trazem uma diminuição do índice de qualidade de vida da população.” (p. 376).
O dano social é, portanto, uma nova espécie de dano reparável, que não se confunde com os danos materiais, morais e estéticos, e que decorre de comportamentos socialmente reprováveis, que diminuem o nível social de tranquilidade.
Alguns exemplos dados por Junqueira de Azevedo: o pedestre que joga papel no chão, o passageiro que atende ao celular no avião, o pai que solta balão com seu filho. Tais condutas socialmente reprováveis podem gerar danos como o entupimento de bueiros em dias de chuva, problemas de comunicação do avião causando um acidente aéreo, o incêndio de casas ou de florestas por conta da queda do balão etc.
Diante da prática dessas condutas socialmente reprováveis, o juiz deverá condenar o agente a pagar uma indenização de caráter punitivo, dissuasório ou didático, a título de dano social.
Conforme explica Flávio Tartuce, os danos sociais são difusos e a sua indenização deve ser destinada não para a vítima, mas sim para um fundo de proteção ao consumidor, ao meio ambiente etc., ou mesmo para uma instituição de caridade, a critério do juiz (Manual de Direito do Consumidor. São Paulo: Método, 2013, p. 58).
Os danos sociais representam a aplicação da função social da responsabilidade civil (PEREIRA, Ricardo Diego Nunes. Os novos danos: danos morais coletivos, danos sociais e danos por perda de uma chance. Disponível em: http://ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11307).
Ricardo Pereira cita alguns casos práticos:
Um deles é a decisão do TRT-2ª Região (processo 2007-2288), que condenou o Sindicato dos Metroviários de São Paulo e a Cia do Metrô a pagarem 450 cestas básicas a entidades beneficentes por terem realizado uma greve abusiva que causou prejuízo à coletividade.
Outro exemplo foi o caso de uma fraude ocorrida em um sistema de loterias, no Rio Grande do Sul, chamado de “Toto Bola”. Ficou constatado que a loteria seria fraudulenta, retirando do consumidor as chances de vencer. Nesse episódio, o TJ/RS, no Recurso Cível 71001281054, DJ 18/07/2007, determinou, de ofício, indenização a título de dano social para o Fundo de Proteção aos Consumidores.
Na V Jornada de Direito Civil do CJF/STJ foi aprovado um enunciado reconhecendo a existência dos danos sociais:
Enunciado 455: A expressão “dano” no art. 944 abrange não só os danos individuais, materiais ou imateriais, mas também os danos sociais, difusos, coletivos e individuais homogêneos a serem reclamados pelos legitimados para propor ações coletivas.
Credores de indenizaçãopor morte podem exigir que o pagamento seja efetuado d eum só vez?
A controvérsia remanescente neste Recurso Especial diz respeito à pensão mensal incluída na indenização, consoante o disposto no art. 950 do CC, tendo prevalecido na origem a orientação de que os recorridos têm direito a que a indenização seja arbitrada e paga de uma só vez, nos moldes do respectivo parágrafo único.
O pagamento de uma só vez da pensão por indenização é faculdade estabelecida para a hipótese do caput do art. 950 do CC, que se refere apenas a defeito que diminua a capacidade laborativa, não se estendendo aos casos de falecimento (REsp 1.230.007/MG, Rel.
Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJe 28/2/2011; REsp 1.045.775/ES, Rel. Ministro Massami Uyeda, Terceira Turma, DJe 4/8/2009; REsp 403.940/TO, Rel. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, Quarta Turma, DJ 12/8/2002, p. 221).
(REsp 1393577/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 04/02/2014, DJe 07/03/2014)
Art. 950. Se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou se lhe diminua a capacidade de trabalho, a indenização, além das despesas do tratamento e lucros cessantes até ao fim da convalescença, incluirá pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu.
Parágrafo único. O prejudicado, se preferir, poderá exigir que a indenização seja arbitrada e paga de uma só vez.
(…)
O parágrafo único do art. 950 do CC impõe um dever absoluto de o causador do dano pagar a indenização fixada de uma só vez?
O art. 950 do CC prevê que se a vítima sofrer uma ofensa que resulte em lesão por meio da qual o ofendido não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou se isso lhe diminuiu a capacidade de trabalho, esta vítima deverá ser indenizada com o pagamento de pensão.
O parágrafo único determina que, se o prejudicado preferir, ele poderá exigir que a indenização seja arbitrada e paga de uma só vez, ou seja, em vez de receber todo mês o valor da pensão, ele receberia à vista a quantia total.
O parágrafo único do art. 950 do CC impõe um dever absoluto de o causador do dano pagar a indenização fixada de uma só vez? Se a vítima pedir para receber de uma só vez, o magistrado é obrigado a acatar?
NÃO.
Nos casos de responsabilidade civil derivada de incapacitação para o trabalho (art. 950 do CC), a vítima não tem o direito absoluto de que a indenização por danos materiais fixada em forma de pensão seja arbitrada e paga de uma só vez.
O juiz é autorizado a avaliar, em cada caso concreto, se é conveniente ou não a aplicação da regra que estipula a parcela única (art. 950, parágrafo único, do CC), considerando a situação econômica do devedor, o prazo de duração do pensionamento, a idade da vítima, etc, para só então definir pela possibilidade de que a pensão seja ou não paga de uma só vez, antecipandose as prestações vincendas que só iriam ser creditadas no decorrer dos anos. Isso porque é preciso ponderar que, se por um lado é necessário satisfazer o crédito do beneficiário, por outro não se pode exigir o pagamento de uma só vez se isso puder levar o devedor à ruína.
Enunciado 381-CJF/STJ: O lesado pode exigir que a indenização, sob a forma de pensionamento, seja arbitrada e paga de uma só vez, salvo impossibilidade econômica do devedor, caso em que o juiz poderá fixar outra forma de pagamento, atendendo à condição financeira do ofensor e aos benefícios resultantes do pagamento antecipado. STJ. 3ª Turma. REsp 1.349.968-DF, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 14/4/2015 (Info 561).
O fato de a vítima do evento danoso manter a capacidade par outras atividades, diversas daquela exxercida no momento do acidente, é capaz de excluir ou atenuar o pensionamento de que trata o art. 950 do CC?
NÃO.
O fato de se poder presumir que a vítima ainda tenha capacidade laborativa para outras atividades, diversas daquela exercida no momento do acidente, não exclui, por si só, o pensionamento civil de que trata o art. 950 do CC, considerando que deve ser observado o princípio da reparação integral do dano.
Assim, a orientação jurisprudencial do STJ é no sentido de que a vítima do evento danoso - que sofre redução parcial e permanente da capacidade laborativa - tem direito ao pensionamento previsto no art. 950 do CC, independentemente da existência de capacidade para o exercício de outras atividades, em face do maior sacrifício tanto na busca de um emprego quanto na maior dificuldade na realização do serviço (STJ. 2ª Turma. REsp 1.269.274/RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 4/12/2012).
Outro argumento da empresa foi o de que seria exorbitante fixar a pensão em 100% do último soldo recebido pelo autor. Essa alegação foi aceita?
NÃO.
A pensão civil incluída em indenização por debilidade permanente de membro inferior causada a soldado do Exército Brasileiro por acidente de trânsito pode ser fixada em 100% do soldo que recebia quando em atividade. A pensão correspondente ao soldo integral que o soldado recebia na ativa repara de forma correta o gravíssimo dano por ele sofrido, devendo, portanto, tal montante ser mantido com amparo no princípio da reparação integral do dano.
A sociedade empresária gestora de portal de noticias que disponibiliza campo destinada a comentários de internautas terá responsabilidade solidária por comentários postados nesse campo?
A sociedade empresária gestora de portal de notícias que disponibilize campo destinado a comentários de internautas terá responsabilidade solidária por comentários postados nesse campo que, mesmo relacionados à matéria jornalística veiculada, sejam ofensivos a terceiro e que tenham ocorrido antes da entrada em vigor do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014). STJ. 3ª Turma. REsp 1.352.053-AL, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 24/3/2015 (Info 558).
Imagine a seguinte situação hipotética:
Determinada empresa jornalística possui um portal de notícias na internet.
Certo dia, foi publicada uma reportagem no portal sobre um político da cidade. No site, havia um campo para que os leitores publicassem seus comentários e, após essa reportagem, vários internautas postaram mensagens ofendendo a honra desse político.
Ao tomar conhecimento desses comentários, o político ajuizou ação de danos morais contra a empresa jornalística, alegando que o portal tinha responsabilidade civil por esses comentários publicados em seu site e que eles ofenderam sua honra.
Após ser citada, a empresa jornalística retirou os comentários do site.
A controvérsia, portanto, diz respeito à responsabilidade civil dos provedores de internet por mensagens postadas por terceiros em seu site.
Espécies de provedores
Existem diversas classificações a respeito dos provedores de internet. Destaco aqui duas que são importantes para o presente tema:
a) Provedores de INFORMAÇÃO
São aqueles que produzem as informações divulgadas na Internet. São os autores de escritos postados na internet. Ex: alguém que publica um texto seu em um blog.
Os provedores de informação possuem responsabilidade civil pelas matérias por ele divulgadas (REsp 1381610/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 03/09/2013).
b) Provedores de CONTEÚDO
São aqueles que disponibilizam na internet as informações criadas ou desenvolvidas pelos provedores de informação. Como exemplos desta espécie podemos citar os mantenedores de sites de relacionamento na internet (Facebook®, Instagram®, Twitter® etc.).
Em regra, os provedores de conteúdo não possuem responsabilidade civil pelas mensagens postadas diretamente pelos usuários, salvo se não providenciarem a exclusão do conteúdo ofensivo, após notificação (REsp 1338214/MT, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 21/11/2013).
No caso em tela, o referido portal de notícia enquadra-se como provedor de informação ou provedor de conteúdo?
Quanto à matéria jornalística divulgada no site: ele se enquadra como provedor de informação;
Quanto às postagens feitas pelos usuários: ele se amolda como provedor de conteúdo.
Na situação concreta, o portal de notícia deverá responder civilmente pelos comentários ofensivos que foram publicados?
SIM. A sociedade empresária gestora de portal de notícias que disponibilize campo destinado a comentários de internautas terá responsabilidade solidária por comentários postados nesse campo que, mesmo relacionados à matéria jornalística veiculada, sejam ofensivos a terceiro.
Na situação concreta, o portal de notícia deverá responder civilmente pelos comentários ofensivos que foram publicados? SIM. A sociedade empresária gestora de portal de notícias que disponibilize campo destinado a comentários de internautas terá responsabilidade solidária por comentários postados nesse campo que, mesmo relacionados à matéria jornalística veiculada, sejam ofensivos a terceiro.
Mas neste caso, o portal de notícia não era mero provedor de conteúdo quanto aos comentários dos leitores?
SIM. Ele era provedor de conteúdo. No entanto, mesmo assim o STJ afirmou que deveria haver a indenização porque o caso em análise trazia uma particularidade: o provedor de conteúdo era também um portal de notícias, ou seja, uma sociedade cuja atividade é precisamente o fornecimento de informações a um vasto público consumidor.
Essa particularidade diferencia o presente caso daqueles outros julgados pelo STJ, em que o provedor de conteúdo era empresa da área da informática, como a Google®, o Facebook®, a Microsoft® etc.
Não é razoável exigir que empresas de informática controlem o conteúdo das postagens efetuadas pelos usuários de seus serviços ou aplicativos. Todavia, tratando-se de uma sociedade que desenvolve atividade jornalística, o controle do potencial ofensivo dos comentários não apenas é viável, como necessário, por ser atividade inerente ao objeto da empresa.
Ademais, é fato notório, nos dias de hoje, que as redes sociais contêm um verdadeiro inconsciente coletivo que faz com que as pessoas escrevam mensagens, sem a necessária reflexão prévia, falando coisas que normalmente não diriam. Isso exige um controle por parte de quem é profissional da área de comunicação, que tem o dever de zelar para que o direito de crítica não ultrapasse o limite legal consistente no respeito à honra, à privacidade e à intimidade da pessoa criticada.
Assim, a ausência de qualquer controle, prévio ou posterior, configura defeito do serviço, uma vez que se trata de relação de consumo.
Ressalte-se que o ponto nodal não é apenas a efetiva existência de controle editorial, mas a viabilidade de ele ser exercido. Consequentemente, a sociedade empresária deve responder solidariamente pelos danos causados à vítima das ofensas morais, que, em última análise, é um bystander, por força do disposto no art. 17 do CDC.
No caso explicado acima, foi aplicada a Lei n. 12.965/2014 (Marco Civil da Internet)?
NÃO. O marco civil da Internet (Lei n. 12.965/2014) não pode ser aplicado para a situação acima narrada, porque os fatos ocorreram antes de sua entrada em vigor.
MARCO CIVIL:
Art. 18. O provedor de conexão à internet não será responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros.
Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.
O titular de blog é reponsável pelos danos causador por artigos de terceiros publicados em seu site?
O titular de blog é responsável pela reparação dos danos morais decorrentes da inserção, em seu site, por sua conta e risco, de artigo escrito por terceiro.
O STJ entende que o raciocínio que motivou a edição da Súmula 221 do STJ é aplicável em relação a todas as formas de imprensa, alcançado, assim, também o serviço de informação prestado por meio da internet.
Súmula 221-STJ: São civilmente responsáveis pelo ressarcimento de dano, decorrente de publicação pela imprensa, tanto o autor do escrito quanto o proprietário do veículo dedivulgação.
Nesse contexto, cabe ao titular do blog exercer o controle editorial das matérias a serem postadas, de modo a evitar a propagação de opiniões pessoais que contenham ofensivos à dignidade pessoal e profissionalde outras pessoas. (Info 528)
Há dano moral quando o Google exibe, com resultado de uma busca, a indicação do link de um site com a menção de conteúdo que já foi retirado pelo próprio site?
Não há dano moral quando o Google exibe, como resultado de uma busca, a indicação do link de um site que não mais contém aquela palavra ou frase porque já foi removida. Ex: determinado blog publicou a frase “João de Tal é um péssimo médico”. Depois de um tempo, o administrador deste blog retirou a expressão, mas manteve o restante do texto.
O Google demorou para atualizar seu sistema de buscas e continua exibindo o link deste blog quando a pessoa digita o nome “João de Tal”, mesmo não havendo mais qualquer referência no texto. Esse fato não gera, por si só, dano moral a ser pago pelo Google.
A relação da pessoa que pede a retirada do conteúdo e o Google é uma relação de consumo? A pessoa pode ser considerada consumidora e o Google fornecedor de serviços?
SIM.
Os serviços prestados pelo Google na internet, como é o caso de seu sistema de buscas, mesmo sendo gratuitos, configuram relação de consumo. O fato de o serviço prestado pelo provedor de serviço de Internet ser gratuito não desvirtua a relação de consumo, pois o termo “mediante remuneração”, contido no art. 3º, § 2º, do CDC, deve ser interpretado de forma ampla, de modo a incluir o ganho indireto do fornecedor. STJ. 3ª Turma. REsp 1.316.921-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 26/6/2012 (Info 500).
A ausência de congruência entre o resultado atual e os termos pesquisados, ainda que decorrentes da posterior alteração do conteúdo original publicado pela página, configuram falha na prestação do serviço de busca, que deve ser corrigida nos termos do art. 20 do CDC, por frustrarem as legítimas expectativas dos consumidores.
Não há dano moral quando o provedor de busca, mesmo após ser cientificado pelo consumidor, continua exibindo resultado desatualizado. Ex: ao se digitar o nome desse consumidor (argumento de pesquisa) continua aparecendo, entre os resultados, determinado site que tinha realmente este nome do consumidor, mas que já foi retirado de lá. Em outras palavras, não há dano moral quando o provedor, mesmo depois de alertado sobre a falha, exibe associação indevida entre o argumento de pesquisa e o resultado de busca.
O provedor de busca cientificado pelo consumidor sobre vínculo virtual equivocado entre o argumento de pesquisa (nome de consumidor) e o resultado de busca (sítio eletrônico) é obrigado a desfazer a referida indexação, ainda que esta não tenha nenhum potencial ofensivo. STJ. 3ª Turma. REsp 1.582.981-RJ, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 10/5/2016 (Info 583).
Qual é a natureza jurídica do serviço de pesquisa via internet?
Os sites de pesquisa (provedores de pesquisa), como o Google, são uma espécie do gênero “provedor de conteúdo”, pois esses sites não incluem, hospedam, organizam ou de qualquer outra forma gerenciam as páginas virtuais indicadas nos resultados disponibilizados, se limitando a indicar links onde podem ser encontrados os termos ou expressões de busca fornecidos pelo próprio usuário. STJ. 3ª Turma. REsp 1.316.921-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 26/6/2012 (Info 500).
Os provedores de pesquisa podem ser responsabilizados pelo conteúdo do resultado das buscas realizadas pelos usuários?
NÃO. Na visão do STJ, não se trata de atividade intrínseca ao serviço por eles prestado. Logo, não se pode reputar como defeituoso, nos termos do art. 14 do CDC, o site de pesquisa que não exerce esse controle sobre os resultados das buscas. Como o provedor de pesquisa age como mero intermediário, repassando textos e imagens produzidas por outras pessoas, sobre essas informações não exerceu fiscalização ou juízo de valor, não podendo ser responsabilizado por eventuais excessos e ofensas à moral, à intimidade e à honra de terceiros. Não se aplica aqui a teoria do risco da atividade. Conclui-se, portanto, ser ilegítima a responsabilização dos provedores de pesquisa pelo conteúdo do resultado das buscas realizadas por seus usuários. STJ. 3ª Turma. REsp 1.316.921-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 26/6/2012 (Info 500).
Os provedores de pesquisa podem ser obrigados a filtrar o conteúdo das pesquisas feitas por cada usuário?
NÃO. Os provedores de pesquisa realizam suas buscas dentro de um universo virtual, cujo acesso é público e irrestrito, ou seja, seu papel se restringe à identificação de páginas na web onde determinado dado ou informação, ainda que ilícito, estão sendo livremente veiculados.
Dessa forma, ainda que seus mecanismos de busca facilitem o acesso e a consequente divulgação de páginas cujo conteúdo seja potencialmente ilegal, fato é que essas páginas são públicas e compõem a rede mundial de computadores e, por isso, aparecem no resultado dos sites de pesquisa. Ora, se a página possui conteúdo ilícito, cabe ao ofendido adotar medidas para que haja a supressão da página e, com isso, automaticamente, ele não mais aparecerá nos resultados de busca virtual dos sites de pesquisa.
Não se ignora a evidente dificuldade de assim proceder, diante da existência de inúmeras páginas destinadas à exploração de conteúdo ilícito – sobretudo imagens íntimas, sensuais e/ou pornográficas, mas isso não justifica a transferência, para mero provedor de serviço de pesquisa, da responsabilidade pela identificação desses sites, especialmente porque teria as mesmas dificuldades encontradas por cada interessado individualmente considerado.
Sopesados os direitos envolvidos e o risco potencial de violação de cada um deles, o fiel da balança deve pender para a garantia da liberdade de informação assegurada pelo art. 220, § 1º, da CF/88, sobretudo considerando que a Internet representa, hoje, importante veículo de comunicação social de massa. STJ. 3ª Turma. REsp 1.316.921-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 26/6/2012 (Info 500).
Há possibilidade, de ordem técnica, para que os provedores de pesquisa possam controlar e filtrar os conteúdos ilícitos das páginas?
NÃO.
Inúmeras páginas são criadas diariamente e, além disso, a maioria das milhões de páginas existentes na web sofre atualização regularmente, por vezes em intervalos inferiores a uma hora, sendo que em qualquer desses momentos pode haver a inserção de informação com conteúdo ilícito. Essa circunstância,aliada ao fato de que a identificação de conteúdos ilícitos ou ofensivos não pode ser automatizada (deve ser feita por humanos), torna impraticável o controle prévio por parte dos provedores de pesquisa da cada página nova ou alterada, sob pena, inclusive, de seus resultados serem totalmente desatualizados. STJ. 3ª Turma. REsp 1.316.921-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 26/6/2012 (Info 500).
Em suma
Segundo o STJ, os provedores de pesquisa:
a) não respondem pelo conteúdo do resultado das buscas realizadas por seus usuários;
b) não podem ser obrigados a exercer um controle prévio do conteúdo dos resultados das buscas feitas por cada usuário; e
c) não podem ser obrigados a eliminar do seu sistema os resultados derivados da busca de determinado termo ou expressão, tampouco os resultados que apontem para uma foto ou texto específico, independentemente da indicação do URL da página onde este estiver inserido.
Até aí, tudo bem. Acima nós temos o entendimento majoritário no STJ. No entanto, nosso exemplo possui uma peculiaridade que ainda não havia sido enfrentada pelo Tribunal. O interessado (João) conseguiu, extrajudicialmente, retirar o conteúdo nocivo da página (com a supressão de seu nome). Apesar disso, o índice do Google Search permanece exibindo o link como se na página indicada ainda houvesse o conteúdo retirado. Por que isso acontece? Por que o Google continua exibindo-o em seus resultados mesmo o nome do interessado já tendo sido excluído?
Os sítios de busca, como o Google, disponibilizam uma ferramenta por meio da qual o usuário realiza as pesquisas acerca de qualquer assunto ou conteúdo existente na web, mediante fornecimento de critérios ligados ao resultado desejado, obtendo, como resposta imediata, os respectivos links das páginas onde a informação pode ser localizada. Ok, isso todo mundo sabe porque já fez uma pesquisa no Google.
O que nem todo mundo sabe é que, para fazer isso, o Google já rastreou e indexou, previamente, trilhões de páginas disponíveis na web, organizando essas informações em seus bancos de dados. Em outras palavras mais simples, é como se o Google constantemente rastreasse as páginas da web e organizasse essas informações em “estantes” para que, quando o usuário pesquise, esta busca seja rápida e forneça os resultados necessários conforme eles já foram organizados.
Essa indexação (“organização em estantes”) é atualizada, em regra, da seguinte forma: o sistema do Google vai acrescentando novas páginas à essa base de dados a partir de novas varreduras que faz na web. No entanto, em regra, o Google não retira essas páginas da indexação (não retira os sites das suas “estantes”).
Essa exclusão até ocorre, mas de acordo com critérios e segundo uma periodicidade que é prevista no algoritmo do sistema de buscas do Google. Não se trata de algo automático e imediato. Se você publicou algum texto em um blog e depois de um tempo excluiu uma frase dele, isso não significa que haverá a imediata exclusão disso do sistema de busca do Google. Esta ferramenta possui mecanismos próprios para realizar a atualização de seus resultados.
O fato de o Google não atualizar instantaneamente esses resultados gera, por si só, dano moral aos interessados? NÃO.
Segundo o STJ, essa ausência de atualização constante não gera, por si só, dano suscetível de imputar ao provedor de pesquisa a responsabilidade civil.
O resultado apontado em decorrência da ausência de atualização automática não é o conteúdo ofensivo em si, mas a mera indicação do link de uma página. Ao acessar a página por meio do link, todavia, o conteúdo exibido é exatamente aquele existente na página já atualizada e, portanto, livre do conteúdo ofensivo e do potencial danoso.
Em outras palavras, mesmo exibindo nos resultados uma frase que não mais existe no site, quando a pessoa abre o link informado não irá encontrar aquela referência e, portanto, não há, nesta desatualização, um fato que gere, por si só, dano moral.
Não há dano moral, mas essa situação pode ser considerada como uma falha do sistema de buscas? É possível que o interessado requeira que o Google corrija esta vinculação desatualizada que está sendo feita com seu nome?
SIM.
Ao espelhar um resultado que um dia esteve disponível mas que não mais se encontra publicado na rede mundial na data da busca, a ferramenta de pesquisa apresenta-se falha em seu funcionamento, não correspondendo adequadamente ao fim a que se destina.
Como já vimos, o serviço oferecido pelo Google é regido também pelo CDC e este diploma estabelece, em seu art. 20, que é dever dos fornecedores entregarem serviços que se mostrem adequados aos fins que razoavelmente deles se esperam.
Assim, o Google tem o dever de corrigir sua base de dados e adequá-la aos resultados de busca atuais, fazendo cessar a vinculação do nome do autor à página por ele indicada. Este é um dever seu enquanto fornecedor do serviço de busca, ou seja, o dever de entregar respostas adequadas ao critério pesquisado.
Em um ambiente tão dinâmico e complexo como a internet, é normal que ocorram falhas e incorreções decorrentes de informações desatualizadas. Também por isso o STJ entendeu que não caberia indenização por danos morais. No entanto, depois de o consumidor comunicar ao Google que está havendo essa incorreção, é dever dele corrigir a falha de seu serviço.
Caso o provedor não retire o resultado incorreto (desatualizado), nesta hipótese, podemos dizer que existe dano moral?
Também NÃO.
Não há dano moral quando o provedor de busca, mesmo após ser cientificado pelo consumidor, continua exibindo resultado desatualizado. Ex: ao se digitar o nome desse consumidor (argumento de pesquisa) continua aparecendo, entre os resultados, determinado site que tinha realmente este nome do consumidor, mas que já foi retirado de lá. Em outras palavras, não há dano moral quando o provedor, mesmo depois de alertado sobre a falha, exibe associação indevida entre o argumento de pesquisa e o resultado de busca. STJ. 3ª Turma. REsp 1.582.981-RJ, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 10/5/2016 (Info 583).
Mas neste caso, o consumidor ficará prejudicado? Ficará sem instrumentos para corrigir a falha?
NÃO.
O consumidor poderá ajuizar ação contra o provedor de pesquisa (no caso, o Google) pedindo que seja corrigida a falha, inclusive com a fixação de astreintes (multa cominatória).
O provedor, para tentar se isentar do dever de corrigir a falha, poderá argumentar que esse erro não gera nenhum prejuízo ao consumidor? Esta alegação é válida? NÃO.
O provedor de busca cientificado pelo consumidor sobre vínculo virtual equivocado entre o argumento de pesquisa (nome de consumidor) e o resultado de busca (sítio eletrônico) é obrigado a desfazer a referida indexação, ainda que esta não tenha nenhum potencial ofensivo. STJ. 3ª Turma. REsp 1.582.981-RJ, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 10/5/2016 (Info 583).
O desrespeito ao tempo limite previsto em legislação municipal para fila de banco é capaz de gerar dano moral?
A mera invocação de legislação municipal que estabelece tempo máximo de espera em fila de banco não é suficiente para ensejar o direito à indenização.
Em outras palavras, o simples fato de a pessoa ter esperado por atendimento bancário por tempo superior ao previsto na legislação municipal não enseja indenização por danos morais.
No entanto, se a espera por atendimento na fila de banco for excessiva ou associada a outros constrangimentos, pode ser reconhecida como provocadora de sofrimento moral e ensejar condenação por dano moral. (AgRg no AREsp 357.188)
OBS: Vale ressalta que existe um precedente da 2 Turma do STJ condenando a CEF por danos morais coletivos em virtude de sucessivos episódios em que houve desrespeito ao tempo máximo para atendimento dos clientes previsto na legislação municipal. (REsp 1402475).
Empresa de vigilância pode ser responsabilizada em caso de asslta a banco?
O banco mantinha contrato com a empresa de Vigilância Privada “XXX” por meio do qual esta se comprometia a prestar serviços de vigilância armada nas agências bancárias.
Determinado dia, o banco foi assaltado por um grupo de oito ladrões fortemente armados.
O banco ajuizou ação de indenização contra a empresa de vigilância sustentando que, por expressa disposição contratual, a empresa deveria ser responsabilizada pelo roubo e pelos prejuízos suportados pela instituição bancária.
A tese do banco foi aceita? A empresa de vigilância foi condenada a indenizar?
NÃO. A cláusula de contrato de prestação de serviço de vigilância armada que impõe o dever de obstar assaltos e de garantir a preservação do patrimônio de instituição financeira não acarreta à contratada automática responsabilização por roubo contra agência bancária da contratante, especialmente quando praticado por grupo fortemente armado. STJ. 4ª Turma. REsp 1.329.831-MA, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 10/3/2015 (Info 561).
A tese do banco foi aceita? A empresa de vigilância foi condenada a indenizar?
NÃO. Entendeu-se que não havia comprovação de que o vigilante da empresa tenha contribuído de alguma maneira para o evento danoso. Ficou constatado que, ainda que o segurança não tivesse aberto a porta giratória da agência bancária, tal providência seria absolutamente inócua diante do potencial ofensivo do grupo criminoso, composto de oito integrantes, que se apresentaram para a prática do delito armados com fuzis.
Além disso, a cláusula de contrato de prestação de serviço de vigilância armada que impõe o dever de obstar assaltos e de garantir a preservação do patrimônio de instituição financeira não acarreta à contratada automática responsabilização por roubo contra agência bancária da contratante, especialmente quando praticado por grupo fortemente armado.
A legislação que rege as empresas de vigilância estabelecem limites para o armamento utilizado pelos vigilantes, ou seja, eles não podem utilizar, dentro das agências bancárias, armas de grosso calibre, ao contrário dos bandidos que, quando assaltam bancos, valem-se de fuzis e outras armas pesadas.
Obrigação de meio
A obrigação da empresa de vigilância é de meio (e não de resultado), sendo impossível garantir que não haverá assaltos.
A empresa de vigilância tem apenas o dever de envidar todos os esforços razoáveis para evitar danos ao patrimônio da contratante e de agir com a diligência na minimização dos riscos. Todavia, não se pode exigir dos seguranças atitudes heroicas perante grupo criminoso fortemente armado.
Se fosse admitida a tese do banco, o contrato de vigilância iria se transformar em um verdadeiro contrato de seguro.
Os provedores de pesquisa podem ser obrigador a eliminar de seu sistema os resultados derivados da busca de determinado termo ou expressão, ou os resultados que apontem para um fato ou texto específico?
INTERNET. PROVEDOR DE PESQUISA. FILTRAGEM PRÉVIA. RESTRIÇÃO DOS RESULTADOS. DIREITO À INFORMAÇÃO.
A filtragem do conteúdo das pesquisas feitas por cada usuário não constitui atividade intrínseca ao serviço prestado pelos provedores de pesquisa, de modo que não se pode reputar defeituoso, nos termos do art. 14 do CDC, o site que não exerce esse controle sobre os resultados das buscas. Assim, não é possível, sob o pretexto de dificultar a propagação de conteúdo ilícito ou ofensivo na web, reprimir o direito da coletividade à informação. Isso porque os provedores de pesquisa não podem ser obrigados a eliminar do seu sistema os resultados derivados da busca de determinado termo ou expressão, tampouco os resultados que apontem para uma foto ou texto específico, independentemente da indicação do URL da página onde este estiver inserido. Os provedores de pesquisa realizam suas buscas dentro de um universo virtual, cujo acesso é público e irrestrito, ou seja, seu papel restringe-se à identificação de páginas na web onde determinado dado ou informação, ainda que ilícito, estão sendo livremente veiculados. Dessa forma, ainda que seus mecanismos de busca facilitem o acesso e a consequente divulgação de páginas cujo conteúdo seja potencialmente ilegal, fato é que essas páginas são públicas e compõem a rede mundial de computadores e, por isso, aparecem no resultado dos sites de pesquisa. Além disso, sopesados os direitos envolvidos e o risco potencial de violação de cada um deles, deve sobrepor-se a garantia da liberdade de informação assegurada pelo art. 220, § 1º, da CF, sobretudo considerando que a internet representa importante veículo de comunicação social de massa. E, uma vez preenchidos os requisitos indispensáveis à exclusão da web de uma determinada página virtual sob a alegação de veicular conteúdo ilícito ou ofensivo - notadamente a identificação do URL dessa página -, a vítima carecerá de interesse de agir contra o provedor de pesquisa, por absoluta falta de utilidade da jurisdição. Se a vítima identificou, via URL, o autor do ato ilícito, não tem motivo para demandar contra aquele que apenas facilita o acesso a esse ato que, até então, encontra-se publicamente disponível na rede para divulgação. REsp 1.316.921-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 26/6/2012.
OBS:
Excepcionalmente, é possível que o Judiciário determine o rompimento do vínculo estabelecido por sites de busca entre o nome da pessoa, utilizado como critério exclusivo de busca, e a notícia desabonadora apontada nos resultados
Determinada pessoa se envolveu em uma suspeita de fraude há mais muitos anos, tendo sido inocentada das acusações.
Ocorre que todas as vezes que digita seu nome completo no Google e demais provedores de busca, os primeiros resultados que aparecem até hoje são de páginas na internet que trazem reportagens sobre seu suposto envolvimento com a fraude.
Diante disso, ela ingressou com ação de obrigação de fazer contra o Google pedindo a desindexação, nos resultados das aplicações de busca mantida pela empresa, de notícias relacionadas às suspeitas de fraude no referido concurso. Invocou, como fundamento, o direito ao esquecimento.
O STJ afirmou o seguinte: em regra, os provedores de busca da internet (ex: Google) não têm responsabilidade pelos resultados de busca apresentados. Em outras palavras, não se pode atribuir a eles a função de censor, obrigando que eles filtrem os resultados das buscas, considerado que eles apenas espelham o conteúdo que existe na internet. A pessoa prejudicada deverá direcionar sua pretensão contra os provedores de conteúdo (ex: sites de notícia), responsáveis pela disponibilização do conteúdo indevido na internet.
Há, todavia, circunstâncias excepcionalíssimas em que é necessária a intervenção pontual do Poder Judiciário para fazer cessar o vínculo criado, nos bancos de dados dos provedores de busca, entre dados pessoais e resultados da busca, que não guardam relevância para interesse público à informação, seja pelo conteúdo eminentemente privado, seja pelo decurso do tempo.
Nessas situações excepcionais, o direito à intimidade e ao esquecimento, bem como a proteção aos dados pessoais deverá preponderar, a fim de permitir que as pessoas envolvidas sigam suas vidas com razoável anonimato, não sendo o fato desabonador corriqueiramente rememorado e perenizado por sistemas automatizados de busca.
No caso concreto, o STJ determinou que deveria haver a desvinculação da pesquisa com base no nome completo da autora com resultados que levassem às notícias sobre a fraude. Em outras palavras, o STJ afirmou o seguinte: o Google não precisa retirar de seus resultados as notícias da autora relacionadas com a suposta fraude no concurso. Mas para que esses resultados apareçam será necessário que o usuário faça uma pesquisa específica com palavras-chaves que remetam à fraude. Por outro lado, se a pessoa digitar unicamente o nome completo da autora, sem qualquer outro termo de pesquisa que remete à suspeita de fraude, não se deve mais aparecer os resultados relacionados com este fato desabonador.
Assim, podemos dizer que é possível determinar o rompimento do vínculo estabelecido por provedores de aplicação de busca na internet entre o nome de prejudicado, utilizado como critério exclusivo de busca, e a notícia apontada nos resultados.
O rompimento do referido vínculo sem a exclusão da notícia compatibiliza também os interesses individual do titular dos dados pessoais e coletivo de acesso à informação, na medida em que viabiliza a localização das notícias àqueles que direcionem sua pesquisa fornecendo argumentos de pesquisa relacionados ao fato noticiado, mas não àqueles que buscam exclusivamente pelos dados pessoais do indivíduo protegido. STJ. 3ª Turma. REsp 1.660.168-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, Rel. Acd. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 08/05/2018 (Info 628).
O que é o direito ao esquecimento?
O direito ao esquecimento é o direito que uma pessoa possui de não permitir que um fato, ainda que verídico, ocorrido em determinado momento de sua vida, seja exposto ao público em geral, causando-lhe sofrimento ou transtornos.
Exemplo histórico
O exemplo mais conhecido e mencionado é o chamado “caso Lebach” (Soldatenmord von Lebach), julgado pelo Tribunal Constitucional Alemão.
A situação foi a seguinte: em 1969, quatro soldados alemães foram assassinados em uma cidade na Alemanha chamada Lebach.
Após o processo, três réus foram condenados, sendo dois à prisão perpétua e o terceiro a seis anos de reclusão.
Esse terceiro condenado cumpriu integralmente sua pena e, dias antes de deixar a prisão, ficou sabendo que uma emissora de TV iria exibir um programa especial sobre o crime no qual seriam mostradas, inclusive, fotos dos condenados e a insinuação de que eram homossexuais. Diante disso, ele ingressou com uma ação inibitória para impedir a exibição do programa.
A questão chegou até o Tribunal Constitucional Alemão, que decidiu que a proteção constitucional da personalidade não admite que a imprensa explore, por tempo ilimitado, a pessoa do criminoso e sua vida privada.
Assim, naquele caso concreto, entendeu-se que o princípio da proteção da personalidade deveria prevalecer em relação à liberdade de informação. Isso porque não haveria mais um interesse atual naquela informação (o crime já estava solucionado e julgado há anos). Em contrapartida, a divulgação da reportagem iria causar grandes prejuízos ao condenado, que já havia cumprido a pena e precisava ter condições de se ressocializar, o que certamente seria bastante dificultado com a nova exposição do caso.
Dessa forma, a emissora foi proibida de exibir o documentário.
Obs: alguns pesquisadores afirmam que o caso Lebach não poderia ser utilizado como exemplo de aplicação do direito ao esquecimento uma vez que teria havido outras decisões na Alemanha autorizando a exibição do documentário. Trata-se, contudo, de um debate mais aprofundado, sem tanta relevância para fins de concurso, sendo certo também que, na doutrina brasileira, o referido episódio é sempre lembrado como um caso de direito ao esquecimento.
Nomenclatura
O direito ao esquecimento também é chamado de “direito de ser deixado em paz” ou o “direito de estar só”. Em outros países, é conhecido como the right to be let alone ou derecho al olvido.
Fundamento
No Brasil, o direito ao esquecimento possui assento constitucional e legal, considerando que é uma consequência do direito à vida privada (privacidade), intimidade e honra, assegurados pela CF/88 (art. 5º, X) e pelo CC/02 (art. 21).
Alguns autores também afirmam que o direito ao esquecimento é uma decorrência da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III da CF/88).
Conflito entre interesses constitucionais
A discussão quanto ao direito ao esquecimento envolve um conflito aparente entre a liberdade de expressão/informação e atributos individuais da pessoa humana, como a intimidade, privacidade e honra.
O direito ao esquecimento não é uma criação recente
Há muitos anos discute-se esse direito na Europa e nos EUA.
A título de exemplo, Fraçois Ost menciona interessante decisão de 1983, do Tribunal de última instância de Paris (Mme. Filipachi Cogedipresse), na qual esse direito restou assegurado nos seguintes termos:
“(…) qualquer pessoa que se tenha envolvido em acontecimentos públicos pode, com o passar do tempo, reivindicar o direito ao esquecimento; a lembrança destes acontecimentos e do papel que ela possa ter desempenhado é ilegítima se não for fundada nas necessidades da história ou se for de natureza a ferir sua sensibilidade; visto que o direito ao esquecimento, que se impõe a todos, inclusive aos jornalistas, deve igualmente beneficiar a todos, inclusive aos condenados que pagaram sua dívida para com a sociedade e tentam reinserir-se nela.” (OST, François. O Tempo do direito. Trad. Élcio Fernandes. Bauru: Edusc, 2005, p. 161).
Por que, então, esse tema está sendo novamente tão discutido?
O direito ao esquecimento voltou a ser tema de inegável importância e atualidade em razão da internet. Isso porque a rede mundial de computadores praticamente eterniza as notícias e informações. Com poucos cliques, é possível ler reportagens sobre fatos ocorridos há muitos anos, inclusive com fotos e vídeos. Enfim, é quase impossível ser esquecido com uma ferramenta tão poderosa disponibilizando facilmente um conteúdo praticamente infinito.
No Brasil, o direito ao esquecimento voltou a ser palco de intensos debates em razão da aprovação de um enunciado nesse sentido na VI Jornada de Direito Civil, além de o STJ ter julgado dois casos envolvendo esse direito há pouco tempo.
O direito ao esquecimento aplica-se apenas a fatos ocorridos no campo penal?
Não. A discussão quanto ao direito ao esquecimento surgiu, de fato, para o caso de ex-condenados que, após determinado período, desejavam que esses antecedentes criminais não mais fossem expostos, vez que lhes causavam inúmeros prejuízos. No entanto, esse debate foi se ampliando e, atualmente, envolve outros aspectos da vida da pessoa que ela almeja que sejam esquecidos.
É o caso, por exemplo, da apresentadora Xuxa, que no passado fez um determinado filme do qual se arrepende e que não mais deseja que seja exibido ou rememorado por lhe causar prejuízos profissionais e transtornos pessoais.
Pode-se imaginar ainda que o indivíduo deseje simplesmente ser esquecido, deixado em paz. Nesse sentido, podemos imaginar o exemplo de uma pessoa que era famosa (um artista, esportista, político etc.) que, em determinado momento de sua vida, decide voltar a ser um anônimo e não mais ser incomodado com reportagens, entrevistas ou qualquer outra forma de exposição pública. Em certa medida, isso aconteceu na década de 90 com a ex-atriz Lídia Brondi e, mais recentemente, com Ana Paula Arósio que, mesmo tendo carreiras de muito sucesso na televisão, optaram por voltar ao anonimato. Essa é, portanto, uma das expressões do direito ao esquecimento, que deve ser juridicamente assegurado.
Assim, se um veículo de comunicação tiver a infeliz ideia de fazer um especial mostrando a vida atual dessas ex-atrizes, com câmeras acompanhando seu dia-a-dia, entrevistando pessoas que as conheciam na época, mostrando lugares que atualmente frequentam etc., poderão elas requerer ao Poder Judiciário medidas que impeçam essa violação ao seu direito ao esquecimento.
Críticas ao chamado “direito ao esquecimento”
Vale ressaltar que existem doutrinadores que criticam a existência de um “direito ao esquecimento”. O Min. Luis Felipe Salomão, no julgamento do REsp 1.335.153-RJ, apesar de ser favorável ao direito ao esquecimento, colacionou diversos argumentos contrários à tese. Vejamos os mais relevantes:
o acolhimento do chamado direito ao esquecimento constituiria um atentado à liberdade de expressão e de imprensa;
o direito de fazer desaparecer as informações que retratam uma pessoa significa perda da própria história, o que vale dizer que o direito ao esquecimento afronta o direito à memória de toda a sociedade;
o direito ao esquecimento teria o condão de fazer desaparecer registros sobre crimes e criminosos perversos, que entraram para a história social, policial e judiciária, informações de inegável interesse público;
é absurdo imaginar que uma informação que é lícita se torne ilícita pelo simples fato de que já passou muito tempo desde a sua ocorrência;
quando alguém se insere em um fato de interesse coletivo, mitiga-se a proteção à intimidade e privacidade em benefício do interesse público.
Sem dúvida nenhuma, o principal ponto de conflito quanto à aceitação do direito ao esquecimento reside justamente em como conciliar esse direito com a liberdade de expressão e de imprensa e com o direito à informação.
Enunciado 531 da VI Jornada
Em março de 2013, na VI Jornada de Direito Civil do CJF/STJ, foi aprovado um enunciado defendendo a existência do direito ao esquecimento como uma expressão da dignidade da pessoa humana. Veja:
Enunciado 531: A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento.
Justificativa: Os danos provocados pelas novas tecnologias de informação vêm-se acumulando nos dias atuais. O direito ao esquecimento tem sua origem histórica no campo das condenações criminais. Surge como parcela importante do direito do ex-detento à ressocialização. Não atribui a ninguém o direito de apagar fatos ou reescrever a própria história, mas apenas assegura a possibilidade de discutir o uso que é dado aos fatos pretéritos, mais especificamente o modo e a finalidade com que são lembrados.
Apesar de tais enunciados não terem força cogente, trata-se de uma importante fonte de pesquisa e argumentação utilizada pelos profissionais do Direito.
O STJ acolhe a tese do direito ao esquecimento?
SIM. Existem julgados do STJ nos quais já se afirmou que o sistema jurídico brasileiro protege o direito ao esquecimento (REsp 1.335.153-RJ e REsp 1.334.097-RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgados em 28/5/2013). Contudo, o deferimento, ou não, do direito ao esquecimento depende da análise do caso concreto.
Como conciliar, então, o direito ao esquecimento com o direito à informação?
Deve-se analisar se existe um interesse público atual na divulgação daquela informação. Se ainda persistir, não há que se falar em direito ao esquecimento, sendo lícita a publicidade daquela notícia.
É o caso, por exemplo, de “crimes genuinamente históricos, quando a narrativa desvinculada dos envolvidos se fizer impraticável” (Min. Luis Felipe Salomão).
Por outro lado, se não houver interesse público atual, a pessoa poderá exercer seu direito ao esquecimento, devendo ser impedidas notícias sobre o fato que já ficou no passado. Como assevera o Min. Gilmar Ferreira Mendes:
“Se a pessoa deixou de atrair notoriedade, desaparecendo o interesse público em torno dela, merece ser deixada de lado, como desejar. Isso é tanto mais verdade com relação, por exemplo, a quem já cumpriu pena criminal e que precisa reajustar-se à sociedade. Ele há de ter o direito a não ver repassados ao público os fatos que o levaram à penitenciária (MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 374).
O Min. Luis Felipe Salomão também ressaltou que “ressalvam-se do direito ao esquecimento os fatos genuinamente históricos – historicidade essa que deve ser analisada em concreto – cujo interesse público e social deve sobreviver à passagem do tempo” (REsp 1.334.097)
RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL-CONSTITUCIONAL. LIBERDADE DE IMPRENSA VS. DIREITOS DA PERSONALIDADE. LITÍGIO DE SOLUÇÃO TRANSVERSAL. COMPETÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.
DOCUMENTÁRIO EXIBIDO EM REDE NACIONAL. LINHA DIRETA-JUSTIÇA. SEQUÊNCIA DE HOMICÍDIOS CONHECIDA COMO CHACINA DA CANDELÁRIA.
REPORTAGEM QUE REACENDE O TEMA TREZE ANOS DEPOIS DO FATO. VEICULAÇÃO INCONSENTIDA DE NOME E IMAGEM DE INDICIADO NOS CRIMES. ABSOLVIÇÃO POSTERIOR POR NEGATIVA DE AUTORIA. DIREITO AO ESQUECIMENTO DOS CONDENADOS QUE CUMPRIRAM PENA E DOS ABSOLVIDOS. ACOLHIMENTO. DECORRÊNCIA DA PROTEÇÃO LEGAL E CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DAS LIMITAÇÕES POSITIVADAS À ATIVIDADE INFORMATIVA. PRESUNÇÃO LEGAL E CONSTITUCIONAL DE RESSOCIALIZAÇÃO DA PESSOA.
PONDERAÇÃO DE VALORES. PRECEDENTES DE DIREITO COMPARADO.
1. Avulta a responsabilidade do Superior Tribunal de Justiça em demandas cuja solução é transversal, interdisciplinar, e que abrange, necessariamente, uma controvérsia constitucional oblíqua, antecedente, ou inerente apenas à fundamentação do acolhimento ou rejeição de ponto situado no âmbito do contencioso infraconstitucional, questões essas que, em princípio, não são apreciadas pelo Supremo Tribunal Federal.
2. Nos presentes autos, o cerne da controvérsia passa pela ausência de contemporaneidade da notícia de fatos passados, que reabriu antigas feridas já superadas pelo autor e reacendeu a desconfiança da sociedade quanto à sua índole. O autor busca a proclamação do seu direito ao esquecimento, um direito de não ser lembrado contra sua vontade, especificamente no tocante a fatos desabonadores, de natureza criminal, nos quais se envolveu, mas que, posteriormente, fora inocentado.
3. No caso, o julgamento restringe-se a analisar a adequação do direito ao esquecimento ao ordenamento jurídico brasileiro, especificamente para o caso de publicações na mídia televisiva, porquanto o mesmo debate ganha contornos bem diferenciados quando transposto para internet, que desafia soluções de índole técnica, com atenção, por exemplo, para a possibilidade de compartilhamento de informações e circulação internacional do conteúdo, o que pode tangenciar temas sensíveis, como a soberania dos Estados-nações.
4. Um dos danos colaterais da “modernidade líquida” tem sido a progressiva eliminação da “divisão, antes sacrossanta, entre as esferas do ‘privado’ e do ‘público’ no que se refere à vida humana”, de modo que, na atual sociedade da hiperinformação, parecem evidentes os “riscos terminais à privacidade e à autonomia individual, emanados da ampla abertura da arena pública aos interesses privados [e também o inverso], e sua gradual mas incessante transformação numa espécie de teatro de variedades dedicado à diversão ligeira” (BAUMAN, Zygmunt. Danos colaterais: desigualdades sociais numa era global. Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2013, pp. 111-113). Diante dessas preocupantes constatações, o momento é de novas e necessárias reflexões, das quais podem mesmo advir novos direitos ou novas perspectivas sobre velhos direitos revisitados.
5. Há um estreito e indissolúvel vínculo entre a liberdade de imprensa e todo e qualquer Estado de Direito que pretenda se autoafirmar como Democrático. Uma imprensa livre galvaniza contínua e diariamente os pilares da democracia, que, em boa verdade, é projeto para sempre inacabado e que nunca atingirá um ápice de otimização a partir do qual nada se terá a agregar. Esse processo interminável, do qual não se pode descurar - nem o povo, nem as instituições democráticas -, encontra na imprensa livre um vital combustível para sua sobrevivência, e bem por isso que a mínima cogitação em torno de alguma limitação da imprensa traz naturalmente consigo reminiscências de um passado sombrio de descontinuidade democrática.
6. Não obstante o cenário de perseguição e tolhimento pelo qual passou a imprensa brasileira em décadas pretéritas, e a par de sua inegável virtude histórica, a mídia do século XXI deve fincar a legitimação de sua liberdade em valores atuais, próprios e decorrentes diretamente da importância e nobreza da atividade. Os antigos fantasmas da liberdade de imprensa, embora deles não se possa esquecer jamais, atualmente, não autorizam a atuação informativa desprendida de regras e princípios a todos impostos.
7. Assim, a liberdade de imprensa há de ser analisada a partir de dois paradigmas jurídicos bem distantes um do outro. O primeiro, de completo menosprezo tanto da dignidade da pessoa humana quanto da liberdade de imprensa; e o segundo, o atual, de dupla tutela constitucional de ambos os valores.
8. Nesse passo, a explícita contenção constitucional à liberdade de informação, fundada na inviolabilidade da vida privada, intimidade, honra, imagem e, de resto, nos valores da pessoa e da família, prevista no art. 220, § 1º, art. 221 e no § 3º do art. 222 da Carta de 1988, parece sinalizar que, no conflito aparente entre esses bens jurídicos de especialíssima grandeza, há, de regra, uma inclinação ou predileção constitucional para soluções protetivas da pessoa humana, embora o melhor equacionamento deva sempre observar as particularidades do caso concreto. Essa constatação se mostra consentânea com o fato de que, a despeito de a informação livre de censura ter sido inserida no seleto grupo dos direitos fundamentais (art. 5º, inciso IX), a Constituição Federal mostrou sua vocação antropocêntrica no momento em que gravou, já na porta de entrada (art. 1º, inciso III), a dignidade da pessoa humana como - mais que um direito - um fundamento da República, uma lente pela qual devem ser interpretados os demais direitos posteriormente reconhecidos.
Exegese dos arts. 11, 20 e 21 do Código Civil de 2002. Aplicação da filosofia kantiana, base da teoria da dignidade da pessoa humana, segundo a qual o ser humano tem um valor em si que supera o das “coisas humanas”.
9. Não há dúvida de que a história da sociedade é patrimônio imaterial do povo e nela se inserem os mais variados acontecimentos e personagens capazes de revelar, para o futuro, os traços políticos, sociais ou culturais de determinada época. Todavia, a historicidade da notícia jornalística, em se tratando de jornalismo policial, há de ser vista com cautela. Há, de fato, crimes históricos e criminosos famosos; mas também há crimes e criminosos que se tornaram artificialmente históricos e famosos, obra da exploração midiática exacerbada e de um populismo penal satisfativo dos prazeres primários das multidões, que simplifica o fenômeno criminal às estigmatizadas figuras do “bandido” vs. “cidadão de bem”.
10. É que a historicidade de determinados crimes por vezes é edificada à custa de vários desvios de legalidade, por isso não deve constituir óbice em si intransponível ao reconhecimento de direitos como o vindicado nos presentes autos. Na verdade, a permissão ampla e irrestrita a que um crime e as pessoas nele envolvidas sejam retratados indefinidamente no tempo - a pretexto da historicidade do fato - pode significar permissão de um segundo abuso à dignidade humana, simplesmente porque o primeiro já fora cometido no passado.
Por isso, nesses casos, o reconhecimento do “direito ao esquecimento” pode significar um corretivo - tardio, mas possível - das vicissitudes do passado, seja de inquéritos policiais ou processos judiciais pirotécnicos e injustos, seja da exploração populista da mídia.
11. É evidente o legítimo interesse público em que seja dada publicidade da resposta estatal ao fenômeno criminal. Não obstante, é imperioso também ressaltar que o interesse público - além de ser conceito de significação fluida - não coincide com o interesse do público, que é guiado, no mais das vezes, por sentimento de execração pública, praceamento da pessoa humana, condenação sumária e vingança continuada.
12. Assim como é acolhido no direito estrangeiro, é imperiosa a aplicabilidade do direito ao esquecimento no cenário interno, com base não só na principiologia decorrente dos direitos fundamentais e da dignidade da pessoa humana, mas também diretamente do direito positivo infraconstitucional. A assertiva de que uma notícia lícita não se transforma em ilícita com o simples passar do tempo não tem nenhuma base jurídica. O ordenamento é repleto de previsões em que a significação conferida pelo Direito à passagem do tempo é exatamente o esquecimento e a estabilização do passado, mostrando-se ilícito sim reagitar o que a lei pretende sepultar. Precedentes de direito comparado.
13. Nesse passo, o Direito estabiliza o passado e confere previsibilidade ao futuro por institutos bem conhecidos de todos: prescrição, decadência, perdão, anistia, irretroatividade da lei, respeito ao direito adquirido, ato jurídico perfeito, coisa julgada, prazo máximo para que o nome de inadimplentes figure em cadastros restritivos de crédito, reabilitação penal e o direito ao sigilo quanto à folha de antecedentes daqueles que já cumpriram pena (art.
93 do Código Penal, art. 748 do Código de Processo Penal e art. 202 da Lei de Execuções Penais). Doutrina e precedentes.
14. Se os condenados que já cumpriram a pena têm direito ao sigilo da folha de antecedentes, assim também a exclusão dos registros da condenação no Instituto de Identificação, por maiores e melhores razões aqueles que foram absolvidos não podem permanecer com esse estigma, conferindo-lhes a lei o mesmo direito de serem esquecidos.
15. Ao crime, por si só, subjaz um natural interesse público, caso contrário nem seria crime, e eventuais violações de direito resolver-se-iam nos domínios da responsabilidade civil. E esse interesse público, que é, em alguma medida, satisfeito pela publicidade do processo penal, finca raízes essencialmente na fiscalização social da resposta estatal que será dada ao fato. Se é assim, o interesse público que orbita o fenômeno criminal tende a desaparecer na medida em que também se esgota a resposta penal conferida ao fato criminoso, a qual, certamente, encontra seu último suspiro, com a extinção da pena ou com a absolvição, ambas consumadas irreversivelmente. E é nesse interregno temporal que se perfaz também a vida útil da informação criminal, ou seja, enquanto durar a causa que a legitimava. Após essa vida útil da informação seu uso só pode ambicionar, ou um interesse histórico, ou uma pretensão subalterna, estigmatizante, tendente a perpetuar no tempo as misérias humanas.
16. Com efeito, o reconhecimento do direito ao esquecimento dos condenados que cumpriram integralmente a pena e, sobretudo, dos que foram absolvidos em processo criminal, além de sinalizar uma evolução cultural da sociedade, confere concretude a um ordenamento jurídico que, entre a memória - que é a conexão do presente com o passado - e a esperança - que é o vínculo do futuro com o presente -, fez clara opção pela segunda. E é por essa ótica que o direito ao esquecimento revela sua maior nobreza, pois afirma-se, na verdade, como um direito à esperança, em absoluta sintonia com a presunção legal e constitucional de regenerabilidade da pessoa humana.
17. Ressalvam-se do direito ao esquecimento os fatos genuinamente históricos - historicidade essa que deve ser analisada em concreto -, cujo interesse público e social deve sobreviver à passagem do tempo, desde que a narrativa desvinculada dos envolvidos se fizer impraticável.
18. No caso concreto, a despeito de a Chacina da Candelária ter se tornado - com muita razão - um fato histórico, que expôs as chagas do País ao mundo, tornando-se símbolo da precária proteção estatal conferida aos direitos humanos da criança e do adolescente em situação de risco, o certo é que a fatídica história seria bem contada e de forma fidedigna sem que para isso a imagem e o nome do autor precisassem ser expostos em rede nacional. Nem a liberdade de imprensa seria tolhida, nem a honra do autor seria maculada, caso se ocultassem o nome e a fisionomia do recorrido, ponderação de valores que, no caso, seria a melhor solução ao conflito.
19. Muito embora tenham as instâncias ordinárias reconhecido que a reportagem se mostrou fidedigna com a realidade, a receptividade do homem médio brasileiro a noticiários desse jaez é apta a reacender a desconfiança geral acerca da índole do autor, o qual, certamente, não teve reforçada sua imagem de inocentado, mas sim a de indiciado.
No caso, permitir nova veiculação do fato, com a indicação precisa do nome e imagem do autor, significaria a permissão de uma segunda ofensa à sua dignidade, só porque a primeira já ocorrera no passado, uma vez que, como bem reconheceu o acórdão recorrido, além do crime em si, o inquérito policial consubstanciou uma reconhecida “vergonha” nacional à parte.
20. Condenação mantida em R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), por não se mostrar exorbitante.
21. Recurso especial não provido.
(REsp 1334097/RJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 28/05/2013, DJe 10/09/2013)
ATUALIZAÇÃO (INFO 1005)
É incompatível com a Constituição a ideia de um direito ao esquecimento, assim entendido como o poder de obstar, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social analógicos ou digitais. Eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, a partir dos parâmetros constitucionais – especialmente os relativos à proteção da honra, da imagem, da privacidade e da personalidade em geral – e as expressas e específicas previsões legais nos âmbitos penal e cível. STF. Plenário. RE 1010606/RJ, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 11/2/2021 (Repercussão Geral – Tema 786) (Info 1005).
Inteiro teor
A previsão ou aplicação de um “direito ao esquecimento” afrontaria a liberdade de expressão.
O “direito ao esquecimento” caracteriza restrição excessiva e peremptória às liberdades de expressão e de manifestação de pensamento e ao direito que todo cidadão tem de se manter informado a respeito de fatos relevantes da história social, bem como equivale a atribuir, de forma absoluta e em abstrato, maior peso aos direitos à imagem e à vida privada, em detrimento da liberdade de expressão, compreensão que não se compatibiliza com a ideia de unidade da Constituição.
A liberdade de expressão não é absoluta, no entanto, a sua restrição pela mera passagem do tempo não encontra ampara no ordenamento jurídico
O ordenamento jurídico brasileiro está repleto de previsões constitucionais e legais voltadas à proteção da personalidade, com repertório jurídico suficiente a que esta norma fundamental se efetive em consagração à dignidade humana. Em todas essas situações legalmente definidas, é cabível a restrição, em alguma medida, à liberdade de expressão, sempre que afetados outros direitos fundamentais, mas não como decorrência de um pretenso e prévio direito de ver dissociados fatos ou dados por alegada descontextualização das informações em que inseridos, por força da passagem do tempo.
A existência de um comando jurídico que eleja a passagem do tempo como restrição à divulgação de informação verdadeira, licitamente obtida e com adequado tratamento dos dados nela inseridos, precisaria estar prevista, de modo pontual, em lei.
Mesmo se reconhecendo que não existe direito ao esquecimento, a honra, privacidade e direitos da personalidade permanecem protegidos por outros instrumentos
A ordem constitucional protege a honra, a privacidade e os direitos da personalidade e oferece, pela via da responsabilização, proteção contra informações inverídicas, ilicitamente obtidas ou decorrentes do abuso no exercício da liberdade de expressão. Essa proteção se estende tanto para o âmbito penal como cível.
A divulgação de informação falsa torna imperativa a responsabilização do veículo de imprensa?
A entidade responsável por prestar serviços de comunicação não tem o dever de indenizar pessoa física em razão da publicação de matéria de interesse público em jornal de grande circulação a qual tenha apontado a existência de investigações pendentes sobre ilícito supostamente cometido pela referida pessoa, ainda que posteriormente tenha ocorrido absolvição quanto às acusações, na hipótese em que a entidade busque fontes fidedignas, ouça as diversas partes interessadas e afaste quaisquer dúvidas sérias quanto à veracidade do que divulga. De fato, a hipótese descrita apresenta um conflito de direitos constitucionalmente assegurados: os direitos à liberdade de pensamento e à sua livre manifestação (art. 5º, IV e IX), ao acesso à informação (art. 5º, XIV) e à honra (art. 5º, X). Cabe ao aplicador da lei, portanto, exercer função harmonizadora, buscando um ponto de equilíbrio no qual os direitos conflitantes possam conviver. Nesse contexto, o direito à liberdade de informação deve observar o dever de veracidade, bem como o interesse público dos fatos divulgados. Em outras palavras, pode-se dizer que a honra da pessoa não é atingida quando são divulgadas informações verdadeiras e fidedignas a seu respeito e que, outrossim, são de interesse público. Quanto à veracidade do que noticiado pela imprensa, vale ressaltar que a diligência que se deve exigir na verificação da informação antes de divulgá-la não pode chegar ao ponto de as notícias não poderem ser veiculadas até se ter certeza plena e absoluta de sua veracidade. O processo de divulgação de informações satisfaz o verdadeiro interesse público, devendo ser célere e eficaz, razão pela qual não se coaduna com rigorismos próprios de um procedimento judicial, no qual deve haver cognição plena e exauriente dos fatos analisados. Além disso, deve-se observar que a responsabilidade da imprensa pelas informações por ela veiculadas é de caráter subjetivo, não se cogitando da aplicação da teoria do risco ou da responsabilidade objetiva. Assim, para a responsabilização da imprensa pelos fatos por ela reportados, não basta a divulgação de informação falsa, exige-se prova de que o agente divulgador conhecia ou poderia conhecer a falsidade da informação propalada, o que configuraria abuso do direito de informação. REsp 1.297.567-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 28/5/2013.
O incorporador pode ser responsabilização por ´vicios e defeito da construção, ou esta responsabilidade é exclusiva do construtor?
RECURSO ESPECIAL. INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA. CONSTRUÇÃO DE EDIFÍCIO. VÍCIOS E DEFEITOS SURGIDOS APÓS A ENTREGA DAS UNIDADES AUTÔNOMAS AOS ADQUIRENTES. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO INCORPORADOR E DO CONSTRUTOR. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA PARTE, DESPROVIDO.
1. O incorporador, como impulsionador do empreendimento imobiliário em condomínio, atrai para si a responsabilidade pelos danos que possam resultar da inexecução ou da má execução do contrato de incorporação, incluindo-se aí os danos advindos de construção defeituosa.
2. A Lei n. 4.591/64 estabelece, em seu art. 31, que a “iniciativa e a responsabilidade das incorporações imobiliárias caberão ao incorporador”. Acerca do envolvimento da responsabilidade do incorporador pela construção, dispõe que “nenhuma incorporação poderá ser proposta à venda sem a indicação expressa do incorporador, devendo também seu nome permanecer indicado ostensivamente no local da construção”, acrescentando, ainda, que “toda e qualquer incorporação, independentemente da forma por que seja constituída, terá um ou mais incorporadores solidariamente responsáveis” (art. 31, §§ 2º e 3º).
3. Portanto, é o incorporador o principal garantidor do empreendimento no seu todo, solidariamente responsável com outros envolvidos nas diversas etapas da incorporação. Essa solidariedade decorre tanto da natureza da relação jurídica estabelecida entre o incorporador e o adquirente de unidades autônomas quanto de previsão legal, já que a solidariedade não pode ser presumida (CC/2002, caput do art. 942; CDC, art. 25, § 1º; Lei 4.591/64, arts. 31 e 43).
4. Mesmo quando o incorporador não é o executor direto da construção do empreendimento imobiliário, mas contrata construtor, fica, juntamente com este, responsável pela solidez e segurança da edificação (CC/2002, art. 618). Trata-se de obrigação de garantia assumida solidariamente com o construtor.
5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, desprovido.
(REsp 884.367/DF, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 06/03/2012, DJe 15/03/2012)
O dano resultante da teoria da perda de uma chance possui que natureza jurídica?
O que é a teoria da perda de uma chance?
Trata-se de teoria inspirada na doutrina francesa (perte d’une chance). Na Inglaterra é chamada de loss-ofa-chance.
Segundo esta teoria, se alguém, praticando um ato ilícito, faz com que outra pessoa perca uma oportunidade de obter uma vantagem ou de evitar um prejuízo, esta conduta enseja indenização pelos danos causados.
Em outras palavras, o autor do ato ilícito, com a sua conduta, faz com que a vítima perca a oportunidade de obter uma situação futura melhor.
Com base nesta teoria, indeniza-se não o dano causado, mas sim a chance perdida.
A teoria da perda de uma chance é adotada no Brasil?
SIM, esta teoria é aplicada pelo STJ, que exige, no entanto, que o dano seja REAL, ATUAL e CERTO, dentro de um juízo de probabilidade, e não mera possibilidade, porquanto o dano potencial ou incerto, no espectro da responsabilidade civil, em regra não é indenizável (REsp 1.104.665-RS, Rel. Min. Massami Uyeda, julgado em 9/6/2009).
Em outros julgados, fala-se que a chance perdida deve ser REAL e SÉRIA, que proporcione ao lesado efetivas condições pessoais de concorrer à situação futura esperada. (AgRg no REsp 1220911/RS, Segunda Turma, julgado em 17/03/2011)
O dano resultante da aplicação da teoria da perda pode ser classificado como dano emergente ou como lucros cessantes?
Trata-se de uma terceira categoria. Com efeito, a teoria da perda de uma chance visa à responsabilização do agente causador não de um dano emergente, tampouco de lucros cessantes, mas de algo intermediário entre um e outro, precisamente a perda da possibilidade de se buscar posição mais vantajosa, que muito provavelmente se alcançaria, não fosse o ato ilícito praticado. (REsp 1190180/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 16/11/2010)
“A perda de uma chance, caracterizada pela violação direta ao bem juridicamente protegido, qual seja, a chance concreta, real, com alto grau de probabilidade de gerar um benefício ou de evitar um prejuízo, consubstancia modalidade autônoma de indenização.” (Prova do TJDFT 2014 CESPE).
Exemplos:
Tem direito a ser indenizada, com base na teoria da perda de uma chance, a criança que, em razão da ausência do preposto da empresa contratada por seus pais para coletar o material no momento do parto, não teve recolhidas as células-tronco embrionárias. STJ. 3ª Turma. REsp 1.291.247-RJ, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 19/8/2014 (Info 549).
Aplica-se a teoria da perda de chance ao caso de candidato a Vereador que deixa de ser eleito por reduzida diferença de oito votos após ser atingido por notícia falta publicada em jornal, resultando, por isso, a obrigação de indenização (REsp 821.004)
RESPONSABILIDADE CIVIL. ADVOCACIA. PERDA DO PRAZO PARA CONTESTAR.
INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS FORMULADA PELO CLIENTE EM FACE DO PATRONO. PREJUÍZO MATERIAL PLENAMENTE INDIVIDUALIZADO NA INICIAL.
APLICAÇÃO DA TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. CONDENAÇÃO EM DANOS MORAIS. JULGAMENTO EXTRA PETITA RECONHECIDO.
1. A teoria da perda de uma chance (perte d’une chance) visa à responsabilização do agente causador não de um dano emergente, tampouco de lucros cessantes, mas de algo intermediário entre um e outro, precisamente a perda da possibilidade de se buscar posição mais vantajosa que muito provavelmente se alcançaria, não fosse o ato ilícito praticado. Nesse passo, a perda de uma chance - desde que essa seja razoável, séria e real, e não somente fluida ou hipotética - é considerada uma lesão às justas expectativas frustradas do indivíduo, que, ao perseguir uma posição jurídica mais vantajosa, teve o curso normal dos acontecimentos interrompido por ato ilícito de terceiro.
2. Em caso de responsabilidade de profissionais da advocacia por condutas apontadas como negligentes, e diante do aspecto relativo à incerteza da vantagem não experimentada, as demandas que invocam a teoria da “perda de uma chance” devem ser solucionadas a partir de uma detida análise acerca das reais possibilidades de êxito do processo, eventualmente perdidas em razão da desídia do causídico.
Vale dizer, não é o só fato de o advogado ter perdido o prazo para a contestação, como no caso em apreço, ou para a interposição de recursos, que enseja sua automática responsabilização civil com base na teoria da perda de uma chance. É absolutamente necessária a ponderação acerca da probabilidade - que se supõe real - que a parte teria de se sagrar vitoriosa.
3. Assim, a pretensão à indenização por danos materiais individualizados e bem definidos na inicial, possui causa de pedir totalmente diversa daquela admitida no acórdão recorrido, de modo que há julgamento extra petita se o autor deduz pedido certo de indenização por danos materiais absolutamente identificados na inicial e o acórdão, com base na teoria da “perda de uma chance”, condena o réu ao pagamento de indenização por danos morais.
4. Recurso especial conhecido em parte e provido.
(REsp 1190180/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 16/11/2010, DJe 22/11/2010)
DIREITO CIVIL. CÂNCER. TRATAMENTO INADEQUADO. REDUÇÃO DAS POSSIBILIDADES DE CURA. ÓBITO. IMPUTAÇÃO DE CULPA AO MÉDICO. POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA TEORIA DA RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE. REDUÇÃO PROPORCIONAL DA INDENIZAÇÃO. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.
1. O STJ vem enfrentando diversas hipóteses de responsabilidade civil pela perda de uma chance em sua versão tradicional, na qual o agente frustra à vítima uma oportunidade de ganho. Nessas situações, há certeza quanto ao causador do dano e incerteza quanto à respectiva extensão, o que torna aplicável o critério de ponderação característico da referida teoria para a fixação do montante da indenização a ser fixada. Precedentes.
2. Nas hipóteses em que se discute erro médico, a incerteza não está no dano experimentado, notadamente nas situações em que a vítima vem a óbito. A incerteza está na participação do médico nesse resultado, à medida que, em princípio, o dano é causado por força da doença, e não pela falha de tratamento.
3. Conquanto seja viva a controvérsia, sobretudo no direito francês, acerca da aplicabilidade da teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance nas situações de erro médico, é forçoso reconhecer sua aplicabilidade. Basta, nesse sentido, notar que a chance, em si, pode ser considerado um bem autônomo, cuja violação pode dar lugar à indenização de seu equivalente econômico, a exemplo do que se defende no direito americano. Prescinde-se, assim, da difícil sustentação da teoria da causalidade proporcional.
4. Admitida a indenização pela chance perdida, o valor do bem deve ser calculado em uma proporção sobre o prejuízo final experimentado pela vítima. A chance, contudo, jamais pode alcançar o valor do bem perdido. É necessária uma redução proporcional.
5. Recurso especial conhecido e provido em parte, para o fim de reduzir a indenização fixada.
(REsp 1254141/PR, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 04/12/2012, DJe 20/02/2013)
Em que consiste a sham litigation?
A prática de sham litigation (litigância simulada) configura ato ilícito de abuso do direito de ação, podendo gerar indenização por danos morais e materiais
O ajuizamento de sucessivas ações judiciais, desprovidas de fundamentação idônea e intentadas com propósito doloso, pode configurar ato ilícito de abuso do direito de ação ou de defesa, o denominado assédio processual. STJ. 3ª Turma. REsp 1.817.845-MS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Rel. Acd. Min. Nancy Andrighi, julgado em 10/10/2019 (Info 658).
Trata-se daquilo que, nos Estados Unidos, ficou conhecido como “sham litigation” (litigância simulada), ou seja, a “ação ou conjunto de ações promovidas junto ao Poder Judiciário, que não possuem embasamento sólido, fundamentado e potencialidade de sucesso, com o objetivo central e disfarçado de prejudicar algum concorrente direto do impetrante, causando-lhe danos e dificuldades de ordem financeira, estrutural e reputacional.” (CORRÊA, Rogério. Você sabe o que é Sham Litigation? Disponível em: https://sollicita.com.br/Noticia/?p_idNoticia=13665&n=voc%C3%AAsabe-o-que-%C3%A9-sham-litigation?)
O aborto resultante de acidente de trânsito gera direito à indenização do seguro DPVAT?
O STJ decidiu que, se uma gestante envolve-se em acidente de carro e, em virtude disso, sofre um aborto, ela terá direito de receber a indenização por morte do DPVAT, nos termos do art. 3, I, da Lei 6.154\74.
O Ministério Público tem legitimidade par apleitear, em ACP, a indenização decorrente de DPVAT em benefício do segurado?
O Ministério Público possui legitimidade para ajuizar ação civil pública em defesa dos direitos individuais homogêneos dos beneficiários do seguro DPVAT, dado o interesse social qualificado presente na tutela dos referidos direitos subjetivos.
Está cancelada a súmula 470 do STJ, que tinha a seguinte redação: “O Ministério Público não tem legitimidade para pleitear, em ação civil pública, a indenização decorrente do DPVAT em benefício do segurado.” STJ. 2ª Seção. REsp 858.056/GO, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 27/05/2015 (Info 563).
Se, após a alienação do bem, mas antes de sua efetiva transferência, vem ela a ser objeto de penhora, a qual somente é desconstituída após embargos de terceiro ajuizados pelo adquirente, terá este direito à indenização do alienante a título de evicção?
Caracteriza-se evicção a inclusão de gravame capaz de impedir a transferência livre e desembaraçada de veículo objeto de negócio jurídico de compra e venda.
Caso concreto: foi vendido um carro, mas, antes que pudesse ser transferido à adquirente, houve um bloqueio judicial sobre o veículo. Foi necessário o ajuizamento de embargos de terceiro para liberação do automóvel, sendo, em seguida, desfeito o negócio. Neste caso, caracterizou-se a evicção, gerando o dever do alienante de indenizar a adquirente pelos prejuízos sofridos. STJ. 3ª Turma. REsp 1.713.096-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 20/02/2018 (Info 621).
Evicção
A evicção ocorre quando:
- a pessoa que adquiriu um bem
- perde a posse ou a propriedade desta coisa
- em razão de uma decisão judicial ou de um ato administrativo
- que reconhece que um terceiro possuía direitos anteriores sobre este bem
- de modo que ele não poderia ter sido alienado.
Após perder a posse ou a propriedade do bem, o adquirente (evicto) deverá ser indenizado pelo alienante por conta deste prejuízo. O fundamento desta indenização está no princípio da garantia. Logo, não interessa discutir se o alienante estava ou não de boa-fé quando vendeu o bem. Mesmo de boa-fé, ele terá a obrigação de indenizar o evicto.
Veja como o Min. Luis Felipe Salomão definiu o instituto: “A evicção consiste na perda parcial ou integral da posse ou da propriedade do bem, via de regra, em virtude de decisão judicial que atribui o uso, a posse ou a propriedade a outrem, em decorrência de motivo jurídico anterior ao contrato de aquisição.” (REsp 1.332.112-GO).
Evicção vem do latim evincere ou evictio, que significa algo como “ser vencido”. Na língua portuguesa existe o verbo “evencer”, que significa “promover a evicção de alguém”.
A evicção representa um sistema especial de responsabilidade negocial
Há indenização mesmo o automóvel tendo sido, ao final, liberado?
SIM. O fato de haver decisão judicial liberando o bem não elimina o direito da empresa de ser indenizada pelos prejuízos que sofreu. Isso porque ela teve que contratar advogado e fazer outras despesas para recuperar a posse do bem, além de ter tido que restituir os valores que haviam sido pagos pela adquirente.
Neste caso, é possível falar em evicção mesmo não tendo havido “perda da coisa”?
SIM. Tradicionalmente, fala-se que a evicção é a perda da coisa. No entanto, a Min. Nancy Andrigui explica que a evicção não se configura apenas com a “perda da coisa” em si, mas sim com a privação de um direito que incide sobre a coisa. Esse direito pode ser não apenas sobre a propriedade, mas também sobre a posse.
Assim, ocorre a evicção quando há privação do direito de propriedade ou de posse sobre a coisa. E essa privação pode ser total ou parcial.
A inclusão de um gravame sobre a coisa é um exemplo de privação parcial que incide sobre o bem.
O fato de ter sido constituído um gravame sobre o bem, tornando necessário o ajuizamento de embargos de terceiro para que se pudesse obter a respectiva liberação evidencia que houve o rompimento da sinalagmaticidade das prestações. Isso porque pelo contrato, o alienante deveria ter transmitido o bem livre de qualquer restrição, sob pena de responder pela evicção. Em palavras mais simples, o alienante não cumpriu a sua parte da obrigação.
Para que o evicto cobre seus direito, é necessário o trânsito em julgado da decisão que decretou a perda da coisa?
PROCESSO CIVIL. DIREITO CIVIL. EXERCÍCIO DOS DIREITOS ADVINDOS DA EVICÇÃO. DENUNCIAÇÃO DA LIDE. DESNECESSIDADE. TRÂNSITO EM JULGADO DA DECISÃO. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA.
1. Não ocorre violação ao art. 535 do Código de Processo Civil quando o Juízo, embora de forma sucinta, aprecia fundamentadamente todas as questões relevantes ao deslinde do feito, apenas adotando fundamentos divergentes da pretensão do recorrente. Precedentes.
2. A evicção consiste na perda parcial ou integral do bem, via de regra, em virtude de decisão judicial que atribui o uso, a posse ou a propriedade a outrem, em decorrência de motivo jurídico anterior ao contrato de aquisição, podendo ocorrer, ainda, em virtude de ato administrativo do qual também decorra a privação da coisa.
Precedentes.
3. A perda do bem por vício anterior ao negócio jurídico oneroso é fator determinante da evicção, tanto que há situações em que, a despeito da existência de decisão judicial ou de seu trânsito em julgado, os efeitos advindos da privação do bem se consumam, desde que, por óbvio, haja a efetiva ou iminente perda da posse ou da propriedade, e não uma mera cogitação da perda ou limitação desse direito.
4. O trânsito em julgado da decisão que atribui a outrem a posse ou a propriedade da coisa confere o respaldo ideal para o exercício do direito oriundo da evicção. Todavia, o aplicador do direito não pode ignorar a realidade hodierna do trâmite processual nos tribunais que, muitas vezes, faz com que o processo permaneça ativo por longos anos, ocasionando prejuízos consideráveis advindos da constrição imediata dos bens do evicto, que aguarda, impotente, o trânsito em julgado da decisão que já há muito assegurava-lhe o direito.
5. No caso dos autos, notadamente, houve decisão declaratória da ineficácia das alienações dos imóveis litigiosos - assim como seu arresto - em virtude do reconhecimento de fraude nos autos da execução fiscal movida pelo Estado de Goiás contra a empresa Onogás S/A, que transferiu os referidos bens à recorrente, sendo certo que, em consulta ao sítio do Tribunal a quo, verificou-se a improcedência dos embargos à execução fiscal em 14/12/2012, em processo que tramita desde 1998.
6. Dessarte, a despeito de não ter ainda ocorrido o trânsito em julgado da decisão prolatada na execução fiscal, que tornou ineficaz a alienação dos bens imóveis objeto do presente recurso, as circunstâncias fáticas e jurídicas acenam para o robusto direito do adquirente, mormente ante a determinação de arresto, medida que pode implicar no desapossamento dos bens e que promove sua imediata afetação ao procedimento executivo futuro.
7. O exercício do direito oriundo da evicção independe da denunciação da lide ao alienante na ação em que terceiro reivindica a coisa, sendo certo que tal omissão apenas acarretará para o réu a perda da pretensão regressiva, privando-lhe da imediata obtenção do título executivo contra o obrigado regressivamente, restando-lhe, ainda, o ajuizamento de demanda autônoma. Ademais, no caso, o adquirente não integrou a relação jurídico-processual que culminou na decisão de ineficácia da alienação, haja vista se tratar de executivo fiscal, razão pela qual não houve o descumprimento da cláusula contratual que previu o chamamento da recorrente ao processo.
8. Recurso especial não provido.
(REsp 1332112/GO, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 21/03/2013, DJe 17/04/2013)
Qual é o prazo prescricional da pretensão de indenização decorrente da evicção?
Independentemente do seu nomen juris, a natureza da pretensão deduzida em ação baseada na garantia da evicção é tipicamente de reparação civil decorrente de inadimplemento contratual, a qual se submete ao prazo prescricional de três anos, previsto no art. 206, § 3º, V, do CC/02.
Reconhecida a evicção, exsurge, nos termos dos arts. 447 e seguintes do CC/02, o dever de indenizar, ainda que o adquirente não tenha exercido a posse do bem, já que teve frustrada pelo alienante sua legítima expectativa de obter a transmissão plena do direito.
(REsp 1577229/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 08/11/2016, DJe 14/11/2016)
OBS DIZER DIREITO:
Em minha opi nião esse entendimento encontra-se superado, tendo em vista que, posteriormente, o STJ decidiu que o art. 206, pár. 3, V, do CC não se aplica para prescrição decorrente de ilícito contratuais. Para responsabilidade civil contratual incide o prazo de 10 anos.
A pretensão indenizatória decorrente do inadimplemento contratual sujeita-se ao prazo prescricional decenal (Art. 205 do CC), se nou houver previsão legal de prazo diferenciado. (INFO 649)
O acórdão embargado, da Terceira Turma, reconheceu a aplicabilidade do prazo prescricional trienal (art. 206, § 3º, V, do Código Civil) aos casos de responsabilidade civil contratual. Já os acórdãos paradigmas, provenientes das Turmas integrantes da Primeira Seção, reconhecem que a pretensão indenizatória decorrente do inadimplemento contratual sujeita-se ao prazo prescricional decenal (art. 205, do Código Civil). Um primeiro aspecto que deve ser levado em conta é que o diploma civil detém unidade lógica e deve ser interpretado em sua totalidade, de forma sistemática. Destarte, a partir do exame do Código Civil, é possível se inferir que o termo “reparação civil” empregado no art. 206, § 3º, V, somente se repete no Título IX, do Livro I, da Parte Especial do diploma, o qual se debruça sobre a responsabilidade civil extracontratual. De modo oposto, no Título IV do mesmo Livro, da Parte Especial do Código, voltado ao inadimplemento das obrigações, inexiste qualquer menção à “reparação civil”. Tal sistematização permite extrair que o código, quando emprega o termo “reparação civil”, está se referindo unicamente à responsabilidade civil aquiliana, restringindo a abrangência do seu art. 206, § 3º, V. E tal sistemática não advém do acaso, e sim da majoritária doutrina nacional que, inspirada nos ensinamentos internacionais provenientes desde o direito romano, há tempos reserva o termo “reparação civil” para apontar a responsabilidade por ato ilícito stricto sensu, bipartindo a responsabilidade civil entre extracontratual e contratual (teoria dualista), ante a distinção ontológica, estrutural e funcional entre ambas, o que vedaria inclusive seu tratamento isonômico. Sob outro enfoque, o contrato e seu cumprimento constituem regime principal, ao qual segue o dever de indenizar, de caráter nitidamente acessório. A obrigação de indenizar assume na hipótese caráter acessório, pois advém do descumprimento de uma obrigação principal anterior. É de se concluir, portanto, que, enquanto não prescrita a pretensão central alusiva à execução específica da obrigação, sujeita ao prazo de 10 anos (caso não exista outro prazo específico), não pode estar fulminado pela prescrição o provimento acessório relativo às perdas e danos advindos do descumprimento de tal obrigação pactuada, sob pena de manifesta incongruência, reforçando assim a inaplicabilidade ao caso de responsabilidade contratual do art. 206, § 3º, V, do Código Civil.
Cuidado com o Enunciado 419 da Jornada de Direito Civil
Risque de seus materiais de estudo o enunciado 419 da V Jornada de Direito Civil, considerando que o entendimento ali exposto está em confronto com o STJ: Enunciado 419-CJF: O prazo prescricional de três anos para a pretensão de reparação civil aplica-se tanto à responsabilidade contratual quanto à responsabilidade extracontratual.
É possível postular-se a revisão de cláusula contratual em ação de prestação de contas?
Na origem, tratou-se de ação de prestação de contas ajuizada em face de banco em que se exigiu a demonstração, de forma mercantil, da movimentação financeira do contrato de abertura de crédito em conta corrente celebrado entre as partes, desde o início do relacionamento, nos termos do art. 917 do Código de Processo Civil. Tendo em vista a especialidade do rito, não se comporta no âmbito da prestação de contas a pretensão de alterar ou revisar cláusula contratual. As contas devem ser prestadas, com a exposição, de forma mercantil, das receitas e despesas, e o respectivo saldo (CPC/1973, art. 917). A apresentação das contas e o respectivo julgamento devem ter por base os pressupostos assentados ao longo da relação contratual existente entre as partes. Nesse contexto, não será possível a alteração das bases do contrato mantido entre as partes, pois o rito especial da prestação de contas é incompatível com a pretensão de revisar contrato, em razão das limitações ao contraditório e à ampla defesa. Essa impossibilidade de se proceder à revisão de cláusulas contratuais diz respeito a todo o procedimento da prestação de contas, ou seja, não pode o autor da ação deduzir pretensões revisionais na petição inicial (primeira fase), conforme a reiterada jurisprudência do STJ, tampouco é admissível tal formulação em impugnação às contas prestadas pelo réu (segunda fase). Isso ocorre porque, repita-Savese, o procedimento especial da prestação de contas não abrange a análise de situações complexas, mas tão somente o mero levantamento de débitos e créditos gerados durante a gestão de bens e negócios do cliente bancário. A ação de prestação de contas não é, portanto, o meio hábil a dirimir conflitos no tocante a cláusulas de contrato, nem em caráter secundário, uma vez que tal ação objetiva, tão somente, a exposição dos componentes de crédito e débito resultantes de determinada relação jurídica, concluindo pela apuração de saldo credor ou devedor.
Diferencie a teoria da imprevisão da teoria da base objetiva do negócio e indique as disposições legais que as acolheram.
O CDC, ao contrário do CC-2002, não adotou a teoria da imprevisão, mas sim a teoria do rompimento da base objetiva do negócio jurídico, inspirada na doutrina alemã, muito bem desenvolvida por Karl Larenz.
Pela teoria acolhida pelo CDC, haverá revisão do cotnrato se um fato superveniente alterou as bases objetivas do ajuste, ou seja, o ambiente econômico inicialmente presente. Não interessa se este fato era previsível ou imp´revisível. Conforme lição do Professor Leonardo Garcia, podemos fazer as seguintes comparações:
TEORIA DA IMPREVISÃO X TEORIA DA BASE OBJETIVA
Surgida na França, no pós Primeira Guerra x Surgida na Alemanha, também no pós Primeira Guerra
É um teoria subjetiva x É uma teoria objetiva
Previstas nos arts. 317 e 478 do CC x Prevista no art. 6, V, do CDC
Exige a imprevisibilidade e a extraordinariedade do fato superveniente x Dispensa a imprevisibilidade e o caráter extraordinário dos fatos supervenientes. Somente exige um fato superveniente que rompa a base objetiva.
Exige a extrema vantagem para o credor x Não exige esta condição.
Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.
Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.
Art. 6º São direitos básicos do consumidor: V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas;
Uma brusca desvalorização do real frente ao dolar pode ser considerada situação a atrair a aplicação da teoria da imprevisão?
Determinado médico importou um equipamento para utilizar em sua atividade profissional. A aquisição foi feita por meio de um financiamento celebrado em moeda estrangeira (dólar). Na época, o valor do dólar e do real eram muito próximos, sendo a conversão próxima de 1 real para cada 1 dólar. Ocorre que, em janeiro 1999, ocorreu na economia brasileira uma grande desvalorização do real e o dólar passou a valer cerca de 2 reais.
No caso concreto, o médico pode ser considerado consumidor?
NÃO. Não há relação de consumo entre o fornecedor de equipamento médico-hospitatar e o médico que firmam contrato de compra e venda de equipamento de ultrassom com cláusula de reserva de domínio e de indexação ao dólar americano, na hipótese em que o profissional de saúde tenha adquirido o objeto do contrato para o desempenho de sua atividade econômica.
É possível a aplicação da teoria da base objetiva na presente situação?
NÃO. A teoria da base objetiva ou da base do negócio jurídico tem sua aplicação restrita às relações jurídicas de consumo, não sendo aplicável às contratuais puramente civis.
É possível acolher o pedido do médico para a revisão do contrato com base na teoria da imprevisão e da onerosidade excessiva?
NÃO. Tratando-se de relação contratual paritária – a qual não é regida pelas normas consumeristas –, a maxidesvalorização do real em face do dólar americano ocorrida a partir de janeiro de 1999 não autoriza a aplicação da teoria da imprevisão ou da teoria da onerosidade excessiva, com intuito de promover a revisão de cláusula de indexação ao dólar americano.
O histórico econômico do Brasil já indicava que seria possível que ocorresse uma desvalorização do real frente ao dólar, não sendo possível, portanto, falar que isso era um fato imprevisível ou extraordinário. STJ. 3ª Turma. REsp 1.321.614-SP, Rel. originário Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Rel. para acórdão Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 16/12/2014 (Info 556).
Por último: é possível acolher o pedido do médico para a revisão do contrato com base na teoria da imprevisão e da onerosidade excessiva?
NÃO. Tratando-se de relação contratual paritária – a qual não é regida pelas normas consumeristas –, a maxidesvalorização do real em face do dólar americano ocorrida a partir de janeiro de 1999 não autoriza a aplicação da teoria da imprevisão ou da teoria da onerosidade excessiva, com intuito de promover a revisão de cláusula de indexação ao dólar americano.
Na relação contratual, a regra é a observância do princípio pacta sunt servanda, segundo o qual o contrato faz lei entre as partes e, por conseguinte, impõe ao Estado o dever de não intervir nas relações privadas. Ademais, o princípio da autonomia da vontade confere aos contratantes ampla liberdade para estipular o que lhes convenha, desde que preservada a moral, a ordem pública e os bons costumes, valores que não podem ser derrogados pelas partes.
Desse modo, a intervenção do Poder Judiciário nos contratos, à luz da teoria da imprevisão ou da teoria da onerosidade excessiva, exige a demonstração de mudanças supervenientes das circunstâncias iniciais vigentes à época da realização do negócio, oriundas de evento imprevisível (teoria da imprevisão) e de evento imprevisível e extraordinário (teoria da onerosidade excessiva), que comprometam o valor da prestação, demandando tutela jurisdicional específica, tendo em vista, em especial, o disposto nos arts. 317, 478 e 479 do CC.
Assim, constitui pressuposto da aplicação das referidas teorias, a teor dos arts. 317 e 478 do CC, como se pode extrair de suas próprias denominações, a existência de um fato imprevisível em contrato de execução diferida, que imponha consequências indesejáveis e onerosas para um dos contratantes.
A par disso, o histórico inflacionário e as sucessivas modificações no padrão monetário experimentados pelo País desde longa data até julho de 1994, quando sobreveio o Plano Real, seguido de período de relativa estabilidade até a maxidesvalorização do real em face do dólar, ocorrida a partir de janeiro de 1999, não autorizam concluir pela inexistência de risco objetivo nos contratos firmados com base na cotação da moeda norte-americana, em se tratando de relação contratual paritária.
Em resumo, o histórico econômico do Brasil já indicava que seria possível que ocorresse uma desvalorização do real frente ao dólar, não sendo possível, portanto, falar que isso era um fato imprevisível ou extraordinário.
Para fins do art. 108 do CC, deve-se considerar o preço dado pelas partes no negócio ou o valor calculado pelo Fisco?
Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País.
A compra e venda de bens IMÓVEIS pode ser feita por meio de contrato particular ou é necessário escritura pública?
- Em regra: é necessário escritura pública (art. 108 do CC).
- Exceção: a compra e venda pode ser feita por contrato particular (ou seja, sem escritura pública) se o valor do bem imóvel alienado for inferior a 30 salários-mínimos.
Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País.
Para fins do art. 108, deve-se adotar o preço dado pelas partes ou o valor calculado pelo Fisco?
O valor calculado pelo Fisco. O art. 108 do CC fala em valor do imóvel (e não em preço do negócio). Assim, havendo disparidade entre ambos, é o valor do imóvel calculado pelo Fisco que deve ser levado em conta para verificar se será necessária ou não a elaboração da escritura pública. A avaliação feita pela Fazenda Pública para fins de apuração do valor venal do imóvel é baseada em critérios objetivos, previstos em lei, os quais admitem aos interessados o conhecimento das circunstâncias consideradas na formação do quantum atribuído ao bem. Logo, trata-se de um critério objetivo e público que evita a ocorrência de fraudes.
Obs: está superado o Enunciado 289 das Jornadas de Direito Civil do CJF. (Enunciado 289: O valor de 30 salários mínimos a que se refere o art. 108 do Código Civil brasileiro, ao dispor este sobre a forma pública ou particular dos negócios jurídicos que envolvam bens imóveis, é o atribuído pelas partes contratantes, e não qualquer outro valor arbitrado pela Administração Pública com finalidade exclusivamente tributária.)
STJ. 4ª Turma. REsp 1.099.480-MG, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 2/12/2014 (Info 562).
Ainda que sem prévia ou concomitante revisão do contrato de compra e venda com reserva de domínio, pode o vendedor, ante o inadimplemento do comprador, pleitear a proteção possessória sobre o móvel objeto da avença?
Art. 521. Na venda de coisa móvel, pode o vendedor reservar para si a propriedade, até que o preço esteja integralmente pago.
Características
A cláusula de reserva de domínio deve ser estipulada por escrito.
Para valer contra terceiros, o contrato precisa ser registrado no domicílio do comprador (art. 522). A serventia competente para esse registro é o RTD (Registro de Títulos e Documentos). Se o bem vendido foi um automóvel, caberá a anotação do gravame no Certificado de Registro do Veículo (CRV), nos termos da Lei nº 11.882/2008:
Art. 6º Em operação de arrendamento mercantil ou qualquer outra modalidade de crédito ou financiamento a anotação da alienação fiduciária de veículo automotor no certificado de registro a que se refere a Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997, produz plenos efeitos probatórios contra terceiros, dispensado qualquer outro registro público.
Apesar de a venda com reserva de domínio não ser o mesmo que alienação fiduciária, aplica-se aqui o mesmo raciocínio que inspirou a edição da súmula 92 do STJ:
Súmula 92-STJ: A terceiro de boa-fé não é oponível a alienação fiduciária não anotada no certificado de registro do veículo automotor.
Em caso de mora do comprador, o vendedor terá três opções:
a) Ação executiva (execução do contrato)
Ocorre quando o contrato assinado preenche os requisitos para ser considerado um título executivo extrajudicial, nos termos do art. 585, II, do CPC 1973 (art. 784, III, do CPC 2015).
b) Ação de cobrança
Se o contrato assinado não preenche os requisitos para ser considerado um título executivo, o vendedor poderá ajuizar ação cobrando as prestações vencidas e vincendas e o que mais for devido. Repare, portanto, que, em caso de atraso, ocorrerá o vencimento antecipado das parcelas futuras. Ex: eram 12 parcelas; depois da 4ª, o comprador tornou-se inadimplente; logo, todas as 8 restantes já são consideradas vencidas.
Vale ressaltar que, se o vendedor conseguir receber esse valor pleiteado na ação, o bem objeto do negócio jurídico passa a pertencer ao comprador.
c) Ação de reintegração de posse da coisa vendida (alguns autores defendem que seria uma ação de busca, apreensão e depósito, com base no art. 1.071 do CPC 1973, que não foi repetido no CPC 2015)
Caso opte por pedir a reintegração de posse (ou busca e apreensão), mesmo depois de ter de volta o bem o vendedor poderá reter as prestações pagas até o necessário para cobrir a depreciação da coisa, as despesas feitas e o que mais de direito lhe for devido (art. 527). Em outras palavras, o vendedor poderá utilizar o valor já pago pelo comprador para cobrir seus prejuízos. Isso porque a coisa foi usada e já não vale o mesmo do que quando era nova. Além disso, o vendedor teve despesas com notificação extrajudicial etc.
Se as prestações pagas pelo comprador forem maiores do que os gastos do vendedor, ele deverá devolver o excedente ao comprador. Se forem menores, ele poderá ajuizar ação de cobrança para pleitear o restante.
Vale ressaltar que se o vendedor quiser ajuizar a ação de reintegração de posse da coisa vendida, ele não precisará previamente pedir a rescisão do contrato, podendo propor desde logo a ação possessória. Nesse sentido, decidiu o STJ:
Ainda que sem prévia ou concomitante rescisão do contrato de compra e venda com reserva de domínio, o vendedor pode, ante o inadimplemento do comprador, pleitear a proteção possessória sobre o bem móvel objeto da avença. STJ. 4ª Turma. REsp 1.056.837-RN, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 3/11/2015 (Info 573).
- A lei ou a doutrina não impõem, textual ou implicitamente, a necessidade de ajuizamento preliminar de demanda rescisória do contrato de compra e venda com reserva de domínio, para a obtenção da retomada do bem. Isso porque não se trata, aqui, da análise do ius possessionis (direito de posse decorrente do simples fato da posse), mas sim do ius possidendi, ou seja, do direito à posse decorrente do inadimplemento contratual, onde a discussão acerca da titularidade da coisa é inviabilizada, haja vista se tratar de contrato de compra e venda com reserva de domínio onde a transferência da propriedade só se perfectibiliza com o pagamento integral do preço, o que não ocorreu em razão da inadimplência do devedor.
A fim de melhor elucidar a questão, o ius possessionis é o direito DE posse, ou seja, é o poder sobre a coisa e a possibilidade de sua defesa por intermédio dos interditos (interdito proibitório, de manutenção da posse ou de reintegração de posse). Trata-se de conceito que se relaciona diretamente com a posse direta e indireta.
Já o ius possidendi é o direito À posse, decorrente do direito de propriedade, ou seja, é o próprio domínio. Em outras palavras, é o direito conferido ao titular de possuir o que é seu, independentemente de prévio ajuizamento de demanda objetivando rescindir o contrato de compra e venda, uma vez que nos ajustes cravados com cláusula de reserva de domínio, a propriedade do bem, até o pagamento integral do preço, pertence ao vendedor, ou seja, não se consolida a transferência da propriedade ao comprador.
(REsp 1056837/RN, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 03/11/2015, DJe 10/11/2015)
A doação noficiosa submete-se a prazo prescricional? Se sim, qual? Herdeiro que cedeu sua parte da herança pode propor a ação anulatória?
Doação inoficiosa é a que invade a legítima dos herdeiros necessários.
A pessoa que tenha herdeiros necessários só pode doar até o limite máximo da metade de seu patrimônio, considerando que a outra metade é a chamada “legítima” (art. 1.846 do CC) e pertence aos herdeiros necessários.
A doação inoficiosa é nula (art. 549 do CC).
Ação cabível para se obter a anulação: ação de nulidade de doação inoficiosa (ação de redução).
Prazo da ação: 10 anos (art. 205 do cc) (REsp 1049078)
Quando se inicia esse prazo: conta-se a partir do registro do ato jurídico que se pretende anular.
Quem pode propor: apenas os herdeiros necessário do doador.
Mesmo que o herdeiro necessário tenha cedido sua parte na herança, ele terá legitimidade par a ação de anulação?
Quando se inicia esse
O herdeiro que cede seus direitos hereditários possui legitimidade para pleitear a declaração de nulidade de doação inoficiosa (arts. 1.176 do CC/1916 e 549 do CC/2002) realizada pelo autor da herança em benefício de terceiros. Isso porque o fato de o herdeiro ter realizado a cessão de seus direitos hereditários não lhe retira a qualidade de herdeiro, que é personalíssima. De fato, a cessão de direitos hereditários apenas transfere ao cessionário a titularidade da situação jurídica do cedente, de modo a permitir que aquele exija a partilha dos bens que compõem a herança. REsp 1.361.983-SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 18/3/2014.
A aposição da cláusula de impenhorabilidade e\ou incomunicablidade em ato de liberalidade importa na automática inclusão da cláusula de inalienabilidade?
O art. 1.911 do Código Civil estabelece:
Art. 1.911. A cláusula de inalienabilidade, imposta aos bens por ato de liberalidade, implica impenhorabilidade e incomunicabilidade.
A interpretação deste art. 1.911 nos permite chegar a quatro conclusões:
a) há possibilidade de imposição autônoma das cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade, a critério do doador/instituidor. Em outras palavras, o doador/instituidor pode impor só uma, só duas ou as três cláusulas.
b) uma vez aposto o gravame da inalienabilidade, pressupõe-se, ex vi lege (por força de lei), automaticamente, a impenhorabilidade e a incomunicabilidade. Assim, se tiver sido imposta cláusula de inalienabilidade ao imóvel, isso significa que ele, obrigatoriamente, será também impenhorável e incomunicável.
c) a inserção exclusiva da proibição de não penhorar e/ou não comunicar não gera a presunção da inalienabilidade. A aposição da cláusula de impenhorabilidade e/ou incomunicabilidade em ato de liberalidade não importa, automaticamente, na cláusula de inalienabilidade.
d) a instituição autônoma da impenhorabilidade, por si só, não pressupõe a incomunicabilidade e vice-versa. STJ. 4ª Turma. REsp 1.155.547-MG, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 06/11/2018 (Info 637).
Uma vez estabelecida a cláusula de inalienabilidade, pode ela ser excluída por vontade do herdeiro ou donatário?
É possível o cancelamento da cláusula de inalienabilidade de imóvel após a morte dos doadores se não houver justa causa para a manutenção da restrição ao direito de propriedade.
A doação do genitor para os filhos e a instituição de cláusula de inalienabilidade, por representar adiantamento de legítima, deve ser interpretada na linha do que prescreve o art. 1. 848 do CC, exigindo-se justa causa notadamente para a instituição da restrição ao direito de propriedade.
Caso concreto: decidiu ser possível o cancelamento da cláusula de inalienabilidade após a morte dos doadores, considerando que já se passou quase duas décadas do ato de liberalidade e tendo em vista a ausência de justa causa para a manutenção da restrição. Não havendo justo motivo para que se mantenha congelado o bem sob a propriedade dos donatários, todos maiores, que manifestam não possuir interesse em manter sob o seu domínio o imóvel, há de se cancelar as cláusulas que o restringem. STJ. 3ª Turma.
Pode ser aplicado o art. 1.848 do CC ao presente caso
O ato intervivos de transferência de bem do patrimônio dos pais aos filhos configura adiantamento de legítima e, com a morte dos doadores, passa a ser legítima propriamente dita, revelando-se importante o quanto estabelece o art. 1.848 do CC:
Art. 1.848. Salvo se houver justa causa, declarada no testamento, não pode o testador estabelecer cláusula de inalienabilidade, impenhorabilidade, e de incomunicabilidade, sobre os bens da legítima.
Não havendo justo motivo para que se mantenha congelado o bem sob a propriedade dos donatários, todos maiores, que manifestam não possuir interesse em manter sob o seu domínio o imóvel, há de se cancelar a cláusula de inalienabilidade.
Se o segurado, embriagado (condição que exclui a cobertura do seguro), causa danos a terceiros, a seguradora do primeiro poderá ser compelida a ressarcir o prejuízo dos últimos?
No contrato de seguro de automóvel, é lícita a cláusula que exclui a cobertura securitária para o caso de o acidente de trânsito (sinistro) ter sido causado em decorrência da embriaguez do segurado.
No entanto, esta cláusula é ineficaz perante terceiros (garantia de responsabilidade civil).
Isso significa que, mesmo que contrato preveja a exclusão da cobertura em caso de embriaguez do segurado, a seguradora será obrigada a indenizar a vítima (terceiro) caso o acidente tenha sido causado pelo segurado embriagado.
Em outras palavras, não se pode invocar essa cláusula contra a vítima.
Depois de indenizar a vítima, a seguradora poderá exigir seu direito de regresso contra o segurado (causador do dano).
A garantia de responsabilidade civil não visa apenas proteger o interesse econômico do segurado tendo, também como objetivo preservar o interesse dos terceiros prejudicados.
O seguro de responsabilidade civil se transmudou após a edição do Código Civil de 2002, de forma que deixou de ser apenas uma forma de reembolsar as indenizações pagas pelo segurado e passou a ser também um meio de proteção das vítimas, prestigiando, assim, a sua função social.
É inidônea a exclusão da cobertura de responsabilidade civil no seguro de automóvel quando o motorista dirige em estado de embriaguez, visto que somente prejudicaria a vítima já penalizada, o que esvaziaria a finalidade e a função social dessa garantia, de proteção dos interesses dos terceiros prejudicados à indenização, ao lado da proteção patrimonial do segurado. STJ. 3ª Turma.REsp 1.738.247-SC, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 27/11/2018 (Info 639).
A cláusula 2.3.1 é ineficaz perante terceiros
Nesse contexto, deve-se considerar que a cláusula que exclui a cobertura securitária na hipótese de o acidente de trânsito advir da embriaguez do segurado é uma cláusula válida (não possui nulidade), mas ineficaz perante terceiros.
A cláusula de exclusão de cobertura securitária na hipótese de o sinistro ter sido causado por embriaguez do segurado tem seu alcance eficacial restrito ao segurado, sendo ineficaz perante terceiros, vítimas inocentes do evento danoso, em face das peculiaridades do contrato de seguro facultativo de responsabilidade civil (art. 787 do Código Civil).
Do contrário, se entendêssemos que essa cláusula é eficaz perante terceiros, estaria sendo punida a vítima que não concorreu para a ocorrência do dano. Essa é a lição de Sérgio Cavalieri Filho:
“(…) a embriaguez só não excluirá a cobertura no caso de seguro de responsabilidade civil, porque este (…) destina-se a reparar os danos causados pelo segurado, culposa ou dolosamente, a terceiros, as maiores vítimas da tragédia do trânsito. Excluir a cobertura em casos tais seria punir as vítimas em lugar do causador dos danos.” (CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 10ª ed., São Paulo: Atlas, 2012, p. 489)
Logo, não é correta a exclusão da cobertura de responsabilidade civil por danos a terceiros no seguro de automóvel quando o motorista dirige em estado de embriaguez, visto que somente prejudicaria a vítima já penalizada, o que esvaziaria a finalidade e a função social dessa garantia, de proteção dos interesses dos terceiros prejudicados à indenização, ao lado da proteção patrimonial do segurado.
Função social do contrato de seguro
A função social do contrato de seguro facultativo de responsabilidade civil perante terceiros vai muito além do simples reembolso ao segurado, apresentando-se como verdadeiro instrumento de garantia aos terceiros prejudicados, vítimas inocentes do sinistro provocado pelo segurado.
Sua finalidade é voltada ao interesse coletivo, beneficiando os terceiros inocentes, não se restringindo ao interesse individual do segurado.
Na relação entre segurado e seguradora, a cláusula é válida e eficaz
Perante o segurado, a cláusula de exclusão da cobertura é válida e eficaz. Isso significa, por exemplo, que no exemplo dado:
- a Seguradora não estaria obrigada a reparar os danos causados ao veículo do segurado;
- a Seguradora, após indenizar a vítima (Pedro), poderá ingressar com ação de regresso contra o segurado (John) pedindo o ressarcimento pelos valores pagos.
É válida cláusula prevista em seguro de acidente pessoais que exclua complicações decorrente de gravidez, parto, aborto, intoxicações alimentares, exames e tratamentos?
É abusiva a exclusão do seguro de acidentes pessoais em contrato de adesão para as hipóteses de:
a) gravidez, parto ou aborto e suas consequências;
b) perturbações e intoxicações alimentares de qualquer espécie; e
c) todas as intercorrências ou complicações consequentes da realização de exames, tratamentos clínicos ou cirúrgicos. STJ. 3ª Turma. REsp 1.635.238-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 11/12/2018 (Info 640).
Como Maria sabia que você é operador do Direito, ela lhe mandou uma foto por WhatsApp perguntando: essa cláusula é válida?
A resposta é NÃO.
Segundo a Resolução CNSP nº 117/04, da SUSEP, acidente pessoal é o “evento com data caracterizada, exclusivo e diretamente externo, súbito, involuntário, violento, e causador de lesão física, que, por si só e independente de toda e qualquer outra causa, tenha como consequência direta a morte, ou a invalidez permanente, total ou parcial, do segurado, ou que torne necessário tratamento médico”.
As complicações decorrentes de gravidez, parto, aborto, perturbações e intoxicações alimentares, intercorrências ou complicações consequentes da realização de exames, tratamentos clínicos ou cirúrgicos constituem eventos imprevisíveis, fortuitos e inserem-se dentro do conceito de “acidente pessoal” de forma que qualquer cláusula excludente da cobertura é efetivamente abusiva porque limita os direitos do consumidor.
Inserir cláusula de exclusão de risco em contrato padrão, cuja abstração e generalidade abarquem até mesmo as situações de legítimo interesse do segurado quando da contratação da proposta, representa imposição de desvantagem exagerada ao consumidor, por confiscar-lhe justamente o conteúdo para o qual se dispôs ao pagamento do prêmio. Desse modo, esta cláusula é nula, nos termos do art. 51, IV, do CDC:
Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: (…)
IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade;
A seguradora pode recursar a celebração de contrato com consumidor negativado, ainda que ele se proponha a pagar à vista o seguro?
A seguradora não pode recusar a contratação de seguro a quem se disponha a pronto pagamento se a justificativa se basear unicamente na restrição financeira do consumidor junto a órgãos de proteção ao crédito. STJ. 3ª Turma. REsp 1.594.024-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 27/11/2018 (Info 640)
Em regra, é proibida a recusa de venda direta de produto ou serviço
Em uma relação de consumo, a recusa de venda direta de produto ou serviço constitui conduta abusiva para aquele que se dispuser a adquiri-lo mediante pronto pagamento, exceto nos casos de intermediação previstos em normas especiais. É o que prevê o art. 39, IX, do CDC:
Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:
IX - recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, diretamente a quem se disponha a adquirilos mediante pronto pagamento, ressalvados os casos de intermediação regulados em leis especiais;
Essa regra é mitigada nos contratos de seguro
Nas relações securitárias, a interpretação do art. 39, IX, do CDC é mitigada. Isso significa que, em tese, a seguradora pode se recusar a fazer contrato de seguro, desde que haja uma justificativa para isso.
Assim, existem situações em que a recusa se justifica porque o contrato de seguro envolve a análise do risco pela seguradora, não podendo isso ser ignorado.
Vale ressaltar que, se não aceitar a proposta de seguro, a seguradora é obrigada a fazer uma comunicação formal ao contratante, justificando o motivo da recusa (art. 2º, § 4º, da Circular nº 251/2004 da Superintendência de Seguros Privados - SUSEP)
Se o interessado em fazer o seguro possui uma restrição financeira, a seguradora poderá se recusar a assinar o contrato?
Depende:
- Se o pagamento do prêmio for parcelado: SIM. Neste caso, será legítima a recusa. Isso porque se trata de uma venda a crédito.
- Se o pagamento do prêmio for à vista: NÃO. Aí a recusa será abusiva porque não haverá uma justificativa razoável.
Em outras palavras, as seguradoras não podem justificar a aludida recusa com base apenas no passado financeiro do consumidor, se o pagamento for à vista.
Vale ressaltar que, segundo o STJ, a seguradora poderá elevar o valor do prêmio, diante do aumento do risco, dado que a pessoa com restrição de crédito é mais propensa a sinistros.
O fato de o condutor do veículo da sociedade empresarial segurada não possuir habilitação configura agravamento de risco?
SIM. Caso a sociedade empresária segurada, de forma negligente, deixe de evitar que empregado não habilitado dirija o veículo objeto do seguro, ocorrerá a exclusão do dever de indenizar se demonstrado que a falta de habilitação importou em incremento do risco (Info 542).
O STJ aceitou o argumento da seguradora?
SIM. Caso a sociedade empresária segurada, de forma negligente, deixe de evitar que empregado não habilitado dirija o veículo objeto do seguro, ocorrerá a exclusão do dever de indenizar se demonstrado que a falta de habilitação importou em incremento do risco. Isso porque, à vista dos princípios da eticidade, da boa-fé e da proteção da confiança, o agravamento do risco decorrente da culpa in vigilando da sociedade empresária segurada, ao não evitar que empregado não habilitado se apossasse do veículo, tem como consequência a exclusão da cobertura (art. 768 do CC), haja vista que o apossamento proveio de culpa grave do segurado.
O agravamento intencional do risco, por ser excludente do dever de indenizar do segurador, deve ser interpretado restritivamente, notadamente em face da presunção de que as partes comportam-se de boafé nos negócios jurídicos por elas celebrados. Por essa razão, entende-se que o agravamento do risco exige prova concreta de que o segurado contribuiu para sua consumação.
Assim, é imprescindível a demonstração de que a falta de habilitação, no caso concreto, gerou um incremento (aumento) do risco. Na hipótese em tela, havia prova pericial atestando que o acidente foi causado por imperícia do condutor. Logo, o STJ entendeu que a ausência da carteira de habilitação (no caso concreto) serviu para agravar o risco, sendo, portanto, causa excludente do dever de indenizar.
É válida a cláusula contratual de seguro de vida que preveja o reajuste do valor do prêmio de acordo com a idade do segurado?
A cláusula de contrato de seguro de vida que estabelece o aumento do prêmio do seguro de acordo com a faixa etária mostra-se abusiva quando imposta ao segurado maior de 60 anos de idade e que conte com mais de 10 anos de vínculo contratual. STJ. 3ª Turma. REsp 1.376.550-RS, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 28/4/2015 (Info 561).
Pode-se dizer que a cláusula de contrato de seguro de vida que estabelece o aumento do prêmio do seguro de acordo com a faixa etária é sempre abusiva?
NÃO. Segundo a jurisprudência do STJ, admitem-se aumentos suaves e graduais necessários para o reequilíbrio da carteira, mediante um cronograma extenso, do qual o segurado tem de ser cientificado previamente (STJ. 2ª Seção. REsp 1.073.595/MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 29/4/2011).
No caso concreto acima relatado, esse aumento foi válido?
NÃO.
A cláusula de contrato de seguro de vida que estabelece o aumento do prêmio do seguro de acordo com a faixa etária mostra-se abusiva quando imposta ao segurado:
maior de 60 anos de idade; e
que conte com mais de 10 anos de vínculo contratual.
De onde o STJ retirou esses dois requisitos (maior de 60 anos e mais de 10 anos de vínculo)?
Esses requisitos foram construídos pelo STJ a partir da aplicação analógica das regras previstas para os contratos de plano de saúde no art. 15, parágrafo único, da Lei n. 9.656/98:
Art. 15. A variação das contraprestações pecuniárias estabelecidas nos contratos de produtos de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º desta Lei, em razão da idade do consumidor, somente poderá ocorrer caso estejam previstas no contrato inicial as faixas etárias e os percentuais de reajustes incidentes em cada uma delas, conforme normas expedidas pela ANS, ressalvado o disposto no art. 35-E.
Parágrafo único. É vedada a variação a que alude o caput para consumidores com mais de sessenta anos de idade, que participarem dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º, ou sucessores, há mais de dez anos.
A Lei n. 9.656/98 regula os planos e seguros de saúde, mas, diante da inexistência de lei específica para os seguros de vida, o STJ aplica esse diploma por analogia.
OBSERVAÇÃO: NÃO CONFUNDIR COM A JURISPRUDÊNCIA RELATIVA AOS PLANOS DE SAÚDE
Em regra, é válida a cláusula prevista em contrato de seguro-saúde que autoriza o aumento das mensalidades do seguro quando o usuário completar 60 anos de idade. Exceções. Essa cláusula será abusiva quando:
a) não respeitar os limites e requisitos estabelecidos na Lei 9.656/98; ou
b) aplicar índices de reajuste desarrazoados ou aleatórios, que onerem em demasia o segurado. STJ. 4ª Turma. REsp 1.381.606-DF, Rel. originária Min. Nancy Andrighi, Rel. para acórdão Min. João Otávio De Noronha, julgado em 7/10/2014 (Info 551).
A tese alegada foi aceita pelo STJ? É nula a cláusula prevista em contrato de seguro-saúde que autoriza o aumento das mensalidades do seguro quando o usuário completar 60 anos de idade?
NÃO. O STJ decidiu que é VÁLIDA a cláusula prevista em contrato de seguro-saúde que autoriza o aumento das mensalidades do seguro quando o usuário completar 60 anos de idade, desde que:
a) haja respeito aos limites e requisitos estabelecidos na Lei n. 9.656/98; e
b) não se apliquem índices de reajuste desarrazoados ou aleatórios, que onerem em demasia o segurado.
Segundo o STJ, quanto mais avançada a idade do segurado, independentemente de ser ele enquadrado ou não como idoso, maior será seu risco subjetivo, pois normalmente a pessoa de mais idade necessita de serviços de assistência médica com maior frequência do que a que se encontra em uma faixa etária menor. Trata-se de uma constatação natural, de um fato que se observa na vida e que pode ser cientificamente confirmado.
Por isso mesmo, os contratos de seguro-saúde normalmente trazem cláusula prevendo reajuste em função do aumento da idade do segurado, tendo em vista que os valores cobrados pela seguradora a título de prêmio devem ser proporcionais ao grau de probabilidade de ocorrência do evento risco coberto. Maior o risco, maior o valor do prêmio.
Pensando nisso, a Lei n. 9.656/98 (Lei dos Planos e Seguros Privados de Saúde) previu expressamente a possibilidade de que a mensalidade do seguro-saúde sofra aumentos a partir do momento em que o segurado mude sua faixa etária, estabelecendo, contudo, algumas restrições a esses reajustes (art. 15)
Posteriormente, em 2003, foi editado o Estatuto do Idoso, que estabeleceu em seu art. 15, § 3º, ser “vedada a discriminação do idoso nos planos de saúde pela cobrança de valores diferenciados em razão da idade”.
A questão que surgiu foi a seguinte: a Lei n. 10.741/2003 acabou com a possibilidade de cobrança de valores diferenciados em planos de saúde para idosos?
A resposta é NÃO. Segundo o STJ, deve-se encontrar um ponto de equilíbrio entre a Lei dos Planos de Saúde e o Estatuto do Idoso, a fim de se chegar a uma solução justa para os interesses em conflito.
Para o STJ, não se pode interpretar de forma absoluta o art. 15, § 3º, do Estatuto do Idoso, ou seja, não se pode dizer que, abstratamente, todo e qualquer reajuste que se baseie na idade será abusivo. O que o Estatuto do Idoso quis proibir foi a discriminação contra o idoso, ou seja, o tratamento diferenciado sem qualquer justificativa razoável.
Qual é o prazo prescricional para a propositura de ação objetivando a restituição de prêmios em virtude de conduta supostamente abusiva da seguradora?
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO. SEGURO DE VIDA. ALEGAÇÃO DE NULIDADE DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. PRETENSÃO INDENIZATÓRIA DECORRENTE DA EXTINÇÃO DO CONTRATO.
IMPRESCRITIBILIDADE AFASTADA. INCIDÊNCIA DO PRAZO PRESCRICIONAL ÂNUO.
1. Ação ajuizada em 02/12/2010. Recurso especial atribuído ao gabinete em 26/08/2016. Julgamento: CPC/73 2. O propósito recursal é definir o prazo prescricional aplicável às pretensões deduzidas pelo segurado.
3. O recorrido, em sua petição inicial, deduz as seguintes pretensões: i) a de manutenção das condições contratuais previstas na “Apólice 40” (apólice já extinta); ii) a declaração de nulidade da cláusula que prevê o reajuste por mudança de faixa etária prevista na “Apólice Ouro Vida Grupo Especial” (apólice ainda vigente); e iii) também, a repetição de indébito relativa aos valores pagos a maior a este título.
4. Quanto à pretensão de manutenção das condições gerais contidas na “Apólice 40” (contrato já extinto), mostra-se imperiosa a aplicação do prazo prescricional anual previsto no art. 206, § 1º, II, “b”, do CC/02, que versa sobre a pretensão do segurado contra o segurador.
5. Quanto às pretensões relativas ao contrato ainda vigente, constata-se que as mesmas não se restringem à declaração de nulidade das cláusulas contratuais, mas, justamente, à obtenção dos efeitos patrimoniais dela decorrentes, ou seja, a indenização pelos prejuízos advindos do pagamento a maior do prêmio, em virtude da previsão de atualização segundo a mudança de faixa etária.
6. O prazo prescricional para a propositura de ação objetivando a restituição de prêmios em virtude de conduta supostamente abusiva da seguradora, amparada em cláusula contratual considerada abusiva, é de 1 (um) ano, por aplicação do art. 206, § 1º, II, “b”, do Código Civil.
7. A relação jurídica estabelecida entre as partes é de trato sucessivo, com renovação periódica da avença, devendo ser aplicada, por analogia, a Súmula 85/STJ. Logo, não há que se falar em prescrição do fundo de direito e, como consequência, serão passíveis de cobrança apenas as quantias indevidamente desembolsadas nos 12 (doze) meses que precederam o ajuizamento da ação.
6. Recurso especial conhecido e parcialmente provido.
(REsp 1637474/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/05/2018, DJe 18/05/2018)
Qual é o termo inicial do prazo prescricional para a seguradora buscar o ressarcimento, regressivamente, ao autor do dano: a data em que efetuado o pagamento da indenização securitária à segurada, ou a data em que quantificado o dano, isto é, a data em que se promoveu a venda do salvado (sucata)?
DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REGRESSIVA DE RESSARCIMENTO DE DANOS. REPARAÇÃO CIVIL. ACIDENTE DE TRÂNSITO. PRESCRIÇÃO TRIENAL.
TERMO INICIAL. DATA EM QUE EFETUADO O PAGAMENTO DA INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA.
1. Ação regressiva, por meio da qual a seguradora objetiva o ressarcimento das despesas suportadas em razão de acidente de trânsito que envolveu sua segurada e que ocasionou a perda total de seu veículo.
2. Ação ajuizada em 04/03/2013. Recurso especial concluso ao gabinete em 01/02/2017. Julgamento: CPC/2015.
3. O propósito recursal é definir o termo inicial do prazo prescricional para a seguradora buscar ressarcimento, regressivamente, ao autor do dano - se a data em que efetuado o pagamento da indenização securitária à segurada ou se a data em que quantificado o dano, isto é, data em que se promoveu a venda do salvado (sucata).
4. O termo inicial do prazo prescricional do direito de a seguradora pleitear a indenização do dano causado por terceiro ao segurado é a data em que foi efetuado o pagamento da indenização securitária, sendo indiferente, para fins de contagem do início de fluência do prazo prescricional, a data de venda do salvado (sucata).
5. Recurso especial conhecido e não provido, com majoração de honorários.
(REsp 1705957/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 17/09/2019, DJe 20/09/2019)
“[…] a jurisprudência desta Corte perfilha o entendimento de que, ao efetuar o pagamento da indenização ao segurado em decorrência de danos causados por terceiro, a seguradora sub-roga-se nos direitos daquele, nos limites desses direitos. Assim, não se transfere à seguradora mais direitos do que o segurado detinha no momento do pagamento da indenização. Via de consequência, dentro do prazo prescricional aplicável à relação originária, a seguradora pode buscar o ressarcimento do que despendeu com a indenização securitária […]”.
Na hipótese dos autos, por se tratar de reparação civil decorrente de acidente de trânsito, o prazo prescricional aplicável é o de 3 (três) anos, previsto no art. 206, § 3º, V, do CC/02, prazo este que, como anteriormente delineado, será aplicável à pretensão regressiva da seguradora.
A controvérsia posta a deslinde nos presentes autos, contudo, cinge-se em perscrutar qual seria o termo inicial para a aplicação do referido prazo prescricional.
Com efeito, é certo que, em observância ao princípio da actio nata, o marco inicial para a contagem do prazo prescricional para a ação de regresso é o momento em que o sub-rogado detiver condições processuais para demandar em juízo, na busca de satisfação do crédito.
Destarte, tem-se que o termo inicial do prazo prescricional do direito de a seguradora pleitear a indenização do dano causado por terceiro ao segurado é a data em que foi efetuado o pagamento da indenização securitária (AgInt no REsp 1.714.969/PA, 4ª Turma, DJe 09/08/2018; AgInt no AREsp 1.013.889/RJ, 4ª Turma, DJe 22/03/2017).
Assim, diferentemente do que quer fazer crer a recorrente, a data em que realizada a venda do salvado (sucata) é indiferente para fins de contagem do início de fluência do prazo prescricional.
É que a ação regressiva pode ser ajuizada antes mesmo salvado, isto é, antes mesmo da quantificação do prejuízo da venda do salvado, isto é, antes mesmo da quantificação do prejuízo.
Como mesmo destacado em sentença:
Com a devida vênia, a mim não parece que a venda do salvado interfira em tal mecânica, na medida em que o que se deve levar em consideração pelo hermeneuta é o surgimento da pretensão, não a quantificação do dano, de resto permitindo o artigo 286, do Código de Processo Civil, por seu inciso II, que a seguradora ajuizasse a ação antes mesmo da liquidação do prejuízo, ao estabelecer a norma processual que o pedido deve ser sempre certo e determinado, sendo lícito não sê-lo “quando não for possível determinar, de modo definitivo, as consequência do ato do fato ilícito”.
Logo, como se vê, a falta de venda do salvado em nada impedia o ajuizamento a fim de impedir o transcurso do fato impeditivo do direito alegado, o que não foi visualizado pela credora, arcando ela, pois, com o ônus de sua incúria, pelo que a improcedência do pedido é medida de rigor.
De mais a mais, permitir que se condicione o surgimento da pretensão à venda do salvado seria concluir com a existência de fato impeditivo do transcurso da prescrição não previsto em lei, com o que não se coaduna (e-STJ fl. 219).
Assim, deve-se ter por prescrita a prescrição da recorrente na espécie, uma vez que o pagamento da indenização securitária deu-se em 08/02/2010 e o ajuizamento da presente ação regressiva somente ocorreu em 04/03/2013.
É válida a fiança concedida por fiador convivente em união estável sem a outorga uxória do outro companheiro?
SÚMULA N. 332. A fiança prestada sem autorização de um dos cônjuges implica a ineficácia total da garantia.
Ainda que a união estável esteja formalizada por meio de escritura pública, é válida a fiança prestada por um dos conviventes sem a autorização do outro.
STJ. 2a Turma. REsp 1.299.866-DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 25/2/2014.
Outorga uxória
Se a pessoa for casada, em regra, ela somente poderá ser fiadora se o cônjuge concordar.
Essa concordância, que é chamada de “outorga uxória/marital”, não é necessária se a pessoa for casada sob o regime da separação absoluta.
Tal regra encontra-se prevista no art. 1.647, III, do CC:
Art. 1.647. Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta:
(…)
III - prestar fiança ou aval;
Se o cônjuge negar essa autorização sem motivo justo, a pessoa poderá pedir ao juiz que supra a outorga, ou seja, o magistrado poderá autorizar que a fiança seja prestada mesmo sem o consentimento.
Na união estável não se exige o consentimento do companheiro para a prática dos atos previstos no art.
1.647 do CC.
Qual é o fundamento para essa conclusão?
O STJ considerou que a fiança prestada sem a autorização do companheiro é válida porque é impossível ao credor saber se o fiador vive ou não em união estável com alguém.
Como para a caracterização da união estável não se exige um ato formal, solene e público, como no casamento, fica difícil ao credor se proteger de eventuais prejuízos porque ele nunca terá plena certeza se o fiador possui ou não um companheiro.
Segundo o Min. Luis Felipe Salomão, é certo que não existe superioridade do casamento sobre a união
estável, sendo ambas equiparadas constitucionalmente. Isso não significa, contudo, que os dois institutos sejam inexoravelmente coincidentes, ou seja, eles não são idênticos.
Vale ressaltar que o fato de o fiador ter celebrado uma escritura pública com sua companheira, disciplinando essa união estável, não faz com que isso altere a conclusão do julgado. Isso porque para tomar conhecimento da existência dessa escritura, o credor teria que percorrer todos os cartórios de notas do Brasil, o que se mostra inviável e inexigível.
Dessa forma, o STJ considerou que não é nula nem anulável a fiança prestada por fiador convivente em união estável, sem a outorga uxória, mesmo que tenha havido a celebração de escritura pública entre os consortes.
O fiador tem legitimidade ativa para propor ação de rescisão contratual, a fim de postular, por exemplo, o afastamento da cobrança de juros abusivos?
O fiador de mútuo bancário NÃO tem legitimidade para, exclusivamente e em nome próprio, pleitear em juízo a revisão e o afastamento de cláusulas e encargos abusivos constantes do contrato principal.
O fiador até possui interesse de agir, mas falta-lhe LEGITIMAÇÃO , já que ele não é titular do direito material que se pretende tutelar em juízo (não foi ele quem assinou o contrato de mútuo). STJ. 3ª Turma. REsp 1.178.616-PR, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 14/4/2015 (Info 560).
João tem legitimidade para propor essa demanda? O indivíduo tem legitimidade para ajuizar ação de revisão de contrato bancário no qual figurou como fiador pedindo que os encargos cobrados sejam declarados abusivos?
NÃO. O fiador de mútuo bancário NÃO tem legitimidade para, exclusivamente e em nome próprio, pleitear em juízo a revisão e o afastamento de cláusulas e encargos abusivos constantes do contrato principal. A fiança é obrigação acessória, assumida por terceiro, que garante ao credor o cumprimento total ou parcial da obrigação principal de outrem (o devedor) caso este não a cumpra ou não possa cumpri-la conforme o avençado (art. 818 do CC).
A relação jurídica que se estabelece entre o credor e o devedor do negócio jurídico principal não se confunde com a relação construída no contrato secundário (de fiança), firmado entre o credor e o fiador, que se apresenta como mero garantidor do adimplemento da obrigação principal. Em outras palavras, uma coisa é o contrato principal (no caso, um contrato de mútuo), outra é o contrato de fiança (que é só um acessório do principal). Desse modo, tais contratos, apesar de vinculados pela acessoriedade, dizem respeito a relações jurídicas diferentes.
O fiador não tem relação direta com o contrato de mútuo. Logo, ele é parte ilegítima para, exclusivamente e em nome próprio, postular em juízo a revisão e o afastamento de cláusulas e encargos abusivos constantes deste contrato. O mútuo bancário é fruto da comunhão de vontades entre o mutuante (credor) e o mutuário (devedor), sendo o fiador parte estranha nesta relação jurídica.
Mas neste caso, o fiador não teria interesse de agir já que, se a dívida não for paga, ele é quem irá responder?
SIM. O fiador tem interesse de agir. O que lhe falta, no entanto, é legitimidade para agir.
Não se pode confundir legitimidade para agir com interesse de agir.
Quem possui interesse de agir: a pessoa que necessita da tutela requerida em juízo.
Quem possui legitimidade para agir: a pessoa que seja titular do direito material discutido em juízo.
A legitimidade está prevista no art. 18 do CPC 2015 (art. 6º do CPC 1973):
Art. 18. Ninguém poderá pleitear direito alheio em nome próprio, salvo quando autorizado pelo ordenamento jurídico.
Para postular em juízo, é necessário ter interesse E legitimidade (art. 17 do CPC 2015) (art. 3º do CPC 1973). Não basta um ou outro. É indispensável que estejam presentes os dois.
Desse modo, apesar de o fiador possuir interesse na diminuição da dívida que se comprometeu garantir perante o credor, ele não tem legitimidade para demandar a revisão das cláusulas apostas no contrato principal, já que não foi ele quem assinou o contrato de mútuo (ele só assinou o contrato de fiança) (obs: o instrumento, ou seja, o “papel” que o fiador assinou pode ser até o mesmo onde está previsto o contrato de mútuo, mas o fiador, ao assiná-lo, está firmando apenas o contrato de fiança).
O legitimado para pedir a revisão do contrato é o titular do direito material discutido em juízo, isto é, o devedor principal (em nosso exemplo, Pedro).
A interrupção do prazo prescricional operada contra o fiador prejudica o devedor afiançado?
Em regra, o ato interruptivo da prescrição apresenta caráter pessoal e somente aproveitará a quem o promover ou prejudicará aquele contra quem for dirigido (persona ad personam non fit interruptio). Isso está previsto no art. 204 do CC (“A interrupção da prescrição por um credor não aproveita aos outros; semelhantemente, a interrupção operada contra o co-devedor, ou seu herdeiro, não prejudicado aos demais coobrigados”).
Exceção a esta regra: interrompida a prescrição contra o devedor afiançado, por via de consequência, estará interrompida a prescrição contra o fiador em razão do princípio da gravitação jurídica (o acessório segue o principal), nos termos do art. 204, § 3º, do CC:
§ 3º A interrupção produzida contra o principal devedor prejudica o fiador.
A interrupção do prazo prescricional operada contra o fiador não prejudica o devedor afiançado, salvo nas hipóteses em que os devedores sejam solidários
Como regra, a interrupção operada contra o fiador não prejudica o devedor afiançado. Isso porque o principal não segue a sorte do acessório.
Existe, no entanto, uma exceção: a interrupção em face do fiador poderá, sim, excepcionalmente, acabar prejudicando o devedor principal nas hipóteses em que a referida relação for reconhecida como de devedores solidários, ou seja, caso o fiador tenha renunciado ao benefício ou se obrigue como principal pagador ou devedor solidário. STJ. 4ª Turma. STJ. 4ª Turma. REsp 1.276.778-MS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 28/3/2017 (Info 602).