Código Civil - Comentado Flashcards

1
Q

A lei de que país (a do Brasil ou do país estrangeiro) deverá reger ou obrigações constituída no último, mas executados no primeiro?

A

LINDB:

Art. 9o Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituirem.

§ 1o Destinando-se a obrigação a ser executada no Brasil e dependendo de forma essencial, será esta observada, admitidas as peculiaridades da lei estrangeira quanto aos requisitos extrínsecos do ato.

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2
Q

A obrigação resultante de contrato reputa-se constituída no lugar em que residir o proponente ou a outra parte?

A

LINDB:

Art. 9o Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituirem.

§ 2o A obrigação resultante do contrato reputa-se constituida no lugar em que residir o proponente.

CC:

Art. 435. Reputar-se-á celebrado o contrato no lugar em que foi proposto.

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3
Q

A sucessão de bens de estrangeiro situados no pais regem-se por que lei?

A

LINDB:

Art. 10. A sucessão por morte ou por ausência obedece à lei do país em que domiciliado o defunto ou o desaparecido, qualquer que seja a natureza e a situação dos bens.

§ 1º A sucessão de bens de estrangeiros, situados no País, será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, ou de quem os represente, sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do de cujus.

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4
Q

O que é personalidade? Qual é o objeto do direito da personalidade?

A

Art. 1º Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil.

Comentários (p. 15):

A capacidade jurídica ou de direito se vincula à personalidade jurídica, encarecendo, porém, Bevilaqua que “cumpre distinguir a personalidade da capacidade, que é a extensão dada aos poderes de ação contidos na personalidade, ou, como diz Teixeira de Freitas, ao modo de ser geral das pessoas”.

A personalidade é um atributo que consiste na aptidão para o desempenho de um papel jurídico, ou seja, para adquirir direito e contrair obrigações.

[…]

Art. 11. Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária.

Comentário (p. 30):

O objeto dos direitos da personalidade são faculdades jurídica que se situam no âmbito da própria pessoa, definindo-os R. Limongi França como aqueles “cujo objeto são os diversos aspectos da própria pessoa do sujeito, bem assim da sua proteção essencial no modo exterior”, e, segundo o mesmo autor, esses aspectos são basicamente o físico, o intelectual e o moral.

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5
Q

Qual a diferença entre capacidade de direito e capacidade de fato?

A

Art. 1º Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil.

Comentários (p. 15):

Atualmente, a simples existência do homem vivo confere-lhe a qualidade de pessoa, embora nem sempre assim tenha ocorrido, pois, faltando o que correspondia no Direito romano ao status libertatis, como ao escravo, o ser humano estava excluído do conceito jrídico de caput, sendo tico como res (coisa).

A capacidade, porém, aqui mencionada é a de direito ou de gozo, que difere da capacidade de fato ou de exercício. Aquela é atribuída a todo ser humano, mas esta só o possuem os que têm a faculdade de exercer por si os atos da vida civil.

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6
Q

Explique os argumentos da teoria natalista e da teoria concepcionista da proteção jurídica conferida ao nascituro.

A

Art. 2º A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.

Comentários concurso (p. 29):

Os natalistas advogam a tese de que ao nascituro não deve ser reconhecida personalidade, embora lhe seja permitido o exercício de atos destinados à conservação de direitos, consoante disposto no art. 130 do CC-2002, na condição de titular de direito eventual, por se encontrar pendente condição suspensiva (nascimento com vida). Os concepcionistas, por outro lado, criticam a interpretação literal com que os partidários da perspectiva natalista enxergam a questão, sustentando que com a concepção (fecundação do óvulo pelo espermatozóide) surge uma vida distinta, que por ser independente organizamente de sua mãe biológica, merece proteção.

Enunciados da CJF:

1 – Art. 2º: A proteção que o Código defere ao nascituro alcança o natimorto no que concerne aos direitos da personalidade, tais como: nome, imagem e sepultura.

2 – Art. 2º: Sem prejuízo dos direitos da personalidade nele assegurados, o art. 2º do Código Civil não é sede adequada para questões emergentes da reprogenética humana, que deve ser objeto de um estatuto próprio.

INTERNET (https://nicolasfelipe.jusbrasil.com.br/artigos/475128655/as-teorias-da-concepcao-e-o-nascituro-no-direito-brasileiro):

1.1- Teoria Natalista

Para a teoria natalista, sucintamente dispondo, o nascituro não é pessoa, não possuindo, tampouco, qualquer direito considerável, uma vez que o Código Civil exige o nascimento com vida para que se venha a ter a tão aclamada personalidade civil. Podemos, de forma concisa, concluir que o nascituro, nessa perspectiva, possui apenas uma mera expectativa de direitos.

O óbice dessa teoria é justamente o exposto no parágrafo anterior, uma vez que realiza tão somente uma interpretação literal e simples do que se trata no art. 2º do códex privado. Adepto a essa teoria, em sede de doutrina, temos Sílvio Venosa, além de alguns outros clássicos que aqui não serão citados.

O questionamento que a teoria natalista nos traz é: ora, se o nascituro não é pessoa humana, seria ele tão somente um objeto? Ou uma coisa? Podemos depreender que por virtude dos entendimentos firmados pela equivocada teoria, a resposta a tal pergunta seria positiva, vez que segundo os seus adeptos, nascituro é tão só uma coisa.

Ante o pretexto trazido, devemos entender que a teoria natalista está superada em sua totalidade, já que se localiza extremamente distante dos preceitos do ideal da personalização do Direito Civil, negando ao nascituro inclusive direitos de cunho fundamental (vida, integridade, honra, imagem, alimentos…), consequentemente, observamo-nos tal teoria em conflito com a pretensão de uma ampla tutela dos direitos que circundam a personalidade. Encontra-se essencialmente longe dos avanços que a sociedade vem exigindo e vivenciando, pois a desacertada teoria é um tanto externa a realidade fática do atual direito privado.

1.2- Teoria da Personalidade Condicional

Nesta segunda teoria, os direitos do nascituro encontram-se sujeitos a condição suspensiva, que seria, por sua vez, o seu nascimento (com vida). Como sabemos, a condição suspensiva está regulamentada no art. 121 do Código Civil de 2002, sendo considerada um elemento acidental do negócio ou ato jurídico que subordina a sua eficácia a um evento futuro e incerto, tendo que, no caso, o evento provido de futuridade e incerteza seria o nascimento com vida. Classifica-se o nascituro, nessa esteira, como titular de um direito eventual. A título de acréscimo cite-se o que reza o art. 130, também do códex privado, ipsis litteris: “ao titular do direito eventual, nos casos de condição suspensiva ou resolutiva, é permitido praticar os atos destinados a conservá-lo”. Caso se repute necessário a prática de tais atos, a gestante os faria representando o nascituro.

Como filiados dessa teoria, temos o mestre Clóvis Beviláqua, Washington Monteiro, dentre outros clássicos. Na doutrina contemporânea, por sua vez, temos Arnaldo Rizzardo como entusiasta da teoria em estudo.

O problema da ilustre teoria é o fato de que põe direitos existenciais sob condição. Como sabido e consabido, os direitos da personalidade, tidos aqui como concretizadores dos direitos fundamentais, jamais podem ser sujeitos a qualquer condição, termo ou encargo (elementos acidentais do negócio jurídico; que se encontram no plano da eficácia, na escada ponteana). Em vista disso o nascituro só terá direitos (mesmo aqueles existenciais) com o implemento da condição, ou seja, seu nascimento com vida. Ao meu ver essa teoria é, em sua rebuscada essência, natalista. Sem contar que é por demais apegada a questões meramente patrimonialistas, estando longe da festejada pretensão de personalização do Direito Privado.

Superada a observância dessas duas teorias, vamos à análise da tese adotada pelo ordenamento jurídico brasileiro na atualidade, principalmente quando se fala na ótica doutrinária e jurisprudencial.

1.3- Teoria Concepcionista

Na visão desta última teoria o nascituro é pessoa humana e, justamente por essa razão, possui todos os direitos que dessa qualidade decorrem. Em princípio, aduz a acertada tese que a personalidade já se faz presente desde a concepção. Caudatário a essa corrente doutrinária, temos o ilustre jurista e filósofo Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, sem contar, ainda, os magníficos professores e mestres Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, Maria Helena Diniz, Flávio Tartuce e, ainda, a professora Silmara Chinellato, uma das percussoras da tese concepcionista no Estado brasileiro.

Um ponto importante a ser destacado é que a teoria concepcionista ainda chega a ser mais ampla do que estender direitos somente ao nascituro, pois também traz direitos da personalidade (v.g., nome, imagem e sepultura) para aquele que “nasceu morto”, que em termos técnicos é denominado natimorto. Sustenta-se tal tese no ideal positivado no enunciado nº 1 da I Jornada de Direito Civil promovida pelo Conselho de Justiça Federal e chancelado pelo egrégio Superior Tribunal de Justiça.

A ilustríssima Professora Maria Helena Diniz, já que adepta a brilhante teoria, elaborou em suas obras uma fundamental classificação da personalidade civil, dividindo-a em formal e material. A personalidade jurídica formal está terminantemente relacionada com os direitos da personalidade em si, aqueles que o nascituro já possui desde a sua concepção. Não se fala aqui em direitos de cunho patrimonial, mas sim de caráter puramente existencial. Já a personalidade jurídica material, por sua vez, não seria aquela que tão somente que abrange direitos da personalidade, mas, outrossim, abarca em seu campo os direitos patrimoniais, sendo aqueles que o nascituro só passa a ter após o seu nascimento (com vida), como o é, por exemplo, o direito de sucessão, ou até mesmo o direito de crédito, de propriedade, de usufruto, dentre muitos outros. Lembre-se que a personalidade jurídica formal pressupõe a material, logo, não há de se falar e personalidade material sem a prévia existência da personalidade formal. Importante destacar, por fim, que tão somente com a personalidade jurídica material, se adquire a capacidade de direito (ou de gozo).

Em se tratando da jurisprudência nacional, “o Supremo Tribunal Federal não tem uma posição definida a respeito das referidas teorias, ora seguindo a teoria natalista, ora a concepcionista […]. O Superior Tribunal de Justiça, no entanto, tem acolhido a teoria concepcionista, reconhecendo ao nascituro o direito à reparação do dano moral” (GONÇALVES, 2016, p. 197), caso que pode ser visto no Recurso Especial n. 399.028, de São Paulo, onde foi reconhecido dano moral ao nascituro pela morte de seu genitor, fato esse que ocorreu, logicamente, em momento anterior ao seu nascimento. […]

Além desse, há vários e diversos julgados que aplicam a tese concepcionista, o que nos leva a afirmar, com elevadíssimo grau de certeza, que no âmbito de competência do Judiciário brasileiro, a tese é aplicada em todos os casos que exigem sua discussão - reluzente ser, nesse ínterim, a majoritária.

Corroborando com tudo que fora exposto até aqui, existem outras leis especiais (extravagantes) que sustentam a permanência da teoria concepcionista, caso, por exemplo, da Lei de Alimentos Gravídicos (Lei nº 11.804/2008), trazendo a possibilidade de o genitor paterno ter de pagar “pensão” para a genitora materna que ainda esteja em fase de gestação (nascituro tem direito de receber alimentos). Registre-se que o titular do direito alimentício não é a mãe, mas o filho em questão, cabendo àquela apenas pleitear tal direito representando seu futuro rebento, legítimo ativo e ordinário para tanto, embora incapaz para os atos da vida civil (estudaremos a teoria geral da representação, que também se aplica a questões processuais, em momento oportuno, quem sabe num próximo artigo).

A tese conceptualista, que tem supedâneo na segunda parte do art. 2º do atual Código Civil, é atual e moderna, além de estar mais próxima ao ideal de humanização do direito, da personalização do Direito Civil, estando, inexoravelmente, adequada aos avanços científicos que viemos presenciando nos últimos vinte anos. A ideia concepcionista, em seu campo de atuação, desliga-se de teorias meramente tecnicistas e apegadas ao patrimonialismo puro.

Devemos então, concordar com a festejada obra do Professor Tartuce e com a Professora Maria Helena Diniz, já que sob o prisma do Direito Civil brasileiro, a teoria concepcionista está com a mais plena razão. É a majoritária em sede de doutrina e, como exposto alhures, de jurisprudência.

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7
Q

Há representação no caso de incapacidade relativa?

A

Art. 4 o São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer: (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)

I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;

II - os ébrios habituais e os viciados em tóxico (antes: os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido”);

III - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade (antes: os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo);

IV - os pródigos.

Parágrafo único. A capacidade dos indígenas será regulada por legislação especial.

Comentários (p. 21):

[…] Ao estabelecer a lei que a curatela será proporcional, deve-se harmonizar com os instituto de representação e assistência aludidos no art. 1.747, I, aplicável à curatela (art. 1.781), demodo que poderá o juiz, caso o incapaz não tenha qualquer possibilidade de manifestar sua vontade, atribuir poder de representação, ainda que a incapacidade seja legalmente considerada relativa, uma vez que a absoluta ficou restrita aos menores de 16 anos.

Art. 1.747. Compete mais ao tutor:

I - representar o menor, até os dezesseis anos, nos atos da vida civil, e assisti-lo, após essa idade, nos atos em que for parte;

Art. 1.781. As regras a respeito do exercício da tutela aplicam-se ao da curatela, com a restrição do art. 1.772 e as desta Seção.

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8
Q

Cite hipóteses de atos que podem ser praticados pelo relativamente incapaz sem assistência.

A

Comentários (p. 22):

Atos existem, porém, que podem ser praticados sem tal assistência, como o testamento feito por maior de 16 anos (art. 1.860, parágrafo único), a aceitação de mandato (Art. 666) ou servir de testemunha (art. 228, I).

Art. 228. Não podem ser admitidos como testemunhas:

I - os menores de dezesseis anos;

Art. 666. O maior de dezesseis e menor de dezoito anos não emancipado pode ser mandatário, mas o mandante não tem ação contra ele senão de conformidade com as regras gerais, aplicáveis às obrigações contraídas por menores.

Art. 1.860. Além dos incapazes, não podem testar os que, no ato de fazê-lo, não tiverem pleno discernimento.

Parágrafo único. Podem testar os maiores de dezesseis anos.

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9
Q

A convivência em união estável faz cessar a incapacidade?

A

Art. 5 o A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil.

Parágrafo único. Cessará, para os menores, a incapacidade:

I - pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante instrumento público, independentemente de homologação judicial, ou por sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver dezesseis anos completos;

II - pelo casamento;

III - pelo exercício de emprego público efetivo;

IV - pela colação de grau em curso de ensino superior;

V - pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com dezesseis anos completos tenha economia própria.

Comentários (p. 23):

É de notar que o estabelecimento de união estável não faz cessar a incapacidade dos menores.

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10
Q

A admissão em emprego público por meio de concurso faz cessar a menoridade?

A

Art. 5 o A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil.

Parágrafo único. Cessará, para os menores, a incapacidade:

III - pelo exercício de emprego público efetivo;

Comentários (p. 24):

A nomeação para cargo de provimento em comissão, bem como as admissões mediante processos seletivos, que não se confundem com o concurso público, não determinam a cessação da incapacidade. Também não se identifica a contratação pelo regime da CLT nas empresas pública e sociedades de economia mista, que têm personalidade jurídica privada.

Assim, cargo efetivo só se reconhece na administração direta, nas autarquias e nas fundações criadas pelo Estado com personalidade jurídica pública, que prestigiosa corrente doutrinária equipara às autarquias, ou nas associações públicas.

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11
Q

Segundo o CC, quais atos devem ser registrado em registro público e quais devem ser averbados?

A

Art. 9 o Serão registrados em registro público:

I - os nascimentos, casamentos e óbitos;

II - a emancipação por outorga dos pais ou por sentença do juiz;

III - a interdição por incapacidade absoluta ou relativa;

IV - a sentença declaratória de ausência e de morte presumida.

Art. 10. Far-se-á averbação em registro público:

I - das sentenças que decretarem a nulidade ou anulação do casamento, o divórcio, a separação judicial e o restabelecimento da sociedade conjugal;

II - dos atos judiciais ou extrajudiciais que declararem ou reconhecerem a filiação;

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12
Q

Quais são as características dos direitos da personalidade?

A

Art. 11. Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária.

Comentários (p. 30):

O direito da personlidade são absolutos, extrapatrimoniais e perpétuos. De seu caráter absoluto decorre a oponibilidade erga omnes, na medida em que geram o dever geral de abster-se de sua violação. Sua extrapatrimonialidade afasta a possibilidade de transmissão [intrasmissibilidade] e, em consequência, são direitos impenhoráveis. Sendo perpétuos, não comportam renúncia, nascendo e extinguindo-se com a pessoa, embora sob alguns aspectos possam gozar de proteção para depois da morte.

A impossibilidade de renúncia não significa, entretanto, que a pessoa não possa em algumas circunstâncias, como ao revelar fatos de sua intimidade, deixar de exercê-los, mas tal não significa que deles abriu mão, podendo, por isso, a qualquer tempo recuperar-lhe o pleno exercício.

Enunciados:

4 – Art. 11: O exercício dos direitos da personalidade pode sofrer limitação voluntária, desde que não seja permanente nem geral.

139 – Art. 11: Os direitos da personalidade podem sofrer limitações, ainda que não especificamente previstas em lei, não podendo ser exercidos com abuso de direito de seu titular, contrariamente à boa-fé objetiva e aos bons costumes.

274 – Art. 11: Os direitos da personalidade, regulados de maneira não-exaustiva pelo Código Civil, são expressões da cláusula geral de tutela da pessoa humana, contida no art. 1º, inc. III, da Constituição (princípio da dignidade da pessoa humana). Em caso de colisão entre eles, como nenhum pode sobrelevar os demais, deve-se aplicar a técnica da ponderação.

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13
Q

O direito à inviolabilidade de consciência e de crença pode ser invocado pelos pais para justificar a recusa à realização de transfusão de sangue em filho?

A

Enunciado 403 da CJF:

O Direito à inviolabilidade de consciência e de crença, previsto no art. 5º, VI, da Constituição Federal, aplica-se também à pessoa que se nega a tratamento médico, inclusive transfusão de sangue, com ou sem risco de morte, em razão do tratamento ou da falta dele, desde que observados os seguintes critérios: a) capacidade civil plena, excluído o suprimento pelo representante ou assistente; b) manifestação de vontade livre, consciente e informada; e c) oposição que diga respeito exclusivamente à própria pessoa do declarante.

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14
Q

Em que hipóteses admite-se a divulgação de imagem de uma pessoa sem a sua autorização?

A

Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.

Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes.

Comentário (p. 40):

A lei contém resslavas, admitindo a divulgação da imagem ou de fato quando necessária a fins judiciais ou que interessem à ordem pública. Além dessas, o retrato de uma pessoa pode ser exibido quando justificado, segundo Orlando Gomes, por “sua notoriedade, o cargo que desempenha, exigência de política ou de justiça, finalidades científicas, didáticas ou culturais, ou quando a reprodução da imagem vier enquadrada na de lugares públicos ou de fatos de interesse público, ou que em público haja decorrido”. Evidentemente, mesmo nessas circunstancia não se tolerará o abuso (Art. 187), notadamente se verificado o objetivo comercial.

Não obstante a cessação da personlidade com a morte, alguns aspectos do direito da personalidade são preservados, como a honra, a boa fama da pessoa falecida, o que, aliás, também lefitima a revisão criminal de condenado falecido (art. 623 do CPP), de modo que a respectiva proteção pode ser reclamada pelo cônjuge, ascendente ou descendente, compreendendo-se nesse rol também o convivente.

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15
Q

A divulgação de carte pelo destinatária depende de autorização?

A

Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.

Comentário (p. 40):

Questão que pode oferecer dificuldade é a relativa à publicação de cartas, no tocante à legitimidade para autorizá-la, se do remetente ou do destinatário. Considerando-se que o legislador quer proteger a intimidade, somente poderá autorizar a publicação a pessoa referida, seja o subscritor, seja o destinatário.

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16
Q

Qual a diferença entre intimidade e vida privada?

A

Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.

Comentário (p. 41):

Não se confundem vida priva e intimidade, na medida em que essa se volta para o mundo interior do indivíduo, compreendidos, por exemplo, seus segredos, enquanto aquela, para o mundo exterior, que corresponde ao direito de manter o modo de vida que aprouver. Sob um ou outro aspecto, todavia, a proteção concedida é contra a indiscrição alheia.

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17
Q

Se o ausente deixar procurador, será possível declara-rse a ausência?

A

Art. 23. Também se declarará a ausência, e se nomeará curador, quando o ausente deixar mandatário que não queira ou não possa exercer ou continuar o mandato, ou se os seus poderes forem insuficientes.

Art. 26. Decorrido um ano da arrecadação dos bens do ausente, ou, se ele deixou representante ou procurador, em se passando três anos, poderão os interessados requerer que se declare a ausência e se abra provisoriamente a sucessão.

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18
Q

O cônjuge separado judicialmente há menos de 2 anos pode postular a declaração de ausência e a abertura da sucessão provisória?

A

Art. 25. O cônjuge do ausente, sempre que não esteja separado judicialmente, ou de fato por mais de dois anos antes da declaração da ausência, será o seu legítimo curador.

Art. 26. Decorrido um ano da arrecadação dos bens do ausente, ou, se ele deixou representante ou procurador, em se passando três anos, poderão os interessados requerer que se declare a ausência e se abra provisoriamente a sucessão.

Art. 27. Para o efeito previsto no artigo anterior, somente se consideram interessados:

I - o cônjuge não separado judicialmente;

II - os herdeiros presumidos, legítimos ou testamentários;

III - os que tiverem sobre os bens do ausente direito dependente de sua morte;

IV - os credores de obrigações vencidas e não pagas.

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19
Q

A garantia exigida para imissão na posse dos bens do ausente pode se dar sobre os próprios bens que se está a imitir?

A

Art. 30. Os herdeiros, para se imitirem na posse dos bens do ausente, darão garantias da restituição deles, mediante penhores ou hipotecas equivalentes aos quinhões respectivos.

§ 1º Aquele que tiver direito à posse provisória, mas não puder prestar a garantia exigida neste artigo, será excluído, mantendo-se os bens que lhe deviam caber sob a administração do curador, ou de outro herdeiro designado pelo juiz, e que preste essa garantia.

§ 2º Os ascendentes, os descendentes e o cônjuge, uma vez provada a sua qualidade de herdeiros, poderão, independentemente de garantia, entrar na posse dos bens do ausente.

COMENTÁRIOS (P. 45):

Os herdeiros necessários - descendentes, ascendentes e cônjuge - estão dispensados da prestação de garantia. Os demais, legítimos (art. 1.829, IV) ou testamentários (Art. 1.857), bem como o convivente, que nessa passo não se equipara ao cônjuge (art. 1.790 [penso que nesse ponto ficou superada a lição]), têm de dar garantia de restituição dos bens, no equivalente aos respectivos quinhões, mediante penhor ou hipoteca. A garantia real, todavia, pode ser substituída por outra, a critério do juiz, uma vez que, no caso, não está adstrito a observar a legalidade estrita (Art. 723, parágrafo único, do CPC-2015).

A garantia, se os bens não forem consumíveis, poderá ser dada com eles mesmos, segundo José Olympio de Castro Filho, “sem necessidade de estabelecer o sucessor provisório ônus sobre os bens próprios”.

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20
Q

Os sucessores provisórios tem direito aos frutos dos bens em que foram empossados?

A

Art. 33. O descendente, ascendente ou cônjuge que for sucessor provisório do ausente, fará seus todos os frutos e rendimentos dos bens que a este couberem; os outros sucessores, porém, deverão capitalizar metade desses frutos e rendimentos, segundo o disposto no art. 29 , de acordo com o representante do Ministério Público, e prestar anualmente contas ao juiz competente.

Parágrafo único. Se o ausente aparecer, e ficar provado que a ausência foi voluntária e injustificada, perderá ele, em favor do sucessor, sua parte nos frutos e rendimentos.

Art. 34. O excluído, segundo o art. 30 , da posse provisória poderá, justificando falta de meios, requerer lhe seja entregue metade dos rendimentos do quinhão que lhe tocaria.

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21
Q

Quanto tempo de após a sucessão provisória, permite-se o requerimento da sucessão definitiva?

A

Art. 37. Dez anos depois de passada em julgado a sentença que concede a abertura da sucessão provisória, poderão os interessados requerer a sucessão definitiva e o levantamento das cauções prestadas.

Art. 38. Pode-se requerer a sucessão definitiva, também, provando-se que o ausente conta oitenta anos de idade, e que de cinco datam as últimas notícias dele.

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22
Q

Em quanto tempo se consolida a sucessão definitiva?

A

Art. 39. Regressando o ausente nos dez anos seguintes à abertura da sucessão definitiva, ou algum de seus descendentes ou ascendentes, aquele ou estes haverão só os bens existentes no estado em que se acharem, os sub-rogados em seu lugar, ou o preço que os herdeiros e demais interessados houverem recebido pelos bens alienados depois daquele tempo.

Parágrafo único. Se, nos dez anos a que se refere este artigo, o ausente não regressar, e nenhum interessado promover a sucessão definitiva, os bens arrecadados passarão ao domínio do Município ou do Distrito Federal, se localizados nas respectivas circunscrições, incorporando-se ao domínio da União, quando situados em território federal.

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23
Q

O parágrafo do art. 41 faz alusão a que tipo de entidade?

A

Art. 41. São pessoas jurídicas de direito público interno:

I - a União;

II - os Estados, o Distrito Federal e os Territórios;

III - os Municípios;

IV - as autarquias, inclusive as associações públicas; (Redação dada pela Lei nº 11.107, de 2005)

V - as demais entidades de caráter público criadas por lei.

Parágrafo único. Salvo disposição em contrário, as pessoas jurídicas de direito público, a que se tenha dado estrutura de direito privado, regem-se, no que couber, quanto ao seu funcionamento, pelas normas deste Código.

Enunciado n. 141 da Jornadas: A remissão do art. 41, parágrafo único, do Código Civil às pessoas jurídicas de direito público, a que se tenha dado estrutura de direito privado, diz respeito às fundações públicas e aos entes de fiscalização do exercício profissional.

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24
Q

Qual é o prazo para anular a constituição de pessoas jurídicas, por defeitos do respectivo ato?

A

Art. 45. Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo.

Parágrafo único. Decai em três anos o direito de anular a constituição das pessoas jurídicas de direito privado, por defeito do ato respectivo, contado o prazo da publicação de sua inscrição no registro.

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25
Q

Se um agente da pessoa jurídica, sem poderes de administração, celebra um contrato, estará este negócio eivado de vício de nulidade ou de ineficácia?

A

Art. 47. Obrigam a pessoa jurídica os atos dos administradores, exercidos nos limites de seus poderes definidos no ato constitutivo.

Comentário (p. 53):

A manifestação de vontade da pessoa jurídica se dá pelos administradores, cujos poderes devem ser fixados no ato constitutivo.

Quem o ato constitutivo indicar para administrar e representar a pessoa jurídica (Art. 46, III) tem legitimidade, que, no caso, é fator de eficácia do negóicio jurídico e, no dizer de Antonio Junqueira de Azevedo, “pode ser definida como a qualidade do agente consistente na aptidão, obtida pelo fato de estar o agente na titularidade de um poder, para realizar eficazmente um nefócio jurídico; ele existe por causa de uam relação jurídica anterior”. A ineficácia decorrerá da insuficiência de poderes. Já se não houver poder algum e, portanto, faltar a mencionada “relação jurídica anterior”, a hipótese será a de invalidade do negócio, porque vontade alguma foi manifestada, e a isso equivalem as declarações de quem não recebeu qualquer poder de representação da pessoa jurídica. Ressalvam-se, porém, as hipóteses nas quais é possível arguir a teoria da aparência, assim sustentada por Orlando Gomes, caso “o falso diretor, ou o falso gerente, se comporte aos olhos de todos e para com terceiros como se realmente estivesse a exercer, por título legítimo, a administrção da sociedade”.

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26
Q

É causa de nulidade absoluta ou relativa a hipótese de simulação em relação a deliberações internas da pessoa jurídica?

A

Art. 48. Se a pessoa jurídica tiver administração coletiva, as decisões se tomarão pela maioria de votos dos presentes, salvo se o ato constitutivo dispuser de modo diverso.

Parágrafo único. Decai em três anos o direito de anular as decisões a que se refere este artigo, quando violarem a lei ou estatuto, ou forem eivadas de erro, dolo, simulação ou fraude.

Comentário (p. 54):

O parágrafo único tem redação ambígua, pois se refere a prazo decadencial de três anos para anular as decisões referidas no caput, quando violarem a lei ou o estatuto, ou forem eivadas de erro, dolo, simulação ou fraude. O objetivo de se estabelecer o prazo decadencial é, a partir de seu termo final, estabilização da relação entre os integrantes da pessoa jurídica, já que a deliberação a que se refere é de orgão interno. Assim, deve-se entender que tanto a insuficiência de quorum como os vícios referidos são bastantes para desafiar a anulação, ficando, porém, o ato convalidado pelo decurso do tempo.

A segunda dificuldade é que a le sujeitou a prazo decadencial hipóteses de nulidade absoluta, ou seja, simulação (art. 167), que não convalesce (art. 169). Considerando-se, todavia, que se trata de relações internas da pessoa jurídica, predominando o interesse privado, é de entender que, no caso específico do parágrafo úncio do art. 48, todos os vícios apontados acarretam nulidade relativa (art. 171, caput), portanto, sanáveis a ebm da pessoa jurídica.

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27
Q

A alteração da finalidade da pessoa jurídica configura desvio de finalidade?

A

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso. (Redação dada pela Lei nº 13.874, de 2019)

§ 1º Para os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

§ 5º Não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

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28
Q

A desconsideração da personalidade jurídica pode atingir sócio que não tenha incorrido na prática do ato irregular que o justifica?

A

Enunciado 7 da CJF: Só se aplica a desconsideração da personalidade jurídica quando houver a prática de ato irregular e, limitadamente, aos administradores ou sócios que nela hajam incorrido.

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29
Q

A aplicação da desconsideração da personalidade jurídica do art. 50 do CC depende da demonstração da insolvência da pessoa jurídica?

A

Enuciado n. 281 da CJF: A aplicação da teoria da desconsideração, descrita no art. 50 do Código Civil, prescinde da demonstração de insolvência da pessoa jurídica.

RECURSO ESPECIAL. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA.
CPC/2015. PROCEDIMENTO PARA DECLARAÇÃO. REQUISITOS PARA A INSTAURAÇÃO. OBSERVÂNCIA DAS REGRAS DE DIREITO MATERIAL.
DESCONSIDERAÇÃO COM BASE NO ART. 50 DO CC/2002. ABUSO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. DESVIO DE FINALIDADE. CONFUSÃO PATRIMONIAL.
INSOLVÊNCIA DO DEVEDOR. DESNECESSIDADE DE SUA COMPROVAÇÃO. 1. A desconsideração da personalidade jurídica não visa à sua anulação, mas somente objetiva desconsiderar, no caso concreto, dentro de seus limites, a pessoa jurídica, em relação às pessoas ou bens que atrás dela se escondem, com a declaração de sua ineficácia para determinados efeitos, prosseguindo, todavia, incólume para seus outros fins legítimos.
2. O CPC/2015 inovou no assunto prevendo e regulamentando procedimento próprio para a operacionalização do instituto de inquestionável relevância social e instrumental, que colabora com a recuperação de crédito, combate à fraude, fortalecendo a segurança do mercado, em razão do acréscimo de garantias aos credores, apresentando como modalidade de intervenção de terceiros (arts. 133 a 137) 3. Nos termos do novo regramento, o pedido de desconsideração não inaugura ação autônoma, mas se instaura incidentalmente, podendo ter início nas fases de conhecimento, cumprimento de sentença e executiva, opção, inclusive, há muito admitida pela jurisprudência, tendo a normatização empreendida pelo novo diploma o mérito de revestir de segurança jurídica a questão.
4. Os pressupostos da desconsideração da personalidade jurídica continuam a ser estabelecidos por normas de direito material, cuidando o diploma processual tão somente da disciplina do procedimento. Assim, os requisitos da desconsideração variarão de acordo com a natureza da causa, seguindo-se, entretanto, em todos os casos, o rito procedimental proposto pelo diploma processual.
6. Nas causas em que a relação jurídica subjacente ao processo for cível-empresarial, a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica será regulada pelo art. 50 do Código Civil, nos casos de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial.
7. A inexistência ou não localização de bens da pessoa jurídica não é condição para a instauração do procedimento que objetiva a desconsideração, por não ser sequer requisito para aquela declaração, já que imprescindível a demonstração específica da prática objetiva de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial.
8. Recurso especial provido.
(REsp 1729554/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 08/05/2018, DJe 06/06/2018)

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30
Q

O encerramento irregular da Pessoa Jurídica constitui causa suficiente par autorizar a desconsideração da personalidade jurídica?

A

Enunciado n. 282 da CJF: O encerramento irregular das atividades da pessoa jurídica, por si só, não basta para caracterizar abuso da personalidade jurídica.

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CIVIL. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. ASSOCIAÇÃO. REQUISITOS. DISSOLUÇÃO IRREGULAR. FRAUDE DE CREDORES.
1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).
2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça encontra-se consolidada no sentido de que a desconsideração da personalidade jurídica é medida excepcional e está subordinada à comprovação do abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade (ato intencional dos sócios com intuito de fraudar terceiros) ou pela confusão patrimonial.
3. Na hipótese, a dissolução irregular da associação com o objetivo de fraudar credores é suficiente para presumir o abuso da personalidade jurídica.
4. Agravo interno não provido.
(AgInt no REsp 1830571/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 22/06/2020, DJe 26/06/2020)

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31
Q

Os associados, numa associação, pode ter direitos diferentes?

A

Art. 55. Os associados devem ter iguais direitos, mas o estatuto poderá instituir categorias com vantagens especiais.

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32
Q

Quais são as condições para que se possa alterar o estatuto de fundação?

A

Art. 67. Para que se possa alterar o estatuto da fundação é mister que a reforma:

I - seja deliberada por dois terços dos competentes para gerir e representar a fundação;

II - não contrarie ou desvirtue o fim desta;

III - seja aprovada pelo órgão do Ministério Público, e, caso este a denegue, poderá o juiz supri-la, a requerimento do interessado. (revogado)

III – seja aprovada pelo órgão do Ministério Público no prazo máximo de 45 (quarenta e cinco) dias, findo o qual ou no caso de o Ministério Público a denegar, poderá o juiz supri-la, a requerimento do interessado. (Redação dada pela Lei nº 13.151, de 2015)

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33
Q
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34
Q

Diferencie a fundação da associação no que toca ao destino de seu patrimônio no caso de extinção.

A

Art. 61. Dissolvida a associação, o remanescente do seu patrimônio líquido, depois de deduzidas, se for o caso, as quotas ou frações ideais referidas no parágrafo único do art. 56 , será destinado à entidade de fins não econômicos designada no estatuto, ou, omisso este, por deliberação dos associados, à instituição municipal, estadual ou federal, de fins idênticos ou semelhantes.

§ 1o Por cláusula do estatuto ou, no seu silêncio, por deliberação dos associados, podem estes, antes da destinação do remanescente referida neste artigo, receber em restituição, atualizado o respectivo valor, as contribuições que tiverem prestado ao patrimônio da associação.

§ 2o Não existindo no Município, no Estado, no Distrito Federal ou no Território, em que a associação tiver sede, instituição nas condições indicadas neste artigo, o que remanescer do seu patrimônio se devolverá à Fazenda do Estado, do Distrito Federal ou da União.

Art. 69. Tornando-se ilícita, impossível ou inútil a finalidade a que visa a fundação, ou vencido o prazo de sua existência, o órgão do Ministério Público, ou qualquer interessado, lhe promoverá a extinção, incorporando-se o seu patrimônio, salvo disposição em contrário no ato constitutivo, ou no estatuto, em outra fundação, designada pelo juiz, que se proponha a fim igual ou semelhante.

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35
Q

Quais são as cinco espécies de domicílio?

A

Art. 70. O domicílio da pessoa natural é o lugar onde ela estabelece a sua residência com ânimo definitivo.

Comentário (p. 67):

Existem cinco espécies de domicílio: a) voluntário, que se subdivida em único ou plural (art. 71) e é o escolhido pelo sujeito, sendo também volutário o do itinerante (art. 73); b) legal ou necessário, fixado por lei (art. 76); c) profissionaral, concernente às relações da profissão (art. 72); d) contratual, estabelecido no contrato para o exercício e cumprimento de direito e obrigações (art. 78 do CC e 63 do CPC); e) facultativo, correspondente ao do agente diplomático se alegar extraterritorialidade (art. 77).

Art. 71. Se, porém, a pessoa natural tiver diversas residências, onde, alternadamente, viva, considerar-se-á domicílio seu qualquer delas.

Art. 72. É também domicílio da pessoa natural, quanto às relações concernentes à profissão, o lugar onde esta é exercida.

Parágrafo único. Se a pessoa exercitar profissão em lugares diversos, cada um deles constituirá domicílio para as relações que lhe corresponderem.

Art. 73. Ter-se-á por domicílio da pessoa natural, que não tenha residência habitual, o lugar onde for encontrada.

Art. 76. Têm domicílio necessário o incapaz, o servidor público, o militar, o marítimo e o preso.

Parágrafo único. O domicílio do incapaz é o do seu representante ou assistente; o do servidor público, o lugar em que exercer permanentemente suas funções; o do militar, onde servir, e, sendo da Marinha ou da Aeronáutica, a sede do comando a que se encontrar imediatamente subordinado; o do marítimo, onde o navio estiver matriculado; e o do preso, o lugar em que cumprir a sentença.

Art. 77. O agente diplomático do Brasil, que, citado no estrangeiro, alegar extraterritorialidade sem designar onde tem, no país, o seu domicílio, poderá ser demandado no Distrito Federal ou no último ponto do território brasileiro onde o teve.

Art. 78. Nos contratos escritos, poderão os contratantes especificar domicílio onde se exercitem e cumpram os direitos e obrigações deles resultantes.

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36
Q

Qual a relevância de o CC atribuir a qualidade de imóveis para alguns direitos?

A

Art. 80. Consideram-se imóveis para os efeitos legais:

I - os direitos reais sobre imóveis e as ações que os asseguram;

II - o direito à sucessão aberta.

Comentário (p. 73):

Gana relevo a circunstância de esses bens serem considerados imóveis pelo fato de suas alienações, em regra, exigirem escritura pública (art. 108).

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37
Q

Quais são os elementos essenciais da pertença?

A

Art. 93. São pertenças os bens que, não constituindo partes integrantes, se destinam, de modo duradouro, ao uso, ao serviço ou ao aformoseamento de outro.

Comentários (p. 77):

Assim, as pertenças são coisas acessórias que, conservando individualidade e autonomia, têm com a principal, de modo duradouro, uma subordinação econômica, para atingir suas finalidades. São exemplos a moldura de um quadro, a engenhoca adptada a um veículo para melhor desempenho de seu motor ou economia de combustível, as máquinas e implementos agrícolas em uma fazenda ou ornamentos, como vasos de flores de uma residência.

São elementos essenciais para caracterização das petenças: a) vínculo intencional, material ou ideal, de se pôr a serviço da coisa principal; b) destinação duradoura, permanente e efetiva a bem da coisa principal, não se caracterizando se for meramente transitória ou inócua.

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38
Q

Qual a diferença básica entre benfeitoria e acessão?

A

Art. 96. As benfeitorias podem ser voluptuárias, úteis ou necessárias.

§ 1º São voluptuárias as de mero deleite ou recreio, que não aumentam o uso habitual do bem, ainda que o tornem mais agradável ou sejam de elevado valor.

§ 2º São úteis as que aumentam ou facilitam o uso do bem.

§ 3º São necessárias as que têm por fim conservar o bem ou evitar que se deteriore.

Comentário (p. 78):

Não se devem confundir benfeitoria com acessões, embora em muitas circunstância recebam tratamento assemelhado. A acessão se caracteriza pela aquisição de coisa nova, enquanto a benfeitoria se faz sobre coisa nates já existente.

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39
Q

Em que consiste a reserva mental e qual sua relação com a teoria da confiança?

A

Art. 110. A manifestação de vontade subsiste ainda que o seu autor haja feito a reserva mental de não querer o que manifestou, salvo se dela o destinatário tinha conhecimento.

Comentários (p. 88):

A manifestação da vontade é imprescindível para a formação do negócio jurídico, entretanto vontade e declaração nem sempre coincidem. A segurança das relações jurídicas, porém, reclama que se empreste eficácia ao que foi declarado e não ao que, eventualmente, for desejado, mas não declarado. Por esse motivo, o que foi objeto de reserva mental, em regra, não é levado em conta.

Vicente Rao, que, nesse processo, reconhece a existência de três elementos volitivos - vontade, vontade de declaração e vontade de conteúdo -, afirma que “a reserva mental é uma particular espécie de vontade não declarada, por não querer, o agente, declará-la. É uma vontade que o agente intencionalmente oculta, assim procedendo para sua declaração ser entendida pela outra parte, ou pelo destinatário (como seria pelo comum dos homens) tal qual exteriormente se apresenta, embora ele, declarante, vise a alcançar não os efeitos de sua declaração efetivamente produzida, mas os que possam resultar de sua reserva”, e acrescente que, “nesta hipótese, nenhum conflito juridicamente existe, porque o direito valor algum atribui a essa atitude omissiva do declarante: a vontade intencionalmente não declarada, no caso, não pode chocar-se com a vontade declarada”.

Esse entendimento, todavia, é abrandado pela teoria da confiança, na medida em que, segundo Orlando Gomes, “empresta valor à aparência da vontade, se não é destruída por circunstâncias que indiquem má-fé em quem acreditou ser verdadeira. Havendo divergência entre a vontade interna e a declaração, os contraentes de boa-fé, a respeito dos quais tal vontade foi imperfeitamente manifestada, têm direito a considerar firme a declaração que se podia admitir como vontade efetiva da outra parte, ainda quando esta houvesse errado de boa-fé ao declarar a própria vontade. Enquanto, pois, tem um dos contratantes razão para acreditar que a declaração corresponde à vontade do outro, há de se considerá-la perfeita, por ter suscitado a legítima confiança em sua veracidade”. Conclui dizendo: “A aparência da vontade não é levada em conta em todas as circunstÂncia e sem outras considerações. Necessário que possa despertar a convicção de que se trata de vontade real. Concede-se à declaração valor relativo, tornando-a decisiva sempre que a confiança no seu conteúdo se possa fundar na boa-fé de destinatário. Pode-se esquematizar assim a teoria:a declaração de vontade é eficaz, ainda quando não corresponde À vontade interna do declaração, se o destinatário não souber, ou não puder saber, que não corresponde à vontade”. A reserva mental conhecida do declatário, entretanto, se encobrir ilicitude, sofre as consequência da simulação (art. 167).

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40
Q

Qual a diferença entre capacidade e legitimação?

A

Art. 104. A validade do negócio jurídico requer:

I - agente capaz;

II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável;

III - forma prescrita ou não defesa em lei.

Comentário (p. 85):

É imprescidível a todo negócio jurídico, embora a lei não o haja mencionado, a manifestação da vontade. Assim também a capacidade do agente, pois, se absolutamente incapaz, acarretará a nulidade absoluta (art. 166 e 167) e, se relativamente incapaz, a nulidade relativa (art. 171, I). Isso não significa que os incapazes não podem realizar negócio jurídico; poderão fazê-lo representados ou assistidos (art. 115 e segs.). Não se confunde, porém, capacidade com legitimação, porque, para certos negócios, além daquela, o sujeito deverá preencher algum requisito especial, como a outorga uxória na venda de bens imóveis (Art. 1.647), ou não incorrer em impedimento (art. 497). O objeto haverá de ser lícito, ou seja, não proibido por lei, nem contrário à ordem pública, à moral ou aos bons costumes. Não pode, também, consubstanciar prestação fisicamente impossível ou se referir a coisa inexistente ou insuscetível de determinação. A impossibilidade aqui referida tem de ser absoluta, isto é, não realizável por qualquer pessoa (veja art. 106).

Art. 106. A impossibilidade inicial do objeto não invalida o negócio jurídico se for relativa, ou se cessar antes de realizada a condição a que ele estiver subordinado.

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41
Q

Em que hipóteses o silêncio importa anuência?

A

Art. 111. O silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa.

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42
Q

Podem as partes pactuar livremente as regras de interpretação dos negócios jurídicos, ainda que contrariem os da lei?

A

Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.

§ 1º A interpretação do negócio jurídico deve lhe atribuir o sentido que: (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

I - for confirmado pelo comportamento das partes posterior à celebração do negócio; (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

II - corresponder aos usos, costumes e práticas do mercado relativas ao tipo de negócio; (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

III - corresponder à boa-fé; (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

IV - for mais benéfico à parte que não redigiu o dispositivo, se identificável; e (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

V - corresponder a qual seria a razoável negociação das partes sobre a questão discutida, inferida das demais disposições do negócio e da racionalidade econômica das partes, consideradas as informações disponíveis no momento de sua celebração. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

§ 2º As partes poderão livremente pactuar regras de interpretação, de preenchimento de lacunas e de integração dos negócios jurídicos diversas daquelas previstas em lei. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

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43
Q

Os atos praticados pelo mandatário com excesso de poder vinculam o mandante?

A

Art. 118. O representante é obrigado a provar às pessoas, com quem tratar em nome do representado, a sua qualidade e a extensão de seus poderes, sob pena de, não o fazendo, responder pelos atos que a estes excederem.

Comentários (Rosenval, volume 4 - p. 917-919):

Apesar da naturla tentação de confundir abuso e excesso de poder, sobreleva perceber que são situações diversas.

Ocorre abuso de poder pelo mandatário quando ele, no desempenho de suas atividades, sem exceder os limites expressamente estabelecidos pelo mandante, atua contrariamente às instruções que lhe foram dada, implícita ou explicitamente, pelo outorgante.

Esse abuso de poder não concerne às relações estabelecidas entre o outorgado e os terceiros que com ele celebraram negócio jurídico, em face do contrato. Trata-se de um incidente na relação jurídica interna, travada entre o mandante e o mandatário apenas. Daí a assertiva de que no que concerne à pessoa com quem o mandatário negociou, não se configura abuso dos poderes, na medida em que o mandatário não extrapolou os poderes concedidos. Logo, o mandante permanece responsável pelas obrigações assumidas pelo mandatário.

Situação distinta ocorre quando o mandatário excede à limitação de poderes confiados pelo mandante. Em tal hipótese, o mandante não responde pelos atos praticados, uma vez que estará limitado pelo seu interesse, expressamente previsto na avença.

Sublinhe-se à saciedade: o mandante só fica vinculado aos atos praticados em seu nome pleo outorgado se observados os limites dos poderes conferidos pelo contrato de mandato, não respondendo pelo excesso de mandato. Trata-se de simples desdobramento da preservação de sua declaração de vontade, já que não pode se obrigar, ordinariamente, uma vez que pelo que não manifestou seu desejo.

Exemplificando, se um mandatário tinha poderes para alugar um determinado bem e o concedeu em comodato, extrapolou, visivelmente, os limites do contrato, não obrigando o mandante em relação ao terceiro.

No ponto, inclusive, a regra do art. 662 do Códex ampara a tese, confirmando que “os atos praticados por quem não tenha mandato, ou o tenha sem poderes suficientes, são ineficazes em relação àquele em cujo nome foram praticados”.

Observe-se que o ato praticado pelo mandatário com excesso de poder existe e é válido entre as parte celebrantes. E, mantendo o caminho, é eficaz entre ele também. Ou seja, é res inter alio acta; apenas não produzirá efeito jurídico sob a esfera de interesses do mandante, na medida em que extravasou os confins divisórios estabelecidos pelo contrato.

Conforme liçlão de GUSTAVO TEPEDINO, “a ausência de poder equivale à ausência de representação, sem a qual inexiste causa jurídica que legitime a assunção do vínculo diretamente pelo mandante”.

A orientação jurisprudencial confirma a inexistência de responsabilidade do mandante pelo excesso de poder do mandatário, salvo na hipótese de boa-fé de terceiro.

[…]

De qualquer forma, é absolutamente possível a convalidação (ratificação) do ato excessivo praticado pelo mandatário, de maneira expressa ou tácita, até mesmo em respeito ao caráter volitivo do negócio e homenageando a teoria do aproveitamento da vontade.

Ademais, em sendo caso de mandato aparente, é preciso reconhecer a necessidade de solução distinta, na medida em que um terceiro de boa-fé confiou na existência de poderes para que o mandatário praticasse atos vinculativos ao mandante, em face de circunstâncias externas (aparentes), decorrentes da atitude do próprio outorgante.

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44
Q

Em que consiste o mandato aparente?

A

A ausêncai de concessão de poderes ao terceiro, a rigor, isenta o mandante de qualquer responsabilidade, tornando-se imune aos vínculos e aos fatos praticados pelo mandatário.

Entrementes, prestando justa homenagem à boa-fé, que é pedra angular das relações privadas, o estudo do contrato de mandato não pode se afastar do princípio da notoriedade - notadamente, da conhecida teoria da aparência - protegendo juridicamente o terceiro de boa-fé.

Com isso, é possível sustenta que, se uma pessoa auta, aparentemente (aos olhos de todos), como se tivesse poderes para representar uma outra, é possível, hipotetivamente refletindo, sustentar a decorrência de responsabilidade civil, prestigiando o comportamente ético das partes (boa-fé objetiva) e resguardando a boa-fé (subjetiva) de terceiros.

Equivale dizer: pode haver celebração de um contrato de mandato não apenas de forma expressa, mas, também, de modo comportamental. E, assim, gerar a responsabilização de alguém cujo comportamento, comissivo ou omissivo, contribuiu para despertar em terceiros a justa expectativa de que um terceiro atuava em seu nome.

Quando a aparência de celebração de negócio é idônea por suscitar a confiança ou a representação mental, o criador desta situação concreta (aparente) está vinculado ao resultado. É a chamada teoria da aparência, que aqui ganha terminologia prórpia: mandato aparente.

Seria o caso do representante comercial, que, não raro, visita clientes e celebra contratos, vestido com uniforme da empresa, mas, de ordinário, sem apresentar contrato de mandato que estaria a lhe conferir poderes para tanto. Também é o caso do tercerio que adquiriu um bem do mandatário após a extinção do mandato, decorrente, por exemplo, de revogação ou morte desconhecida do adquirente. […]

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45
Q

O que são condições impróprias?

A

Art. 121. Considera-se condição a cláusula que, derivando exclusivamente da vontade das partes, subordina o efeito do negócio jurídico a evento futuro e incerto.

Comentários:

  • Para se caracterizar verdadeiramente a condição, distinguindo-a, também, da chamada condições impróprias, é preciso a concorrência dos seguintes elementos que emergem da definição legal: a) evento futuro, de que depende a eficácia do negócio; b) dependência da vontade e não diretamente da lei; c) incerteza da ocorrência do evento.

O evento a que se subordina a eficácia do negócio, não sendo futuro e incerto, desqualificar a condição, dizendo-se, então, imprópria quae ad praeteritum vvel praesens tempus referentum.

INTERNET:

Os três requisitos para a condição são: voluntariedade, futuridade e a incerteza.

a) Voluntariedade: a condição deve ser resultado da manifestação de vontade das partes (vontade unilateral ou bilateral). Deve ter sido inserida voluntariamente e expressamente no negócio jurídico, não se admitindo condição tácita ou presumida. Esta é a verdadeira condição, também denominada condição própria, e está regulada nos arts. 121 a 130 do Código Civil. Não deve ser confundida com a condição imprópria (também denominada condição legal ou conditio iuris), que nada mais é do que uma exigência legal (um requisito) para validade ou eficácia de um ato jurídico (p. ex.: a exigência de que o absolutamente incapaz seja representado nos atos da vida civil; a exigência de que o pacto antenupcial seja feito mediante escritura pública etc.)
b) Futuridade: o segundo requisito da condição é que o evento do qual dependerá a eficácia do negócio jurídico seja futuro, isto é, seja um fato posterior à celebração do negócio.
c) Incerteza: este último requisito permite a distinção entre a condição (evento futuro e incerto) e o termo (evento futuro e certo).

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46
Q

É lícito colocar como condição em um contrato a proibição de uma pessoa de casar com outra?

A

Art. 122. São lícitas, em geral, todas as condições não contrárias à lei, à ordem pública ou aos bons costumes; entre as condições defesas se incluem as que privarem de todo efeito o negócio jurídico, ou o sujeitarem ao puro arbítrio de uma das partes.

Comentário:

Lícitas são as condições que não contrariam a lei ou os bons costumes, e ilícitas, aquelas que a lei e os bons constumes condenam. Trata-se de uma regra. Conhecida na doutrina como condição proibida é a cláusula si no nupseris, a que, todavia, se contrapõe haver nulidade apenas se a proibição de casar-se for absoluta e não apenas com certa ou determinada pessoa.

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47
Q

As condições incompreensíveis e as impossíveis invalidam os negócios jurídicos que lhes são subordinados?

A

Art. 123. Invalidam os negócios jurídicos que lhes são subordinados:

I - as condições física ou juridicamente impossíveis, quando suspensivas;

II - as condições ilícitas, ou de fazer coisa ilícita;

III - as condições incompreensíveis ou contraditórias.

Art. 124. Têm-se por inexistentes as condições impossíveis, quando resolutivas, e as de não fazer coisa impossível.

OU SEJA: as condições incompreensíveis sempre invalidam o negócio!!!

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48
Q

Como fica a situação do terceiro de boa-fé se configurada a hipótese do art. 126 do CC?

Art. 126. Se alguém dispuser de uma coisa sob condição suspensiva, e, pendente esta, fizer quanto àquela novas disposições, estas não terão valor, realizada a condição, se com ela forem incompatíveis.

A

Art. 126. Se alguém dispuser de uma coisa sob condição suspensiva, e, pendente esta, fizer quanto àquela novas disposições, estas não terão valor, realizada a condição, se com ela forem incompatíveis.

Comentários:

Em relação ao terceiro de boa-fé, a superveniÊncia da condição não o prejudica, em regra, de modo que ficam salvos os negócios sobre bens fungíveis e móveis em geral de boa-fé adquiridos, e imóveis, se no registro não contiver menção à cláusual de condição. Também não interfere o implemento de condição sobre os frutos percebidos.

Responderá, porém, a parte por perdas e danos se, realizado ato de disposição incompatível com a condição entabulada, não puder restabelecer a integralidade do negócio firmado.

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49
Q

Qual a diferença entre termo e condição?

A

Termo é o momento a partir do qual tem início (dies a quo) ou se extingue (dies ad quem) uma relação de direito. Difere da condição porque, enquanto esta ´futura e incerta, o termo é evento futuro e certo. Pode, entretanto, não se conhecer o momento em que ocorrerá, como é o caso do evento morte de uma pessoa, daí dizer-se equivocamente “termo incerto”, que, na verdade, é, apenas, indeterminado ou impreciso.

O termo inicial suspende o exercício, mas não a aquisição do direito, que suspende a aquisição e o exercício do direito (art. 125).

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50
Q

Como se dá a contagem de prazos no CC? É a mesma do Direito Penal?

A

CC:

Art. 132. Salvo disposição legal ou convencional em contrário, computam-se os prazos, excluído o dia do começo, e incluído o do vencimento.

§ 1º Se o dia do vencimento cair em feriado, considerar-se-á prorrogado o prazo até o seguinte dia útil.

§ 2º Meado considera-se, em qualquer mês, o seu décimo quinto dia.

§ 3º Os prazos de meses e anos expiram no dia de igual número do de início, ou no imediato, se faltar exata correspondência.

§ 4º Os prazos fixados por hora contar-se-ão de minuto a minuto.

CP:

Art. 10 - O dia do começo inclui-se no cômputo do prazo. Contam-se os dias, os meses e os anos pelo calendário comum.

Comentários ao CP:

Ao contrário do que ocorre com os prazos processuais (art. 798, pár. 1, CPP), os penais são fatais e improrrogáveis e na sua contagem o dia do começo inclui-se no cálculo. Tal forma de contagem aplica-se a todos os prazos da lei material (ou predominantemente material), tais como os de duração das penas, do sursis, do livramente condicional, da prescrição, da decadência etc.

A diferença na contagem dos prazos foi fixada apenas e tão somente para favorer o réu. Na contagem dos prazos processuais, não se considerando o dia de inívcio, dá-se ao agente “um dia a mais” para lançar mão da providência processual adequada. Em contrapartida, como os prazo penais sempre correm em favor do réu, começam a ser contados um dia antes, sem possibilidade de prorrogação. Assim, se a prescrição se verifica no dia 22 de agosto, um domingo, será este o marco da extinção da punibilidade do Estado, por favorecer o agente.

Para a contagem de prazo, utiliza-se o calendário gregoriano. Um mês de prazo vai de determinado dia à véspera do mesmo dia do mês subsequente e, da mesma forma, um ano é contado de certo dia à véspera do direta idêntico no mesmo mês do ano seguinte.

Exemplo: imaginemos que no dia 14 de setembro de 2010 ocorreu um crime de furto simples. Segundo a regra do art. 109, IV, a prescrição da pretensão punitiva em abstrato ocorrerá em 8 anos. Fazendo-se os cálculos, veremos que o último dia para o recebimento da denúncia será dia 13 de setembro de 2018, pois no dia 14 já estará operada a prescrição.

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51
Q

É encargo ilícito invalida o negócio jurídico?

A

Art. 137. Considera-se não escrito o encargo ilícito ou impossível, salvo se constituir o motivo determinante da liberalidade, caso em que se invalida o negócio jurídico.

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52
Q

Para que o erro dê causa à anulabilidade do negócio, é necessário que seja escusável?

A

Art. 138. São anuláveis os negócios jurídicos, quando as declarações de vontade emanarem de erro substancial que poderia ser percebido por pessoa de diligência normal, em face das circunstâncias do negócio.

Comentário:

Não é necessário que o erro seja comum a ambas as partes nos negócios bilaterais, bastando que atinja a vontade de uma delas. Exige-se, todavia, que, no equívoco ou falta representação, possa incidir pessoa de diligência normal (vir medius), mas não é pacífico que deva ser escusável. Esse atributo, na verdade, varia de acordo com a pessoa que alega, não sendo escrusável o erro em matéria ténica ou profissional do eclarante, por exemplo. A exigência de que o erro seja escusável se justifica em benefício da confiança que deve estar presente nas relações jurídicas.

Flávio Tartuce:

De acordo com esse mesmo art. 138 do CC-2002, não mais interesse se o erro é escusável (justificável) ou não. Isso porque foi adotado pelo comando legal o princípio da confiança. Na sistemática do atual Código está valorizada a eticidade, motivo pelo qual, presente a falsa noção relevante, merecerá o negócio anulabilidade. A essa conclusão chegou o corpo de juristas que participou da I Jornada de Direito Civil, promovida pelo COnselho da Justiça Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça, com a aprovação do Enunciado n. 12, cuja redação merece destaque: “na sistemática do art. 138, é irrelevante ser ou não escusável o erro, porque o dispositivo adota o princípio da confiança”.

O enunciado doutrinário, pelo menos aparentemente, encerra a discussão anterior sobre a necessidade de o erro ser justificável. SObre o tema, o Professor da USP José Fernando SImão escreveu profundo artigo, concluinso que o erro não precisa ser escusável, bastanto a congnoscibilidade, o conhecimento do vício por aquele a quem se fez a declaração, o que aproxima o erro do dolo. Para amparar suas conclusões, Simão cita os entendimento de Sílvio Salvo Venosa, Inácio de Carvalho Neto, Gustavo Tepedino, Heloísa Hele Barboza e Maria Celina Bodin de Moraes, contra a necessidade de escusabilidade do erro. Como não poderia ser diferente,é de se concordar integralmente com essa corrente, diante da notória valorização da boa-fé objetiva.

De qualquer forma, é apontado que a questão está longe de ser pacífica, eis que juristas como Maria Helena Diniz, Sílvio Rodrigues, J. M. Leoni Lopes de Oliveira, Carlos Roberto Gonçalves, álvaro Villaça Azevedo e Fracisco Amaral ainda concluem que, necessariamente para a anulação de um negócio jurídico, o erro deve ser escusável ou justificável. Aliás, quando da tramitação do anteprojeto que gerou o atual Código Civil, a questão foi amplamente debatida por Moreira Alves e Clóvis do Couto e Silva.

Vejamos um exemplo para demonstrar como o erro não precisa ser mais escusável, o que ampara a primeira corrente, consubstanciada no enunciado doutrinário. Imagine-se que um jovem estudante recém-chegado do interiro de Minas Gerais a São Paulo vá até o Viaduto do Chá, no centro da Capital. Lá, na ponta do viaduto, encontra um vendedor - na verdade, um ambulante que vende pilhas - com uma plava “Vende-se”. O estudante mineiro então paga R$ 5.000,00 pensando que está comprando o viaduto, e a outra parte nada diz. No caso descrito, o erro é muito grosseiro, ou seja, não é escusável, e, pela sistemática anterior, a venda não poderia ser anulada. Mas, pela nova visão do instituto, caberá a anulação, mormente porque a outra parte, ciente do erro, permaneceu em silência, recebendo o dinheiro. Ora, se a lei protege quem comete um erro justificável, muito mais deve proteger aquele que pratica o erro inescusável, diante da proteção do portador da boa-fé.

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53
Q

Em que consiste o erro de direito?

A

Art. 139. O erro é substancial quando:

I - interessa à natureza do negócio, ao objeto principal da declaração, ou a alguma das qualidades a ele essenciais;

II - concerne à identidade ou à qualidade essencial da pessoa a quem se refira a declaração de vontade, desde que tenha influído nesta de modo relevante;

III - sendo de direito e não implicando recusa à aplicação da lei, for o motivo único ou principal do negócio jurídico.

Comentários:

O erro de direito não era previsto no CC-1916. A inovação, porém, não conflita com o art. 3 da Lindb (“ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece”), pois a hipótese do art. 139, III, é a de ideia equivocada sobre as consequências jurídicas da norma. Necessário, todavia, que o erro tenha sido o motivo único ou o principal do negócio.

O erro de direito, todavia, não pode ser alegado, para anular transação, “a respeito das questões que foram objeto de controvérsia entre as partes” (art. 849, parágrafo único).

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54
Q

O falso motivo pode caracterizar erro e levar, consequentemente, à anulabilidade do negócio jurídico?

A

Art. 140. O falso motivo só vicia a declaração de vontade quando expresso como razão determinante.

Flávio Tartuce (p. 264-265):

O motivo de um negócio jurídico pode ser conceituado como sendo a razão pessoal da sua celebração, estando no seu plano subjetivo. Ensina Zeno Veloso, citand Clóvis Beviláqua, que, “os motivos do ato são do domínio da psicologia e da moral. O direito não os investiga, nem lhes sofre influência; exceto quando fazem parte integrante do ato, quer apareçam como razão dele, quer como condição de que ele dependa”. O motivo, portanto, diferencia-se da causa do negócio, que está no plano objetivo. Ilustrando, quando se analisa um contrato de compra e venda, a causa é a transmissão da propriedade. Os motivos podem ser os mais variados, de ordem pessoal das partes: o preço está bom, o imóvel é bem localizado, o comprador quer comprá-lo para presentera alguém etc.

Assim sendo, o falso motivo, por regra, não pode gerar a anulabilidade do negócio, a não ser que seja expresso como razão determinatne do negócio, regra essa que consta do art. 140 do CC. esse dispositivo trata do erro quanto ao fim colimado, que não anula o negócio. Ilustra-se com o caso da pessoa que compra um veículo para presentear uma filha. Na véspera da data festiva descobre o pai que o aniversáio é do seu filho. Tal motivo, em regra, não pode gerar a anulabilidade do contrato de compra e venda desse veículo. O objetivo da compra era presentear um dos filhos, não importante àquele que vendeu o bem qual deles seria presenteado.

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55
Q

O erro de cálculo autoriza a anulação do negócio?

A

Art. 143. O erro de cálculo apenas autoriza a retificação da declaração de vontade.

Comentários:

Em situações de evidente engano ou de lapso ostensivo, o mesmo raciocínio deve ser aplicado ao erro de escrita, embora sem previsão expressa da lei (art. 4 da LINDB).

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56
Q

O dolo do representante na celebração de negócio com terceiro implica responsabilidade para o representado?

A

Art. 149. O dolo do representante legal de uma das partes só obriga o representado a responder civilmente até a importância do proveito que teve; se, porém, o dolo for do representante convencional, o representado responderá solidariamente com ele por perdas e danos.

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57
Q

No caso de anulação do negócio por estado de perigo, como se estabelece o retorno ao status quo?

A

Art. 156. Configura-se o estado de perigo quando alguém, premido da necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa.

Parágrafo único. Tratando-se de pessoa não pertencente à família do declarante, o juiz decidirá segundo as circunstâncias.

Comentários:

Tendo o Código estabelecido a consequência da nulidade relativa, caso tenha havido efetiva e necessária prestação de serviço, não prevalecerá o valor pecuniário acordado, mas haverá direito ao ressarcimento, que deve ser arbitrado.

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58
Q

Para que a lesão se caracterize, é necessário que a necessidade ou inexperiência da parte prejudicada seja do conhecimento da outra?

A

Não se exige o conhecimento das circunstâncias pelo beneficiário, bastando o prejuízo do lesado. Diz Moreira Alves que, “ao contrário do que ocorre com o estado de perigo em que o beneficiário tem de conhecê-lo, na lesão o próprio conhecimento é indiferente para que ela se configure”.

Art. 157. Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta.

§ 1 o Aprecia-se a desproporção das prestações segundo os valores vigentes ao tempo em que foi celebrado o negócio jurídico.

§ 2 o Não se decretará a anulação do negócio, se for oferecido suplemento suficiente, ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito.

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59
Q

Qual é a função do art. 160 do Código Civil?

Art. 160. Se o adquirente dos bens do devedor insolvente ainda não tiver pago o preço e este for, aproximadamente, o corrente, desobrigar-se-á depositando-o em juízo, com a citação de todos os interessados.

Parágrafo único. Se inferior, o adquirente, para conservar os bens, poderá depositar o preço que lhes corresponda ao valor real.

A

Em se tratando de negócio a título oneroso, pode o adquirente forrar-se da anulação se depositar em juízo o preço ainda não pago, desde que este seja próximo ao do mercado. É cabível a ação de consignação em pagamento (art. 335). Se o preço for inferior, desejando o adquirente conservar o bem, poderá depositar o valor real correspondete.

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60
Q

O art. 161 prevê uam hipótese de litisconsórcio passivo necessário? O terceiro adquirente de boa-fé pode ser responsabilizado?

Art. 161. A ação, nos casos dos arts. 158 e 159, poderá ser intentada contra o devedor insolvente, a pessoa que com ele celebrou a estipulação considerada fraudulenta, ou terceiros adquirentes que hajam procedido de má-fé.

Art. 158. Os negócios de transmissão gratuita de bens ou remissão de dívida, se os praticar o devedor já insolvente, ou por eles reduzido à insolvência, ainda quando o ignore, poderão ser anulados pelos credores quirografários, como lesivos dos seus direitos.

§ 1 o Igual direito assiste aos credores cuja garantia se tornar insuficiente.

§ 2 o Só os credores que já o eram ao tempo daqueles atos podem pleitear a anulação deles.

Art. 159. Serão igualmente anuláveis os contratos onerosos do devedor insolvente, quando a insolvência for notória, ou houver motivo para ser conhecida do outro contratante.

A

Art. 161. A ação, nos casos dos arts. 158 e 159, poderá ser intentada contra o devedor insolvente, a pessoa que com ele celebrou a estipulação considerada fraudulenta, ou terceiros adquirentes que hajam procedido de má-fé.

Comentários:

Há litisconsórcio passivo necessário e unitário entre o devedor insolvável e a pessoa que com ele contratou na estipulação considerada fraudulente (Art. 114 do CPC-2015).

Já o terceiro que vier a adquirir a título oneroso somente será sujeito passivo se houver alegação de sua má-fé. Não comprovada a má-fé deste, resolver-se-á em perdas e danos o negócio celebrado entre o insovável e a pessoa que com este houver contratado. O terceiro adquirente a título gratuito, ainda que de boa-fé, poderá ser demandado.

STJ:

DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. AÇÃO PAULIANA. SUCESSIVAS ALIENAÇÕES DE IMÓVEIS QUE PERTENCIAM AOS DEVEDORES. ANULAÇÃO DE COMPRA DE IMÓVEL POR TERCEIROS DE BOA-FÉ. IMPOSSIBILIDADE. LIMITAÇÃO DA PROCEDÊNCIA AOS QUE AGIRAM DE MÁ-FÉ, QUE DEVERÃO INDENIZAR O CREDOR PELA QUANTIA EQUIVALENTE AO FRAUDULENTO DESFALQUE DO PATRIMÔNIO DO DEVEDOR. PEDIDO QUE ENTENDE-SE IMPLÍCITO NO PLEITO EXORDIAL.
1. A ação pauliana cabe ser ajuizada pelo credor lesado (eventus damni) por alienação fraudulenta, remissão de dívida ou pagamento de dívida não vencida a credor quirografário, em face do devedor insolvente e terceiros adquirentes ou beneficiados, com o objetivo de que seja reconhecida a ineficácia (relativa) do ato jurídico - nos limites do débito do devedor para com o autor -, incumbindo ao requerente demonstrar que seu crédito antecede ao ato fraudulento, que o devedor estava ou, por decorrência do ato, veio a ficar em estado de insolvência e, cuidando-se de ato oneroso - se não se tratar de hipótese em que a própria lei dispõe haver presunção de fraude -, a ciência da fraude (scientia fraudis) por parte do adquirente, beneficiado, sub-adquirentes ou sub-beneficiados.
2. O acórdão reconhece que há terceiros de boa-fé, todavia, consigna que, reconhecida a fraude contra credores, aos terceiros de boa-fé, ainda que se trate de aquisição onerosa, incumbe buscar indenização por perdas e danos em ação própria. Com efeito, a solução adotada pelo Tribunal de origem contraria o artigo 109 do Código Civil de 1916 - correspondente ao artigo 161 do Código Civil de 2002 - e também afronta a inteligência do artigo 158 do mesmo Diploma - que tem redação similar à do artigo 182 do Código Civil de 2002 -, que dispunha que, anulado o ato, restituir-se-ão as partes ao estado, em que antes dele se achavam, e não sendo possível restituí-las, serão indenizadas com o equivalente.
3. “Quanto ao direito material, a lei não tem dispositivo expresso sobre os efeitos do reconhecimento da fraude, quando a ineficácia dela decorrente não pode atingir um resultado útil, por encontrar-se o bem em poder de terceiro de boa-fé. Cumpre, então, dar aplicação analógica ao artigo 158 do CCivil [similar ao artigo 182 do Código Civil de 2002], que prevê, para os casos de nulidade, não sendo possível a restituição das partes ao estado em que se achavam antes do ato, a indenização com o equivalente. Inalcançável o bem em mãos de terceiro de boa-fé, cabe ao alienante, que adquiriu de má fé, indenizar o credor.” (REsp 28.521/RJ, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 18/10/1994, DJ 21/11/1994, p.
31769) 4. Recurso especial parcialmente provido.
(REsp 1100525/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 16/04/2013, DJe 23/04/2013)

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61
Q

É viável a anulação de negócio celebrado com pessoa cuja incapacidade somente foi declarada posteriormente?

A

Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando:

I - celebrado por pessoa absolutamente incapaz;

II - for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto;

III - o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito;

IV - não revestir a forma prescrita em lei;

V - for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade;

VI - tiver por objetivo fraudar lei imperativa;

VII - a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção.

Comentários:

Especial dificuldade existe na verificação da fraude à lei, porquanto a violação, nesse caso, é sub-reptícia. […]

Igualmente difícil é a questão quando se trata de negócio realizado por incapaz que ainda não sofreu interdição. Sendo interdito por incapacidade absoluta, não há dúvida, o negócio é nulo. Se, porém, o agente se acha em estado de regressão, sendo impossível ou dificultoso comprovar-se a deficiência mental, o negócio deve ser preservado, para a proteção da boa-fé do outro contratante. Já se a insanidade é notócio, ou conhecida do outro contratante, será anulado. Em síntese, antes da interdição, presume-se a capacidade.

Igualmente difícil é a questão quando

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62
Q

Cite um exemplo de nulidade do negócio por fraude a lei.

A

Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando:

I - celebrado por pessoa absolutamente incapaz;

II - for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto;

III - o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito;

IV - não revestir a forma prescrita em lei;

V - for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade;

VI - tiver por objetivo fraudar lei imperativa;

VII - a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção.

Comentários:

Assinala Alvino Lima que “no ato contrário à lei existe um contraste imediato e direto entre o resultado do negócio e o conteúdo da proibição legal, ao passo que a fraus legi pressupõe um itinerário indireto, mediante a degradação do negócio principal a simples instrumento, para conseguir o fim ulterior consistente na frustração da proibição”. Exemplo desse itinerário indireto é o contrato de compra e venda, para furtar-se à proibição do pacto comisório na hipotece (art. 1.428 do CC).

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63
Q

Terceiro de boa-fé podem ser atingidos pela declaração de nulidade do negócio jurídico por simulação?

A

Art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma.

§ 2 o Ressalvam-se os direitos de terceiros de boa-fé em face dos contraentes do negócio jurídico simulado.

Comentários:

Terceiros de boa-fé não terão prejudicados seus direitos, se verificada a simulação, embora esta determine a nulidade absoluta, com efeito ex tunc.

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64
Q

A confirmação do negócio jurídico anulável exige a mesma forma desse negócio?

A

Art. 173. O ato de confirmação deve conter a substância do negócio celebrado e a vontade expressa de mantê-lo.

Comentários:

Trata-se de confirmação expressa.

Embora não se exija a reprodução integral dos termos do negócio, nem que se esclareça o motivo que daria ensejo à sua anulação, o ato de confirmar deve conter as cláusulas principais que caracterizam o negócio confirmado e a vontade expressa de mantê-lo.

Quanto à forma, terá de seguir a mesma do negócio confirmado, sendo, pois, daquela que exige escritura pública, será esta da substância do ato.

Art. 176. Quando a anulabilidade do ato resultar da falta de autorização de terceiro, será validado se este a der posteriormente.

Art. 220. A anuência ou a autorização de outrem, necessária à validade de um ato, provar-se-á do mesmo modo que este, e constará, sempre que se possa, do próprio instrumento.

Comentários:

Quando o negócio jurídico for anulável por falta de autorização de tercerio (ex.: art. 496), esta poderá ser concedida posteriormente, com o que o vício ficará sanado. A anuêncai terá de observar a mesma forma do negócio confirmado, logo, se esta exigir escritura pública, também a anuência deverá ser dada por escritura pública (art. 220 do CC).

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65
Q

A anulabilidade do negócio atinge todos os contratantes ou apenas aqueles que o tenham postulado?

A

Art. 177. A anulabilidade não tem efeito antes de julgada por sentença, nem se pronuncia de ofício; só os interessados a podem alegar, e aproveita exclusivamente aos que a alegarem, salvo o caso de solidariedade ou indivisibilidade.

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66
Q

Para terceiros prejudicados (como no caso de compra e venda entre ascendente e descendente), qual é o termo inicial do prazo decadencial para postular a anulação de negócio jurídico?

A

Enunciado 538 da CJF: No que diz respeito a terceiros eventualmente prejudicados, o prazo decadencial de que trata o art. 179 do Código Civil não se conta da celebração do negócio jurídico, mas da ciência que dele tiverem.

Justificativa

O art. 178 do Código Civil, embora estabeleça o mesmo prazo decadencial para todos os casos de anulabilidade previstos, de forma agrupada, no art. 171, ou seja, 4 (quatro) anos, prevê termos iniciais distintos, a depender da hipótese versada. Assim é que, havendo erro, dolo, fraude contra credores, estado de perigo ou lesão, o prazo para pleitear a anulação se conta da celebração do negócio jurídico. Já na hipótese de coação, o prazo tem início no “dia em que ela cessar”, ao passo que, em se tratando de ato praticado por incapaz, o dies a quo é o da cessação da incapacidade. O art. 179, por seu turno, versando sobre os demais casos de anulabilidade dispersos pelo código, unifica não apenas o prazo para demandar a anulação - 2 (dois) anos -, mas também seu termo a quo, que coincidirá, em todas aquelas hipóteses, com a “data da conclusão do ato”, salvo disposição legal em contrário. Sucede que, entre as anulabilidades espalhadas pelo Código, há aquelas que resultam da proteção dispensada a interesses de terceiros não envolvidos na celebração do negócio jurídico. É o que ocorre, v.g., na venda de ascendente a descendente sem a anuência dos demais descendentes do alienante (CC/2002, art. 496). Ora, exatamente porque os descendentes, enquanto vivo o autor da herança, não são credores dos respectivos quinhões (tendo, em relação a estes, apenas expectativa), não se pode exigir deles nenhuma postura de “vigilância” sobre os atos de seus ascendentes. Daí não ser incomum que a celebração de compra e venda com infringência ao art. 496 do Código Civil apenas venha ao conhecimento dos prejudicados anos depois, quando da abertura da sucessão. Frustra-se, assim, por inação, que não se pode imputar a eventual desídia dos interessados, a finalidade da regra. Desse modo, a fim de resguardar a efetividade dos dispositivos legais a que se aplica o prazo decadencial previsto no art. 179 do Código Civil, é razoável e conveniente que se lhe dê a interpretação proposta.

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67
Q

Qual é a diferença entre prescrição nuclear e prescrição parcelar?

A

Quando o direito se dividir em contas periódicas, distingue-se a prescrição nuclear, ou de fundo de direito, da prescrição parcelar. Assim, enquanto não for negado o próprio direito, sujeitam-se a prescrição somente as parcelas (art. 3 do Decreto 20.9010\1932), salvo que a própria lei pode estabelecer a imprescritibilidade do próprio direito, fazendo a prescrição incidir apenas sobre as parcelas (art. 104 da Lei 8.213\91). No caso de créditos resultantes de relações de trabalho, a prescrição parcelar é quinquenal, todavia, ocorrerá a prescrição nuclear “dois anos após a extinção do cotnrato de trabalho” urbano ou rural. (art. 7, XXIX, da CF).

Art. 104. As ações referentes à prestação por acidente do trabalho prescrevem em 5 (cinco) anos, observado o disposto no art. 103 desta Lei, contados da data:

I - do acidente, quando dele resultar a morte ou a incapacidade temporária, verificada esta em perícia médica a cargo da Previdência Social; ou

II - em que for reconhecida pela Previdência Social, a incapacidade permanente ou o agravamento das seqüelas do acidente.

Art. 3º Quando o pagamento se dividir por dias, meses ou anos, a prescrição atingirá progressivamente as prestações à medida que completarem os prazos estabelecidos pelo presente decreto.

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68
Q

Indique as hipóteses de impedimento do curso do prazo prescricional elencadas pelo CC?

A

Art. 197. Não corre a prescrição:

I - entre os cônjuges, na constância da sociedade conjugal;

II - entre ascendentes e descendentes, durante o poder familiar;

III - entre tutelados ou curatelados e seus tutores ou curadores, durante a tutela ou curatela.

Art. 198. Também não corre a prescrição:

I - contra os incapazes de que trata o art. 3 o ;

II - contra os ausentes do País em serviço público da União, dos Estados ou dos Municípios;

III - contra os que se acharem servindo nas Forças Armadas, em tempo de guerra.

Art. 199. Não corre igualmente a prescrição:

I - pendendo condição suspensiva;

II - não estando vencido o prazo;

III - pendendo ação de evicção.

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69
Q

A suspensão da prescrição em favor de um credor solidário beneficia os demais?

A

Art. 201. Suspensa a prescrição em favor de um dos credores solidários, só aproveitam os outros se a obrigação for indivisível.

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70
Q

A propositura de ação do devedor contra o credor para questionar o débito interrompe a prescrição?

A

Art. 202. A interrupção da prescrição, que somente poderá ocorrer uma vez, dar-se-á:

I - por despacho do juiz, mesmo incompetente, que ordenar a citação, se o interessado a promover no prazo e na forma da lei processual;

Enunciado 416 da CJF:

A propositura de demanda judicial pelo devedor, que importe impugnação do débito contratual ou de cártula representativa do direito do credor, é causa interruptiva da prescrição.

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71
Q

Qual é a melhor interpretação do trecho “somente poderá ocorre uma vez” contido no art. 202 do CC?

A

Segundo o texto legal, a interrupção só pode ocorrer uma vez, e essa inovação diante do que dispunha o Código anterior, mas que já constava do Decreto 20.910\32 (Art. 8), objetiva “não eternizarem as interrupções de prescrição (Moreira Alves). Uma dificuldade, porém, necessita ser contornada, pois, interrompida a prescrição por um dos modos previstos nos incisos II e VI, seria inconcebível entender que, voltando a correr, na conformidade do parágrafo único, não mais fosse detida com o despacho ordenatório da citação (inciso I), levando, eventualmente, à consumação no curso do processo, ainda que a parte nele fosse diligente. Assim, é compreensível que a interrupção por uma só vez diz respeito, apenas, às causas dispostas nos inciso II e VI, de modo que, em qualquer hipótese, fica ressalvada a interrupção fundada no inciso I.

Art. 202. A interrupção da prescrição, que somente poderá ocorrer uma vez, dar-se-á:

I - por despacho do juiz, mesmo incompetente, que ordenar a citação, se o interessado a promover no prazo e na forma da lei processual;

II - por protesto, nas condições do inciso antecedente;

III - por protesto cambial;

IV - pela apresentação do título de crédito em juízo de inventário ou em concurso de credores;

V - por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor;

VI - por qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe reconhecimento do direito pelo devedor.

Parágrafo único. A prescrição interrompida recomeça a correr da data do ato que a interrompeu, ou do último ato do processo para a interromper.

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72
Q

Terceiro com interesse moral no restabelecimento do direito violado pode interromper a prescrição?

A

Art. 203. A prescrição pode ser interrompida por qualquer interessado.

Comentários:

Não só o titular do direito pode interromper a prescrição, mas todo aquele que tiver interesse material ou moral na interrupção poderá promovê-la.

Entre os interessados acham-se os assistentes dos relativamente incapazes (contra os absolutamente incapazes não corre prescrição), os representantes das pessoas jurídicas (art. 195) ou os representantes em geral, legais ou convencionais. Segundo Arnaldo Rizzardo, “quanto ao terceiro com legítimo interesse, então o fiador e o avalista de uma pessoa que tem um crédito a receber, e a pessoa que é credora de um terceiro cujo direito sobre um bem corre o risco de perder-se pela prescrição”.

No campo dos que podem ter interesse moral, inclui Maria Helena Diziz o cônjuge, o companheiro, ascendentes do titular da pretensão etc.

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73
Q

A interrupção da prescrição por um dos credores solidários aproveita aos demais? A interrupção operada contra um dos herdeiros do devedor solidário afeta os outros herdeiros ou devedores?

A

Interrupção:

Art. 204. A interrupção da prescrição por um credor não aproveita aos outros; semelhantemente, a interrupção operada contra o co-devedor, ou seu herdeiro, não prejudica aos demais coobrigados.

§ 1 o A interrupção por um dos credores solidários aproveita aos outros; assim como a interrupção efetuada contra o devedor solidário envolve os demais e seus herdeiros.

§ 2 o A interrupção operada contra um dos herdeiros do devedor solidário não prejudica os outros herdeiros ou devedores, senão quando se trate de obrigações e direitos indivisíveis.

§ 3 o A interrupção produzida contra o principal devedor prejudica o fiador.

Suspensão:

Art. 201. Suspensa a prescrição em favor de um dos credores solidários, só aproveitam os outros se a obrigação for indivisível.

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74
Q

O prazo prescricional da pretensão relativa à tutela é de quanto anos e tem que fato como marco inicial?

A

Art. 206. Prescreve:

§ 4 o Em quatro anos, a pretensão relativa à tutela, a contar da data da aprovação das contas.

OBS:

É a única pretensão cujo prazo prescricional é de quatro anos.

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75
Q

A decadência convencional pode ser alegada em qualquer grau de jurisdição?

A

Art. 211. Se a decadência for convencional, a parte a quem aproveita pode alegá-la em qualquer grau de jurisdição, mas o juiz não pode suprir a alegação.

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76
Q

Admite-se a renúncia à decadência?

A

Art. 209. É nula a renúncia à decadência fixada em lei.

Art. 191. A renúncia da prescrição pode ser expressa ou tácita, e só valerá, sendo feita, sem prejuízo de terceiro, depois que a prescrição se consumar; tácita é a renúncia quando se presume de fatos do interessado, incompatíveis com a prescrição.

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77
Q

O erro de direito pode ser invocado para anular confissão?

A

Art. 214. A confissão é irrevogável, mas pode ser anulada se decorreu de erro de fato ou de coação.

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78
Q

A forma exigível do negócio deve ser observada também no ato de anuência?

A

Art. 220. A anuência ou a autorização de outrem, necessária à validade de um ato, provar-se-á do mesmo modo que este, e constará, sempre que se possa, do próprio instrumento.

Comentários:

Há negócios jurídicos que a pessoa não pode realizar sem a anuência de outrem. Nesse rol encontram-se: alienar ou gravar com ônus real um imóvel, para quem seja casado, salvo no regime de separação absoluta de bens (Art. 1.647, I); a realização de negócio jurídico por relativamente incapaz (arts. 1.634, V, 1.747, I, e 1774); e a venda de ascendentes para descendente (Art. 496).

A forma exegível do negócio tem de ser observada na anuência e, sempre que possível, constará do mesmo instrumento, mas existindo, por outro lado, a possibilidade de validação posterior (art. 176).

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79
Q

O art. 234 do CC só fala na hipótese de a coisa se perder. É eele aplicável à hipótese em que a coisa sofre depreciação, ainda que diminuta?

Art. 234. Se, no caso do artigo antecedente, a coisa se perder, sem culpa do devedor, antes da tradição, ou pendente a condição suspensiva, fica resolvida a obrigação para ambas as partes; se a perda resultar de culpa do devedor, responderá este pelo equivalente e mais perdas e danos.

A

Art. 234. Se, no caso do artigo antecedente, a coisa se perder, sem culpa do devedor, antes da tradição, ou pendente a condição suspensiva, fica resolvida a obrigação para ambas as partes; se a perda resultar de culpa do devedor, responderá este pelo equivalente e mais perdas e danos.

Art. 235. Deteriorada a coisa, não sendo o devedor culpado, poderá o credor resolver a obrigação, ou aceitar a coisa, abatido de seu preço o valor que perdeu.

Comentários:

Este artigo [art. 234] cuida das hipóteses de obrigação de entrega de coisa certa que perece antes da tradição. Isto é, daquelas casos em que a obrigação de entregar ou restituir ainda não foi cumprida, mas o seu objeto, que é certo, se perde - por ato ilícito ou deterioração de qualquer origem. Segundo Caio Mário da Silva Pereira, “o conceito de perda para o direito é lado, e tanto abrange o seu desaparecimento total (interitus rei) quanto ainda o deixar de ter as suas qualidades essenciais, ou tornar-se indisponível, ou situar-se em lugar que se tornou inatigível, ou ainda de confundir-se com outra. Logo, as regras devem ter em vista a deterioração ponderável, não sendo curial a rejeição da coisa por danificação insignificante. A apreciação da ressalva é de se fazer em face das circunstâncias”.

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80
Q

Como se distingue obrigação de dar de obrigação de fazer?

A

Distinguem-se das obrigações de dar porque compreendem essa conduta humana como antecedente lógico d uma eventual obrigação de entrega. Nas obrigações de dar, essa entrega não é precedida de uma atividade humana consistente em fazer. A distinção, portanto, está posta no fazer, que não se identifica quando a obrigação é apenas de dar. É obrigação de fazer a de um cantor que comparece a determinado local no dia estabelecido para um espetáculo. Do mesmo modo, será de fazer a obrigação do pintor que entrega um quadro na data estabelecida. Neste último caso, a entrega do quadro pode caracterizar uma obrigação de dar, mas será de fazer em razão da atividade artística obrigatoriamente desenvolvida antes da entrega. Mas a obrigação será apenas de dar se a prestação consiste em entrega um veículo cujo preço já tenha sido recebido pelo vendedor. […] (p. 169).

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81
Q

Nas obrigações alternativa, se, por culpa do devedor, não se puder cumprir nenhuma das prestações, não competindo ao credor a escolha, ficará aquele obrigado a pagar o valor de qual prestação?

A

Art. 254. Se, por culpa do devedor, não se puder cumprir nenhuma das prestações, não competindo ao credor a escolha, ficará aquele obrigado a pagar o valor da que por último se impossibilitou, mais as perdas e danos que o caso determinar.

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82
Q

Se houver pluralidade de credores de uma obrigação indivisível, o devedor se desobriga dela pagando a apenas um dos credores?

A

Art. 260. Se a pluralidade for dos credores, poderá cada um destes exigir a dívida inteira; mas o devedor ou devedores se desobrigarão, pagando:

I - a todos conjuntamente;

II - a um, dando este caução de ratificação dos outros credores.

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83
Q

Falecendo um dos credores solidários, poderão seus herdeiros, em conjunto, exigir a dívida inteira?

A

Art. 270. Se um dos credores solidários falecer deixando herdeiros, cada um destes só terá direito a exigir e receber a quota do crédito que corresponder ao seu quinhão hereditário, salvo se a obrigação for indivisível.

Comentários:

Entre os herdeiros que sucedem ao credor solidário e os demais credores não se estabelece a solidariedade até então existente. Dessa modo, cada um dos herdeiro poderá, apenas, cobrar do devedor o valor do que lhe couber - ou seja, sua cota no valor da dívida. A exigência da integralidade da prestação só será possível se a prestação for indivisível, aplicando-se então à hipótese a regra do art. 260, que, como visto, exige que o deveodr, para exonerar-se da obrigação, pague a todos credores conjuntamente, ou exija caução daquele que recebe, assegurando o repasse do valor devido aos demais credores. Não há solidariedade entre os herdeiros e os cocredores solidários em relação ao credor falecido. A parte final do dispositivo apenas autoriza qualquer dos herdeiros a exigir a prestação por inteiro, em face de sua indivisibilidade, sem consaguar a solidariedade entre ele e os outros credores.

No caso de herdeiros de devedor solidário, é diferente:

Art. 276. Se um dos devedores solidários falecer deixando herdeiros, nenhum destes será obrigado a pagar senão a quota que corresponder ao seu quinhão hereditário, salvo se a obrigação for indivisível; mas todos reunidos serão considerados como um devedor solidário em relação aos demais devedores.

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84
Q

O devedor pode opor exceções pessoais que tiver contra um credor solidário contra os demais credores, em caso de propositura de ação por estes?

A

Art. 273. A um dos credores solidários não pode o devedor opor as exceções pessoais oponíveis aos outros.

Comentários:

Exceção é “a palavra técnica que tem hoje o significado de defesa, contrastando com a ação que é o ataque” (Gonçalves, Carlos Robero). Não pode ser conhecida de ofício, ao contrário do que se verifica com as objeções, de maneira que somente sua alegação pelo réu autoriza seu exame pelo juiz da causa. Exceção pessoal é aquela que se contrapõe a apenas um dos credores solidários, não alcançando os demais. Exceções comuns são aquelas que podem ser alegadas perante qualquer dos credores solidários. É o caso da nulidade do negócio, da exceção de inadimplemento ou de causas de adimplemento, como pagamento, novação, dação etc. (art. 304 e 388). A conclusão que este dispositivo permite, portanto, é que o devedor pode se defender perante todos os credores solidários com as exceções comuns e com as pessoais relativas a cada um deles. Destarte, se o devedor não puder ofertar exceção pessoal oponível a um dos credores solidários que ajuizou a demanda, estará obrigado a pagar aos que figuraram na demanda a cota indevida ao primeiro. Nesse caso, só lhe restará ajuizar ação específica ante o credor em relação ao qual dispunha de uma ação específica para receber a restituição do que indevidamente pagou aos demais. Caso, por exemplo, A, B e C sejam credores solidários de Y e somente A o tenha coagido a firmar o instrumento de confissão de dívida, sem que a coação seja conhecida pelos demais, Y não poderá invocar o defeito em ação ajuizada por B. Desse modo, poderá este receber a integralidade da dívida, cabendo a Y ajuizar ação ante o coator A, para receber o que indevidamente pagou. Não poderá, porém, nos termos do presente artigo, incocar a coação de A em relação a B, autor da ação. Observe-se que a solução encontraria equivalência com o disposto no art. 154 do CC, já que A deve ser considerado terceiro em relação ao negócio jurídico celebrado entre B, C e Y, pois os dois primeiro desconheciam a coação. É certo, contudo, que A fará jus ao recebimento de sua cota-parte recebida por B e C, pois a coação dirigiu-se a Y e não pode ser invocada pelos cocredores, para exclusir seu direito de crédito.

Art. 154. Vicia o negócio jurídico a coação exercida por terceiro, se dela tivesse ou devesse ter conhecimento a parte a que aproveite, e esta responderá solidariamente com aquele por perdas e danos.

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85
Q

Se, numa ação proposta contra um dos devedores solidários, se reconhece a prescrição, serão os demais devedores beneficiados por essa decisão?

A

EXECUÇÃO FISCAL ? PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE ? OCORRÊNCIA ? FAVORECIMENTO AOS DEMAIS RESPONSÁVEIS SOLIDÁRIOS.
1. O redirecionamento da execução contra o sócio deve ocorrer no prazo de cinco anos da citação da pessoa jurídica, de modo a não tornar imprescritível a dívida fiscal. Precedentes.
2. Se o pagamento da dívida por um dos sócios favorece aos demais, por igual razão a prescrição da dívida arguida por um dos sócios, e reconhecida pelo juízo competente, aproveita aos demais devedores solidários, nos termos do art. 125 do Código Tributário Nacional e arts. 274 e 275 do Código Civil.
Agravo regimental improvido.
(AgRg no REsp 958.846/RS, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/09/2009, DJe 30/09/2009)

Código Civil

Art. 274. O julgamento contrário a um dos credores solidários não atinge os demais; o julgamento favorável aproveita-lhes, a menos que se funde em exceção pessoal ao credor que o obteve.

Art. 275. O credor tem direito a exigir e receber de um ou de alguns dos devedores, parcial ou totalmente, a dívida comum; se o pagamento tiver sido parcial, todos os demais devedores continuam obrigados solidariamente pelo resto.

Código Tributário Nacional

“Art. 125. Salvo disposição de lei em contrário, são os seguintes os efeitos da solidariedade: I - o pagamento efetuado por um dos obrigados aproveita aos demais; II - a isenção ou remissão de crédito exonera todos os obrigados, salvo se outorgada pessoalmente a um deles, subsistindo, nesse caso, a solidariedade quanto aos demais pelo saldo; III - a interrupção da prescrição, em favor ou contra um dos obrigados, favorece ou prejudica aos demais.”

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86
Q

Impossibilitando-se a prestação por culpa de um dos devedores solidários, os autores poderão ser responsabilizados pelas perdas e danos?

A

Art. 279. Impossibilitando-se a prestação por culpa de um dos devedores solidários, subsiste para todos o encargo de pagar o equivalente; mas pelas perdas e danos só responde o culpado.

Art. 280. Todos os devedores respondem pelos juros da mora, ainda que a ação tenha sido proposta somente contra um; mas o culpado responde aos outros pela obrigação acrescida.

Comentários do art. 280:

A hipótese tratada neste artigo não se confunde com aquela de que cuida o artigo antecedente, pois aqui não se cuida exclusivamente de impossaibilidade da prestação. No caso desse dispositivo, a prestação pode também ter sido adimplida, mas não da forma e od modo devidos, incidendo juros de mora. Assim, trata-se de dispositivo que disciplina os casos em que incidem juros moratórios em dívida na qual exista solidariedade passiva. Esses juros são acessórios da obrigação principal - a prestação -, de maneira que a solidariedade a eles se estende. Mas o valor dos juros decorre da conduta culposa de um ou alguns dos devedores que a provocou, de maneira que caberá a este, ou a estes, indenizar os devedores não culpados pelo valor dos uros, ou seja, a obrigação acrescida. A regra não contempla outros prejuízos, que não sejam os juros. Assim, outros valores provenientes da mora serão de exclusiva responsabilidade do codevedor culpado (Art. 279 do CC). Inclusive os juros suplementares previstos no parárafo único do art. 404 do CC [“Provado que os juros da mora não cobrem o prejuízo, e não havendo pena convencional, pode o juiz conceder ao credor indenização suplementar”] não estão compreendidos nessa regra, pois não são juros de mora, expressão de conteúdo restritivo. Essa interpretação restritiva justifica-se também porque a regra a prevalecer é a da responsablidade subjetiva no que tange ao valor das perdas e danos (art. 279), de maneira que não se justifica interpretação ampliativa. Ora, se pelas perdas e danos decorrentes da impossibilidade da prestação só responde o devedor culpado (art. 279), nada justifica que pelas perdas e danos que resultem da mora outra seja a solução legal - salvo no que se refere aos juros, como já se viu.

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87
Q

Se um devedor solidário possui exceções pessoais contra o credor solidário, mas não foi incluído no polo passivo da ação movida pelo credor, ele poderá ser cobrado dos demais devedores solidário de sua cota-parte?

A

Art. 281. O devedor demandado pode opor ao credor as exceções que lhe forem pessoais e as comuns a todos; não lhe aproveitando as exceções pessoais a outro co-devedor.

Comentário:

O devedor demandado poderá deduzir em ação ajuizada pelo credor as exceções comuns e as que lhe forem pessoais. Contudo, não pode apresentar exceções que sejam pessoais para outros devedores. Nesse caso, o pagamento será integral, questionando-se as consequência jurídicas desse fato para o devedor que possui exceções pessoais insuscetíveis de alegação em virtude de ele não ter sido incluído na lide. O devedor solidário estará obrigado a responder pela integralidade da dívida, como decorre desse dispositivo. Terá, ainda, o direito de regresso contra o devedor que não figurou na demanda e que não teve oportunidade de opor ao credor a exceção pessoa de que dispunha em relção a ele. A este devedor restarão duas alternativas: a) voltar-se contra o credor para exercer seu direito - se houve coação, por exemplo, deve postular perda e danos (art. 154 do CC), admitindo-se que os outros devedores não tenham sabido da coação; e b) suportar o pagamento de sua cota-parte, sem possibilidade de postular a devolução do que lhe cabia do credor que a recebeu, se tal não for possível - como ocorre com a prescrição, consumada apenas em relação a ele, uma vez que nessa hipótese não lhe será dado postular a restituição (Caio Mário da Silva Pereira).

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88
Q

Dê um exemplo de alguma hipótese em que a natureza da obrigação impede a cessão de crédito.

A

Art. 286. O credor pode ceder o seu crédito, se a isso não se opuser a natureza da obrigação, a lei, ou a convenção com o devedor; a cláusula proibitiva da cessão não poderá ser oposta ao cessionário de boa-fé, se não constar do instrumento da obrigação.

Comentário:

[…] A proibição da cessão também pode decorrer da natureza da obrigação. É o que se verifica com o direito de alimentos devidos ao cônjuge em razão da separação e com os direitos da personalidade, que, nos termos do art. 11 do CC, não são transmissíveis. Observe-se que o que não se pode transmitir é o próprio direito, mas não o valor pecuniário dele decorrente. Se os alimentos foram pagos, ou se representam débito inadimplido, pode-se operar a transmissão sem prejuízo do objetivo legal: transmitir o direito peronalíssimo. Nessas hipóteses, o que se estará cedendo é apenas a expressão monetária decorrente do direito insuscetível de transferência […] (p. 211).

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89
Q

Quais são as principais diferentes entre sub-rogação e cessão de crédito?

A

Comentários ao art. 286:

Importante modalidade de transmissão de crédito é a sub-rogação, que pode ser definida como “a substitução do credor na titularidade do direito a uma prestação fungível, pelo terceiro que cumpre em lugar do devedor ou que faculta a este os meios necessário ao cumprimento (Antunes Varela). Embora seja um modo de transferir crédito, a sub-rogação está fundada no cumprimento, enquanto a cessão tem sua base jurídica em contrato celebrado entre o transmitente e o adquirente do crédito. Ademais, o sub-rogado só poderá receber do devedor aquilo que desembolsou, diversamente do que ocorre com o cessionário, que não enfrenta essa limitação. Observam-se, porém, que as regras aplicáveis à sub-rogação convencional são as mesmas da cessão de crédito, em face do disposto no art. 348 do CC.

Comentários ao art. 346:

A sub-rogação na posição do credor aproxima-se da cessão de crédito, mas são distintos porque nesta nem sempre haverá quitação, o que é imperioso na sub-rogação, em que o credor original tem seu crédito satisfeito. Os instituto, porém, são próximos quando se verifica que, assim como na sub-rogação, na cessão de crédito, os acessórios (frutos e garantias) seguem o principal, salvo disposição contrária. E, em ambas as figuras, não há necessidade de intervenção do devedor para validade do negócio, mas apenas para sua eficácia (art. 290). […]

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Q

Ocorrendo várias cessões do mesmo crédito, qual deverá prevalecer?

A

Art. 291. Ocorrendo várias cessões do mesmo crédito, prevalece a que se completar com a tradição do título do crédito cedido.

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91
Q

O cedente pode responder perante o cessionário caso o título cedido venha a ser anulado?

A

Art. 295. Na cessão por título oneroso, o cedente, ainda que não se responsabilize, fica responsável ao cessionário pela existência do crédito ao tempo em que lhe cedeu; a mesma responsabilidade lhe cabe nas cessões por título gratuito, se tiver procedido de má-fé.

Comentários:

O primeiro efeito da cessão é transferir para o cessionário a titularidade integral da relação jurídica, ou seja, do crédito e seus acessórios. A questão da garantia do crédito cedido é outro importante efeito da cessão. Consiste na obrigação do cedente de responder pela existência da dívida na época da realização do negócio. Compreendem-se na existência da dívida seus acessórios e garantia. Mas Renan Lotufo adverte que o dispositivo só se refere aos casos de nulidade, pois os negócios anuláveis são existentes para os efeitos desse artigo. No entanto, se o crédito cedido for anulado por ato imputável ao cedente e desconhecido ao cessionário, poderá este postular a resolução da cessão ou perdas e danos em relação ao primeiro por inadimplemento contratual. Por outro lado, se a razão da anulabilidade era desconhecida do cedente, ou se o cessionário concordou com o risco de anular-se o crédito cedido, a cessão deve subsistir. Mais uma vez, aproxima-se a cessão a título oneroso e a compra e venda. Nesta última, o vendedor deve fazer boa a coisa alienada; na primeira, o cedente é responsável pela existência do crédito no momento da realização do negócio. Essa garantia protege o cessionário das hipóteses em que ele não consegue a titularidade do crédito, ou, após consegui-la, vem a perdê-la por conduta imputável ao cedente. A responsabilidade pela existência do crédito, em se tratando de cessão grauita, só existe se o cedente houver procedido de má-fé, porque o cessionário, nessas hipóteses, não sofre nenhuma redução patrimonial, de modo que, inexistindo má-fé do cedente, não há razão para responsabilizá-lo pela inexistÊncia do crédito cedido. […]

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92
Q

Na assunção de dívida, se o credor assentir àsubstituição do devedor, poderá depois se voltar contra o devedor primitivo por conta da insolvência do novo devedor?

A

Art. 299. É facultado a terceiro assumir a obrigação do devedor, com o consentimento expresso do credor, ficando exonerado o devedor primitivo, salvo se aquele, ao tempo da assunção, era insolvente e o credor o ignorava.

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93
Q

Qual a consequência do não assentimento do credor na assunção de dívida? Admite o consentimento tácito?

A

Art. 299. É facultado a terceiro assumir a obrigação do devedor, com o consentimento expresso do credor, ficando exonerado o devedor primitivo, salvo se aquele, ao tempo da assunção, era insolvente e o credor o ignorava.Parágrafo único. Qualquer das partes pode assinar prazo ao credor para que consinta na assunção da dívida, interpretando-se o seu silêncio como recusa.

Comentários:

  • Assim, “enquanto não manifestado o assentimento do credor, o devedor primitivo encontra-se vinculado juridicamente a este, podendo dele ser exigido o pagamento do débito” (Mairan Maia). São requisitos da assunção de dívida o consentimento do credor e a existência e a validade da obrigação transferida (Cario Mário). Aparentemente, Arnaldo Rizzardo não concorda com essa posição. O consentimento do credor é sempre necessário, porque ele conta com o patrimônio do devedor para garantir o seu crédito. Desse modo, teria de suportar prejuízo se o devedor pudesse transferir o débito para terceiro insolvente. A ausência do referido consentimento implica a solidariedade do antigo devedor, que se mantém vinculado ao débito, como resulta da leitura do artigo em exame. Dessa modo, não havendo consentimento do credor, a assunção é válida e eficaz, mas não se reconhece a exoneração do antigo devedor. O referido consentimento pode se exteriorizar no momento da assunção ou osteriormente. O parágrafo único do art. 299 do CC-2002, em estudo, estabeleceu a possibilidade de o consentimento ser solicitado por notificação, mas negou a possibilidade de ele ser tácito, afastando a presunção a partir do silência do credor que não se manifesta no prazo que lhe for solicitado para recusar seu consentimento expressamente. Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho afirma que já na vigência do CCC-1916 não seria possível admitir anuência tácita. Renan Lotufo enfrenta a questão e sustenta que o comportamento concludente - de que trata Paulo da Motta Pinto -, consistente, por exemplo, em o credor receber pagamento parciais de terceiro, representa aceitação expressa, e não tácita, de modo que estaria incluída na disposição desse artigo em exame. Caio Mário da Silva Pereira afirma que o recebimento parcial de pagamentos ou juros caracterizará aceitação válida, ainda que a considere tácita, e não expressa - divergindo, nesse aspecto, de Renan Lotufo. (p. 243)
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94
Q

O terceiro não interessado pode fazer o pagamento da dívida com oposição do devedor?

A

Art. 304. Qualquer interessado na extinção da dívida pode pagá-la, usando, se o credor se opuser, dos meios conducentes à exoneração do devedor.

Parágrafo único. Igual direito cabe ao terceiro não interessado, se o fizer em nome e à conta do devedor, salvo oposição deste.

Art. 305. O terceiro não interessado, que paga a dívida em seu próprio nome, tem direito a reembolsar-se do que pagar; mas não se sub-roga nos direitos do credor.

Comentários:

[…]

O interesse jurídico referido não contempla
somente os que integrarem a relação jurídica es-tabelecida entre credor e devedor, mas também os que nela não figuram, embora possam supor-tar as consequências do inadimplemento. No pa-rágrafo único deste dispositivo, assegura-se ao terceiro não interessado o direito de valer-se dos mesmos meios necessários de que o devedor para extinguir a obrigação, desde que o faça em nome e à conta deste. O terceiro não interessado é o que não integra a relação jurídica a que o devedor se vincula e também não tem qualquer espécie de interesse jurídico no pagamento. Neste parágra-fo, admite-se a oposição do devedor ao pagamen-to a ser efetuado por terceiro não interessado em nome do próprio devedor. Significa dizer, por-tanto, que o devedor só pode opor-se ao paga-mento que o terceiro não interessado pretende efetuar em nome daquele, mas não ao terceiro vinculado juridicamente a sua obrigação ou ao não interessado que pague em seu próprio nome, isto é, em nome dele, terceiro, hipótese contem-plada no dispositivo seguinte. O devedor pode-rá se opor a este pagamento pretendido pelo ter-ceiro não interessado em nome dele, devedor, já que este é o titular do direito subjetivo de cum-prir pessoalmente a obrigação.

O pagamento efetuado pelo terceiro interes-sado implica sub-rogação, isto é, transmissão do crédito do credor originário ao terceiro que cum-pre a obrigação do devedor (art. 346, III, do CC). O devedor não cumpriu sua obrigação, embora o credor tenha recebido a satisfação de seu cré-dito. Deste modo, a dívida não foi extinta, mas transferida ao terceiro que a saldou. A oposição que o devedor pode apresentar ao pagamento do terceiro não interessado pode decorrer de seu in-teresse em quitar a dívida, mas também de ra-zões íntimas pelas quais considere inadmissível que alguém, por qualquer motivo, decida dar cumprimento à sua obrigação. É o caso do fiscal de rendas, ou de outro servidor público, que não tenha condições de cumprir determinada obri-gação, mas pretende impedir que o terceiro não interessado o faça em seu lugar, pretendendo as-segurar o respeito à sua reputação – imagine-se que o terceiro não interessado que deseja pagar sua dívida seja um conhecido contraventor.

A possibilidade de oposição ao pagamento
ofertado pelo terceiro não interessado em nome do devedor remete à seguinte reflexão: o credor é impedido de receber o crédito a que faz jus em decorrência da oposição do devedor? A resposta deve ser negativa, pois o credor não pode ver-se impedido de receber o que lhe é devido, ainda que terceiro não interessado pretenda pagá-lo. Aliás, solução contrária estaria em conflito com o tratamento dispensado à cessão do crédito. Ora, a aceitação da quitação do débito por terceiro não interessado – ainda que contrariando a oposição do devedor – seria possível por sub-rogação convencional do crédito (art. 347 do CC). O negócio seria válido e bastaria que o devedor original fosse notificado para que a cessão fosse eficaz em relação a ele (arts. 290 e 348 do CC).

Quais os efeitos, portanto, da oposição do de-vedor, se o credor pode recebê-lo a despeito de sua oposição? O primeiro deles, extraído da con-jugação do parágrafo único com o caput do artigo em exame, corresponde à impossibilidade de o terceiro não interessado valer-se dos meios con-ducentes à exoneração do devedor: caso o credor não queira receber e o devedor se oponha ao pa-gamento, o terceiro não interessado não pode va-er-se dos meios conducentes à exoneração, ainda que o faça em nome do devedor. O segundo efeito se verificará se o credor aceitar do terceiro não interessado o pagamento oferecido em nome do devedor que a ele se opõe. Desse modo, o pagamento será eficaz para desobrigar o devedor em relação ao credor, mas afastará o reconhecimento da liberalidade que a doutrina identifica nesses casos (martins-costa, Judith. Comentários ao novo Código Civil. Rio de Janeiro, Forense, 2003, v. V, t. I, p. 107. rodrigues, Sílvio. Direito ci­ vil. São Paulo, Saraiva, 2002, v. II, p. 127. rosen-vald, Nelson. Direito das obrigações. Niterói, Im-petus, 2004, p. 138).

Registre-se, porém, que a presunção de liberalidade não é a regra, pois o comum não é a doação, mas, sim, a onerosidade. A doutrina, porém, reconhece no parágrafo único em exame uma presunção de liberalidade em razão de dois fatos:

a) o art. 305 do CC só se refere ao direito de
ressarcimento do terceiro não interessado que paga em seu próprio nome, de modo que no caso do pagamento feito em nome do próprio deve-dor não haveria direito ao ressarcimento (rodri-gues, Sílvio. op. cit., p. 127); e

b) as liberalidades dependem de aceitação (arts. 385 e 539 do CC). Assim, a possibilidade de o de-vedor opor-se ao pagamento que o terceiro não interessado pretende efetuar em nome do primei-ro – acréscimo do parágrafo em exame com re-lação ao art. 930, parágrafo único, do CC/1916 – destinou-se a evidenciar o caráter de liberalidade desse caso de pagamento.

Contudo, insista-se que as liberalidades não
se presumem, porque excepcionais, de modo que o terceiro não interessado poderá postular o re-cebimento do que pagou em benefício do deve-dor, ainda que tenha havido oposição deste, como esclarece Renan Lotufo: “É evidente que houve uma vantagem econômica para o devedor, que não sofreu qualquer diminuição em seu patri-mônio, o que ocorreria com o adimplemento por sua conta. Pelo contrário, o devedor originário teve um benefício patrimonial, um enriqueci-mento sem causa, à custa da atuação do terceiro. Nesse caso, portanto, o terceiro só poderá exer-cer pretensão em face do devedor, comprovando que este obteve vantagem patrimonial sem mo-tivo determinante prestigiado pelo Direito, isto é, enriquecimento sem causa” (op. cit., p. 189).

Destarte, a oposição do devedor se prestará a
dois efeitos: impedir tanto que o terceiro se va-lha de meios conducentes à exoneração como o reconhecimento de uma liberalidade, se, porven-tura, o terceiro manifestar seu propósito de fazê–la, porque esta não se presume. Judith Martins–Costa, que admite a presunção de liberalidade nesse caso, sustenta que ela é relativa, não absoluta (op. cit., p. 108). Mas, ao se admitir que a li-beralidade não se presume, ela só ocorrerá se o devedor aceitar o pagamento do terceiro, sem oposição, e se ele manifestar seu propósito de efetuar a liberalidade. Mário Júlio de Almeida Costa conclui neste mesmo sentido: se existe doação, há necessidade de estar presente o elemento in-tencional na conduta do terceiro e a aceitação do devedor. Do contrário, mesmo quando o paga-mento é feito em nome do devedor, o terceiro não interessado pode postular o reembolso sob pena de enriquecimento sem causa (Direito das obrigações. Coimbra, Almedina, 2000, p. 925).

A existência do art. 305 do CC, ao que pare-ce, decorre da impossibilidade de o terceiro va-ler-se dos meios conducentes à exoneração da dí-vida se pretender pagar em nome próprio, e não à presunção de liberalidade, que estaria presen-te no art. 304, parágrafo único. Ademais, no caso do artigo seguinte, não haverá liberalidade.

Todavia, o devedor não pode opor-se ao pa-gamento do terceiro vinculado juridicamente à obrigação ou ao não interessado que pague em seu próprio nome, hipótese contemplada no dis-positivo seguinte. O pagamento efetuado pelo terceiro interessado implica sub-rogação, isto é, transmissão do crédito do credor originário ao terceiro que cumpre a obrigação do devedor (art. 346, III, do CC). O devedor não cumpre sua obri-gação, embora o credor tenha recebido a satisfa-ção de seu crédito. Desse modo, a dívida não foi extinta, mas transferida ao terceiro que a saldou.

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Q

Quais são as formas de extinção da obrigação? A dação em pagamento é uma forma de pagamento? Em que consiste adimplemento direto, indireto e anormal?

A

Comentários ao art. 304:

De acordo com o ensinamento de Caio Mário
da Silva Pereira, “o pagamento é o fim normal da obrigação”, mas não o único, já que ela também pode se extinguir de outras maneiras: “a) pela execução forçada, seja em forma específica, seja pela conversão da coisa devida no seu equivalen-te; b) pela satisfação direta ou indireta do credor, por exemplo, na compensação; c) pela extinção sem caráter satisfatório, como na impossibilida-de da prestação sem culpa do devedor, ou na re-missão da dívida” (Instituições de direito civil. 20. ed., atualizada por Luiz Roldão de Freitas Gomes. Rio de Janeiro, Forense, 2003, v. II, p. 168).

[…]

Normalmente, a obrigação nascida de qualquer
de suas fontes extingue-se pelo pagamento, ou seja, pelo cumprimento da prestação devida ao credor, no prazo e do modo estabelecidos. Pagamento, portanto, representa o cumprimento da prestação devida em qualquer de suas modalidades – fazer, não fazer ou dar –, e não apenas a correspondente à entrega de dinheiro. Na definição de Clóvis, “pagamento é execução voluntária da obrigação” (lotufo, Renan. Código Civil comenta­ do. São Paulo, Saraiva, 2003, v. II, p. 185). Caio Má-rio da Silva Pereira registra que o pagamento deve coincidir com a coisa devida e tem como efeito es-sencial a extinção da obrigação (op. cit., p. 183).

O adimplemento pode ser direto, indireto ou
anormal. No primeiro caso, corresponde à própria prestação originalmente prevista (pagamento, portanto); no segundo, resulta de outro fenô-meno (consignação, novação, compensação etc.); no terceiro, ocorre quando a obrigação extingue-se sem cumprimento, como nos casos de perecimento do bem sem culpa do devedor, prescrição, invalidade etc. O pagamento será voluntário quando efetuado espontaneamente pelo devedor e forçado, quando resultar da intervenção judicial.

No entanto, além do pagamento, expressão
que corresponde ao adimplemento, há outras formas de extinção das obrigações – confusão, remissão, compensação etc. –, que, no entanto, não equivalem ao adimplemento. Renan Lotufo pon-dera que a doutrina distingue as hipóteses de extinção satisfativa e não satisfativa do crédito (op. cit., p. 184). Para que se possa reconhecer o pagamento, é essencial que seja prestado aquilo que é devido, em sua integralidade e por inteiro, como Caio Mário da Silva Pereira registra (op. cit., p. 183). Se qualquer desses requisitos não se verificar, não haverá pagamento, embora seja possível que se reconheça a extinção da obrigação em decorrência de outro fato (dação em pagamento, por exemplo). Além disso, o pagamento supõe a existência de obrigação anterior, pois dá lugar à repetição do indébito, isto é, a restituição do objeto do pagamento àquele que o efetuou por erro (rizzardo, Arnaldo. Direito das obrigações. Rio de Janeiro, Forense, 2004, p. 297)

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96
Q

Quem são os “interessados na extinção da dívida” a que alude o art. 304 do CC?

Art. 304. Qualquer interessado na extinção da dívida pode pagá-la, usando, se o credor se opuser, dos meios conducentes à exoneração do devedor.

Parágrafo único. Igual direito cabe ao terceiro não interessado, se o fizer em nome e à conta do devedor, salvo oposição deste.

A

Art. 304. Qualquer interessado na extinção da dívida pode pagá-la, usando, se o credor se opuser, dos meios conducentes à exoneração do devedor.

Parágrafo único. Igual direito cabe ao terceiro não interessado, se o fizer em nome e à conta do devedor, salvo oposição deste.

Comentários:

O artigo em exame cuida de disciplinar a possibilidade de interessados e não interessados efetuarem o pagamento. Para a exata compreensão
desse artigo, é preciso compreender o sentido da expressão “interessado na extinção da dívida”. Serão interessados os que, juridicamente, estiverem obrigados a efetuar o pagamento, ou seja, a dar cumprimento à prestação assumida – como é o caso dos garantidores em geral. A responsabilidade já assumida por eles no momento em que a obrigação foi constituída os autoriza e os legi-tima a pagar o débito e a utilizar todos os meios necessários para a exoneração. Até mesmo um credor do devedor pode ter interesse em quitar sua dívida para evitar a penhora, preservando, assim, sua garantia. Ou um inquilino do imóvel pode decidir quitar a dívida do locador para que o bem não seja arrematado, evitando assim a legitimação do despejo. Nessas duas hipóteses, ha-verá terceiros juridicamente interessados na extinção da dívida, que, segundo o dispositivo em exame, poderão valer-se de todos os meios des-tinados à exoneração da dívida (como a consig-nação em pagamento).

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97
Q

Se, no momento do pagamento o devedor era incapaz (embora o fosse à época da celebração do contrato), surtirá efeito o ato?

A

Art. 307. Só terá eficácia o pagamento que importar transmissão da propriedade, quando feito por quem possa alienar o objeto em que ele consistiu.

Parágrafo único. Se se der em pagamento coisa fungível, não se poderá mais reclamar do credor que, de boa-fé, a recebeu e consumiu, ainda que o solvente não tivesse o direito de aliená-la.

Comentários:

A eficácia de que trata este dispositivo depende da conjugação entre a capacidade negocial e a legitimação, ou o poder de dispor sobre o bem entregue em pagamento. Poderá haver capacidade de efetuar a entrega – obrigação de dar –, sem que haja possibilidade de transferir o domínio, hipótese em que o pagamento não será eficaz (martins-costa, Judith. Comentários ao novo Código Civil. Rio de Janeiro, Forense, 2003, v. V, t. I, p. 123). Sílvio Rodrigues menciona a hipótese de negócio validamente constituído, mas no qual o pagamento se faz ao tempo em que o devedor era incapaz, e o autor conclui que o adimplemento é válido se o credor tiver agido de boa-fé e consumido o bem entregue em pagamento (Direito civil. São Paulo, Saraiva, v. II, 2002, p. 130).

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98
Q

Vale como pagamento a conduta do devedor, em vez de pagar diretamente ao credor o débito, quitar um dívida deste?

A

Art. 308. O pagamento deve ser feito ao credor ou a quem de direito o represente, sob pena de só valer depois de por ele ratificado, ou tanto quanto reverter em seu proveito.

Comentários:

Os pagamentos devem ser efetuados ao pró-prio credor ou a seu representante. Se isso não se verificar, a validade do pagamento dependerá da ratificação do credor ou da prova que reverteu em proveito dele. São hipóteses diversas. O pagamento pode ser feito ao representante do credor, desde que prove essa condição (art. 118 do CC), ou dependendo de ratificação futura, expressa ou tácita. Também pode ser válido, independentemente da ratificação ou da prova da representação, o pagamento que reverte em proveito do credor, o que dependerá de prova a ser produzida pelo de-vedor, ou pelo terceiro que efetuou o adimplemento. É o exemplo do devedor que deve determinada importância ao credor e quita um débito dele. Não há hipótese de representação, mas há reversão do pagamento da dívida em proveito do credor, que obterá a quitação.

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99
Q

O credor de contrato de prestação de energia elétrica pode recusar o parcelamento postulado pelo consumidor no caso de acúmulo de dívida?

A

Art. 314. Ainda que a obrigação tenha por objeto prestação divisível, não pode o credor ser obrigado a receber, nem o devedor a pagar, por partes, se assim não se ajustou.

Comentário:

A obrigação divisível não pode ser paga de forma parcial se isso não foi convencionado. Esse dispositivo encontra paralelo no art. 313, segundo o qual ninguém é obrigado a receber prestação diversa da que lhe é devida. Contudo, se a obrigação for fracionada entre diversos credores, não se poderá negar ao credor o direito de efe-tuar o pagamento proporcionalmente a cada um dos credores, como o art. 257 do CC autoriza. Observe-se, contudo, que os pagamentos parciais não acarretam redução das garantias da dívida, nos termos do art. 1.421 deste Código (pereira, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil, 20. ed., atualizada por Luiz Roldão de Freitas Gomes. Rio de Janeiro, Forense, 2003, v. II, p. 185).

Convém destacar, porém, que o CDC autoriza o consumidor a quitar seu débito antecipadamente, total ou parcialmente, nos casos do seu art. 52, § 2o, da legislação consumerista, e que a boa-fé e as hipóteses de adimplemento substancial do contrato podem permitir que se identifiquem exceções à regra consagrada nesse dispositivo (martins-costa, Judith. Comentários ao novo Código Civil. Rio de Janeiro, Forense, 2003, v. V,t. I, p. 188). Desse modo, é possível reconhecer abuso de direito (art. 187 do CC) na recusa do credor em receber o pagamento parcelado de contas de luz ou água em atraso, para evitar o corte de energia, pois a outra solução possível será cortar o fornecimento e cobrar a dívida. Assim, se o consumidor quer pagar os débitos vincendos e parcelar o atrasado, não se vislumbra finalidade social e econômica útil para a recusa ao recebimento parcelado, como o Eg. I TAC já teve oportunidade de decidir em acórdão proferido nos autos do AI n. 1.130.350.7, rel. Juiz Rui Cascaldi, j. 16.10.2002.

Art. 52. § 2º É assegurado ao consumidor a liquidação antecipada do débito, total ou parcialmente, mediante redução proporcional dos juros e demais acréscimos.

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100
Q

Quais os requisitos para que se permite a revisão de contrato de prestação continuada?

A

Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.

Comentários:

Podem verificar-se razões imprevisíveis que
desequilibrem o valor da prestação devida entre o momento em que ela foi estabelecida e o mo-mento de seu pagamento. Nesse caso, será possí-vel que o juiz corrija o valor da prestação, asse-gurando seu valor real. O dispositivo em exame estabelece os requisitos necessários para essa in-tervenção:

a) os motivos devem ser imprevisíveis, mas
não há exigência de que sejam extraordinários, como ocorre no art. 478;

b) a desproporção entre a prestação devida
deve ser manifesta, isto é, deve ser suficientemente expressiva e estar identificada. Essa desproporção deve ser verificada levando-se em conta as prestações; ou seja, o critério é objetivo, não sendo possível a adoção de um critério puramente subjetivo, que leve em conta a desproporcionalidade e a imprevisibilidade do ponto de vista de quem está obrigado ao cumprimento da presta-ção, como ocorre com a hipótese prevista no art. 6o, V, do CDC;

c) o reequilíbrio do valor da prestação deve ser postulado pela parte, sendo vedado ao juiz implementá-lo de ofício;

d) a existência de uma relação obrigacional
duradoura, sucessiva ou mesmo instantânea, desde que com o adimplemento parcelado; e

e) os acontecimentos que geraram o desequilíbrio não podem ser imputáveis ao lesado.

A intervenção deve restringir-se ao reequilíbrio das prestações. Este dispositivo deve ser visto em conjugação com a regra do art. 478 deste Código, que disciplina a resolução por onerosida-de excessiva e não prevê a possibilidade de reequi-líbrio e preservação do contrato, se o réu não se oferecer para modificar equitativamente as condições do ajuste (art. 479 do CC), salvo se a pres-tação couber a apenas uma das partes (art. 480 do CC).

A conjugação do dispositivo em exame comos ora referidos autoriza a parte prejudicada pelo desequilíbrio a ajuizar a ação com o objetivo de preservar o contrato e adequar o valor real da prestação, sem necessidade de optar pela resolução, como parece sugerir o art. 478.

Renan Lotufo registra que este artigo “adota a
teoria da imprevisão e permite intervenção judi-cial no reequilíbrio da obrigação”, observando que o fato “passou despercebido pela maioria da doutrina” (Código Civil comentado. São Paulo, Saraiva, 2003, v. II, p. 227 e segs.).

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101
Q

O art. 322 do CC se aplica às taxas condominiais?

A

Art. 322. Quando o pagamento for em quotas periódicas, a quitação da última estabelece, até prova em contrário, a presunção de estarem solvidas as anteriores.

Comentários:
A disposição resulta da presunção de que o
credor geralmente não concorda em receber o valor de uma parcela se as anteriores não houve-rem sido pagas. Contudo, essa presunção não é absoluta – pois nada impede que o credor de-monstre haver concordado em receber o valor da última parcela sem ter recebido as anteriores – e não prevalecerá em todas as hipóteses em que se tratar de prestações periódicas.

O dispositivo se refere a quotas, o que leva à
conclusão de que se trata de pagamentos de um mesmo preço em parcelas – prestações da compra de um imóvel ou de um contrato de mútuo. Mas não compreende os casos em que a periodicidade decorre da renovação da contraprestação (execução continuada), como ocorre com despesas de condomínio, fornecimento de energia e de direito de uso de linha telefônica, nas quais a prestação paga é autônoma, renovada periodicamente.
Nessas hipóteses, o pagamento remunera a contraprestação mensal, de maneira que, ao aceitar a quitação, o credor não está reconhecendo o pagamento das parcelas anteriores – que correspondem a outra contraprestação. Vale dizer, somente se as prestações dizem respeito a um mesmo débito, a presunção relativa consagrada neste artigo terá validade. Acrescente-se que a regra não se aplica apenas em relação à ultima das parcelas previstas, mas também aos casos em que uma parcela intermediária for paga sem quitação de qualquer das anteriores (silva pereira, Caio Mário da. Instituições de direito civil, 20. ed., atua-lizada por Luiz Roldão de Freitas Gomes. Rio de Janeiro, Forense, 2003, v. II, p. 204).

Juris:

Direito civil. Obrigações. Taxas condominiais. Pres-tações periódicas. Quitação sem ressalva de débito de prestação anterior. Não prevalece no caso de quotas condominiais a presunção do art. 322 do CC […], pois são imprescindíveis para a preservação do bem comum e autônomas com relação umas às outras. Precedentes da 2a Seção e das Turmas que a compõem. Recurso es-pecial provido. (STJ, REsp n. 817.348, 3a T., rel. Sidnei Beneti, j. 20.05.2010, DJe 10.06.2010)

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102
Q

Qual a diferença entre dívida quesível e dívida portável?

A

Art. 327. Efetuar-se-á o pagamento no domicílio do devedor, salvo se as partes convencionarem diversamente, ou se o contrário resultar da lei, da natureza da obrigação ou das circunstâncias.

Comentários:

O sistema civil tem como regra a quesibilidade das dívidas. Dívida quesível é aquela que deve ser paga no domicílio do devedor, tornando-se este o competente para promoção da ação de consignação em pagamento.

Ao lado das dívidas quesíveis, podem as partes estipular que o pagamento ocorrerá em local designado pelo credor (normalmente, no domicílio deste), convertendo-se a obrigação em dívida portável.

A lei, a natureza da obrigação e as circunstâncias podem também interferir, como no caso da lei de locações que determinar ser local do pagamento onde se encontrar o imóvel (art. 23, I- ressalvada estipulação em contrário).

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103
Q

Cite as hipóteses previstas no Código Civil de vencimento antecipado da dívida.

A

Art. 333. Ao credor assistirá o direito de cobrar a dívida antes de vencido o prazo estipulado no contrato ou marcado neste Código:

I - no caso de falência do devedor, ou de concurso de credores;

II - se os bens, hipotecados ou empenhados, forem penhorados em execução por outro credor;

III - se cessarem, ou se se tornarem insuficientes, as garantias do débito, fidejussórias, ou reais, e o devedor, intimado, se negar a reforçá-las.

Parágrafo único. Nos casos deste artigo, se houver, no débito, solidariedade passiva, não se reputará vencido quanto aos outros devedores solventes.

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104
Q

Quais são as hipóteses de sub-rogação legal? Na sub-rogação, as garantias do antigo credor são transferida para o novo?

A

Art. 346. A sub-rogação opera-se, de pleno direito, em favor:

I - do credor que paga a dívida do devedor comum;

II - do adquirente do imóvel hipotecado, que paga a credor hipotecário, bem como do terceiro que efetiva o pagamento para não ser privado de direito sobre imóvel;

III - do terceiro interessado, que paga a dívida pela qual era ou podia ser obrigado, no todo ou em parte.

Comentários:

Os casos versados no presente artigo são de sub-rogação legal, isto é, aquelas em que a sub-rogação decorre pura e simplesmente da pre-visão da lei. As hipóteses em que a sub-rogação é convencional – vale dizer, do ajuste de vontades – estão no art. 347. A primeira hipótese de sub-rogação legal resulta dos casos em que o credor paga a dívida de alguém que é seu devedor, para evitar a concorrência de outro credor. É o caso, por exemplo, do credor quirografário que quita o débito de outro credor, que conta com garantia hipotecária, para desse modo, poder penhorar e adjudicar o imóvel hipotecado. Em face da sub-rogação, todas as garantias e os demais acessórios do débito quitado passarão a perten-cer ao credor que a quitou, pois, com a sub-rogação, o sub-rogado passa a ocupar o lugar que antes pertencia ao sub-rogante na mesma relação jurídica – que se mantém inalterada.

Art. 349. A sub-rogação transfere ao novo credor todos os direitos, ações, privilégios e garantias do primitivo, em relação à dívida, contra o devedor principal e os fiadores.

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105
Q

Com a sub-rogação, a seguradora que substitui o consumidor na relação jurídica pode se beneficiar dos institutos do CDC em eventual demanda movida contra o devedor?

A

Art. 349. A sub-rogação transfere ao novo credor todos os direitos, ações, privilégios e garantias do primitivo, em relação à dívida, contra o devedor principal e os fiadores.

Comentários:

Caso ocorra a sub-rogação, o sub-rogado tor-na-se titular de tudo o que cabia ao primeiro cre-dor, não podendo receber além daquilo de que este dispõe, como asseguram alguns dos acórdãos citados nos comentários ao artigo antecedente, pois a sub-rogação opera substituição do credor perante o devedor, que não pode ver sua situa-ção agravada. Ademais, em se tratando de subs-tituição, aquele que substitui o credor não pode obter mais do que ele tinha para lhe transferir.

Ao ser efetuada a sub-rogação, no entanto, o
novo credor pode exercer em relação ao devedor tudo o que o primeiro credor dispunha contra ele. Desse modo, se o consumidor tem os privilégios da hipossuficiência que lhe reconhece o CDC, caso obtenha o ressarcimento em virtude do seguro que contratou, a seguradora poderá invocar o tratamento benéfico conferido pelas normas consumeristas ao segurado e deduzi-las
em face do causador do dano. Imagine-se o caso de um defeito do veículo gerar um acidente com prejuízos ao motorista, que recebe a indenização da companhia de seguros. Ao pagar a indenização, a seguradora sub-roga-se nos direitos do con-sumidor e pode invocar o disposto nos arts. 12 e 26 do CDC para se ressarcir dos eventuais pre-juízos que indenizou ao segurado.

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106
Q

Cite as hipóteses de sub-rogação convencional.

A

Art. 347. A sub-rogação é convencional:

I - quando o credor recebe o pagamento de terceiro e expressamente lhe transfere todos os seus direitos;

II - quando terceira pessoa empresta ao devedor a quantia precisa para solver a dívida, sob a condição expressa de ficar o mutuante sub-rogado nos direitos do credor satisfeito.

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107
Q

O sub-rogado tem direito de exigir do devedor mais do que desembolsou com a sub-rogação?

A

Art. 350. Na sub-rogação legal o sub-rogado não poderá exercer os direitos e as ações do credor, senão até à soma que tiver desembolsado para desobrigar o devedor.

Comentários:
Verifica-se que o dispositivo contempla aquele que obtém a sub-rogação em uma das hipóteses do art. 346 com tratamento diverso do que é assegurado aos que se sub-rogam da forma pre-vista no art. 347. No caso da convencional, os di-reitos que se transmitem são integrais – inclusive com a possibilidade de multas, juros etc. –, enquanto na legal, somente o total desembolsado pode ser exigido pelo novo credor.

A distinção no tratamento resulta do fato de
que, nos casos do art. 346, a sub-rogação é imperativo legal destinado a conferir proteção às pessoas que são obrigadas a pagar a dívida em virtude de situações específicas que lhe causariam danos. No entanto, na sub-rogação convencional, a garantia é plena porque amparada na livre convenção estipulada pelas partes.

Exemplo:

Jurisprudência: Ação de ressarcimento por danos causados em acidente de veículo. Seguradora. Direito de regresso. A requerente, seguradora do veículo sinis-trado, cobriu os danos decorrentes do acidente de trân-sito, tornando-se parte legítima por sub-rogação legal para propor ação indenizatória contra o causador do prejuízo. (TJSP, Ap. Cível c/ Rev. n. 926.996.009, rel. Irineu Pedrotti, j. 06.07.2009)

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108
Q

Quais são os requisitos da novação e quais são as espécies de novação existentes?

A

Art. 360. Dá-se a novação:

I - quando o devedor contrai com o credor nova dívida para extinguir e substituir a anterior;

II - quando novo devedor sucede ao antigo, ficando este quite com o credor;

III - quando, em virtude de obrigação nova, outro credor é substituído ao antigo, ficando o devedor quite com este.

Comentários:

Trata-se, portanto, de um modo extintivo, mas
não satisfativo, da obrigação. Sua natureza é sempre contratual, pois não pode ser imposta pela lei. Para que a novação se caracterize, são necessários os requisitos seguintes:

a) existência de uma primeira obrigação;
b) uma nova obrigação; e
c) intenção de novar (animus novandi).

São espécies de novação:

a) objetiva, que compreende a substituição do objeto da prestação, mantendo-se as mesmas par-tes da obrigação;
b) subjetiva, que estabelece a substituição do credor (ativa) ou do devedor (passiva); e

c) mista, que se caracteriza pela substituição
tanto das partes quanto do objeto.

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109
Q

Os devedores solidários que não participam da novação feita entre um devedor solidário e o credor ficam exonerados da dívida?

A

Art. 365. Operada a novação entre o credor e um dos devedores solidários, somente sobre os bens do que contrair a nova obrigação subsistem as preferências e garantias do crédito novado. Os outros devedores solidários ficam por esse fato exonerados.

Comentários:

Os devedores solidários que não participam
da novação feita entre um devedor solidário e o credor ficam exonerados da dívida. A novação, como já se disse em comentários nos artigos anteriores, acarreta a extinção da dívida original e sua substituição por outra. Consequência lógica dessa definição é que, se o credor admite substituir a dívida original de vários devedores solidários, concordando que apenas um deles permaneça responsável pela nova obrigação surgida, a responsabilidade dos demais desaparece, na medida em que se extinguiu a única dívida pela qual eram responsáveis.

A regra aproxima-se do disposto no artigo anterior, mas distingue-se dele porque a obrigação dos demais devedores solidários não é acessória, mas principal. Mas, tal como ocorre com o pagamento, se a novação é parcial, os demais devedores solidários permanecem obrigados pelo que não foi contemplado na novação (art. 269 do CC).

Art. 364. A novação extingue os acessórios e garantias da dívida, sempre que não houver estipulação em contrário. Não aproveitará, contudo, ao credor ressalvar o penhor, a hipoteca ou a anticrese, se os bens dados em garantia pertencerem a terceiro que não foi parte na novação.

Art. 269. O pagamento feito a um dos credores solidários extingue a dívida até o montante do que foi pago.

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110
Q

Obrigações nulas podem ser objeto de novação?

A

Art. 367. Salvo as obrigações simplesmente anuláveis, não podem ser objeto de novação obrigações nulas ou extintas.

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111
Q

Quais fundamento se pode invocar para justificar a penhora de parte de salário de alto valor?

A

Art. 391. Pelo inadimplemento das obrigações respondem todos os bens do devedor.

Comentários:

[…]

Embora haja incompatibilidade aparente com
a regra ampla do artigo em exame – que estabelece a responsabilidade integral dos bens do devedor pelo inadimplemento –, o certo é que os bens constantes do mencionado artigo – assim como o bem de família (Lei n. 8.009/90) continuariam sendo impenhoráveis ainda que a regra não existisse. Os bens indicados do art. 649 não
podem ser penhorados; admiti-lo violaria o princípio de proteção à dignidade da pessoa humana consagrado no art. 1o, III, da CF. Ora, tais bens são essenciais para assegurar ao devedor uma vida minimamente digna: alimentos, sustento próprio e de sua família e trabalho.

Vale observar, contudo, que os bens relacionados nos incisos IV e VIII do mencionado art. 649 poderão ser penhorados, salvo se comprometerem o sustento digno do devedor e de sua família, como poderá ocorrer com os vencimentos e os salários e com o imóvel rural (incisos IV e X). Nesses dois últimos casos, se a penhora recair sobre parte de vencimentos ou salários expressivos, não comprometer o sustento e a vida digna do devedor (que perceba, por exemplo, rendi-mentos elevados), e, eventualmente, destinarem-se a quitar débito de maior valor social (alimentos devidos em razão de ato ilícito, por exemplo), não há por que manter a impenhorabilidade, ainda que parcial.

Aliás, a jurisprudência de nossos tribunais tem
admitido a penhora de faturamento de pequenas empresas das quais, em muitos casos, são extraídos os rendimentos de manutenção das famílias dos sócios – cujas personalidades, é certo, não se confundem com a da sociedade –, de modo que as mesmas razões que justificam essa providência poderão autorizar a penhora de salários e vencimentos muito elevados.

Observe-se que a flexibilização da impenhorabilidade em alguns casos resulta da incidência do princípio da proporcionalidade à execução. Esse princípio constitucional permite que se afaste o rigor da regra quando desproporcional ao resultado a que se visa.

Dessa forma, se assegurar a impenhorabilidade integral de um salário expressivo comprometer a proporção a ser mantida entre a proteção à dignidade e o interesse social no cumprimento das obrigações, será possível flexibilizar a regra do art. 833 do CPC/2015 (art. 649 do CPC/73) e autorizar a penhora de parte dos rendimentos do devedor – tal como já se admite –, registre-se, na penhora do faturamento das empresas. Essa medida, certamente, também pode comprometer o sustento do pequeno empresário, sem que por isso se negue a penhorabilidade parcial.

STJ:

TEMA: A regra geral de impenhorabilidade dos vencimentos do devedor, além da exceção explícita prevista no parágrafo 2º do art. 649, IV, do CPC/1973, também pode ser excepcionada quando preservado percentual capaz de manter a dignidade do devedor e de sua família.

Trata a controvérsia em definir se a regra de impenhorabilidade das verbas previstas no art. 649, IV, do CPC/1973 encontra exceção apenas para o pagamento de verba alimentar (conforme exceção expressa constante do parágrafo 2º do mesmo artigo) ou se também se deverá permitir a penhora de parte de tais verbas no caso de a proporção penhorada do salário do devedor se revelar razoável, de modo a não afrontar a dignidade ou subsistência do devedor e de sua família. Inicialmente, consoante se revela da divergência, as Turmas integrantes da Primeira Seção não admitem a penhora das verbas previstas no art. 649, IV, do CPC/1973, a não ser no caso de débito alimentar, ao passo que as Turmas integrantes da Segunda Seção admitem também a penhora em caso de empréstimo consignado e em casos em que a remuneração do devedor comporta penhora parcial sem prejuízo à dignidade e subsistência do devedor e de sua família. Registre-se que a interpretação do preceito legal deve ser feita a partir da Constituição da República, que veda a supressão injustificada de qualquer direito fundamental. Assim, a impenhorabilidade de salários, vencimentos e proventos tem por fundamento a proteção à dignidade do devedor, com a manutenção do mínimo existencial e de um padrão de vida digno em favor de si e de seus dependentes. Por outro lado, o credor tem direito ao recebimento de tutela jurisdicional capaz de dar efetividade, na medida do possível e do proporcional, a seus direitos materiais. Ademais, o processo civil em geral, nele incluída a execução civil, é orientado pela boa-fé que deve reger o comportamento dos sujeitos processuais. Embora o executado tenha o direito de não sofrer atos executivos que importem violação à sua dignidade e à de sua família, não lhe é dado abusar dessa diretriz com o fim de impedir injustificadamente a efetivação do direito material do exequente. Dessa forma, só se revela necessária, adequada, proporcional e justificada a impenhorabilidade daquela parte do patrimônio do devedor que seja efetivamente necessária à manutenção de sua dignidade e da de seus dependentes.

JURISPRUDÊNCIA:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. PENHORA SOBRE PROVENTOS. DÉBITO RELATIVO A HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. IMPENHORABILIDADE E EXCEÇÕES. SITUAÇÃO EXCEPCIONAL. SÚMULA 7 DO STJ. AGRAVO NÃO PROVIDO.

  1. A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça fixou o entendimento de que a exceção à impenhorabilidade prevista no § 2º do art. 833 do CPC não abarca créditos relativos a honorários advocatícios, porquanto não estão abrangidos pelo conceito de “prestação alimentícia”.
  2. Também é assente na Corte Especial do STJ o entendimento de que a regra geral de impenhorabilidade de salários, vencimentos, proventos etc. (art. 833, IV, do CPC) pode ser excepcionada quando for preservado percentual de tais verbas capaz de dar guarida à dignidade do devedor e de sua família.
  3. No caso em apreço, o Tribunal de origem concluiu que a penhora de 5% da remuneração bruta mensal do agravante não prejudica a subsistência dele e de sua família, de forma que rever esse entendimento e acolher a pretensão recursal demandaria a alteração do conjunto fático-probatório dos autos, o que é inviável nesta via especial ante o óbice da Súmula 7 do STJ.
  4. Agravo Interno não provido. (AgInt no REsp n. 1.886.436/DF, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 14/6/2021, DJe 21/6/2021.)
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112
Q

A interpelação extrajudicial de que trata o parágrafo único do art. 397 do CC admite meios eletrônicos como e-mail ou aplicativos de conversa on-line?

A

Art. 397. O inadimplemento da obrigação, positiva e líquida, no seu termo, constitui de pleno direito em mora o devedor.

Parágrafo único. Não havendo termo, a mora se constitui mediante interpelação judicial ou extrajudicial.

Comentários:

A interpelação extrajudicial de que trata o parágrafo único do art. 397 do Código Civil admite meios eletrônicos como e-mail ou aplicativos de conversa on-line, desde que demonstrada a ciência inequívoca do interpelado, salvo disposição em contrário no contrato.

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113
Q

O devedor em mora responde pela impossibilidade da prestação se esta decorrer de caso fortuito ou força maior?

A

Art. 399. O devedor em mora responde pela impossibilidade da prestação, embora essa impossibilidade resulte de caso fortuito ou de força maior, se estes ocorrerem durante o atraso; salvo se provar isenção de culpa, ou que o dano sobreviria ainda quando a obrigação fosse oportunamente desempenhada.

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114
Q

Qual a diferença entre inadimplemento absoluto e relativo? Inadimplemento relativo é o mesmo que mora?

A

Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.

Comentários:

[…]

A regra do presente dispositivo refere-se ao
inadimplemento absoluto – aquele em que a obrigação não foi nem poderá ser cumprida de modo
útil e satisfatório. É o que ocorre, por exemplo, com o perecimento do objeto. Nesse caso, o inadimplemento absoluto poderá ser total ou parcial, caso a integralidade da prestação, ou parte dela, não puder ser cumprida.

O inadimplemento relativo é aquele em que a
obrigação não é cumprida no tempo, no lugar e na forma devidos, mas poderá sê-lo, com um proveito para o credor. Nesse caso, estará caracterizada a mora, disciplinada pela regra do art. 394. Nos arts. 389 e 394, o legislador distinguiu entre o inadimplemento total e parcial e a mora. Na primeira hipótese, a prestação não pode ser cumprida, integral ou parcialmente, e será substituída por indenização. Na segunda, ainda que de modo imperfeito, a prestação pode ser satisfeita, mas sua imperfeição autoriza o credor a postular indenização.

A distinção, portanto, decorre de remanescer
a possibilidade de o credor satisfazer a obrigação. Enquanto ela existir, haverá inadimplemento relativo; se ela deixar de existir, será absoluto. Não se confundem inadimplemento parcial absoluto e mora, portanto, uma vez que, no primeiro, parte da obrigação não tem possibilidade de ser adimplida, na segunda, ela sempre remanesce.

Comentários ao art. 394:

O cumprimento imperfeito da obrigação e o
atraso em seu adimplemento caracterizam mora. Assim, haverá mora não apenas quando ocorrer atraso no cumprimento da obrigação, mas também quando ele ocorrer em lugar ou de forma diversa daquela estabelecida pela lei ou pela convenção.

Acrescente-se que a quantidade não se inclui
entre as hipóteses de defeitos capazes de caracterizar a mora, porque, no que diz respeito a ela, haverá inadimplemento parcial ou total, e não mora (lotufo, Renan. Código Civil comentado. São Paulo, Saraiva, 2003, v. II, p. 442). […]

Internet:

Diferença entre Inadimplemento e Mora. Você sabe?

Quando o devedor não cumpre a prestação, estamos diante do inadimplemento, que pode ser de duas espécies: absoluto ou relativo. O inadimplemento é absoluto quando a prestação não é cumprida e não é mais útil ao credor que o devedor a cumpra - por exemplo, contratação de cantor para cantar em um casamento que não comparece à cerimônia. O inadimplemento é relativo quando a prestação não é cumprida, contudo ainda é útil ao credor que o devedor a cumpra, por exemplo, não pagamento de uma dívida em dinheiro no dia do vencimento. O inadimplemento absoluto é chamado simplesmente de inadimplemento e o inadimplemento relativo é chamado de mora.

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115
Q

Quais são os requisitos para que se reconhecça o direito à indenização por lucros cessantes?

A

Art. 402. Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar.

Comentários:

O dano indenizável deve ser certo e atual. Não pode ser meramente hipotético ou futuro. Mesmo quando se trata de lucros cessantes, é preciso que eles estejam compreendidos em cadeia natural da atividade interrompida pela vítima. O Eg. STJ já decidiu questão na qual abordou o tema: “O recorrente havia planejado construir um empreendimento imobiliário de grande porte, com projeto já aprovado pelas autoridades competentes. Sucede que parte da área foi objeto de ato expropriatório para a construção de metrô, o que causou retardamentos e redução do projeto original. Pleiteava, entre outros, a indenização por alegado prejuízo pela impossibilidade da implantação do empreendimento tal qual concebido e aprovado originalmente. Anotando que o projeto ainda não havia sido implantado quando da expropriação, a Turma entendeu que não há prejuízo a ser indenizado, tratando-se de dano apenas hipotético, uma expectativa de lucros coberta pela indenização do valor de mercado, que leva em conta o potencial econômico de exploração do imóvel. Caberia indenização por danos materiais se comprovados danos efetivos por despesas que a expropriada poderia ter se já iniciado o processo de implantação do referido projeto” (STJ, REsp n. 325.335, rel. Min. Eliana Calmon, j. 06.09.2001). Nesse sentido, os lucros cessantes são apenas os que podem ser constatados desde logo, mas que não se verificaram em decorrência do fato que o interrompeu, afastando-se meras expectativas frustradas.

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116
Q

Quais são os argumentos normalmente invocados para impedir a utilização da taxa SELIC nos contratos cíveis?

A

Art. 406. Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional.

Comentários:

Os juros moratórios serão convencionais ou
legais, segundo tenham sido ou não estabelecidos pelas partes no contrato celebrado. Caso não sejam convencionados, ou se as partes não estabelecerem a taxa devida, ou se decorrerem da lei, os juros corresponderão àquela que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional. Essa taxa é o limite máximo permitido para o mútuo de fins econômicos previsto no art. 591 deste Código.

A questão a enfrentar é a que se refere ao limite de juros da Fazenda Nacional, que poderá ser a taxa Selic ou a que se encontra estipulada no art. 161, § 1o, do CTN. A jurisprudência não é pacífica a respeito da legalidade da taxa Selic, de modo que há uma tendência a se reconhecer que o limite será 1% ao mês, segundo a regra do Código Tributário. A taxa Selic padece da ilegalidade por compreender, além de juros, componente de correção monetária, de modo que corrigir a dívida e acrescer a ela os juros correspondentes à taxa Selic representará dupla correção, com enriquecimento ilícito do credor, além de permitir capitalização não autorizada, como registra Celso Pimentel, invocando a lição de Franciulli Netto, em artigo publicado na Revista Jurídica n. 319, p. 61-5. Nem bastaria utilizar a taxa Selic isoladamente, pois não seria possível que o devedor distinguisse entre a taxa de correção monetária e os juros nela compreendidos – ficando impedido, por exemplo, de verifica se a atualização seguiu o índice oficial.

Enunciado 20 da CJF: A taxa de juros moratórios a que se refere o art. 406 é a do art. 161, § 1º, do Código Tributário Nacional, ou seja, um por cento ao mês.

Art. 161. § 1º Se a lei não dispuser de modo diverso, os juros de mora são calculados à taxa de um por cento ao mês.

STJ:

RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. SEGUNDA FASE. ABUSO DE MANDATO. EXCESSO DE CONDENAÇÃO.
SÚMULAS 05 E 07/STJ. JUROS DE MORA E TAXA SELIC. PRECEDENTES. TERMO INICIAL DOS JUROS MORATÓRIOS. CITAÇÃO. RELAÇÃO CONTRATUAL.
HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA. SÚMULA 07/STJ.
1. Reconhecimento pelo tribunal de origem, a partir da prova documental e pericial, da ocorrência de abuso no exercício de mandato consistente na retenção a maior de valores pertencentes ao cliente.
2. Desacerto negocial identificado a partir da interpretação da cláusula contratual que regulou a forma de pagamento dos honorários advocatícios contratados (proveito econômico). 3. A modificação do valor da base de cálculo dos honorários contratuais em litígio exigiria a revaloração do conjunto fático-probatório dos autos, além da modificação da interpretação da cláusula que estabeleceu a forma de pagamento dos serviços prestados, o que é vedado a esta Corte Superior, nos termos da Súmulas 05 e 07/STJ.
4. A fixação da taxa dos juros moratórios, a partir da entrada em vigor do artigo 406 do Código Civil de 2002, deve ser com base na taxa Selic, sem cumulação de correção monetária, em obediência aos precedentes da Corte Especial, ressalvado posicionamento pessoal deste relator.
5. O termo inicial dos juros moratórios deve ser determinado a partir da natureza da relação jurídica mantida entre as partes. 6.
No caso, tratando-se de mandato, a relação jurídica tem natureza contratual, sendo o termo inicial dos juros moratórios a data da citação (art. 405 do CC). 7. Não havendo prova de má-fé e sendo a mora declarada pelo Poder Judiciário, a citação deve prevalecer como marco inicial da contagem dos juros. 8. No período anterior a constituição em mora (antes da citação), a atualização monetária dos valores devidos deve ser feita pelo índice indicado na sentença. 9.
Após a constituição em mora, incidência apenas da taxa Selic, sem cumulação com correção monetária. 10. Necessidade de observação da determinação de abatimento do valor consignado em outra demanda.
11. Honorários sucumbenciais estabelecidos de forma equitativa, atendendo aos preceitos fixados pelos parágrafos do artigo 20 do CPC, observada a complexidade da causa e o seu longo tempo de duração. Súmula 07/STJ.
12. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.
(REsp 1403005/MG, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 06/04/2017, DJe 11/04/2017)

  1. “Conforme decidiu a Corte Especial, ‘atualmente, a taxa dos juros moratórios a que se refere o referido dispositivo [art. 406 do CC/2002] é a taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia - SELIC, por ser ela a que incide como juros moratórios dos tributos federais (arts. 13 da Lei 9.065/95, 84 da Lei 8.981/95, 39, § 4º, da Lei 9.250/95, 61, § 3º, da Lei 9.430/96 e 30 da Lei 10.522/02)’ (EREsp 727.842, DJ de 20/11/08)” (REsp 1.102.552/CE, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, sujeito ao regime do art. 543-C do CPC, pendente de publicação).
  2. No tocante ao termo inicial, firmou-se nesta Corte o entendimento de que “incidem juros de mora pela taxa Selic a partir da citação”.
    Precedentes.
  3. Recurso especial conhecido em parte e não provido. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do Código de Processo Civil e da Resolução nº 8/STJ.
    (REsp 1110547/PE, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 22/04/2009, DJe 04/05/2009)
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É dado ao credor, no caso de inadimplemento total da obrigação, desistir da cláusula penal prevista no contrato e provar que os prejuízos em valor que a ultrapassam?

A

rt. 410. Quando se estipular a cláusula penal para o caso de total inadimplemento da obrigação, esta converter-se-á em alternativa a benefício do credor.

Art. 416. Para exigir a pena convencional, não é necessário que o credor alegue prejuízo.

Parágrafo único. Ainda que o prejuízo exceda ao previsto na cláusula penal, não pode o credor exigir indenização suplementar se assim não foi convencionado. Se o tiver sido, a pena vale como mínimo da indenização, competindo ao credor provar o prejuízo excedente.

Comentários:
Se houver cláusula penal para o caso de inadimplemento total, surgem duas alternativas ao credor, segundo se depreende deste dispositivo. A questão é saber quais as alternativas:

a) desistir da cláusula e provar os prejuízos em
valor que a ultrapassem; ou

b) perseguir a cláusula e exigir o cumprimento da própria prestação.

A primeira alternativa parece descartada pelo
disposto no art. 416, parágrafo único, segundo o qual a cobrança de prejuízos que ultrapassem o valor da cláusula só é possível se assim foi convencionado e, nesse caso, o valor da cláusula será o mínimo da indenização. Desse modo, não se colocam ao credor as alternativas de desistir do valor da cláusula para postular o montante de seus prejuízos, que podem ser cobrados – quando assim convencionado –, sem prejuízo do valor da cláusula.

Restam, portanto, as alternativas indicadas na
letra b. O credor deverá optar entre exigir a própria prestação ou a cláusula penal, já que a cumulação de ambas implicaria seu enriquecimento sem causa: receberia a própria prestação e mais o previsto na cláusula penal exatamente para o caso de a obrigação principal não ser cumprida. Por isso é que o artigo só alcança as cláusulas estipuladas para o inadimplemento total, como está expressamente consignado.

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118
Q

É permitida a cumulação de multa contratual com honorários advocatícios?

A

Art. 412. O valor da cominação imposta na cláusula penal não pode exceder o da obrigação principal.

Comentários:
A redução do valor da cláusula penal só será
possível nas seguintes hipóteses: ultrapassar o valor da obrigação principal; tiver sido cumprida em parte; seu valor revelar-se excessivamente elevado, tendo em vista a natureza e a finalidade do negócio (art. 413).

Nesses casos, o juiz deverá reduzir o valor da
pena convencional, sem declarar sua ineficácia.

Nada impede que a multa contratual seja cumulada com os honorários de advogado: “É permitida a cumulação da multa contratual com os honorários de advogado, após o advento do CPC” (Súmula n. 616 do STF).

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119
Q

Sendo indivisível a obrigação, todos os devedores serão responsabilizados pela multa contratual caso um deles descumpra o contrato?

A

Art. 414. Sendo indivisível a obrigação, todos os devedores, caindo em falta um deles, incorrerão na pena; mas esta só se poderá demandar integralmente do culpado, respondendo cada um dos outros somente pela sua quota.

Dipositivos semelhantes:

Art. 263. Perde a qualidade de indivisível a obrigação que se resolver em perdas e danos.

§ 1 o Se, para efeito do disposto neste artigo, houver culpa de todos os devedores, responderão todos por partes iguais.

§ 2 o Se for de um só a culpa, ficarão exonerados os outros, respondendo só esse pelas perdas e danos.

Art. 279. Impossibilitando-se a prestação por culpa de um dos devedores solidários, subsiste para todos o encargo de pagar o equivalente; mas pelas perdas e danos só responde o culpado.

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Q

Sendo divisível a obrigação, todos os devedores serão responsabilizado pela multa contratual caso um deles descumpra o contrato?

A

Art. 415. Quando a obrigação for divisível, só incorre na pena o devedor ou o herdeiro do devedor que a infringir, e proporcionalmente à sua parte na obrigação.

Dispositivo relativo à obrigação indivisível:

Art. 414. Sendo indivisível a obrigação, todos os devedores, caindo em falta um deles, incorrerão na pena; mas esta só se poderá demandar integralmente do culpado, respondendo cada um dos outros somente pela sua quota.

Parágrafo único. Aos não culpados fica reservada a ação regressiva contra aquele que deu causa à aplicação da pena.

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121
Q

A norma que impõe a redução da cláusula penal é aplicável às arras confirmatórias?

A

Art. 417. Se, por ocasião da conclusão do contrato, uma parte der à outra, a título de arras, dinheiro ou outro bem móvel, deverão as arras, em caso de execução, ser restituídas ou computadas na prestação devida, se do mesmo gênero da principal.

Comentários:

Sinal e cláusula penal. Na lição de Nelson Rosenvald, são muitas as semelhanças entre o sinal e a cláusula penal: ambas destinam-se a “assegurar o cumprimento da obrigação” e “exercem função coercitiva, pois, em caso de inadimplemento, tanto a retenção da quantia adiantada como a devolução em dobro demonstram a feição sancionatória do sinal”. Ademais, observa o autor, “o montante prefixado não se relaciona com os danos efetivos” em nenhuma das hipóteses (Cláusula penal: a pena privada nas relações negociais. Rio de Janeiro, Lumem Juris, 2007, p. 174-6). A aproximação das duas figuras autoriza a aplicação do art. 413 do CC ao caso de sinal que se revele excessivo (idem, ibidem, p. 177). No mesmo sentido a lição de Arnaldo Rizzardo (Direito das obrigações. Rio de Janeiro, Forense, 2004, p. 569), e a conclusão do Enunciado n. 165 do CEJ do CJF: “em caso de penalidade, aplica-se a regra do art. 413 ao sinal, sejam as arras confirmatórias ou penitenciais”

Art. 413. A penalidade deve ser reduzida eqüitativamente pelo juiz se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio.

Art. 412. O valor da cominação imposta na cláusula penal não pode exceder o da obrigação principal.

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122
Q

Em que consiste a função social do contrato?

A

Art. 421. A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato. (“Art. 421. A liberdade de contratar será exer-cida em razão e nos limites da função social do contrato.” - Antiga redação)

Parágrafo único. Nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual.

Comentários:
A teoria contratual, vigente nos moldes do CC/2002, não mais está pautada no paradigma clássico, no qual predominavam a autonomia da vontade e os subprincípios da liberdade contratual, da intangibilidade do pactuado e da relatividade dos contratos. Hodiernamente, em consonância com o direito civil constitucional, a matéria baseia-se em um novo paradigma que atende perfeitamente às novas diretrizes da eticidade, da operabilidade e da socialidade elencadas. Assim, diante desse paradigma contemporâneo, a teoria contratual contempla outros quatro grandes princípios: a autonomia privada, a boa-fé objetiva, a justiça contratual e a função social do contrato.

O art. 421 inaugura o estudo dos contratos,
demonstrando a imprescindível conjugação entre a liberdade contratual e o princípio constitucional da solidariedade (art. 3o, I, da CF). Trata-se da função social do contrato, estampada no novel diploma civil como cláusula geral de grande envergadura e com fins ainda imprecisos.

Atualmente, as obrigações revelam uma função social, uma finalidade perante o corpo social. Para além da intrínseca função da circulação de riquezas, o papel das relações negociais consiste em instrumentalizar o contrato em prol das exigências maiores do ordenamento jurídico, como a justiça, a segurança, o valor social da livre-iniciativa, o bem comum e o princípio da dignidade da pessoa humana. Como é possível observar, o epicentro do contrato se desloca do poder jurígeno da vontade e do trânsito de titularidades para um conserto entre o interesse patrimonial inerente à circulação de riquezas e o interesse social, que lateralmente àquele se projeta.

A função social do contrato não veio para coibir a liberdade de contratar, como induz a literalidade do art. 421, mas para legitimar a liberdade contratual. A liberdade de contratar é plena, pois não existem restrições ao ato de se relacionar com o outro. O ordenamento, todavia, passou a submeter a composição do conteúdo do contrato a um controle de merecimento (ao contrário de quando ainda vigia o paradigma clássico com o seu subprincípio da liberdade contratual, principalmente sob seu viés positivo, cuja diretriz era a não intromissão do Estado nas relações contratuais advindas da autonomia da vontade das partes), tendo em vista as finalidades eleitas pelos valores que estruturam a ordem constitucional.

Partindo da premissa de que o contrato não é
um átomo – um universo jurídico hermético e neutro –, mas um fato social que operacionaliza a realização de valores globais, censura-se, a partir de então, o abuso da liberdade contratual como um ato ilícito objetivo (art. 187 do CC).

Dessa forma, a função social do contrato representa mais uma das diversas facetas da funcionalização das situações jurídicas subjetivas e, especialmente, da funcionalização dos negócios jurídicos. O perfil estrutural e neutro do negócio jurídico restringia-se a questionar quem seriam os contratantes (identificação das partes) e o que postulavam com o contrato (identificação do objeto). O atendimento às regras de capacidade dos intervenientes, a licitude e a possibilidade da prestação eram os únicos fatos justificadores da juridicidade da relação obrigacional. Não se questionava as razões do negócio, o porquê ou o para quê. A dogmática civil clássica era anticausalista. Hoje, a visão é outra.

Frente à novidade normativa do CC/2002, em
uma espécie de reencontro do direito privado com a noção de causa, a função social se converte na própria ratio de qualquer ato de autonomia privada, não mais como um limite externo e restritivo à liberdade do particular, mas como um limite interno hábil a qualificar a disciplina da relação obrigacional a partir da investigação das finalidades empreendidas pelos parceiros por meio do contrato. Dessa forma, passa a fazer todo o sentido a previsão do art. 421, na medida em que a função social recebe o status de fundamento para o exercício meritório da liberdade contratual.

Ademais, a expressão “em razão” se destina precipuamente a conformar a autonomia privada à dimensão social. Via de consequência, a liberdade contratual não mais se dará “em razão da vontade privada”, mas em razão da função social que o negócio jurídico atenderá. Outrossim, os limites da liberdade contratual escapam das mãos dos privados, posto preconizados pelas aspirações solidárias do ordenamento, cabendo à doutrina, ao legislador e aos tribunais o mister de aclarar a função social dos diversos modelos jurídicos negociais, elencando-se aí as situações patrimoniais do contrato, a propriedade, o direito de família e as sucessões, bem como os negócios jurídicos não patrimoniais ligados aos direitos da personalidade. A função social do contrato não é um dado, mas um construído.

O que se observa da previsão do art. 421 é que não mais se sustentam no ordenamento jurídico os negócios abstratos, pautados tão somente na vontade das partes. É preciso mais, ou seja, que os negócios jurídicos sejam causais e cumprido-res de uma função social. Só assim se coaduna a previsão infraconstitucional com o que preconi-za a CR/88, alcançando a unidade do ordenamen-to jurídico em prol da valorização do ser humano.

Migualhas (https://www.migalhas.com.br/depeso/302968/a-mp-da-liberdade-economica-e-a-sempre-e-agora-ainda-mais-polemica-funcao-social-do-contrato):

Com o advento da MP 881, no entanto, criou-se um verdadeiro “mosaico” teórico-ideológico no texto do art. 421, e nem mesmo essa certeza subsiste. A referida norma, alcunhada de “MP da Liberdade Econômica”, entrou em vigor no dia 30 de abril de 2019, trazendo inúmeras inovações no ordenamento jurídico brasileiro. Ela representa uma relevante concreção jurídica da guinada neoliberal pautada pelo Governo Federal, atingindo diversos ramos do direito público e do direito privado. No campo do direito dos contratos, especificamente, a norma buscou atender a uma já antiga e legítima demanda por uma menor intervenção do Estado no programa contratual estabelecido pelas partes, sobretudo no que se refere ao âmbito das relações interempresariais. A nova redação do referido dispositivo determina que a liberdade de contratar deve se submeter a uma função social e também observar as disposições da Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, de matriz neoliberal absenteísta:

Redação original: Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.

Redação dada pela MP 881: Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato, observado o disposto na Declaração de Direitos de Liberdade Econômica.

Se o art. 421 do Código Civil já trazia severas dificuldades de concreção normativa, com as modificações empreendidas pela medida provisória 881, a questão se tornou ainda mais complexa. A alteração legislativa criou um verdadeiro amálgama dos valores cristalizados na perspectiva teórico-ideológica solidarista da redação original do artigo com a nova proposta de cunho neoliberal, avessa à intervenção do Estado na dinâmica do contrato.

Ressalta-se que este novo ideário surgiu como uma reação àquele horizonte anteriormente estipulado na legislação, o qual, inegavelmente, produzia situações de insegurança jurídica prejudiciais à atuação dos agentes privados como um todo e aos empresários em especial. A colonização do Direito Civil por um raciocínio jurídico baseado em argumentações principiológicas e o abuso de evocações constitucionais e máximas de equidade metajurídicas vinham, já há algum tempo, gerando uma verdadeira “ressaca” na comunidade jurídica brasileira3. Uma reação nos moldes da “MP da Liberdade Econômica” era de se esperar. Quisera viesse ela em um contexto de maior debate democrático, por meio de projeto de lei, com a participação de juristas, de representantes de diversos grupos de interesses e da comunidade jurídica em geral, que será a destinatária final da nova norma.

A realidade, no entanto, é que a norma do novo art. 421 do Código Civil está posta, ao menos provisoriamente, e deve ser interpretada e aplicada. Resta saber se a “clássica” função social do contrato, em face da inovação legislativa, deve ser “relida” sob uma nova ótica neoliberal absenteísta ou se deve ser mantido seu conteúdo original de matriz solidarista e intervencionista, o qual deverá ser ponderado em face dos princípios colidentes trazidos pela Declaração de Direitos de Liberdade Econômica.

Em uma análise preliminar, parece ser a alternativa mais adequada a perspectiva segundo a qual a função social do contrato deve manter seu conteúdo original, afigurando-se, portanto, como um princípio em tensão para com a proposta neoliberal trazida pela Declaração de Direitos de Liberdade Econômica. Essa conclusão se assenta em dois pontos. O primeiro deles refere-se a uma postura de respeito à própria sistemática e à tessitura normativa do Código Civil vigente. A Declaração de Direitos de Liberdade Econômica altera dispositivos pontuais do Código, mas a sua matriz estruturante segue sendo os princípios fundamentais da “eticidade, socialidade e operabilidade”, conforme idealizado por Miguel Reale4. Nesse sentido, apresenta-se a alteração como uma norma de exceção dentro da estrutura do Código e, como norma de exceção, deve ser restritivamente interpretada5. É correto, portanto, considerar a nova norma como um adendo, e não como um substituto à clássica função social do contrato.

O segundo ponto sustenta-se em algumas pistas redacionais do dispositivo do art. 421 que apontam nesse sentido. Quisesse a MP da Liberdade Econômica substituir a função social por um novo paradigma liberal, o teria feito expressamente, e não apenas acrescentaria um novo comando em paralelo. Ademais, verifica-se pelo texto do dispositivo que existe uma construção semântica adversarial entre os dois conceitos: “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato, observado o disposto na Declaração de Direitos de Liberdade Econômica”. Os dois conceitos (“função social” e “o disposto na Declaração de Direitos de Liberdade Econômica”) se opõe na redação, detendo, sobretudo a partícula “observando” um sentido claramente adversativo acerca do limite da função social em relação às disposições da Declaração de Direitos de Liberdade Econômica.

[…]

Utilizou-se do instrumento legislativo da medida provisória sem que se fizessem presentes os pressupostos autorizadores de sua edição. Por mais que seja este um expediente corriqueiramente utilizado pelos presidentes da República brasileiros há tempos, não se pode deixar de observar a incorreção desse proceder na perspectiva institucional de nossa democracia, bem como analisar o fato de que este vício torna ainda mais incerto o cenário delineado. No que se refere ao conteúdo da alteração empreendida, procedeu-se à formação de um amálgama de conceitos, um solidarista, outro neoliberal, que se tencionam dentro do enunciado de um mesmo artigo, gerando inconsistência teórica e incerteza interpretativa, sempre em prejuízo da segurança jurídica.

Migualhas 2 (Flávio Tartuce):

Sobre o art. 421 do Código Civil, é interessante confrontar a redação original do comando, a que constava da MP 881/19 e a que acabou sendo adotada na sua conversão em lei.

Redação original: Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.

Redação dada pela MP 881: Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato, observado o disposto na Declaração de Direitos de Liberdade Econômica.

Parágrafo único. Nas relações contratuais privadas, prevalecerá o princípio da intervenção mínima do Estado, por qualquer dos seus poderes, e a revisão contratual determinada de forma externa às partes será excepcional.

Redação após a lei 13.874/19: “A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato.

Parágrafo único. Nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual.

Sobre a redação original do dispositivo, seguindo a melhor doutrina, sempre sustentei que ela trazia dois equívocos técnicos, que tenderiam a ser corrigidos pelo antigo projeto de lei Ricardo Fiuza, o originário PL 6.960/02. Acatando as sugestões formuladas por Antônio Junqueira de Azevedo e Álvaro Villaça Azevedo, professores da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, propunha-se a mudança no texto exatamente como ele se encontra agora. Destaque-se que a professora Giselda Hironaka também escreveu texto no mesmo sentido, logo após a entrada em vigor da codificação de 2002, apoiando as mudanças.

Como primeiro equívoco anterior, a norma mencionava a liberdade de contratar, relacionada com a celebração do contrato em si e que, em regra, é ilimitada, pois a pessoa celebra o contrato quando quiser e com quem quiser, salvo raríssimas exceções. Por outra via, tem-se que a função social - a finalidade coletiva do instituto, com suas projeções internas e externas - limita a liberdade contratual, relativa ao conteúdo negocial em si, às cláusulas contratuais propriamente ditas. Ademais, a função social do contrato nunca foi e não é razão do contrato, constituída pela autonomia privada, pela liberdade individual, sendo necessário excluir a locução “em razão e”.

Diante dessa realidade jurídica, quando da emergência da medida provisória 881, na sua tramitação no Congresso Nacional, escrevi artigo científico, publicado neste canal, em que sustentei a necessidade de alteração da lei com a correção desses dois equívocos. O texto trazido originalmente pela MP estabelecia, ignorando a necessidade desses reparos, que “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato, observado o disposto na Declaração de Direitos de Liberdade Econômica”. Como se percebe, a redação também procurava reduzir consideravelmente a abrangência da função social do contrato, limitando-a ao conteúdo do art. 3º da norma, que trata da Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, o que, por bem, acabou não prosperando.

A proposta de emenda 199, apresentada pelo senador Jean Paul Prates no Congresso Nacional, seguiu a minha sugestão a respeito do caput do comando, nos seguintes termos de justificativas: “com apoio no texto intitulado ‘A MP 881/19 (liberdade econômica) e as alterações do Código Civil. Primeira parte’, escrito por um dos mais respeitados civilistas brasileiros – o professor Flávio Tartuce –, sugerimos a emenda em pauta”. A proposta acabou por ser adotada na tramitação legislativa na linha do que sempre sustentei doutrinariamente e com base nas lições de Antônio Junqueira de Azevedo, Álvaro Villaça Azevedo e Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka. Sendo assim, por bem, o texto do art. 421 do Código Civil foi finalmente corrigido, para que tenha o real sentido, de que a liberdade contratual, a autonomia privada, é que é limitada pela função social do contrato.

Pontue-se, a propósito, que, quando da tramitação legislativa, chegou-se a debater outro texto, sugerido pelos Professores Otávio Luiz Rodrigues Jr. e Rodrigo Xavier Leonardo, por meio do Senador Antonio Anastasia (emenda 158). Pela proposição, o dispositivo teria a seguinte dicção: “O contrato cumprirá a sua função social”. A norma proposta era até mais abrangente e louvável, pois colocava a função social do contrato no plano da validade do negócio jurídico. De todo modo, essa interpretação já é realizada pela doutrina, conforme se retira do enunciado 431 da V Jornada de Direito Civil.

Sobre o parágrafo único do art. 421, continua ele trazendo uma obviedade, desde o texto original da medida provisória, ao enunciar que a revisão contratual regida pelo Código Civil é excepcional. Na verdade, o Código Civil de 2002 adotou uma teoria de difícil aplicação prática - a teoria da imprevisão para uns, teoria da onerosidade excessiva, para outros -, com elementos insuperáveis para que a revisão seja efetivada, notadamente o elemento da imprevisibilidade (arts. 317 e 478). Acrescente-se que essa revisão também é dificultada por requisitos adicionais que constam do art. 330, §§ 2º e 3º, do CPC/15, quais sejam a determinação da parte controversa e incontroversa da obrigação - com a necessidade de eventual apresentação de cálculo contábil desses valores - e o depósito da parte incontroversa; sob pena de inépcia da petição inicial. Por isso, afirmar que a revisão de um contrato civil não é a regra significa dizer algo que já era da nossa realidade jurídica.

A encerrar o estudo do art. 421, parágrafo único, estou totalmente filiado às críticas de Anderson Schreiber, constantes do nosso Código Civil Comentado, a respeito da inexistência do princípio da intervenção mínima, agora previsto na norma. Vejamos suas palavras:

“A MP n. 881/19 também introduziu no art. 421 um parágrafo único, que estabelece a prevalência de um assim chamado ‘princípio da intervenção mínima do Estado’ e reserva caráter ‘excepcional’ à revisão contratual ‘determinada de forma externa às partes’. Mais uma vez, o equívoco salta aos olhos. Não existe um ‘princípio da intervenção mínima do Estado’; a intervenção do Estado nas relações contratuais de natureza privada é imprescindível, quer para assegurar a força vinculante dos contratos, quer para garantir a incidência das normas jurídicas, inclusive das normas constitucionais, de hierarquia superior à referida medida provisória. A MP n. 881/19 parece ter se deixado se levar aqui por uma certa ideologia que enxerga o Estado como inimigo da liberdade de contratar, quando, na verdade, a presença do Estado – e, por conseguinte, o próprio Direito – afigura-se necessária para assegurar o exercício da referida liberdade. No que tange à revisão contratual, também parece ter incorrido a medida provisória nessa falsa dicotomia entre atuação do Estado-juiz e liberdade de contratar, quando, ao contrário, a revisão contratual privilegia o exercício dessa liberdade ao preservar a relação contratual estabelecida livremente entre as partes, ao contrário do que ocorre com a resolução contratual, remédio a que já tem direito todo contratante nas mesmas situações em que a revisão é cabível (v. comentários ao art. 478). Se a intenção da MP foi evitar que revisões judiciais de contratos resultem em alterações excessivas do pacto estabelecido entre as partes, empregou meio inadequado: afirmar que a revisão contratual deve ser excepcional nada diz, porque não altera as hipóteses em que a revisão se aplica, as quais são expressamente delimitadas no próprio Código Civil. O novo parágrafo único, acrescentado pela MP, tampouco indica parâmetros, critérios ou limites à revisão contratual, o que leva a crer, mais uma vez, que a alteração não produzirá qualquer efeito relevante no modo como a revisão contratual é aplicada na prática jurisprudencial brasileira – aplicação que, de resto, já se dá com bastante cautela e parcimônia, sem interferências inusitadas no conteúdo contratual”.

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Q

Diferencie a função social interna e a externa?

A

Feita essa introdução, no tocante ainda à função social dos contratos, parte da doutrina investe na sua bipartição em função social interna e externa. A justificativa que se lança é que, entre as partes, a função social teria o escopo de assegurar contratos mais equilibrados, garantindo maior igualdade e dignidade entre os contratantes; já externamente, transcenderia à polarização entre as partes e representaria o reflexo da relação contratual perante a sociedade, promovendo a confiança nas relações sociais.

Internamente, a função social do contrato exerce a importante finalidade sindicante de evitar que o ser humano seja vítima de sua própria fragilidade ao realizar relações contratuais que, mesmo sob o pálio da liberdade contratual, culminem por instrumentalizá-lo ou, como intuiu Kant, convertam a pessoa – que é um fim em si – em meio para fins alheios.

No plano externo, a função social dos contratos liga-se diretamente à vertente da operabilidade, permitindo-nos desatar as amarras que prendem o objeto das obrigações, o direito à prestação consistente no bem da vida, no fato ou na abstenção a cargo do devedor às partes e aos seus sucessores, ignorando a sociedade que os tangencia. O locus do princípio da função social, em sua acepção externa, reside na sua capacidade provocativa de repensar o mito da relatividade contratual em contraposição à eficácia erga omnes dos direitos reais. Vale dizer, apesar de sua relatividade, os contratos produzem oponibilidade perante terceiros – como projeção de sua eficácia –, resultando em um dever de abstenção, no sentido de que a sociedade não pode afetar uma relação obrigacional em andamento, nem ser afetada negativamente por ela.

Internet (figura do terceiro ofensor):

São muitas as teorias que defendem ser a força obrigatória do contrato a livre vontade das partes contratarem. Desta forma, a vontade não é apenas um elemento do contrato, mas também a sua força obrigatória. Contudo, o princípio da função social do contrato mitiga um pouco essa concepção.

O fato é que o movimento da socialização do contrato passou a dar uma nova visão sobre as partes do contrato, focando também seus efeitos nos “terceiros” da relação. Passou-se a ser contra um individualismo centrado, e não contra o indivíduo em si.

A ideia de função social nos convida a olhar para o direito civil sem um enfoque individualista, buscando alcançar os valores sociais que o ordenamento jurídico institui como fundamento de todos os ramos do Direito. Portanto, além da liberdade contratual, passa a interagir os valores morais do contrato a justiça, a igualdade, a solidariedade e outros que são essenciais à tutela da dignidade da pessoa humana.

A função social torna o contrato um instrumento jurídico de efeitos transcendentes aos interesses da parte. Antes, a força obrigatória do contrato era fundada na vontade das partes, passando a hoje ser pautada na lei. Com isso, a finalidade do contrato deixou de ser a satisfação de interesses individualistas para atender as finalidades da lei, que ultrapassam a vontade das partes.

Em vista desse novo posicionamento, muitos autores tentam definir a figura do terceiro na relação contratual, mas o conceito dominante é que terceiro é aquele que não é parte na relação contratual, ou seja, não participa das negociações nem assume cumprir uma obrigação, contudo, sofre influências advindas daquela relação.

No entanto,o terceiro pode ocupar duas posições que em relação ao contrato: (i) de vítima de alguma consequência advinda do instrumento ou (ii) de ofensor que causa um prejuízo à parte credora.

De acordo com a interpretação clássica do princípio da relatividade, o “ terceiro vítima” nunca poderia pedir indenização pelos prejuízos sofridos ao devedor inadimplente, pois ele não faz parte da relação contratual.

Em contraposição a essa corrente, flexibilizando o rigor do princípio da relatividade, admite-se ao terceiro pedir indenização em face do contratante devedor em alguns casos. Um exemplo defendido é quando é formado um contrato com a finalidade de garantir outro instrumento, podendo o terceiro requerer indenização em face da parte inadimplente de um contrato do qual não seja parte, pois o contrato descumprido possuía a função de garantir e assegurar o seu contrato.

Nesse exemplo, o conceito de parte é alargado para incluir aquelas pessoas a quem o contrato relaciona-se sob o ponto de vista funcional. Daí percebe-se que a vontade de contratar com alguém não é mais o elemento essencial para formação do vínculo.

Outro exemplo de terceiro vítima é o caso do consumidor que sofreu um dano por defeito do produto decorrente de sua fabricação. Ora, o consumidor na maioria das vezes adquire o produto do comerciante, e não do fabricante. Mas advindo algum defeito de fabricação no produto, o consumidor poderá acionar tanto o comerciante quanto o fabricante, apesar de não possuir nenhuma relação com este.

Já “terceiro ofensor” é aquele que contribui para o descumprimento de uma obrigação de um contrato do qual não é parte. Pode-se citar como exemplo o caso de uma pessoa que tenha dever de sigilo para com uma empresa e declare em entrevista à imprensa alguns daqueles segredos. Nesse caso, a empresa de comunicação que divulgou os dados sigilosos pode vir a ser responsabilizada, em que pese não ter firmado o contrato de sigilo com a prejudicada.

Um dos argumentos para responsabilizar o terceiro é a teoria do abuso de direito, que defende a responsabilização deste quando souber da convenção entre as partes e praticar um ato contrário e proposital aquele contrato.

No entanto, mesmo que não haja intenção de prejudicar por parte do terceiro, o fato é que uma vez conhecida a convenção entre as partes, se o terceiro vir a firmar contrato que a prejudique, este segundo contrato estará em desacordo com a função social da liberdade de contratar.

O que a maioria da doutrina e jurisprudência entendem é que terceiros têm o dever de respeitar a situação criada pelo contrato, sob o fundamento da oponibilidade dos efeitos do contrato. Como visto, o princípio da função social do contrato dá novos contornos à liberdade contratual ao estabelecer que mesmo aquele que não participou da criação do contrato tem o dever de respeitá-lo. Pode-se dizer então que o contrato é oponível erga omnes, isto é, todos têm o dever de se abster de praticar atos que prejudiquem ou comprometam a satisfação de créditos alheios. Mas isso não significa que as obrigações contratuais são exigíveis em face de terceiros, pois a relatividade do contrato assim impede, apenas impõe o respeito a algumas situações jurídicas.

Diante do exposto, verifica-se que o princípio da função social cumpre o papel de delimitar o princípio da relatividade, modificando o alcance deste, que não se limita apenas à proteger a autonomia da vontade. Hoje, todo contrato deve ser interpretado como se transcendesse a esfera jurídica das partes.

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124
Q

Em que consiste o princípio da boa-fé objetiva?

A

Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.

Comentários:

Tendo em mente que os três grandes paradigmas do CC/2002 são eticidade, socialidade e operabilidade, a boa-fé objetiva é a maior demonstração de eticidade da obra conduzida por Miguel Reale. No CC/2002, o neologismo eticidade se relaciona de forma mais próxima com uma noção de moralidade, que pode ser conceituada como uma forma de comportamento suportável, aceitável em determinado tempo e lugar. Destarte, a boa-fé servirá como um parâmetro objetivo para orientar o julgador na eleição das condutas que guardem adequação com o acordado pelas partes, com correlação objetiva entre meios e fins. O juiz terá de se portar como um “homem de seu meio e tempo” para buscar o agir de uma pessoa de bem como forma de valoração das relações sociais.

Há de se salientar que existem duas acepções
de boa-fé: uma subjetiva e outra objetiva. A boa-fé subjetiva não é um princípio, e sim um estado psicológico em que a pessoa possui a crença de ser titular de um direito que, em verdade, só existe na aparência. O indivíduo se encontra em escusável situação de ignorância sobre a realidade dos fatos e da lesão a direito alheio. A boa-fé subjetiva prossegue a sua trajetória no CC/2002, principalmente nos arts. 1.201, 1.214 e 1.219, como exata dimensão da convicção interna do possuidor sobre a ausência de defeitos em sua posse, e também no art. 1.561, o qual se refere aos efeitos do casamento putativo ao cônjuge de boa-fé.

Em sentido diverso, o princípio da boa-fé ob-jetiva – localizado no campo dos direitos das obrigações – é o objeto de nosso enfoque. Trata-se da
“confiança adjetivada”
, uma crença efetiva no comportamento alheio. O princípio compreende um modelo de eticização de conduta social, verdadeiro standard jurídico ou regra de comportamento, caracterizado por uma atuação de acordo com determinadospadrões sociais de lisura, honestidade e correção, de modo a não frustrar alegítima confiança da outra parte.

Assim, é possível aferir alguns pressupostos da
boa-fé objetiva, quais sejam: a) uma relação jurídica que ligue duas pessoas, impondo-lhes especiais deveres mútuos de conduta; b) padrões de comportamento exigíveis do profissional competente, naquilo que se traduz como bonus pater familias; c) reunião de condições suficientes para ensejar na outra parte um estado de confiança no negócio celebrado.

[…]

Famoso exemplo do então exposto é o caso do
cantor Zeca Pagodinho, que rompeu o contrato com a empresa “A” e se vinculou à empresa “B”, sua concorrente. Embora tenha alegado que não sabia do seu compromisso de exclusividade com a empresa “A” (eventual presença de boa-fé sub-jetiva), houve flagrante quebra do princípio da boa-fé objetiva.

De fato, o princípio da boa-fé justifica-se no
interesse coletivo de que as pessoas pautem seu agir na cooperação e na retidão, garantam a promoção do valor constitucional do solidarismo, incentivando o sentimento de justiça social, com repressão a todas as condutas que importem em desvio aos parâmetros sedimentados de honestidade e lisura. Seria, em última instância, a tradução do campo jurídico do indispensável cuidado e da estima que devemos conceder ao nosso semelhante.

Não obstante uma primeira impressão possa
nos remeter a um tratamento intuicionista da boa-fé, não cabe ao magistrado enquadrá-la como um “sentimento jurídico”, segundo um “critério de equidade”. É preciso desde logo apartar a boa-fé das noções de equidade e bons costumes. Oprincípio da boa-fé é justificado sistematicamente, sendo capaz de enunciar comportamentos concretos. A outro turno, a equidade ignora regras técnicas e instrumentais, pois apela a “sen-timentos jurídicos”, tratando-se de um princípio que permite ao aplicador da norma a possibilidade de abrandar o seu rigor, aproximando o direito da ideia de justiça. Comparativamente aos bons costumes, os requisitos da boa-fé são mais rígidos, pressupondo uma especial confiança entre as pessoas que intervêm na relação jurídica concreta. Já os bons costumes remetem a algo exterior ao direito e limitado à autonomia privada, já que, ao contrário da boa-fé, eles não prescrevem comportamentos, mas proscrevem condutas ofensivas à moral média. Enfim, nem toda infração à boa-fé é contrária aos bons costumes, mas a recíproca não é verdadeira, pois toda conduta imoral representa uma ofensa à boa-fé.

Para descobrir a boa-fé no caso concreto, objetiva-se a situação – livrando-a dos aspectos sub-jetivos – indagando-se: qual seria a conduta confiável e leal conforme os padrões culturais incidentes no tempo e no lugar? Diante da resposta, cumpre observar se os contratantes observaram ou não o aludido padrão.

A boa-fé funciona como modelo capaz de nortear o teor geral da colaboração intersubjetiva, devendo o princípio ser articulado de forma coordenada às outras normas integrantes do ordenamento, a fim de lograr adequada concreção. Reportando-se a boa-fé a valores e expectativas compartilhados em uma comunidade, necessariamente haverá um balanceamento entre os interesses privados dos contratos e outros objetivos da sociedade, sobremaneira o bem-estar dos indivíduos. Tal equilíbrio é dimensionado pela via da boa-fé, ao equilibrar princípios e contra-princípios, amenizando a tensão entre polos e direções. A boa-fé determina que o direito contratual deve ser controlado, e o exercício do poder, limitado, de modo a se atingir parâmetros de decência.

Ademais, para fins didáticos, a profícua sistematização da boa-fé requer sua divisão em três setores operativos aptos a expor sua multifuncio-nalidade: a) função interpretativa; b) função de controle; e c) função integrativa.

No plano hermenêutico da otimização do comportamento contratual e do estrito cumprimento ao ordenamento jurídico, o art. 113 do CC dispõe que os negócios jurídicos devem ser inter-pretados de acordo com a boa-fé. O magistrado não apelará a uma interpretação literal do texto contratual, mas observará o sentido correspondente às convenções sociais ao analisar a relação obrigacional que lhe é submetida.

Relativamente à chamada “função de limite” – ou função de controle – ao exercício de direitos subjetivos, declara o art. 187 do atual CC que comete ato ilícito quem, ao exercer o seu direito, exceder manifestamente os limites impostos pela boa-fé. O princípio atua como máxima de conduta ético-jurídica. O problema posto nesse momento é o do abuso do direito. O juiz poderá decidir além da lei, observando os limites sociais dos direitos subjetivos privados em contraposição ao problema intersubjetivo dos limites da pretensão perante o sujeito passivo desta.

Já a função integrativa da boa-fé resulta do art.
422 do CC. Integrar traz a noção de criar, conceber. Ou seja, além de servir à interpretação do negócio jurídico, a boa-fé é uma fonte, um manancial criador de deveres jurídicos para as partes. Devem elas guardar, tanto nas negociações que antecedem o contrato como durante a execução deste, o princípio da boa-fé. Aqui, prosperam os deveres de proteção e cooperação com os interesses da outra parte – deveres anexos ou laterais –, propiciando a realização positiva do fim contratual na tutela aos bens e à pessoa da outra parte.

O conteúdo da relação obrigacional é dado
pela vontade e integrado pela boa-fé. Com isso, estamos afirmando que a prestação principal do negócio jurídico (dar, fazer e não fazer) é um dado decorrente da vontade. Os deveres principais da prestação constituem o núcleo dominante, a alma da relação obrigacional. Daí que sejam eles que definem o tipo do contrato.

Todavia, outros deveres se impõem na relação
obrigacional, completamente desvinculados da vontade de seus participantes. Trata-se dos deveres de conduta, também conhecidos na doutrina como deveres anexos, deveres instrumentais, deveres laterais, deveres acessórios, deveres de proteção e deveres de tutela.

Os deveres de conduta são conduzidos ao negócio jurídico pela boa-fé, destinando-se a resguardar o fiel processamento da relação obrigacional em que a prestação se integra. Eles incidem tanto sobre o devedor quanto sobre o credor, mediante resguardo dos direitos fundamentais de ambos, a partir de uma ordem de cooperação, proteção e informação, em via de facilitação do adimplemento. E é justamente essa postura cooperativa que permitirá que se alcance um ponto de equilíbrio no qual a relação logre êxito pelo adimplemento, com inegável satisfação dos interesses do credor (obtém a prestação) e do devedor (recupera a liberdade jurídica cedida), sem esquecer o cumprimento da função social externa da relação perante a coletividade.

Enunciado n. 24, CJF: Em virtude do princípio da boa-­fé, positivado no art. 422 do novo CC, a violação dos deveres anexos constitui espécie de inadimplemento, independentemente de culpa.
Enunciado n. 25, CJF: O art. 422 do CC não inviabi­liza a aplicação pelo julgador do princípio da boa-­fé nas fases pré­contratual e pós­contratual.

Enunciado n. 27, CJF: Na interpretação da cláusula
geral da boa­fé, deve-­se levar em conta o sistema do Código Civil e as conexões sistemáticas com outros estatutos normativos e fatores metajurídicos.
Enunciado n. 168, CJF: O princípio da boa­fé obje­tiva importa no reconhecimento de um direito a cumprir em favor do titular passivo da obrigação.
Enunciado n. 169, CJF: O princípio da boa­fé obje­tiva deve levar o credor a evitar o agravamento do pró­ prio prejuízo.
Enunciado n. 362, CJF: A vedação do comportamen­to contraditório (venire contra factum proprium) fun­da-se na proteção da confiança, tal como se extrai dos arts. 187 e 422 do CC.
Enunciado n. 432, CJF: Em contratos de financia­mento bancário, são abusivas cláusulas contratuais de repasse de custos administrativos (como análise do crédito, abertura de cadastro, emissão de fichas de com­ pensação bancária, etc.), seja por estarem intrinsecamente vinculadas ao exercício da atividade econômica, seja por violarem o princípio da boa-­fé.

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Qual a relação entre a boa-fé objetiva e o princípio da colaboração previsto no CPC-2015?

A

O CPC/2015 introduz um modelo cooperati-vo, pautado no princípio da colaboração. Em princípio, muitos poderiam supor que se trataria de um “simulacro” da boa-fé objetiva do direito privado. Ledo engano: a boa-fé do CC pressupõe os interesses convergentes das partes no sentido do cumprimento pela exata forma com que se estabeleceu o “projeto obrigacional”. Enquanto o credor almeja a satisfação da prestação, o devedor aspira recobrar a liberdade que cedeu ao se vincular. No processo civil, todavia, os interesses das partes são divergentes, eis que já se manifestou a crise do inadimplemento. Assim, não há uma finalidade comum que irmane os litigantes, pois a sentença e a execução apenas prestigiarão uma das partes.

Destarte, a boa-fé processual terá o magistrado como destinatário. Ela complementará a boa-fé civil, ao convidar ao diálogo aquele que até então se mantinha em clausura. Sendo o processo um instrumento idôneo para a concreção da tutela de direito material, o princípio colaborativo demandará um compartilhamento de responsabilidades entre as partes e o juiz, a fim de que se alcance uma decisão justa e efetiva. A par da natural assimetria na fase decisória – naturalmente o ato de sentenciar dispensa a dialética –, todo o comando do processo se dará em bases cooperativas, com destaque para os deveres judiciais anexos perante as partes, de auxílio, diálogo, esclarecimento e prevenção, todos destinados à preservação do equilíbrio de forças no desenrolar do lide. A exaltação da boa-fé pelo
CPC/2015 demonstra que o processo não é um conjunto abstrato de equações concebidas em um laboratório, mas uma técnica a serviço de uma ética de direito material.

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Q

No caso de contrato entre ausente, quando se considera o negócio perfectibilizado?

A

Art. 434. Os contratos entre ausentes tornam-se perfeitos desde que a aceitação é expedida, exceto:

I - no caso do artigo antecedente;

II - se o proponente se houver comprometido a esperar resposta;

III - se ela não chegar no prazo convencionado.

Art. 433. Considera-se inexistente a aceitação, se antes dela ou com ela chegar ao proponente a retratação do aceitante.

Comentários:

Os contratos entre presentes se formam imediatamente ao tempo da aceitação (art. 428, I, do CC). No momento em que ocorre o consenso está concluído o contrato. Se não houve concordância, houve dissenso, e não se concluiu o negócio jurídico. Se houve consenso ou não, é questão de interpretação. Em princípio, o consenso se estende a todos os pontos da oferta, mas, se os figurantes consentiram a propósito dos pontos reputados essenciais, o que ficou reservado é ponto secundário ou complementar. O contrato está concluído quando há o consenso referente aos pontos essenciais.

Contudo, no que concerne à formação do contrato entre ausentes, quatro teorias são apresentadas, a saber: 1) teoria da declaração ou agnição, que estabelece a conclusão do contrato quando o oblato escreve a resposta de aceitação; 2) teoria da expedição, pela qual avulta o tempo do envio da vontade pelo aceitante como instante do encontro de manifestações e nascimento do contrato, sendo insuficiente a simples declaração no sentido da aceitação; 3) teoria da recepção, pela qual a formação do contrato ocorre no momento em que a aceitação do contrato chega ao endereço do proponente, mesmo que este não tenha conhecimento de seu conteúdo; e 4) teoria da informação ou cognição, que só considera formado o contrato quando o proponente é cientificado da aceitação.

Em sintonia com a linha já adotada pelo Código anterior, o legislador pátrio, no artigo em comento, adota a teoria da expedição para os contratos entre ausentes, nos quais as manifestações não são concomitantes, ocorrendo em momentos sucessivos. O contrato é concluído quando o declaratário não só manifesta a aceitação, como a remete ao proponente. A teoria da expedição é razoável, pois propicia equânime balanceamento entre os interesses do proponente e do aceitante, da confiança e da responsabilidade. O dever de cooperação deste se dá com a expedição da aceitação para que aquele possa conhecê-la. Seria desarrazoado exagero exigir que o aceitante ainda diligenciasse no sentido de que o proponente tivesse conhecimento da aceitação.

Nada obstante, a opção pela teoria da expedição é praticamente desfigurada pelas situações descritas, respectivamente, nos incisos I a III do presente artigo: a) no caso do artigo antecedente – vale dizer, caso a retratação do oblato alcance o proponente antes ou concomitantemente ao momento em que este tenha conhecimento da aceitação, conforme apreciado no art. 433; b) se o proponente se houver comprometido a esperar a resposta – se o proponente manifestou a vontade de apenas se vincular ao tempo da recepção da aceitação, obrigando-se a esperar indefinidamente. Este inciso valoriza a autodeterminação do proponente quanto ao momento da formação do contrato. No mais, este inciso II excepciona a regra do art. 428, II, que retira a obrigatoriedade da proposta, quando sem prazo, depois de decorrido tempo suficiente para que a resposta chegue ao proponente; e c) se ela não chegar no prazo convencionado – caso a expedição seja tempestiva, mas a recepção não ocorrer no prazo assinalado pelo proponente.

Vê-se que, nas realçadas hipóteses, o legislador optou ora pela teoria da informação, ora pela teoria da recepção, concebendo um sincretismo jurídico passível, inclusive, de derrogação pelos interessados, tendo em vista a liberdade do particular para derrogar essas regras legais – de caráter supletivo – e autonomamente fixar o mo-mento exato de conclusão do contrato.

Em sede de internet, algumas ofertas podem
ser consideradas entre presentes (quando há interatividade) e outras entre ausentes, como por meio de mensagens eletrônicas (por e-mail ou site), em que não há instantaneidade na troca de informações. Assim, contratos celebrados por sa-las de chat e webcam são realizados com simultaneidade, em tempo real. Determinados aplicativos permitem o diálogo imediato como em uma tradicional conversa ao telefone. Nesses casos, o recebimento da aceitação determina a contrata-ção. Tratando-se do correio eletrônico, prevalece a teoria da expedição, ou seja, o contrato nasce com o envio da mensagem virtual ao ofertante.

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Q

No contrato de promessa de fato de terceiro, uma vez aceito o compromiso pelo terceiro, fica o promitente eximido de qualquer responsabilidade perante o promissário?

A

Art. 439. Aquele que tiver prometido fato de terceiro responderá por perdas e danos, quando este o não executar.

Parágrafo único. Tal responsabilidade não existirá se o terceiro for o cônjuge do promitente, dependendo da sua anuência o ato a ser praticado, e desde que, pelo regime do casamento, a indenização, de algum modo, venha a recair sobre os seus bens.

Art. 440. Nenhuma obrigação haverá para quem se comprometer por outrem, se este, depois de se ter obrigado, faltar à prestação.

Comentários:
Ao contrário da estipulação em favor de terceiro, a promessa de fato de terceiro não constitui exceção ao princípio da relatividade contratual entre as partes. Aqui, uma pessoa promete a outra que conseguirá o consentimento de um terceiro para realizar uma prestação em seu favor. O promitente é um garantidor do fato alheio, mas promete um fato próprio, qual seja uma obrigação de fazer consistente na obtenção da aquiescência do terceiro. Quer dizer, quem verdadeiramente se obriga é o promitente, e não o terceiro. Esse apenas se vinculará perante o promissário quando der o seu assentimento.
Não se trata de mutação subjetiva da obrigação. Vê-se aqui uma dualidade de obrigações sucessivas assumidas perante o promissário: a) o promitente possui obrigação própria – atrair o consentimento de terceiro. Enquanto isso não sucede, o vínculo jurídico se circunscreve a promitente e promissário, podendo a relação obrigacional ser alterada ou desconstituída; b) a obrigação eventualmente aceita pelo terceiro será de outra natureza. No momento em que empresta o consentimento, o terceiro inicia uma relação jurídica com o promissário. Nesse instante, o promitente se desligará da obrigação, pois obteve êxito em sua prestação: trazer a adesão do terceiro.

Da Estipulação em Favor de Terceiro

Art. 436. O que estipula em favor de terceiro pode exigir o cumprimento da obrigação.

Parágrafo único. Ao terceiro, em favor de quem se estipulou a obrigação, também é permitido exigi-la, ficando, todavia, sujeito às condições e normas do contrato, se a ele anuir, e o estipulante não o inovar nos termos do art. 438.

Comentários:

A estipulação em favor de terceiro é contrato
sui generis. Forma-se quando o estipulante (ou promissário) convenciona com o promitente a concessão de uma vantagem patrimonial em prol de um terceiro, que se constitui em beneficiário. Em outras palavras, duas pessoas celebram um negócio jurídico cujo desiderato é favorecer a situação jurídica patrimonial de um estranho ao ato de autonomia privada; este acaba por adquirir um direito próprio a essa vantagem, convertendo-se em credor do promitente.

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Q

O vendedor responde por perdas e danos no caso de rescisão do contrato por vício redibitório?

A

Art. 443. Se o alienante conhecia o vício ou defeito da coisa, restituirá o que recebeu com perdas e danos; se o não conhecia, tão-somente restituirá o valor recebido, mais as despesas do contrato.

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Q

O adquirente poderá postular a resolução contratual e a indenização por perdas e danos do alienante mediato no caso de vício redibitório?

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A

Art. 443. Se o alienante conhecia o vício ou defeito da coisa, restituirá o que recebeu com perdas e danos; se o não conhecia, tão-somente restituirá o valor recebido, mais as despesas do contrato.

Comentários:

[…]

A responsabilidade contratual segue as regras
relativas ao inadimplemento das obrigações (art. 389 do CC). Portanto, as perdas e danos incidirão cumulativamente aos juros, à atualização monetária e aos honorários advocatícios. É interessante que as partes estipulem a cláusula penal compensatória (arts. 408 e 410 do CC) como forma de prefixação de perdas e danos, evitando-se a árdua demonstração de danos emergentes e lucros cessantes.

A outro giro, enquanto os prazos de reclamação dos vícios seguem a sistemática exígua do art. 445 do CC, a pretensão indenizatória poderá ser exercitada em três anos (a contar da transferên-cia da posse), ex vi do art. 206, § 3o, V, do CC.

Sobre o art. 618 do CC:

Segundo lição de Yussef Sahid Cahali, no comento de referido dispositivo:

Já se reconhecia que o prazo de cinco anos não é para o exercício da ação, mas sim de garantia de solidez da obra. Verificada a existência de defeito na obra, começa, então, a correr o prazo de prescrição da ação, que era o comum aos direitos pessoais. (Prescrição e Decadência. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p.229)

Quer parecer que o legislador estabelece uma responsabilidade objetiva a ser respeitada apenas dentro do prazo legal dito de garantia, sendo que o empreiteiro responde independente de culpa pelos danos decorrentes de obra mal executada ou com defeitos na execução ou no emprego de materiais que digam respeito à segurança ou solidez, de modo geral, do imóvel ou empreendimento.

Destaca-se, à propósito, da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

Na linha da jurisprudência sumulada (Enunciado nº 194) deste Tribunal, fundada no Código Civil de 1916, ‘prescreve em vinte anos a ação para obter, do construtor, indenização por defeitos na obra’. II - O prazo de cinco (5) anos do art. 1245 do Código Civil, relativo à responsabilidade do construtor pela solidez e segurança da obra efetuada, é de garantia e não de prescrição ou decadência. Apresentados aqueles defeitos no referido período, o construtor poderá ser acionado no prazo prescricional de vinte (20) anos”. (STJ. REsp. 215832, do PR. Quarta Turma. Rel. Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA. Decisão em 06/03/2003).

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Quais são os prazo para postular a redibição ou o abatimento do preço?

A

Art. 445. O adquirente decai do direito de obter a redibição ou abatimento no preço no prazo de trinta dias se a coisa for móvel, e de um ano se for imóvel, contado da entrega efetiva; se já estava na posse, o prazo conta-se da alienação, reduzido à metade.

§ 1 o Quando o vício, por sua natureza, só puder ser conhecido mais tarde, o prazo contar-se-á do momento em que dele tiver ciência, até o prazo máximo de cento e oitenta dias, em se tratando de bens móveis; e de um ano, para os imóveis.

§ 2 o Tratando-se de venda de animais, os prazos de garantia por vícios ocultos serão os estabelecidos em lei especial, ou, na falta desta, pelos usos locais, aplicando-se o disposto no parágrafo antecedente se não houver regras disciplinando a matéria.

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Q

Os vícios redibitórios são aplicáveis em contrato aleatórios?

A

Por outro lado, tratando-se de contratos aleatórios (art. 458 do CC), há de se excluir a garantia do vício redibitório. Com efeito, a incerteza quanto à exigibilidade de uma das prestações, sua qualidade ou quantidade, ou mesmo a sua equivalência com relação à outra prestação, impede a discussão quanto aos defeitos da coisa. O art. 441 do CC é explícito no particular: “a coisa recebida em virtude de contrato comutativo pode ser enjeitada por vícios ou defeitos ocultos, que a tornem imprópria ao uso a que é destinada, ou lhe diminuam o valor”. Isso posto, nos contratos aleatórios, não há necessidade de inserção de cláusula excludente de garantia, afinal a própria natureza do negócio jurídico o incompatibiliza com a tutela do vício redibitório.

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Q

A falha no tempo de congelamento de uma geladeira objeto de compra e venda entre particulares constitui defeito que autoriza a redibição do contrato?

A

[…] no regime do CC, o contratante apenas obterá êxito na demonstração do vício redibitório se demonstrada a efetiva incapacitação do objeto adquirido, ou seja, a gravidade do vício. Exemplificando: um particular que compra uma geladeira usada poderá discutir o vício decorrente do motor que não funciona. Todavia, mesmo que o produto funcione normalmente, será fadada ao fracasso a alegação pelo adquirente da teoria do vício redibitório para fundamentar a rescisão de contrato de compra e venda de geladeira que apresenta falha por apresentar algum excesso no tempo de congelamento. Afinal, incapacitação não se confunde com pequena perda de eficiência do bem que não o impeça de desempenhar a função para a qual foi adquirido. Em hipóteses como essa, o adquirente que deseja desconstituir o negócio jurídico terá de recorrer ao princípio da boa-fé objetiva (art.422 do CC), demonstrando, exemplificativamente, a omissão do dever anexo de informação, pelo transmitente, quanto a determinado aspecto da qualidade do objeto adquirido.

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O vício redibitório aplica-se às obrigações de fazer? E aos vícios de quantidade, aplica-se?

A

[…] o vício redibitório invariavelmente se refere a uma “coisa”. Vale dizer, toda a teoria dos vícios redibitórios foi edificada para as obrigações de dar coisa certa, em torno de uma garantia para o adquirente de bens móveis e imóveis em seu aspecto qualitativo. Restam, portanto, excluídas da disciplina do direito privado as obrigações que ostentem vícios de quantidade, bem como as obrigações de fazer, estas últimas por sua conexão imediata com aquisição de serviços, e não de produtos, que serão relegadas ao campo do inadimplemento ou mora, nas relações intercivis e interempresariais (art. 389 do CC). O mesmo se diga quanto aos vícios de quantidade, quer dizer, a questão será resolvida à luz da teoria do inadimplemento. Destarte, se “A” adquire 100 litros de combustível e recebe apenas 90, deverá pleitear perdas e danos em decorrência da inexecução obrigacional.

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Q

Vício aparente autoriza a redibição? E o vício oculto de conhecimento do adquirente?

A

Outrossim, nas relações privadas, o vício redibitório será oculto, assim conceituado como aquele efetivamente desconhecido pelo adquirente ao tempo da contratação e que não poderia ser detectado pelo exame por ele efetivado, ou mesmo por uma pessoa de cautela ordinária na direção de seus negócios. Sendo, todavia, o vício de fácil constatação, ostensivo e aparente, presume-se que houve desídia do adquirente quando da contratação, ou mesmo renúncia da garantia, ainda que tivesse percebido a impropriedade do bem, pois ansiava por recebê-lo de qualquer maneira. Mesmo que o vício seja oculto, caso conhecido pelo adquirente, será a ação redibitória julgada improcedente.

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Q

Qual a diferença entre rescisão e resolução contratual?

A

A rescisão do contrato consiste na desconstituição do negócio jurídico por vício inerente ao próprio objeto da relação obrigacional, contemporâneo à sua formação, em relações jurídicas que portam em seu gérmen um vício material (vício redibitório) ou jurídico (evicção). Assim como a invalidade do negócio jurídico, a rescisão se localiza na gênese da relação obrigacional, sem que com aquela se confunda. Aparta-se a rescisão, ainda, dos fenômenos da resolução, da resilição e do distrato, que acometem uma relação contratual originariamente perfeita, pela perda de eficácia como produto de um acontecimento superveniente. Justamente por não se traduzir em inadimplemento de obrigação, mas em defeito contemporâneo à formação do negócio, o legislador excluiu o enfoque da rescisão quando do exame da extinção do contrato (arts. 472 a 480 do CC).

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137
Q

Como se conta o prazo de redibição no caso de previsão de cláusula de garantia no contrato?

A

Art. 446. Não correrão os prazos do artigo antecedente na constância de cláusula de garantia; mas o adquirente deve denunciar o defeito ao alienante nos trinta dias seguintes ao seu descobrimento, sob pena de decadência.

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138
Q

Cabe evicção nos contratos gratuitos?

A

Art. 447. Nos contratos onerosos, o alienante responde pela evicção. Subsiste esta garantia ainda que a aquisição se tenha realizado em hasta pública.

Comentários:

[…]

Nos contratos gratuitos, como a doação, não
se aplica a evicção, pois a eventual privação do bem pelo adquirente não representaria um prejuízo propriamente dito, mas apenas a perda de uma vantagem. Dispensa-se, por conseguinte, a recomposição do sinalagma, de acordo com a disposição do art. 552 do CC. Contudo, nada impede que, no contexto de autonomia do autor da liberalidade, o transmitente consinta em assumir os riscos pela perda da coisa.

Não se olvide ainda da possibilidade de o doador suportar a evicção quando dolosamente transfere a propriedade do bem, sabendo ser ela portadora de vício jurídico. Cuida-se do presente de grego. A especificidade da hipótese reside no fundamento diferenciado da demanda: não será o alienante responsabilizado pela evicção, por ser ela estranha aos contratos gratuitos, mas por eventuais perdas e danos decorrentes do ato ilícito. Seria simplório generalizar a tese de que o donatário nunca sofre perdas, mas apenas privação de ganhos. Ilustrativamente, seria a situação daquele donatário que, ato contínuo, locou imóvel cuja origem ilegítima era previamente conhecida pelo doador. Terá esse de arcar com os lucros cessantes relativos aos ganhos frustrados da locação, rompida em razão da evicção (art. 392 do CC).

Excepcionalmente, caberá a evicção na doação com encargo ou modal (impropriamente de-nominada pelo CC de doação onerosa). A inserção do encargo na doação produz uma restrição na eficácia da liberalidade, pela criação de uma obrigação para o donatário de dar, fazer ou não fazer. O encargo não se qualifica como uma contraprestação – mantendo a doação a sua essencial gratuidade –, porém o contrato se torna bilateral, justificando a incidência da evicção até o limite da prestação imposta ao donatário.

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139
Q

No caso de reivindicação de bem arrematado por terceiro, terá este direito à evicção? Se sim, contra quem o arrematante deverá ajuizar a demanda?

A

Por fim, a cláusula que acautela o adquirente
em face da evicção é implícita, mesmo nos contratos efetuados em hasta pública. Destarte, haverá proteção em prol daquele que arrematou judicialmente em processo de execução em virtude do reconhecimento da existência de direito alheio, preexistente à arrematação. Ora, houve um pagamento sem justa causa do arrematante, merecendo ele, portanto, a tutela do ordenamento jurídico. Todavia, nesse momento surge a grande indagação: quem lhe indenizará pela coisa evencida? Afinal, não se trata de alienação de um bem, mas sim de uma hipótese de expropriação praticada pelo Estado.

A doutrina oferece três opções:

a) Investir contra o executado, pois o seu patrimônio é a garantia comum de todos os credores. Afinal, seria injusto, caso o bem arrematado não lhe pertencesse, fosse o arrematante obrigado a suportar todo o peso da execução. Haveria enriquecimento indevido do executado ao se exonerar de débitos, prevalecendo-se de titularidades alheias. Pelo fato de o executado comumente ser insolvente, incidirá responsabilidade subsidiária do credor exequente, beneficiado por um enriquecimento injustificado, à custa de algo que não era devido.
b) Investir solidariamente contra o Estado, exequente e executado. O Estado ingressaria no polo passivo da demanda ao sub-rogar a vontade do executado e, posteriormente, decidir a propriedade em favor de terceiro. Assume, destarte, o risco de entregar com uma mão o que em seguida retirará com outra.
c) Exigir judicialmente a garantia dos credores exequentes, pois foram eles que levaram o bem à hasta pública e, assim, acabaram por assumir objetivamente o risco por eventual evicção do direito. É uma tarefa árdua, diante de seu estado econômico precário, a não ser que tenha percebido o saldo remanescente pela alienação. A outro turno, postular contra os credores da execução gera maiores chances de sucesso, haja vista que eles levaram o bem à hasta e embolsaram o seu valor.

Diante do exposto, melhor entendimento é o
de que não há propriamente garantia contra a evicção na arrematação em hasta pública, pois a referida garantia só se aplica a atos de autonomia privada, preferencialmente negócios jurídicos onerosos. Mas se não se pode negar que de fato houve a evicção, embora inexista garantia espe-ífica contra ela, também não pode o direito permitir que fique sem tutela a situação patrimonial do arrematante. Sendo assim, acreditamos que, primeiramente, o arrematante evicto direcionará a demanda em face do executado, seja por ostentar a condição de primitivo titular do direito, como por ter sido diretamente beneficiado pelo desfecho da execução, pela extinção de sua obrigação. Subsidiariamente, será viável a responsabilização do exequente. Tecnicamente, ele não seria legitimado para a demanda, pois nunca titularizou o direito sobre o bem arrematado. Porém, sua responsabilidade decorre do princípio geral do enriquecimento sem causa, à medida que obteve a satisfação de um crédito à custa da arrematação de um bem que não poderia ter sido adquirido pelo arrematante.

Por último, e agora com argumentos exclusivos de nossa lavra, pensamos que, na impossibilidade de êxito da pretensão perante credor e devedor, caberá a responsabilização do Estado. Tenhamos como fundamento o abuso do direito estatal (art. 187 do CC) pela violação do princípio da boa-fé objetiva, na modalidade do venire contra factum proprium, senão vejamos: a primeira conduta estatal consistiu na atração da confiança do arrematante por meio de ato regular de sub-rogação do consentimento do executado, com o corolário lógico da expropriação do direito de propriedade e a destinação do pagamento aos credores; a segunda conduta estatal, a seu turno, traduziu-se em acolher a pretensão do terceiro, real titular do direito, em detrimento da legítima expectativa de confiança antes inculcada na pessoa do evicto no tocante à segurança jurídica do direito adquirido em hasta pública. Com efeito, é evidente o comportamento contraditório e incoerente do Estado, a atrair a sua responsabilidade subsidiária à medida que a solidariedade não se presume (art. 265 do CC), demandando a existência de lei ou cláusula contratual permissiva.

JURISPRUDÊNCIA:

A natureza da arrematação, assentada pela doutri­ na e pela jurisprudência, afasta a natureza negocial da
compra e venda, por isso que o adquirente de bem em hasta pública não tem a garantia dos vícios redibitórios nem da evicção. O arrematante lesado pode desfazer a arrematação, investir contra o devedor que liberou-­se com alienação juridicamente interditada ou voltar-­se mesmo contra o credor que se pagou de modo indevi­do, mas jamais sub­rogar­se em crédito do processo de expropriação, cuja própria execução ultimou-se com o pagamento do precatório. Ao arrematante reserva-­se o acesso à justiça amplo a evitar o locupletamento sem causa, podendo constringir o crédito do expropriado, em medida acautelatória que lhe garanta o pagamento a posteriori. Deveras, outra alternativa não se lhe re­serva. (STJ, REsp n. 625.322/SP 1a T., rel. Min. Luis Fux, j. 11.05.2004)

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140
Q

Quala diferença entre o direito do adquirente em cujo contrato inexistia previsão a excluir a evicção e o adquirente em cujo contrato previa a cláusula, porém ele desconhecia do risco da evicção, vita esta a concretizar-se?

A

Art. 449. Não obstante a cláusula que exclui a garantia contra a evicção, se esta se der, tem direito o evicto a receber o preço que pagou pela coisa evicta, se não soube do risco da evicção, ou, dele informado, não o assumiu.

Art. 450. […] Parágrafo único. O preço, seja a evicção total ou parcial, será o do valor da coisa, na época em que se evenceu, e proporcional ao desfalque sofrido, no caso de evicção parcial.

Art. 451. Subsiste para o alienante esta obrigação, ainda que a coisa alienada esteja deteriorada, exceto havendo dolo do adquirente.

Comentários:

Com efeito, a cláusula de non praestanda evictione (exclusão de garantia) do dispositivo [art. 449] em análise apenas implicará exoneração completa da garantia se o adquirente declarar que a transmissão do direito se dá com ciência dos riscos e a sua total assunção. Caso contrário, ser-lhe-á restituído o valor correspondente ao preço pago, evitando-se o enriquecimento sem causa. Portanto, a cláusula que afasta a garantia é relativizada quando o adquirente não é advertido sobre o risco da coisa. O mesmo efeito de restituição do pagamento ocorre nos casos em que o adquirente é informado do risco da evicção, porém não o assume. Como não desconhece o vício, resta excluído o dolo do alienante, que apenas restituirá o que recebeu, inserindo o adquirente na situação primitiva, sem nenhum acréscimo de perdas e danos.

Portanto, dois cenários se descortinam: a) se
desconhece a origem litigiosa do bem e não foi subscrita cláusula de ciência do risco – não obstante excluída expressamente a garantia –; ocorrendo a evicção, receberá o adquirente o preço que pagou, como uma espécie de mínimo indenizatório, no qual não serão computados os acréscimos relacionados nos incisos do art. 450 do CC; b) se, além da subscrição da cláusula de non praestanda evictione, declara o adquirente que recebe o direito por sua conta e risco, não será o alienante sequer obrigado a restituir o preço, caso sobrevenha a evicção. Nesse caso, o negócio jurídico oneroso perde a natureza comutativa, assumindo feição aleatória (art. 460 do CC), tendo em vista que o resultado vantajoso esperado pelo adquirente poderá tornar-se, em função de um evento imprevisível, desproporcional ao sacrifício a que se sujeita.

[…]

Por fim, parece-nos, todavia, que o dispositivo descurou em sancionar com maior gravidade o alienante que sabia da existência da evicção e não informou o adquirente sobre os riscos. A omissão dolosa – pelo silêncio intencional da parte a respeito de qualidade da coisa que a outra parte ignorava – implicaria não só a necessidade de restituição dos valores pagos como ainda a imposição de indenização. Em suma, a responsabilidade do alienante é objetiva, pois independe da cogitação de culpa quanto ao conhecimento do fato. O seu fundamento é a garantia. Todavia, a ciência prévia à alienação quanto ao evento determinante da evicção propiciará agravamento da responsabilidade, na medida em que afronta o direito à conduta de quem procura se beneficiar com a própria torpeza.

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141
Q

Em que consiste a evicção parcial?

A

Art. 455. Se parcial, mas considerável, for a evicção, poderá o evicto optar entre a rescisão do contrato e a restituição da parte do preço correspondente ao desfalque sofrido. Se não for considerável, caberá somente direito a indenização.

Comentários:
A evicção parcial poderá consistir na perda da
fração de um direito sobre o bem adquirido (v. g., adquirente é privado da propriedade de 50% da área do imóvel); pode também representar a supressão de uma situação jurídica que acedeu ao negócio jurídico (v. g., evicção quanto a uma servidão de passagem sobre imóvel vizinho), ou mesmo a submissão do direito a uma situação jurídica de terceiro (v. g., adquirente é derrotado em demanda que impõe ao seu prédio a condição de serviente perante outro prédio).

Esclarece o art. 455 do CC que, sendo a evicção parcial, des se abrem ao evicto: rescisão do contrato ou restituição, pelo alienante, da parte do preço correspondente ao desfalque sofrido. mas considerável, duas oportunida

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142
Q

No que se refere aos contratos aleatórios, o que é emptio sprei e emptio rei speratae?

A

Art. 458. Se o contrato for aleatório, por dizer respeito a coisas ou fatos futuros, cujo risco de não virem a existir um dos contratantes assuma, terá o outro direito de receber integralmente o que lhe foi prometido, desde que de sua parte não tenha havido dolo ou culpa, ainda que nada do avençado venha a existir.

Art. 459. Se for aleatório, por serem objeto dele coisas futuras, tomando o adquirente a si o risco de virem a existir em qualquer quantidade, terá também direito o alienante a todo o preço, desde que de sua parte não tiver concorrido culpa, ainda que a coisa venha a existir em quantidade inferior à esperada.

Comentários:

Aqui há uma variação quantitativa quanto à
extensão do risco, na comparação com o contrato aleatório do art. 458 do CC. O dispositivo anterior tratava da emptio spei, consubstanciada no risco integral assumido pelo contratante, não só no tocante à quantidade como quanto à própria exigibilidade da prestação. Porém, o artigo em exame se refere à emptio rei speratae, na qual a incerteza não recai sobre a existência da prestação propriamente dita, mas sobre a sua quantidade e a sua qualidade.

O contratante terá de suportar a prestação
mesmo que a coisa adquirida venha em quantidade mínima. Assim, perseverando no contrato de compra de safra futura entre “A” e “B”, mesmo que a colheita obtida pelo alienante “A” seja ínfima – em razão de eventos da natureza –, deverá o adquirente “B” arcar com a importância ajustada no contrato. Caso tenha adiantado o valor, será inviável qualquer pretensão de restituição proporcional ao resultado real. Reiterando o exposto no exame do dispositivo pregresso, o negócio jurídico apenas preservará sua eficácia se o alienante não atuou no sentido de obstaculizar a vantagem da contraparte, concorrendo culposamente para o prejuízo do adquirente. Constatada a interferência do alienante para o resultado deficitário, ele terá de recompor o equilíbrio contratual mediante a devolução da soma representativa do que se esperava da produção em termos razoáveis.

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143
Q

É válido um contrato em que o adquirente assume o risco do perecimento da coisa, quando esta já havia perecido no momento da celebração do pacto, embora sem conhecimento do alienante?

A

Art. 460. Se for aleatório o contrato, por se referir a coisas existentes, mas expostas a risco, assumido pelo adquirente, terá igualmente direito o alienante a todo o preço, posto que a coisa já não existisse, em parte, ou de todo, no dia do contrato.

Comentários:

Esta regra é assaz interessante. Consiste em exceção aos dois dispositivos anteriores, que disciplinam os contratos aleatórios em sua perspectiva clássica de riscos concernentes a coisas ou fatos futuros. Aqui, em sentido distinto, as partes pactuam contrato aleatório concernente a coisas existentes ao tempo da celebração da avença, sendo o risco relacionado à eventual destruição, à perda ou à devastação do bem. O objeto da prestação poderá se desfazer de suas características originárias, sendo que tal risco será assumido por um dos contratantes, de modo que o alienante fará jus ao pagamento integral, sem possibilidade de devolução de valores, em caso de adiantamento efetuado pelo adquirente.

Mas o sentido da norma é ainda mais abrangente. O adquirente também assumirá o risco do perecimento ou aniquilação do objeto, mesmo sendo esse fato anterior ou concomitante à contratação, sendo suficiente, para a validade e a eficácia dessa espécie de contrato aleatório, que o alienante não tivesse conhecimento do evento lesivo.

Tenha-se, ilustrativamente, a hipótese em que
o comerciante “A” adquire de “B” um veículo para o transporte de mercadorias da empresa. Contudo, “A” e “B” não sabem que, na noite anterior à contratação, o funcionário de “B” danifica o veículo em uma colisão. A cláusula de assunção da álea, mesmo celebrada posteriormente ao ato danoso, é válida e eficaz, respaldada pela parte final do art. 460.
Quebram-se assim dois paradigmas da teoria
geral do direito civil: a) dá-se guarida a um negócio jurídico inexistente naquelas situações em que sequer o objeto existia ao tempo da contratação; b) desloca-se convencionalmente a disciplina da distribuição dos riscos da coisa (art. 492 do CC), pois a regra geral indica que o alienante suporta os riscos de perecimento até o momento da tradição. Nada disso ocorre na espécie: o adquirente assume os riscos pela privação do objeto já no ato da contratação (gerando uma espécie de tradição ficta). Todavia, mesmo diante da derrogação da norma legal, o adquirente não suportaria o risco da perda de bem, já inexistente no instante da conclusão do negócio jurídico. Nada obstante, o art. 460 vai além e ao adquirente imputa essa responsabilidade, a ponto de arcar com a sua prestação, integralmente.

Enfim, tamanha exposição a riscos requer a
formulação de cláusula precisa quanto à extensão da álea contratual. Qualquer dúvida quanto à intenção das partes se interpretará favoravelmente ao adquirente.

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144
Q

O que são acordos provisórios?

A

[…] na fase das negociações preliminares, as partes costumam celebrar os chamados acordos provisórios, usualmente denominados de minutas, esboços ou cartas de intenção. Elas já se vinculam a determinados pontos do negócio, mas sem se obrigar a celebrar o contrato principal enquanto não se acertam com relação aos demais aspectos. Os acordos parciais não geram a obrigação de celebração do contrato definitivo, pois não se pactuou ainda no que tange às cláusulas em aberto. Assim, se as partes não celebram o contrato definitivo, por não alcançarem consenso em relação aos pontos em aberto, automaticamente se extingue o acordo provisório. Nada obstante, se decidirem por contratar, vinculam-se os promitentes aos termos das minutas parciais.

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145
Q

O princípio da atração das formas aplica-se aos contratos preliminares?

A

Art. 462. O contrato preliminar, exceto quanto à forma, deve conter todos os requisitos essenciais ao contrato a ser celebrado.

Comentários:

[…]

Ainda em relação ao contrato preliminar, este
é passível de visualização em duas espécies com tratamento doutrinário distinto: a) o contrato preliminar bilateral que ostenta caráter sinalag-mático, pois ambas as partes se comprometem a celebrar um contrato definitivo (arts. 463 a 465 do CC); b) o contrato preliminar unilateral, pelo qual apenas uma das partes se obriga a celebrar o contrato, sendo que a outra possui a faculdade de aceitá-lo ou enjeitá-lo (art. 466 do CC).

A par dessa bifurcação, aplica-se a ambas as
modalidades a regra geral do artigo em comento. Na linha consensualista, o CC é enfático na defesa do princípio da liberdade de forma para os contratos preliminares (art. 107 do CC). Em outras palavras, dotado o negócio jurídico dos pressupostos de existência e dos requisitos de validade a que alude o art. 104 do CC, o contrato preliminar é um ato jurídico perfeito, indepen-dentemente da relação principal que procura garantir. O ordenamento afastou o princípio da atração de formas entre os contratos preliminar e definitivo. Essa diversidade de fundamentos e efeitos entre os dois modelos jurídicos justifica a liberdade de contratar sem a exigência da forma pública, essencial à validade de negócios jurídicos que visem a constituição de direitos reais sobre bens imóveis de valor superior a trinta salários mínimos (art. 108 do CC).

Certamente, essa liberdade de forma não será
extremada, posto conciliada com outros dispositivos legais. Daí a necessidade de escrito particular para os contratos preliminares cujo valor ultrapasse o décuplo do salário mínimo, admitindo-se a prova exclusivamente testemunhal quanto à sua existência tão somente para transação de patamar inferior ao aludido montante (art. 227 do CC). Essa mesma restrição ao direito probatório é insculpida no art. 401 do CPC/73 (sem correspondente no CPC/2015).

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146
Q

Previsto o direito de arrependimento em contrato preliminar, há algum óbice ou limite temporal ao exercício desse direito pelo interessado?

A

Art. 463. Concluído o contrato preliminar, com observância do disposto no artigo antecedente, e desde que dele não conste cláusula de arrependimento, qualquer das partes terá o direito de exigir a celebração do definitivo, assinando prazo à outra para que o efetive.

Parágrafo único. O contrato preliminar deverá ser levado ao registro competente.

Comentários:

[…]

A existência da cláusula de arrependimento é
fator impeditivo à persecução da tutela específica judicial. Cuida-se de um direito potestativo de retratação deferido aos contratantes, deferindo-lhes o poder de, a qualquer tempo, resilir unilateralmente o contrato preliminar pela forma de denúncia notificada à outra parte (art. 473 do CC).

Essa faculdade será exercitada com razoabilidade, sob pena de se erigir em abuso do direito potestativo por parte do contratante demissionário (art. 187 do CC). Nessa senda, certamente o prazo decadencial para o exercício do poder de desconstituição da relação será o momento anterior ao cumprimento de todas as obrigações constantes do pacto (v. g., pagamento da última prestação pelo promissário comprador na promessa de compra e venda).

Atrevemo-nos a ir além e, na premissa da teoria do venire contra factum proprium, enfatizar a vedação ao arrependimento naquelas hipóteses em que a parte já iniciou a execução das prestações que lhe incumbiam no contrato preliminar. Decerto, haveria ofensa ao princípio da boa-fé objetiva se um dos contratantes manifesta comportamento concludente ao aquiescer periodicamente na percepção das prestações e, na iminência da obtenção integral de sua vantagem patrimonial, delibera por resilir unilateralmente o contrato preliminar. Em evidência, nessa conduta incoerente há uma ofensa à legítima expectativa de confiança da contraparte, objetivamente atraída ao longo da execução do contrato preliminar.

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147
Q

O direito à adjudicação compulsória se condiciona ao registro do compromisso de compra e venda no cartório de imíoveis?

A

Art. 463. Concluído o contrato preliminar, com observância do disposto no artigo antecedente, e desde que dele não conste cláusula de arrependimento, qualquer das partes terá o direito de exigir a celebração do definitivo, assinando prazo à outra para que o efetive.

Parágrafo único. O contrato preliminar deverá ser levado ao registro competente.

Comentários:

[…]

O parágrafo único do art. 463 dispõe acerca
da necessidade de os contratantes registrarem o contrato preliminar. A norma pode ser compreendida de duas maneiras. Se entendermos que o legislador condiciona a validade do negócio jurídico preliminar ao registro (RGI para imóveis e cartório de títulos e documentos para bens móveis), poderíamos concluir que o legislador não agiu com acerto. Com efeito, não devemos confundir a eficácia obrigacional do contrato preliminar com a sua eficácia real. A eficácia obriga
cional é restrita às partes e independe do registro, posto que é suficiente à satisfação das obrigações inseridas no contrato preliminar para que se pretenda a execução específica a que remete o caput do dispositivo. Já a eficácia real, concedida pelo registro, objetiva apenas tutelar os contratantes perante terceiros, dotando as partes de sequela e oponibilidade do instrumento em caráter erga omnes, caso o objeto da prestação seja transmitido a terceiros no curso da execução do contrato preliminar. Enfim, exigir o registro do instrumento para fins de exercício de pretensão ao contrato definitivo é confundir a eficácia real com a obrigacional, restrita aos celebrantes do negócio prévio.

Portanto, parece-nos que a melhor hermenêutica da norma consiste em considerar que o legislador pretendeu afirmar a exigência do registro como forma de concessão de eficácia perante terceiros (coletividade), e não como requisito de validade do negócio. A própria técnica normativa induz a tal conclusão, ou seja, se o codificador pretendesse erigir o registro ao plano da validade, teria inserido observação no próprio caput, ou mesmo no art. 462, ao aludir aos requisitos essenciais. Em síntese, para os contratantes, a vantagem do registro é a tranquilidade de saber que, ao cumprir as obrigações referidas no contrato preliminar, a execução da obrigação de fazer poderá ser dirigida não apenas contra o devedor, mas em caráter absoluto.

Nos contratos de promessa de compra e venda, a celeuma assume maior proporção, na medida em que o art. 1.418 do CC encetou grave inquietação ao condicionar a titularidade do direito real à aquisição (obtida por meio do registro), para fins de exercício de ação de outorga de escritura definitiva de compra e venda contra o vendedor ou terceiros. Em outras palavras, ao exigir o registro da promessa até mesmo para se adjudicar perante o promitente vendedor, o CC fere a autoexecutoriedade do pré-contrato, pois inadvertidamente mistura a relação jurídica obrigacional inter partes com a relação real que envolve o titular da promessa registrada com o sujeito passivo universal, cujo objeto é o dever geral de abstenção. Pior, culmina na supressão da Súmula n. 239 do STJ nos seguintes termos: “O direito à adjudicação compulsória não se condiciona ao registro do compromisso de compra e venda no cartório de imóveis”.
Pronunciando-se adequadamente sobre a matéria, o CJF emitiu o Enunciado n. 95: “o direito à adjudicação compulsória (art. 1.418 do novo CC), quando exercido em face do promitente vendedor, não se condiciona ao registro da promessa de compra e venda no cartório de registro imobiliário”

Obs:

Art. 1.418. O promitente comprador, titular de direito real, pode exigir do promitente vendedor, ou de terceiros, a quem os direitos deste forem cedidos, a outorga da escritura definitiva de compra e venda, conforme o disposto no instrumento preliminar; e, se houver recusa, requerer ao juiz a adjudicação do imóvel.

Comentários:

[…]

O art. 1.418 do CC, ora comentado, menciona dever ser o compromissário comprador titular de direito real, vale dizer, o compromisso de compra e venda se encontrar registrado, para que possa exigir a adjudicação compulsória. Tal exigência constitui manifesto retrocesso e ofende todo o entendimento doutrinário e jurisprudencial construído sobre o tema. A Súmula n. 239 do Eg. STJ condensa o entendimento dos tribunais:
‘O direito à adjudicação compulsória não se con-diciona ao registro do compromisso de compra e venda no cartório de imóveis’

Admitir interpretação literal do art. 1.418 do
CC, ou seja, o registro como requisito para a adjudicação, criaria manifesta contradição em termos. Os demais contratos preliminares admitiriam execução específica, à exceção do mais relevante deles, que é o compromisso de compra e venda.
Além disso, geraria situação de manifesta injustiça. Colocaria o promitente comprador, cujo contrato não obteve registro por falha meramente formal – erro na menção de um dado pes-soal das partes, ou de uma medida perimetral – nas mãos do promitente vendedor, que poderia exigir vantagem indevida para outorgar a escritura devida.

Para contornar a exigência absurda criada pelo atual CC, necessária se faz interpretação construtiva, com saída técnica e razoável para a questão. Basta entender que adjudicação compulsória é espécie do gênero execução de obrigação de fazer, de prestar declaração para concluir contrato (art. 461 do CPC/73; arts. 139, IV, 497 a 500, 536, § 1o, e 537 do CPC/2015). Logo, o promitente comprador com título registrado usa a espécie adjudicação compulsória (art. 1.418 do CC), enquanto o promitente comprador sem título registrado usa o gênero do art. 461 do CPC/73 (arts. 139, IV, 497 a 500, 536, § 1o, e 537 do CPC/2015), que alberga todos os contratos preliminares. O resultado prático é rigorosamente o mesmo e produzirá a sentença judicial todos os efeitos do contrato ou declaração não emitida.

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148
Q

Em que consiste o contrato com pessoa a declarar?

A

Art. 467. No momento da conclusão do contrato, pode uma das partes reservar-se a faculdade de indicar a pessoa que deve adquirir os direitos e assumir as obrigações dele decorrentes.

Art. 468. Essa indicação deve ser comunicada à outra parte no prazo de cinco dias da conclusão do contrato, se outro não tiver sido estipulado.

Parágrafo único. A aceitação da pessoa nomeada não será eficaz se não se revestir da mesma forma que as partes usaram para o contrato.

Comentários:

Tendo em mente que o CC/2002 cuidou da
matéria de forma inovadora na legislação pátria, o contrato com pessoa a declarar é aquele em que uma das partes se reserva a faculdade de designar uma outra pessoa que assuma a sua posição na relação contratual, como se o contrato fosse celebrado com esta última.

Pela cláusula electio amici ou pro amico electo
(para pessoa a nomear), uma das partes originárias do negócio jurídico (estipulante) pactua a sua eventual substituição, reservando para si a futura indicação do nome, comprometendo-se a outra parte (promitente) a reconhecer o amicus (indicado) como parceiro contratual. Quando da celebração, o negócio jurídico válido já produzirá os seus normais efeitos entre estipulante e promitente. Caso, ao tempo da escolha, seja o es-tipulante substituído pelo terceiro, o eleito assumirá a posição de contratante em face do promitente, compreendendo as posições jurídicas ativa e passiva do estipulante, em caráter ex tunc, como se esse jamais houvesse integrado a avença.

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149
Q

Em que hipóteses, no contrato com pessoa a declarar, não surtirá efeito a indicação do estipulante?

A

Art. 470. O contrato será eficaz somente entre os contratantes originários:

I - se não houver indicação de pessoa, ou se o nomeado se recusar a aceitá-la;

II - se a pessoa nomeada era insolvente, e a outra pessoa o desconhecia no momento da indicação.

Art. 471. Se a pessoa a nomear era incapaz ou insolvente no momento da nomeação, o contrato produzirá seus efeitos entre os contratantes originários.

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150
Q

Qual a vantagem da inserção de cláusula resolu´toria expressa (ou pacto comissório) num contrato?

A

Art. 474. A cláusula resolutiva expressa opera de pleno direito; a tácita depende de interpelação judicial.
Comentários:

O art. 474 alude a duas espécies de resolução
contratual: a convencional e a legal. A cláusula resolutiva expressa, ou pacto comissório, verifica-se de pleno jure, por via do exercício do direito potestativo da parte interessada à outra. Não tendo sido estipulada a cláusula resolutiva expressa, subentende-se a existência de cláusula resolutiva implícita (tácita) nos contratos bilaterais. Aqui, deverá o lesado inicialmente interpelar o devedor para que seja constituído em mora; posteriormente propugnará pela resolução contratual eventualmente acrescida de perdas e danos. Em suma, o desfazimento do contrato decorrerá do trânsito em julgado da sentença.

A cláusula resolutiva expressa concerne a uma
previsão contratual de imediata resolução em caso de inadimplemento da parte. Trata-se de direito negocial à resolução, contido na própria avença ou em documento posterior, que emana da inexecução de uma ou mais prestações.

A vantagem da inserção de tal cláusula reside
na prévia estipulação do alcance da resolução quanto às prestações pretéritas, como no desfazimento automático do contrato diante do inadimplemento, sem que necessite o credor interpelar o devedor, pois, vencida a dívida, sobeja este constituído em mora.

Para a eficácia do pacto, é preciso que as prestações estejam perfeitamente definidas e indicadas quais delas, e em que modalidades, são passíveis de resolução pelo descumprimento, não bastando a referência genérica às prestações contratuais e ao seu incumprimento. Se assim ocorrer, considerar-se-á que se trata apenas de uma cláusula de estilo, a reforçar o disposto no art. 475 do CC, sendo caso de resolução legal. Na dúvida, a interpretação da cláusula será restritiva.

Em princípio, a existência da cláusula resolutiva dispensa o exercício de pretensão, pela via judicial, ao desfazimento do contrato. A inserção da cláusula já presume a inutilidade da prestação, caso superado o termo ajustado para o cumprimento das prestações. A essencialidade do termo decorre do contrato. Nada obstante, é comum que o credor tenha interesse em pleitear judicialmente a resolução para definir com segurança questões como a restituição das prestações, o direito à indenização ou mesmo cumular pedidos sucessivos, como a reintegração de posse. Julgada procedente a pretensão resolutória, terá a sentença natureza declaratória, liberando a parte lesada da necessidade de cumprir a sua prestação em caráter ex tunc.

Certamente, inserindo o credor pretensão restituitória, a resolução será desconstitutiva. Haverá ainda eficácia condenatória caso estabelecida a reparação pelo incumprimento, imputável ao devedor, ou a execução de cláusula penal compensatória (art. 410 do CC), pois a demanda indenizatória surge de pretensão independente e acessória à resolução, sendo certo que muitas vezes o lesado não fará jus a ela – como nas hipóteses de fortuito em que o descumprimento não será imputável ao devedor.

Em regra, a resolução dissolve o contrato e retroage os contratantes ao estado pretérito, com efeitos ex tunc, como se o contrato jamais tivesse sido realizado. Mas, nos casos de contratos de execução continuada ou periódica, seria desaconselhável a ampla retroatividade. Daí a advertência do art. 128 do CC [“Art. 128. Sobrevindo a condição resolutiva, extingue-se, para todos os efeitos, o direito a que ela se opõe; mas, se aposta a um negócio de execução continuada ou periódica, a sua realização, salvo disposição em contrário, não tem eficácia quanto aos atos já praticados, desde que compatíveis com a natureza da condição pendente e conforme aos ditames de boa-fé”], no sentido da manutenção da eficácia dos atos anteriores à resolução, preservando-se as situações pregressas já consolidadas de forma eficiente para ambas as partes, a não ser que elas expressamente tenham previsto a retroatividade dos efeitos.

Estas configuram as linhas gerais da resolução
convencional do CC. Ocorre que a legislação ordinária, a doutrina e a jurisprudência estipulam tamanho condicionamento ao exercício do direito potestativo resolutório, que se pode falar em uma revolta dos fatos, com o abono dos juízes, contra a letra do Código, senão vejamos:

Primeiro: Mesmo que o contrato possua cláusula resolutiva expressa, normas de ordem pública inspiradas nos princípios da igualdade substancial e do equilíbrio contratual estipulam a necessidade de prévia interpelação do devedor como pressuposto para a extinção do contrato. Não se trata aqui de uma conversão legal da mora ex re na mora ex persona. A mora mantém o seu caráter automático desde o vencimento da obrigação (art. 397 do CC), decorrente da inserção da cláusula resolutória. Porém, a notificação assume a feição de pressuposto essencial para a eficácia da dissolução da avença.

Segundo: No curso da lide resolutória, o magistrado terá a oportunidade de avaliar não só a configuração dos requisitos convencionados pelas partes para a resolução, como também aferir a validade da cláusula em cotejo com o ordenamento jurídico e, principalmente, a repercussão do vulto do inadimplemento diante do contrato. Isso implicará efetivo exame acerca do abuso do direito resolutório, seja pela preservação do seu interesse no contrato, seja com base no adimplemento substancial (art. 187 do CC) e no cumprimento de deveres laterais decorrentes da boa-fé objetiva (art. 422 do CC).

Terceiro: O art. 54, § 2o, do CDC permite a estipulação de cláusula resolutiva expressa nas relações de consumo, mas apenas como cláusula alternativa, cabendo a escolha ao consumidor. Na prática, a opção entre a resolução e a manutenção do contrato caberá ao consumidor, sendo abusiva a cláusula que implique renúncia a esse direito (art. 51, I, do CDC). A nosso sentir, mesmo nos contratos de adesão intercivis, a cláusula resolutiva não poderá operar de pleno direito, sendo necessária a intervenção do Judiciário para avaliar a quebra do equilíbrio material entre as partes, como, aliás, induz a própria leitura do artigo em comento.

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151
Q

Qual é a classificação processual da exceção do contrato não cumprido?

A

Art. 476. Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro.

Comentários:

Note-se que, enquanto o descumprimento for
temporário, a exceptio servirá como forma de pressão, hábil a compelir a outra parte a executar, preservando a unidade indivisível do contrato, visto de forma complexa e global, além de servir de garantia contra as consequências de uma inexecução definitiva. Não é o contrato que será suspenso quando do exercício da exceptio, mas somente a obrigação do devedor será provisoriamente suspensa. É a fim de constranger o cocontratante a executar, que uma das partes recusa, temporariamente, o cumprimento de sua obrigação. Por isso, a exceção de inexecução possui carga cominatória, que não se revela na mera suspensão do contrato. Todavia, constatando-se a impossibilidade total de cumprimento, deverá o credor lesado pleitear a resolução contratual pelo inadimplemento, desvinculando-se da relação obrigacional (art. 475 do CC).

Essa distinção entre a exceptio e a resolução
demonstra a impropriedade de se incluir aquele modelo jurídico no capítulo relativo à extinção do contrato (art. 472 do CC), pois a exceção de contrato não cumprido não é uma forma de desconstituição da obrigação, mas um modo de oposição temporária à exigibilidade do cumprimento da obrigação. Em outras palavras, a exceptio funciona como mero retardamento da prestação mediante defesa indireta de mérito pelo excipiente ou, mais propriamente, alegação em defesa de uma exceção substancial dilatória, como fato impeditivo ao direito do autor (art. 350 do CPC/2015; art. 326 do CPC/73). Enquanto o autor da demanda não cumpre a sua prestação, poderá se escusar a realizar a sua contraprestação.

O direito de retenção também é uma exceção
substancial dilatória, na qual o possuidor de boa-fé retém o bem, mesmo após a sentença de restituição do imóvel, como forma de constranger o retomante a indenizá-lo por benfeitorias necessárias ou úteis. Contudo, o direito de retenção concerne apenas a uma obrigação secundária do contrato. O retentor já cumpriu sua obrigação principal, não há mais prestação a ser suspensa (v. g., o locatário já pagou todos os aluguéis). Ou seja, o direito de retenção procede de uma conexão existente entre o crédito e a detenção do bem, enquanto a exceção de contrato não cumprido recai sobre uma ligação de interdependência e reciprocidade existente entre as obrigações no contrato bilateral.

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152
Q

De quem é o ônus de provar que a prestação não foi cumprida, no caso de alegação de exceção de contrato não cumprido?

A

Ademais, se houver cumprimento incompleto, defeituoso ou inexato da prestação por um dos contraentes, admite-se a exceptio non rite adimpleti contractus, em que o outro poderá recusar-se a cumprir a sua obrigação até que aquela prestação se complete ou melhore.

Em acréscimo, cumpre salientar que as duas
espécies de exceptio basicamente diferem nos efeitos. Havendo inadimplemento total, incumbe a prova ao contraente que não cumpriu a obrigação. Havendo execução incompleta, deve prová-la quem invoca a exceção, pois se presume regular o pagamento aceito.

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153
Q

A exceção do contrato não cumprido constitui uma norma de ordem pública, ou direito dispositivo, que pode ser afastado previamente no contrato celebrado entre as partes?

A

Por fim, cumpre mencionar que a exceptio é
disponível, ou seja, podem os contratantes afastar a sua incidência através de inserção de cláusula nesse sentido no contrato avençado, diferentemente do que ocorre no direito estrangeiro, em que assume o status de norma de ordem pública.

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154
Q

O STJ admite a interrupção de fornecimento de energia elétrica ou de água encanada no caso de inadimplemento do usuário?

A

“RECURSO ESPECIAL. CORTE DO FORNECIMENTO DE LUZ. INADIMPLEMENTO DO CONSUMIDOR. LEGALIDADE. FATURA EMITIDA EM FACE DO CONSUMIDOR. SÚMULA 7/STJ.

  1. É lícito à concessionária interromper o fornecimento de energia elétrica se, após aviso prévio, o consumidor de energia elétrica permanecer inadimplente no pagamento da respectiva conta (lei 8.987/95, art. 6.º, § 3.º, II). Precedente da 1.ª Seção: REsp 363.943/MG, DJ 01.03.2004
  2. Ademais, a 2.ª Turma desta Corte, no julgamento do REsp 337.965/MG entendeu que o corte no fornecimento de água, em decorrência de mora, além de não malferir o Código do Consumidor, é permitido pela lei 8.987/95.
  3. Ressalva do entendimento do relator, no sentido de que o corte do fornecimento de serviços essenciais - água e energia elétrica - como forma de compelir o usuário ao pagamento de tarifa ou multa, extrapola os limites da legalidade e afronta a cláusula pétrea de respeito à dignidade humana, porquanto o cidadão se utiliza dos serviços públicos, posto essenciais para a sua vida. Curvo-me, todavia, ao posicionamento majoritário da Seção.
  4. A aplicação da legislação infraconstitucional deve subsumir-se aos princípios constitucionais, dentre os quais sobressai o da dignidade da pessoa humana, que é um dos fundamentos da República e um dos primeiros que vem prestigiado na Constituição Federal.
  5. A Lei de Concessões estabelece que é possível o corte, considerado o interesse da coletividade, que significa não empreender o corte de utilidades básicas de um hospital ou de uma universidade, tampouco o de uma pessoa que não possui módica quantia para pagar sua conta, quando a empresa tem os meios jurídicos legais da ação de cobrança.
  6. Ressalvadas, data maxima venia, opiniões cultíssimas em contrário e sensibilíssimas sob o ângulo humano, entendo que o ‘interesse da coletividade’, a que se refere a lei, pertine aos municípios, às universidades, aos hospitais, onde se atingem interesses plurissubjetivos.
  7. Por outro lado, é mister considerar que essas empresas consagram um percentual de inadimplemento na sua avaliação de perdas, por isso que é notório que essas pessoas jurídicas recebem mais do que experimentam inadimplementos.
  8. Destacada minha indignação contra o corte do fornecimento de serviços essenciais a municípios, universidades, hospitais, onde se atingem interesses plurissubjetivos, submeto-me à jurisprudência da Seção.
  9. In casu, a conclusão do Tribunal de origem acerca da liquidez e certeza da fatura emitida pela concessionária em face do consumidor, resultou do exame de todo o conjunto probatório carreado nos presentes autos. Consectariamente, infirmar referida conclusão implicaria sindicar matéria fática, interditada ao E. STJ em face do enunciado sumular n.º 07 desta Corte
  10. É inviável a apreciação, em sede de Recurso Especial, de matéria sobre a qual não se pronunciou o tribunal de origem, porquanto indispensável o requisito do prequestionamento. Ademais, como de sabença, “é inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada na decisão recorrida, a questão federal suscitada” (súmula 282/STF), e “o ponto omisso da decisão, sobre o qual não foram opostos embargos declaratórios, não pode ser objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento” (Súmula 56/STJ).
  11. Revelam-se deficientes as razões do recurso especial quando a recorrente não aponta, de forma inequívoca, os motivos pelos quais considera violados os dispositivos de lei federal, bem como, quando limita-se a impugnar a sentença de primeiro grau, fazendo incidir a Súmula 284 do STF: “É inadmissível o recurso extraordinário, quando a deficiência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia.” 12. Agravo regimental desprovido”.

(AgRg no REsp 963990 / SC AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL 2007/0146420-7 Relator Ministro LUIZ FUX PRIMEIRA TURMA Data do Julgamento: 08.04.2008. Data da Publicação e Fonte: DJe 12.05.2008).

Ocorre que, o próprio STJ vem estabelecendo diversas restrições para que se efetive seu entendimento em favor da interrupção dos serviços públicos essenciais. São elas:

a) o corte do serviço deverá respeitar o princípio da não surpresa, devendo existir prévia comunicação, por escrito, visando dar a oportunidade de o consumidor pagar seu débito e purgar a mora (Resp. AgRg no AREsp 412822 / RJ; REsp 1270339 / SC);
b) não é lícito à concessionária interromper o fornecimento de energia elétrica por dívida pretérita, a título de recuperação de consumo, em face da existência de outros meios legítimos de cobrança de débitos antigos não pagos (REsp 1298735/RS). Deve, assim, o débito ser atual para que haja a interrupção do serviço;
c) quando configurado o abuso de direito pela concessionária, cujo reconhecimento implica a responsabilidade civil de indenizar os transtornos sofridos pelo consumidor. Incidem, portanto, os princípios constitucionais da proporcionalidade e razoabilidade (por ex.: suspender o fornecimento de energia elétrica em razão de um débito de R$ 0,85, não age no exercício regular de direito, e sim com flagrante abuso de direito). Nesse sentido o REsp 811690/RR;
d) quando o débito decorrer de suposta fraude no medidor de consumo de energia apurada unilateralmente pela concessionária (REsp 1298735/RS; AgRg no AREsp 346561/PE; AgRg no AREsp 370812/PE);
e) desde que a interrupção não atinja serviços públicos essenciais para a coletividade, tais como escolas, creches, delegacias e hospitais. Coloca-se em evidencia o princípio da supremacia do interesse público (EDcl no REsp 1244385 / BA; AgRg no REsp 1523996/RR; AgRg no AREsp 301907/MG; AgRg no AREsp 543404/RJ; AgRg nos EREsp 1003667/RS);
f) quando a interrupção da prestação de serviços públicos por inadimplência do usuário for violar o direito à vida, à saúde e a dignidade humana. O STJ faz verdadeira ponderação principiológica, onde o sistema constitucional brasileiro (art. 170, caput, da CF), determina que a ordem econômica tenha por fim assegurar a todos uma existência digna. A propriedade privada e a livre iniciativa, postulados mestres no sistema capitalista,11 são apenas meios cuja finalidade é prover a dignidade da pessoa humana (REsp 1101937 / RS; AgRg no REsp 1201283 / RJ; AgRg no REsp 1162946 / MG; REsp 853392/RS).

Dessa forma, verificamos que a continuidade e a universalização do serviço público essencial, trazidos pelo CDC, sofreram ao longo dos anos mitigação pelo STJ, que, valorando o princípio da supremacia do interesse público em face do individualismo consumerista, passou a considerar legítima a interrupção dos serviços públicos essenciais, desde que observadas certas especialidades, conformadoras dos diversos diplomas legislativos aplicáveis e asseguradoras do direito a um serviço mínimo vital, da boa-fé do consumidor e da dignidade da pessoa humana.

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155
Q

O CC adotou a teoria da imprevisão no art. 478?

Pesquisar outros autores.

A

Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.

Comentários:

2) Acontecimento imprevisível – o fato superveniente é qualificado como imprevisível. Interpretando-se o art. 478 na literalidade, poder-se-ia, açodadamente, concluir que o CC adotou a teoria da imprevisão, um modelo voluntarista de ênfase subjetiva, pela qual o fundamental seria precisar se as partes previram ou não o evento extraordinário. A previsibilidade seria ligada ao tempo da contratação. Se previram, nada muda, afinal, o ordenamento não tutela o contratante desidioso que não aventou a possibilidade de configuração de acontecimentos comuns, de cunho econômico, político ou social. Se não previram a alteração superveniente, em tese caberia a intervenção judicial sobre a economia do contrato, pois as novas circunstâncias teriam escapado à vontade que forjou o contrato. O contrato só obriga para o previsível.

Contudo, não é essa a hermenêutica que se espera para a estrema do conceito de acontecimento imprevisível. A lei fala em imprevisível, e não em imprevisto: motivo imprevisível, acontecimento imprevisível. Imprevisível qualifica o fato, enquanto imprevisto descreve o estado de espírito do agente. Assim, a imprevisibilidade só pode ser objetiva, pois independe da análise da situação psíquica das partes. Resulta de uma observação feita de fora. Dizer que é imprevisível equivale a dizer que é anômalo ou anormal. Dessa forma, a imprevisibilidade se conecta intimamente com a extraordinariedade do evento. O extraordinário reforça o imprevisível. Conjugando-se os dois qualificativos, temos que só os riscos absolutamente anômalos e subtraídos da possibilidade de razoável previsão e controle dos operadores econômicos são capazes de levar o contrato à resolução. A lógica, em suma, é sempre essa. Cada contrato comporta, para quem o faz, riscos mais ou menos elevados. A lei tutela o contraente face aos riscos anormais, que nenhum cálculo racional econômico permitiria considerar, mas deixa ao seu cargo os riscos tipicamente conexos com a operação, que se inserem no andamento médio daquele dado mercado.

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156
Q

Para que fique caracterizada a onerosidade excessiva, além da grande perda para uma parte, deve ser demonstrado o acréscimo da vantagem para a outra?

A

Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.

Comentários:

3) Extrema vantagem para a outra parte – é
compreensível a preocupação do legislador, haja vista que o desequilíbrio entre as prestações se torna mais evidente quando há, de um lado, onerosidade excessiva e, de outro, vantagem extrema.

Contudo, vemos com reticência a exigência do
chamado “efeito gangorra”, isto é, a insuficiência da demonstração do empobrecimento de uma das partes, posto necessário o nexo causal entre a sua perda econômica e o enriquecimento ex-perimentado pela outra parte. Exigir que a alteração das circunstâncias atinja apenas uma das partes em benefício da outra implica esvaziar substancialmente esse modelo jurídico, vedando ao contratante fragilizado, por acontecimento superveniente extraordinário e imprevisível, o recurso final ao remédio resolutório, apenas por não provar o enriquecimento sem causa experimentado pelo parceiro contratual.

Vale dizer, é frequente ouvir que um dos contratantes se arruinou em decorrência da onerosidade excessiva, mas a outra parte se manteve na mesma situação – ou até mesmo experimentou pequenas perdas –, mas dificilmente obteve um ganho inversamente proporcional às perdas do parceiro contratual.

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157
Q

No caso de onerosidade excessiva, a parte prejudicada pode suspender os pagamentos antes mesmo de ingressar em juízo?

A

Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.

Comentários:

As prestações efetuadas antes do ingresso em
juízo não podem ser revistas, pois a solutio espontânea do devedor produziu os seus naturais efeitos. Mas não sendo facultado ao contratante cessar pagamentos ou recebimentos a pretexto de onerosidade excessiva – pois a intervenção na economia do contrato é obra da justiça –, as prestações dadas ou recebidas na pendência da lide estarão sujeitas à modificação na execução da sentença que for proferida.

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158
Q

Mesmo que estivesse em mora no momento do evento extraordinário, a parte prejudicada poderá lançar mão do art. 478?

A

A resolução por alteração superveniente de
circunstâncias não pode ser levada a efeito pela parte que, antes da incidência do evento extraordinário e imprevisível, agiu culposamente. Isso posto, se o contratante se encontrava em mora (por deixar de realizar a prestação no tempo certo) ao tempo da onerosidade excessiva, terá de suportar todos os riscos do novo cenário ambiental. Assim, “A” faria o transporte marítimo de uma mercadoria de “B”, do Brasil para a Espanha. “A” estava em mora de trinta dias, e a prestação ainda era de interesse de “B”, quando eclode Guerra no Golfo Pérsico, elevando o preço do combustível em 50%. Caso “A” solicite a resolução contratual, sob o argumento do desequilíbrio superveniente, terá a sua pretensão rejeitada, com fundamento no tu quoque. Ou seja, quem viola determinada norma jurídica não poderá exercer a situação jurídica que essa mesma norma lhe atribui. Haveria abuso do direito (art. 187 do CC) por parte do contratante que exige o direito à resolução com base na norma violada. Com efeito, fere a sensibilidade ética e jurídica que alguém desrespeite um comando legal e posteriormente venha a exigir de outrem o seu acatamento.

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159
Q

Em vez de pedir a resolução da avença por onerosidade excessiva, pode o autor postular-lhe a revisão?

A

Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar eqüitativamente as condições do contrato.

Comentários:

O CC remeteu ao credor a opção pela revisão
contratual, por intermédio da readequação das prestações, como forma de impedir a resolução contratual pela alteração superveniente das circunstâncias. Pela letra do dispositivo, ao devedor compete apenas o ajuizamento da ação resolutória.

Assim, para evitar a extrema solução da resolução contratual, poderá o réu insistir na manutenção do vínculo, pela via da equitativa alteração de cláusulas gravosas ao autor, com adaptação do projeto contratual às novas circunstâncias.

Em verdade, o legislador criou uma espécie de
pedido contraposto, que depende da iniciativa do demandado em sua resposta. Portanto, o pedido de manutenção do contrato se baseará nos mesmos fatos que levaram o autor a demandar pela resolução (fatos que geraram a onerosidade excessiva), só se justificando esse direito subjetivo quando o contratante for demandado. No mais, extinta a ação originária, não se justifica a manutenção do pedido formulado pelo réu, devendo esse ser julgado prejudicado.

É importante ponderar que não se trata de
revisão contratual ex officio
, atuação vedada ao magistrado em matéria de interesse imediato privado e de direito disponível. Ao magistrado é apenas permitido se servir do princípio da conservação do negócio jurídico para preservar o vínculo – mesmo que o réu não ofereça pedido contraposto – ao obter o assentimento do autor da demanda, que, em princípio, demandara pela resolução. Certamente, no curso do contraditório o juiz sopesará os argumentos das partes para, em uma linha de proporcionalidade, decidir se o reequilíbrio contratual será ou não adequado para a proteção da situação jurídica do credor.

Em termos de efetividade, ousamos considerar que a solução mais adequada consiste em facultar ao próprio autor a dedução do pedido revisional na inicial. O princípio da conservação do negócio jurídico demanda que o ordenamen-to produza normas hábeis a preservar as relações obrigacionais e que, apenas em última instância, as desfaça. A resolução, portanto, deveria ser cogitada como segunda opção, aplicável às hipóteses em que o magistrado perceba a impossibilidade de reconstrução da justiça contratual, até mesmo quando o credor demonstre ser ele o prejudicado pela revisão.

FLÁVIO TARTUCE:

A matéria de revisão contratual por fato superveniente dos contratos civis pode ser retirada dos arts. 317 e 478 do CC, despertando uma série de polêmicas. De início, na opinião deste autor o primeiro comando é o que melhor traz o conteúdo da matéria de revisão, sendo o art. 478 dispositivo próprio da extinção dos contratos (resolução). Porém, destaque-se que para a maioria da doutrina, a última norma também pode ser utilizada para a revisão do contrato. Nesse sentido, o Enunciado n. 176 do CJF\STJ, da III Jornada de Direito Civil (Em atenção ao princípio da conservação dos negócios jurídico, o art. 478 do Código Civil de 2002 deverá conduzir, sempre que possível, à revisão judicial dos contratos e não à resolução contratual”).

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Q

Se no contrato de compra e venda a fixação do preço fica a encargo de terceiro e este se recursar a fixá-lo, qual será a consequência?

A

Art. 485. A fixação do preço pode ser deixada ao arbítrio de terceiro, que os contratantes logo designarem ou prometerem designar. Se o terceiro não aceitar a incumbência, ficará sem efeito o contrato, salvo quando acordarem os contratantes designar outra pessoa.

Comentários:

[…]

Situação muito interessante e curiosa ocorre
se o terceiro mandatário se recusar a estimar o
preço. No caso, a consequência será, segundo a lei civil, a ineficácia do negócio jurídico, salvo deliberação das partes pela eleição de outra pessoa para a fixação do preço. Ao nosso sentir, contudo, não havendo pessoa designada para substituir o terceiro, trata-se de uma típica hipótese de inexistência do negócio jurídico em face da ausência do preço, que é pressuposto essencial para a própria formação do contrato de compra e venda.

A título ilustrativo, o CC adotou solução diversa nas obrigações alternativas em que as partes deliberam que a opção será exercitada por terceiro. Caso o mandatário se recuse a escolher, será a eleição transferida ao próprio magistrado (art. 252, § 4o, do CC). É possível entender a diversidade de soluções, na medida em que, formuladas as obrigações alternativas, o contrato existe e vale. A escolha é apenas fator de eficácia, não impedindo que o juiz delibere na falta do terceiro designado.

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161
Q

No caso de compra e venda, inexistindo estipulação contratual sobre a questão, onde deverá ser realizada a tradição?

A

Art. 493. A tradição da coisa vendida, na falta de estipulação expressa, dar-se-á no lugar onde ela se encontrava, ao tempo da venda.

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162
Q

Qual é o termo inicial de prazo decadencial para anulação da venda entre ascendente e descendente?

A

Art. 496. É anulável a venda de ascendente a descendente, salvo se os outros descendentes e o cônjuge do alienante expressamente houverem consentido.

Parágrafo único. Em ambos os casos, dispensa-se o consentimento do cônjuge se o regime de bens for o da separação obrigatória.

VI Jornada de Direito Civil - Enunciado 545

O prazo para pleitear a anulação de venda de ascendente a descendente sem anuência dos demais descendentes e/ou do cônjuge do alienante é de 2 (dois) anos, contados da ciência do ato, que se presume absolutamente, em se tratando de transferência imobiliária, a partir da data do registro de imóveis.

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163
Q

O cônjuge, casaso no regime de separação convencional de bens, tem de anuir a compra e venda celebrada entre ascendente e descendente?

A

Art. 496. É anulável a venda de ascendente a descendente, salvo se os outros descendentes e o cônjuge do alienante expressamente houverem consentido.

Parágrafo único. Em ambos os casos, dispensa-se o consentimento do cônjuge se o regime de bens for o da separação obrigatória.

Comentários:

Note-se que o consentimento é exigido não
apenas dos demais descendentes, mas, por igual, do cônjuge do vendedor. A explicação é singela: na medida em que o cônjuge é tratado como um herdeiro necessário (art. 1.845 do CC), também não poderá ser privado da legítima, exceto por deserdação (art. 1.961 do CC). Como esclarece o parágrafo único do dispositivo legal em análise, é dispensável a anuência do cônjuge se o casamento está sob o regime da separação obrigatória, no qual o cônjuge jamais concorrerá com os descendentes em primeiro lugar na ordem de vocação hereditária. Pode-se, naturalmente, indagar a razão pela qual não se dispensou também o consentimento do cônjuge se o casamento for sob o regime da separação convencional de bens. Aparentemente, o legislador exigiu a anuência do cônjuge porque manteve o direito sucessório do cônjuge (art. 1.829 do CC). Todavia, considerando que a nossa jurisprudência superior vem, corretamente, afastando o direito sucessório do cônjuge casado no regime de separação convencional (respeitando a autonomia privada), parece-nos que a solução jurídica adequada é dispensar também a sua aquiescência nesse caso, na medida em que não terá direito hereditário.

OBSERVAÇÃO:

Não é esse o entendimento do STJ. “No regime de separação convencional de bens, o cônjuge sobrevivente concorre com os descendentes do falecido. A lei afasta a concorrência apenas quanto ao regime da separação legal de bens no art. 1.641 do CC” (REsp 1.382.170)

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164
Q

Na venda entre ascendente e descendente, é necessário obter-se a anuência da companheira?

A

Art. 496. É anulável a venda de ascendente a descendente, salvo se os outros descendentes e o cônjuge do alienante expressamente houverem consentido.

Parágrafo único. Em ambos os casos, dispensa-se o consentimento do cônjuge se o regime de bens for o da separação obrigatória.

Comentários:

Tratando-se de exceção, impõe-se interpretação restritiva. Assim, omisso o dispositivo, se o ascendente celebrar uma compra e venda simulada com outras pessoas (e. g., a nora ou o sogro) para beneficiar um descendente, o contrato pode ser declarado nulo por simulação, por intermédio de terceiro interposto (“laranja” ou “testa de ferro”), na forma da regra geral do sistema (art. 167, § 1o, I, do CC), não incidindo a regra específica do art. 496 do Códex.

Outrossim, por idênticas razões, não há necessidade também da anuência dos cônjuges ou dos companheiros dos descendentes.

Aliás, a interpretação restritiva da norma impõe também o entendimento de sua inaplicabilidade nos casos de união estável – nos quais, também, não se exige consentimento do companheiro para alienar ou onerar bens imóveis, diferentemente do casamento. Assim, não se exige a anuência do companheiro quando o ascendente estiver em união estável.

Internet:

Por fim, a doutrina diverge se o art. 496 engloba o companheiro. Não se aplica para Rosenvald, Braga Netto e Flávio Tartuce. Aplica-se para Paulo Lobo e Luiz G. Loureiro. Carnacchioni diz que depende se o companheiro for atingido ou não com a venda.

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165
Q

É necessário provar-se o prejuízo para anular-se a venda entre ascendente ou descendente?

A

Abraçada a regra da anulabilidade pelo sistema jurídico, consagra-se, em definitivo, uma concepção de que a venda de ascendente para descendente é de interesse puramente privado, exigindo que o interessado demonstre o prejuízo alegado, exempli gratia, a diminuição da legítima, decorrente de uma venda a preço irrisório. Após algumas divergências, a jurisprudência firmou posição no sentido de que é ônus de prova do interessado provar o prejuízo para obter a anulação em casos tais.

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166
Q

Em que consiste a actio ex empto?

A

Art. 500. Se, na venda de um imóvel, se estipular o preço por medida de extensão, ou se determinar a respectiva área, e esta não corresponder, em qualquer dos casos, às dimensões dadas, o comprador terá o direito de exigir o complemento da área, e, não sendo isso possível, o de reclamar a resolução do contrato ou abatimento proporcional ao preço.

§ 1 o Presume-se que a referência às dimensões foi simplesmente enunciativa, quando a diferença encontrada não exceder de um vigésimo da área total enunciada, ressalvado ao comprador o direito de provar que, em tais circunstâncias, não teria realizado o negócio.

§ 2 o Se em vez de falta houver excesso, e o vendedor provar que tinha motivos para ignorar a medida exata da área vendida, caberá ao comprador, à sua escolha, completar o valor correspondente ao preço ou devolver o excesso.

§ 3 o Não haverá complemento de área, nem devolução de excesso, se o imóvel for vendido como coisa certa e discriminada, tendo sido apenas enunciativa a referência às suas dimensões, ainda que não conste, de modo expresso, ter sido a venda ad corpus.

Comentários:

Destarte, detectado um vício de extensão na
venda ad mensuram, surge para o comprador uma sequência lógica de opções: i) devolver a coisa, por meio de ação redibitória, desfazendo o negócio; ii) obter abatimento no preço, mantendo a coisa consigo, por meio de ação estimatória, também dita quanti minoris; iii) exigir, quando possível, a complementação da área imobiliária faltante, ajuizando uma actio ex empto, que possui natureza de ação real, submetida ao procedi-mento comum ordinário.

À luz do princípio do aproveitamento do contrato, derivado da função social do contrato, impõe-se ressaltar que o direito à resolução do contrato somente deve ser invocado em ultima ratio, quando não mais for possível manter a contratação, sanando o vício por outro mecanismo.

Ademais, é absolutamente certo que, não sendo possível a complementação da área (p. ex., quando se tratar de um apartamento ou quando a área excedente do imóvel pertencer a outra pes-soa), o adquirente conta com as duas outras alternativas: pode exercitar o direito potestativo à resolução contratual com a devolução de todas as quantias pagas, sem prejuízo de requerer indenização pelos danos decorrentes do negócio, ou pleitear o abatimento proporcional no preço, mantendo o negócio jurídico sobre a área a menor.

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167
Q

O disposto no art. 500 se aplicá às vendas em hasta pública?

Art. 500. Se, na venda de um imóvel, se estipular o preço por medida de extensão, ou se determinar a respectiva área, e esta não corresponder, em qualquer dos casos, às dimensões dadas, o comprador terá o direito de exigir o complemento da área, e, não sendo isso possível, o de reclamar a resolução do contrato ou abatimento proporcional ao preço.

§ 1 o Presume-se que a referência às dimensões foi simplesmente enunciativa, quando a diferença encontrada não exceder de um vigésimo da área total enunciada, ressalvado ao comprador o direito de provar que, em tais circunstâncias, não teria realizado o negócio.

§ 2 o Se em vez de falta houver excesso, e o vendedor provar que tinha motivos para ignorar a medida exata da área vendida, caberá ao comprador, à sua escolha, completar o valor correspondente ao preço ou devolver o excesso.

§ 3 o Não haverá complemento de área, nem devolução de excesso, se o imóvel for vendido como coisa certa e discriminada, tendo sido apenas enunciativa a referência às suas dimensões, ainda que não conste, de modo expresso, ter sido a venda ad corpus .

A

Ressalve-se, ademais, que as regras das vendas
ad mensuram e ad corpus não se aplicam às alienações em hasta pública. A garantia em arrematações e adjudicações é restrita ao fenômeno da evicção (art. 447 do CC). Já nas vendas de terrenos com alterações de dimensões, temos um regime semelhante ao dos vícios redibitórios, mas normatizado por disciplina especial. Assim, a larga publicidade que envolve a hasta pública permite o exame minucioso do bem antes da venda, retirando a possibilidade de o vício permanecer oculto.

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168
Q

Qual o prazo para propor as ações redibitória, estimatória e ex empto tratadas no art. 500?

Art. 500. Se, na venda de um imóvel, se estipular o preço por medida de extensão, ou se determinar a respectiva área, e esta não corresponder, em qualquer dos casos, às dimensões dadas, o comprador terá o direito de exigir o complemento da área, e, não sendo isso possível, o de reclamar a resolução do contrato ou abatimento proporcional ao preço.

§ 1 o Presume-se que a referência às dimensões foi simplesmente enunciativa, quando a diferença encontrada não exceder de um vigésimo da área total enunciada, ressalvado ao comprador o direito de provar que, em tais circunstâncias, não teria realizado o negócio.

§ 2 o Se em vez de falta houver excesso, e o vendedor provar que tinha motivos para ignorar a medida exata da área vendida, caberá ao comprador, à sua escolha, completar o valor correspondente ao preço ou devolver o excesso.

§ 3 o Não haverá complemento de área, nem devolução de excesso, se o imóvel for vendido como coisa certa e discriminada, tendo sido apenas enunciativa a referência às suas dimensões, ainda que não conste, de modo expresso, ter sido a venda ad corpus .

A

Art. 501. Decai do direito de propor as ações previstas no artigo antecedente o vendedor ou o comprador que não o fizer no prazo de um ano, a contar do registro do título.

Parágrafo único. Se houver atraso na imissão de posse no imóvel, atribuível ao alienante, a partir dela fluirá o prazo de decadência.

Ação ex empto:

Destarte, detectado um vício de extensão na
venda ad mensuram, surge para o comprador uma sequência lógica de opções: i) devolver a coisa, por meio de ação redibitória, desfazendo o negócio; ii) obter abatimento no preço, mantendo a coisa consigo, por meio de ação estimatória, também dita quanti minoris; iii) exigir, quando possível, a complementação da área imobiliária faltante, ajuizando uma actio ex empto, que possui natureza de ação real, submetida ao procedi-mento comum ordinário.

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169
Q

No contrato de compra e venda com cláusula de retrovenda, qual o prazo máximo para o alienante exercer o seu direito de recompra?

A

Art. 505. O vendedor de coisa imóvel pode reservar-se o direito de recobrá-la no prazo máximo de decadência de três anos, restituindo o preço recebido e reembolsando as despesas do comprador, inclusive as que, durante o período de resgate, se efetuaram com a sua autorização escrita, ou para a realização de benfeitorias necessárias.

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170
Q

O direito de retrato é cessível e trasmissível a herdeiros e legatários?

A

Art. 507. O direito de retrato, que é cessível e transmissível a herdeiros e legatários, poderá ser exercido contra o terceiro adquirente.

OBS:

Art. 513. A preempção, ou preferência, impõe ao comprador a obrigação de oferecer ao vendedor a coisa que aquele vai vender, ou dar em pagamento, para que este use de seu direito de prelação na compra, tanto por tanto.

Parágrafo único. O prazo para exercer o direito de preferência não poderá exceder a cento e oitenta dias, se a coisa for móvel, ou a dois anos, se imóvel.

Art. 520. O direito de preferência não se pode ceder nem passa aos herdeiros.

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171
Q

Na venda sujeita a prova, o alienante é obrigado a aceitar a recusa do comprador?

A

Art. 510. Também a venda sujeita a prova presume-se feita sob a condição suspensiva de que a coisa tenha as qualidades asseguradas pelo vendedor e seja idônea para o fim a que se destina.

Comentários:
A outro giro, conforme se depreende da análise do art. 510, a venda sujeita à prova ou a ensaio concerne à cláusula que subordina a eficácia da compra e venda à objetiva constatação das qualidades que foram asseguradas pelo vendedor. Aqui a manifestação do comprador não é de ordem subjetiva e discricionária: sua recusa precisa estar apoiada em sinais de que a coisa não apresenta o desempenho e as qualidades prometidas.

É diametralmente oposta à cláusula de venda
a contento, que, como realçado anteriormente, está submetida à satisfação do comprador a partir de uma avaliação em nível subjetivo, baseada em sua estima pela coisa.

Mas a distinção não para por aí. Na medida
em que o desagrado do comprador se prende à própria desconformidade externa entre o que se prometeu e o que se pretende adquirir realmente, ressalta formular uma indagação sobre a necessidade de prova da existência do alegado déficit qualitativo pelo adquirente. Parece-nos que a resposta é positiva, caso contrário estar-se-ia incorrendo nas mesmas consequências da venda a contento, ou seja, no arbítrio do comprador. Equivale a dizer: a condição suspensiva da compra é sujeita à demonstração da veracidade das alegações do comprador, sob pena de ser levada à apreciação do magistrado.

Enfim, tanto a venda a contento como a sujeita à prova são condicionais; entrementes, naquela (a contento), o critério é puramente subjetivo e arbitrário, enquanto nessa (sujeita à prova), parte-se de uma análise objetiva e fundamentada.

Art. 509. A venda feita a contento do comprador entende-se realizada sob condição suspensiva, ainda que a coisa lhe tenha sido entregue; e não se reputará perfeita, enquanto o adquirente não manifestar seu agrado.

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172
Q

Qual é o prazo máxima para o exercício do direito de preferência nos contratos de compra e venda que o prevejam?

A

Art. 513. A preempção, ou preferência, impõe ao comprador a obrigação de oferecer ao vendedor a coisa que aquele vai vender, ou dar em pagamento, para que este use de seu direito de prelação na compra, tanto por tanto.

Parágrafo único. O prazo para exercer o direito de preferência não poderá exceder a cento e oitenta dias, se a coisa for móvel, ou a dois anos, se imóvel.

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173
Q

O que é a retrovenda e qual a sua natureza jurídica?

A

Art. 505. O vendedor de coisa imóvel pode reservar-se o direito de recobrá-la no prazo máximo de decadência de três anos, restituindo o preço recebido e reembolsando as despesas do comprador, inclusive as que, durante o período de resgate, se efetuaram com a sua autorização escrita, ou para a realização de benfeitorias necessárias.

Comentários:

[…]

A retrovenda é o pacto adjeto à compra e venda, pelo qual as partes estipulam que o vendedor possuirá o direito potestativo (portanto, submetido, tão só, à sua própria manifestação de vontade) de comprar a propriedade de volta, em certo prazo (não superior a três anos), sujeitando o adquirente a tanto (independentemente da vontade de quem comprou), desde que deposite o preço, acrescido de despesas realizadas pelo comprador.

Enfim, é o direito estabelecido em favor do
alienante de recomprar a coisa, no prazo máximo de três anos, independentemente da vontade do adquirente de vendê-la.

Disso deflui, com tranquilidade, a sua natureza de condição resolutiva potestativa.

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174
Q

O direito de preferência registrado em cartório de imóveis tem eficácia real?

A

Art. 518. Responderá por perdas e danos o comprador, se alienar a coisa sem ter dado ao vendedor ciência do preço e das vantagens que por ela lhe oferecem. Responderá solidariamente o adquirente, se tiver procedido de má-fé.

Comentários:

[…]

Assim, a inobservância da preferência pelo
comprador não outorga ao vendedor o poder de desfazer o negócio jurídico, mediante o depósito da quantia paga pelo terceiro.
Optou o legislador por responsabilizar o comprador por perdas e danos, porém sem o desfazimento da compra e venda lesiva ao direito de preempção. Em termos pragmáticos:a opção da norma legal brasileira foi a de contemplar o pacto de preempção com efeitos meramente obrigacionais, restritos ao comprador e ao vendedor, sem alcançar terceiros.Nega-se-lhe eficácia real e oponibilidade erga omnes.

Tem sentido garantir ao vendedor prejudicado
uma indenização porque a atitude do comprador (de vender a terceiro sem notificar o vendedor) viola, frontalmente, o dever anexo de informação, decorrente da boa-fé objetiva.

De qualquer sorte, admite-se que a pretensão
ressarcitória seja dirigida contra o adquirente em solidariedade passiva com o comprador, caso tenha procedido de má-fé, ou seja, caso sabidamente tivesse noção da existência da cláusula e, mesmo assim, tenha praticado o negócio jurídico. Aliás, em sede de bens imóveis, o registro do contrato e a publicidade da cláusula de preempção geram presunção absoluta de má-fé.

Ao nosso viso, todavia, é mister formular reflexão mais amiúde e sistêmica. Apesar da expressa opção legislativa (efeitos meramente obrigacionais para a cláusula de preempção), cogitamos a possibilidade de adjudicação da coisa vendida ao terceiro, sem respeito à preferência convencionada, no caso de demonstração de que o terceiro adquirente tinha ciência inequívoca da existência da cláusula de prelação. Fundamentamos o pensamento na concretização da função social externa do contrato, impedindo que uma pessoa, conscientemente, ofenda um contrato do qual não faça parte, sabotando a sua normal execução. O vendedor, nesse caso, fica posicionado como um terceiro ofendido pela relação travada entre o comprador e o terceiro adquirente. Insista-se que, na hipótese cogitada, o terceiro está ofendendo a relação contratual entre o comprador e o vendedor, quando, conhecedor da cláusula de preempção, simplesmente a ignora e realiza um novo contrato com o comprador. Em suma, a sociedade não pode se portar de modo a ignorar a existência de contratos firmados. Isso explica uma tendência em se prestigiar a oponibilidade erga omnes das relações contratuais, com a imposição de um dever genérico de abstenção, por parte de terceiros, da prática de relações contratuais que possam afetar a segurança e a certeza dos contratos estabelecidos. Advirta-se não se tratar de revogação da tradicional relatividade dos contratos – pois os seus efeitos obrigacionais compreendem apenas os seus protagonistas. Apenas defendemos uma mitigação da incidência dos seus efeitos perante a coletividade, prestigiando-se uma oponibilidade geral. Em síntese apertada, porém completa: como a função social do contrato é uma cláusula geral, pela qual o magistrado delibera pelas consequências mais adequadas à concretude do caso, permite, então, certa mobilidade, oxigenando o rigor do comando legal (art. 518 do CC), autorizando, a depender das circunstâncias do caso, a invalidação do segundo contrato, caso se mostre que o terceiro adquirente tinha ciência da preferência e se o vendedor depositar o preço em iguais condições. Não se olvide que a cláusula geral é norma de ordem pública, sendo aplicável de ofício pelo magistrado (art. 2.035, parágrafo único, do CC).

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175
Q

A retrocessão, prevista no art. 519, constitui um direito real ou obrigacional?

A

Art. 519. Se a coisa expropriada para fins de necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, não tiver o destino para que se desapropriou, ou não for utilizada em obras ou serviços públicos, caberá ao expropriado direito de preferência, pelo preço atual da coisa.

Comentários:

[…]

Ao contrário do que se percebeu anteriormente, cuida-se de hipótese de direito de preferência legal e não convencional. Ademais, não se indeniza o prejuízo somente com perdas e danos (como ocorre na regra geral da preempção, na forma do art. 518 do CC/2002), mas com a própria reaquisição da propriedade em razão do desinteresse superveniente do expropriante.

Vale questionar: a retrocessão é direito real ou
obrigacional? Pela própria estrutura da retrocessão, não se acomoda perfeitamente nem a um nem a outro setor. Assume aspectos obrigacionais por se situar no campo do direito de preferência, matéria alusiva aos contratos, nas relações de cunho obrigacional. Todavia, não sendo concedida qualquer finalidade pública ao bem, o expropriado não receberá uma indenização – o que ocorreria em sede obrigacional –, mas poderá postular a ação de preferência (não a reivindicatória), reavendo a coisa para si. Porém, isso não tem força suficiente para convolar a retrocessão em direito real, podendo-se admitir uma eficácia real do direito obrigacional. Assim sendo, a desapropriação geraria uma espécie de propriedade resolúvel para o poder público, condicionada à satisfação do interesse público subjacente, motivador do ato.

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176
Q

Qual é a diferença entre venda com reserva de domínio e alienação fiduciária?

A

Art. 521. Na venda de coisa móvel, pode o vendedor reservar para si a propriedade, até que o preço esteja integralmente pago.

Comentários:

[…]

A reserva de domínio se aproxima bastante do
modelo estabelecido pela propriedade fiduciária (arts. 1.361 a 1.368-B do CC), como uma espécie de negócio fiduciário. O desdobramento da posse e da propriedade, condicionado ao pagamento do preço, é comum em ambas as figuras (propriedade fiduciária e cláusula de reserva de domínio), propiciando uma circulação massiva de propriedade mobiliária. Todavia, algumas distinções são evidentes. Em primeiro lugar, a propriedade fiduciária gera a imediata transferência da titularidade do fiduciante (alienante) para o credor fiduciário (adquirente), como premissa para que o vendedor possa imediatamente receber o preço e se satisfazer. Ou seja, o vendedor não integra a relação jurídica de direito real, restringindo-se o negócio fiduciário ao comprador e ao financiador, que recebe a propriedade resolúvel da coisa móvel como garantia do pagamento realizado ao vendedor. Já na reserva de domínio, a relação jurídica se circunscreve ao vendedor e ao comprador, pois o próprio alienante realiza o financiamento da aquisição em prestações, subordinando-se a passagem da propriedade a uma condição suspensiva.

Ademais, considerando que há previsão legal
de propriedade fiduciária imobiliária (Lei n. 9.514/97), é de se lamentar que a legislação tenha restringido o seu âmbito de incidência aos bens móveis, ignorando a evolução no tratamento da matéria.

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177
Q

No contrato com reserva de domínio, o adquirente pode alienar o bem a terceiro antes de adimplir integralmente o contrato? Se o fizer e verificar-se o inadimplemento, o alienante poderá postular a restituição do bem ao terceiro?

A

Art. 522. A cláusula de reserva de domínio será estipulada por escrito e depende de registro no domicílio do comprador para valer contra terceiros.

Comentários:

[…]

Outrossim, pelo fato de a cláusula de reserva
de domínio não ser impeditiva da venda da coisa pelo comprador a um terceiro, em caso de inadimplemento poderá o vendedor se voltar contra este por meio da ação de recuperação da coisa, diante da publicidade e oponibilidade do registro a terceiros.

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178
Q

Na venda com reserva de domínio, o alienante pode, antes do cumprimento do contrato, receber dinheiro de instituição financeira, transferindo a ela os direito advindo do contrato, bem como a propriedade do bem imóvel que lhe é objeto?

A

Art. 528. Se o vendedor receber o pagamento à vista, ou, posteriormente, mediante financiamento de instituição do mercado de capitais, a esta caberá exercer os direitos e ações decorrentes do contrato, a benefício de qualquer outro. A operação financeira e a respectiva ciência do comprador constarão do registro do contrato.

Comentários:

Objetivando a expansão da reserva de domínio, a norma em comento admite a intervenção de uma instituição financeira, que adiantará o pagamento integral ao vendedor. Portanto, formam-se duas relações jurídicas concomitantes: entre vendedor e comprador; entre vendedor e instituição financeira. Esta se sub-rogará na posição do vendedor, a fim de cobrar as prestações do comprador, na forma do art. 347, I, do CC. Vale dizer: as garantias e os privilégios do vendedor serão transferidos à instituição financeira para que possa reaver os valores que adiantou àquele.

Note-se que o vendedor mantém a posição de
proprietário sob condição suspensiva, não sendo a titularidade transferida à instituição financeira. Caso isso ocorresse, seria desvirtuada a natureza dessa modalidade de compra e venda, que se converteria em uma propriedade fiduciária, de natureza resolúvel.

Na parte final do dispositivo, alerta-se sobre a
necessidade de cientificação por escrito do comprador como requisito de eficácia da sub-roga-ção contra ele, além da indispensável menção à operação com a instituição financeira no Cartório de Títulos e Documentos, ou no Certificado de Registro do Veículo (CRV).

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179
Q

Em que consiste o contrato estimatório?

A

Art. 534. Pelo contrato estimatório, o consignante entrega bens móveis ao consignatário, que fica autorizado a vendê-los, pagando àquele o preço ajustado, salvo se preferir, no prazo estabelecido, restituir-lhe a coisa consignada.

Art. 535. O consignatário não se exonera da obrigação de pagar o preço, se a restituição da coisa, em sua integridade, se tornar impossível, ainda que por fato a ele não imputável.

Art. 536. A coisa consignada não pode ser objeto de penhora ou seqüestro pelos credores do consignatário, enquanto não pago integralmente o preço.

Art. 537. O consignante não pode dispor da coisa antes de lhe ser restituída ou de lhe ser comunicada a restituição.

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180
Q

No contrato estimatório, se a coisa perecer sem culpa do do consignatário, poderá o consignante exigir o adimplemento do débito?

A

Art. 535. O consignatário não se exonera da obrigação de pagar o preço, se a restituição da coisa, em sua integridade, se tornar impossível, ainda que por fato a ele não imputável.

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181
Q

Se o devedor estabelece um prazo para a aceitação da doação, e o donatário nada diz dentro dele, o que ocorrerá?

A

Art. 539. O doador pode fixar prazo ao donatário, para declarar se aceita ou não a liberalidade. Desde que o donatário, ciente do prazo, não faça, dentro dele, a declaração, entender-se-á que aceitou, se a doação não for sujeita a encargo.

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182
Q

Em que consiste a doação remuneratória? Ela também deve ser trazidas à colação no inventário?

A

Art. 540. A doação feita em contemplação do merecimento do donatário não perde o caráter de liberalidade, como não o perde a doação remuneratória, ou a gravada, no excedente ao valor dos serviços remunerados ou ao encargo imposto.

Comentários:
Em princípio, a doação será pura e simples,
pois a liberalidade não estará sujeita aos elementos acidentais do termo, condição e encargo. Explica-se: o que distingue o negócio jurídico do ato jurídico lícito (art. 185 do CC) é justamente a presença da autonomia privada no primeiro, concedendo à vontade humana a possibilidade de criar os efeitos desejados ao ato, nos limites dados pelo ordenamento. Isso permite ao doador restringir a eficácia da liberalidade por modalidades de doações, sem prejudicar a validade do negócio jurídico, posto que são atendidos os seus elementos essenciais (art. 104 do CC).

Para além de tais hipóteses, é possível que o
doador queira justificar o motivo da liberalidade. Cuida-se da doação contemplativa, enunciada na primeira parte do dispositivo. Portanto, poderá o doador anunciar que a doação decorre do fato de o donatário ser o melhor aluno da classe e merecer um incentivo em seus estudos.

A segunda parte da norma ressalva a chamada doação remuneratória. Aqui a liberalidade se conecta com serviços prestados anteriormente pelo donatário ao doador. Assim, a doação remuneratória é aquela realizada em retribuição aos serviços prestados pelo beneficiário, sem exigibilidade jurídica do pagamento. Conjuga-se, por conseguinte, a prática de uma liberalidade e uma remuneração por serviços sem exigibilidade em juízo. Logo, trata-se de uma espécie de recompensa.

O conceito de serviço é lato, abarcando, a um
só tempo, aquele no qual haveria cobrança de valores, mas que, especificamente na hipótese, não se submeterá à cobrança por deliberação pessoal do credor (v. g., a cirurgia realizada por um médico amigo do paciente ou a consulta prestada, graciosamente, pelo advogado) e, noutro quadrante, aquele serviço cuja essência não possua patrimonialidade (seria o exemplo de um aconselhamento afetivo).

Em qualquer caso (e observados cuidadosamente os exemplos apresentados anteriormente), a doação remuneratória está intimamente conectada com as obrigações naturais, nas quais há um débito moral, mas inexiste uma responsabilidade jurídica. Ou seja, podem ser pagas pelo devedor, mas não são exigíveis pelo credor (art. 882 do CC).

Bem por isso, uma vez realizada uma doação
remuneratória (que, repita-se à exaustão, mais se aproxima de um pagamento espontâneo de obrigação natural), não se pode reaver o valor despendido e tampouco se pode revogá-la por ingratidão do donatário (art. 564, III, do CC).

Acresça-se que o art. 2.011 da codificação dispensa as doações remuneratórias da colação.

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183
Q

Em que consiste a doação com encargo? Sua aceitação pode ser tácita? O encargo deve, obrigatoriamente, beneficiar terceiro, ou pode beneficiar o próprio doador?

A

Art. 540. A doação feita em contemplação do merecimento do donatário não perde o caráter de liberalidade, como não o perde a doação remuneratória, ou a gravada, no excedente ao valor dos serviços remunerados ou ao encargo imposto.

Comentários:

[…]

A parte derradeira do art. 540 da lei civil é dedicada ao exame da doação com encargo (onerosa). Diversamente do termo e da condição, salvo ressalva expressa, o encargo não suspende a aquisição ou o exercício do direito (art. 136 do CC). Assim, a imposição de um encargo em uma doação não afetará a validade ou a eficácia, apenas permitirá a sua exigibilidade jurídica. Doação modal ou encargo é, pois, uma limitação da liberdade de dispor. Trata-se de obrigação acessória imposta ao donatário, no interesse geral ou no particular do próprio doador ou de um terceiro.

O encargo é uma restrição à liberalidade, pois não implica uma contraprestação do donatário ao doador (o que causaria o desvirtuamento do negócio), mas a imposição de um pequeno sacrifício ao donatário. Exemplificando, se uma pessoa destina gratuitamente um apartamento a outra, com o encargo de esta auxiliar as obras de caridade da igreja local, não há contraprestação, mas uma imposição de obrigação, de uma onerosidade.

Por fim, em razão da onerosidade acarretada
com a doação, deverá ela ser objeto de aceitação expressa pelo donatário, não se admitindo a aceitação presumida ou tácita (art. 539 do CC)

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184
Q

Admite-se doação verbal?

A

Art. 541. A doação far-se-á por escritura pública ou instrumento particular.

Parágrafo único. A doação verbal será válida, se, versando sobre bens móveis e de pequeno valor, se lhe seguir incontinenti a tradição.

Comentários:

[…]

Não se olvide da possibilidade constante do
parágrafo único: a chamada doação manual, quando se tratar de bem móvel de pequeno valor, com a imediata tradição (entrega efetiva) da coisa. Aqui, afasta-se o caráter formal do ajuste, caracterizando a avença como um negócio jurídico real, em face da necessidade de tradição. É o caso dos presentes de aniversário ou de casamento. Por evidente, a caracterização do bem de pequeno valor depende da extensão patrimonial do doador e da própria natureza do objeto, oscilando de uma pessoa para outra.

Tratando-se de doação de um bem cujo valor
exceda o décuplo do salário mínimo, não se admite prova do contrato exclusivamente verbal, conforme sinalização do art. 401 do CPC/73 (sem correspondente no CPC/2015), exigindo-se outros elementos indiciários para a sua prova. A regra, é bem verdade, não tem rigidez cadavérica, comportando flexibilizações de acordo com os usos e costumes de cada lugar.

Enunciado n. 622, CJF: Para a análise do que seja bem de pequeno valor, nos termos do art. 541, parágrafo único, do Código Civil, deve-se levar em conta o patrimônio do doador.

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185
Q

A doação feita em contemplação de casamento futuro prescinde de aceitação?

A

Art. 546. A doação feita em contemplação de casamento futuro com certa e determinada pessoa, quer pelos nubentes entre si, quer por terceiro a um deles, a ambos, ou aos filhos que, de futuro, houverem um do outro, não pode ser impugnada por falta de aceitação, e só ficará sem efeito se o casamento não se realizar.

Comentários:

Caso especial de doação condicional suspen-siva, essa doação é aquela feita em contemplação de um matrimônio futuro com pessoa certa e de-terminada, indicada no instrumento do negócio. Para nós, a possibilidade, de certo modo, coloca–se em rota de colisão frontal com uma nova pers-pectiva do casamento, baseado na comunhão de afetos. Nesse novo panorama, não parece razoá-vel conceder patrimônio a uma pessoa para que venha a contrair casamento com o doador ou com terceiro por ele indicado. Estar-se-ia, de al-gum modo, patrimonializando uma relação fun-damentalmente lastreada no afeto, na ética, na solidariedade e na dignidade das pessoas envol-vidas.

Trata-se de contrato cuja eficácia está subme-tida à celebração posterior do casamento. Aliás, exatamente por isso, dispensa a aceitação, que é presumida nas próprias núpcias.

É uma espécie de presente de casamento, embora não se confunda com os presentes ofertados por terceiros aos noivos.

A donatio propter nupcias pode ser realizada
por um dos noivos ao outro, por um terceiro em favor de um deles ou de ambos ou, finalmente, em favor dos filhos que o casal vier a ter (prole eventual). Não celebrado o matrimônio e inviabilizada a futura prole, o beneficiário tem de restituir o bem doado, com os mesmos efeitos do possuidor de boa-fé.

Por fim, ao conferir um caráter ético a essa
modalidade especial de doação, o legislador (art. 564 do CC), andando muito bem nesse ponto, obstou a sua revogação por ingratidão do beneficiário.

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186
Q

No caso de doação com cláusula de reversão (art. 547), o donatário pode alienar o bem a terceiro? Se o fizer, qual será a consequência?

A

Art. 547. O doador pode estipular que os bens doados voltem ao seu patrimônio, se sobreviver ao donatário.

Parágrafo único. Não prevalece cláusula de reversão em favor de terceiro.

Comentários:

[…]

A cláusula de reversão é personalíssima, não
podendo beneficiar terceiros – inteligência do parágrafo único do comando do art. 547 da lei civil. A existência do pacto reversivo implica a caracterização de propriedade resolúvel. Por isso, embora a cláusula de reversão não torne o bem inalienável, podendo o donatário, livremente, aliená-lo (vendê-lo ou doá-lo), na hipótese, a transmissão será de propriedade resolúvel e a subsequente morte do beneficiário antes da morte do doador gera a extinção da titularidade.

No ponto, cumpre explicar que a reversão opera os seus efeitos como cláusula resolutiva, com o desfazimento dos atos realizados pelo donatário, e restituição do bem doado, ainda que tenha havido alienação, já que isso é consequência natural da propriedade resolúvel. O terceiro não pode alegar boa-fé subjetiva (desconhecimento da cláusula de reversão) porque ela tem de ser expressa, estando devidamente registrada no instrumento de doação e no registro imobiliário.

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187
Q

Em que consiste o fideicomisso? É ele admitido no contrato de doação?

A

Merece referência ainda a possibilidade de doação com cláusula de fideicomisso. O fideicomisso é a disposição negocial pela qual se transfere uma propriedade a diferentes pessoas, sucessivamente. Seria o exemplo de uma doação condicional. Imaginando-se uma doação condicional (evento futuro e incerto), enquanto não implementada a condição, não poderá o beneficiário reclamar o bem. Sabendo disso, o benfeitor pode nomear um substituto para o donatário, enquanto não cumprida a condição. Assim, a propriedade é transmitida para o substituto (fiduciário) até que o beneficiário (fideicomissário) atenda à condição e adquira a titularidade. Evidentemente, o fiduciário terá propriedade resolúvel, que se extinguirá automaticamente pelo implemento da condição. Na hipótese de óbito do beneficiário sem cumprir a condição, consolida-se a propriedade plena com o fiduciário. O CC alude ao fideicomisso como mecanismo de substituição testamentária (art. 1.952 do CC), silenciando quanto à sua possibilidade na doação. Apesar disso, com esteio na autonomia privada, norteadora das relações obrigacionais, é de ser admitida a inserção de cláusula fideicomissária na doação, permitindo ao doador estipular a sucessividade da titularidade do bem transmitido. Não se vê qualquer ilicitude na determinação de que uma doação se resolva pelo advento de um termo ou pela ocorrência de uma condição. E não se afirme, sequer, que a proibição de cláusula de reversão em favor de terceiros serviria como um óbice ao fideicomisso na doação, na medida em que a proibição do parágrafo único do art. 547 é específica, não podendo ser interpretada extensivamente.

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188
Q

Se alguém possui R$ 100.000,00 e doa a um de seus filhos R$ 30.000,00, fazendo o mesmo depois de certo tempo no valor de R$ 20.000,00, poderá fazer uma terceira doação a este filho em momento posterior?

Pesquisar o assunto melhor.

A

Art. 549. Nula é também a doação quanto à parte que exceder à de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento.

Comentários:

[…]

Perceba-se que a nulidade alcança apenas a
doação que ultrapasse o valor disponível, aquela na qual houve o excesso, e não as doações anteriores que se encontravam harmônicas com o limite da legítima. Portanto, se alguém possuía R$ 100.000,00 e realizou uma primeira doação no valor de R$ 20.000,00, uma segunda na quantia de R$ 30.000,00 e, finalmente, uma terceira doação no valor de R$ 10.000,00, apenas esta última será nulificada, preservando-se as anteriores em que não houve necessidade de redução.

O cálculo da legítima (e, por conseguinte, do
excesso, ou não, da doação) será realizado no momento da doação e, por conta disso, eventuais variações patrimoniais para mais ou para menos, posteriores à liberalidade, não validam o que é inválido ou invalidam o válido. Fundamental é a aferição do valor do patrimônio contemporâneo a cada ato dispositivo. Por isso, a doutrina afirma que “se torna irrelevante qualquer variação patrimonial do doador, após a celebração do negócio, podendo ele enriquecer ou empobrecer”. A explicação é lógica: se assim não fosse, o doador continuaria doando a metade que possui, a cada momento, até promover o total esvaziamento de seu patrimônio.

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189
Q

É constitucional a vedação à doação que não respeite a legítima?

A

Por derradeiro, cumpre aludir a uma questão
nova e pujante. Apesar de minoritário o nosso entendimento, confessamos não ter simpatia pela restrição sub occulis. Ao nosso viso, a impossibilidade de doação da legítima somente se justifica quando um dos herdeiros necessários é incapaz, em razão da necessidade de proteção integral do incapaz. Todavia, tratando-se de herdeiros necessários maiores e capazes, não vislumbramos motivo plausível para obstar o ato de disposição gratuito pelo titular. Até porque o ofício do pai se impõe em razão do exercício do poder familiar –
o que não haverá se todos forem plenamente capazes. Cuida-se de uma interdição parcial na livre disposição de uma pessoa absolutamente capacitada para os atos da vida jurídica. Não nos parece, ademais, que um pai, por exemplo, seja obrigado a deixar patrimônio para o seu filho, em especial no momento em que a proteção do sistema jurídico centra-se na essência da pessoa humana e em sua dignidade. Entendemos, pois, que o juiz, casuisticamente, poderá acobertar com o manto da validade e da plena eficácia a doação feita pelo titular com invasão da legítima (ultrapassando o limite patrimonial disponível), quando os herdeiros necessários são maiores e capazes. Assim, resguardará a dignidade do titular, podendo dispor livremente de seu patrimônio.

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190
Q

A evicção se aplica aos contrato de doação?

A

Art. 552. O doador não é obrigado a pagar juros moratórios, nem é sujeito às conseqüências da evicção ou do vício redibitório. Nas doações para casamento com certa e determinada pessoa, o doador ficará sujeito à evicção, salvo convenção em contrário.

Comentários:

[…]

Da mesma forma, a não ser que expressamente ressalve o contrário, isenta-se de responsabilidade por vícios materiais e ocultos da coisa existentes antes da tradição (art. 441 do CC) e pela perda da coisa pelo donatário em virtude de uma decisão que conceda o direito sobre ela a um terceiro (art. 447 do CC). Certamente, tais isenções de responsabilidade não incluem as doações onerosas (com encargo), como se percebe ilustrativamente da leitura do art. 441, parágrafo único, do CC. [Art. 441. A coisa recebida em virtude de contrato comutativo pode ser enjeitada por vícios ou defeitos ocultos, que a tornem imprópria ao uso a que é destinada, ou lhe diminuam o valor.Parágrafo único. É aplicável a disposição deste artigo às doações onerosas.]

Ainda no que tange à evicção, há uma regra
supletiva no parágrafo único que permite a sua incidência nas doações para casamento com certa e determinada pessoa. Aqui se faz referência à doação condicional do art. 546, na qual o legislador presume o dolo do cônjuge que oferece um bem ao outro, considerando que a liberalidade se deu como uma forma de atrair o interesse do outro nubente para o matrimônio.

O objetivo da norma em comento é demonstrar que, se não há sinalagma, a diferença quanto à imputação de deveres deve atender ao princípio da isonomia, dispondo que os desiguais serão tratados desigualmente. Por essa razão, também se editou o art. 392, enfatizando que, nos contratos benéficos, a parte a que não aproveite o contrato só responderá por dolo. Portanto, se o doador sabia do vício material ou jurídico do bem e ocultou o fato do donatário, será responsabilizado pela quebra do princípio da boa-fé, pouco se cogitando de sua situação financeira e muito se acautelando a confiança e legítima expectativa frustrada do donatário.

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191
Q

É admissível a doação de bem público?

A

Pontua, lucidamente, como lhe é peculiar, Fernanda Marinela que “os bens públicos podem ser alienados pela formas comuns do direito privado, como a venda prevista no art. 481 do Código Civil, a doação, a permuta e dação em pagamento”. Assim sendo, é possível a celebração do contrato de doação de bens públicos dominiais, combinando as regra contempladas no Código Civil e aqueloutras de natureza administrativa, previstas na Lei n. 8666\93 - Lei de Licitações, notadamente em seu art. 17.

É intuitivo que para a Administração Pública, a doação assuma caráter excepcional, em face da indisponibilidade dos bens públicos.

Bem por isso, a alienação gratuita de bens público dominiais (assim como a alienação onerosa) tem de ser precedida de autorização legislativa, sob pena de nulidade. Esta autorização legislativa há de ser “específica, indicando o bem a ser alienado e os limites a serem observados na alienação. Quando se tratar de imóvel de titularidade de entidade da Administração Indireta, não se exige a prévia autorização legislativa”, consoante a lição de Marçal Justen Filho.

Em se tratando de bem público de uso especial, a doação somente será possível após o procedimento legislativo de desafetação.

São casos bastante comuns, de certo modo cotidianos, de doações implementadas pelo Poder Estatal tendo como objeto, muitas vezes, terrenos públicos para fins de assentamento rural ou de concessão de moradia para a população de baixa renda, além de hipóteses outras de estímulo à atividade industrial ou mercantil.

[…]

Pontu-se que a correta interpretação dedica à alinea b do art. 17 da Lei de Licitaçõe,s inclusive conforme a decisão prolatada pela Corte Excelsa na ADI 927-3-RS, sinaliza no sentido de considerar que é dispensável a realização prévia de procedimento licitatório para doação de bem público quando o destinatário for órgão ou entidade da Administração Pública, de qualquer esfera governamental.

Por outro turno, se a doação é em benefício de um particular, por óbvio, a regra geral é a obrigatoriedade da licitação.

192
Q

O direito de revogar a doação transmite-se aos herdeiros?

A

Art. 560. O direito de revogar a doação não se transmite aos herdeiros do doador, nem prejudica os do donatário. Mas aqueles podem prosseguir na ação iniciada pelo doador, continuando-a contra os herdeiros do donatário, se este falecer depois de ajuizada a lide.

Art. 561. No caso de homicídio doloso do doador, a ação caberá aos seus herdeiros, exceto se aquele houver perdoado.

193
Q

Qual a diferença entre propriedade ad tempus e propriedade resolúvel e qual sua relação com a doação?

A

Art. 563. A revogação por ingratidão não prejudica os direitos adquiridos por terceiros, nem obriga o donatário a restituir os frutos percebidos antes da citação válida; mas sujeita-o a pagar os posteriores, e, quando não possa restituir em espécie as coisas doadas, a indenizá-la pelo meio termo do seu valor.

Comentários:
Quando se afirma que a revogação por ingratidão não prejudicará os direitos adquiridos por terceiros, não estamos apenas diante de uma opção legislativa pela tutela da aparência e da boa-fé dos terceiros que praticaram negócios jurídicos com aquele que ostentava a posição de proprietário.

Com efeito, tanto a revogação por ingratidão
como a praticada por inexecução do encargo representam situações que se verificam na fase de execução contratual, não em sua gênese. Representam o inadimplemento de uma doação pelo descumprimento da obrigação principal do devedor (encargo), como pelo dever anexo de proteção (ingratidão), ofendendo o princípio da boa-fé objetiva.

Assim, ambas as formas de revogação representam a ineficácia superveniente de um negócio jurídico válido. Daí que serão preservados todos os direitos adquiridos por terceiros, na medida em que não se nulifica ou anula um negócio jurídico que é válido na origem. De fato, apenas a anulação do negócio restitui as partes ao estado em que se encontravam primitivamente (art. 182 do CC).

Ademais, o art. 1.360 do CC consagra a propriedade ad tempus, diferenciando-a da propriedade resolúvel do art. 1.359. Naquela, a propriedade não está sujeita a termo ou condição, mas é potencialmente revogável em razão de evento superveniente (v. g., ingratidão e inexecução do encargo). Assim, o terceiro que a adquiriu “será con-siderado proprietário perfeito, restando à pessoa, em cujo benefício houve a resolução, ação contra aquele cuja propriedade se resolveu para haver a própria coisa ou o seu valor” (art. 1.360 do CC).

Art. 1.359. Resolvida a propriedade pelo implemento da condição ou pelo advento do termo, entendem-se também resolvidos os direitos reais concedidos na sua pendência, e o proprietário, em cujo favor se opera a resolução, pode reivindicar a coisa do poder de quem a possua ou detenha.

Art. 1.360. Se a propriedade se resolver por outra causa superveniente, o possuidor, que a tiver adquirido por título anterior à sua resolução, será considerado proprietário perfeito, restando à pessoa, em cujo benefício houve a resolução, ação contra aquele cuja propriedade se resolveu para haver a própria coisa ou o seu valor.

194
Q

Quais tipos de doação não podem ser revogados por ingratidão?

A

Art. 564. Não se revogam por ingratidão:

I - as doações puramente remuneratórias;

II - as oneradas com encargo já cumprido;

III - as que se fizerem em cumprimento de obrigação natural;

IV - as feitas para determinado casamento.

195
Q

A Lei do Inquilinato se aplica à locação em apart-hotéis?

A

Significativa é a advertência do art. 2.036 do
CC: “A locação de prédio urbano, que esteja sujeita à lei especial, por esta continua a ser regida”. Nesse ponto, há uma curiosidade. A norma geral remete à lei especial e esta, novamente, conduz ao CC. Basta perceber que a locação de imóveis urbanos é tratada na Lei n. 8.245/91, sendo que logo em seu art. 1o, parágrafo único, adverte acerca das modalidades de locação que serão regidas pelo CC e leis especiais (norma de reenvio).

Destarte, o CC regula a locação de vagas autônomas de garagem; espaços destinados à publicidade; locação de apart-hotéis, hotéis-residência ou equiparados (além da aplicação de normas do CDC); e formas de locação que não tenham sido objeto de regulamentação por legislação própria.

196
Q

As pertenças não mencionadas no contrato de locação deverão, obrigatoriamente, ser disponibilizadas ao locatário?

A

Art. 566. O locador é obrigado:

I - a entregar ao locatário a coisa alugada, com suas pertenças, em estado de servir ao uso a que se destina, e a mantê-la nesse estado, pelo tempo do contrato, salvo cláusula expressa em contrário;

II - a garantir-lhe, durante o tempo do contrato, o uso pacífico da coisa.

Comentários:

A inexecução do contrato também será consequente da entrega da coisa quando desacompanhada das pertenças, que lhe concedem utilidade e serviço (art. 93 do CC). Vê-se que a disposição enfeixada no inciso I deste art. 566 excepciona o regramento geral das pertenças (art. 94 do CC), pois mesmo que locador e locatário não convencionem a inclusão dos bens acessórios no objeto do contrato, o negócio jurídico locatício sobre o bem principal invariavelmente alcançará as pertenças. Nesse passo, a locação de um veículo incluirá o aparelho de DVD que lá se encontrava, exceto se houver cláusula expressa excluindo a pertença.

197
Q

Os vícios redibitórios e a evicção se aplicam ao contrato de locação?

A

Art. 568. O locador resguardará o locatário dos embaraços e turbações de terceiros, que tenham ou pretendam ter direitos sobre a coisa alugada, e responderá pelos seus vícios, ou defeitos, anteriores à locação.

Comentários:

[…]

Contudo, além da obrigação principal e dos
deveres anexos ou instrumentais oriundos da boa-fé, o sistema jurídico concebe garantias quanto à tutela física e jurídica do objeto adquirido. Vale dizer, o adquirente será protegido quanto à funcionalidade e a substância do bem, seja diante da existência de vícios ocultos que tornem a coisa imprópria para o uso (art. 441 do CC), bem como no tocante à garantia da legitimidade jurídica do direito que lhe é transferido.
Sendo a evicção a perda de um bem em virtude de uma decisão que conceda o direito sobre ele a um terceiro, poderá ela se traduzir não apenas na perda da propriedade, mas na posse do bem locado. Nesse caso, será o locatário ressarcido dos prejuízos decorrentes pelo locador, caso desconheça o fato de a posse da coisa ser alheia ou litigiosa (art. 457 do CC). Assim, se “A” aluga um imóvel a “B” e no transcurso da locação surge “C” reivindicando a condição de proprietário, por fundamento anterior à locação, terá “B” – agora alijado da condição de possuidor direto –, a faculdade de promover uma demanda contra
“A” em função da evicção, pela perda do objeto do contrato locatício. Vê-se pelo exemplo não se tratar de evicção decorrente de privação de direito de propriedade, mas sim de direito à posse, porquanto a locação era fundada no uso e fruição da coisa, agora impossibilitados pela perda da propriedade em favor do verdadeiro titular. Contudo, se a insurgência do terceiro disser respeito a aspectos fáticos, o alienante nada indenizará, pois apenas garante a indenidade jurídica da coisa. Ou seja, tratando-se de agressão à posse, o próprio locatário deverá se resguardar pela via do desforço imediato ou das ações possessórias.

198
Q

O locador tem de proteger o locatário de turbação provocadas por terceiros?

A

Art. 568. O locador resguardará o locatário dos embaraços e turbações de terceiros, que tenham ou pretendam ter direitos sobre a coisa alugada, e responderá pelos seus vícios, ou defeitos, anteriores à locação.

Comentários:

[…]

Interessante perceber que o dever de garantia
do locador não se resume ao âmbito da evicção e do vício redibitório, alcançando ainda as turbações provocadas por terceiros.

O termo turbação não foi aqui corretamente
empregado. A turbação é o ato de moléstia da posse, cujo objetivo é perturbar o seu exercício, sem contudo privar o possuidor do poder de fato sobre o bem. Quando surge o ato material de turbação, o locatário, na qualidade de possuidor direto do bem será legitimado de forma autônoma ao ajuizamento de ação possessória perante qualquer indivíduo (art. 1.210 do CC). Não se olvide da imediata via extrajudicial do exercício da autodefesa, pelos meios necessários e proporcionais à agressão. Vale dizer: tratando-se de posses paralelas, qualquer dos possuidores poderá defender o poder fático sobre a coisa, sem a necessidade de concurso processual com o outro possuidor.

Porém o art. 568 se refere à turbação de uma
maneira peculiar. Aduz o dispositivo que a garantia do locador compreende “embaraços e turbações de terceiros, que tenham ou pretendam ter direitos sobre a coisa alugada”. Vale dizer, a turbação já não mais como ato material de violência ou clandestinidade, mas como uma pretensão jurídica de terceiro sobre o bem. Seria o caso de uma medida constritiva de terceiro que alegue possuir direito sobre um bem que se encontre na posse do locatário. Ilustrativamente, em razão de um débito, “A” promove execução de um trator de propriedade do devedor “B”. Porém, a penhora incide justamente quando o maquinário está na posse do locatário “C”. Embora tenha sido entabulado contrato de locação de coisa móvel e esteja na posse direta do bem, o locatário não será parte legítima para opor embargos de terceiro, uma vez que somente o locador pode resguardar o locatário de embaraços e turbações de terceiros que pretendam ter direitos sobre a coisa alugada.

199
Q

O locador tem direito à resilição do pacto antes do termo convencionado?

A

Art. 571. Havendo prazo estipulado à duração do contrato, antes do vencimento não poderá o locador reaver a coisa alugada, senão ressarcindo ao locatário as perdas e danos resultantes, nem o locatário devolvê-la ao locador, senão pagando, proporcionalmente, a multa prevista no contrato.

Parágrafo único. O locatário gozará do direito de retenção, enquanto não for ressarcido.

Comentários:

[…]

Lembre-se de que nas locações de imóveis urbanos é vedada ao locador a possibilidade de reaver o imóvel antes do prazo convencionado pelas
partes ou pela lei – trinta meses –, pois o direito à resilição unilateral é exclusivo do locatário (art. 4o da Lei n. 8.245/91). Note-se que a vedação só se aplica à lei especial locatícia e não ao Código Civil por uma singela razão: o Código Civil é a lei dos iguais e a Lei do Inquilinato é o estatuto dos desiguais, pois pretende conceder maior tutela ao vulnerável, que, em nossa ordem econômica, é aquele que procura pela residência urbana diante da carência de meios de obtenção da
“casa própria”, sem se omitir do direito fundamental social à moradia (art. 6o da CF).

200
Q

Terminado o tempo da locação, cessa automaticamente o direito do locatário, independentemente de notificação?

A

Art. 573. A locação por tempo determinado cessa de pleno direito findo o prazo estipulado, independentemente de notificação ou aviso.

Art. 574. Se, findo o prazo, o locatário continuar na posse da coisa alugada, sem oposição do locador, presumir-se-á prorrogada a locação pelo mesmo aluguel, mas sem prazo determinado.

201
Q

Estando em mora o locatário, responderá ele por qualquer dano proveniente de caso fortuito que atinja o bem?

A

Art. 575. Se, notificado o locatário, não restituir a coisa, pagará, enquanto a tiver em seu poder, o aluguel que o locador arbitrar, e responderá pelo dano que ela venha a sofrer, embora proveniente de caso fortuito.

Parágrafo único. Se o aluguel arbitrado for manifestamente excessivo, poderá o juiz reduzi-lo, mas tendo sempre em conta o seu caráter de penalidade.

Comentários:

[…]

De certa forma o legislador particularizou na
locação a norma geral do art. 399 do CC: “O devedor em mora responde pela impossibilidade da prestação, embora essa impossibilidade resulte de caso fortuito ou de força maior, se estes ocorrerem durante o atraso; salvo se provar isenção de culpa, ou que o dano sobreviria ainda quando a obrigação fosse oportunamente desempenhada”. Apesar de a regra deste art. 575 ser mais gravosa ao devedor por não lhe deferir a excludente da parte final, cremos que o locatário também poderá se eximir da responsabilidade se provar que o dano ocorreria mesmo que o bem fosse restituído na época apropriada. Ilustrativamente, como sugere Hamid Bdine (ver comentário ao art. 399 nesta obra), pense-se em um veículo que não é restituído à empresa locadora na data ajustada, mas fosse guardado no estacionamento em que ela mantém todos os outros veículos, de onde viesse a ser furtado. Aqui seria possível concluir que o devedor em mora não deve ser responsabilizado, pois se o veículo tivesse sido devolvido na data estabelecida estaria guardado no mesmo local.

202
Q

Qual a pena para o locatário que atrasa a devolução do bem?

A

Art. 575. Se, notificado o locatário, não restituir a coisa, pagará, enquanto a tiver em seu poder, o aluguel que o locador arbitrar, e responderá pelo dano que ela venha a sofrer, embora proveniente de caso fortuito.

Parágrafo único. Se o aluguel arbitrado for manifestamente excessivo, poderá o juiz reduzi-lo, mas tendo sempre em conta o seu caráter de penalidade.

Comentários:

[…]

Há ainda uma segunda ordem de efeitos. O
locador arbitrará uma espécie de aluguel-pena, que se estenderá até a devolução do bem. De acordo com o parágrafo único deste artigo, “se o aluguel arbitrado for manifestamente excessivo, poderá o juiz reduzi-lo, mas tendo sempre em conta o seu caráter de penalidade”. Cuida-se de sanção punitiva cuja finalidade é inibir a inexecução do dever de restituição da coisa locada. O montante fixado a título de pena independe da efetiva verificação de danos que o locador porventura tenha sofrido.

Inova o legislador ao permitir a redução judicial da penalidade se aferido o seu caráter manifestamente excessivo, tendo em vista a natureza e a finalidade do negócio jurídico. O arbitramento, embora não deva respeito à média do mercado locativo, deve ser feito com razoabilidade, respeitando o princípio da boa-fé objetiva, para evitar a ocorrência de abuso de direito e do enriquecimento sem causa do comodante. Além de seguir a letra do art. 413 do CC no que tange à redução da cláusula penal, a norma acresce a necessidade de o magistrado jamais se olvidar da feição punitiva do aluguel. Vale dizer: se por um
lado deve o juiz mitigar valores descomunais estipulados unilateralmente pelo locador, por outro cuidará para que a retribuição signifique acréscimo razoável sobre o valor normal de locação, sob pena de estimular a inadimplência do locatário no sentido de desconsiderar o dever de restituição.

A Lei n. 8.245/91 não prevê a figura do aluguel-pena para as locações urbanas residenciais e não residenciais. Mas seria possível a incidência subsidiária da regra do art. 575 do CC como fator de pressão sobre o locatário para constrangê-lo a desocupar o imóvel?

A nosso viso a resposta é negativa. Essa transposição normativa esbarra na incompatibilidade das finalidades do CC e da lei especial. O arbitramento de uma pena pelo locador desafia a teleologia da Lei do Inquilinato, baseada na especial tutela conferida ao locatário, parte assimétrica nessa relação obrigacional. Na prática isso significa que mesmo findo o contrato, será mantido o valor locatício até que o locatário restitua o bem de raiz.

Enunciado n. 180, CJF: A regra do
parágrafo único do art. 575 do novo CC, que autoriza a limitação pelo juiz do aluguel-pena arbitrado pelo locador, aplica-se também ao aluguel arbitrado pelo comodante, autorizado pelo art. 582, 2a parte, do novo CC.

203
Q

O locatário de bem, cujo contrato não seja regido pela Lei do Inquilinato, tem direito de preferência no caso de alienação do bem?

A

Art. 576. Se a coisa for alienada durante a locação, o adquirente não ficará obrigado a respeitar o contrato, se nele não for consignada a cláusula da sua vigência no caso de alienação, e não constar de registro.

§ 1 o O registro a que se refere este artigo será o de Títulos e Documentos do domicílio do locador, quando a coisa for móvel; e será o Registro de Imóveis da respectiva circunscrição, quando imóvel.

§ 2 o Em se tratando de imóvel, e ainda no caso em que o locador não esteja obrigado a respeitar o contrato, não poderá ele despedir o locatário, senão observado o prazo de noventa dias após a notificação.

Comentários:

[…]

Por último, na venda do bem locado inexiste
o mecanismo do direito de preferência ao locatário no sistema do CC. Inviável restaria a aplicação analógica do art. 27 da Lei n. 8.245/91 e também o art. 92 do Estatuto da Terra, normas especiais que resguardam o direito de preempção de inquilinos de imóveis urbanos e arrendatários de terrenos rurais, o que justifica especial ênfase na preservação do direito social de moradia. No tocante aos bens móveis e imóveis cuja locação é disciplinada pela lei civil, a relativa igualdade entre as partes desaconselha a excessiva intervenção do ordenamento no sentido de deferir ao locatário o automático direito de preferência em caso de venda pelo locador.

Aliás, quando o CC deseja por quaisquer razões atribuir ao particular o direito de preferência assim expressamente o regula, tal como se infere da preempção ao condômino em bem indivisível (art. 504 do CC) ou da retrocessão na desapropriação (art. 519 do CC).

Nada obstante, no âmbito de autonomia privada dos contratantes, é perfeitamente válida uma cláusula contratual que estabeleça direito de preferência na hipótese de venda do bem locado. Tal cláusula é especialmente interessante para o locatário, mitigando o risco de vendas simuladas. O sistema de preferência é deferido às partes no bojo da compra e venda, para bens móveis e imóveis (art. 513 do CC) e não haveria qualquer motivo para interditá-lo do crivo da liberdade contratual de locadores e locatários.

204
Q

Morrendo o locatário, tranfere-se aos herdeiros a locação?

A

Art. 577. Morrendo o locador ou o locatário, transfere-se aos seus herdeiros a locação por tempo determinado.

Comentários:

Em princípio, o contrato de locação não é in-tuitu personae, sendo passível de transmissão aos herdeiros do locador e do locatário até que se al-cance o prazo convencional estipulado (art. 1.784 do CC). Trata-se de uma sub-rogação contratual, pela qual os herdeiros assumem a posição eco-nômica do de cujus. Mas, caso as forças da heran-ça não suportem a locação, não poderá o loca-dor exigir débitos vencidos do locatário (art. 1.792 do CC).

É cediço que não apenas a propriedade, mas também a posse se transmite aos herdeiros no instante exato da morte, aplicando-se a saisine. A posse transmitida aos herdeiros do proprietário é a indireta, que não demanda apreensão fí-sica da coisa, enquanto a posse atribuída aos su-cessores do locatário é a direta, o que permite a permanência do uso e da fruição do bem locado pelo restante do prazo contratual.

[…]

No regime da Lei n. 8.245/91 é distinta a eficácia da morte na locação. De acordo com o art. 10 da Lei n. 8.245/91, a morte do locador não extingue o vínculo, pois os herdeiros podem ingressar na relação, com transmissão de direitos e deveres. Caso o falecimento seja do locatário, o art. 11 da Lei do Inquilinato acentua o intuito protetivo da norma em prol da entidade familiar nas locações residenciais, mediante sub-rogação legal, sem qualquer limitação quando já vigorar sem prazo.

205
Q

O locatário tem direito de retenção do imóvel até indenização das benfeitorias, no caso de ter ele sido alienado?

A

Art. 578. Salvo disposição em contrário, o locatário goza do direito de retenção, no caso de benfeitorias necessárias, ou no de benfeitorias úteis, se estas houverem sido feitas com expresso consentimento do locador.

Comentários:

Ainda comentando a questão das locações, a
esta específica relação jurídica não se aplica a regra geral de oponibilidade das benfeitorias erga omnes. Nada obstante, a Súmula n. 158 do STF estabelece que, “salvo estipulação contratual averbada no registro imobiliário, não responde o adquirente pelas benfeitorias do locatário”. Assim, ad cautelam, vê-se que o locatário tem o ônus de averbar o contrato de locação no RGI, resguardando-se perante futura transferência da propriedade, sob pena de ser frustrado no reembolso das despesas com a manutenção da coisa locada se vier a exigi-las do novo proprietário.

Seguindo a linha da Lei do Inquilinato (art. 35
da Lei n. 8.245/91), este art. 578 inovou substancialmente em relação ao seu predecessor, permitindo que a autonomia privada dos contratantes excepcione a regra geral referida no corpo do dispositivo, a ponto de o locatário anuir à renúncia ao direito de indenização sobre qualquer forma de benfeitoria, mesmo as necessárias. A derrogação convencional do direito à indenização e retenção de benfeitorias pressupõe uma relativa posição de igualdade dos contratantes na estipulação e na discussão do teor das cláusulas.

Todavia, mesmo nas relações puramente civis,
normalmente os contratos de locação se realizam sob a forma da adesão. As cláusulas são unilateralmente predeterminadas pelo locador, de forma rígida. A seu turno, o locatário apenas subscreve o contrato sem prévia discussão de conteúdo. Nesse ponto, é claro o art. 424 ao dispor que: “Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio”. Em reforço vale citar o Enunciado n. 433 do CJF: “A cláusula de renúncia antecipada ao direito de indenização e retenção por benfeitorias necessárias é nula em contrato de locação de imóvel urbano feito nos moldes do contrato de adesão”. Apesar de o enunciado apenas fazer referência ao imóvel urbano, a contratação pela adesão extrapola a natureza mobiliária ou imobiliária do bem, sendo um método de celebração de contratos pelo qual uma das partes predispõe o inteiro teor e a outra a ele se submete, sem negociação.

206
Q
A
207
Q

É válida a cláusula que prevê, em contrato de locação civil, a renúncia às benfeitorias?

A

Art. 578. Salvo disposição em contrário, o locatário goza do direito de retenção, no caso de benfeitorias necessárias, ou no de benfeitorias úteis, se estas houverem sido feitas com expresso consentimento do locador.

Comentários:

[…]

Seguindo a linha da Lei do Inquilinato (art. 35
da Lei n. 8.245/91), este art. 578 inovou substancialmente em relação ao seu predecessor, permitindo que a autonomia privada dos contratantes excepcione a regra geral referida no corpo do dispositivo, a ponto de o locatário anuir à renúncia ao direito de indenização sobre qualquer forma de benfeitoria, mesmo as necessárias. A derrogação convencional do direito à indenização e retenção de benfeitorias pressupõe uma relativa posição de igualdade dos contratantes na estipulação e na discussão do teor das cláusulas.

Todavia, mesmo nas relações puramente civis,
normalmente os contratos de locação se realizam sob a forma da adesão. As cláusulas são unilateralmente predeterminadas pelo locador, de forma rígida. A seu turno, o locatário apenas subscreve o contrato sem prévia discussão de conteúdo. Nesse ponto, é claro o art. 424 ao dispor que: “Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio”. Em reforço vale citar o Enunciado n. 433 do CJF: “A cláusula de renúncia antecipada ao direito de indenização e retenção por benfeitorias necessárias é nula em contrato de locação de imóvel urbano feito nos moldes do contrato de adesão”. Apesar de o enunciado apenas fazer referência ao imóvel urbano, a contratação pela adesão extrapola a natureza mobiliária ou imobiliária do bem, sendo um método de celebração de contratos pelo qual uma das partes predispõe o inteiro teor e a outra a ele se submete, sem negociação.

Há muito se controverte acerca da abusividade
da cláusula de renúncia. Seriam as relações locatícias, relações de consumo e como tais sujeitas à incidência do exposto no art. 51, IV, do CDC? Duas simples razões excluem a incidência da legislação de consumo às relações locatícias: a uma, a Lei n. 8.078/90 (CDC) é anterior à Lei de Locação, que é de caráter especial e permite no retrocitado art. 35 a renúncia ao direito de indenização, mesmo das benfeitorias necessárias; a duas, não há relação de consumo entre locador e locatário, pois o proprietário do imóvel não é fornecedor de serviços pela ótica do art. 3o do CDC – não se confundindo com a empresa que administra o bem locado. Tratando-se eventualmente de uma relação de consumo, como a locação de apartamentos em apart-hotéis, haverá a proteção própria das relações de consumo (art. 51, XVI, do CDC).

Outrossim, a inserção da cláusula de exclusão
de indenização e retenção de benfeitorias desnatura o próprio dever de cooperação das partes, derivado do princípio da boa-fé objetiva, pois o locatário se furtará a realizar as benfeitorias necessárias – sabendo que não será indenizado –, permitindo que o bem seja desvalorizado e mes-mo que venha a perecer. Isso impede ao locatá-rio o cumprimento da obrigação de restituir a coisa no estado em que a recebeu, conforme im-põe o art. 569, IV, do CC, e, mais importante, elide a possibilidade de tratar a coisa como se sua fosse (art. 569, I, do CC).

208
Q

O direito de retenção por conta da realização de benfeitoria também se aplica ao caso de realização de acessão artificial?

A

Apesar de o CC/2002 silenciar-se a respeito do
direito de retenção, esse direito também é aplicável às acessões artificiais. Efetivamente, as construções detêm relevo econômico superior às benfeitorias, não sendo lícito supor que alguém possa reter uma casa em virtude da feitura de um banheiro (benfeitoria útil) e não receba idêntica proteção legal quando, de boa-fé, tenha-se incumbido de construir a própria edificação. Mesmo não se confundindo conceitualmente as acessões com as benfeitorias, ambas devem ser indenizadas em caso de evicção, já que não teria nenhum sentido mandar indenizar as benfeitorias e deixar de fora as acessões, utilizando para esse efeito um sentido restrito, que só serviria para beneficiar o causador da lesão.

[…]

Art. 1.219. O possuidor de boa-fé tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis, bem como, quanto às voluptuárias, se não lhe forem pagas, a levantá-las, quando o puder sem detrimento da coisa, e poderá exercer o direito de retenção pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis.

Comentários:

[…]

Acessões e retenção: É entendimento sedimentado da doutrina e dos tribunais que o direito de retenção, previsto de modo expresso para as benfeitorias úteis e necessárias na posse de boa-fé, aplica-se também às construções e plantações. O capítulo que trata das acessões é omisso quanto ao tema, de modo que a interpretação analógica é possível. Se cabe a retenção para a melhoria, com maior dose de razão cabe para a construção em que se fez a melhoria. Nesse sentido está o Enunciado n. 81 do CEJ do STJ, com o seguinte teor:
“O direito de retenção previsto no art. 1.219 do CC, decorrente da realização de benfeitorias necessárias e úteis, também se aplica às acessões (construções e plantações), nas mesmas circunstâncias”.

São dispositivas as regras relativas ao ressarcimento das benfeitorias e ao direito de retenção, porque se referem a direito patrimonial. Valem no silêncio da convenção entre as partes. Podem as partes dispor em sentido contrário, quando a posse decorre de relação jurídica de direito real ou obrigacional, estipulando tanto a não indenizabilidade das benfeitorias como a não retenção pelas benfeitorias indenizáveis. O limite para a autonomia privada, porém, é a existência de normas cogentes em sentido inverso, por exemplo nas relações de consumo, na lei de parcelamento do solo urbano, ou, ainda, se a estipulação ferir os princípios contratuais da boa-fé objetiva, do equilíbrio contratual e da função social do contrato.

Disso decorre que o direito à indenização e à
retenção – salvo quando protegido por normas imperativas – não pode ser conhecido de ofício pelo juiz, devendo ser alegado pelo interessado. De outro lado, quando a indenização e a retenção integram o equilíbrio contratual, a matéria é cognoscível ex officio. Dispensa-se a reconvenção, uma vez que se trata de exceção substancial, a ser arguida em contestação.

209
Q

No caso de comodato verbal sem prazo, o comodante pode pleitear a restituição do bem em que prazo?

A

Art. 581. Se o comodato não tiver prazo convencional, presumir-se-lhe-á o necessário para o uso concedido; não podendo o comodante, salvo necessidade imprevista e urgente, reconhecida pelo juiz, suspender o uso e gozo da coisa emprestada, antes de findo o prazo convencional, ou o que se determine pelo uso outorgado.

Comentários:

[…]

É comum, no entanto, a celebração de comodato verbal, caso em que, de ordinário, o termo não é previamente estabelecido. Pois bem, não havendo prazo convencionado, presume-se que o empréstimo ocorreu pelo tempo necessário para o uso concedido, não podendo o comodante retomar a coisa antes disso, salvo por necessidade imprevista e urgente. É dizer que o ordenamento jurídico (art. 581 do CC) presume que o empréstimo sem prazo determinado tem como razão de ser um intervalo de tempo suficiente para o uso da coisa, conforme a sua destinação.

Mais complexa é a situação dos empréstimos
de bens suscetíveis de uso prolongado no tempo, com prazo indefinido. Nessa hipótese, a nosso sentir, a melhor solução é a fixação do termo de acordo com as regras gerais de interpretação do negócio jurídico, em especial com a boa-fé objetiva (art. 113 do CC), a intenção das partes e não o sentido literal da linguagem (art. 112 do CC) e o caráter restritivo das disposições gratuitas (art. 114 do CC). Assim sendo, casuisticamente, o magistrado, provocado pelo interessado, fixará o prazo de devolução de acordo com tais circunstâncias.

210
Q

O mútuo feito a pessoa menor, sem prévia autorização de seu representante legal, pode ser reavido?

A

Art. 588. O mútuo feito a pessoa menor, sem prévia autorização daquele sob cuja guarda estiver, não pode ser reavido nem do mutuário, nem de seus fiadores.

Art. 589. Cessa a disposição do artigo antecedente:

I - se a pessoa, de cuja autorização necessitava o mutuário para contrair o empréstimo, o ratificar posteriormente;

II - se o menor, estando ausente essa pessoa, se viu obrigado a contrair o empréstimo para os seus alimentos habituais;

III - se o menor tiver bens ganhos com o seu trabalho. Mas, em tal caso, a execução do credor não lhes poderá ultrapassar as forças;

IV - se o empréstimo reverteu em benefício do menor;

V - se o menor obteve o empréstimo maliciosamente.

211
Q

Admite-se a aplicação da SELIC aos mútuos pas fins econômicos em cujo contrato não se estabeleceu a taxa de juros aplicável?

A

Art. 591. Destinando-se o mútuo a fins econômicos, presumem-se devidos juros, os quais, sob pena de redução, não poderão exceder a taxa a que se refere o art. 406, permitida a capitalização anual.

Comentários:

[…]

A regra em enfoque não é direta. Remete ao
art. 406 do próprio Codex para o alcance exato da taxa de juros. Volvendo a visão para o aludido dispositivo, constata-se que será a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional. Desdobram-se, então, dois possíveis caminhos. Primus, é possível afirmar, com base na Lei n. 9.065/95, que os juros compensatórios se filiam à taxa Selic, de natureza variável e fixada pelo Banco Central, com valor bem superior ao previsto na Lei de Usura. Secundus, seria possível, também, utilizar a referência ao art. 161, § 1o, do CTN, considerando o teto de juros em 1% ao mês. Endossamos a segunda tese, afinal a taxa Selic afronta a confiança das partes, uma vez que inexiste um critério previamente estabelecido para o seu cálculo; é, sem dúvida, volátil, até porque se mostra frequentemente alterada. Demais disso, não se trata de uma taxa pura de juros, na medida em que abrange, ainda, a atualização monetária. Demonstra, portanto, alto grau de dificuldade operacional, causando turbulências ao cálculo. Tudo isso sem esquecer, por fim, a excessiva onerosidade que impõe ao valor da obrigação.

212
Q

O contrato de prestação de serviço é solene?

A

Art. 595. No contrato de prestação de serviço, quando qualquer das partes não souber ler, nem escrever, o instrumento poderá ser assinado a rogo e subscrito por duas testemunhas.

Comentários:

Temos aqui mais uma norma de tutela ao hipossuficiente, resguardando o contratante analfabeto. A exigência da forma escrita é ad probationem, pois o negócio jurídico permanece não solene e consensual, na medida em que a simples prestação do serviço é bastante para acarretar a aplicação do CC. Aliás, é suficiente o instrumento particular.

Rosenlvad e Chaves (p. 272):

Até agora evidenciamos as formalidades ad solemnitatem, instituídas como reqiusitos de validade do contrato (art. 104, III, CC). Outrossim, cogita-se das formalidades ad probationem que não transformam o contrato em solene, mas atuam como técnica probatória. Nesta senda, quando o artigo 227 do Código Civil limita a admissibilidade da prova exclusivamente testemunhal em razão do valor do negócio jurídico - a par da discussão de sua constitucionalidade -, impõe formalidade ad probationem ao exigir início de prov por escrito do contrato que se pretenda provar. No particular, bem adverte CAIO MÁRIO que “se o credor não pode provar a obrigação sem a exibição de um escrito qualquer, nem por isso deixa de prevalecer a solitio, espontânea, nem deixa de ter validade a confissão do devedor como suprimento da prova escrita”.

213
Q

O contrato de prestação de serviço pode ser gratuito?

A

Art. 596. Não se tendo estipulado, nem chegado a acordo as partes, fixar-se-á por arbitramento a retribuição, segundo o costume do lugar, o tempo de serviço e sua qualidade.

Comentários:
Não há prestação de serviços gratuita – que
se aproximaria de uma servidão humana, lembrando tempos não saudosos da escravidão. A onerosidade, pois, é da essência deste contrato, não se presumindo, em nenhuma hipótese, a gratuidade. Até mesmo porque, tratando-se de negócio jurídico bilateral, há contraprestação implícita.

A remuneração somente pode ser dispensada
por disposição contratual expressa, submetida a uma interpretação restritiva (art. 114 do CC). Nessa hipótese (de dispensa expressa da remuneração do prestador de serviços), caso o tomador, espontaneamente, resolva efetuar uma contra-prestação, caracterizar-se-á uma doação remuneratória, não admitindo revogação por ingratidão do beneficiário.

214
Q

Qual é o prazo máximo da prestação de serviço? Admite-se alguma flexibilidade dele?

A

Art. 598. A prestação de serviço não se poderá convencionar por mais de quatro anos, embora o contrato tenha por causa o pagamento de dívida de quem o presta, ou se destine à execução de certa e determinada obra. Neste caso, decorridos quatro anos, dar-se-á por findo o contrato, ainda que não concluída a obra.

Comentários:
A norma pode ser explicada em suas raízes
históricas (repete disposição limitativa do art. 1.220 do CC/1916) pela necessidade de acautelamento do prestador de serviços, evitando-se a contratação por prazo superior a quatro anos, a fim de que ele não seja submetido à instrumentalização por parte do tomador de serviços em uma relação desprovida de limites temporais.

Todavia, nos tempos atuais, a norma não mais
se justifica por duas razões, quais sejam:

  • Primeiro, haverá uma probabilidade de a prestação de serviço de quatro anos ser considerada um contrato de trabalho, diante de sua frequência e habitualidade, o que poderia inferir em subordinação jurídica de uma parte à outra.
  • Segundo, esgotado o quadriênio, nada impede que as partes ajustem novo contrato: por igual período, ou inferior. Ademais, fixado o contrato por prazo superior a quatro anos, reduzir-se-á o prazo excedente ante sua ineficácia, mas o negócio jurídico será válido.
215
Q

Em que consiste a figura do terceiro ofensor? De que forma o CC o sanciona no caso de prestação de serviço?

A

Art. 608. Aquele que aliciar pessoas obrigadas em contrato escrito a prestar serviço a outrem pagará a este a importância que ao prestador de serviço, pelo ajuste desfeito, houvesse de caber durante dois anos.

Comentários:
Louvando-se, a toda evidência, a função social
do contrato, notadamente considerando a figura do terceiro ofensor, o art. 608 desestimula o aliciamento de mão de obra alheia.

O dispositivo é de clareza solar. O ordenamento repugna a ofensa por terceiro a uma relação contratual já ajustada e em andamento, sancionando o terceiro lesante, sem prejuízo de outras sanções aplicáveis ao contratante descumpridor de suas obrigações.

Ora, fundado nos valores éticos e jurídicos (especialmente na função social do contrato e na ruptura do princípio da relatividade dos efeitos dos negócios jurídicos entre as partes), é possível efetuar uma distinção entre a eficácia das obrigações contratuais e a sua oponibilidade. A eficácia das obrigações mantém-se restrita às partes, respeitando-se o princípio da relatividade contratual, pois as prestações de dar, fazer e não fazer só poderão ser exigidas reciprocamente dos contratantes. Porém, o princípio da função social condiciona o exercício da liberdade contratual de terceiros, pois torna o contrato oponível erga omnes. Toda a coletividade tem o dever de abster-se de entabular negócios jurídicos que comprometam ou perturbem a realização de obrigações anteriormente assumidas entre sujeitos distintos.

O sistema jurídico não admite, destarte, que
alguém viole uma prestação de serviço em andamento, impedindo que alcance o seu termo normal, pelo adimplemento. Ofende o ordenamento a conduta daquele que, conhecendo a existência de uma prestação de serviço em curso, seduz o prestador com uma nova proposta, a ponto de acarretar a dissolução da relação contratual primitiva. Traduzindo: se uma pessoa celebrou contrato com outra, pelo qual prestará serviço técnico especializado, e um concorrente, ciente da
relação contratual, oferece um novo contrato com condições mais vantajosas, gerando o inadimplemento, o prejudicado deve ser indenizado.

Cuida-se, como se nota, da tutela da função
social externa
do contrato, combatendo uma con-corrência desleal.

Exemplo vivo dessa proibição do aliciamento
do prestador de serviços é o propagado caso do cantor Zeca Pagodinho, que, em 2004, foi convidado por uma cervejaria para romper o contrato que mantinha com outra. Não é difícil notar que o terceiro (a cervejaria Ambev, detentora da marca Brahma) veio a prejudicar, intensamente, o contrato mantido entre o famoso sambista e a cervejaria Nova Schin, para quem vinha realizando campanha publicitária, tanto que referida conduta foi tida como apta a gerar dano indenizável.

Ora, a oponibilidade dos contratos gera um
dever jurídico coletivo de abstenção – semelhante ao tradicionalmente reconhecido aos direitos reais –, atribuível a qualquer um que conheça o conteúdo de um contrato, embora dele não seja parte.

Essas ideias produzem imensa aplicação prática nas relações contratuais modernas, que, muitas vezes, são interrompidas bruscamente em razão da indevida intervenção de terceiros, que conhecem o contrato, mas atuam como se o desconhecessem, ofertando vantagens a um dos contratantes, de modo a provocar a desconstituição daquela relação negocial. Artistas, esportistas e outros profissionais vinculados, com exclusividade, a uma empresa, são constantemente assediados por ofertas de concorrentes, gerando a resilição unilateral do contrato com o pagamento de uma multa pela denúncia do contrato. Todavia, os concorrentes são solidariamente responsáveis pelo inadimplemento contratual, pois lesam um contrato alheio, impedindo que ele alcance os seus efeitos econômicos e sociais. Portanto, além da responsabilidade contratual imposta aocontratante culpado, caberá a imposição de indenização por responsabilidade extracontratual àquele que violar o dever de abstenção e, por meio de uma concorrência desleal, provocar danos a seu concorrente.

Demais de tudo isso, acresça-se que o terceiro ofensor não será punido isoladamente, pois o prestador de serviço que romper a relação contratual também poderá ser responsabilizado, seja em virtude de cláusula penal compensatória (art. 411 do CC), ou, em sua ausência, mediante fixa-ão de perdas e danos pelo magistrado em de-corrência do inadimplemento contratual.

Pontue-se, em arremate, uma justa crítica ao
dispositivo legal estudado por exigir, indevidamente, a existência de contrato escrito para a caracterização do aliciamento do prestador de serviços. Ora, tratando-se de um negócio jurídico não solene, informal, mostra-se incoerente a alu-ão à existência de instrumento contratual escrito. Para nós, considerada a natureza informal do contrato de prestação de serviços, mesmo na ausência de instrumento escrito é possível reconhecer a responsabilização civil do terceiro ofensor.

216
Q

No contrato de empreitada mista, o empreiteiro responde pelo caso fortuito ocorrido antes da enrega da obra?

A

Art. 611. Quando o empreiteiro fornece os materiais, correm por sua conta os riscos até o momento da entrega da obra, a contento de quem a encomendou, se este não estiver em mora de receber. Mas se estiver, por sua conta correrão os riscos.

Comentários:

[…]

Nota-se, assim, que na empreitada mista há
um agravamento da condição do empreiteiro, a ponto de assumir os riscos de eventual acidente (decorrente de fortuito, por exemplo) pelo fato de, temporariamente, ser o proprietário dos materiais. É, mais uma vez, a aplicação da regra de que a coisa perece para o dono (res perit domino), repercutindo a perda da coisa em seu patrimônio (art. 237 do CC).

O dono da obra, pois, somente incorpora os
materiais utilizados na empreitada ao seu acervo patrimonial no instante do pagamento – correspondente à entrega da obra. Daí que na empreitada mista a obrigação do empreendedor somente considera-se adimplida com a entrega da obra a contento. Até que isso ocorra, o empreiteiro tem inteira responsabilidade pelos riscos do contrato e suporta todos os prejuízos verificados.

217
Q

Na empreitada por unidade de medida (Art. 614 - oposto a empreitada por preço certo), o pagamento da parcela impede que o dono da obrga reclame da unidade já quitada?

A

Art. 614. Se a obra constar de partes distintas, ou for de natureza das que se determinam por medida, o empreiteiro terá direito a que também se verifique por medida, ou segundo as partes em que se dividir, podendo exigir o pagamento na proporção da obra executada.

§ 1 o Tudo o que se pagou presume-se verificado.

§ 2 o O que se mediu presume-se verificado se, em trinta dias, a contar da medição, não forem denunciados os vícios ou defeitos pelo dono da obra ou por quem estiver incumbido da sua fiscalização.

Comentários:

[…]

Como se nota da leitura do artigo em comento, o pagamento deve ser contemporâneo à verificação da obra, presumindo-se a regularidade de cada etapa concluída, à medida que for paga pelo dono da obra. Isso porque, por óbvio, o pagamento presume o seu contentamento. Porém, cuida-se de presunção relativa, admitindo produção de prova contrária. Até mesmo porque nesse tipo contratual as partes se documentam com o fito de acompanhar a entrega parcial da obra, podendo cobrar a parte restante. De qualquer sorte, são admitidos todos os meios de prova não proibidos por lei para a demonstração contrária pelo interessado.

Assim, na data da medição de cada etapa da
obra nasce o prazo decadencial de trinta dias para o dono da obra exercer o direito potestativo de denunciar (reclamar) os vícios ou defeitos da coisa, sejam eles ocultos ou aparentes. Aqui é excepcionada a regra geral do art. 445 do próprio CC acerca da contagem do prazo para a verificação dos vícios redibitórios.

Duas observações avultam, obtemperando a
regra prazal: a uma, esta diluição da possibilidade de reclamação dos vícios não exclui o prazo de garantia (art. 618 do CC); a duas, tratando-se de empreitada submetida às regras do CDC, há de se aplicar a especial disciplina quanto aos vícios dos produtos (arts. 18 e segs., do CDC), com a fluência do prazo para reclamação dos vícios a partir da data do efetivo conhecimento, além da
possibilidade de inversão do ônus de prova (art. 6o, VIII, do CDC).

Art. 445. O adquirente decai do direito de obter a redibição ou abatimento no preço no prazo de trinta dias se a coisa for móvel, e de um ano se for imóvel, contado da entrega efetiva; se já estava na posse, o prazo conta-se da alienação, reduzido à metade.

§ 1 o Quando o vício, por sua natureza, só puder ser conhecido mais tarde, o prazo contar-se-á do momento em que dele tiver ciência, até o prazo máximo de cento e oitenta dias, em se tratando de bens móveis; e de um ano, para os imóveis.

§ 2 o Tratando-se de venda de animais, os prazos de garantia por vícios ocultos serão os estabelecidos em lei especial, ou, na falta desta, pelos usos locais, aplicando-se o disposto no parágrafo antecedente se não houver regras disciplinando a matéria.

218
Q

A empreitada é um contrato intuito personae? Admite-se a subempreitada? Se sim, há necessidade de autorização do dono da obra?

A

Art. 622. Se a execução da obra for confiada a terceiros, a responsabilidade do autor do projeto respectivo, desde que não assuma a direção ou fiscalização daquela, ficará limitada aos danos resultantes de defeitos previstos no art. 618 e seu parágrafo único.

Comentários:
O fato de o contrato de empreitada não se tratar de relação jurídica personalíssima, leva-nos a duas conclusões: i) o óbito dos contratantes não gera a extinção da avença; e ii) é permitido ao empreiteiro se fazer substituir por outra pessoa, em subcontratação. É o que se convencionou chamar de subempreitada.

Ao contrário da prestação de serviço, a empreitada, ordinariamente, não é celebrada intuitu personae, consoante se extrai da leitura do art. 622 do CC. Portanto, é aceitável a conduta do empreiteiro que transfere a um terceiro as suas obrigações, chamado de subempreiteiro.

A definição da subempreitada é simples, estando caracterizada quando o empreiteiro contrata com outra pessoa a execução da obra de que se encarregara. Equivale a dizer: quem estava obrigado a executar uma obra repassa a outrem a sua realização total ou parcialmente.

Evidentemente, a subempreitada não obriga
o dono da obra perante o terceiro, mas, tão somente, o próprio empreiteiro.

Em linha de princípio, não há proibição de
subempreitar, afinal o empreiteiro não se obriga, a rigor, a executar pessoalmente a obra. Apenas não se poderá confiar a obra a terceiro quando expressamente houver cláusula proibitiva ou quando o contrato for celebrado pelas qualidades pessoais do empreiteiro (como na hipótese de um artista renomado), transformando a empreitada em um negócio personalíssimo.

Mesmo diante de cláusula proibitiva, porém,
nada impedirá a subempreitada parcial, que é algo normal e corriqueiro em tais relações jurídicas. Para perceber, basta atentar para a situação do empreiteiro engenheiro que transfere a execução dos serviços hidráulicos e elétricos para técnicos ou empresas especializadas.

Formado esse subcontrato, nasce uma segunda relação contratual derivada da primitiva, na qual o subempreiteiro (terceiro) se obriga perante o empreiteiro, e este mantém a empreitada com o dono da obra, inclusive respondendo civilmente, consoante a confiança que lhe foi deferida.

219
Q

O dono da obra pode se voltar contra o subempreiteiro no caso de defeito de seus serviços?

A

Art. 622. Se a execução da obra for confiada a terceiros, a responsabilidade do autor do projeto respectivo, desde que não assuma a direção ou fiscalização daquela, ficará limitada aos danos resultantes de defeitos previstos no art. 618 e seu parágrafo único.

Comentários:

[…]

Formado esse subcontrato, nasce uma segunda relação contratual derivada da primitiva, na qual o subempreiteiro (terceiro) se obriga perante o empreiteiro, e este mantém a empreitada com o dono da obra, inclusive respondendo civilmente, consoante a confiança que lhe foi deferida.

O terceiro que recebe a empreitada será o responsável, apenas, pelos defeitos previstos no art. 618, em seu parágrafo único da codificação [“Art. 618. Nos contratos de empreitada de edifícios ou outras construções consideráveis, o empreiteiro de materiais e execução responderá, durante o prazo irredutível de cinco anos, pela solidez e segurança do trabalho, assim em razão dos materiais, como do solo.Parágrafo único. Decairá do direito assegurado neste artigo o dono da obra que não propuser a ação contra o empreiteiro, nos cento e oitenta dias seguintes ao aparecimento do vício ou defeito.”]. Porém, se também assumir a direção e a fiscalização da obra, terá a mesma responsabilidade do empreiteiro. Apesar de não haver relação material entre o dono da obra e o subempreiteiro, poderá aquele responsabilizá-lo pelos danos causados em sede de responsabilidade extracontratual, com esteio na função social do contrato (art. 421 do CC). Afinal, um terceiro (o dono da obra) não pode ser prejudicado pelo contrato alheio (a subempreitada, celebrada entre o empreiteiro e o subempreiteiro). É a proteção do terceiro ofendido.

Caracterizando-se uma relação de consumo,
o subempreiteiro e o empreiteiro respondem solidariamente perante o consumidor (dono da obra), em razão de defeitos do produto ou serviço que lhe acarretem prejuízos, na conformidade do parágrafo único do art. 7o do CDC.

220
Q

No caso de suspensão das obras por determinação de seu dono, o que este terá de pagar ao empreiteiro?

A

Art. 623. Mesmo após iniciada a construção, pode o dono da obra suspendê-la, desde que pague ao empreiteiro as despesas e lucros relativos aos serviços já feitos, mais indenização razoável, calculada em função do que ele teria ganho, se concluída a obra.

Comentários:

[…]

De qualquer forma, é de se perceber que o legislador se equivocou na redação do citado art. 623 do Código Reale. É que, apesar de se referir à suspensão da obra como fato gerador da indenização, quis aludir à extinção da obra por resilição unilateral do proprietário. Isso fica bastante claro quando se percebe que uma mera paralisação temporária do contrato (com posterior reto-mada da execução contratual) não induziria, a toda evidência, a uma indenização razoável se a obra tivesse sido concluída, como estabelece o texto legal.

Dessa forma, a ressalva da parte final do dispositivo em referência (“se concluída a obra”) termina por evidenciar que a paralisação da execução do contrato de empreitada, pelo dono da obra, foi definitiva e o negócio jurídico não pôde alcançar o seu término. Enfim, trata-se, tecnicamente, de resolução do contrato, e não de mera suspensão, como indevidamente referido pelo legislador.

Assim, no final das contas, o tratamento jurídico da suspensão da execução do contrato pelo proprietário e da resilição unilateral do contrato pelo dono da obra é o mesmo: suspenso ou resilido unilateralmente, pelo proprietário, sem justo motivo, o empreiteiro terá direito às perdas e danos, abrangidos os danos emergentes, os lucros cessantes e, eventualmente, a perda de uma chance – cuja reparação é autônoma, não estando embutida nos lucros cessantes, como visto alhures.

221
Q

No caso de depósito necessário relativo a hospedagem, o hospedeiro pode ser responsabilizado por furto de joaias dos hóspedes?

A

Art. 649. Aos depósitos previstos no artigo antecedente é equiparado o das bagagens dos viajantes ou hóspedes nas hospedarias onde estiverem.

Parágrafo único. Os hospedeiros responderão como depositários, assim como pelos furtos e roubos que perpetrarem as pessoas empregadas ou admitidas nos seus estabelecimentos.

Art. 650. Cessa, nos casos do artigo antecedente, a responsabilidade dos hospedeiros, se provarem que os fatos prejudiciais aos viajantes ou hóspedes não podiam ter sido evitados.

Comentários:

[…]

Além dos riscos normais assumidos pelo depositário em razão de seus atos culposos na conservação dos bens dos hóspedes (art. 629 do CC), há responsabilidade civil pelo fato de terceiro em razão de furtos perpetrados por pessoas empregadas ou admitidas no estabelecimento.

No campo da responsabilidade civil, a conduta que provoca o dano pode ser decorrente de um fato próprio ou de fato de um terceiro, por quem o responsável tenha o dever de zelo e cuidado. Consoante explicita o art. 932 do estatuto civil, o fato de terceiro será atribuído a um responsável quando houver uma relação jurídica de subordinação legal (v. g., pais, tutores e curadores por seus filhos, tutelados e curatelados) ou contratual (empregador pelos seus empregados). Na nossa sistemática, a responsabilidade pelo fato de terceiro é objetiva, independendo da culpa de quem está na posição de garante. Logo, o empregador responde pelo dano causado pelo seu trabalhador, independentemente de ter atuado com culpa. Exemplo disso são os furtos cometidos pelos empregados ou prestadores de serviço do estabelecimento hoteleiro.

Apesar do silêncio da norma, lembramos que no CC (art. 932, IV) vem estabelecida a responsabilidade objetiva do hospedeiro pelos danos causados aos seus hóspedes (ou ao patrimônio deles), inclusive decorrentes de atos praticados por outros hóspedes ou por frequentadores que transitam pelo local. Cuida-se de aplicação da teoria do risco proveito, consubstanciando regra pela qual quem aufere o proveito econômico pela pousada (bônus) assume os riscos inerentes aos danos causados aos hóspedes (ônus), seja pelos seus empregados como pelas demais pessoas que compartilham o mesmo espaço.

O contrato de hospedagem ainda não admite
a cláusula de exclusão de responsabilidade – a chamada cláusula de não indenizar. Caso o hoteleiro estipule, unilateralmente, um aviso de que não se responsabiliza por danos, a cláusula será reputada como não escrita, pois a obrigação de indenizar é prevista em lei, sendo inadmissível convenção em contrário.

Todavia, é razoável o reconhecimento de limites a esta responsabilidade do hospedeiro, restringindo-se a indenização aos bens que, ordinariamente, são conduzidos pelo hóspede ao estabelecimento. É o caso das roupas, dos acessórios de limpeza e de quantias pecuniárias razoáveis para o uso habitual. Mas, respirando os ares da razoabilidade, com a mente voltada para o mesmo fundamento, afirma-se que a responsabilidade do hoteleiro não abrange objetos cujo uso não é habitual ou corriqueiro, como joias de alto valor e quantias que extrapolam o necessário à viagem, salvo quando houver declaração acerca da existência e do valor dos bens, sendo eles entregues ao depositário e não simplesmente mantidos com o depositante em sigilo. Assim, objetos colocados em cofre devem ser descritos antecipadamente pelo hóspede, a fim de que o hospedeiro assuma a total obrigação de indenizar.

222
Q

O fato de o hóspede deixar a porta do quarto aberta, facilitando o furto de suas bagagens, afasta a responsabilidade do hospedeiro?

A

Art. 650. Cessa, nos casos do artigo antecedente, a responsabilidade dos hospedeiros, se provarem que os fatos prejudiciais aos viajantes ou hóspedes não podiam ter sido evitados.

Comentários:

[…]

Não esqueçamos que o fato exclusivo da vítima também elide a responsabilidade do hospedeiro. Exemplifica-se essa assertiva com a hipótese do cliente que, após sair do seu quarto de hotel, deixou “a porta aberta”.

223
Q

Quais são as principais característica do mandato?

A

Art. 653. Opera-se o mandato quando alguém recebe de outrem poderes para, em seu nome, praticar atos ou administrar interesses. A procuração é o instrumento do mandato.

Comentários:

O preceito inaugura o regramento reservado ao mandato, contrato consensual, em regra gratuito e unilateral, intuitu personae, mediante o qual alguém – sempre que a lei não o impeça, erigindo atos personalíssimos, como a elaboração de testamento, por exemplo, que não permite intervenção de mandatário – recebe poderes para agir no interesse de outrem. É consensual porque se perfaz com o simples ajuste de vontades, independentemente da prática de qualquer ato pelo mandatário, muito embora o começo da execução implique aceitação tácita (art. 659). É normalmente gratuito, porém é possível estipular sua onerosidade, presumida para os mandatários ditos profissionais (art. 658), quando então revela natureza bilateral, havendo, depois de aperfeiçoado, obrigações e prestações a ambas as partes, o que não sucede gracioso, por isso chamado unilateral ou, quando muito, bilateral imperfeito, pela existência ocasional de obrigações a cargo do mandante, por exemplo, a ressarcitória (art. 678). É típico contrato daqueles denominados fiduciários, lastreado na confiança que se deposita na pessoa do mandatário, por isso inclusive revogável a qualquer tempo (art. 682, I).

224
Q

Pode haver mandato sem representação? Pode haver procuração sem mandato?

A

Art. 653. Opera-se o mandato quando alguém recebe de outrem poderes para, em seu nome, praticar atos ou administrar interesses. A procuração é o instrumento do mandato.

Comentários:

[…]

A atual redação do art. 653 repete o CC/1916
(art. 1.288), persistindo na equivocidade que então já se suscitava. É que, na dicção dos dois diplomas, destarte pela sistemática da normatização civil, o mandato induz sempre a outorga de poderes para que o mandatário aja em nome do mandante, portanto como se fosse seu pressuposto a existência de representação. Na verdade, por natureza, porém, o mandato envolve, isto sim, a prática de atos ou a administração de interesses por conta, mas não, necessariamente, em nome de outrem. Noutros termos, a representação, que é o mecanismo, legal ou convencional, mercê do qual alguém fala em nome de outrem (v. arts. 115 e segs. do CC/2002), a rigor pode ou não estar no mandato. Malgrado se reconheça que, em regra, no mandato há a outorga de poderes de representação (contemplatio domini), nada impede que o mandatário atue em seu próprio nome, mas no interesse do mandante, assim sem representação, como está nos arts. 1.180 a 1.184 do CC português e como, a bem dizer, o próprio CC/2002 não desconheceu quando previu a regra, adiante examinada, contida no art. 663 [“Art. 663. Sempre que o mandatário estipular negócios expressamente em nome do mandante, será este o único responsável; ficará, porém, o mandatário pessoalmente obrigado, se agir no seu próprio nome, ainda que o negócio seja de conta do mandante.”], repetição, aliás, do que já continha no art. 1.307 do CC/1916, e mesmo tendo agora tipificado a comissão, em que se age por conta, mas não em nome de outrem (v. comentário ao art. 693). E não é só. Da mesma forma que, em verdade, pode haver mandato sem representação, pode, inversamente, haver representação, e voluntária, sem mandato. Basta pensar, por exemplo, no empregado que possua poderes para vender objetos em nome do empregador, portanto, com representação constante, eventualmente, do contrato de trabalho. Por fim, permanece o novo Código a estabelecer que a procuração é o instrumento do mandato. Fê-lo, decerto, ao pressuposto genérico, sobre o qual se baseou, como se viu, de que no mandato haja necessariamente a representação. É bem de ver, porém, que a procuração, antes, é sim o instrumento da representação convencional, a qual, repita-se, pode ou não estar num mandato. A procuração, destarte, em tese é independente do mandato, na exata medida em que a representação o é. Mesmo na sua configuração essencial, distinguem-se os dois institutos. O mandato é contrato, portanto negócio jurídico bilateral a regrar as relações internas entre mandante e mandatário, que pressupõe aceitação, o que não ocorre com a procuração, ato jurídico unilateral mediante o qual são atribuídos ao procurador poderes para agir em nome do outorgante (autorização representativa) e para co-nhecimento de terceiros. Alguns nem mesmo consideram possa a procuração ser considerada negócio jurídico, posto que unilateral, pelo que insistem na terminologia ato jurídico, porque não visualizam qualquer efeito jurídico ao representante na simples outorga, não mais que um pressuposto para que, depois, sobrevenha o negócio praticado mercê da representação (para uma diferenciação da procuração como ato ou negócio, malgrado sempre unilateral, conferir: lotufo, Renan. Questões relativas a mandato, representa-ção e procuração. São Paulo, Saraiva, 2001, p. 151).

De toda a sorte, posto que, apesar do art. 663,
optando a legislação – e não se nega que poderia fazê-lo, a despeito da natureza do instituto – por vincular o mandato à outorga de poderes de representação, ao revés da comissão, assim regrada separadamente, muito embora a priori para atos de aquisição e de venda (veja-se comentário ao art. 693), os conceitos não podem ser baralhados, de modo que se os trate como se fossem um só. Ainda a esse mesmo propósito, remete-se aos comentário do art. 663, em que se volverá ao assunto.

Comentários ao art. 693 (“Art. 693. O contrato de comissão tem por objeto a aquisição ou a venda de bens pelo comissário, em seu próprio nome, à conta do comitente”):

Com o artigo presente o CC/2002 inaugura o
regramento dedicado a contratos até então tratados em normatização mercantil, codificada ou esparsa, fruto da tendência que abraçou de reunificar não o direito privado como ele era na sua origem, abrangendo o direito civil, o comercial e o trabalhista, mas o direito obrigacional, tão somente, razão inclusive de sua edição haver se pres-tado, de forma específica e pontual (art. 2.045), à revogação só da primeira parte do CCom, exatamente aquela voltada às disposições acerca das obrigações e dos contratos comerciais.

Fê-lo, quanto a estes últimos, a começar pela
comissão, que definiu como o ajuste mercê do qual alguém, denominado comissário, adquire ou aliena bens, em seu próprio nome, mas no interesse de outrem, o comitente. Era o que, no CCom, previa-se no art. 165, porém com objeto mais amplo, eis que o comissário desempenhava, no seu próprio nome, malgrado no interesse do comitente, a gestão de quaisquer negócios mercantis, portanto não só os de compra e venda. Mais, explicitava a legislação comercial, no preceito citado, que a comissão era, verdadeiramente, uma espécie de mandato, porém sem a representação, vale dizer, sem que o mandatário, de resto um profissional, agisse em nome do mandante, embora sempre no seu interesse. Por isso mesmo acabou sendo comum definir-se a comissão como um mandato sem representação ou, para outros, um mandato com representação mediata ou imperfeita.

É certo que muito se combateu essa adstrição
da comissão ao mandato (ver pontes de miranda. Tratado de direito privado, 3. ed. São Paulo, RT, 1984, t. XLIII, § 4.723, n. 2, p. 293; martins, Fran. Contratos e obrigações comerciais. Rio de Janeiro, Forense, 1984, p. 334), como também se criticou a diferenciação de ambos os contratos feita com base apenas nas relações externas deles exsurgidas, ou seja, tomando-se em consideração os efeitos produzidos, em relação às partes originárias, pelos negócios praticados pelo outorgado com terceiros, ora em seu nome, ora em nome do outorgante. E mesmo essa distinção, que se lastreia, pois, na representação, ausente na comissão, pressupõe seja ela constante no mandato, o que não é da essência dessa espécie de contrato, a despeito de se reconhecer que tenha o CC pretendido assim caracterizá-lo (ver comentário ao art. 653).

O problema, no entanto, é que o CC/2002 manteve o dispositivo do art. 1.307 do CC/1916, agora art. 663, igualmente a cujo comentário se remete o leitor, e que, a rigor, alvitra a possibilidade de prática de atos por mandatário, como tal constituído, mas em seu próprio nome, e não no do mandante, posto que, para alguns, sempre de modo abusivo, desviando-se a finalidade do ajuste.

Poder-se-ia então dizer que a diferenciação estaria na natureza profissional da atuação do comissário, portanto, não se configurando a comissão, mas sim mandato sem representação, quando de uma simples ou eventual compra ou venda entabulada por alguém, em seu próprio nome, contudo no interesse de outrem, tal como o defendia, por exemplo, Orlando Gomes, apesar de que ainda na vigência da legislação anterior (Contratos. Rio de Janeiro, Forense, 1983, p. 400).

225
Q

Se o mandatário age dentro dos poderes que lhe foram conferidos, porém em prejuízo aos interesses do mandante, o que ocorrerá?

A

Art. 662. Os atos praticados por quem não tenha mandato, ou o tenha sem poderes suficientes, são ineficazes em relação àquele em cujo nome foram praticados, salvo se este os ratificar.

Parágrafo único. A ratificação há de ser expressa, ou resultar de ato inequívoco, e retroagirá à data do ato.

Art. 665. O mandatário que exceder os poderes do mandato, ou proceder contra eles, será considerado mero gestor de negócios, enquanto o mandante lhe não ratificar os atos.

Comentários:
A regra do artigo presente complementa aquela que se contém no art. 662 logo antes examinado, impondo-se o exame e interpretação conjuntos de ambos os preceitos. Quer isto dizer, de um lado, que persiste o princípio geral de que alguém não se vincula por atos que outrem tenha praticado em seu nome sem poderes para tanto, sem poderes suficientes ou além dos poderes conferidos, senão quando havida ratificação, expressa ou tácita. De outro, insta compreender de forma extensiva o comando do art. 665, atinente não só à situação do mandatário que atua em excesso de poderes como também daquele que atua sem os mesmos poderes ou sem poderes suficientes que, assim, e sem a ratificação, será considerado mero gestor de negócios. Afinal, quem atua além dos poderes recebidos atua sem poderes ou sem poderes suficientes para a prática daquele determinado ato.

Ainda mais, a interpretação conjunta dos preceitos citados leva à conclusão de que, se o mandatário abusa dos poderes, ou seja, age nos seus lindes, porém contra o interesse do mandante, este só não se vincula se o conflito for ou devesse ser do conhecimento do terceiro com quem se negocia, como, de resto, e a todo esse propósito, já se viu no comentário do art. 662, a que se remete.

Art. 679. Ainda que o mandatário contrarie as instruções do mandante, se não exceder os limites do mandato, ficará o mandante obrigado para com aqueles com quem o seu procurador contratou; mas terá contra este ação pelas perdas e danos resultantes da inobservância das instruções.

Comentários:

A regra do dispositivo, repetida em relação ao
que se continha no anterior Código, vem exatamente ao encontro do quanto já se expendeu nos comentários ao art. 662, supra, em particular da diferenciação, que se efetuou, entre falta ou excesso e abuso de poderes. Se a falta ou o excesso de poderes não vincula o mandante, diversa é a situação quando, nos limites dos poderes outorgados, age o mandatário contra, em conflito com os interesses do mandante, mesmo assim vinculado, malgrado com pretensão reparatória contra o outorgado.

Da mesma forma, no artigo em comento, prevê-se que se o mandatário contraria instruções do mandante, mas sem extravasar os poderes que lhe foram outorgados, age vinculando-o, a despeito de se ressalvar a mesma postulação ressarcitória mencionada. Isso porquanto, a rigor, tende-se a preservar a situação do terceiro de boa-fé que negocia com o mandatário o qual, enfim, atua nos limites dos poderes que lhe foram outorgados e que são conhecíveis por aquele com quem trata. Pressupõe-se, destarte, que as instruções tenham se circunscrito à relação interna entre mandante e mandatário, por isso inoponíveis ao terceiro, o qual, assim, possui amplo direito de exigir do mandante a obrigação que, em seu nome, tenha sido assumida pelo mandatário, sempre garantido regresso ressarcitório. Porém, por idênticos motivos, se o terceiro conhecia ou devia conhecer a desobediência às instruções do mandante, portanto faltando-lhe boa-fé, entende-se incidir a mesma consequência anulatória referida nos comentários ao art. 662 e prevista no art. 119 do CC. Em diversos termos, nesta última situação mancará, justamente, o elemento axiológico que dá sustento à regra do artigo vertente. Não se compadece o sistema, e a eticidade que se quer a ele inerente, com a atuação de má-fé de terceiro que sabe, ou deveria saber, que o mandatário, mesmo nos limites dos poderes outorgados, age em desacordo com as instruções recebidas do mandante, em nome de quem, na pressuposição do CC, como já se viu (ver comentário ao art. 653), assume obrigação. Por isso que a regra da norma presente deve concernir à situação do mandatário que atua nos lindes dos poderes outorgados, contra as instruções recebidas do mandante, o qual mesmo assim se vincula perante terceiro, desde que de boa-fé, então apenas se garantindo ao mandante ação, contra o mandatário, pelas perdas e danos que a inobservância das instruções lhe tenha provocado

226
Q

O Código diz que quem age em nome de outrem sem poderes será considerado mero gestor de negócios (art. 655). Mas o que isso implica?

A

Art. 665. O mandatário que exceder os poderes do mandato, ou proceder contra eles, será considerado mero gestor de negócios, enquanto o mandante lhe não ratificar os atos.

Comentários:

[…]

Mas, enfim, dizer que quem age por outrem
sem poderes, sem poderes suficientes ou com excesso de poderes será considerado mero gestor de negócios significa explicitar a vinculação pessoal deste que atua perante terceiros com quem negocia, mas também significa, de outra parte, ressalvar direito a ressarcimento se a gestão tiver sido útil e tiver trazido proveito ao mandante. É o que se estatui no capítulo próprio da gestão de negócios (ver comentários aos arts. 861 a 875) e, mais, é a mesma regra que se faz explícita no art. 695, parágrafo único, que trata, justamente, da comissão exercida com excesso, espécie contratual a que, a rigor, são aplicáveis os mesmos princípios do mandato, como se verá (cf. comentários dos arts. 693 e 709).

Art. 861. Aquele que, sem autorização do interessado, intervém na gestão de negócio alheio, dirigi-lo-á segundo o interesse e a vontade presumível de seu dono, ficando responsável a este e às pessoas com que tratar.

Art. 862. Se a gestão foi iniciada contra a vontade manifesta ou presumível do interessado, responderá o gestor até pelos casos fortuitos, não provando que teriam sobrevindo, ainda quando se houvesse abatido.

[…]

Art. 868. O gestor responde pelo caso fortuito quando fizer operações arriscadas, ainda que o dono costumasse fazê-las, ou quando preterir interesse deste em proveito de interesses seus.

Parágrafo único. Querendo o dono aproveitar-se da gestão, será obrigado a indenizar o gestor das despesas necessárias, que tiver feito, e dos prejuízos, que por motivo da gestão, houver sofrido.

Art. 869. Se o negócio for utilmente administrado, cumprirá ao dono as obrigações contraídas em seu nome, reembolsando ao gestor as despesas necessárias ou úteis que houver feito, com os juros legais, desde o desembolso, respondendo ainda pelos prejuízos que este houver sofrido por causa da gestão.

§ 1 o A utilidade, ou necessidade, da despesa, apreciar-se-á não pelo resultado obtido, mas segundo as circunstâncias da ocasião em que se fizerem.

§ 2 o Vigora o disposto neste artigo, ainda quando o gestor, em erro quanto ao dono do negócio, der a outra pessoa as contas da gestão.

227
Q

Se a procuração autorizar o substabelecimento de poderes, o mandatário poderá ser responsabilizado por prejuízos culposamente causados pelo substabelecido?

A

Art. 667. O mandatário é obrigado a aplicar toda sua diligência habitual na execução do mandato, e a indenizar qualquer prejuízo causado por culpa sua ou daquele a quem substabelecer, sem autorização, poderes que devia exercer pessoalmente.

§ 1 o Se, não obstante proibição do mandante, o mandatário se fizer substituir na execução do mandato, responderá ao seu constituinte pelos prejuízos ocorridos sob a gerência do substituto, embora provenientes de caso fortuito, salvo provando que o caso teria sobrevindo, ainda que não tivesse havido substabelecimento.

§ 2 o Havendo poderes de substabelecer, só serão imputáveis ao mandatário os danos causados pelo substabelecido, se tiver agido com culpa na escolha deste ou nas instruções dadas a ele.

§ 3 o Se a proibição de substabelecer constar da procuração, os atos praticados pelo substabelecido não obrigam o mandante, salvo ratificação expressa, que retroagirá à data do ato.

§ 4 o Sendo omissa a procuração quanto ao substabelecimento, o procurador será responsável se o substabelecido proceder culposamente.

228
Q

Se terceiro conscientemente celebra contrato com o mandatário exorbitante demandado, poderá cobrar do mandatário o seu cumprimento, caso o mandante não o ratifique?

A

Art. 673. O terceiro que, depois de conhecer os poderes do mandatário, com ele celebrar negócio jurídico exorbitante do mandato, não tem ação contra o mandatário, salvo se este lhe prometeu ratificação do mandante ou se responsabilizou pessoalmente.

Comentários:

[…]

Posto ausentes poderes, ou seja, mesmo agindo o man-datário além dos poderes recebidos (ultra vires), se disso tinha ciência o terceiro então, excepcionalmente, o mandatário deixa de responder pessoalmente. O terceiro passa a correr o risco de ter negociado com mandatário que excedia seus poderes, isto é, que de maneira geral não tinha pode-res para aquele negócio, o que era da sua ciência e o que, já antes inexistente qualquer ação ajui-zável contra o mandante, não vinculado por ato a cuja consumação não outorgou poderes, atual-mente passa a impedir qualquer demanda tam-bém contra o mandatário. O terceiro ciente do excesso apenas terá ação contra o mandatário se este tiver prometido a ratificação do mandante, quando então a hipótese se regra pelo contido nos arts. 439 e 440 do CC, ou desde que o mandatário se tenha responsabilizado pessoalmente, vale dizer, tenha se obrigado por si, malgrado no interesse, que seja, do mandante.

Tudo isso, todavia, faz sentido se se admite incumbir ao mandatário provar seus poderes, permitindo seu conhecimento a terceiro. Daí aceder-se à assertiva de Sílvio de Salvo Venosa no sentido de que a regra do art. 1.305 do Código anterior, embora não repetida, foi absorvida pela disposição do art. 673, ora comentado (venosa, Sílvio de Salvo. Direito civil, 3. ed. São Paulo, Atlas, 2003, v. III, p. 273-4). E mais. Se, como se viu no comentário ao art. 653, o CC/2002 permanece a pressupor haja representação no mandato, então a regra do art. 1.305 do CC/1916 encontra-se perfeitamente reproduzida no art. 118, segundo o qual o representante deve provar sua qualidade e extensão dos poderes recebidos a terceiro, sob pena de responder pelos atos excessivos. Em diversos termos, se o CC dispõe, já na parte geral, que os requisitos e efeitos da representação voluntária são os da parte especial (art. 120) e se, na parte especial, preceitua que o instrumento do mandato seja a procuração, mercê da qual, na verdade, outorga-se a representação, então o mandatário, que, na regra do Código, é também representante, deve provar sua representação (art. 118). Se não é representante, atua, mesmo que à conta do mandante, mas em nome próprio, aí obrigando-se pessoalmente (art. 663).

229
Q

A revogação de mandato que não contenha cláusula de irrevogabilidade gera direito à indenização por perdas e danos?

A

Art. 683. Quando o mandato contiver a cláusula de irrevogabilidade e o mandante o revogar, pagará perdas e danos.

Comentários:

[…]

Pois agora, com a redação dada ao art. 683, do CC/2002, positiva-se esta orientação, ou seja, no sentido de que, quando convencionada a irrevogabilidade, a revogação, mesmo assim, opera efeito, por ser da essência do mandato, mas sujeitando o mandante, e aí a consequência, a compor perdas e danos como qualquer contratante inadimplente.

Por fim, vale a ressalva de que a leitura a contrário do preceito não deve levar à conclusão de que, se não pactuada a irrevogabilidade, a revogação exima o mandante, sempre, de qualquer consequência indenizatória. Consoante se advertiu nos comentários ao artigo antecedente, a que ora se remete, a revogação do mandato, mesmo se não vedada pelo ajuste, e ainda que a entabulação tenha sido por prazo indeterminado, pode também suscitar composição de perdas e danos,
mas mercê de diferente cognição, que envolve a verificação de abuso, segundo o paradigma da boa-fé objetiva, vale dizer, de padrão de comportamento leal que se espera dos contratantes.

230
Q

O mandato em causa própria implica, só com sua celebração, a transferência de direitos?

A

Art. 685. Conferido o mandato com a cláusula “em causa própria”, a sua revogação não terá eficácia, nem se extinguirá pela morte de qualquer das partes, ficando o mandatário dispensado de prestar contas, e podendo transferir para si os bens móveis ou imóveis objeto do mandato, obedecidas as formalidades legais.

Comentários:

Já se estabelecia, no Código anterior, que, entre outras hipóteses, inclusive examinadas nos comentários aos artigos antecedentes, a chamada procuração em causa própria era irrevogável (art. 1.317, I). Explicita, agora, o CC/2002, que o mandato que contenha a cláusula em causa própria é irrevogável e, mais, que a sua revogação, assim, não terá eficácia, mesma consequência disposta no art. 684, mas não no art. 683, atrás enfrentados.
O mandato com a cláusula referida (in rem
propriam
ou in rem suam), na realidade, é instituído no interesse do mandatário. Em diversos termos, por meio desse ajuste o mandatário é nomeado para agir no seu próprio interesse, por isso ficando dispensado de qualquer prestação de contas. Pelo mesmo motivo é que essa espécie de mandato é irrevogável e não se extingue com a morte do mandante ou do mandatário.

Sempre houve, porém, grande discussão sobre
se a cláusula in rem suam chegava a implicar transferência do direito incidente sobre o objeto do negócio principal ao mandatário. Pontes de Miranda, por exemplo, sustentava que nesta espécie de mandato não se transfere, em concreto, qualquer direito de crédito e, menos ainda, a propriedade, a seu ver transmitindo-se, em abstrato, um poder de disposição de direitos no interesse do mandatário, como se fosse seu o direito a transmitir, porque seu o respectivo proveito (pontes de miranda. Tratado de direito privado, 3. ed. São Paulo, RT, 1984, t. XLIII, § 4.700, n. 1, p. 157).

Contudo, e ao revés, sempre houve posição
menos restrita, a defender que o mandato em causa própria induz verdadeira transferência, cessão indireta de direitos, portanto assim sustentando-se que, a rigor, nem bem mandato é, eis que descaracterizado na sua essência e, por isso, inclusive, interpretado à luz de negócio traslativo de direitos, isto é, uma cessão, uma alienação, onerosa ou gratuita (para uma exemplificação dos defensores de uma ou outra teoria, e de seus respectivos argumentos, de forma mais detalhada, conferir: marmitt, Arnaldo. Mandato. Rio de Janeiro, Aide, 1992, p. 45-6).

Bem de ver, porém, que o debate não é meramente acadêmico. Se se admitir que a cláusula in rem suam implica transferência de direitos, então forçoso será concluir que o instrumento deste mandato, quando obedeça aos requisitos do contrato traslativo a que se volta, vale por ele, e não só como ajuste preliminar ou preparatório, portanto sem necessidade de negócio posterior, inclusive contratado consigo mesmo, isto é, o mandatário contratando pelo mandante e por si. Assim, por exemplo, admitir-se-á, como a jurisprudência já aceitava, o registro do instrumento do mandato em causa própria, lavrado por escritura pública, para alienação de direito real imobiliário.

E, com efeito, entende-se que a própria origem dessa espécie de negócio, vindo do Direito romano, em que instituído para possibilitar, justamente, a cessão de obrigação, então contemplativa de um vínculo pessoal, por isso impassível de cessão a qual, pelo mandato em exame, se fazia de forma indireta, pois, a um procurator in rem suam, indique cuidar-se de verdadeira transferência de direitos. Ou seja, um mandato que, impropriamente, produz mais que efeitos de gestão de interesse alheio, operando, antes, efeitos mesmo traslativos de direitos, de que acaba realmente titular o mandatário.

Mais, a prática denota a utilização desta espécie negocial precisamente para transferir direitos. Certo que a redação do artigo em comento não é de todo esclarecedora quando alude à possibilidade de que o mandatário in rem suam possa transferir para si os bens móveis ou imóveis objeto do mandato, obedecidas as formalidades legais, como se sempre houvesse a necessidade de um negócio principal e posterior. Deve-se entender, porém, que, se atendidas as exigências de forma e conteúdo do negócio contratual principal, o mandato em causa própria já valha por ele, destarte mais que mero negócio preliminar. Isso sempre à consideração, enfim, de que o mandato em causa própria vai além da mera concessão de poderes ilimitados a mandatário dispensado de prestar contas, dado que, por seu intermédio – sendo essa sua função fundamental e seu efeito principal –, atribui-se ao mandatário a qualidade de dono da coisa ou do negócio sobre o qual incide o ajuste (de plácido e silva. Tratado do manda­ to e prática das procurações. Rio de Janeiro, Fo-rense, 1989, v. I, p. 504).

231
Q

Que tipo de transações podem ser objeto de contrato de comissão?

A

Art. 693. O contrato de comissão tem por objeto a aquisição ou a venda de bens pelo comissário, em seu próprio nome, à conta do comitente.

232
Q

Em que consiste a cláusula del credere que pode estar prevista no contrato de comissão?

A

Art. 697. O comissário não responde pela insolvência das pessoas com quem tratar, exceto em caso de culpa e no do artigo seguinte.

Art. 698. Se do contrato de comissão constar a cláusula del credere, responderá o comissário solidariamente com as pessoas com que houver tratado em nome do comitente, caso em que, salvo estipulação em contrário, o comissário tem direito a remuneração mais elevada, para compensar o ônus assumido.

Comentários:
A cláusula del credere encerra pacto adjeto ao
contrato de comissão e pode ser convencionada verbalmente, dado que é informal o próprio ajuste a que se refere, conforme acentua Sílvio Venosa (Direito civil, 3. ed. São Paulo, Atlas, 2003, v. III, p. 558) e já o assegurava o art. 179 do CCom, cujo conteúdo é, quebrando a regra geral contida no artigo antecedente, fazer do comissário um garante solidário pela solvabilidade e pontualidade daquele com quem contrata à conta – e não em nome – do comissário, como inadequadamente é aludido no artigo em comento, visto ser característica da entabulação a atuação do outorgado em nome próprio, malgrado sempre no in-teresse do outorgante.

233
Q

Quais são as principais características do contrato de agência? Como diferenciar do contrato de corretagem e do de comissão?

A

Art. 710. Pelo contrato de agência, uma pessoa assume, em caráter não eventual e sem vínculos de dependência, a obrigação de promover, à conta de outra, mediante retribuição, a realização de certos negócios, em zona determinada, caracterizando-se a distribuição quando o agente tiver à sua disposição a coisa a ser negociada.

Parágrafo único. O proponente pode conferir poderes ao agente para que este o represente na conclusão dos contratos.

Comentários:

O CC/2002, no artigo presente, seguindo a
tendência de trazer ao seu texto contratos de natureza mercantil por causa do tratamento unificado que reservou ao direito obrigacional, tipificou o ajuste que denominou de agência e, como uma espécie sua, a distribuição. Definiu a agência como o contrato mercê do qual uma pessoa, com habitualidade mas sem induzir relação de dependência ou mesmo de emprego, promove, angaria ou intermedeia negócios em benefício de outrem, em uma zona circunscrita, mediante o pagamento de uma comissão, isto é, da remuneração correspectiva.

Trata-se de contrato consensual, porque aperfeiçoado sem a exigência de forma especial; bila­teral, porque, uma vez firmado, induz direitos e deveres a ambas as partes, agente e, como está na lei, proponente (a rigor preponente ou agenciado); oneroso, devido à remuneração ao agente (art. 714); e intuitu personae, porquanto baseado na confiança que o preponente deposita no agente, daí dizer-se personalíssimo e intransferível. Seu objeto é o desempenho, pelo agente, de atividade voltada à obtenção ou à promoção de negócios em favor do agenciado, do preponente.

Pela habitualidade, estabilidade e permanência que a caracterizam, ademais da delimitação da área de atuação do agente, a agência difere da corretagem, também uma mediação tendente a promover negócios à conta e interesse de outrem, mas sem aqueles mesmos elementos. Difere também da comissão porquanto o agente, ao contrário do comissário, não é partícipe, não contrata em seu nome o negócio fim, aquele a cuja consumação, sempre no interesse de outrem, tendem ambos os ajustes.

Art. 693. O contrato de comissão tem por objeto a aquisição ou a venda de bens pelo comissário, em seu próprio nome, à conta do comitente.

Art. 722. Pelo contrato de corretagem, uma pessoa, não ligada a outra em virtude de mandato, de prestação de serviços ou por qualquer relação de dependência, obriga-se a obter para a segunda um ou mais negócios, conforme as instruções recebidas.

234
Q
A
235
Q

Quais são as principais características do contrato de corretagem? Como diferenciá-lo do de comissão e do de agência?

A

Art. 722. Pelo contrato de corretagem, uma pessoa, não ligada a outra em virtude de mandato, de prestação de serviços ou por qualquer relação de dependência, obriga-se a obter para a segunda um ou mais negócios, conforme as instruções recebidas.

Comentários:

Antes dispersa em leis especiais, ou mesmo
no CCom (arts. 36 e segs.), a corretagem agora, no CC/2002, passa ao *status* de contrato típico e nominado, definido nos seus caracteres essenciais, portanto, não mais objeto de regulamentação que era muito mais da profissão de corretor.

Com efeito, sempre se regrou a corretagem sob
a perspectiva de seu exercício por um profissional. Em outras palavras, a legislação, via de regra, tratava da profissão de corretor em suas diferentes modalidades. Assim, conhece-se o corretor oficial, ou seja, que recebe investidura oficial para o desempenho de seu mister, como os corretores de mercadorias, de navios, de valores, de câmbio, de seguros, todos com atividade regulamentada por inúmeras leis especiais (art. 729, infra). Da mesma forma, tem-se o corretor livre, vale dizer, cuja atividade se exerce independentemente de investidura oficial, como é o caso típico, e mais frequente, dos corretores de imóveis, de resto também considerados integrantes de uma profissão objeto de regramento específico (Leis ns. 4.116/62 e 6.530/78).

Pois a partir do CC/2002, sem prejuízo da simultânea aplicação de toda a legislação especial existente, assunto ao qual se tornará no comentário ao art. 729, como ainda sem prejuízo da incidência do CDC, quando o caso, estatui-se uma normatização típica para o contrato assim nominado de corretagem, com regras próprias e gerais.

Nessa esteira, definiu-se a corretagem, genericamente, como o contrato de mediação em que, sem mandato ou relação de dependência, se obriga o corretor a obter, para outrem, um ou mais negócios, conforme as instruções recebidas. Cuida-se de verdadeira intermediação para a celebração de contratos outros, em que o corretor aproxima de seu cliente pessoas interessadas na entabulação de um negócio. É, portanto, fundamentalmente um contrato acessório, como quer a doutrina, mas, na justa observação de Gustavo Tepedino (“Questões controvertidas sobre o con-trato de corretagem”. In: Temas de direito civil. Rio de Janeiro, Renovar, 1999, p. 113-36), muito mais porque sua função econômica se volta ao contrato que o corretor tenciona promover, embora não de modo a que a inconclusão desse negócio necessariamente faça desaparecer a eficácia da corretagem, como se verá no comentário ao art. 725, logo adiante. É também contrato bilateral, porquanto móvel, uma vez firmado, de prestação a ambas as partes; oneroso, presumidamente, como está no art. 724; e aleatório, já que, a despeito dos esforços e das despesas experimentados pelo corretor, nem por isso sua remuneração será devida, conforme não resulte útil a aproximação por ele desenvolvida, também con-soante se examinará mais à frente, e malgrado não se impeça ajuste comutativo da comissão a ser paga.

Caracteriza-se, por fim, como contrato consensual, que, destarte, se aperfeiçoa sem a exigência de forma especial, podendo mesmo ser entabulado verbalmente, ou mercê de comportamento concludente, observando-se, na pior das hipóteses, quanto à prova apenas de seu conteúdo, mas não de sua existência, tal qual ressalva Tepedino (op. cit., p. 119), a restrição do art. 401 do CPC/73, mas de resto cuja incidência já se vinha afastando em casos de prestação de serviços (ver jurisprudência infra). Ademais, com a superveniência do novo CPC, nem mesmo se reproduziu a regra do art. 401 do CPC anterior, revogando expressamente análogo preceito do art. 227, caput, do CC (cf. art. 1.072, II, do CPC/2015), agora apenas se dispondo que, nos casos em que a lei exigir prova escrita da obrigação – o que não sucede em relação ao contrato em tela –, admissível a prova testemunhal quando houver começo de prova escrita, emanada da parte contra quem se pretenda produzi-la (art. 444). Diferencia-se da comissão porque, nela, o comissário, embora atue igualmente na promoção de negócios no interesse de outrem, o faz em nome próprio, ao passo que o corretor não participa do negócio que promove.

Diferencia-se também da agência pois o agente, apesar de se obrigar a promover negócios à conta e no interesse do preponente, e mesmo sem vínculo de dependência, atua de modo não eventual e em zona determinada, o que não ocorre na corretagem.

236
Q

A corretagem constitui uma obrigação de meio ou de resultado? Quando se considera que o resultado foi atingido?

A

Art. 725. A remuneração é devida ao corretor uma vez que tenha conseguido o resultado previsto no contrato de mediação, ou ainda que este não se efetive em virtude de arrependimento das partes.

Comentários:

O artigo presente, de relevante conteúdo, enfrenta controvérsia que há muito se estabelece acerca do pressuposto para que o corretor faça jus ao recebimento de sua comissão. Em diversos termos, cuida-se de aferir mediante quais circunstâncias e condições o trabalho do corretor deverá ser remunerado, em especial se de alguma forma se frustra o negócio por ele intermediado.

Pois a propósito sempre grassou grande divergência sobre se a obrigação que assume o corretor é de meio ou de resultado, portanto se a comissão depende ou não do êxito do negócio final. E, malgrado se tenha firmado tendência em admitir que seja de resultado a obrigação contraída na corretagem, sendo mesmo costume subordinar a percepção da remuneração do corretor ao que se convencionou chamar de aproximação útil a que tenha ele procedido, a dificuldade esteve e está em identificar quando a aproximação, conteúdo de sua prestação, revela-se útil e proveitosa.

Decerto que quando o negócio principal, por
mediação do corretor, tiver sido consumado, normal e definitivamente, a aproximação haverá alcançado resultado útil. Ocorre, e aí a discussão, que, para muitos, apenas nesse caso o resultado da corretagem terá se produzido de maneira eficiente. Ou seja, a comissão somente será devida se o negócio principal se tiver formalizado, portanto, quando traduzido o consenso obtido com o trabalho útil do corretor pelo aperfeiçoamento regular e, conforme o caso, formal do negócio por ele intermediado.

Já para uma posição mais liberal, o resultado
útil da corretagem está na contribuição do corretor à obtenção de um consenso das partes por ele aproximadas, porém levado mesmo que não a um documento suficiente para aperfeiçoamento do negócio intermediado, suficiente à respectiva exigência. Assim, por exemplo, na corretagem imobiliária, ter-se-á evidenciado o proveito da aproximação sempre que as partes tiverem firmado, se não a escritura de venda e compra, uma promessa ou, simplesmente, um recibo de sinal ou equivalente.

Por fim, de maneira ainda mais liberal, defende-se que a aproximação será útil logo que, mesmo sem a concretização de algum documento, posto que se cuidando de negócio agenciado que o exija, dela resulte o consenso das partes aproximadas pelo corretor, cujo trabalho, a rigor, é remover ou eliminar óbices a que as pessoas cheguem àquele comum acordo (tepedino, Gustavo.“Questões controvertidas sobre o contrato de cor-retagem”. Temas de direito civil. Rio de Janeiro, Renovar, 1999, p. 113-36).

[…]

JURISPRUDÊNCIA:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. AÇÃO DE COBRANÇA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. NÃO OCORRÊNCIA.
PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA 211/STJ. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. COMISSÃO DE CORRETAGEM. ASSINATURA DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA E PAGAMENTO DE SINAL. DESISTÊNCIA DO COMPRADOR. ARREPENDIMENTO MOTIVADO. FATO ATRIBUÍVEL AOS CORRETORES. COMISSÃO INDEVIDA.
1. Ação de cobrança por meio da qual se objetiva o pagamento de comissão de corretagem, em razão de intermediação na venda de imóvel.
2. Ação ajuizada em 21/07/2015. Recurso especial concluso ao gabinete em 11/12/2018. Julgamento: CPC/2015.
3. O propósito recursal, a par de decidir acerca da ocorrência de negativa de prestação jurisdicional, é definir se é devida a comissão de corretagem na hipótese em que houve superveniente desistência quanto à celebração do contrato de compra e venda de imóvel, motivada por posterior ciência da existência de várias demandas judiciais em desfavor de pessoas jurídicas das quais os promitentes vendedores são sócios.
4. Não há que se falar em violação do art. 1.022 do CPC/2015 quando o Tribunal de origem, aplicando o direito que entende cabível à hipótese, soluciona integralmente a controvérsia submetida à sua apreciação, ainda que de forma diversa daquela pretendida pela parte.
5. A ausência de decisão acerca dos argumentos invocados pelos recorrentes em suas razões recursais, não obstante a oposição de embargos de declaração, impede o conhecimento do recurso especial.
6. As obrigações do corretor, a par daquelas comuns a todo contrato, estão estipuladas no art. 723 do CC/02, que dispõe que o mesmo é obrigado a executar a mediação com diligência e prudência, e a prestar ao cliente, espontaneamente, todas as informações sobre o andamento do negócio. Ademais, deve o corretor, sob pena de responder por perdas e danos, prestar ao cliente todos os esclarecimentos acerca da segurança ou do risco do negócio.
7. A remuneração devida ao corretor - e preceituada no art. 725 do CC/02 como sendo cabível quando atingido o resultado útil da mediação, ainda que haja arrependimento dos contratantes - deve harmonizar-se com o disposto no art. 723 do mesmo diploma legal, que prevê que a sua atividade de mediação deve pautar-se na prudência e diligência de seus atos.
8. Na presente hipótese, constata-se que os ora recorrentes (corretores) não atuaram com prudência e diligência na mediação do negócio, porque lhes cabia conferir previamente sobre a existência de eventuais ações judiciais que pendiam em desfavor dos promitentes vendedores - ou das pessoas jurídicas de que são sócios -, a fim de proporcionar aos promissários compradores todas as informações necessárias à segura conclusão da avença.
9. Assim, ainda que tenha havido a concreta aproximação das partes, com a assinatura da promessa de compra e venda e, inclusive, pagamento do sinal, o posterior arrependimento por parte dos promissários compradores deu-se por fato atribuível aos próprios corretores, sendo indevida, por este motivo, a comissão de corretagem.
10. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, não provido, com majoração de honorários.
(REsp 1810652/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 04/06/2019, DJe 06/06/2019)

É devida a comissão de corretagem por intermediação imobiliária se os trabalhos de aproximação realizados pelo corretor resultarem, efetivamente, no consenso das partes quanto aos elementos essenciais do negócio. Súmula n. 83/STJ. (AgRg no REsp 1440053/MS, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/03/2016, DJe 28/03/2016)

Segundo o art. 725 do CC/2002, é devida a remuneração ao corretor na hipótese em que tenha conseguido o resultado previsto no contrato de mediação, mesmo que este não se concretize em virtude de arrependimento das partes.
4. De acordo com a jurisprudência desta Corte, o direito à comissão depende da efetiva aproximação entre as partes contratantes, fruto do esforço do corretor, criando um vínculo negocial irretratável.
5. Somente com a análise da situação concreta poderá o julgador concluir pelo cabimento, ou não, da comissão de corretagem, observando os contornos fáticos e as provas produzidas na instrução processual.
6. Não cabe o pagamento de comissão de corretagem quando, apesar da celebração de compromisso de compra e venda, a negociação se revele precária e incompleta em relação à análise dos documentos concernentes ao imóvel e ao vendedor, subordinando o pagamento do sinal à higidez das certidões cartorárias.
(REsp 1272932/MG, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 26/09/2017, DJe 02/10/2017)

237
Q

Se o negócio se realiza após a dispensa do corretor, embora com condições diferente das inicialmente propostas, terá o corretor direito à remuneração?

A

Art. 727. Se, por não haver prazo determinado, o dono do negócio dispensar o corretor, e o negócio se realizar posteriormente, como fruto da sua mediação, a corretagem lhe será devida; igual solução se adotará se o negócio se realizar após a decorrência do prazo contratual, mas por efeito dos trabalhos do corretor.

Comentário:
O CC/2002, no artigo em comento, reconhece que se o cliente, o dono do negócio, dispensa os serviços do corretor, não havendo prazo para a corretagem, ou se, havendo, depois dele conclui diretamente o negócio principal, mas como fruto do trabalho do mesmo mediador, então a comissão de toda sorte a este será devida. São, destarte, duas hipóteses com o mesmo efeito. Numa, o contrato de corretagem não tem prazo. Noutra, ele tem, mas o prazo já está expirado.

Pois, se o negócio acaba se concretizando depois da dispensa, no primeiro caso, ou depois da expiração do prazo, no segundo, de qualquer maneira a comissão será devida ao corretor se essa concretização se dá ainda como resultado útil da aproximação que ele encetou antes da dispensa ou da cessação do prazo do ajuste. É, afinal, o reconhecimento de que o trabalho de aproximação resultou útil, pelo que é devida a respectiva remuneração. Importará, no caso concreto, aferir se o negócio depois consumado efetivamente decorreu da intermediação do corretor. Para tanto, haverá de ser perquirido se se firmou o negócio principal com quem foi apresentado ou indicado pelo corretor e, mais, nas mesmas condições ou em condições muito próximas daquelas que vinham sendo tratadas pelo corretor.

Em diversos termos, cuidar-se-á de aferir se se
consumou enfim o mesmo negócio que vinha sendo agenciado ou outro substancialmente diferente, quando então não terá aplicação o preceito vertente. Veja-se nesse sentido que, já não mais vigorando a entabulação de corretagem, se o cliente firma negócio, posto que com o mesmo interessado que lhe foi apresentado pelo corretor, mas mediante preço muito diferente, ou ainda pago em condições sensivelmente diversas, no tocante a prazo ou parcelamento, ter-se-á, a rigor, negócio outro, sem se erigir, então, direito à comissão. Porém, se não há nenhuma importante diferença entre o negócio agenciado e, depois, aquele consumado, por vezes deliberadamente alterado, em mínima medida, somente para se excluir a comissão, aí sim ela será devida.

Jurisprudência:

Aperfeiçoa-se o contrato de corretagem se a aquisição imobiliária resultante da seleção de lotes se concretiza em face da aproximação realizada pela empresa intermediária, ainda que a forma de pagamento tenha sido diversa daquela originariamente prevista.(REsp 476.472/SC, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 11/11/2003, DJ 26/04/2004, p. 174)

COBRANÇA. COMISSÃO DE CORRETAGEM. CONTRATO FINAL NÃO SUBSCRITO. IMPROCEDÊNCIA. COMISSÃO DE CORRETAGEM. MATÉRIA NÃO DISCIPLINADA PELO LEGISLADOR NO CÓDIGO CIVIL DE 1916. ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL FIRMADO À ÉPOCA QUE INDISTINTAMENTE IMPUNHA AO CORRETOR UMA OBRIGAÇÃO DE RESULTADO - CONCLUSÃO DO NEGÓCIO - PARA QUE SUA REMUNERAÇÃO FOSSE DEVIDA. PACTO QUE PASSOU A SER EXPRESSAMENTE DISCIPLINADO NO CÓDIGO DE 2002. ARTS. 722 E 726. REGRAMENTO QUE PASSOU A DISTINGUIR AS OBRIGAÇÕES DO CORRETOR - DE MEIOS OU DE RESULTADO - DAS CONDIÇÕES DE SUA REMUNERAÇÃO - RESULTADO ÚTIL DO PACTO DE MEDIAÇÃO (ART. 725 DO CC). CASO EM QUE A CORRETAGEM FOI PACTUADA ORALMENTE - OBRIGAÇÃO DE RESULTADO, VISTA À LUZ DO CÓDIGO CIVIL DE 2002 (TEMPUS REGIT ACTUM). O Código Civil de 1916 nada dispunha sobre o contrato de corretagem, de modo que se tratava de um ajuste atípico. Os corretores eram considerados auxiliares do comércio e a matéria era brevemente regulada pelo Código Comercial. Os embates surgidos à época foram resolvidos pela jurisprudência de uma maneira simples. Convencionou-se que o contrato de corretagem importava sempre em uma obrigação de resultado. Deste modo, sem a efetiva concretização do negócio proposto com a intermediação do corretor, nenhuma remuneração lhe seria devida e, por tal razão, a desistência, por quaisquer dos envolvidos no negócio intermediado, era circunstância que, de per si, isentava-os do pagamento da comissão ao corretor. Não obstante, atento às alterações da realidade social, o Legislador, ao instituir no ordenamento atual (CC/02) o contrato de corretagem, distinguiu a obrigação do corretor das condições de sua remuneração. Assim, a corretagem pode ser contratada com ou sem exclusividade. No primeiro caso, firmada mediante contrato escrito, o corretor responderá por uma obrigação de meios, razão pela qual deverá cercar-se que cumpriu com todos os seus deveres, dentre estes que, como verdadeiro prestador de serviços, exerceu sua atividade dando primazia aos interesses de quem o contratou. De outro lado, se não há contrato escrito e, por conseguinte, exclusividade, a obrigação será de resultado, tal qual era compreendido indistintamente à época da vigência do Código de 1916, e, então, o corretor só fará jus à comissão se tiver dado causa a um resultado útil aos interesses do contratante. HIPÓTESE EM QUE A MEDIAÇÃO FOI CONTRATADA PARA APROXIMAR A INCORPORADORA DEMANDADA DA PROPRIETÁRIA DO TERRENO, CUJA PROPOSTA DE PARCERIA EMPRESARIAL, PARA EDIFICAÇÃO DE UM EMPREENDIMENTO IMOBILIÁRIO DE NATUREZA HÍBRIDA (RESIDENCIAL E COMERCIAL), FOI DIRECIONADA. NEGÓCIO COMPLEXO, JÁ QUE ENVOLVE, NAS DIVERSAS FASES CONTRATUAIS, MULTIPLAS FACETAS. CONTRATO DE PARCERIA IMOBILIÁRIA, DE CARÁTER IRREVOGÁVEL E IRRETRATÁVEL, DE FATO, NÃO SUBSCRITO ENTRE AS PROPONENTES. RESULTADO ÚTIL, ENTRETANTO, ALCANÇADO PELA CORRETORA, VISTO QUE AS PROPONENTES FECHARAM O NEGÓCIO VERBALMENTE E, EM RAZÃO DISTO, DE UM LADO, SUBSCREVERAM UM PROTOCOLO DE INTENÇÕES QUE, NA VERDADE, JÁ MATERIALIZOU AS PRÓPRIAS NUANCES DA PARCERIA IMOBILIÁRIA, E, DE OUTRO, DERAM INÍCIO ÀS OBRAS DO EMPREENDIMENTO COM O DESBASTE DE VEGETAÇÃO NO IMÓVEL APÓS A REALIZAÇÃO DE TODOS OS ESTUDOS TÉCNICOS NECESSÁRIOS E EXPEDIÇÃO LICENÇAS/ALVARÁS. ARREPENDIMENTO POSTERIOR CALÇADO EM MOTIVOS FINANCEIROS QUE, NESSE CONTEXTO E NA FORMA PREVISTA NO ART. 725 DO CC DE 2002, NÃO AFASTA O DIREITO DO CORRETOR À PERCEPÇÃO DA COMISSÃO QUE SE FAZ DEVIDA PELA CORRETAGEM REALIZADA POR MAIS DE UM ANO. De fato, na forma prevista no art. 725 do Código Civil de 2002, que dispõe que “a remuneração é devida ao corretor uma vez que tenha conseguido o resultado previsto no contrato de mediação, ou ainda que este não se efetue em virtude de arrependimento das partes”, o direito do corretor ao recebimento da sua comissão está condicionado ao resultado útil do trabalho por ele proposto, resultado este que, em regra, traduz-se na realização do próprio negócio. A mera aproximação dos proponentes, nestes termos, não enseja o direito à remuneração pelo pacto de corretagem. Não obstante tal raciocínio, tirado da letra da lei, igualmente não se pode perder de vista que, nos dias atuais, os negócios jurídicos, muitos deles objeto de intermediação pelos corretores, são cada vez mais complexos e, muitas das vezes, desmembram-se em inúmeras facetas/fases. Apenas na fase pré-contratual, por exemplo, ocorrem as tratativas e, a partir da convergência de vontades entre a proposta e a aceitação da oferta, a formação do vínculo contratual, algumas vezes representado ainda superficialmente por uma simples promessa, tal qual ocorre com uma compra e venda, que será posteriormente ratificada no contrato final para, somente a partir daí, consolidar-se com efetiva transmissão do negócio - no exemplo citado, de compra e venda de imóvel, com a transmissão do bem no registro imobiliário. O contrato de parceria empresarial para a construção de empreendimento imobiliário de natureza híbrida (residencial e comercial) entre aquela que contrata a corretora e terceira interessada proprietária do terreno onde se objetiva edificar tal obra, nessa ótica, se reveste de singularidade única, não apenas porque é atípico, mas, também, porque abrange toda uma gama de nuances que, além de caminharem para a consecução do complexo negócio proposto, implicam, direta e necessariamente, em um maior ônus ao corretor imobiliário, que passa, dada a natureza do seu ramo de atuação, a ficar atento a todas as etapas traçadas pelos proponentes. Nesse cenário (complexidade do negócio), se a atuação da corretora não foi tão frágil a ponto de meramente aproximar as proponentes sem a assinatura de algum instrumento contratual que espelhasse a manifestação de vontade dos envolvidos, mas também não foi maciça, pois eles, de fato, não chegaram a assinar um instrumento contratual de caráter irrevogável e irretratável, deve-se analisar, para que a corretora faça jus à sua remuneração, pela ótica do contido no art. 725 do CC, se a mediação foi ou não foi útil a ponto de se obter o consenso dos envolvidos quanto aos elementos essenciais do negócio proposto, caso em que a remuneração será devida. Se, em ação de cobrança de comissão de corretagem, a corretora comprova que, a despeito da ausência de assinatura de um pacto irrevogável e irretratável entre a sua cliente e a terceira proprietária do terreno onde seria implementado, em parceria entre elas, um vultuoso empreendimento imobiliário, o negócio jurídico foi concluído verbalmente e, em razão disto, as interessadas subscreveram um pacto de intenções que, muito mais do que uma mera promessa, materializou os próprios direitos e deveres de ambas em relação a tal transação comercial e, inclusive, viabilizaram, no plano administrativo e no plano factual, todos os projetos e ações necessárias à conclusão final do intento, devida é a comissão de corretagem, pois a mediação alcançou o seu resultado útil, tal qual previsto no art. 725 do CC. A mera desistência, que se consuma sem que haja consenso acerca dos detalhes essenciais do negócio entre os envolvidos-proponentes, não enseja ao corretor de imóveis o direito à percepção de comissão, pois, neste caso, não se alcançou o resultado útil do seu trabalho. O arrependimento posterior, calçado em motivos de ordem estritamente financeira, ainda que o negócio tenha sido fechado verbalmente entre os envolvidos-proponentes, enseja o direito do corretor à percepção de sua comissão, pois, na forma prevista no art. 725 do CC/2002, do seu trabalho, alcançou-se o resultado útil. COMISSÃO DE CORRETAGEM RECLAMADA NA BASE DE 10% (DEZ POR CENTO) DO VALOR TOTAL DO NEGÓCIO EM RAZÃO DA LOCALIZAÇÃO DO BEM FORA DA ÁREA DE ATUAÇÃO DA CORRETORA. EQUIVOCO. TABELA DA PRÓPRIA CATEGORIA QUE, PARA OS CASOS DE EMPREENDIMENTO IMOBILIÁRIO EDIFICADOS POR CONSTRUTORA E/OU INCORPORADORA, NATURALMENTE EM RAZÃO DO SEU GRANDE VULTO ECONÔMICO, ESPECIFICA QUE A COMISSÃO É DEVIDA NA BASE DE 05% (CINCO POR CENTO) DO VALOR DA AVENÇA. Empreendimento imobiliário híbrido (residencial e comercial) intermediado por corretor de imóveis, ainda que localizado fora da sua área de atuação de origem, enseja remuneração, de acordo com a própria Tabela emitida pelo Conselho Regional de Corretores de Imóveis - Creci, na categoria de “empreendimentos imobiliários (construtoras e/ou incorporadoras)”, na base de 05% (cinco por cento) do valor do negócio, e não na categoria de “imóvel avulso situado fora do município ou sede de atividade do Corretor de imóveis”, pelo qual faz-se devida remuneração na base de 10% (dez por cento) do valor do negócio, tal qual ocorre com simples compra e venda de imóvel situado em outro município. APELO A QUE SE DÁ PARCIAL PROVIMENTO. PRETENSÃO JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE. (TJSC, Apelação Cível n. 2012.048143-4, de Itajaí, rel. Gilberto Gomes de Oliveira, Segunda Câmara de Direito Civil, j. 18-09-2014).

238
Q

O assalto pode ser considerado um fortuito externo con contrato de transporte?

A

Art. 734. O transportador responde pelos danos causados às pessoas transportadas e suas bagagens, salvo motivo de força maior, sendo nula qualquer cláusula excludente da responsabilidade.

Parágrafo único. É lícito ao transportador exigir a declaração do valor da bagagem a fim de fixar o limite da indenização.

Comentários:

[…]

Bem se verá, aliás, que o CC/2002, ao dispor
sobre a responsabilidade no contrato de transporte, da mesma maneira com que regrou a responsabilidade civil, no capítulo próprio (ver comentários aos arts. 927 e segs.), incorporou a seu texto muito do que já haviam consolidado os tribunais. Pois, assentado que a responsabilidade do transportador, uma vez inalcançado o resultado pelo qual se obrigou, prescinde da verificação de sua culpa, bastando a demonstração do nexo de causalidade entre o prejuízo sofrido e a ativid-de de transporte, ressalvou a lei – ademais da regra do art. 741, acerca da conclusão de viagem interrompida mesmo que pelo casus – que essa responsabilidade apenas se exclui se provada força maior, tal como, para as obrigações em geral, se previu no art. 393 do CC. E lá se a definiu, sem distinção para o caso fortuito, o qual, portanto, se deve entender também excludente da responsabilidade do transportador, como fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.

Insta não olvidar, porém, que o transporte envolve forçosamente uma atividade que cria especial risco (v. art. 927, parágrafo único) e a que, destarte, inerentes alguns eventos de força maior ou caso fortuito. Ou seja, é preciso diferenciar o que se passou a denominar fortuito interno do fortuito externo, conforme o acontecimento se apresente, ou não, ligado à organização inerente à atividade do transportador – vale dizer, ostente-se estranho, ou não, ao transporte. Por isso mesmo, vem-se considerando que eventos como o defeito mecânico ou o mal súbito do condutor não eximam o transportador da responsabilidade pelos danos causados no transporte (fortuitos internos). Ao revés, prejuízos ocasionados ao passageiro ou à bagagem por obra de enchente, terremotos, raios são, aí sim, fortuitos externos e, destarte, causa excludente, por efetivamente romperem o nexo de causalidade do dano com a atividade de transporte. O assalto, como regra, sempre se considerou um fortuito externo, o que se vem, todavia, revendo em casos com ocorrências repetidas, praticadas reiteradamente nas mesmas circunstâncias, sem medidas preventivas que razoavelmente se poderia esperar fossem tomadas.

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. TRANSPORTE DE CARGAS. ROUBO.
FORÇA MAIOR. EXCLUDENTE DE RESPONSABILIDADE.
1. Consagrou-se na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que o roubo de cargas, em regra, caracteriza-se como caso fortuito ou de força maior, excludente de responsabilidade do transportador.
2. Agravo regimental não provido.
(AgRg no REsp 1374460/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/06/2016, DJe 09/06/2016)

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL.
RESPONSABILIDADE CIVIL. TRANSPORTE RODOVIÁRIO DE CARGA. CONTRATO DE SEGURO. OFENSA AO ART. 535 DO CPC. FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE.
INCIDÊNCIA DA SÚMULA 284/STF. FORTUITO EXTERNO NÃO CARACTERIZADO.
SÚMULA 83/STJ. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.
1. Na hipótese em exame, aplica-se o Enunciado 2 do Plenário do STJ: “Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas, até então, pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.” 2. Ao alegar possível afronta ao art. 535 do CPC/73, o recorrente deve indicar em que ponto o acórdão teria incorrido em omissão, contradição ou obscuridade, e ainda tecer os argumentos que entende cabíveis, para demonstrar a repercussão disso em seu direito, qual a sua relevância para a solução da controvérsia. Súmula 284/STF.
3. O roubo de carga constitui força maior e exclui a responsabilidade da transportadora perante a seguradora do proprietário da mercadoria transportada, quando adotadas todas as cautelas necessárias para o transporte seguro da carga.
4. Na hipótese, o col. Tribunal de origem, analisando o acervo fático-probatório constante dos autos, concluiu pela caracterização da negligência da ora agravante, ao transportar, no horário noturno, carga muito visada para roubo - medicamentos - em rodovia de grande incidência de assaltos, sem adotar as cautelas necessárias para o transporte seguro da carga, tais como comboio, escolta armada e sobretudo instalação de equipamentos de segurança no caminhão. Não há como na via estreita do recurso especial afastar tais premissas fáticas, que corroboram a responsabilidade da transportadora.
5. Agravo interno a que se nega provimento.
(AgRg no REsp 908.814/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 05/05/2016, DJe 17/05/2016)

RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. TRANSPORTE DE MERCADORIAS.
PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO E OBSCURIDADE.
AUSÊNCIA. ROUBO DURANTE O TRAJETO. FORTUITO EXTERNO. EXCLUDENTE DE RESPONSABILIDADE. 1. Ação ajuizada em 19/03/2007. Recurso especial interposto em 21/01/2013 e atribuído a este gabinete em 25/08/2016.
2. O propósito recursal consiste em verificar a existência do direito de regresso ao ressarcimento por seguro de mercadoria, que foi roubada, com o emprego de arma de fogo, durante a prestação do serviço de transporte pela recorrente.
3. Inviável o reconhecimento de violação ao art. 535 do CPC/73 quando não verificada no acórdão recorrido omissão, contradição ou obscuridade apontadas pelos recorrentes.
4. A ausência de prequestionamento das matérias relacionadas no recurso pelo Tribunal de origem impõe a aplicação da Súmula 211/STJ.
5. O roubo de mercadoria transportada, praticado mediante ameaça exercida com arma de fogo, é fato desconexo ao contrato de transporte e, sendo inevitável, diante das cautelas exigíveis da transportadora, constitui-se em caso fortuito ou força maior, excluindo-se sua responsabilidade pelos danos causados, nos termos do CC/2002.
6. Conforme jurisprudência do STJ, “se não for demonstrado que a transportadora não adotou as cautelas que razoavelmente dela se poderia esperar, o roubo de carga constitui motivo de força maior a isentar a responsabilidade daquela” (REsp 435.865/RJ, 2ª Seção).
7. Na hipótese dos autos, o Tribunal de origem parece pôr em dúvida a própria ocorrência do fato delitivo. Contudo, não é possível ao Tribunal de origem atribuir responsabilidade à transportadora, apenas por haver detalhes supostamente ausentes no boletim de ocorrência, cuja ausência, ademais, não desconfiguraria a própria ocorrência do roubo com emprego de arma de fogo.
8. Mesmo diante de todas as precauções e cautelas possíveis, a força maior é por si mesma inevitável e irresistível e, por mais que se exija dos prestadores de serviço de transporte terrestre de mercadoria, o roubo com emprego de arma de fogo pode continuar a ocorrer, não sendo exigível a existência de escolta armada, sem a prévia estipulação contratual.
9. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido.
(REsp 1660163/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 06/03/2018, DJe 09/03/2018)

239
Q

O fato de terceiro pode excluir o dever de indenizar nos contratos de transporte?

A

Art. 735. A responsabilidade contratual do transportador por acidente com o passageiro não é elidida por culpa de terceiro, contra o qual tem ação regressiva.

Comentários:

O primeiro problema que a respeito se coloca é a exata definição de fato de terceiro, ou de quem seja terceiro, e mesmo sua diferenciação para a força maior, tratada no artigo anterior. Em princípio, na responsabilidade civil, deve-se entender como terceiro quem não integre um dos polos da respectiva relação, portanto quem não seja agente ou vítima. Ou, melhor, é preciso que alguém se interponha na relação agente/vítima, ademais mostrando-se estranho à responsabilidade daí dimanada. Por isso, para fins de excludente, não são terceiros os pais quando respondem pelos atos dos filhos, ou o patrão, acerca dos atos dos empregados. Nesse sentido, portanto, a condição de terceiro só se configurará como causa excludente caso se trate de alguém completamente estranho à pessoa causadora direta do dano, ou mesmo à sua atividade.

Em segundo lugar, é bom lembrar ter sempre
se entendido em doutrina que o fato de terceiro, desde que a causa única do evento danoso e sem qualquer ligação com o devedor, fosse excludente de responsabilidade, porquanto, assim caracterizado, seria causa de quebra do nexo de causalidade. Tal como se viu quanto à força maior nos comentários ao artigo precedente, o fato de terceiro será estranho ao responsável no transporte quando não se ligar ao risco da atividade por ele desempenhada. Esse o ponto que se reputa nodal e por vezes confundido, quando se
cuida de equiparar o fato de terceiro à força maior sempre que revelado por um evento inevitável. Parece mais se afeiçoar aos pressupostos atuais da responsabilidade civil, máxime em atividades indutivas de especial risco como é a de transporte (art. 927), a verificação sobre se o fato atribuível ao terceiro se coloca ou não dentro dos limites razoáveis do risco criado, e assim assumido, pela atividade do transportador.

Em terceiro lugar, considera-se diferencial do
fato de terceiro, em relação à força maior, a possibilidade de se determinar um agente específico responsável pela conduta.

Pois preceitua o CC/2002 que o fato de terceiro não exclui a responsabilidade do transportador, solução exatamente oposta da que se con-tém no art. 14, § 3o, II, do CDC. A antinomia, segundo se entende, mostra-se solucionável pela consideração de que, afinal, o fato de terceiro, conforme se apresente, pode ou não romper o nexo de causalidade. E, se rompe, exclui a responsabilidade civil, decerto do que não está a tratar o artigo do CC, ora em comento. Mas isto, repita-se por relevante, desde que havida a estraneidade, ao transportador, do fato de terceiro, causa única do evento danoso. Então, rompe-se o nexo de causalidade, faltando assim requisito mesmo para aplicação de regra de responsabilidade sem culpa, já que não se cuida, no transporte, de teoria do risco agravado, sem excludentes, ao que soa da redação do próprio art. 734.

Já, ao revés, se a conduta do terceiro, mesmo
causadora do evento danoso, coloca-se nos lindes do risco do transportador, destarte se relacionando, mostrando-se ligada à sua atividade, então, a exemplo do fortuito interno, não se exclui a respectiva responsabilidade. É o que ocorre, por exemplo, quando o passageiro sofre prejuízo porque o veículo em que conduzido é fechado por terceiro. Esse foi o pressuposto sobre o qual se assentou a Súmula n. 187 do STF e parece ser a interpretação reservada ao artigo em exame. Tanto assim é que os tribunais, em inúmeras oportunidades, já vinham afastando a incidência da súmula naqueles casos em que o passageiro fosse atingido, por exemplo, por uma pedra lançada por terceiro, dado configurar-se no caso um fato externo à atividade, todavia não quando o evento se repetisse nas mesmas circunstâncias, sem medidas preventivas que razoavelmente se esperava fossem tomadas, tal como se disse em relação ao assalto nos comentários ao artigo anterior, e com a mesma da redução ao âmbito de incidência da excludente em virtude da
aplicação da cláusula geral do art. 927, parágrafo único. Com isso, harmonizam-se as previsões do CC, no artigo vertente, e as disposições do CDC, do art. 14, § 3o, II.

JURISPRUDÊNCIA:

Ato libidinoso praticado contra passageira no interior de trem. Ausência de responsabilidade civil da transportadora. Fato exclusivo de terceiro e estranho ao contrato de transporte. Fortuito externo.

Inicialmente, no que concerne ao transporte de pessoas, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, à luz do ordenamento jurídico, estabelece a responsabilidade civil objetiva do transportador, o qual deverá responder pelos danos causados às pessoas transportadas e suas bagagens, salvo a existência de alguma excludente de responsabilidade, como motivo de força maior, caso fortuito, culpa exclusiva da vítima ou de terceiro. Também restou consolidado na jurisprudência do STJ que é dever da transportadora preservar a integridade física do passageiro e transportá-lo com segurança até o seu destino. No entanto, há entendimento consolidado, no âmbito da Segunda Seção do STJ, no sentido de que o ato de terceiro que seja doloso ou alheio aos riscos próprios da atividade explorada, é fato estranho à atividade do transportador, caracterizando-se como fortuito externo, equiparável à força maior, rompendo o nexo causal e excluindo a responsabilidade civil do fornecedor. Assim, a prática de crime (ato ilícito) – seja ele roubo, furto, lesão corporal, por terceiro em veículo de transporte público, afasta a hipótese de indenização pela concessionária, por configurar fato de terceiro. Não pode haver diferenciação quanto ao tratamento da questão apenas à luz da natureza dos delitos. Todos são graves, de forma que o STJ dever manter ou afastar a excludente de responsabilidade contratual por delito praticado por terceiro em todos os casos, independentemente do alcance midiático do caso ou do peso da opinião pública, pois não lhe cabe criar exceções.

REsp 1.748.295-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Rel. Acd. Min. Marco Buzzi, por maioria, julgado em 13/12/2018, DJe 13/02/2019

240
Q

Os limites de atraso previstos no Código Brasileiro de Aeronáutica podem ser invocados pelas companhias aéreas para limitar ou excluir a indenização do prejuízo sofrido pelo transportado? Condições climática caracterizam caso fortuito?

A

Art. 737. O transportador está sujeito aos horários e itinerários previstos, sob pena de responder por perdas e danos, salvo motivo de força maior.

Comentários:

Veja-se, quanto ao atraso, e conforme já acentuado nos comentários ao art. 732, a que ora se remete, que, já não fosse a força revogadora da superveniência do CDC, lei posterior subjetivamente especial, a previsão dos arts. 230 e 231 do Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei n. 7.565/86) acerca do transporte nacional efetuado pelo meio aéreo, ao fixar limite mínimo para que o atraso de voo pudesse ensejar indenização, ostenta-se visivelmente incompatível com a disposição do art. 737 do CC, ora em comento.

É bom não olvidar que, no art. 732 [“Art. 732. Aos contratos de transporte, em geral, são aplicáveis, quando couber, desde que não contrariem as disposições deste Código, os preceitos constantes da legislação especial e de tratados e convenções internacionais.”], o atual
Código estabeleceu a primazia de seus preceitos em relação a dispositivos da lei especial que com ele se mostrassem, como no caso, incompatíveis. Na melhor das hipóteses, também como já se disse nos comentários ao art. 732, o limite mínimo de quatro horas de atraso, determinado no Código de Aeronáutica, apenas pode ser admitido, em interpretação sistemática e harmonizadora com o CC/2002, se compreendido como uma hipótese em que a indenização se paga de forma automática, só pelo fato do retardo, sem qualquer excludente, porém com possibilidade de tarifação ou limitação do quantum indenizatório. Mas sempre sem prejuízo de se poder provar dano maior, evidente que com o ônus a tanto atinente, assim correndo-se o risco de nada se conseguir provar.

Art. 230. Em caso de atraso da partida por mais de 4 (quatro) horas, o transportador providenciará o embarque do passageiro, em vôo que ofereça serviço equivalente para o mesmo destino, se houver, ou restituirá, de imediato, se o passageiro o preferir, o valor do bilhete de passagem.

Art. 231. Quando o transporte sofrer interrupção ou atraso em aeroporto de escala por período superior a 4 (quatro) horas, qualquer que seja o motivo, o passageiro poderá optar pelo endosso do bilhete de passagem ou pela imediata devolução do preço.

JURISPRUDÊNCIA:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. CONTRATO DE TRANSPORTE AÉREO DE PASSAGEIROS E BAGAGENS. ATRASO DE VOO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. RECURSO DA COMPANHIA AÉREA DEMANDADA. PEDIDO DE REFORMA DA SENTENÇA AO ARGUMENTO DE NÃO TEREM OS DEMANDANTES COMPROVADO A OCORRÊNCIA DE ABALO ANÍMICO INDENIZÁVEL. ALEGAÇÃO DE QUE O ATRASO OCORRIDO TERIA SIDO INFERIOR A 4 (QUATRO) HORAS, LIMITE ADOTADO PELA ANAC COMO TOLERÁVEL. INSUBSISTÊNCIA. RETARDAMENTO NA DECOLAGEM DA AERONAVE OCASIONOU A PERDA DE OUTRO VOO PELOS DEMANDANTES. FRUSTRAÇÃO ÀS EXPECTATIVAS DOS REQUERENTES EM RAZÃO DO PREJUÍZO À PROGRAMAÇÃO DAS VIAGENS. SITUAÇÃO QUE EXTRAPOLA O MERO DISSABOR COTIDIANO. OFENSA À INTEGRIDADE PSÍQUICA DOS REQUERENTES DEMONSTRADA. ABALO MORAL CONFIGURADO. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS. INDENIZAÇÃO MANTIDA. PLEITO SUCESSIVO DE MINORAÇÃO QUANTUM INDENIZATÓRIO ARBITRADO EM SENTENÇA. SUBSISTÊNCIA. NECESSIDADE DE ADEQUAÇÃO DO VALOR DA CONDENAÇÃO À EXTENSÃO DO DANO. MINORAÇÃO DA VERBA INDENIZATÓRIA, EM OBSERVÂNCIA AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE, MANTIDO O CARÁTER PEDAGÓGICO E INIBIDOR DA MEDIDA. SENTENÇA REFORMADA EM PARTE. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (TJSC, Apelação Cível n. 0301500-86.2018.8.24.0023, da Capital, rel. Denise Volpato, Sexta Câmara de Direito Civil, j. 30-04-2019).

241
Q

A culpa exclusiva da vítima exclui o dever de indenizar no contrato de transporte?

A

Art. 738. A pessoa transportada deve sujeitar-se às normas estabelecidas pelo transportador, constantes no bilhete ou afixadas à vista dos usuários, abstendo-se de quaisquer atos que causem incômodo ou prejuízo aos passageiros, danifiquem o veículo, ou dificultem ou impeçam a execução normal do serviço.

Parágrafo único. Se o prejuízo sofrido pela pessoa transportada for atribuível à transgressão de normas e instruções regulamentares, o juiz reduzirá eqüitativamente a indenização, na medida em que a vítima houver concorrido para a ocorrência do dano.

Comentários:

[…]

Por fim, duas últimas ressalvas. Primeiro, a de
que, hoje, seja conforme o parágrafo presente, seja de acordo com o art. 945, quando se alude à redução equitativa da indenização, concorrendo culpa da vítima, não se reparte necessariamente em porções iguais o valor da reparação, mas sim proporcionalizado de acordo com o grau de contribuição da vítima para o prejuízo experimentado. Segundo, a de que, havida exclusiva culpa da vítima, causa única do dano ocorrido, não haverá indenização a ser paga pelo transportador, já que quebrado o correspondente nexo de causalidade daquele prejuízo com o serviço do transporte. E, malgrado ausente expressa a alusão do novo CC à culpa exclusiva enquanto causa excludente, ao contrário do que está no art. 14, § 3o, II, do CDC, sua incidência se deduz mesmo da previsão de que a concorrência de culpa da vítima reduz a indenização. Por isso, sua culpa exclusiva afasta, de todo, a indenização. A propósito, remete-se ao que já expendido no comentário ao art. 734.

242
Q

No caso de desistência do passageiro quanto ao transporte, em momento que não permita ao transportador a renegociação da passagem, o passageiro arcará com a perda total do preço pago?

A

Art. 740. O passageiro tem direito a rescindir o contrato de transporte antes de iniciada a viagem, sendo-lhe devida a restituição do valor da passagem, desde que feita a comunicação ao transportador em tempo de ser renegociada.

§ 1 o Ao passageiro é facultado desistir do transporte, mesmo depois de iniciada a viagem, sendo-lhe devida a restituição do valor correspondente ao trecho não utilizado, desde que provado que outra pessoa haja sido transportada em seu lugar.

§ 2 o Não terá direito ao reembolso do valor da passagem o usuário que deixar de embarcar, salvo se provado que outra pessoa foi transportada em seu lugar, caso em que lhe será restituído o valor do bilhete não utilizado.

§ 3 o Nas hipóteses previstas neste artigo, o transportador terá direito de reter até cinco por cento da importância a ser restituída ao passageiro, a título de multa compensatória.

Comentários:

[…]

Pelo seu silêncio a respeito, bem como pelo
que se poderia inferir da interpretação a contra­rio sensu do artigo, nos casos de o passageiro, antes da viagem, desistir sem comunicar a tempo de haver substituição, ou de desistir durante o percurso sem provar sua substituição no trecho faltante, ser-lhe-ia imposta a total perda do valor do bilhete. Aliás, o CC foi explícito em caso de desistência sem aviso prévio e sem prova de que houve substituição (§ 2o).

Bem de ver, todavia, que tal orientação não
só conflita com o princípio traduzido pela previsão do art. 53 do CDC, que pretende vedar a perda total de valores pagos quando inadimplente o consumidor, como, antes, parece não se ajustar aos valores mencionados anteriormente, de equilíbrio e solidarismo nas relações jurídicas, dispostos na CF, de que inclusive há exemplos múltiplos no CC/2002, até mesmo quando possibilita a redução, veja-se, de cláusulas penais que o juiz repute excessivas (art. 413). Trata-se de imperativo de equidade que, segundo se entende, determina uma interpretação sistemática, e à luz da Constituição, do artigo vertente, portanto muito além de seu sentido literal.

Por isso se poderá reputar abusiva a perda completa do valor pago, acrescentando-se que a abusividade não consubstancia fenômeno de exclusiva repressão na legislação consumerista, na exata medida em que, como se disse, afronta a ideia, diretamente dimanada da CF (art. 3o, I), de equilíbrio nas relações jurídicas, posto se a pondere de forma adequada à eventual formação de vínculo entre iguais. De toda sorte, caberá ao juiz, nessas hipóteses, estimar a extensão da perda do valor da passagem, conforme o prejuízo que possa o passageiro ter causado, mas por qualquer de suas modalidades, por qualquer forma de manifestação.

243
Q

No caso de extravio de objeto transportado, por o que responderá o transportador?

A

Art. 750. A responsabilidade do transportador, limitada ao valor constante do conhecimento, começa no momento em que ele, ou seus prepostos, recebem a coisa; termina quando é entregue ao destinatário, ou depositada em juízo, se aquele não for encontrado.

Comentários:
Em primeiro lugar, o CC/2002 preestabelece
o valor da mercadoria, pelo qual responde o transportador. Não se trata, aqui, de limitação indevida, porquanto, como se viu nos comentários aos arts. 743 e 744, o conhecimento de transporte da carga deverá identificar seu valor, inclusive mercê de devida informação do expedidor. Por isso mesmo, esse o importe que se considera seja o das coisas transportadas, e que define a extensão da responsabilidade que a propósito é afeta ao transportador, e que, evidentemente, não exclui a eventual obrigação de indenizar por título ou causa outra, como lucros cessantes ou mesmo, se for o caso, danos extrapatrimoniais.

Art. 743. A coisa, entregue ao transportador, deve estar caracterizada pela sua natureza, valor, peso e quantidade, e o mais que for necessário para que não se confunda com outras, devendo o destinatário ser indicado ao menos pelo nome e endereço.

Art. 744. Ao receber a coisa, o transportador emitirá conhecimento com a menção dos dados que a identifiquem, obedecido o disposto em lei especial.

244
Q

No transporte cumulativo, todos os transportadores respondem solidariamente pelos danos ocorridos em um dos transportes?

A

Art. 733. Nos contratos de transporte cumulativo, cada transportador se obriga a cumprir o contrato relativamente ao respectivo percurso, respondendo pelos danos nele causados a pessoas e coisas.

§ 1 o O dano, resultante do atraso ou da interrupção da viagem, será determinado em razão da totalidade do percurso.

§ 2 o Se houver substituição de algum dos transportadores no decorrer do percurso, a responsabilidade solidária estender-se-á ao substituto.

Art. 756. No caso de transporte cumulativo, todos os transportadores respondem solidariamente pelo dano causado perante o remetente, ressalvada a apuração final da responsabilidade entre eles, de modo que o ressarcimento recaia, por inteiro, ou proporcionalmente, naquele ou naqueles em cujo percurso houver ocorrido o dano.

Comentários ao art. 733:
O transporte cumulativo é aquele desempenhado por mais de um transportador, cada qual responsável por um trecho do percurso a ser cumprido. Ou seja, cada um dos transportadores efetua o transporte incumbindo-se de cumprir uma fase do trajeto total. Importa, todavia, que haja unidade contratual, portanto sem que se contrate, individual, separada e independentemente, cada trecho da viagem, quando então se fala em transporte sucessivo (ver a respeito: theodoro jr., Humberto. “Do transporte de pessoas no novo Código Civil”. In: RT, v. 807, janeiro de 2003, p. 11-26). Importa é que haja, no dizer de Pontes de Miranda, unicidade de contrato e pluralidade de transportadores, todos vinculados ao deslocamento prometido, não necessariamente subscrevendo contrato, já que o ajuste é informal (Tratado de direito privado, 3. ed. São Paulo, RT, 1984, t. XLV, § 4.857, n. 2, p. 27-9).

Ter-se-á, portanto, uma unidade do vínculo
obrigacional, prometendo-se prestação de deslocamento da saída ao destino, mas incumbindo-se de trechos separados e sucessivos cada qual dos transportadores. No mesmo sentido, o CC italiano, de que é haurida a regra em comento, dispondo sobre o transporte cumulativo de cargas, caracteriza-o como sendo aquele assumido por vários transportadores que se sucedem no deslocamento, mas com um único contrato (art. 1.700).

O artigo em comento, inserido entre as disposições gerais do capítulo, refere-se tanto ao transporte de pessoas, como ao de coisas, que são inclusive textualmente mencionados ao final do caput. Prevê-se que, tratando-se de transportadores cumulativos, cada qual responda pelos danos causados no trecho do percurso a si afeto. Já segundo o § 1o, o atraso atribuível a cada um só se aferirá ao final do trajeto, pois o retardo é pelo percurso todo, da saída ao destino, isso porquanto pode haver atraso numa fase que se compen-se pelo adiantamento em outra, enfim cumprindo-se o tempo devido.

Alguns problemas acerca da interpretação do
preceito, porém, colocam-se e, mais, fomentam-se ao serem analisadas as regras do § 2o e do dispositivo do art. 756, atinente ao transporte cumulativo especificamente de cargas (com a ressalva, nos respectivos comentários, sobre a concorrência normativa da Lei n. 9.611/98). Em primeiro lugar, a leitura do artigo induz possível conclusão de que, no transporte cumulativo, a responsabilidade dos transportadores por atraso ou danos a passageiros ou coisas, como o caput dispõe, é individual pelo evento que se tenha dado no ou em função do trecho de que foi incumbido. Quanto aos danos provenientes de atraso, sem diversa atribuição de responsabilidade, apenas será preciso esperar e verificar se ele acaba se revelando ao final, no todo do percurso, aí então identificando-se em qual fase sucedido, para se definir o transportador individualmente responsável. Tal conclusão ganha força quando se nota a rejeição da emenda proposta pelo Deputado Bonifácio Neto, a qual, na tramitação do projeto de CC, procurava alterar a redação do artigo para explicitar uma responsabilidade solidária dos transportadores cumulativos.

Não é só. No CC italiano, que tem direta influência na codificação brasileira acerca dessa matéria, como observa Renan Lotufo (para quem a solução é mesmo a da responsabilidade individual, conferindo-se em “O contrato de transporte de pessoas no novo CC”. In: Revista de Direito do Consumidor. São Paulo, RT, 2002, v. 43, p. 205-14), há igual previsão, no art. 1.682, de que no transporte cumulativo exclusivamente de pessoas cada transportador responda no limite de seu percurso, malgrado sem aludir à reparação do dano daí advindo. Porém, já para o dano às coisas, o CC italiano previu no art. 1.700, tal como se fez no art. 756 do CC brasileiro na acentuação de Pontes de Miranda, uma responsabilidade solidária dos transportadores pela própria dificuldade de se identificar, no transporte de mercadorias danificadas, em que fase do trajeto se deu o evento (op. cit., p. 31).

Mas, mesmo muito antes da vigência do
CC/2002, criticando o sistema italiano, Pontes de Miranda já apontava para a inconveniência e falta de suficiente justificativa à diferenciação da responsabilidade entre transporte cumulativo de pessoas e de coisas, sustentando que, malgrado então ausente qualquer previsão legislativa de solidariedade, ambos transportadores, ainda que vinculados a executar o transporte só em um trecho do trajeto, respondiam pelo adimplemento da dívida de todo o percurso, porquanto prometido resultado final indivisível, inseparável dos resultados parciais (idem, ibidem). Porém, agora sobrevindo o CC/2002, para Humberto Theodoro Jr. – inclusive com superação do argumento de que, convertida em perdas e danos a obrigação indivisível, por culpa de um dos coobrigados, somente a ele afeta a totalidade da dívida (art. 263, § 2o) –, estabeleceu-se na legislação uma responsabilidade solidária para o transporte de pessoas, mercê da incidência da regra do art. 733, em comento, que antes inexistia (op. cit., p. 19-20). Para o mesmo autor, essa solidariedade infere-se da redação do § 2o do dispositivo presente, que, se determinou a extensão da responsabilidade solidária a quem venha a substituir um dos transportadores durante o percurso, presumiu então já haver antes uma solidariedade.

Mas, ainda que não se entenda assim, há aqui
uma concorrência normativa com o CDC, na forma dos comentários ao artigo anterior, que parece relevante à compreensão de uma regra de solidariedade entre os transportadores.
É que, em primeiro lugar, evidenciada uma relação consumerista, impõe-se a responsabilidade solidária de todos quantos tenham integrado a cadeia prestadora de serviço. Ou seja, havendo vários fornecedores organizados para atender o consumidor, de todos é o dever legal de qualidade, de segurança e adequação dos serviços prestados (ver a respeito, analisando a regra do art. 20 do CDC: marques, Claudia Lima; benjamin, Antônio Herman V.; miragem, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo, RT, 2003, p. 310).Portanto, nesse ponto, não se diferenciam o transporte de passageiros e o de coisas, em interpretação haurida do CDC, que, por beneficiar e proteger o consumidor de forma mais efetiva, deve prevalecer sobre a orientação diferente consubstanciada no art. 733 do CC (ver comentário ao artigo anterior). E posto não se trate de relação de consumo, há contratos que, mesmo individuais, são interligados por um nexo funcional, voltados à prossecução de um objetivo comum, que é uma operação econômica única e global, de transporte no caso, na qual se revela rede contratual que, mercê da incidência do princípio da função social do contrato (art. 421), em seu conteúdo ultra partes, ostentando-se sua eficácia social, também haverá solidariedade perante o beneficiário do serviço (godoy, Claudio Luiz Bueno de. Função social do contrato, 2. ed. São Paulo, Saraiva, 2007).

245
Q

Conceitue brevemente o contrato de seguro e indique suas principais características.

A

Art. 757. Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados.

Parágrafo único. Somente pode ser parte, no contrato de seguro, como segurador, entidade para tal fim legalmente autorizada.

Comentários:

Em redação mais ampla e técnica que a do art.
1.432 do Código anterior, adstrita à avença securitária de dano e ao princípio indenitário ou indenizatório a ela subjacente, o artigo em pauta define o contrato de seguro referindo, em primeiro lugar, a contratação da garantia de riscos de qualquer interesse legítimo do segurado, portanto não só o prejuízo advindo do sinistro de uma coisa, já que no seguro de pessoa garante-se um statu quo do ser humano (cf. pontes de mi-randa, Francisco C. Tratado de direito privado, 3. ed. São Paulo, RT, 1984, t. XLV, § 4.911, p. 275), nem sempre suscetível de ressarcimento, como, por exemplo, a vida. Esclarece-se, ainda, que o seguro se faz do interesse do segurado, e não do que a ele é pertinente, de modo que o objeto da contratação, a rigor, acaba sendo a garantia desse mesmo interesse. Ou seja, procura-se abarcar, nesse conceito genérico do CC, a proteção a qualquer interesse do segurado, e que se ostente lícito, exigindo-se, nos termos do preceito, sua legitimidade (art. 760). É o interesse segurável que, acrescenta a nova lei, pode concernir a pessoa ou coisa, portanto em seu conteúdo abrangidos os seguros de dano e, também, de pessoas, justamente a divisão que se faz do capítulo presente, depois de fixadas as disposições gerais do contrato.

Com efeito, o atual Código estrutura o capítulo do seguro estabelecendo regras gerais e, depois, separando o seguro de dano e o seguro de pessoa, destarte valendo-se de uma dentre as várias classificações que do seguro são feitas, aqui tomando-se como critério o objeto afeto ao interesse que se tenciona garantir. Na base do ajuste está a cobertura de um risco que, porém, deve ser predeterminado, vale dizer, previamente estipulado pelas partes, posto se admita aí incluído o quanto despendido pelo segurado para evitar o sinistro ou minorar suas consequências (venosa, Sílvio de Salvo. Direito civil, 3. ed. São Paulo, Atlas, 2003, v. III, p. 383). Trata-se do risco de que sobrevenha um evento futuro e incerto, ou de data incerta, não adstrito à vontade exclusiva de uma das partes, chamado, quando ocorre, de sinistro, que tenha sido previsto e que cause lesão a interesse do segurado, assim operando-se sua garantia, pelo segurador, mediante a entrega, àquele, de um capital previamente limitado. Dá-se, pois, como se costuma dizer, e não sem críticas, conforme logo adiante se referirá, verdadeira transferência, ao segurador, do risco de lesão a interesse do segurado. Isso, porém, individualmente tomado o seguro, sempre mediante o pagamento de uma contraprestação do segurado, o prêmio devido.

A rigor, todavia, ressalve-se que, no ajuste de
seguro, se pressupõe uma relação mais ampla de mutualismo, em que há um universo de pessoas que, mediante o pagamento do prêmio, compõem um fundo gerido pelo administrador, que calcula a probabilidade dos eventos cobertos para quantificar a soma a ser paga pelos segurados. Mas, porque implica garantia de indenidade, com real função previdenciária, e com a crescente multiplicidade e complexidade das relações entre os indivíduos, cuida-se de contrato de especial interesse social, uma vez que, afinal, repita-se, serve a assegurar a integridade das pessoas diante de acontecimentos danosos cada vez mais frequentes e diversificados, conforme a evolução das mais variadas atividades humanas. Por essa razão, e por reclamar verdadeiro mutualismo, consoante explicitado, a dar-lhe possível sustento, há o influxo de inúmeras regras de intervenção, sabido que o seguro, ademais, foi sempre objeto de farta legislação especial, cuja incidência se ressalva no art. 777, que retoma a matéria, tanto quanto na concorrência normativa do CDC.

[…]

Contudo, da definição legal do seguro que se
deu a fazer o CC/2002, é costumeira a inferência de se tratar de contrato bilateral, porquanto foco da irradiação de obrigação a ambas as partes; oneroso, dada a exigência de que, como contrapartida da garantia de risco, afeta ao segurador, haja o pagamento de prêmio, pelo segurado, mesmo admitindo-se que sirva mais à composição de um fundo gerido pelo segurador, a quem se garante uma remuneração; consensual, já que se aperfeiçoa pelo consenso das partes, malgrado se prove por forma própria (ver comentário ao artigo seguinte), valendo para muitos, ainda, quanto à questão do pagamento do prêmio, causa de tipificação de um contrato real, remissão ao comentário do art. 763. Entretanto, impende notar, acerca do que não há dúvida, que o ajuste é daqueles cativos, de longa duração, com especial reclamo a que se portem as partes de acordo com o padrão de lealdade que a boa-fé objetiva exige, ademais porquanto estabelecida sua intrínseca equação econômica a partir, basicamente, das declarações e informações das partes, então calculando-se risco e prêmio (art. 765). Também comum entendê-lo como contrato aleatório, não comutativo, ao argumento de que, de um lado, pode o segurado pagar o prêmio por muito tempo, sem nunca precisar da cobertura contratada, tanto quanto pode o segurador, depois de pouco tempo de recebimento do prêmio, ter de honrar o valor do seguro, diante de sinistro sucedido. Ou seja, cobre-se risco de evento cuja ocorrência futura é incerta, de modo que as prestações das partes não são previamente conhecidas e determinadas.

Tudo isso, é certo, da perspectiva do contrato
individual de seguro, mas não olvidada sua inserção em relação mutualista mais abrangente, como já examinado. Até porque, dessa perspectiva, tem-se sustentado existir, sim, uma comutatividade, compreendendo-se a prestação principal afeta ao segurador não como a de pagamento do valor segurado, que pode realmente não acontecer, mas a de manutenção da garantia a que se volta o seguro. Em outros termos, incumbir-lhe-ia gerir o fundo constituído com o pagamento do prêmio pela universalidade dos segurados de forma a manter, pelo tempo do ajuste, a garantia contratada, objeto da contratação. Quer dizer, sua obrigação básica está em manter-se solvável durante o tempo de ajuste (v. g., tzirulnik, Ernesto. “Princípio indenitário no contrato de seguro”. In: RT, v. 759, janeiro de 1999, p. 89-121). Daí diferenciar-se o seguro da aposta, do jogo, sempre vin-culado, como acentua Pedro Alvim (O contrato de seguro, 3. ed. Rio de Janeiro, Forense, 2001, p.59), a uma cooperação de coletividade que assume o risco pelo sinistro de cada qual, mediante a constituição de um fundo, gerido pelo segurador, composto pelos prêmios pagos pelos segurados.

Flávio Tartuce sobre a suposta comutatividade do contrato de seguro:

Vale diz, de qualquer forma, que há corrente doutrinária que sustena que o seguro é comutativo, pois o risco poderia ser determinado por cálculos atuariais. Como assinalam Ernesto Tzirulnik, Flávio de Queiroz B Cavalcanti e Ayrton Pimentel, o contrato é comutativo por trazer a ideia de garantia:

“A ideia de garantia (‘o segurador se obriga (…) a garantir interesse legítimo do segurado’), embora não viesse explicitada no Código anterior, já era proclamada pela doutrina brasileira como elementos nuclear para a compreensão da natureza jurídica e efeitos do contrato de seguro. A positivação conjugada de garantiaa e interesse (objeto e garantia) eo abandono da ideia de indneização como elemento essencial do contrato esvaziam, no direito positivo brasileiro, a secular polêmica entre dualistas e os unilateralistas a respeito da função indenizatório (ou não) dos seguros de pessoas. (…) A comutatividade do contrato tem por base justamente o reconhecimento de quea prestação do segurador não se restringe ao pagamento de uma eventual indenização (ou capital), o que apenas se verifica no caso de sobrevir a lesão ao interesse garantido em virtude da realização do risco predeterminado. Tal prestação cosiste, antes de tudo, no fornecimento de garantia e é devida durante toda a vigência material do contrato. A comutação ocorre entre prêmio (prestação) e garantia (contraprestação)”.

O tema tem despertado grandes discussões nos meios acadêmicos e práticos. Vários foram os enunciados propostos na IV Jornada de Direito Civil, sendo certo que nenhum deles foi aprovado. A este autor parece temerário afirmar que o seguro é contrato comutativo. Isso, porque o argumento é da comutatividade pode servir a interesses escusos de seguradoras. Imagine-se, por exemplo, que a seguradora pode alegar que o contrato é comutativo para resolver ou rever o negócio que foi pago anos a fio pelo segurado, com base na imprevisibilidade e na onerosidade excessiva. Nesse contexto, a tese da comutatividade parece ser antifuncional, ou mesmo antissocial, em conflito com o art. 421 do CC. Em suma, a premissa pode ser alegada por empresas seguradoras para auferir vantagens excessivas frentes aos consumidores, particularmente com o intuito de obter a rescisão unilateral do contrato. Pra tal instrumentalização, a tese, em hipótese algum pode ser aceita e adotada.

246
Q

Antes da emissão da apólice ou do bilhete do seguro, pode-se considerar perfectibilizado o contrato?

A

Art. 758. O contrato de seguro prova-se com a exibição da apólice ou do bilhete do seguro, e, na falta deles, por documento comprobatório do pagamento do respectivo prêmio.

Comentários:

Dispunha-se, no CC anterior, que, antes da
emissão da apólice de seguro e de sua remessa ao segurado, não se aperfeiçoava o contrato, levando à defesa de sua natureza formal, como se a solenidade erigida fosse, então, de sua substância. Ressalve-se, porém, que o mesmo dispositivo, em sua parte final, admitia o seguro sem a apólice, desde que demonstrado pela respectiva escrituração nos livros mercantis. O CC/2002, no artigo em discussão, assenta o caráter consensual do contrato, perfeito e acabado com o consenso das partes. O que se estabelece, entretanto, é a forma escrita para comprovação de sua existência. Com efeito, tal qual prevê a nova lei, o contrato de seguro, em princípio, se prova por seu instrumento escrito, que é a apólice.

O DL n. 73/66, todavia, permitiu a emissão,
por solicitação verbal, portanto sem necessidade de proposta escrita, de mero bilhete de seguro, em lugar da apólice (art. 10). Além disso, conforme a especificidade do seguro contratado, varia sua forma. Por exemplo, no seguro de vida em grupo não retém o segurado mais que um certificado. Há seguros de transporte, ou contratado quando da locação de veículos, em que o segurado não recebe mais que um informativo resumido, nunca a apólice. Tudo sem contar as contratações por meio eletrônico, por telefone, por fac-símile, como lembra Sílvio de Salvo Venosa (Direito civil, 3. ed. São Paulo, Atlas, 2003, p. 378), revelando que, nessa matéria, não há forma que seja substancial. Confirmando-o, e mesmo consolidando orientação que já vinha da jurisprudência, assenta o CC/2002 que o contrato de seguro pode ser provado até pelo recibo de pagamento do prêmio, em regra pela rede bancária.

O que, por certo, não se pode sustentar é que
sem a apólice ou o bilhete não haja o contrato e muito menos que, antes de sua remessa, não exista já obrigação securitária afeta às partes
.A forma, enfim, a que se refere a lei, tem função meramente probatória, de modo a impedir a demonstração do ajuste exclusivamente por testemunhas. Daí mencionar-se sua prova por qualquer documento comprobatório do pagamento do prêmio ou qualquer outro, é de admitir, desde que indique a ocorrência do consenso. Pense-se na proposta escrita, sucedida pelo pagamento do prêmio ou por qualquer correspondência remetida pelo segurador, de que se extraia a conclusão de que havida aceitação.

247
Q

Qual a consequência da celebração de contrato para garantir risco inexistente?

A

Art. 773. O segurador que, ao tempo do contrato, sabe estar passado o risco de que o segurado se pretende cobrir, e, não obstante, expede a apólice, pagará em dobro o prêmio estipulado.

Comentários:

Basicamente desde o preceito do art. 765, antes examinado, e em que se encerra a propósito uma regra geral, vem dispondo o CC sobre normas atinentes à exigência de boa-fé com que devem se portar as partes na conclusão e execução do contrato de seguro, em primeiro lugar a boa-fé objetiva, isto é, o dever das partes, como imperativo de solidarismo nas relações contratuais, de agir segundo padrão de conduta leal esperável de pessoas corretas, honestas, verazes. Nada diverso, a rigor, do que está no art. 422 do CC/2002, em que se erige verdadeiro princípio em matéria de contratos.

É evidente que a tanto não se compadece a
conduta de contratação de seguro sem um risco a cobrir. Não se pode negar que o risco seja elemento essencial ao contrato de seguro, como inferido, de resto, da própria disposição do art. 757 do CC. Contrata-se, mediante o pagamento de um prêmio, a garantia de um interesse legítimo do segurado, justamente diante da potencialidade de um sinistro, nada mais que o risco. É a cobertura contratada de um interesse segurável contra um risco predeterminado. Por isso não se pode manter um contrato de seguro já nascido sem risco a cobrir, a ponto de alguns autores terem aí entrevisto um caso mesmo de nulidade, por falta de objeto do ajuste (v. g., bevilaqua, Clóvis. Código Civil comentado, 4. ed. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1939, v. V, p. 207; carvalho san–tos, J. M. Código Civil brasileiro interpretado, 5. ed. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1951, v. XIX, p. 306), muito embora hoje se o repute consubstanciado muito mais na garantia do interesse segurável. Ainda assim, não é menos certo que o risco continue a ser seu elemento essencial. Não há seguro sem risco. Daí porque, firmado o ajuste, sem o risco a cobrir, ele não se mantém, podendo o segurador, tendo agido na contratação em desacordo com o padrão de conduta solidária que a boa-fé objetiva impõe, faltando ao cum-primento de dever anexo de informação, transparência ou lealdade, dimanados daquele princípio, ser obrigado a compor perdas e danos (ver, a respeito da falta de dever anexo ou lateral e suas consequências, comentário ao art. 769).

O preceito em questão, indo mais além, estabeleceu, como já o fazia o art. 1.446 do CC/1916, uma pena específica ao segurador que, na contratação, tenha obrado, já aí, com falta de boa-fé subjetiva. Vale dizer, sempre que comprovada a ciência do segurador, quando da contratação, sobre a inexistência do risco, incumbe-lhe o dever de pagamento em dobro do prêmio estipulado. Aplica-se a mesma pena – ou o mesmo princípio – que, para o segurado de má-fé, se impôs no art. 766. Ressalte-se que está no artigo em pauta, tal como naquele antes referido, a mesma distinção entre a possibi-lidade de desfazimento do contrato por falta de boa-fé objetiva, só que aqui do segurador, e o agravamento sancionatório quando lhe falte boa-fé subjetiva, ou seja, quando animado pelo deliberado propósito de contratar, aproveitando-se da ausência de risco a cobrir. É por isso que, no mais, remete-se aos comentários do art. 766. A ressalva final, porém, está em que, de qualquer maneira, não há como persistir contrato de seguro ajustado já sem risco a cobrir, diferenciando-se, como se observou, a consequência sancionatória, que é a devolução, em dobro, do prêmio cobrado.

248
Q

A falta de aviso imediato do sinistro, pelo segurado, ao segurador implica na perda da garantia?

A

Art. 771. Sob pena de perder o direito à indenização, o segurado participará o sinistro ao segurador, logo que o saiba, e tomará as providências imediatas para minorar-lhe as conseqüências.

Comentários:

Já o CC anterior, em seu art. 1.457, impunha
ao segurado, como imperativo de boa-fé, de lealdade na relação contratual, o dever de comunicar, tão logo dele tomasse conhecimento, a ocorrência do sinistro ao segurador. Entretanto, tão somente sancionava a omissão, com a perda do direito ao recebimento do valor segurado, se provasse o segurador que, avisado, poderia ter evitado ou atenuado as consequências do evento. Confrontada essa disposição com a do artigo em discussão, do atual Código, parece agora ter-se estabelecido, a par do mesmo dever de imediata comunicação do sinistro, logo que o saiba o segurado, mas uma automática perda do valor do seguro em caso de omissão.

Todavia, entende-se que a falta de aviso, por
si só, sem que daí dimane qualquer prejuízo, não pode levar à consequência extrema, de perda do valor segurado. Veja-se que o espírito que anima a disposição vertente não é diverso daquele subjacente à norma do antigo Código.
A ideia do legislador foi sancionar a conduta de falta de boa-fé objetiva do segurado, porém porque assim se impediu o segurador de minorar os efeitos do sinistro, ou seja, a rigor, uma hipótese em que o comportamento do segurado interfere no valor do pagamento a ser feito pelo segurador– a bem dizer, idêntico princípio ao que está subjacente à regra atinente ao agravamento do risco (art. 768) ou mesmo à omissão ou incompletude das in-formações prestadas quando da contratação (art. 766). Tem-se, então, que, omitido o aviso do sinistro, não haverá automática perda do direito ao recebimento do valor segurado, senão quando demonstradopelo segurador que, por isso, foi-lhe retirada factível oportunidade de evitar ou atenuar os efeitos do evento e, assim, minorar o importe do seguro a ser pago. Essa, de resto, a opinião, também, de José Augusto Delgado (Comentários ao novo Código Civil. Sálvio de Fi-gueiredo Teixeira (coord.). Rio de Janeiro, Forense, 2004, v. XI, t. I, p. 293) e de Caio Mário da Silva Pereira (Instituições de direito civil, 11. ed. atualizada por Regis Fichtner. Rio de Janeiro, Forense, 2004, v. III, p. 459). O aviso pode se dar sem exigência de forma especial, desde que comprovadamente efetivado e recebido.

RECURSO ESPECIAL. CIVIL. SEGURO DE AUTOMÓVEL. ROUBO DO VEÍCULO.
AVISO DE SINISTRO. COMUNICAÇÃO. ATRASO. INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA.
PERDA DO DIREITO. AFASTAMENTO. APLICAÇÃO NÃO AUTOMÁTICA DA PENA.
ART. 771 DO CC. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA. OMISSÃO JUSTIFICADA DO SEGURADO. AMEAÇAS DE MORTE DO CRIMINOSO. BOA-FÉ OBJETIVA.
CONFIGURAÇÃO. RECUPERAÇÃO DO BEM. CONSEQUÊNCIAS DANOSAS À SEGURADORA. INEXISTÊNCIA.
1. Cinge-se a controvérsia a saber se o atraso do segurado em comunicar o sinistro à seguradora, qual seja, o roubo de veículo, é causa de perda do direito à indenização securitária oriunda de contrato de seguro de automóvel, considerando os termos da norma inscrita no art. 771 do Código Civil (CC).
2. O segurado não apenas deve informar à seguradora o sinistro ocorrido logo que o saiba, mas deve também tomar medidas razoáveis e imediatas que lhe estejam à disposição para atenuar as consequências danosas do evento, sob pena de perder o direito à indenização securitária. Assim, é ônus do segurado comunicar prontamente ao ente segurador a ocorrência do sinistro, já que possibilita a este tomar providências que possam amenizar os prejuízos da realização do risco bem como a sua propagação.
3. A pena de perda do direito à indenização securitária inscrita no art. 771 do CC, ao fundamento de que o segurado não participou o sinistro ao segurador logo que teve ciência, deve ser interpretada de forma sistemática com as cláusulas gerais da função social do contrato e de probidade, lealdade e boa-fé previstas nos arts. 113, 421, 422 e 765 do CC, devendo a punição recair primordialmente em posturas de má-fé ou culpa grave, que lesionem legítimos interesses da seguradora.
4. A sanção de perda da indenização securitária não incide de forma automática na hipótese de inexistir pronta notificação do sinistro, visto que deve ser imputada ao segurado uma omissão dolosa, injustificada, que beire a má-fé, ou culpa grave, que prejudique, de forma desproporcional, a atuação da seguradora, que não poderá se beneficiar, concretamente, da redução dos prejuízos indenizáveis com possíveis medidas de salvamento, de preservação e de minimização das consequências.
5. Na hipótese dos autos, fatos relevantes impediram o segurado de promover a imediata comunicação de sinistro: temor real de represálias em razão de ameaças de morte feitas pelo criminoso quando da subtração do bem à mão armada no interior da residência da própria vítima. Assim, não poderia ser exigido comportamento diverso, que poderia lhe causar efeitos lesivos ou a outrem, o que afasta a aplicação da drástica pena de perda do direito à indenização, especialmente considerando a presença da boa-fé objetiva, princípio-chave que permeia todas as relações contratuais, incluídas as de natureza securitária.
6. É imperioso o pagamento da indenização securitária, haja vista a dinâmica dos fatos ocorridos durante e após o sinistro e a interpretação sistemática que deve ser dada ao art. 771 do CC, ressaltando-se que não houve nenhum conluio entre os agentes ativo e passivo do episódio criminoso, tampouco vontade deliberada de fraudar o contrato de seguro ou de piorar os efeitos decorrentes do sinistro, em detrimento dos interesses da seguradora. Longe disso, visto que o salvado foi recuperado, inexistindo consequências negativas à seguradora com o ato omissivo de entrega tardia do aviso de sinistro.
7. Recurso especial não provido.
(REsp 1546178/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 13/09/2016, DJe 19/09/2016)

249
Q

No seguro de dano, é possível que o valor da garantia seja superior ao do interesse segurado? Se não, qual as consequências desse fato?

A

Art. 778. Nos seguros de dano, a garantia prometida não pode ultrapassar o valor do interesse segurado no momento da conclusão do contrato, sob pena do disposto no art. 766, e sem prejuízo da ação penal que no caso couber.

Art. 766. Se o segurado, por si ou por seu representante, fizer declarações inexatas ou omitir circunstâncias que possam influir na aceitação da proposta ou na taxa do prêmio, perderá o direito à garantia, além de ficar obrigado ao prêmio vencido.

Parágrafo único. Se a inexatidão ou omissão nas declarações não resultar de má-fé do segurado, o segurador terá direito a resolver o contrato, ou a cobrar, mesmo após o sinistro, a diferença do prêmio.

Comentários:

Como já explicitado no comentário ao art.
757, o novo CC, ao estruturar o capítulo destinado ao regramento do seguro, depois de estatuir disposições genéricas, dividiu-o em duas partes especiais, a primeira, correspondente ao seguro de dano e a segunda, ao seguro de pessoa. O seguro de dano, tradicionalmente chamado de seguro de coisas, é aquele destinado a garantir ao segurado uma indenização pelo sinistro que venha a atingir e danificar o bem indicado no contrato, trazendo-lhe, assim, prejuízo a um interesse, o denominado interesse segurado. A respeito desse seguro, vigora, como aponta o ministro Eduardo Ribeiro (“Contrato de seguro – alguns tópi-cos”. In: O novo Código Civil. Domingos Franciulli Netto, Gilmar Ferreira Mendes e Ives Gandra da Silva Martins Filho (coords.). São Paulo, LTr, 2003, p. 729-46), princípio dito indenitário, o que significa, basicamente, que o ajuste serve a garantir tão somente a reparação do dano experimentado, limitado ao valor fixado no contrato, e este, por seu turno, adstrito ao importe do interesse segurado, no momento da contratação, tudo, frise-se, sem qualquer possibilidade de que venham o seguro e o sinistro a representar causa de lucro ao segurado.

[…]

A ideia fundamental é a de que o seguro não
pode trazer ao segurado um proveito, colocando-o em situação mais vantajosa que aquela que teria se não sucedido o sinistro. Inversamente, e como em última análise o segurado poderia nem mesmo contratar o seguro, nada impede que o faça por valor menor que o do interesse segurado. O impedimento é a superavaliação. E, prossegue o atual Código, se ela ocorrer e dimanar de má-fé do segurado na prestação das informações devidas à contratação do seguro, aplica-se o previsto no caput do art. 766, já comentado. Da mesma forma, quando o artigo em discussão refere ainda a sujeição do segurado à ação penal que couber, decerto que pressupõe, ainda, a declaração inexata daquele, mas eivada de má-fé. Ocorre que a superestimação do interesse segurado pode advir de conduta não deliberada do segurado, acerca do que se omite o Código atual, mas não o CC/1916, que, para esse caso, previa a redução ao valor real da coisa segurada, com devolução do excedente do prêmio (art. 1.438, primeira parte).

Para Maria Helena Diniz (Direito civil brasi­
leiro, 17. ed. São Paulo, Saraiva, 2002, v. III, p. 470), e por identidade de motivos, caberá, hoje, na vigência do atual Código, remissão ao parágrafo único do mesmo art. 766, supra. Certo é que, ausente má-fé, aí sim em correspondência ao previsto no parágrafo único do art. 766, não terá lugar a penalização do segurado, com a perda do prêmio devido. Caberá a resolução do contrato, mas, observe-se, se ainda não havido o sinistro (ver comentário ao art. 766). Só que aqui, no tratamento da superavaliação, pelo princípio mencionado, vedatório de que o contrato traga proveito ao segurado, parece descaber a manutenção do ajuste apenas mediante recálculo do prêmio, como dispõe o parágrafo do art. 766. Isso porque a proibição está no importe do interesse segurado. A opção à resolução será, pois, a readequação, forçosamente, desse valor, ainda que com revisão do prêmio. Por fim, se já ocorrido o sinistro, quando, ainda ausente má-fé do segurado, se constata a superestimação do interesse segurado, já não mais haverá lugar à resolução, repete-se, mas ao pagamento do valor real máximo do interesse segurado, se este tiver sido o importe do prejuízo (perda total).

250
Q

Se a coisa segurada acaba danificada por incêndio resultante de vício intrínseco, o segurador terá de pagar a cobertura?

A

Art. 784. Não se inclui na garantia o sinistro provocado por vício intrínseco da coisa segurada, não declarado pelo segurado.

Parágrafo único. Entende-se por vício intrínseco o defeito próprio da coisa, que se não encontra normalmente em outras da mesma espécie.

Comentários:

A regra, embora com diversa redação, é a mesma do art. 1.459 do antigo Código. Por ela, quer-se excluir da cobertura securitária o sinistro havido em razão de vício intrínseco da coisa, como tal entendido aquele defeito próprio que não se encontra, de ordinário, em outras coisas da mesma espécie. Ou seja, o princípio é o de que não caiba indenização securitária de danos causados por fator que não seja externo, alheio à coisa segurada.

Sempre se entendeu, porém, desde a vigência
do CC/1916, que a exclusão da cobertura somente se daria se o vício intrínseco fosse causa única do evento danoso. Assim, ao revés, deve-se, ainda hoje, considerar persistente a obrigação contratual ressarcitória se o defeito interno da coisa é apenas uma concausa do evento.
O preceito é de ordem dispositiva, de modo a não impedir que o segurado declare a existência do vício e assim contrate garantia que o abranja. Nesse caso, o segurador terá amplas condições de calcular o risco coberto levando em conta a possibilidade de sinistro de acordo com o defeito interno da coisa segurada.

O problema se põe, na verdade, quando o segurado não declara o vício interno que, ademais, vem a ser a causa do evento danoso. Aí então exclui-se a cobertura, de sorte que o segurador não estará obrigado a pagar a respectiva indenização pelos danos havidos à coisa segurada. Fato, porém, é que, desde o Código anterior, reputava-se de rigor a exclusão da cobertura tão somente se o segurado houvesse maliciosamente omitido a declaração do vício intrínseco da coisa ou ao menos se dela tivesse ciência (v. g., bevilaqua, Clóvis. Código Civil comentado, 4. ed. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1939, p. 220; carvalho santos, J. M. Código Civil brasileiro interpretado, 5. ed. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1951, v. XIX, p. 369). É, de resto, a mesma regra que se consagra, hoje, no art. 766, parágrafo único, que não afasta a cobertura em casos de omissão do segurado, mas não de má-fé. Ou seja, na síntese de Carvalho Santos (op. cit., p. 369), é preciso, para a incidência da regra em pauta, que o vício intrínseco, além de constituir causa exclusiva do sinistro, seja co-nhecido do segurado, omisso em informá-lo, e, mais, desconhecido do segurador. É por isso que, em exemplo do mesmo autor, quando coisas sujeitas ordinariamente a incêndio se inflamam, posto que por vício interno, porquanto notória a circunstância, não se afasta a responsabilidade do segurador. Isso também se aplica a vícios de construção, causa de sinistro a atingir imóveis (idem, ibidem).

251
Q

Se o segurado recebe valores do terceiro causador do sinistro e lhe passa quitação dos danos, poderá a seguradora, ainda assim, voltar-se contra ele para receber o que pagou ao segurado?

A

Art. 786. Paga a indenização, o segurador sub-roga-se, nos limites do valor respectivo, nos direitos e ações que competirem ao segurado contra o autor do dano.

§ 1º Salvo dolo, a sub-rogação não tem lugar se o dano foi causado pelo cônjuge do segurado, seus descendentes ou ascendentes, consangüíneos ou afins.

§ 2º É ineficaz qualquer ato do segurado que diminua ou extinga, em prejuízo do segurador, os direitos a que se refere este artigo.

Comentários:

[…]

Finda o dispositivo legal por estabelecer a ineficácia de qualquer ato praticado pelo segurado que sirva a diminuir ou extinguir, em prejuízo do segurador, o direito à sub-rogação, de que ora se trata. Veja-se que a regra quer assegurar, em última análise, a integralidade do direito regressivo do segurador, resguardando-o contra ato que venha a ser praticado pelo segurado. O exato elastério da norma sobreleva se for levada em conta, por exemplo, a frequente ocorrência de acordos mediante os quais a esse causador do dano o segurado confere ampla quitação, em geral por ocasião do ajuste sobre o pagamento da franquia. Pois sempre se entendeu que, isso sucedido, não haveria crédito em que se pudesse sub-rogar o segurador, extinto pela quitação outorgada. Ou, em diversos termos, não se haveria de cogitar pudesse o segurador, sub-rogando-se na posição jurídica do segurado, exercer uma ação que a este não mais caberia. Nessa senda sobrevém, agora, a determinação legal de que qualquer ato dessa espécie seja ineficaz perante o segurador, que, portanto, não estará impedido de exercer, de toda maneira, seu direito regressivo contra o terceiro causador do dano.

Entretanto, resta indagar: será assim ainda que
o terceiro desconheça a existência do seguro, acordando com o segurado na justa expectativa de que esteja a quitar completamente os danos que com sua conduta provocou? E se o terceiro sabia ou deveria saber que, por exemplo, estava a acordar somente o pagamento de franquia? Parece ser necessário fazer ressalva nesses casos, corolário da tutela da confiança, cabendo ao segurador voltar-se contra seu segurado, afinal com quem contratou e a quem exclusivamente atribuível a conduta de diminuição ou mesmo impedimento de exercício do direito regressivo, frise-se, sempre que no terceiro se possa reconhecer, conforme as circunstâncias do caso, a justa expectativa de que o acordo se referisse aos efeitos completos do sinistro provocado.

Info 591:

A despeito de o segurado ter outorgado termo de quitação ou renúncia ao causador do sinistro, o segurador terá direito a ser ressarcido, em ação regressiva contra o autor do dano, das despesas havidas com o reparo ou substituição do bem sinistrado, salvo se o responsável pelo acidente, de boa-fé, demonstrar que já indenizou o segurado pelos prejuízos sofridos, na justa expectativa de que estivesse quitando, integralmente, os danos provocados por sua conduta. Quando o segurado opta por acionar a garantia contratada com o segurador, exigindo-lhe que indenize ou repare o dano realizado no bem segurado, não lhe cabe firmar, com o causador do dano, nenhum tipo de transação que possa importar na extinção ou diminuição do direito de regresso do segurador. Se o fizer, o ato será absolutamente ineficaz em relação ao segurador, como peremptoriamente determina o art. 786, § 2º, do CC/2002. Em verdade, dada a importância social do contrato de seguro, as normas insertas no art. 786, caput e § 2º, do CC/2002, ao assegurarem a sub-rogação do segurador nos direitos que competirem ao segurado contra o autor do dano, independentemente da vontade daquele, revestem-se de caráter público, não havendo como um ato negocial do segurado excluir a prerrogativa outorgada por lei ao segurador. Quanto ao tema, não se olvida da discussão relacionada à autonomia outorgada ao autor do dano de, espontaneamente, indenizar integralmente a parte lesada dos danos decorrentes do acidente - recebendo, em troca, termo de quitação - e, mesmo assim, o segurado acionar a garantia do seguro para conserto do veículo, em evidente ato de má-fé contratual. Nessa específica hipótese, é de se admitir que o terceiro, se demandado em ação regressiva pelo segurador, exima-se do ressarcimento das despesas com o bem sinistrado, basta que, a teor do disposto no art. 333, II, do CPC/1973 (com correspondência no art. 373, II, do CPC/2015), prove que já realizou a reparação completa dos prejuízos causados, apresentando o recibo assinado pelo segurado ou eventuais documentos que comprovem o custeio das despesas relacionadas à reparação e(ou) substituição do bem envolvido no acidente. A hipótese seria, então, de improcedência do pedido regressivo e restaria ao segurador a alternativa de demandar contra o próprio segurado, por locupletamento ilícito, tendo em vista que, em evidente ato de má-fé contratual, requereu, indevidamente, a cobertura securitária, posto que já indenizado diretamente pelo autor do dano. Ressalte-se, por fim, que não se desconhece a existência de julgados do STJ em sentido contrário ao ora apontado, a exemplo dos REsps n. 76.952-RS (Terceira Turma, DJ 1/7/1996), 127.656-DF (Quarta Turma, DJ 25/3/2002), 274.768-DF (Quarta Turma, DJ 11/12/2000) e 328.646-DF (Quarta Turma, DJ 25/2/2002). Todavia, observa-se que os referidos julgamentos ocorreram sob a ótica do CC/1916, o qual não disciplinava, especificamente, a sub-rogação operada em relação ao seguro de dano, como o faz o art. 786 e parágrafos do atual código. Assim, com amparo no princípio da especialidade, e considerando a necessidade de resguardar o direito de ressarcimento das despesas do segurador perante o causador do dano, segundo os novos paradigmas acerca do mercado securitário, deve ser privilegiada a aplicação do art. 786, caput e § 2º, do CC/2002, em detrimento das regras gerais do instituto do pagamento com sub-rogação (arts. 346 a 351 do CC/2002). REsp 1.533.886-DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 15/9/2016, DJe 30/9/2016.

252
Q

No caso de dano causado pelo segurado a terceiro, pode a seguradora ser acionada diretamente pela vítima?

A

Art. 787. No seguro de responsabilidade civil, o segurador garante o pagamento de perdas e danos devidos pelo segurado a terceiro.

§ 1º Tão logo saiba o segurado das conseqüências de ato seu, suscetível de lhe acarretar a responsabilidade incluída na garantia, comunicará o fato ao segurador.

§ 2º É defeso ao segurado reconhecer sua responsabilidade ou confessar a ação, bem como transigir com o terceiro prejudicado, ou indenizá-lo diretamente, sem anuência expressa do segurador.

§ 3º Intentada a ação contra o segurado, dará este ciência da lide ao segurador.

§ 4º Subsistirá a responsabilidade do segurado perante o terceiro, se o segurador for insolvente.

Comentários:
No artigo presente, o CC/2002 tratou e regu-lamentou o que sempre se chamou de seguro de responsabilidade civil. Ou seja, o segurador assume a obrigação de garantir o pagamento de perdas e danos que o segurado acaso tenha de fazer em benefício de terceiro. Portanto, contrata-se a cobertura da indenização que, eventualmente, o segurado venha a ser obrigado a compor diante de terceiro lesado.

  • *O risco envolve, assim, não só o pagamento**
  • *de danos emergentes, como também o de lucros cessantes**, que, na forma do art. 402, compõem as perdas e danos. O prejuízo a ser coberto pode abranger, ainda, danos pessoais e extrapatrimoniais que a conduta do segurado provocou ao terceiro vitimado. Se, afinal, o seguro se faz contra a responsabilidade civil que pode recair sobre o segurado, forçoso, então, ao que se crê, recorrer à própria noção do instituto, contida no CC. E, com efeito, a responsabilidade civil está afeta, pri-meiramente, a quem comete ato ilícito (art. 927, caput), compreendido como aquele praticado por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, que viole direito alheio e cause dano a outrem, ainda que exclusivamente moral (art. 186). Portanto, é em toda essa extensão, abrangendo o dano moral, que, como regra, responderá o segurador, inclusive conforme orientação hoje sumulada (v. item a seguir). Ademais, e seguindo a mesma esteira, responderá ele também pela indenização a que esteja obrigado o segurado, independentemente de ação culposa, como tal definida, genericamente, no art. 927, parágrafo único, do atual Código. Isso significa dizer que o segurador garante a responsabilidade civil do segurado, subjetiva e objetiva, como regra em toda a extensão da consequência danosa de sua conduta. Discute-se é se, por conta dessa garantia, o segurador pode ser compelido a honrar a cobertura em ação que diretamente lhe seja movida pelo terceiro-vítima, tal como, para o seguro obrigatório, se possibilitou, de maneira explícita, no art. 788, parágrafo único, adiante examinado, ou se, ao revés, incumbe ao terceiro se voltar contra o segurado causador do dano, que, pagando, recebe a verba do seguro, nos limites do contrato.
  • *A desfavor da ação direta, costuma-se afirmar**
  • que falta legitimidade para o terceiro agir com base em contrato de que não fez parte**. Ressalte-se, todavia, que, hoje, em virtude da função social do contrato, que, em uma vertente de seu conteúdo, opera verdadeira eficácia social do ajuste (ultra partes*), alguém não contratante pode, conforme o caso, discutir contrato – ou com base nele – de que não foi subscritor (veja, a respeito, godoy, Claudio Luiz Bueno de. A função social do contrato, 2. ed. São Paulo, Saraiva, 2007). Parece, porém, que, no caso, o ponto seja outro. É que, com efeito, o seguro de responsabilidade civil não é uma estipulação que se faz em favor da vítima, por isso não lhe é dado postular diretamente o benefício, como ocorre no seguro universalizado e social que é o seguro obrigatório, de que cuida o artigo seguinte. O seguro de responsabilidade é um seguro de reembolso, que pressupõe, antes, o pagamento pelo segurado ou o reconhecimento, em ação que lhe seja movida, de sua responsabilidade pelo evento danoso que vitimou ter-ceiro, de modo a que, nessa demanda, oferte o segurado a defesa que tiver, decerto que a ele afeta e de seu conhecimento, e não do segurador. E, mais, de sorte que não se submeta o terceiro à discussão de disposições contratuais que desconhece. Ou seja, os debates se estabelecem com temática própria: entre o segurado e a vítima acerca da responsabilidade pelo evento; entre o segurado e o segurador sobre a obrigação de garantia. E tanto parece ser essa a solução da lei que o CC/2002, no § 3o do artigo em discussão, de forma bastante diversa do parágrafo único do artigo seguinte, em vez de aludir a uma ação direta, menciona a ação proposta pelo terceiro contra o segurado, de que se dará ciência ao segurador.

Jurisprudência:

No seguro de responsabilidade civil facultativo, não cabe o ajuizamento de ação pelo terceiro prejudicado direta e exclusivamente em face da seguradora do apontado causador do dano.
(Súmula 529, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 13/05/2015, DJe 18/05/2015)

Informativo n. 639: Deve ser dotada de ineficácia para terceiros (garantia de responsabilidade civil) a cláusula de exclusão da cobertura securitária na hipótese de o acidente de trânsito advir da embriaguez do segurado ou daquele a quem, por este, foi confiada a direção do veículo.

Sobre o tema, embriaguez ao volante no contrato de seguro de automóvel, cumpre assinalar que a Terceira Turma deste Tribunal Superior, ao julgar o REsp nº 1.485.717/SP (Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe 14/12/2016), alterou seu entendimento, no sentido de que a direção do veículo por um condutor alcoolizado (seja o próprio segurado ou terceiro a quem ele confiou) já representa agravamento essencial do risco avençado, sendo lícita a cláusula do contrato de seguro de automóvel que preveja, nessa circunstância, a exclusão da cobertura securitária. Ocorre que o caso dos autos não se refere à indenização securitária a ser paga ao próprio segurado que teve seu bem avariado em decorrência do sinistro que cometeu ou permitiu que alguém cometesse em estado de ebriedade (seguro de dano). Com efeito, na espécie, é a vítima do acidente de trânsito que postula conjuntamente contra o segurado e a seguradora o pagamento da indenização, ou seja, trata-se da cobertura de responsabilidade civil, presente também comumente nos seguros de automóvel. Nesse contexto, deve ser dotada de ineficácia para terceiros (garantia de responsabilidade civil) a cláusula de exclusão da cobertura securitária na hipótese de o acidente de trânsito advir da embriaguez do segurado ou de a quem este confiou a direção do veículo, visto que solução contrária puniria não quem concorreu para a ocorrência do dano, mas as vítimas do sinistro, as quais não contribuíram para o agravamento do risco. É certo que a Terceira Turma desta Corte Superior, no tocante à matéria, já decidiu em sentido contrário, quando do julgamento do REsp nº 1.441.620/ES (Rel. p/ acórdão Ministra Nancy Andrighi, DJe 23/10/2017). Entretanto, o tema merece nova reflexão, tendo em vista que nesta espécie securitária não se visa apenas proteger o interesse econômico do segurado relacionado com seu patrimônio, mas, em igual medida, também se garante o interesse dos terceiros prejudicados à indenização, ganhando relevo a função social desse contrato.

Enunciado da CJF:

N. 544: O seguro de responsabilidade civil facultativo garante dois interesses, o do segurado contra os efeitos patrimoniais da imputação de responsabilidade e o da vítima à indenização, ambos destinatários da garantia, com pretensão própria e independente contra a seguradora.

Justificativa:

Embora o art. 421 do Código Civil faça menção expressa à função social do contrato, ainda persiste, em relação ao contrato de seguro de responsabilidade civil facultativo, no art. 787 do mesmo diploma, a visão tradicional do princípio da relatividade dos contratos. Na linha interpretativa clássica, no seguro de responsabilidade civil, a seguradora só é obrigada a indenizar a vítima por ato do segurado senão depois de reconhecida a responsabilidade deste. Como não há relação jurídica com a seguradora, o terceiro não pode acioná-la para o recebimento da indenização. Pela teoria do reembolso, aplicável neste caso, o segurador garante o pagamento das perdas e danos devidos a terceiro pelo segurado a terceiro quando este for condenado em caráter definitivo. Por conseguinte, assume a seguradora a obrigação contratual de reembolsar o segurado das quantias que ele efetivamente vier a pagar em virtude da imputação de responsabilidade civil que o atingir. A regra acima, omissa no Código Civil de 1916, ao invés de representar a evolução na concepção do contrato de seguro, dotado de função social, corresponde ao paradigma de que o contrato não pode atingir - seja para beneficiar ou prejudicar - terceiros que dele não participaram. No seguro de responsabilidade civil, o segurado paga o prêmio à seguradora a fim de garantir eventual indenização a terceiro por danos causados. De tal sorte, a vítima tem legitimidade para pleitear diretamente do segurador o pagamento da indenização ou concomitantemente com o segurado. Há, portanto, uma estipulação em favor de terceiro, que somente será determinado se ocorrer o sinistro, tendo em vista a álea presente nesse contrato. Permite-se concluir que o seguro de responsabilidade civil facultativo garante dois interesses, o do segurado contra os efeitos patrimoniais da imputação de responsabilidade e o da vítima à indenização, ambos destinatários da garantia, com pretensão própria e independente contra a seguradora.

INTERNET (SÚMULA 529 DO STJ)

Tema dos mais tormentosos no direito securitário é a questão relativa a possibilidade de o terceiro prejudicado ingressar diretamente contra a seguradora do causador do dano, haja vista a contratação por este de um seguro facultativo de responsabilidade civil.

Depois de diversas discussões a respeito dessa questão, sobretudo no âmbito doutrinário, o STJ editou a súmula 529, segundo o qual fixou-se o entendimento de que “No seguro de responsabilidade civil facultativo, não cabe o ajuizamento de ação pelo terceiro prejudicado direta e _exclusivamente_ em face da seguradora do causador do dano”. (g.n.)

A edição da súmula decorreu da ideia de que no seguro de responsabilidade civil facultativo a obrigação da seguradora de indenizar o terceiro tem como pressuposto a prévia caracterização da responsabilidade civil do segurado, de modo a tornar sua presença no processo imprescindível, para, como melhor conhecedor dos fatos, apresentar a defesa cabível. A seguradora, sozinha, não teria essa condição, daí porque, ferido estaria o direito ao devido processo legal e ampla defesa se assim fosse permitido.

Estabelecida aludida premissa, a 3ª Turma do STJ, no último dia 24/10/2017, no julgamento do REsp 1.584.970-MT, de relatoria do Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, admitiu como válida a ação direta da vítima em face da seguradora do causador dos danos, sem que este compusesse o polo passivo.

A notícia da decisão aparentemente deu a incorreta sensação de ser ela contraditória com o texto da súmula 529 do STJ, contudo, depois de uma leitura mais atenta, verifica-se que o entendimento manifestado no caso em concreto – ao fim e ao cabo – não conflita com o que está consagrado no verbete sumular, por cuidar de situação diversa daquela que a originou.

No caso analisado, a responsabilidade civil do segurado era fato incontroverso e anterior ao processo judicial, uma vez que por este reconhecida administrativamente junto à sua seguradora, que, inclusive, a aceitou, tanto que indenizou a vítima diretamente em parte de seus danos, recusando ou assim não procedendo em relação a outros igualmente pleiteados.

A ação em si buscava apenas e tão somente complementação da indenização decorrente de uma relação jurídica de direito material supervenientemente surgida entre a vítima e a seguradora do causador do dano, logo, a presença do segurado era mesmo prescindível, afinal de contas sua responsabilidade não era objeto da discussão, que se restringiu a apuração dos danos.

Apenas para ilustrar, a decisão do STJ de certa maneira se harmoniza com a lei portuguesa que regula o seguro naquele país (Decreto-Lei 72/2008) e que prevê no artigo 140º, item 3, que “O direito de o lesado demandar directamente o segurador verifica-se ainda quando o segurado o tenha informado da existência de um contrato de seguro com o consequente _início de negociações directas entre o lesado e o segurador_”.

Ou seja, no caso avaliado pelo STJ, ocorreram negociações diretas entre a vítima e a seguradora do causador do dano, depois, como já dito, de superada a análise da responsabilidade civil, razão pela qual entendo acertado o que restou decidido.

Mas cabe ressalvar que a admissão da ação direta nesse contexto não pressupõe a responsabilidade ilimitada da seguradora em substituição do causador do dano. A vítima, optando por ingressar apenas em face do segurador, deve estar ciente que a condenação deste não poderá ir além dos limites do contrato de seguro, o qual, pode não ser suficiente para abarcar a integralidade dos prejuízos.

253
Q

Qual a consequência da inobservância do art. 787, parágrafo terceiro, do CC?

Art. 787. No seguro de responsabilidade civil, o segurador garante o pagamento de perdas e danos devidos pelo segurado a terceiro.

[…]

§ 3º Intentada a ação contra o segurado, dará este ciência da lide ao segurador.

A

[…]

O § 3o do artigo examinado dispõe que, ajuizada ação de ressarcimento contra o segurado, deverá ele dar ciência do fato ao segurador, sem que se diga, diferentemente do previsto no art. 456 do novo Código, que na forma das leis do processo. Aliás, bem por isso, sustenta o Ministro Eduardo Ribeiro (“Contrato de seguro – alguns tópicos”. In: O novo Código Civil. Domingos Franciulli Netto, Gilmar Ferreira Mendes e Ives Gandra da Silva Martins Filho (coords.). São Paulo, LTr, p. 729-46) que a lei criou, no caso, uma ciência específica, sem previsão no CPC, que vincula o segurador ao que se decidir na demanda em termos de responsabilidade do segurado. Isso, no entanto, afirma o mesmo autor, sem que a falta da cientificação determine qualquer perda de direito regressivo, de resto como também já se entendia para a denunciação da lide (art. 70, III, do CPC/73), a despeito de que dita obrigatória, mas o que alguns vinham reservando, quando muito – já que mesmo nesse caso alterava-se a posição da jurisprudência –, à hipótese da evicção (art. 70, I, do CPC/73). E sem contar que, com a superveniência do novo CPC, nem mais se dispõe obrigatória a denunciação, ao contrário, explicitando-se a possibilidade de posterior ação autônoma (art. 125). Aliás, pela tese exposta, haveria ao segurado a alternativa de cientificar o segurador da demanda indenizatória, a fim de fazê-lo vinculado ao deslinde, ou estabelecer lide regressiva secundária, com a denunciação da lide, cujo cabimento, nas hipóteses de seguro, a reforma processual anterior já havia cuidado de assentar, para permiti-la nos procedimentos de rito sumário (art. 280 do CPC/73, com redação dada pela Lei n. 10.444/2002). Ou seja, para o autor seriam, então, duas medidas diversas, quando, ao que se crê, melhor teria andado o CC determinando a cientificação como providência a ser exercitada, tal qual se dispõe no art. 456, na forma e termos das leis do processo. Ressalve-se, apenas, a todo esse respeito, que hoje é sustentável considerar esteja o segurador vinculado ao ressarcimento se o segurado foi condenado, por conta da relação de direito material de garantia entre ambos existente, independentemente da cientificação. A discussão que se faria possível entre os dois estaria relacionada com as condições da garantia ajustada, mas não com o pagamento imposto ao segurado mercê da condenação judicial a que submetido. Quando muito, poder-se–ia cogitar de o segurador eventualmente pretender demonstrar que a conduta do segurado, mesmo no processo indenizatório, ostentou-se, por exemplo, por alguma omissão probatória, de modo a agravar importe ressarcitório, aí sim, o que a ciência tenderia a afastar. Mas isso, de toda sorte, sem excluir, ainda, a possibilidade de denunciação da lide, e cuja ausência, como já se decidia, não induz perda do direito regressivo.

254
Q

No seguro obrigatório, a seguradora poderá opor à vítima do sisnistro a exceção do contrato não cumprido, se citar o segurado para participar da demanda?

A

Art. 788. Nos seguros de responsabilidade legalmente obrigatórios, a indenização por sinistro será paga pelo segurador diretamente ao terceiro prejudicado.

Parágrafo único. Demandado em ação direta pela vítima do dano, o segurador não poderá opor a exceção de contrato não cumprido pelo segurado, sem promover a citação deste para integrar o contraditório.

Comentários:

[…] Por isso, o prejudicado, quando se trata de seguros obrigatórios, pode mover diretamente a ação contra o segurador, sem que a este seja dado, para eximir-se do pagamento, tal qual o expressa o atual Código, alegar falta de pagamento do prêmio pelo segurado. Nada diverso, repita-se, do que, nos acidentes de automóveis, já previa o art. 7o da Lei n. 6.194/74, com redação dada pela Lei n. 8.441/92, inclusive com a possibilidade de indenização cobrada de qualquer seguradora integrante do consórcio de empresas que operam o seguro obrigatório, por vítima de acidente em que envolvido veículo não identificado, com seguro não realizado ou vencido.

É nesses termos que deve ser compreendida a
parte final do artigo em pauta, não se admitindo que possa a seguradora, de forma alguma, deduzir, em sua defesa, a exceção do contrato não cumprido pelo segurado, mesmo havida a citação deste (v. Súmula n. 257 do STJ). Na verdade, o que se permite é a denunciação da lide pela seguradora, a fim de reaver, em regresso, a indenização que tiver pago. Tal a redação que se tenciona expli-citar com o PL n. 699/2011, já de alteração do CC.

255
Q

Quais os requisitos para que uma pessoa contrato seguro contra o risco de morte de terceiro?

A

Art. 790. No seguro sobre a vida de outros, o proponente é obrigado a declarar, sob pena de falsidade, o seu interesse pela preservação da vida do segurado.

Parágrafo único. Até prova em contrário, presume-se o interesse, quando o segurado é cônjuge, ascendente ou descendente do proponente.

Comentários:
Já desde o CC/1916 era possível entabular contrato de seguro sobre a vida de outrem, portanto que não a do próprio proponente. Ou seja, já se permitia fosse o seguro contratado sobre a própria vida ou sobre a vida de terceiro, apenas que, nessa última hipótese, sob pena de não valer o seguro, o proponente era obrigado a declarar seu interesse pela vida que se garantia, com a entabulação. Esse é o mesmo princípio insculpido no artigo em pauta. Sua redação foi modificada, mas não seu conteúdo. A ideia é a de viabilizar o seguro que compreenda a vida de terceiro, desde que demonstrado que quem realiza o contrato tem interesse na preservação da existência, da sobrevivência daquele cuja vida se segura. Quer di-zer, é preciso ficar demonstrado que o proponente não quer ou torce pela morte do segurado. Caso contrário, estaria aberto caminho para contratações ilícitas, em que se apostasse no falecimento de outrem, a fim de que sobreviesse o pagamento de verba securitária assim especulativa.

Em diversos termos, o contratante deve justificar seu móvel à contratação, declarando concretamente por qual razão interessa-lhe, ao revés, a sobrevivência do terceiro. É o caso de fazer seguro o dependente econômico sobre a vida daquele de quem dependa, do credor a respeito da vida do devedor ou do sócio sobre a vida de outro sócio, nos exemplos de Carvalho Santos (Código Ci­ vil brasileiro interpretado, 5. ed. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1951, v. XIX, p. 397). Não se exigiu, como em outras legislações, que o terceiro consentisse na contratação, como também, ao que se entende, não se dispensou a declaração aqui examinada acaso havido aquele consentimento. A finalidade da norma, afinal, é evitar seguros ilícitos, com risco à vida do terceiro, advindo do interesse do beneficiário na ocorrência do sinistro.

Como está no parágrafo único, presume-se
haver interesse na preservação da vida do terceiro quando este for cônjuge, ascendente ou descendente de quem contrata o seguro, pretendendo-se a esse rol, com ampla razão, incluir o companheiro (PL n. 699/2011, já de alteração do CC; e Enunciado 186 do CEJ), o que deve prevalecer desde que, nesses casos, a relação afetiva existente leve à admissão, a priori, de que existente interesse na sobrevivência do terceiro cuja vida se garante. Mas, ressalva o atual Código, essa presunção é relativa, permitindo-se, portanto, prova em contrário. Em relação ao rol que também estava no parágrafo único do art. 1.472 do CC/1916, não mais nele se inclui o irmão de quem contrata o seguro, destarte exigindo-se a mesma justificação do caput do dispositivo.

Finalmente, fora das hipóteses do parágrafo,
tem-se exigido que o interesse na vida do segurado deva ser econômico, material, de modo a que ele fique evidente e, assim, evitem-se contratações que ao preceito repugnam (por todos: del-gado, José Augusto. Comentários ao novo Código Civil. Sálvio de Figueiredo Teixeira (coord.). Rio de Janeiro, Forense, 2004, v. XI, t. I, p. 727). Não é, todavia, desde o CC anterior, a posição de Clóvis, para quem o interesse, mesmo fora do parágrafo, a rigor em que ele se presume, pode ser de afeição (Código Civil comentado. 4. ed. Rio de Ja-neiro, Francisco Alves, 1939, v. V, p. 234). E, com efeito, parece que o parágrafo, ao contrário de restringir, confirma que o interesse do caput pode ser imaterial, ao dizê-lo presumido no caso dos familiares a que faz alusão. É, afinal, o mesmo interesse, apenas que, se de afeição, por hipótese, com a contingência da maior dificuldade de comprovação.

256
Q

Não havendo indicação de beneficiários no seguro de vida, terá direito à metade da indenização cônjuge que estava separado de fato do segurado no momento de seu falecimento?

A

Art. 792. Na falta de indicação da pessoa ou beneficiário, ou se por qualquer motivo não prevalecer a que for feita, o capital segurado será pago por metade ao cônjuge não separado judicialmente, e o restante aos herdeiros do segurado, obedecida a ordem da vocação hereditária.

Parágrafo único. Na falta das pessoas indicadas neste artigo, serão beneficiários os que provarem que a morte do segurado os privou dos meios necessários à subsistência.

Comentários:

[…]

Omite-se, contudo, o artigo em pauta sobre a
situação do separado de fato. Veja-se que tal não se deu nem mesmo quando se tratou da situação hereditária do cônjuge, cuja vocação sucessória se condicionou à não ocorrência, ao instante da morte, inclusive de separação de fato, há mais de dois anos, a não ser que sem culpa do sobrevivente. Da mesma forma, no art. 1.642, V, do atual Código, quando se regrou a reivindicação de bem comum doado por cônjuge casado a seu concubino, ressalvou-se a separação de fato já existente, porém há mais de cinco anos. Pois também na hipótese do dispositivo em discussão, ao que se entende, deve-se ressalvar a separação de fato. Observe-se que a instituição, por lei, de beneficiários subsidiários, atende a um imperativo de solidariedade familiar. É por isso que, além dos herdeiros, hoje o cônjuge é elencado como tal. Mas, se havida, comprovadamente, separação de fato, rompido está o laço de afetividade que constitui, atualmente, o conteúdo material do casamento. Não por outro motivo é que se permitiu, depois de dois anos dessa separação, o divórcio direto. Aliás, a partir da Emenda n. 66/2010, nem mesmo este tempo ainda se exige. Não se vê sentido, destarte, em destinar metade do capital segurado a quem, no instante da morte, já estava separado de fato do segurado, mesmo que então já lhe fosse dado estabelecer, como beneficiário, eventual companheiro (art. 793).

Art. 1.830. Somente é reconhecido direito sucessório ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estavam separados judicialmente, nem separados de fato há mais de dois anos, salvo prova, neste caso, de que essa convivência se tornara impossível sem culpa do sobrevivente.

Comentários:

[…]

Para evitar essa situação absurda, a interpretação possível, a harmonizar o art. 1.830 com o art. 1.723, § 1o, é a de permanecer o direito sucessório do cônjuge por dois anos se nesse prazo não houver o autor da herança constituído união estável. Se houver união estável, cessa o direito do cônjuge antes dos dois anos, por rompido o vínculo afetivo, que é o valor fundador do direito familiar e, por extensão, do direito sucessório. A formação de união estável é a demonstração inequívoca da ruptura dos laços afetivos com o cônjuge. Surgindo direito sucessório do companheiro, é incompatível com a subsistência do direito do cônjuge.

257
Q

A concunbina do de cujus pode ser beneficiada por seguro instituída em seu favor?

A

Art. 793. É válida a instituição do companheiro como beneficiário, se ao tempo do contrato o segurado era separado judicialmente, ou já se encontrava separado de fato.

Comentários:

[…]

Já se o segurado, ao tempo da instituição, era
casado, não separado judicialmente nem de fato, para preservar tal relação, proíbe-se a instituição como beneficiário do seguro de quem então será considerado seu concubino (art. 1.727). Ressalva-se, contudo, a posição externada na obra de Caio Mário da Silva Pereira, atualizada por Re-gis Fichtner (Instituições de direito civil, 11. ed. Rio de Janeiro, Forense, 2004, v. III, p. 465), de que, a rigor, a verificação sobre a situação civil do segurado deve ser contemporânea não ao contrato, mas ao instante da morte; assim, se no momento do falecimento o beneficiário se encontrava separado de fato ou judicialmente, terá sido como que convalidada a instituição. Se esta não é a ilação literal da redação do dispositivo, parece razoável ao menos que, a exemplo do que consta do art. 550 do atual Código e como já se defendia à luz do art. 1.474 do anterior (v. g., carvalho santos, J. M. Código Civil brasileiro interpretado, 5. ed. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1951, v. XIX, p. 407), se restrinja ao cônjuge, ou a seus herdeiros necessários, a legitimidade exclusiva para questionar o seguro feito ao concubino, à simetria, veja-se, com aquela regra do art. 550.

Art. 550. A doação do cônjuge adúltero ao seu cúmplice pode ser anulada pelo outro cônjuge, ou por seus herdeiros necessários, até dois anos depois de dissolvida a sociedade conjugal.

258
Q

No seguro de pessoas, há sub-rogação nos direito do segurado no caso de ter ele sofrido danos provocados por terceiro?

A

Art. 800. Nos seguros de pessoas, o segurador não pode sub-rogar-se nos direitos e ações do segurado, ou do beneficiário, contra o causador do sinistro.

Comentários:

A disposição do presente artigo significa uma
exceção à regra da sub-rogação que está no preceito do art. 786, não só porque, como muito se sustenta, no seguro de pessoa, de que aqui se trata, cobre-se evento atinente à vida ou às faculdades pessoais do segurado, que, falecido, nada transfere, como nada transfere o beneficiário, afinal quanto a direito que não é seu, mas sobretudo porque a quantia que pelo sinistro se paga não representa qualquer reposição do patrimônio desfalcado, assim calculável, e sim a entrega de soma aleatória, estimada pelas partes contratantes, incompatível, destarte, com a ideia de sub-rogação (veja martins, João Marcos Brito. O contrato de seguro. Rio de Janeiro, Forense Uni-versitária, 2003, p. 155-6). É de lembrar, a propósito, que a sub-rogação se dá pelo pagamento que o segurador faz de dívida do terceiro causador do sinistro, no seguro de dano, mensurado exatamente por quanto seja o importe desse prejuízo causado. Pois no seguro de pessoa não há, justamente, um valor de prejuízo que o segurador paga, no lugar do causador do evento, assim sub-rogando-se no direito do prejudicado de lhe cobrar a mesma importância. O que o segurado, ou o beneficiário, recebe não é o valor de um prejuízo provocado, mas uma soma aprioristicamente fixada, arbitrada, a forfait, no contrato. Daí a inexistência, no contrato de seguro de pessoa, do direito à sub-rogação do segurador, porquanto incompatível com um valor de seguro estipulado pelo próprio segurador e pelo segurado.

259
Q

Em que consiste a cláusula de sinistrabilidade?

A

Art. 801. O seguro de pessoas pode ser estipulado por pessoa natural ou jurídica em proveito de grupo que a ela, de qualquer modo, se vincule.

§ 1 o O estipulante não representa o segurador perante o grupo segurado, e é o único responsável, para com o segurador, pelo cumprimento de todas as obrigações contratuais.

§ 2 o A modificação da apólice em vigor dependerá da anuência expressa de segurados que representem três quartos do grupo.

Comentários:

[…]

Anote-se, ainda, ser comum a inserção, em
contratos coletivos, de cláusula prevendo a elevação do prêmio conforme índice de aumento, periodicamente medido, dos eventos cobertos. É a chamada cláusula de sinistralidade
, que a jurisprudência, como se vê do item abaixo, tem admitido. Porém, há de se ressalvar, embora não se negue que o ajuste nasça e se deva manter de acordo com uma mesma equação equilibrada, de sorte a evitar exagerada desproporção na distribuição das vantagens e ônus contratuais,isto não significa autorização para alterações unilaterais e efetivadas longe da devida informação ao parceiro contratual, um dos deveres anexos que a boa-fé objetiva, na sua função supletiva, sabidamente impõe à relação obrigacional. Em diversas palavras, na sua função supletiva, a boa-fé objetiva consiste em dotar, suprir, enriquecer o vínculo obrigacional com deveres, chamados anexos ou laterais, que são, justamente, de conduta leal, de colaboração, verdadeiramente de cooperação (por todos: Clóvis do Couto e Silva. A obri­ gação como processo. Bushatsky, 1976, p. 111-9). Ou seja, mesmo não discutida, propriamente, a previsão da sinistralidade, remanesce, de toda sorte, exigência relativa à forma de previsão e de
sua implementação, garantindo prévia ciência e detida demonstração aos segurados.

Mas, tem-se de ir além e, assim, invadir o próprio exame da essência da cláusula de sinistralidade, confrontada com a forma pela qual, via de regra, vem vazada nos contratos de seguro. A rigor, segundo se entende, somente se poderia compreender semelhante previsão como uma forma de gatilho provisório em que, demonstrado, convenientemente, excessivo aumento dos sinistros, veja-se, fora da álea normal ínsita ao contrato, e enquanto ele se mantivesse, houvesse automática recomposição do fundo mutualístico em que, afinal, se constitui o seguro. Mas, frise-se, cessada a sua incidência uma vez tornada a sinistralidade aos níveis anteriores. Não, portanto, um simples índice que é sempre de aumento – não prevista qualquer redução do prêmio pela queda dos níveis de sinistralidade – e que eleva sobremaneira o valor do prêmio, inclusive sobre o que depois incidem mais os reajustes comuns. Ou seja, uma elevação que, assim, se mantém sem que haja a mesma previsão, todavia, de redução se a sinistralidade voltar aos índices anteriores.

Note-se, prevista como simples índice de majoração segundo percentual de elevação dos sinistros, a cláusula de sinistralidade, antes que um fator de reequilíbrio, desloca completamente o risco do contrato para o segurado, como se houvesse um seguro favorável ao segurador dentro do próprio contrato de seguro. Isto é, uma cláusula de proteção não do equilíbrio contratual, mas sim uma cláusula unilateral de segurança para o segurador e mesmo de indevido benefício propiciado por elevações constantes do prêmio, em patamares exagerados e incorporados ao preço.

E ainda não é só. Conforme se ressaltou em
voto vencido proferido no aresto citado a seguir, do STJ, “a utilização de artifícios para redimensionar os riscos inerentes ao contrato possibilita às operadoras mascarar o preço real dos planos de saúde, oferecendo o serviço a custos iniciais baixos e atrativos, de forma a captar clientes, sabendo de antemão que, ao longo da execução do acordo, poderá unilateralmente reajustar as mensalidades de modo a reduzir os riscos assumidos, em detrimento dos conveniados, rompendo o binômio risco-mutualismo, próprio dos contratos de seguro” (voto vencido, REsp n. 1.102.848/SP, j. 03.08.2010).

RECURSO ESPECIAL ? CONTRATO DE SEGURO-SAÚDE DE REEMBOLSO DE DESPESAS MÉDICO-HOSPITALARES ? PLANO EMPRESARIAL ? CONTRATO FIRMADO ENTRE O EMPREGADOR E A SEGURADORA ? NÃO-APLICAÇÃO DO CDC - CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - E DA HIPOSSUFICIÊNCIA NA RELAÇÃO ENTRE AS EMPRESAS CONTRATANTES ? CONTRATO ONEROSO ? REAJUSTE ? POSSIBILIDADE ? ARTIGOS 478 e 479 DO CÓDIGO CIVIL ? RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO.
I - Trata-se de contrato de seguro de reembolso de despesas de assistência médica e/ou hospitalar, firmado entre duas empresas.
II - A figura do hipossuficiente, que o Código de Defesa do Consumidor procura proteger, não cabe para esse tipo de relação comercial firmado entre empresas, mesmo que uma delas seja maior do que a outra e é de se supor que o contrato tenha sido analisado pelos advogados de ambas as partes.
III - Embora a recorrente tenha contratado um seguro de saúde de reembolso de despesas médico-hospitalares, para beneficiar seus empregados, dentro do pacote de retribuição e de benefícios que oferta a eles, a relação da contratante com a seguradora recorrida é comercial.
IV - Se a mensalidade do seguro ficou cara ou se tornou inviável paras os padrões da empresa contratante, seja por variação de custos ou por aumento de sinistralidade, cabe ao empregador encontrar um meio de resolver o problema, o qual é de sua responsabilidade, pois é do seu pacote de benefícios, sem transferir esse custo para a seguradora. A recorrida não tem a obrigação de custear benefícios para os empregados da outra empresa.
V - A legislação em vigor permite a revisão ou o reajuste de contrato que causa prejuízo estrutural (artigos 478 e 479 do Código Civil ? condições excessivamente onerosas). Não prospera o pleito de anulação da cláusula de reajuste, pois não se configura abusividade o reequilíbrio contratual.
VI ? Recurso especial improvido.
(REsp 1102848/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Rel. p/ Acórdão Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 03/08/2010, DJe 25/10/2010)

260
Q

O seguro de assistência à saúde é seguro de pessoa?

A

Art. 802. Não se compreende nas disposições desta Seção a garantia do reembolso de despesas hospitalares ou de tratamento médico, nem o custeio das despesas de luto e de funeral do segurado.

Comentários:
O CC/2002, no artigo presente, quer explici-tar que o seguro de assistência funeral e o segu-ro de assistência à saúde não são modalidades de seguro de pessoa, mas sim de seguro de dano. Ou seja, a contratação que tenha por base custear despesas de funeral ou médico-hospitalares, mui-to embora na dependência de evento que afete a pessoa do segurado, são seguros de dano, como tal regrados, razão pela qual, então, não se lhes aplicam as disposições da Seção III, fechada pelo artigo ora em discussão.

261
Q

O contrato de constituição de renda pode ser celebrado verbalmente?

A

Art. 807. O contrato de constituição de renda requer escritura pública.

262
Q

No contrato de constituição de renda que beneficie de forma indistinta duas pessoas, se uma morrer, terá a sobrevivente direito ao valor total da renda?

A

Art. 812. Quando a renda for constituída em benefício de duas ou mais pessoas, sem determinação da parte de cada uma, entende-se que os seus direitos são iguais; e, salvo estipulação diversa, não adquirirão os sobrevivos direito à parte dos que morrerem.

263
Q

Pode se seguradora nega a renovação de apólice de seguro de vida por conta da idade do segurado?

A

Enunciado n. 542 da CJF: A recusa de renovação das apólices de seguro de vida pelas seguradoras em razão da idade do segurado é discriminatória e atenta contra a função social do contrato.

Justificativa:

Nos seguros de vida, o avanço da idade do segurado representa agravamento do risco para a seguradora. Para se precaverem, as seguradoras costumam estipular aumento dos prêmios conforme a progressão da idade do segurado ou, simplesmente, comunicar-lhe, às vésperas do término de vigência de uma apólice, o desinteresse na renovação do contrato. Essa prática implica, em muitos casos, o alijamento do segurado idoso, que, para contratar com nova seguradora, poderá encontrar o mesmo óbice da idade ou enfrentar prêmios com valores inacessíveis. A prática das seguradoras é abusiva, pois contraria o art. 4º do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741, de 01/10/2003), que dispõe: “Nenhum idoso será objeto de qualquer tipo de negligência, discriminação, violência, crueldade ou opressão, e todo atentado aos seus direitos, por ação ou omissão, será punido na forma da lei”. A prática também é atentatória à função social do contrato. A cobertura de riscos é da essência da atividade securitária, assim como o mecanismo distributivo. Os cálculos atuariais permitiriam às seguradoras diluir o risco agravado pela idade entre toda a massa de segurados, equalizando os prêmios em todas as faixas de idade, desde os mais jovens, sem sacrificar os mais idosos. A recusa discriminatória de renovação dos contratos de seguro representa abuso da liberdade de contratar das seguradoras e atenta contra a função social do contrato de seguro, devendo, como tal, ser coibida.

264
Q

O que são obrigações naturais?

A

Art. 814. As dívidas de jogo ou de aposta não obrigam a pagamento; mas não se pode recobrar a quantia, que voluntariamente se pagou, salvo se foi ganha por dolo, ou se o perdente é menor ou interdito.

§ 1º Estende-se esta disposição a qualquer contrato que encubra ou envolva reconhecimento, novação ou fiança de dívida de jogo; mas a nulidade resultante não pode ser oposta ao terceiro de boa-fé.

§ 2º O preceito contido neste artigo tem aplicação, ainda que se trate de jogo não proibido, só se excetuando os jogos e apostas legalmente permitidos.

§ 3º Excetuam-se, igualmente, os prêmios oferecidos ou prometidos para o vencedor em competição de natureza esportiva, intelectual ou artística, desde que os interessados se submetam às prescrições legais e regulamentares.

Comentários:

[…]

Tradicionalmente, e em especial com fundamento na entrevisão de dois elementos essenciais no vínculo obrigacional, o débito e a responsabilidade (teoria dualista da obrigação), sempre foi costume definir a obrigação natural, também e por isso chamada imperfeita, todavia jurídica, como aquela com todos os seus elementos integrantes, ou seja, sujeito (credor e devedor), objeto (prestação) e a relação vinculativa, mas aqui, a despeito da existência de um débito, sem a responsabilidade do devedor, isto é, sem garantia efetivável por meio do direito de ação, assim sem a coercibilidade.

Certo que hoje, inclusive conforme preceitos
expressos de outras legislações (v. g., art. 2.034 do CC italiano e art. 402 do CC português), se venha defendendo a ideia de que a obrigação natural represente mesmo um dever extrajurídico, mas a que o direito, porquanto integrado a outros sistemas normativos de conduta, para além do subsistema jurídico, reconhece um efeito, justamente o da irrepetibilidade do voluntário pagamento, tudo como imperativo de justiça, como corolário de uma regra social de conduta, segundo a qual se aceita um dever de honrar dívidas de jogo ou aposta, destarte quando adimplidas, pela vontade do devedor, operando o direito para evitar a repetição, desse modo preservando-se solução de equidade, impedindo o retorno a uma situação de injustiça (ver noronha, Fernando. Di­ reito das obrigações. São Paulo, Saraiva, 2003, v. I, p. 232-4). […]

265
Q

Aquele que despendeu dinheiro com jogo proibido pode reavê-lo?

A

Art. 814. As dívidas de jogo ou de aposta não obrigam a pagamento; mas não se pode recobrar a quantia, que voluntariamente se pagou, salvo se foi ganha por dolo, ou se o perdente é menor ou interdito.

§ 1º Estende-se esta disposição a qualquer contrato que encubra ou envolva reconhecimento, novação ou fiança de dívida de jogo; mas a nulidade resultante não pode ser oposta ao terceiro de boa-fé.

§ 2º O preceito contido neste artigo tem aplicação, ainda que se trate de jogo não proibido, só se excetuando os jogos e apostas legalmente permitidos.

§ 3º Excetuam-se, igualmente, os prêmios oferecidos ou prometidos para o vencedor em competição de natureza esportiva, intelectual ou artística, desde que os interessados se submetam às prescrições legais e regulamentares.

Art. 883. Não terá direito à repetição aquele que deu alguma coisa para obter fim ilícito, imoral, ou proibido por lei.

Comentários:

[…]

“Bem de ver, todavia, que boa parte da doutrina, antes da edição do CC/2002, por exemplo tal qual já defendia Orlando Gomes (Contratos, 9. ed. Rio de Janeiro, Forense, 1983, p. 484), sustentava que os jogos proibidos não ensejavam nem mesmo uma obrigação natural, portanto inclusive sem o efeito da soluti retentio, ao revés, configurando contrato nulo de todo. De fato, acentua, já sob a égide do CC/2002, Fernando Noronha (op. cit., p. 233) que, a rigor, o regramento presente, no seu todo, aplica-se aos jogos tolerados, reservando-se ao pagamento de dívidas oriundas de jogos proibidos a concorrência da disposição do art. 883, destarte não se permitindo ao pagador recobrar, porém igualmente não se admitindo a retenção pelo recebedor.”

266
Q

Pode-se estipular fiança contra a vontade do devedor?

A

Art. 820. Pode-se estipular a fiança, ainda que sem consentimento do devedor ou contra a sua vontade.

267
Q

A fiança pode ser celebrada antes da constituição da obrigação a que se refira?

A

Art. 821. As dívidas futuras podem ser objeto de fiança; mas o fiador, neste caso, não será demandado senão depois que se fizer certa e líquida a obrigação do principal devedor.

Comentários:

[…]

Vai mais além a doutrina, assentando que a
fiança pode ser contratada separadamente da obrigação principal, antes ou depois dela. Contratada antes, também haverá o contrato de garantia já aperfeiçoado, mas na dependência de uma obrigação principal que se venha constituir e tornar-se líquida e certa. Nesse sentido, exemplifica Washington de Barros Monteiro com a fiança prestada para garantir a futura gestão de alguém à frente de um caixa bancário, somente sendo exigível a fiança se e quando essa obrigação principal se fixar com exatidão, com preciso conhecimento de seu alcance (Curso de direito civil, 34. ed. São Paulo, Saraiva, 2003, v. V, p. 380).

268
Q

Obrigações nulas podem ser objeto de fiança? E as anuláveis?

A

Art. 824. As obrigações nulas não são suscetíveis de fiança, exceto se a nulidade resultar apenas de incapacidade pessoal do devedor.

Parágrafo único. A exceção estabelecida neste artigo não abrange o caso de mútuo feito a menor.

Comentários:

Por encerrar uma obrigação acessória, dependente de outra principal, dispõe o artigo em comento, sem diferença do que continha o CC/1916, que a fiança não pode ser dada para garantir obrigação nula. Ou seja, nula a obrigação principal, como regra, nula a fiança.

Desde a anterior legislação, porém, já ressalvava Clóvis Bevilaqua o que, a seu ver, era uma impropriedade da lei, porquanto de nulidade não se pretendeu tratar no texto projetado, eis que óbvia, sendo dispensável dizê-lo, na verdade tendo se tencionado aludir à obrigação anulável, também impassível de fiança, salvo quando sua causa fosse a incapacidade do devedor (Código Civil comentado, 4. ed. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1939, v. V, p. 253).

O fato, porém, é que ambos os Códigos, anterior e atual, acabaram mencionando a impossibilidade de afiançar obrigação nula, exceto se proveniente a nulidade da incapacidade do devedor. Sendo assim, sustenta Lauro Laertes de Oliveira, por exemplo, que as obrigações anuláveis, até porque passíveis de confirmação e convalidação, são afiançáveis, mas ressalvando que, uma vez anuladas, anula-se, por conseguinte, a fiança (Da fian­ ça. São Paulo, Saraiva, 1986, p. 11).

De qualquer forma, quando a invalidade da
obrigação principal resultar da incapacidade pessoal do devedor, então aí a fiança subsistirá, mesmo invalidada a obrigação principal. Ou, por outra, não pode então se escusar o fiador a pretexto de que é inválida a obrigação principal. Isso porque, na verdade, nesses casos tem-se, de novo na lição de Clóvis (op. cit.), que o fiador garante o credor contra os riscos da incapacidade do devedor, não integrante, como se viu no comentário ao art. 820, do contrato fidejussório, consumável sem sua oitiva ou contra sua vontade. Uma questão, porém, se coloca caso o fiador desconheça a incapacidade do devedor cuja dívida afiança, tanto mais pela impossibilidade de alegar isso em seu favor, consoante regra do art. 837 do CC. Nessa hipótese, sustenta-se somente deduzível pelo fiador, diante do credor, eventual vício de vontade que a respeito tenha ocorrido, com a contingência da prova dos requisitos respectivos (v. g., oliveira, Lauro Laertes de. Op. cit., p. 11). Outra questão é a superveniência do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei n. 13.146/2015) e a cogitação sobre se, diante de seu art. 6o e da alteração dos arts. 3o e 4o do CC, não haveria redução do âmbito de incidência do preceito em comento desde que a deficiência se assenta não afetar a capacidade, no caso, do devedor. Vale, todavia, a anotação que, a respeito, se faz no art. 826, adiante (v. ainda comentários aos arts. 814 e 928), no sentido de que o referido art. 6o deve ser compreendido em consonância com seus próprios incisos e com o art. 85, assim para garantir a quem padeça de qualquer impedimento mental ou intelectual (art. 2o) a plena autonomia, nos limites da deficiência, para a prática de atos existenciais, preservados, porém, os efeitos comuns protetivos no campo econômico patrimonial. Veja-se que, mesmo diante da alteração dos arts. 3o e 4o do CC, mantida a curatela a quem não possa exprimir sua vontade, conferida legitimidade ao Ministério Público para requerê-la justo nos casos, entre outros, de deficiência mental ou intelectual (arts. 1.767 e 1.769 e abstraída o debate sobre a superveniência do art. 748 do novo CPC, sobre o que se remete o leitor aos comentários aos preceitos citados), cabendo ao juiz definir os seus limites, segundo as potencialidades do curatelado, circunscritos bem aos atos patrimoniais do art. 1.782 (art. 1.772), considera-se de manter hígido o sistema protetivo em favor daqueles que não apresentem pleno discernimento, a despeito de não se os reputarem incapazes, propria-mente, todavia, insista-se, ainda sujeitos a providências tutelares ou assecuratórias, em particular no campo das situações jurídicas patrimoniais.

Por fim, o parágrafo único do artigo em questão estabelece, a rigor, uma exceção à exceção que já se contém no caput. Ou seja, a fiança se invalida se nula ou se, anulável, vem a ser anulada a obrigação afiançada. Isso não ocorrerá, todavia, se a causa da invalidade for a incapacidade do devedor afiançado. Mas, aí a norma do parágrafo, mesmo nessa hipótese de incapacidade do devedor, a fiança não subsistirá se dada a menor aquem concedido um mútuo. Em diversos termos, se se afiança um mútuo feito a menor, então também a fiança, nessa hipótese, seguirá o mesmo caminho da obrigação principal, de resto como corolário da regra textual do art. 588 do CC/2002, segundo a qual o mútuo feito a menor, sem devida autorização, não pode ser reavido do mutuário e nem dos fiadores, frise-se, salvo nas hipóteses do art. 589.

269
Q

A fiança conjutamente prestada a um só débito por mais de uma pessoa importa no compromisso de solidariedade entre elas?

A

Art. 829. A fiança conjuntamente prestada a um só débito por mais de uma pessoa importa o compromisso de solidariedade entre elas, se declaradamente não se reservarem o benefício de divisão.

Parágrafo único. Estipulado este benefício, cada fiador responde unicamente pela parte que, em proporção, lhe couber no pagamento.

270
Q

O fiador pode ajuizar ação de despejo contra o afiançado em caso de inadimplemento?

A

Art. 834. Quando o credor, sem justa causa, demorar a execução iniciada contra o devedor, poderá o fiador promover-lhe o andamento.

Comentários:

[…]

Dispõe a lei que a providência versada somente se possibilita quando o credor demorar, sem justo motivo, o andamento da execução. Nada mais senão o conceito de abuso, genericamente previsto no art. 187 do CC, a que se remete o leitor, o que caberá ao juiz aferir, no caso concreto, independentemente de prazo que, afinal, o legislador não estabeleceu a priori, malgrado servientes, todavia só como um critério, os trinta dias previstos no art. 485, III, do CPC/2015 e art. 267, III, do CPC/73. Para Lauro Laertes de Oliveira, deve-se admitir não só o prosseguimento como o próprio ajuizamento da ação de execução, pelo fiador, no interesse do credor, contra o devedor afiançado (Da fiança. São Paulo, Saraiva, 1986, p. 67).

Na mesma esteira, forte na lição de Alessandro
Segalla e de Biasi Ruggiero, o Ministro José Augusto Delgado cogita mesmo de o fiador poder ajuizar inclusive ação de despejo por falta de pagamento contra o devedor afiançado, de novo no interesse imediato do credor, mas em última análise no seu próprio, dado que, assim, limita a extensão da garantia prestada, que se pode alongar por inércia do locador que abusivamente protrai o exercício de seu direito (Comentários ao novo Có­ digo Civil. teixeira, Sálvio de Figueiredo (coord.). Rio de Janeiro, Forense, 2004, v. XI, t. II, p. 257-65). Seria também um caso de legitimação extraordinária, ou de substituição processual, para os autores citados, mas sempre à consideração de que das pessoas se espera – e mesmo impõe a própria CF, no art. 3o, I – comportamento leal, pautado pelo solidarismo, que destarte reclama relação de colaboração, de tal modo que a demora no exercício do direito, pelo credor, mesmo que sem esse deliberado propósito, eis que aqui se cogita da boa-fé objetiva (v. g., arts. 113, 187 e 422), pode bem prejudicar o fiador, por isso que então ficando a ele facultadas as medidas aqui cogitadas e, particularmente, aquela disposta no artigo em comento.

271
Q

A obrigação do fiador é transmitida com a herança?

A

Art. 836. A obrigação do fiador passa aos herdeiros; mas a responsabilidade da fiança se limita ao tempo decorrido até a morte do fiador, e não pode ultrapassar as forças da herança.

272
Q

Aponte ao menos duas situações que desobrigam o fiador.

A

Art. 838. O fiador, ainda que solidário, ficará desobrigado:

I - se, sem consentimento seu, o credor conceder moratória ao devedor;

II - se, por fato do credor, for impossível a sub-rogação nos seus direitos e preferências;

III - se o credor, em pagamento da dívida, aceitar amigavelmente do devedor objeto diverso do que este era obrigado a lhe dar, ainda que depois venha a perdê-lo por evicção.

Art. 839. Se for invocado o benefício da excussão e o devedor, retardando-se a execução, cair em insolvência, ficará exonerado o fiador que o invocou, se provar que os bens por ele indicados eram, ao tempo da penhora, suficientes para a solução da dívida afiançada.

273
Q

A transação realmente constitui um contrato?

A

Art. 840. É lícito aos interessados prevenirem ou terminarem o litígio mediante concessões mútuas.

Comentários:

Diferentemente do CC/1916, o atual CC cuidou do instituto da transação no título destinado ao regramento dos contratos, de resto da mesma forma com que procedeu em relação ao compromisso. Veja-se que, no Código Bevilaqua, ambos, transação e compromisso, vinham dispostos como efeito das obrigações, dentre as suas formas de extinção indireta, aquelas que se davam sem que houvesse pagamento, portanto tal como a novação, compensação, confusão e remissão.

Tem-se então, no CC/2002, superada a divergência que antes se erigia sobre a natureza contratual da transação, hoje textualmente reconhecida, que outrora se criticava ao argumento de que, por meio dela, não se criavam ou transferiam direitos, em essência, embora, a rigor, nada o impedisse, de resto como se infere, por exemplo, da norma do art. 845, infra. Mas, bem de ver que, já no projeto de Código das Obrigações de 1965, a transação havia sido alocada entre os contratos, segundo observação de Caio Mário, seu autor, por pressupor dupla manifestação de vontade (Instituições de direito civil, 11. ed. Rio de Janeiro, Forense, 2004, v. III, p. 507). Afinal, seguiu o CC/2002 a mesma tendência, não diversa de outros Códigos, como o português (art. 1.248) ou o italiano (art. 1.965), todavia explícitos no asseverar que a transação pode envolver a criação ou constituição de novos direitos, o que, se no nosso sistema não se veda, ao menos não se expressa, ao que se verá quando do comentário ao art. 843.

De mais a mais, fosse só pelo fato de a transação envolver dupla manifestação de vontade e, então, também a novação deveria ter recebido nova topografia no atual CC. A verdade é que todo o questionamento se refere, propriamente, à afirmação tradicional de que a transação seja forma extintiva da obrigação, ademais mediante atividade tão só declarativa das partes.

A propósito, Pontes de Miranda já advertia,
em primeiro lugar, que a transação extingue uma incerteza, uma controvérsia, uma disputa obrigacional, e não necessariamente a obrigação em si, que pode se manter sem a insegurança que antes a tisnava. Em segundo, observava que, nas suas concessões recíprocas, de solução de uma dúvida obrigacional, as partes, na realidade, atuavam sempre modificando uma situação jurídica, de sorte que no mundo jurídico sempre algo se aumentava a fim de eliminar o litígio (Tratado de direito privado, 2. ed. Rio de Janeiro, Borsoi, 1959, t. XXV, § 3.027, n. 1, p. 118, e § 3.028, n. 5, p. 124). Daí se admitir que a transação se configure como verdadeiro contrato, em que as partes acordam sobre dado objeto, alterando o status jurídico antecedente para o fim de eliminar uma incerteza obrigacional, inclusive eventualmente transmitindo direitos, até mesmo reais, ao que soa da previsão do art. 845, e a despeito da redação do art. 843, ao que se volverá.

Art. 843. A transação interpreta-se restritivamente, e por ela não se transmitem, apenas se declaram ou reconhecem direitos.

Art. 845. Dada a evicção da coisa renunciada por um dos transigentes, ou por ele transferida à outra parte, não revive a obrigação extinta pela transação; mas ao evicto cabe o direito de reclamar perdas e danos.

Parágrafo único. Se um dos transigentes adquirir, depois da transação, novo direito sobre a coisa renunciada ou transferida, a transação feita não o inibirá de exercê-lo.

274
Q
A
275
Q

Admite-se a transação sobre direito da personalidade?

A

Art. 841. Só quanto a direitos patrimoniais de caráter privado se permite a transação.

Comentários:

Se, como se vem de afirmar no comentário ao
artigo anterior, a transação envolve, necessariamente, concessões recíprocas que fazem os interessados, com a finalidade de solucionar incerteza obrigacional, assim cada qual deles abrindo mão de parte de seu direito ou interesse, forçoso então que esse direito transacionado seja disponível.

Daí preceituar o dispositivo em comento que
a transação somente pode se referir a direitos patrimoniais de caráter privado. Não se admite, destarte, que transacionem as partes sobre direitos de que não tenham disponibilidade, como os direitos de família, aqui valendo não olvidar que efeitos patrimoniais deles decorrentes são, estes sim, transacionáveis. Por exemplo, não se transaciona o direito aos alimentos, de natureza indisponível, malgrado se permita transação sobre seu importe ou sobre valores já vencidos. Da mesma forma, são intransigíveis os direitos da personalidade (art. 11), embora não o sejam os reflexos patrimoniais deles oriundos, como no caso da exploração da imagem, da voz ou do nome de alguém.

O direito em si é que, nesses casos, é indisponível. Da mesma forma que nos direitos de família chamados puros, também não cabe transação sobre o estado ou capacidade das pessoas, sobre bens fora do comércio, sempre porque, a rigor, atinentes a direitos indisponíveis às partes, destarte sobre os quais elas não podem efetivar concessões recíprocas.

O direito em si é que, nesses casos, é indisponível. Da mesma forma que nos direitos de família chamados puros, também não cabe transação sobre o estado ou capacidade das pessoas, sobre bens fora do comércio, sempre porque, a rigor, atinentes a direitos indisponíveis às partes, destarte sobre os quais elas não podem efetivar concessões recíprocas.

276
Q

Transação efetuado por escritura pública para terminar litígio judicial tem de ser homologada em juízo para surtir efeitos no processo?

A

Art. 842. A transação far-se-á por escritura pública, nas obrigações em que a lei o exige, ou por instrumento particular, nas em que ela o admite; se recair sobre direitos contestados em juízo, será feita por escritura pública, ou por termo nos autos, assinado pelos transigentes e homologado pelo juiz.

Comentários:

[…]

Já quando a transação é extintiva de litígios,
isto é, quando se refira a direitos contestados em juízo, levados à demanda judicial, reclama a lei, no presente artigo, e aqui diversamente do que continha o CC/1916, que, se não efetivada por termo nos autos, seja efetuada por escritura pública. Veja-se então que, sempre que não se a consume por termo nos autos, hoje a transação, com a ressalva que adiante se fará acerca da petição conjunta das partes, deve ser elaborada por escritura pública, quando recair sobre direitos levados a litígio judicial. Porém, a rigor, a lei aparentemente não exige que essa transação extrajudicial seja levada à homologação. Isso se fará, apenas, para os casos da transação efetuada por termo nos autos, aí sim, assinada pelos transigentes e homologada pelo juiz, como está no texto legal.

É bem de ver, todavia, que a homologação é o
ato processual que empresta à transação o efeito da coisa julgada, resolvendo o processo de conhecimento com julgamento de mérito (art. 487, III, b, do CPC/2015; art. 269, III, do CPC/73) e forjando título executivo judicial (art. 515, II e III, do CPC/2015; art. 475-N, III, do CPC/73).
Destarte, posto que levada a cabo extrajudicialmente, se lavrada por escritura pública, é só sua homologação que permitirá a formação de título judicial.Sem a homologação, permanecerá a transação extrajudicial surtindo seus efeitos civis, como negócio jurídico contratual que é, vinculativo aos transatores, portanto (v. item abaixo, da jurisprudência).

Deve-se admitir, contudo, pese embora a exigência hoje de que a transação extintiva, quando extrajudicial, seja lavrada por escritura pública, que a petição das partes, portanto feita fora dos autos, seja a eles levada para homologação, de modo a subsumi-la ao conceito de termo nos autos. Trata-se, afinal, de peça do processo. Sem a necessidade, portanto, de subsequente lavratura de termo próprio de transação, a tanto valendo o petitório das partes, devidamente representadas, de resto por quem tenha poderes especiais para transigir.

RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO. TRANSAÇÃO. MANDATÁRIO COM PODERES ESPECIAIS. VALIDADE. HOMOLOGAÇÃO. CABIMENTO. RECURSO PROVIDO.
1.- A circunstância de constar no instrumento de mandato apenas a designação de “procuração ad judicia”, não lhe retira a validade de poderes especiais constantes expressamente do corpo do instrumento (art. 38 do CPC).
2.- É impossível o arrependimento e rescisão unilateral da transação, ainda que não homologada de imediato pelo Juízo. Uma vez concluída a transação as suas cláusulas ou condições obrigam definitivamente os contraentes, e sua rescisão só se torna possível “por dolo, coação, ou erro essencial quanto à pessoa ou coisa controversa” (Código Civil de 2002, art. 849; CC de 1916, art.
1.030).
3.- Recurso Especial provido.
(REsp 825.425/MT, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/05/2010, DJe 08/06/2010)

277
Q

Na transação, pode haver transmissão de direitos?

A

Art. 843. A transação interpreta-se restritivamente, e por ela não se transmitem, apenas se declaram ou reconhecem direitos.

Comentários:

O artigo presente reproduz idêntico preceito
do CC/1916, vazado no sentido de que a transação se interpreta restritivamente e se limita a propiciar a declaração ou o reconhecimento de direitos pelos transigentes. Certo que, implicando concessões recíprocas, portanto em disposição de direitos, a transação deva ser interpretada de maneira restritiva. Já, porém, a segunda parte do dispositivo parece hoje não se coadunar com a reconhecida natureza contratual da transação, tal qual se viu no comentário ao art. 840, a que ora se remete o leitor. Aliás, mesmo na vigência do CC/1916 já se reconhecia, até em razão do que estava contido no art. 1.032, reproduzido no art. 845 do CC/2002, que a transação podia, sim, envolver transmissão ou modificação de direitos. Aliás, mais ainda, na observação de Pontes, já colacionada no comentário ao art. 840, a transação, quando elimina uma incerteza obrigacional por meio de concessões recíprocas, acaba, forçosamente, alterando uma situação jurídica anterior (Tratado de direito privado, 2. ed. Rio de Janeiro, Borsoi, 1959, t. XXV, § 3.028, n. 5, p. 124). E sem que, de resto, se extinga, de maneira necessária, a obrigação, que pode seguir sem a incerteza que provocava, justamente porque as partes transmitiram ou modificaram recíprocos direitos.

Bem de ver que, como acentua Caio Mário,
em seu projeto de Código das Obrigações tinha sido suprimida esta última parte do artigo em comento, haurido do CC/1916, que limita a transação à declaração ou reconhecimento de direitos (Instituições de direito civil, 11. ed. Rio de Ja-neiro, Forense, 2004, v. III, p. 510).

Enfim, quer parecer que a transação, inclusive tal como hoje alocada no atual CC, no título destinado aos contratos, não se compadece com uma forçosa natureza meramente declarativa, mais se afeiçoando à índole constitutiva, portanto envolvendo a transmissão de direitos, como se expressa, por exemplo, no CC portu-guês (art. 1.248) e no italiano (art. 1.965), quando estabelecem que a transação pode ensejar a criação, modificação ou extinção de direitos.

278
Q

Se a coisa a que disser respeito for indivisível, a transação celebrada por um dos devedores aproveita aos demais?

A

Art. 844. A transação não aproveita, nem prejudica senão aos que nela intervierem, ainda que diga respeito a coisa indivisível.

§ 1 o Se for concluída entre o credor e o devedor, desobrigará o fiador.

§ 2 o Se entre um dos credores solidários e o devedor, extingue a obrigação deste para com os outros credores.

§ 3 o Se entre um dos devedores solidários e seu credor, extingue a dívida em relação aos co-devedores.

279
Q

O erro de direito autoriza a anulação da transação? Justifique. E a lesão?

A

Art. 849. A transação só se anula por dolo, coação, ou erro essencial quanto à pessoa ou coisa controversa.

Parágrafo único. A transação não se anula por erro de direito a respeito das questões que foram objeto de controvérsia entre as partes.

Comentários:

[…]

A ideia é a de que, na transação, as partes já
muito deliberaram sobre o que, afinal, é o ponto de sua controvérsia, não cabendo deduzir que supuseram ou interpretaram mal preceito normativo que a respeito fosse aplicável, sem o que, de resto, se perpetuaria a mesma potencialidade de ou mesmo o litígio já existente que a transação, justamente, destinou-se a prevenir ou extinguir. A crítica justificada ao artigo presente, contida na obra de Caio Mário da Silva Pereira, atualizada por Regis Fichter (Instituições de di­ reito civil, 11. ed. Rio de Janeiro, Forense, 2004, v. III, p. 513), está na sua persistência em aduzir só anulável a transação nos casos que elenca, quando, a rigor, enquanto contrato que é, ela poderia ser atacável por qualquer das causas anulatórias dos ajustes em geral. Poder-se-ia argumentar, por exemplo, que é descabida a anulação por lesão, como se dá na legislação italiana (art. 1.970).

É bem de ver, porém, que, a despeito da natural e refletida ponderação das partes para autocomposição sobre controvérsia que já marca sua relação, quando muito determinando uma aferição mais rigorosa da eventual ocorrência da lesão, importa não olvidar que o instituto, malgrado tratado no CC como causa anulatória dos negócios jurídicos, decorre mesmo de um imperativo constitucional de justiça e equilíbrio nas relações (art. 3o, I), pelo que, a priori, não se considera ser afastável sua incidência, posto que para tanto seja exigível maior rigor na verificação de seus requisitos, sobretudo quando a transação seja extintiva de litígios, assim levada à homologação judicial, que afinal se dê.

Por outro lado, ainda que havida a homologação da transação pelo juiz, não parece inviável conceber-se um desequilíbrio que por ele não fosse aferível, na sua atividade que, afinal, não é, na matéria, propriamente jurisdicional, e sim integrativa de forma (ou juris­integrativa), a posterio­ri, revelando-se dado indicativo daquela congênita desproporção, corrigível pela lesão, deliberada, aí sim, na esfera jurisdicional, com amplitude probatória e plenitude do contraditório.

280
Q

A transação pode ser questionada no mesmo processo em que foi homologada?

A

Finalmente, do ponto de vista processual, discute-se se a transação viciada na forma do preceito pode ser anulada no próprio feito em que consumada ou se, ao contrário, necessariamente se reclama ação própria, autônoma. E a indagação suscita, com efeito, posicionamento divergente, quer na doutrina, quer na jurisprudência.

Humberto Theodoro Júnior, por exemplo, salienta a respeito que “concluído, em forma adequada, o negócio jurídico entre as partes, desaparece a lide, e sem lide não pode o processo ter prosseguimento. Se, após a transação, uma parte se arrependeu ou se julgou lesada, nova lide pode surgir em torno da eficácia do negócio transacional. Mas a lide primitiva já está extinta. Só em outro processo, portanto, será possível rescindir-se a transação por vício de consentimento” (Curso de direito processual civil. Teoria geral e processo de conhecimento. Rio de Janeiro, Foren-se, 2008, p. 370).

Na mesma esteira a lição de Barbosa Moreira,
quando, comentando o art. 486 do CPC/73 (atual art. 966, § 4o, do CPC/2015), admite que o sistema brasileiro “prevê o exercício do direito (potestativo) à eliminação do ato defeituoso em ‘processo distinto’, a cuja instauração dá lugar, precisamente, o ajuizamento da ação de que cuida o dispositivo”, mas ressalvando que “sem que se haja de excluir, contudo, ao menos em certos casos, a possibilidade de discutir-se ‘no próprio feito onde se praticou o ato’ a questão da validade, com evidentíssima vantagem do ângulo da economia processual” (Comentários ao Código de Processo Civil, 11. ed. Rio de Janeiro, Forense, 2003, v. V, p. 164).

Também sob o pálio da economia, a Suprema
Corte, em vetusto aresto, já aceitou discussão sobre a higidez da vontade manifestada em instrumento de transação no próprio processo a que se referia (STF, RE n. 87.171, 2a T., rel. Min. Xa-vier de Albuquerque, j. 17.05.1977). Na mesma senda, assentou o STJ que “atenta contra o princípio da economia processual exigir que a parte ingresse contra outra ação, onde será movimentada novamente a máquina, com os custos que isso implica, inclusive para a sociedade, quando a sentença homologatória foi atacada tempestivamente por recurso e por isso mesmo ainda não transitou em julgado” (STJ, REsp n. 182.763, 3a T., rel. Min. Waldemar Zveiter, j. 29.06.2000).

Diversamente, todavia, o mesmo STJ, agora
pela pena do Ministro Sálvio de Figueiredo, no ano de 2003, decidiu que, havida a transação, não se dá ao transator a possibilidade de aduzir lesão a seus interesses senão em feito próprio, salientando que “pode haver nova lide em torno da transação, mas sua apreciação somente pode ocorrer em outro processo, não no mesmo, em que concluído o ofício jurisdicional” (STJ, 4a T., REsp n. 331.059, j. 26.08.2003).

Pois, ainda mais, não bastasse o fato de que,
com a transação, o litígio se encerra e o ofício jurisdicional, por conseguinte, também se esgota, de se lembrar que a anulatória não raro exigirá dilação probatória própria, de todo distinta do que no feito extinto se discutia. E não é só. Se o argumento favorável à tese diversa, como se viu, é o da economia, tem-se que também deste ângulo de análise a conclusão não se autorize. Afinal, não se olvide que, enquanto não anulada, a transação homologada nos autos produz todos os seus normais efeitos, em que se põe a eventualidade do cumprimento coativo, este sim, a se desenvolver nos mesmos autos, assim em que não se concebe a simultânea discussão de sua validade, com dilação específica concomitante à prática de atos executivos. Portanto, ainda que sob este prisma a ação autônoma parece ser o caminho mais adequado.

Por último, nada se altera mesmo se a transação ainda não tiver sido homologada quando alegado o vício com que supostamente firmada. Isso porque, de novo conforme a lição citada, de Humberto Theodoro, “uma vez, porém, que o negócio jurídico da transação já se acha concluído entre as partes, impossível é a qualquer
delas o arrependimento unilateral, mesmo que ainda não tenha sido homologado o acordo em Juízo. Ultimado o ajuste de vontade, por instrumento particular ou público, inclusive por termo nos autos, as suas cláusulas ou condições obrigam definitivamente os contraentes, de sorte que sua rescisão só se torna possível por dolo, coação ou erro essencial quanto à pessoa ou coisa controversa (CC/2002, art. 849; CC/1916, art. 1.030). Por isso, enquanto não rescindida regularmente a transação, nenhuma das partes pode impedir, unilateralmente, que o juiz da causa lhe dê homologação, para pôr fim à relação processual pendente” (op. cit., p. 370). Daí o STJ ter decidido que o vício de consentimento com que se tenha firmado transação, justamente arguível em ação própria, encerra “óbice que não enseja a não homologação pelo juiz” (REsp n. 666.400, 1a T., rel. Min. Teori Zavascki, j. 19.10.2004).

Obs: Negando vício da transação subscrita pela própria parte, sem seu advogado, mas porque esclarecida, ain­ da que em relação a direitos discutidos em juízo: TJSP, Ap. Cível n. 9160200-81.2007.8.26.0000, 15a Câm. de Dir. Priv., rel. Des. Amorim Cantuária, j. 11.05.2011.

281
Q

Em que consiste o compromisso?

A

Art. 851. É admitido compromisso, judicial ou extrajudicial, para resolver litígios entre pessoas que podem contratar.

Comentários:

O CC/1916 regulava, já, o compromisso, mas,
tal como a transação, inserindo-o entre as formas de extinção das obrigações. Sobreveio, depois, a Lei de Arbitragem (Lei n. 9.307/96), textualmente revogando, como disposto no seu art. 44, os preceitos dos arts. 1.037 a 1.048 do CC/1916, que cuidavam da matéria. Pois agora retoma o atual CC o tratamento legal do compromisso, e no capítulo dos contratos, tal qual se deu com a transação (v. comentário ao art. 840), apenas que de maneira genérica, sem o mesmo detalhamento que se continha no Código revogado, legado à lei especial, inclusive expressamente ressalvada no art. 853, assim sem criar conflito de normas.

Assenta-se, a rigor, a natureza civil, e não puramente processual do compromisso, como se disse um negócio jurídico de índole contratual, todavia cujas regras procedimentais ficam à disciplina da lei especial. Ocupou-se tão somente o atual CC de lhe fixar o conceito e os requisitos. Na verdade, o compromisso muito se aproxima da transação, pelo que o art. 1.048 do CC/1916 inclusive determinava que lhe fossem aplicáveis as respectivas regras. Se na transação as partes contratam no sentido de autocompor sua incerteza obrigacional, uma controvérsia que lhes marque a relação, mediante a realização de concessões recíprocas, no compromisso as partes contratam com a finalidade de entregar a solução dessa mesma insegurança, dessa mesma dúvida obrigacional, a um terceiro, o árbitro. Ou seja, e em diversos termos, por meio do compromisso as partes submetem sua divergência, verdadeiramente, a um juízo privado e especial, que é o juízo arbitral.

282
Q

O gestor de negócio alheio tem direito à remuneração pelo serviço prestado?

A

Art. 869. Se o negócio for utilmente administrado, cumprirá ao dono as obrigações contraídas em seu nome, reembolsando ao gestor as despesas necessárias ou úteis que houver feito, com os juros legais, desde o desembolso, respondendo ainda pelos prejuízos que este houver sofrido por causa da gestão.

§ 1 o A utilidade, ou necessidade, da despesa, apreciar-se-á não pelo resultado obtido, mas segundo as circunstâncias da ocasião em que se fizerem.

§ 2 o Vigora o disposto neste artigo, ainda quando o gestor, em erro quanto ao dono do negócio, der a outra pessoa as contas da gestão.

Comentários:

Basta que o negócio seja adequadamente administrado pelo gestor para que o dono do negócio seja obrigado a cumprir os negócios celebrados em seu nome. Em decorrência da utilidade da atuação do gestor, o dono do negócio fica obrigado a reembolsá-lo pelas despesas úteis e necessárias que houver feito o primeiro.

Aqui no presente caso, diversamente do que
ocorre com as operações arriscadas (art. 868, parágrafo único), o gestor é indenizado tanto pelas despesas úteis quanto pelas necessárias, pois ele se limitou a cuidar do negócio de modo útil, sem realizar ações arriscadas.

Além do reembolso atualizado das despesas,
também incidirão os juros legais sobre a quantia a reembolsar (art. 406). O dispositivo contém inovação relacionada ao texto correspondente do CC/1916. Trata-se de impor ao dono do negócio, além do reembolso de despesas, a obrigação de indenizar os prejuízos que o gestor houver sofrido em decorrência dos atos de
gestão.

Em razão da aparente distinção feita pelo art.
403 entre estes e os lucros cessantes, tais prejuízos poderão compreender aquilo que o gestor deixou de auferir em seu próprio negócio ou atividade, para cuidar dos negócios do terceiro? A interpretação literal levaria a resposta negativa – confiram-se os comentários ao art. 404, parágrafo único, do CC. No entanto, a leitura do disposto no § 1o deste dispositivo permite que se conclua que a utilidade ou a necessidade da interrupção das atividades próprias do gestor podem ser avaliadas à luz das circunstâncias da ocasião e da boa-fé de que tratam os arts. 113 e 422 deste Código.

Art. 403. Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual.

Art. 404. As perdas e danos, nas obrigações de pagamento em dinheiro, serão pagas com atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, abrangendo juros, custas e honorários de advogado, sem prejuízo da pena convencional.

Parágrafo único. Provado que os juros da mora não cobrem o prejuízo, e não havendo pena convencional, pode o juiz conceder ao credor indenização suplementar.

Comentários:

[…]

O parágrafo único do art. 404 do CC autori-za o credor a postular indenização suplementar se os juros de mora não cobrirem seu prejuízo e se não houver pena convencional (ver comentários aos arts. 389 e 408). Muitas vezes, os juros não correspondem ao prejuízo suportado pela vítima. Assim, a regra autoriza a postulação de eventual diferença, denominada indenização su-plementar. É o que ocorre, por exemplo, quando a vítima deixa de receber a remuneração de determinada aplicação financeira superior aos ju-ros de mora. Ou quando a atividade que desen-volveria com a prestação que não lhe foi entregue fosse capaz de produzir o rendimento superior aos juros moratórios.

Para que a indenização suplementar seja possível, porém, será necessário que o credor prove que os juros não cobrem o prejuízo e que não exista pena convencional contratada. No que se refere ao mútuo feneratício, cumpre verificar o art. 591 e os comentários a ele correspondentes.

283
Q

O detentor pode exercer a autodefesa do bem que detém?

A

Enunciado n. 493 da CJF: O detentor (art. 1.198 do Código Civil) pode, no interesse do possuidor, exercer a autodefesa do bem sob seu poder.

284
Q

Quando é justa uma posse?

A

Art. 1.200. É justa a posse que não for violenta, clandestina ou precária.

Comentários:

[…]

Causa possessionis: O que importa, para a caracterização dos vícios, é a razão, a forma de aquisição da posse (causa possessionis). A posse pode ter sido obtida de modo lícito ou ilícito. Quando adquirida por meio objetivo reprovado pelo direito, é posse viciada. Posse justa, portanto, é aquela cuja aquisição não repugna ao direito. Nada impede, porém, que uma posse nascida justa se converta em injusta, especialmente no que se refere ao vício da precariedade. De outro lado, como veremos adiante, a posse nascida injusta somente se converterá em justa se alterada a sua causa possessionis.

285
Q

A violência, para marcar a posse como injusta, tem de ser praticada contra a pessoa do possuidor ou basta que seja praticada contra a coisa?

A

A violência estigmatiza a posse, ainda que exercida contra preposto do legítimo possuidor (Pereira, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil, 18. ed., atualizada por Carlos Edison Rego Monteiro Filho. Rio de Janeiro, Forense, 2002, v. IV, p. 23). A violência, para marcar a posse como injusta, deve ser praticada contra a pessoa do pos-suidor ou também contra a coisa? Embora haja controvérsia a respeito, é razoável que também a violência contra a coisa estigmatize a posse, dado o seu caráter ilícito. À posse violenta se contrapõe a posse mansa e pacífica, ou tranquila, não só durante a aquisição como também durante a sua persistência, matéria que terá relevância para a usucapião. É claro que a resistência do possuidor legítimo à eventual turbação, ou esbulho, não torna injusta a posse. Nesse caso, a autotutela do possuidor molestado é lícita, amparada pelo art. 1.210, § 1o, do CC.

286
Q

O que é um ato jurídico stricto sensu?

A

Ato jurídico stricto sensu é um “fato jurídico que tem por elemento nuclear do suporte fático a manifestação unilateral de vontade cujos efeitos juríidcos são prefixados pelas normas jurídica e invariáveis, não cabeando às pessoas qualquer poder de escolha da categoria jurídica ou de estruturação do conteúdo das respetivas relações”.

287
Q

Para cessar a clandestinidade, deve o esbulhado ter ciência inequívoca de que a coisa acha-se nas mãos do possuidor injusto, ou, em vez disso, basta que o novo possuidor não mais oculte a sua conduta?

A

Art. 1.200. É justa a posse que não for violenta, clandestina ou precária.

Comentários:

A posse é clandestina (clam) quando se adquire via processo de ocultamento em relação àquele contra quem é praticado o apossamento (pereira, Caio Mário da Silva. Op. cit., p. 23). É um defeito relativo: oculta-se da pessoa que tem interesse em retomar a posse, embora possa ser ela pública para os demais. Na violência, retira-se o poder de reação do possuidor, que conhece a agressão à sua posse. Na clandestinidade, o possuidor não percebe a violação de seu direito, e por isso não pode reagir. Questão relevante é saber se para cessar a clandestinidade deve o esbulhado ter ciência inequívoca de que a coisa acha-se nas mãos do possuidor injusto ou, em vez disso, basta que o novo possuidor não mais oculte sua conduta. O melhor entendimento é que não há necessidade de que a vítima tenha efetivo conhecimento do esbulho, mas que o esbulhador torne possível à vítima conhecê-lo (pinto, Nelson Luiz. Ação de usucapião. São Paulo, RT, 1987, p. 107-8). Torna-se pública a posse quando nasce para a vítima a possibilidade de conhecer o esbulho.

É fundamental lembrar que, nos exatos termos do art. 1.208 do CC, não autorizam a aquisição da posse os atos violentos e clandestinos, enquanto perdurar a violência e a clandestinidade. Enquanto perduram os ilícitos, há mera detenção. Somente quando cessam é que nasce posse, mas injusta, porque a sua origem é ilícita. A matéria será mais bem abordada adiante, no comentário ao art. 1.208 do CC.

Art. 1.224. Só se considera perdida a posse para quem não presenciou o esbulho, quando, tendo notícia dele, se abstém de retornar a coisa, ou, tentando recuperá-la, é violentamente repelido.

Comentários:

O art. 1.208 do CC, anteriormente comentado, dispõe que não autorizam a aquisição da posse os atos violentos ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade. Enquanto persiste a clandestinidade, portanto, tem o ocupante singela detenção, porque oculta a situação do verdadeiro possuidor, impossibilitando a sua reação.

Ao tomar conhecimento da ocupação da coisa por parte de terceiro, três condutas se abrem ao possuidor, a saber: a) expulsa o intruso, usando da autotutela, caso em que se considera que a posse nem chegou a se perder; b) tenta retomar a coisa, sendo repelido por terceiro; neste momento a detenção se converte em esbulho, marcada pelo vício original da clandestinidade; ou c) tomando conhecimento da ocupação, permanece inerte, caso em que, mais uma vez, a detenção do terceiro se converte em posse injusta, porque adquirida de modo ilícito.

O preceito deve ser interpretado com cautela,
para evitar o excessivo alargamento da autotutela. O termo temporal da perda da posse, “quando, tendo notícia do esbulho”, deve ser lido como quando teve o possuidor real conhecimento, ou poderia ter conhecido o esbulho. Não tem sentido que a conduta culposa do possuidor, descurando-se daquilo que lhe pertence, postergue o momento da perda da posse, ou amplie a possibilidade do uso da autotutela. Entender o contrário teria o efeito de penalizar o possuidor zeloso, em favor do possuidor desidioso. Note-se que o marco da perda da posse tem também relevância a efeito para cômputo do prazo de ano e dia para a concessão da liminar nas ações possessórias, que não pode ser indefinidamente postergado em favor do possuidor que culposamente desconhece a dominação de terceiro.

A aferição da conduta culposa do possuidor,
para efeito de conhecer o apoderamento por terceiro, leva necessariamente em conta a natureza da coisa e a função social da posse.
É natural que o possuidor desconheça a invasão de sua casa de veraneio fora da temporada, porque o comparecimento esporádico ao local atende à natural função econômica e social da posse. A mesma situação teria solução oposta, se a invasão ocorresse na própria residência onde é o possuidor domiciliado, ou em terras destinadas ao cultivo, porque, em tais casos, a ausência afronta a natureza econômica ou social da posse.

288
Q

O vício de precariedade pode convalecer? A posse injusta, seja decorrente de violência, seja de calamidade, seja de precariedade, pode ser caracterizada como ad usucapionem?

A

A purgação dos vícios: No que se refere à temporariedade ou perpetuidade dos vícios, a doutrina tradicional diz que a clandestinidade e a violência são temporários, mas o vício da precariedade nunca convalesce (rodrigues, Sílvio. Direito civil, 27. ed. São Paulo, Saraiva, 2003, v. V, p. 29). Há nessa posição um erro de perspectiva. Como foi visto acima, enquanto perduram a violência e a clandestinidade, nem posse existe, mas mera detenção. Quando cessam é que nasce a posse injusta. A posse injusta somente se converte em justa se se mudar o que ela tem de ilícito, ou seja, a sua causa. Logo, somente com a inversão da causa possessionis, da razão pela qual se possui, é possível a conversão da posse injusta em justa, porque se retira a ilicitude de sua origem. Tome-se como exemplo o caso do possuidor clandestino, violento ou precário que consegue com a vítima um prazo para a desocupação da coisa, mediante contrato de comodato. A posse que era injusta converteu-se em justa, porque mudou a sua causa.

O que gera confusão na doutrina e na jurisprudência são os efeitos da posse injusta. Causa espécie que a posse injusta possa gerar benefícios a quem praticou um ato ilícito. A mácula dos vícios, na verdade, acarreta ao esbulhador uma consequência negativa fundamental: a possibilidade de perder a coisa para o esbulhado, que pode retomá-la pela autotutela ou usando os interditos possessórios. Gera, porém, a posse injusta efeitos positivos para o possuidor, como a tutela possessória perante terceiros ou mesmo em decorrência de um ato ilícito da vítima, para evitar a disseminação de novos atos ilícitos. Se o possuidor estiver de boa-fé, sua posse, apesar de viciada, gerará inúmeros outros efeitos em relação ao esbulhado, como indenização por benfeitorias, ou percepção de frutos.

Questão a ser enfrentada é se a posse injusta
pode ser ad usucapionem. Alguns autores dizem que a posse deve convalescer, ou ter purgados os vícios, para gerar usucapião. Não é bem assim. As posses violenta e clandestina, na verdade, somente nascem quando cessam os ilícitos. Enquanto perduram, são simples detenção. O que se exige é que durante o prazo necessário à usucapião não haja atos violentos ou clandestinos, embora a pos-se seja injusta, porque a sua causa original é ilícita. Prova intuitiva e maior disso é que, se alguém invadir com violência uma gleba de terras e, cessada a reação do esbulhado, permanecer por mais quinze anos sem ser molestado, terá usucapião, apesar da injustiça original de sua posse.

Diz-se que a posse precária nunca gera usucapião. Na verdade, é ela imprestável para usucapião não porque é injusta, mas porque o precarista não tem *animus domini*, uma vez que reconhece a supremacia e o melhor direito de terceiro sobre a coisa. Caso, porém, não reconheça ou deixe de reconhecer essa posição e revele isso de modo inequívoco e claro ao titular do domínio, para que este possa reagir e retomar a coisa, nasce, nesse momento, o prazo para usucapião, porque o requisito do animus domini estará então presente. Na lição de Lenine Nequete, há uma inversão da causa da posse, “mas os fatos de oposição, por seu turno, devem ser tais que não deixem dúvida quanto à vontade do possuidor de transmudar a sua posse precária em posse a título de proprietário e quanto à ciência que dessa inversão tenha tido o proprietário: pois que a mera falta de pagamento de locativos ou outras circunstâncias semelhantes das quais o proprietário não possa concluir claramente a intenção de se inverter o título não constituem atos de contradição eficazes” (Da prescrição aquisitiva, 3. ed. Porto Alegre, Ajuris, p. 123). Lembre-se de que o art. 1.238, que trata da usucapião extraordinária, não exige posse justa e dispensa expressamente a boa-fé. A alu-são à falta de boa-fé só tem sentido se a posse for injusta, porque a boa-fé nada mais é do que a ignorância dos vícios que maculam a posse.

289
Q

A análise da má-fé na posse parte de uma concepção psicológica ou de uma concepção ética?

A

Art. 1.201. É de boa-fé a posse, se o possuidor ignora o vício, ou o obstáculo que impede a aquisição da coisa.

Parágrafo único. O possuidor com justo título tem por si a presunção de boa-fé, salvo prova em contrário, ou quando a lei expressamente não admite esta presunção.

Comentários:

[…]

Discute-se, sobre a caracterização da boa-fé
subjetiva, se basta a ignorância do vício (concepção psicológica), ou, em vez disso, é exigível que o estado de ignorância seja desculpável (concepção ética). O melhor entendimento, até para evitar que a pessoa mais previdente sofra as consequências negativas de conhecer aquilo que ignora o relapso, é que somente o erro escusável é compatível com a boa-fé.

290
Q

Um contrato verbal pode ser considerado justo título para caracterizar a boa-fé do possuidor? O título a que alude o pár. ún. do art. 101 é apto a ensejar a usucapião?

A

Art. 1.201. É de boa-fé a posse, se o possuidor ignora o vício, ou o obstáculo que impede a aquisição da coisa.

Parágrafo único. O possuidor com justo título tem por si a presunção de boa-fé, salvo prova em contrário, ou quando a lei expressamente não admite esta presunção.

Comentários:

[…]

O parágrafo único deste artigo cria presunção
relativa de boa-fé para o possuidor com justo título. É relativa porque pode ser destruída por prova, a cargo de quem pretende retomar a coisa, de que o possuidor, apesar de munido de justo título, conhecia os vícios de sua posse, ou, então, quando a própria lei não admitir a presunção. O termo justo título não é unívoco no CC. Para efeito do dispositivo em exame, é uma causa jurídica que justifica a posse, é a sua razão eficiente. Pode ser justo título, por exemplo, tanto um compromisso de compra e venda como um contrato de locação, ou de comodato, ainda que verbal. Basta que a relação jurídica dê causa legítima à posse.

Note-se que para efeito de usucapião ordinário, como veremos adiante no comentário ao art. 1.242 do CC, a expressão justo título tem outro significado, qual seja o título potencialmente hábil para transmissão da propriedade, mas que não o faz pela existência de vício substancial ou formal. Vê-se, portanto, que o comodatário e o locatário têm justo título para efeito de presunção e boa-fé, mas não para gerar usucapião ordinária.
Enunciado n. 303, CJF: Considera-se justo título para presunção relativa da boa-fé do possuidor o justo motivo que lhe autoriza a aquisição derivada da posse, esteja ou não materializado em instrumento público ou particular. Compreensão na perspectiva da função social da posse.

291
Q

O justo título é requisito para a posse de boa-fé? Quais circunstâncias são capazes de transformar a posse de boa-fé em posse de má-fé?

A

Art. 1.202. A posse de boa-fé só perde este caráter no caso e desde o momento em que as circunstâncias façam presumir que o possuidor não ignora que possui indevidamente.

Comentários:
A boa-fé é a ignorância do vício que macula a
posse. É um estado de espírito do possuidor, um elemento interior, cuja prova nem sempre é fácil. Por isso, o legislador preocupa-se com os si-nais, as evidências e presunções de boa-fé.

Vimos no comentário ao parágrafo único do
art. 1.201 que o possuidor com justo título tem a seu favor a presunção relativa de boa-fé. O justo título, porém, não é requisito para a posse de boa-fé.

O desconhecimento do vício funda-se, via de regra, em um erro de fato ou de direito. Se há uma razão jurídica que justifique a posse, o erro, a princípio, será escusável, nascendo daí a presunção relativa de boa-fé.

Não havendo justo título, ainda assim cabe ao
retomante demonstrar a má-fé do possuidor. Essa prova, porém, torna-se mais fácil, decorrente, segundo a dicção do artigo em exame, das circunstâncias indicativas do conhecimento do vício pelo possuidor. Quais são essas circunstâncias? Clóvis Bevilaqua dá vários exemplos, como a confissão do possuidor de que nunca teve título, nulidade manifesta do título e existência de instrumentos repugnantes à legitimidade da posse em poder do possuidor.

A posse de boa-fé pode transmudar-se em posse de má-fé, tendo como marco o momento em que as circunstâncias do caso concreto indiquem o conhecimento dos vícios. Constituem marcos dessa mudança em especial a citação em processo judicial ou notificação formal ao possuidor, quer judicial, quer extrajudicial. Nada impede, porém, que se faça, ainda que por testemunhas, prova de que conhecia o possuidor os vícios que afetavam a sua posse.

292
Q

Como se alterar as características originárias da posse? O elemento anímico permite a sua alteração?

A

Art. 1.203. Salvo prova em contrário, entende-se manter a posse o mesmo caráter com que foi adquirida.

Comentários:
Como foi comentado anteriormente, possível é a alteração do caráter da posse, mediante conversão da posse de boa-fé em posse e má-fé, ou vice-versa, bem como da posse justa em posse injusta, ou vice-versa.

A questão é como se opera essa alteração. Diz
textualmente o artigo em exame que se presume manter a posse o mesmo caráter original. Via de consequência, aquele que alegar a alteração das qualidades positivas e negativas da posse tem a seu cargo o ônus de demonstrá-la. A presunção, como se extrai do preceito, é relativa, comportando, portanto, prova em sentido contrário.

É sabido que, segundo antigo preceito, nemo
sibi ipse causam possessionis
(ninguém pode mudar por si mesmo a causa da posse). O termo causa da posse é usado aqui em sentido lato, abrangendo também a figura da detenção. Dizendo de outro modo, não basta o elemento anímico, interior, psicológico, para mudar o caráter da posse, escoimando-a de eventuais vícios de origem, quer subjetivos, quer objetivos, ou, então, alterar a detenção para posse. Dizia Ihering que a vontade é sem força diante da causa da posse.

Importante lembrar que causa da posse, aqui,
não é somente o seu motivo jurídico, mas também o seu modo de estabelecimento, previsto pelo direito. É por isso que até mesmo a posse injusta tem uma causa, embora ilícita.

As principais características da posse, que a
dividem em classificações diversas – justa/injusta, de boa-fé/má-fé, ad interdicta/ad usucapio­nem, direta/indireta –, têm estreita relação com a causa pela qual se possui, quer jurídica, quer pelo modo de estabelecimento. É por isso que, para alterar tais características, é necessário, como pressuposto lógico, alterar também a causa, a razão pela qual se possui. Vem daí a regra preconizada por Astolpho Rezende segundo a qual, “em matéria possessória, a vontade do possuidor é sem valor em frente da regra objetiva de direito” (A posse e sua proteção, 2. ed. São Paulo, Lejus, 2000, p. 263).

Essa alteração da causa pode dar-se como decorrência de uma relação jurídica ou por mudança ostensiva do comportamento fático do possuidor.

Como alteração decorrente de causa jurídica,
tome-se como exemplo o caso do possuidor violento ou precarista que adquire a coisa ou a recebe em comodato, convertendo a posse injusta em justa. No mesmo exemplo, se a posse era além de injusta também de má-fé, será agora justa e de boa-fé, em razão da falta de vícios a serem conhecidos. De igual modo, o locatário que tinha apenas posse direta e adquire a coisa passa a ter posse plena, uma vez que concentra em suas mãos todos os poderes típicos do proprietário, desaparecendo o dever de restituição da coisa ao antigo possuidor indireto. Note-se que a face exterior da posse permanece a mesma, já que o possuidor continua com o poder imediato sobre a coisa. O que mudou foi a razão pela qual possui, retirando da posse determinadas qualidades negativas, ou limitações, e fazendo nascer qualidades positivas, ou alargando os poderes sobre a coisa. Desapareceu a razão determinante para a caracterização do esbulho, qual seja a aquisição da posse contra a vontade do ex-possuidor.

Como decorrência do comportamento objetivo do possuidor, na lição de Nelson Rosenvald, a alteração se dá desde que haja manifestação por “atos exteriores e prolongados do possuidor da inequívoca disposição de privar o proprietário da coisa” (Direitos reais, 2. ed. Niterói, Impetus, 2003, p. 246). Na verdade, a mudança do comportamento fático não é suficiente para alterar todos os caracteres da posse, mas somente alguns. A mudança de comportamento, assim, não converte a posse injusta em justa. Enquanto perdurarem a violência e a clandestinidade, nem posse haverá, mas mera detenção. Quando cessar a violência e a clandestinidade (ver comentário ao art. 1.208) iniciar-se-á a posse injusta, que não se converte em justa somente pelo fato de a pacificidade ou a publicidade persistirem. No caso, a alteração do comportamento tem apenas o condão de transformar detenção em posse injusta, mas não é suficiente para retirar da posse o vício original. De igual modo, a posse precária não deixa de sê-lo pela simples mudança de comportamen-to do precarista, ainda que deixe de reconhecer a sua condição de comodatário ou de locatário, por exemplo. Basta lembrar que o esbulhado pode, ocorrendo tal fato, pedir a retomada judicial da coisa, prova maior de que permanece a posse injusta. Confira-se, a respeito, o Enunciado n. 237 da III Jornada de Direito Civil 2004: “Art. 1.203: É cabível a modificação do título da posse – in­ terversio possessionis – na hipótese em que o até então possuidor direto demonstrar ato exterior e inequívoco de oposição ao antigo possuidor indireto, tendo por efeito a caracterização do animus domini”.

A relevância da mudança fática do comportamento do possuidor reflete-se apenas nos caracteres da posse de ad interdicta para ad usucapio­nem. Assim, aquele que deixa de praticar atos violentos ou torna a posse pública, tirando-a da clandestinidade, mantém os vícios de origem, que não podem ser apagados pela conduta posterior do possuidor, mas gera, apesar disso, posse útil para usucapião, desde que preenchidos os demais requisitos previstos em lei (prazo, continuidade, ânimo de dono, etc.). A reação do esbulhado é possível, mas, se não o fizer em determinado prazo, perderá o domínio por usucapião.

No que se refere à posse precária, embora a
doutrina tradicional insista na posição de que o vício não convalesce, a questão está na verdade deslocada. A posse realmente continua precária, porque o vício não se apaga, tanto que o esbulhado pode retomar a coisa. Apesar de precária, desde que ocorram circunstâncias especialíssimas, entre as quais que o precarista não mais reconheça a supremacia do direito do esbulhado, deixando isso claro e inequívoco, a posse poderá converter-se de meramente ad interdicta em ad usucapionem. O que mudou com o comportamento de fato do possuidor não foi a origem ilícita da posse, mas o animus. Apesar de continuar injusta, se o possuidor não mais reconhece a superioridade do direito do esbulhado de reaver a coisa, o que mudou com o novo comportamento foi o nascimento do animus domini, requisito que faltava para iniciar o prazo útil de usucapião.

293
Q

Qual a diferença entre posse civil e posse natural?

A

Art. 1.204. Adquire-se a posse desde o momento em que se torna possível o exercício, em nome próprio, de qualquer dos poderes inerentes à propriedade.

Comentários:

[…]

Cabe aqui breve alusão à distinção entre a posse civil e a posse natural, a que se referia o inciso I do revogado art. 493. A posse civil adquire-se como consequência de uma relação jurídica, sem que haja necessidade de apreensão da coisa. Já a posse natural é resultado do simples comportamento do possuidor, que passa a agir de fato como dono, independentemente de prévia relação jurídica que confira direito à posse. Na lição de Clóvis Bevilaqua, pode a posse ser adquirida por ato unilateral, por ato bilateral, quando o possuidor a transfere a outrem, ou por sucessão causa mortis (Direito das coisas, 3. ed. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1951, t. I, p. 49). Na aquisição por ato unilateral, diz-se que a posse é adquirida a título originário. Na aquisição por ato bilateral, ou por sucessão hereditária, diz-se que a posse é adquirida a título derivado.

294
Q

Em que consiste o constituto possessório? Onde ele está previsto no CC? E a traditio brevi menu?

A

Art. 1.204. Adquire-se a posse desde o momento em que se torna possível o exercício, em nome próprio, de qualquer dos poderes inerentes à propriedade.

Comentários:

[…]

Embora o CC/2002 não trate expressamente
da figura do constituto possessório, como fazia o CC/1916, cuida-se de instituto ainda aplicável, que merece breve menção, porque se amolda ao critério genérico de aquisição da posse previsto no art. 1.203. Como consta do Enunciado n. 77 da I Jornada de Direito Civil 2004, “Art. 1.205: A posse das coisas móveis e imóveis também pode ser transmitida pelo constituto possessório”.

No constituto possessório, o possuidor de uma
coisa em nome próprio passa a possuí-la em nome alheio.
Exemplo clássico é o que se verifica quando o alienante conserva a coisa em seu poder mediante cláusula contratual denominada cláusula constituti. O adquirente, assim, recebe a coisa por mera convenção, sem posse física. O alienante apenas deixa de possuir para si mesmo e passa a possuir em nome do adquirente, ou seja, converte sua posse em detenção, sem nenhum ato exterior que ateste essa mudança. Parte da doutrina diz que também se configura o constituto possessório quando o alienante que tinha posse plena passa a ter posse direta, como nos casos do locatário, do comodatário ou do depositário. Tal posição, exata somente para a teoria subjetiva da posse, parece não se ajustar ao nosso sistema objetivo, porque, para nós, o locatário, o comodatário e o depositário também são possuidores, com todos os efeitos inerentes à posse, salvo a usucapião, porque lhes falta o animus domini. Em termos diversos, o constituto possessório, nos exemplos citados anteriormente, não seria modo de aquisição ou perda da posse, mas apenas de mudança de categoria da posse, de posse plena para posse direta. Por isso é que, ao tratarmos o constituto possessório como modo de aquisição e de perda da posse, o mais correto é restringi-lo aos casos em que o alienante se converte de possuidor em detentor, passando a possuir em nome alheio.

Operação inversa ocorre na traditio brevi manu,
pela qual o possuidor de uma coisa em nome alheio (detentor – fâmulo, ato de permissão ou tolerância), ou com mera posse direta (locatário, comodatário, usufrutuário etc.), passa a possuir ou em nome próprio ou com posse plena, sem necessidade de se promover ato físico de entrega da coisa.

295
Q

Diferencie a teoria subjetiva da teoria objetiva da posse.

A

Art. 1.196. Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade.

Comentários:

[…]

Teorias sobre a posse: Há duas teorias tradicionais sobre a posse, denominadas teoria subjetiva e teoria objetiva. Savigny criou a teoria subjetiva. Afirmou que os elementos da posse são o animus e o corpus. Definiu o corpus como o poder físico da pessoa sobre a coisa, o fato exterior da posse. Para ele, é a faculdade real e imediata de dispor fisicamente da coisa. Em obra posterior retificou sua posição, admitindo posse sem contato físico. Definiu o animus como a intenção de ter a coisa como sua (animus domini). Não é a convicção (opinio domini), mas a intenção de ser dono. Para haver posse, portanto, para Savigny, devem existir elemento físico (corpus) mais a vontade de proceder em relação à coisa como procede o proprietário (affectio tenendi) mais a intenção de tê-la como sua (animus domini) (pereira, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil, 18. ed., atualizada por Carlos Edison Rego Mon-teiro Filho. Rio de Janeiro, Forense, 2002, v. IV, p. 14). Caso falte o terceiro elemento, qual seja, a vontade de ter a coisa como dono, não haverá posse, mas mera detenção. Assim, para Savigny, quem tem a coisa em seu poder, mas em nome de outrem, por razão jurídica, não tem posse, mas detenção, sem proteção jurídica. Enquadrariam-se nessa categoria o locatário, o comodatário e o credor pignoratício, entre outros.

Rudolf Von Ihering elaborou a teoria objetiva da posse, em oposição e crítica à teoria subjetiva. Corpus, para ele, é a relação exterior que há normalmente entre o proprietário e a coisa, é a conduta de quem se apresenta com relação semelhante à do proprietário (imago domini), com ou sem apreensão da coisa. Pode, portanto, haver posse sem contato ou poder físico entre a pessoa e a coisa. Lembre-se de que o proprietário exerce as prerrogativas do domínio, muitas vezes sem o contato físico ou material com a coisa, como por exemplo a locação ou o empréstimo da coisa a terceiros. O mesmo, portanto, ocorre com o possuidor, porque ele age como o proprietário (ihering, Rudolf Von. A teoria simplificada da posse. São Paulo, Saraiva, 1986, p. 106-15).

Para Ihering, animus não é a intenção de ser
dono, mas simplesmente de proceder como procede habitualmente o proprietário (affectio tenen­di). A teoria chama-se objetiva porque dispensa a intenção de ser dono. O animus está intimamente ligado ao corpus, porque é extraído da conduta visível do possuidor. É o que aparece perante terceiros (aparência de dono), pouco importando o simples desejo não ostensivo do possuidor. Para caracterizar a posse, basta examinar o comportamento do agente, independentemente de uma pesquisa de intenção. Normalmente, o proprietário é o possuidor. Logo, possuidor é aquele que tem a aparência de proprietário. Posse, segundo Ihering, é a visibilidade do domínio. Pela teoria objetiva, o locatário, o comodatário, etc., são possuidores, o que acarreta profundos efeitos concretos, visto que tais pessoas podem defender a posse pelos chamados interditos possessórios. Segundo o autor, o poder de fato sobre a coisa indica posse, embora nem sempre isso ocorra. O que importa, para efeito de posse, é a destinação econômica da coisa, é a utilização da coisa por atos adequados à sua natureza. Para Ihering, corpus + affectio tenendi [proceder habitualmente como proprietário] = posse. O animus domi­ni não é elemento da posse.

Outra importante distinção entre as duas teorias é o modo como abordam a figura da detenção. Para Savigny, sempre que houver corpus, mas não animus (affectio tenendi + animus domini), estar-se-á diante da figura da detenção e não da posse. A posse, assim, é a detenção acrescida de animus domini. Para Ihering, a posse e a detenção não se distinguem por um animus específico. Ao contrário. Têm os mesmos elementos (corpus e animus). O que as distingue é uma barreira legal, que se traduz num dispositivo de lei que, com relação a certas relações que preenchem a princípio os requisitos da posse, retira delas os efeitos possessórios. A detenção, para Ihering, é uma posse degradada, que, em virtude da lei, se avilta. A teoria subjetiva parte da detenção para chegar à posse. A objetiva faz o trajeto inverso, partindo da posse para chegar à detenção.

Nosso Código inclinou-se pela teoria objetiva, embora em alguns artigos pontuais faça concessões à teoria subjetiva. O art. 1.196 do CC define o possuidor adotando nitidamente a teoria objetiva. Para nós, portanto, posse é a relação de fato entre a pessoa e a coisa, tendo em vista a utilização econômica desta. É a exteriorização da conduta de quem normalmente age como proprietário. É a visibilidade do domínio.

296
Q

A posse tem natureza de um fato ou de um direito?

A

Flávio Tartuce (p. 943):

O conceito de posse e sua estrutura sempre geraram dúvida entre os cientistas do Direito. A primeira dúvida que surge em relação à categoria refere-se à sua natureza, ou seja, se se trata de um fato ou de um direito, questão muito bem explorada por Moreira Alves em obra clássica, escrita em dois volumes. O jurista aponta duas grandes correntes, a que afirmam se tratar de um mero fato e outra pela qual a posse, realmente, constitui um direito. A segunda corrente, que prega o entendimento de que a posse é um direito, é a que prevalece na doutrina. Sintetizando a questão da natureza da posse, cumpre transcrever as lições de Orlando Gomes:

“Se a posse é um direito, como o reconhece, hoje, a maioria dos juristas, é preciso saber se tem natureza de um direito real ou pessoal. A circunstância de ceder a um direito superior, como o de propriedade, não significa que seja um direito pessoal. Trata-se de uma limitação que ão é incompatível com o direito real. O que importa para caracterizar este é o fato de se exercer sem intermediário. Na posse, a sujeição da coisa à coisa é direta e imediata. Não há um sujeito passivo determinado. O direito do possuidor se exerce erga omnes. Todos são obrigados a respeitá-lo. Só os direitos reais têm essa virtude. Verdade é que os interditos se apresentam com certas qualidades de ação pessoal, mas nem por isso influem sobre a natureza real do jus possessionis”.

Art. 1.207. O sucessor universal continua de direito a posse do seu antecessor; e ao sucessor singular é facultado unir sua posse à do antecessor, para os efeitos legais.

Comentários:

[…]

Caso o vínculo seja um negócio jurídico inter
vivos
, deve haver consenso entre as partes quanto à transmissão da posse. Questão relevante é a forma desse negócio jurídico, que envolve a natureza jurídica da posse. Embora polêmico o tema, não está a posse elencada no rol dos direitos reais previstos no art. 1.225 do CC. Assim, em atenção ao princípio do numerus clausus, não é a posse um direito real. É um instituto sui generis, um exercício de fato de poderes semelhantes aos do proprietário, que gera consequências jurídicas. Daí a possibilidade de afastar a incidência do art. 108 do CC, que diz ser a escritura pública requisito de validade para a alienação de bens imóveis acima da taxa legal. Não há requisito formal para a transmissão da posse, que, assim, pode ser verbal, desde que provada de modo concludente.

Art. 1.210. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado.

Comentários:

O art. 73, § 2o, do CPC/2015 (art. 10, § 2o, do
CPC/73, com a redação que lhe deu a Lei n. 8.952/94), encerrou antiga polêmica sobre a natureza real ou pessoal das ações possessórias. Diz a lei expressamente que a participação do cônjuge somente é indispensável nos casos de composse ou de atos por ambos praticados. A ação, portanto, é pessoal, com a ressalva de que, em diversos casos, pode ser a posse derivada de um direito real preexistente, como o compromisso de compra e venda levado ao registro, ou usufruto, ou servidão, quando, então, se exigirá a citação do cônjuge.

297
Q

Entes despersonalizados podem adquirir posse? E o incapaz?

A

Art. 1.205. A posse pode ser adquirida:

I - pela própria pessoa que a pretende ou por seu representante;

II - por terceiro sem mandato, dependendo de ratificação.

Comentários:

Podem adquirir a posse, segundo o inciso I do
artigo em exame, a própria pessoa que a pretende, ou o seu representante.

No caso da própria pessoa, podem adquirir
tanto a pessoa natural como a pessoa jurídica, esta mediante atuação de seus órgãos. Não podem adquirir a posse, portanto, as pessoas jurídicas irregulares, porque não são dotadas de personalidade. Já no que se refere às pessoas naturais, cabe uma distinção: se a posse é adquirida por simples ato jurídico de apreensão, desprovido de vontade negocial, pode o incapaz realizá-la por si, independentemente de representação. São os casos do estudante que apreende livros, ou da criança que se apossa de um brinquedo. São atos-fato, em que não se cogitam os requisitos de validade do art. 104 do CC. Caso, porém, a posse seja adquirida por negócio jurídico, o incapaz somente pode adquiri-la por atuação de seu representante.

298
Q

O legatário que recebe bem a título de legado pode descartar a posse anterior?

A

Art. 1.207. O sucessor universal continua de direito a posse do seu antecessor; e ao sucessor singular é facultado unir sua posse à do antecessor, para os efeitos legais.

Comentários:

[…]

Embora controverta a doutrina a respeito do
tema, a interpretação sistemática dos arts. 1.207 e 1.206 leva à conclusão de que o termo “a título universal causa mortis” atinge não somente o herdeiro como também o legatário. Isso porque, como observa Clóvis Bevilaqua, com razão, o legatário, embora sucessor a título particular, sucede por herança, de modo que, com a morte do testador, a posse dos bens transfere-se aos herdeiros, e estes a entregam ao legatário, sem alteração ou solução de continuidade (Direito das coisas, 3. ed. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1951, v. I, p. 52).

Cabe, porém, destacar que a regra da transmissão da posse a título universal – impossibilidade de descartar a posse anterior – atinge também atos inter vivos, acima mencionados. Tomem-se como exemplos o casamento pelo regime da comunhão universal de bens ou a incorporação/fusão de pessoas jurídicas, em que não cabe ao adquirente desprezar a posse anterior, uma vez que a transmissão é de todo o patrimônio, ou de parte ideal dele, de modo que a posse é una. Em termos diversos, a posse tem fundamento no título primitivo do antecessor do adquirente e não no ato ou negócio em que interveio pessoalmente, razão pela qual não pode ser desprezada, para efeito de contagem de tempo.

299
Q

O que é a acessão da posse?

A

Art. 1.207. O sucessor universal continua de direito a posse do seu antecessor; e ao sucessor singular é facultado unir sua posse à do antecessor, para os efeitos legais.

Comentários:

[…]

Accessio possessionis: Já na aquisição de modo
derivado, a título singular, por ato inter vivos, denominada de accessio possessionis, o adquirente recebe nova posse, podendo juntá-la ou não à posse anterior. Cuida-se de mera faculdade do possuidor, que pode ou não acrescer o tempo do antecessor, para determinados efeitos, especialmente de usucapião.

A escolha da acessão – ou não – será ditada
pelo interesse do possuidor atual, dependendo de sua utilidade. Muitas vezes, a acessão será útil para completar o prazo exigido para determinada modalidade de usucapião. Outras vezes, será contraindicada a acessão, como no caso de usucapião ordinário, se somente a sua posse for de boa-fé e não a posse do antecessor. Se invocar a posse do antecessor de má-fé, cabe somente usucapião extraordinário, com prazo de quinze anos. Se desprezar a posse anterior, será possível o usucapião ordinário, com prazo de dez anos.

Lembre-se de que a má-fé do antecessor não
contamina a posse atual, se o possuidor ignora o vício.
Basta ler o art. 1.212 do CC, para constatar que “o possuidor pode ajuizar a ação de esbulho ou a de indenização contra terceiro que recebeu a coisa esbulhada, sabendo que o era”.

A acessão da posse exige três requisitos: continuidade, homogeneidade e vínculo jurídico.

As posses a ser somadas devem ser contínuas,
sem interrupção ou solução. Devem ser homogêneas, vale dizer ter as mesmas qualidades, para gerar os efeitos positivos almejados. Deve haver, finalmente, um vínculo jurídico entre o possuidor atual e o anterior. Esse vínculo pode revestir-se de várias modalidades, por exemplo um negócio jurídico, ou, então, uma arrematação em hasta pública.

Caso o vínculo seja um negócio jurídico inter
vivos
, deve haver consenso entre as partes quanto à transmissão da posse. Questão relevante é a forma desse negócio jurídico, que envolve a natureza jurídica da posse. Embora polêmico o tema, não está a posse elencada no rol dos direitos reais previstos no art. 1.225 do CC. Assim, em atenção ao princípio do numerus clausus, não é a posse um direito real. É um instituto sui generis, um exercício de fato de poderes semelhantes aos do proprietário, que gera consequências jurídicas. Daí a possibilidade de afastar a incidência do art. 108 do CC, que diz ser a escritura pública requisito de validade para a alienação de bens imóveis acima da taxa legal. Não há requisito formal para a transmissão da posse, que, assim, pode ser verbal, desde que provada de modo concludente.

Enunciado n. 494 do CEJ: A faculdade conferida ao sucessor singular de somar ou não o tempo da posse de seu antecessor não significa que, ao optar por nova contagem, estará livre do vício objetivo que maculava a posse anterior.

300
Q

No caso de usucapião urbana, é admissível a acessão de posse?

A

Finalmente, nem todas as modalidades de usucapião comportam a soma das posses por acces­sio possessionis. Tanto a usucapião especial rural (art. 1.239 do CC) como a especial urbana (art. 1.240 do CC) exigem certas condições: o primeiro que a área se torne produtiva pelo trabalho do usucapiente que nela estabeleça sua moradia e o segundo que o lote sirva de moradia ao próprio usucapiente e sua família. Logo, em tais casos a posse deve ser pessoal dos próprios usucapientes, não se admitindo o exercício por terceiro, ainda que antecessor por ato inter vivos. Ressalte-se, porém, que o art. 10, § 1o, do Estatuto da Cidade,
ao disciplinar o usucapião coletivo, admite expressamente a soma das posses por accessio possessionis, retirando o requisito da pessoalidade da posse.

Art. 10. Os núcleos urbanos informais existentes sem oposição há mais de cinco anos e cuja área total dividida pelo número de possuidores seja inferior a duzentos e cinquenta metros quadrados por possuidor são suscetíveis de serem usucapidos coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural.

§ 1o O possuidor pode, para o fim de contar o prazo exigido por este artigo, acrescentar sua posse à de seu antecessor, contanto que ambas sejam contínuas.

301
Q

Ação possessória movida contra o Poder Público, em cujo boje se postula a devolução de bem empregado em finalidade pública, pode ser convertida pelo juiz em ação de indenização por perdas e danos?

A

O poder público pode ser réu em ação possessória, embora possa optar o agente pela impetração do mandado de segurança, caso preenchidos os seus requisitos. Caso opte pela via possessória, para a concessão da liminar devem, antes, ser ouvidos os seus re-presentantes, na forma do art. 562 do CPC/2015 (art. 928 do CPC/73). Caso o apossamento este-ja consumado e o imóvel tiver sido empregado em obra pública, esta se torna intangível. A possessória se converterá em ação indenizatória – denominada de desapropriação indireta –, desde que haja pedido alternativo.

CONJUR:

[…]

Ocorre que diante de área afetada à prestação de serviço público, o imóvel acaba se tornando indisponível à posse e ocupação de particulares, em razão da evidente supremacia do interesse público.

Com isso, não se pode reconhecer a posse dos invasores quando detentores de bem imóvel que deveria servir toda a coletividade. No entanto, essa mesma proteção possessória conferida aos imóveis afetados pode ser oposta ao antigo proprietário, de forma a incentivar o esbulho caso não seja efetivada a construção do equipamento público prometido.

O ponto é problemático porque, de um lado, não se ignora que a Administração Pública não tem obtido êxito nas tentativas de solucionar os déficits habitacionais que levam às invasões, mas, de outro lado, o próprio Poder Público não deve legitimar o exercício arbitrário do poder em detrimento ao proprietário e à toda a coletividade.

Feitas as considerações acima e falando de desapropriação em áreas esbulhadas, em recente decisão, o STJ inovou e abriu espaço para permitir a conversão de ação reivindicatória em desapropriação indireta de ofício. Vejamos:

Em decisão publicada no dia 05/02, a Primeira Seção do STJ julgou improcedente a Ação Rescisória nº 4.406/RS, ajuizada pelo município de Caxias do Sul, e acompanhou o entendimento do TJRS, que ao apreciar ação em que os proprietários pretendiam reaver terreno de 57 mil m², fixou, de ofício, valor de indenização por perdas e danos em valor superior a R$ 500 milhões a título de desapropriação indireta.

O local, onde hoje se encontra o bairro residencial Primeiro de Maio, já havia sido declarado de utilidade pública para a construção de instituição de ensino, mas começou a ser invadido após a Prefeitura ter deixado de construir ali a Universidade de Caxias do Sul, mesmo tendo recebido o imóvel por doação da família Magnabosco em 1966, com contrapartidas específicas, dentre as quais a de construir a faculdade.

Diante do descumprimento desse e de outros encargos, que originou Ação Indenizatória ajuizada pela família, as partes haviam celebrado acordo em 1982, através do qual o imóvel retornaria ao patrimônio dos particulares, que, por sua vez, dariam quitação geral e expressa de qualquer direito indenizatório.

Em 1983, os proprietários promoveram outra ação para reivindicar a área em seu favor, desta vez em face dos seus invasores, em que a municipalidade foi citada em 1996, para responder pelo interesse em partes do imóvel, onde implantou logradouros e equipamentos públicos.

Esta ação havia sido julgada improcedente, mas o TJ-RS decidiu convertê-la, de ofício, em sede de Embargos Infringentes julgados em 2002, para condenar o município a indenizar os proprietários pela desapropriação de todo o imóvel, em quantia que, hoje, supera os valores anuais orçados para Saúde (R$ 421.057.786,28) e Educação (R$ 411.999.122,08).

A tese vencedora que foi utilizada pelo TJ-RS e acompanhada agora pelo STJ concluiu que a conversão em perdas e danos é mera consequência da impossibilidade do pedido, na medida em que o município de Caxias do Sul atuou junto aos invasores ao incentivar o esbulho possessório sobre a área e não impugnou oportunamente a decisão em que foi determinada a sua inclusão no feito.

O STJ já havia admitido a possibilidade de conversão das ações, mas apenas e tão somente nas hipóteses em que o particular tivesse realizado pedido subsidiário de indenização pela afetação do imóvel, na impossibilidade de retomada do bem ao patrimônio privado.

O entendimento que era repetido no STJ apontava para o reconhecimento de supressão dos princípios (art. 5º, LV da Constituição Federal) da ampla defesa e do contraditório do ente expropriante na hipótese, na ausência de pedido expresso pela conversão na petição inicial.

EMENTA – “PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. INVIABILIDADE. BEM AFETADO AO SERVIÇO PÚBLICO. DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. CONVERSÃO.

  1. Não há violação do art. 535 do CPC quando o Tribunal de origem resolve a controvérsia de maneira sólida e fundamentada, apenas não adotando a tese do recorrente.
  2. Trata-se de ação reintegratória ajuizada contra a Comlurb/RJ com a finalidade de recuperar a posse de imóveis contratualmente cedidos ao ente da administração indireta por tempo determinado.
  3. A instância ordinária atestou que os imóveis estão afetados ao serviço público - servindo de aterro sanitário -, sendo, portanto, inviável a pretensão reintegratória.
  4. Com a ocupação e a destinação do bem ao serviço público fica caracterizada a desapropriação indireta, remanescendo ao autor a buscar da indenização por danos, que no caso envolve responsabilidade de cunho contratual e extracontratual.
  5. A jurisprudência desta Eg. Corte e do STF, com fundamento nos princípios da economia e celeridade além da tutela das obrigações de fazer, não fazer e entregar coisa certa distinta de dinheiro, consagrou a orientação de que é possível que a ação reintegratória seja convertida em ação de indenização por desapropriação indireta.
  6. Na espécie, havendo pedido, é possível que a ação reintegratória seja convertida em ação de indenização em respeito aos princípios da celeridade e economia processuais.
  7. Recurso especial parcialmente provido.” Recurso Especial nº 1.060.924 - RJ (2008/0113189-7), Rel. Ministro Castro Meira, j. em 03/11/2009; 2ª Turma.

Em caso semelhante, o STJ [5] também já havia reconhecido pela possibilidade de desistência da desapropriação pelo Poder Público, desde que não tivesse havido o pagamento integral do preço e que o imóvel pudesse ser devolvido ao expropriado sem alterações substanciais que o impedissem de ser utilizado como antes.

[…]

No caso da Ação Rescisória nº 4.406/RS, os ministros Sergio Kukina, Gurgel de Faria e Herman Benjamin entenderam que a decisão extrapola os limites do pedido inicial e configura decisão surpresa, contudo, foram vencidos pelo voto do relator ministro Benedito Gonçalves, que foi acompanhado pelos ministros Assussete Magalhães, Regina Helena Costa e Mauro Campbell Marques.

302
Q

Há dois jeitos de encarar a posse. Indique-os. O que é ius possidendi e jus possessionis?

A

Art. 1.210. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado.

§ 1 o O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituição da posse.

§ 2 o Não obsta à manutenção ou reintegração na posse a alegação de propriedade, ou de outro direito sobre a coisa.

Comentários:

[…]

Percebe-se facilmente que a posse pode ser
considerada sob dois ângulos distintos: a) em si mesma, independentemente do fundamento ou do título jurídico; e b) como uma das faculdades jurídicas que integram a propriedade, ou outras relações jurídicas.

A expressão ius possidendi significa, literalmente, direito à posse, ou direito de possuir. É a faculdade que tem uma pessoa, por ser já titular de uma situação jurídica, de exercer a posse sobre determinada coisa. É a posse vista como o conteúdo de certos direitos. Pressupõe uma relação jurídica preexistente, que confere ao titular o direito à posse. Ao contrário do que afirmam alguns autores, não só o proprietário goza de tal situação mas também titulares de outros direitos reais, como o usufrutuário e o credor pignoratício, ou mesmo titulares de direitos meramente pessoais, como o locatário e o comodatário. Basta que seja a posse o objeto da relação jurídica, real ou pessoal. O titular do ius possidendi, ao invocar o seu título ou relação jurídica preexistente (real ou pessoal) para assegurar o direito à posse, instaura o chamado juízo petitório. Não se discute a posse em si mesma considerada, mas a razão, ou causa, pela qual se deve possuir.

O jus possessionis, inversamente, é o direito originado da situação jurídica da posse, independentemente da preexistência de uma relação jurídica que lhe dê causa. É indiferente a incidência, ou não, de um título para possuir. Aqui a posse não aparece subordinada a direitos, nem é emanada deles, formando parte de seu conteúdo. Alguns autores chegam a negar a expressão jus, preferindo factum possessionis, como melhor significado de posse sem título anterior. É o reflexo da auto-nomia do instituto da posse, que se mostra em toda sua pureza. É o fato da posse per se, necessário e suficiente para ter ingresso na significação jurídica. São casos típicos do exercício de jus possessionis aqueles que cultivam a terra abandonada, ou que se apoderam de coisas móveis perdidas. Recebem a proteção possessória, ainda que lhes falte um título que justifique a posse ou dê causa a ela. É o direito de posse. Seu único suporte é a sua própria existência e presença.

A melhor forma de distinguir o juízo petitório do possessório é manter estrita correlação entre o jus (factum) possessionis e o possessório e entre o jus possidendi e o petitório. Com isso, garante-se a distinção entre a posse e a propriedade e, sobretudo, protege-se a posse per se como instituição jurídica autônoma.

A tutela possessória – só possessória – mínima e básica, na ordem jurisdicional, está constituída pelos interditos, ou, entre nós, ações possessórias em sentido estrito. Deve-se, nas ditas ações possessórias, defender a posse como tal, sem outras ajudas e sem outras complicações: só e simplesmente. Se por trás dela aparece um direito que a atribua, é indiferente. Isso porque posso provar o direito, mas não obter a posse. Posso, em contrapartida, obter a posse e não provar o direito. Aqui é o ponto em que a posse aparece em sua plenitude e, diria, em sua solidão.

303
Q

Quais são as únicas hipóteses em que o direito de propriedade pose ser alegado em uma ação possessória?

A

Vale lembrar que veda a lei que o turbador ou
esbulhador justifique a agressão injusta à posse invocando a propriedade ou outro direito. A discussão dominial somente terá relevância em duas situações: quando ambos os litigantes discutem a posse com fundamento no domínio (na verdade a ação será petitória), ou quando tanto a pos-se do autor como a posse do réu se mostrarem duvidosas, caso em que a propriedade funciona como critério supletivo, como indício de que ao proprietário pertence a posse, em razão do direito de sequela.

Enunciado 78, CJF:

Tendo em vista a não-recepção pelo novo Código Civil da exceptio proprietatis (art. 1.210, § 2º) em caso de ausência de prova suficiente para embasar decisão liminar ou sentença final ancorada exclusivamente no ius possessionis, deverá o pedido ser indeferido e julgado improcedente, não obstante eventual alegação e demonstração de direito real sobre o bem litigioso.

Enunciado 79, CJF:

A exceptio proprietatis, como defesa oponível às ações possessórias típicas, foi abolida pelo Código Civil de 2002, que estabeleceu a absoluta separação entre os juízos possessório e petitório.

304
Q

A ação petitória pode ser ajuizada antes do fim da ação possessória?

A

Art. 1.210. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado.

§ 1 o O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituição da posse.

§ 2 o Não obsta à manutenção ou reintegração na posse a alegação de propriedade, ou de outro direito sobre a coisa.

Comentários:

[…]

Resta analisar o que dispõe o art. 557 do
CPC/2015, que reza: “Na pendência de ação possessória é vedado, tanto ao autor quanto ao réu, propor ação de reconhecimento de domínio, exceto se a pretensão for deduzida em face de terceira pessoa” (ver também art. 923 do CPC/73).

O preceito nada mais pretendeu – como se
verá, de modo equivocado – do que dar feição processual à separação e independência entre os institutos da posse e da propriedade. O atrelamento do petitório ao final do possessório, todavia, foi infeliz. Como bem coloca Adroaldo Furtado Fabrício, “o que se vê, pois, é que, a pretexto de separar o possessório do petitório, o que se acaba de fazer é, paradoxalmente, juntá-los e jungi-los um ao outro por uma relação de dependência absolutamente inexistente. Independentes que são, só razões de ordem prática, circunstancial, como a de já estar sendo discutido incidenter o direito de possuir, explicam o fechamento às partes das portas do petitório” (Comentários ao Có­ digo de Processo Civil, 12. ed. Rio de Janeiro, Fo-rense, 1984, v. VIII, t. III, p. 408).

A clássica separação entre o possessório e o
petitório tem como propósito evitar que o proprietário justifique sua má conduta no campo possessório invocando o direito de propriedade.
Quando, porém, a separação vai além do limite acima mencionado e torna-se proibição genérica, o vínculo de subordinação (somente se inicia o petitório ao terminar o possessório) acaba por produzir efeito contrário, unindo indevidamente os dois juízos.

Na verdade, o que se deve indagar é simplesmente o seguinte: caso corram ações petitória e possessória simultaneamente, haverá o risco de sentenças contraditórias? A pergunta poderia ser formulada em outros termos: há relação de prejudicialidade recíproca entre os juízos petitório e possessório?

Parece inexistir o risco de sentenças contraditórias e muito menos relação de prejudicialidade entre os referidos juízos. Isso porque, embora o objeto possa ser o mesmo em ambas as demandas – a posse –, é ele disputado por razões radicalmente distintas. Pode-se indagar: como a mesma coisa pode ter dois comandos distintos de entrega, um no juízo possessório e outro no juízo petitório, sem conflito? Simples. O bem é entregue no juízo possessório até que o proprietário o tome pelos meios legais, ou seja, no juízo petitório. A relação de direito material é perfeitamente compatível com o andamento simultâneo de ambas as ações.

Por isso, o entendimento hoje prevalente é que
a proibição contida no art. 923 não é absoluta, sob pena de mutilar o direito de propriedade e levar a situações de flagrante injustiça. A única interpretação possível do art. 923 é a utilização de critérios semelhantes aos aplicados pelo STF ao interpretar o art. 505 do CC, distinguindo as situações possessórias puras (jus possessionis) das situações possessórias impuras (jus possidendi).

Somente haverá situação antinômica entre a
ação possessória e a ação petitória que correm paralelamente, se na primeira a posse for disputada com fundamento no ius possidendi. Poderia aí a situação gerar sentenças contraditórias, uma vez que ambas analisariam a posse sob o mesmo fundamento, qual seja como conteúdo de um direito preexistente.

A jurisprudência mais recente conforta o ponto de vista ora adotado (RT 507/194, 605/55 e 650/67; RJTJESP­Lex 123/217 e 124/297). A 2a Turma do STF endossou a conclusão citada ao julgar o Recurso Extraordinário n. 89.179-0/PA, com ementa do seguinte teor: “Na pendência de processo possessório, fundado em alegação de domínio, é defeso assim ao autor como ao réu intentar ação de reconhecimento de domínio” (DJU 31.08.1979, p. 6.470, rel. Min. Cordeiro Guerra). Outra não foi a conclusão a que chegou o 1o Simpósio de Curitiba, ao editar a conclusão n. LXXIII, do seguinte teor: “o art. 923, 1a parte, só se refere a ações possessórias em que a posse seja disputada a título de domínio”.

305
Q

O esbulhada pode ajuizar ação possessória contra terceiro adquirente de boa-fé?

A

Art. 1.212. O possuidor pode intentar a ação de esbulho, ou a de indenização, contra o terceiro, que recebeu a coisa esbulhada sabendo que o era.

Comentários:
A regra em comento deriva do interdito unde
vi
do Direito romano, que tinha por objeto recuperar a posse dos imóveis esbulhados por ato violento e só podia ser intentado contra o próprio esbulhador. Foi posteriormente estendido pelo direito canônico ao terceiro adquirente, desde que estivesse de má-fé no momento da aquisição da posse.

Considera o legislador que tanto o terceiro adquirente de boa-fé como o esbulhado são – ou foram – titulares de posse justa e inclina-se a favor do primeiro, que nenhum ato ilícito praticou e tem a posse atual da coisa. Note-se que o esbulhado não tem ação possessória para recuperar a coisa em poder do adquirente de boa-fé, fundada no ius possessionis. Tem, porém, ação petitó-ria para tal finalidade, fundada no ius possiden­di, vale dizer em relação jurídica de direito real ou pessoal que confira direito à posse, matéria esmiuçada no comentário ao § 2o do art. 1.210 do CC.

Cabe a ressalva de que nem todo terceiro está
amparado por este artigo do CC. O sucessor cau­sa mortis e o sucessor universal continuam de direito a posse de seus antecessores, recebendo-a com os mesmos caracteres. Logo, se a posse do autor da herança era de má-fé, têm os sucessores legitimidade para figurar no polo passivo da ação possessória e da ação indenizatória. A posse é a mesma, com idênticas qualidades e vícios, e apenas prossegue com titular distinto.

No que se refere à sucessão inter vivosacces­
sio possessionis
– a união das posses, como já visto, é mera faculdade do adquirente, que, portanto, não tem a sua situação jurídica automaticamente contaminada pelos vícios da posse ou má-fé do antecessor. Se, no entanto, ao adquirir a posse tinha conhecimento dos vícios, tem o dever de restituir a coisa ao esbulhado, além de compor perdas e danos.

Assentou o Enunciado n. 80 aprovado na Jornada de Direito Civil promovida pelo CEJ do CJF, no período de 11 a 13 de setembro de 2002, sob a coordenação científica do Ministro Ruy Rosado, do STJ, a respeito do tema: “Art. 1.212: É inadmissível o direcionamento de demanda possessória ou ressarcitória contra terceiro possuidor de boa-fé, por ser parte passiva ilegítima, diante do disposto no art. 1.212 do novo CC. Contra o terceiro de boa-fé cabe tão somente a propositura de demanda de natureza real”.

Cabe apenas a ressalva de que, após a citação
na ação possessória, irrelevante é a cessão da posse, ou a boa-fé do adquirente. Isso porque, nos
exatos termos do art. 109, combinado com o art. 240 do CPC/2015 (art. 42, c/c o art. 219, ambos do CPC/73), a alienação da coisa ou do direito litigioso, a título particular, por ato entre vivos, não altera a legitimidade das partes. Em tal hipótese, a sentença proferida entre as partes originárias estende os seus efeitos aos adquirentes ou cessionários.

306
Q

A correção monetária constitui um fruto civil?

A

Art. 1.215. Os frutos naturais e industriais reputam-se colhidos e percebidos, logo que são separados; os civis reputam-se percebidos dia por dia.

Comentários:

Frutos naturais, ou verdadeiros, são aqueles
que nascem e renascem da coisa, sem necessidade da ação do homem. Provêm diretamente da coisa, e a colaboração humana, embora possível, não é indispensável. Frutos industriais são aqueles que pressupõem atividade humana ou indústria, necessárias e preponderantes. Frutos civis, ou rendimentos, são aqueles pagos pela utilização de coisa ou bem alheios. É a remuneração que alguém paga para poder usar coisa ou bem de terceiro, como os juros e os aluguéis. Vale destacar que a correção monetária, por constituir simples manutenção do valor real do capital, evitando a sua corrosão pela depreciação da moeda, não se qualifica como fruto civil.

307
Q

No caso de posse de má-fé, o ressarcimento das benfeitorias necessárias se dará pelo seu custo ou pelo seu valor atual?

A

Art. 1.222. O reivindicante, obrigado a indenizar as benfeitorias ao possuidor de má-fé, tem o direito de optar entre o seu valor atual e o seu custo; ao possuidor de boa-fé indenizará pelo valor atual.

308
Q

No que toca aos direitos do retomante e do possuidor, quais são as diferenças entre cada um na posse de boa-fé e na posse de má-fé?

A

Art. 1.221. As benfeitorias compensam-se com os danos, e só obrigam ao ressarcimento se ao tempo da evicção ainda existirem.

Comentários:

Verifica-se pelos artigos anteriormente examinados – direito à percepção de frutos, riscos da coisa possuída e indenização por benfeitorias – que podem existir créditos do retomante contra os possuidores e dos possuidores contra o retomante. Essa possibilidade de créditos recíprocos entre as partes é que inspirou o legislador a criar a regra da compensação entre benfeitorias e danos, restando, afinal, apenas um crédito, ou saldo, que será a moeda da indenização. Os créditos guarnecidos com direito de retenção também se prestam à compensação.

No que se refere ao possuidor de boa-fé, seus
créditos decorrem do direito à indenização pelas benfeitorias necessárias, úteis e voluptuárias que não pôde retirar sem estrago, ou, então, do investimento feito para a colheita de frutos pendentes quando da devolução da coisa. Os créditos do retomante, por seu turno, decorrem da perda ou deterioração da coisa com culpa do possuidor, ou de frutos colhidos por antecipação.

No que se refere ao possuidor de má-fé, seus
créditos decorrem ou da indenização por benfeitorias necessárias, ou do investimento feito para a produção dos frutos devolvidos ao retomante. Já os créditos do retomante nesse caso decorrem de situações várias, como da perda ou deterioração da coisa com ou sem culpa do possuidor e da devolução dos frutos colhidos ou que deixaram de ser colhidos por culpa do possuidor. A privação do uso da coisa gera naturalmente danos ao retomante, que pode cobrá-los do possuidor de má-fé.

Art. 1.214. O possuidor de boa-fé tem direito, enquanto ela durar, aos frutos percebidos.

Parágrafo único. Os frutos pendentes ao tempo em que cessar a boa-fé devem ser restituídos, depois de deduzidas as despesas da produção e custeio; devem ser também restituídos os frutos colhidos com antecipação.

Art. 1.215. Os frutos naturais e industriais reputam-se colhidos e percebidos, logo que são separados; os civis reputam-se percebidos dia por dia.

Art. 1.216. O possuidor de má-fé responde por todos os frutos colhidos e percebidos, bem como pelos que, por culpa sua, deixou de perceber, desde o momento em que se constituiu de má-fé; tem direito às despesas da produção e custeio.

Art. 1.217. O possuidor de boa-fé não responde pela perda ou deterioração da coisa, a que não der causa.

Art. 1.218. O possuidor de má-fé responde pela perda, ou deterioração da coisa, ainda que acidentais, salvo se provar que de igual modo se teriam dado, estando ela na posse do reivindicante.

Art. 1.219. O possuidor de boa-fé tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis, bem como, quanto às voluptuárias, se não lhe forem pagas, a levantá-las, quando o puder sem detrimento da coisa, e poderá exercer o direito de retenção pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis.

Art. 1.220. Ao possuidor de má-fé serão ressarcidas somente as benfeitorias necessárias; não lhe assiste o direito de retenção pela importância destas, nem o de levantar as voluptuárias.

JURISPRUDêNCIA:

Imissão de posse. Benfeitorias. Compensação. Aluguel. Para a compensação do valor das benfeitorias com o valor dos danos (art. 518 do CC), no qual foram incluídos, pelas instâncias ordinárias, os aluguéis pagos pelos autores da ação, estes devem corresponder ao tempo em que cessou a boa-fé dos possuidores (data da citação na ação de imissão) até a data em que manifestaram, nos embargos que vieram a ser julgados procedentes, a pretensão de ser indenizados pelas benfeitorias necessárias e úteis, uma vez que a partir daí estavam exercendo o direito de retenção. O valor dos aluguéis deve corresponder, aproximadamente, ao valor locativo do imóvel objeto da ação. Recurso conhecido e provido em parte. (STJ, REsp n. 279.303, 4a T., rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. 14.12.2000, DJ 12.03.2001)

309
Q

O possuidor pode cobrar do retomante os impostos que pagar durante o período de ocupação?

A

Art. 1.221. As benfeitorias compensam-se com os danos, e só obrigam ao ressarcimento se ao tempo da evicção ainda existirem.

Comentários:

[…]

A parte final do artigo ressalva que somente se
compensam os créditos decorrentes das benfeitorias existentes ao tempo da evicção. Entende-se a expressão evicção como ao tempo em que a coisa for devolvida ou entregue ao retomante. A regra é corolário lógico da razão da indenização por benfeitorias, qual seja evitar que o retomante se enriqueça à custa do possuidor, recebendo coisa melhorada sem efetuar o respectivo pagamento.

Disso decorre que, se foram feitas benfeitorias mas estas não mais existem ao tempo da devolução da coisa, não há indenização a ser paga. Indeniza-se o que existe e não o que existiu. Ressalte-se, porém, que despesas que se incorporam à coisa sem deixar vestígio material, mas que traduzem proveito ou vantagem ao retomante, devem ser levadas à compensação. É o caso do pagamento de impostos ou dos custos com a defesa da posse contra o ataque de terceiros ou da demarcação do prédio, que contribuem para que a coisa seja devolvida juridicamente incólume ao retomante.

310
Q

Pode haver posse por particular de bem público?

A

Quanto à coisa ser posta fora de comércio,
lembre-se de que o CC/2002 não mais disciplina tal categoria de bens, de modo que a figura comporta algumas observações. Há entendimento da incompatibilidade da posse de particulares sobre bens públicos. Contra a vontade do Poder Público, teria o particular simples detenção sobre a coisa. Não parece ser exata tal posição, que somente se aplica aos bens públicos de uso comum do povo ou de uso especial. Claro que não possuo a rua sobre a qual transito com o meu veículo, nem o parque onde passo horas de recreio, nem o prédio da repartição onde vou tirar uma certidão. É possível, porém, a posse de particulares sobre bens públicos dominicais, sem destinação pública. Tal posse será ad interdicta e não ad usucapio­nem, na impossibilidade de o possuidor adquirir sua propriedade pela via da usucapião. Os demais efeitos da posse, como a tutela possessória, indenização por benfeitorias, direito à percepção de frutos, porém, produzem-se normalmente, contra terceiros e contra o Poder Público, de acordo com a boa-fé ou a má-fé do possuidor. Recentes precedentes do STJ, transcritos a seguir, admitem a tutela possessória de particular que ocupa bem público contra atos ilícitos praticados por terceiros. Afirmam os precedentes que se trata de posse, e não de mera detenção, apenas com a peculiaridade de não gerar usucapião. Admitiu a Corte Superior até mesmo a conversão de ação possessória ajuizada pelo Município em face de particulares com posse longeva em ação indenizatória.

Súmula 619-STJ: A ocupação indevida de bem público configura mera detenção, de natureza precária, insuscetível de retenção ou indenização por acessões e benfeitorias.

Comentários:

E por que os ocupantes do imóvel público não terão direito?

Porque o art. 1.219 e demais dispositivos acima transcritos são inaplicáveis aos imóveis públicos. Tais dispositivos não se aplicam ao caso porque os imóveis públicos não admitem a posse privada, mas apenas a mera detenção.

O art. 1.196 do CC (veja a redação novamente acima) define o possuidor como aquele que tem, de fato, o exercício de algum dos poderes inerentes à propriedade.

Como se sabe, o particular jamais exerce poderes de propriedade sobre o imóvel público porque o imóvel público não pode ser usucapido.

O particular, portanto, não poderá ser considerado possuidor de área pública. O nome jurídico da sua relação com o bem público é “detenção”. Assim, o particular que invade um bem público é considerado mero detentor. A mera detenção é um instituto jurídico de natureza precária e que é mais restrito que a posse. Assim, não se confere ao mero detentor os mesmos direitos do possuidor.

A doutrina e a jurisprudência entendem que a posse privada do bem público não se coaduna (não se harmoniza) com os princípios da indisponibilidade e da supremacia do interesse público.

As realizações feitas no imóvel nem geram benefício ao Poder Público

Vale ressaltar que, juridicamente, os argumentos acima expostos já seriam suficientes para afastar o direito à indenização e à retenção por parte dos detentores.

Ressalte-se, no entanto, que alguns julgados do STJ mencionam ainda outro aspecto: as construções feitas pelos invasores (exs: casas, barracos, galinheiros etc.), não geram qualquer utilidade para o poder público, que terá, ainda, que demolir tudo a fim de permitir que o imóvel seja utilizado para a finalidade ao qual estava prevista (ex: construção de uma repartição pública, de uma praça etc).

Assim, seria incoerente impor à Administração a obrigação de indenizar por construções feitas irregularmente no imóvel público, considerando que tais obras não terão qualquer utilidade para o poder público e, ao contrário, gerarão gastos de recursos do erário para a sua demolição.

Alguns Ministros chegam a afirmar nos votos que “a indenização, na hipótese, é devida pelo invasor, não pelo Poder Público.” (Min. Herman Benjamin).

Mas o Poder Público foi omisso e permitiu que os invasores ficassem anos no local…

“O imóvel público é indisponível, de modo que eventual omissão dos governos implica responsabilidade de seus agentes, nunca vantagem de indivíduos às custas da coletividade.

Invasores de áreas públicas não podem ser considerados sócios ou beneficiários da omissão, do descaso e da inércia daqueles que deveriam zelar pela integridade do patrimônio coletivo.

(…)

Entender de modo diverso é atribuir à detenção efeitos próprios da posse, o que enfraquece a dominialidade pública, destrói as premissas básicas do Princípio da Boa-Fé Objetiva, estimula invasões e construções ilegais, e legitima, com a garantia de indenização, a apropriação privada do espaço público.

(…)

Saliente-se que o Estado pode – e deve – amparar aqueles que não têm casa própria, seja com a construção de habitações dignas a preços módicos, seja com a doação pura e simples de residência às pessoas que não podem por elas pagar. É para isso que existem as Políticas Públicas de Habitação federais, estaduais e municipais. O que não se mostra razoável é torcer as normas que regram a posse e a propriedade para atingir tais objetivos sociais e, com isso, acabar por dar tratamento idêntico a todos os que se encontram na mesma situação de ocupantes ilegais daquilo que pertence à comunidade e às gerações futuras – ricos e pobres.” (Min. Herman Benjamin, no Resp 945.055/DF).

OBS:Particulares podem sim ajuizar ação possessória para resguardar o livre exercício do uso de via municipal (bem público de uso comum do povo) instituída como servidão de passagem. STJ. 3ª Turma. REsp 1.582.176-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 20/9/2016 (Info 590).

311
Q

O que é direito real sobre coisa própria e direito real sobre coisa alheia?

A

Os direitos reais classificam-se em direito real
sobre coisa própria e direito real sobre coisa alheia. O direito real sobre coisa própria é apenas a propriedade. A entrega de parte das faculdades reais do proprietário a terceiros gera os direitos reais sobre coisas alheias. Verifica-se, portanto, que os direitos reais sobre coisas alheias são parcelas do direito real maior, que é a propriedade.

Os direitos reais sobre coisa alheia, por seu
turno, subdividem-se em direitos reais limitados de gozo ou fruição (superfície, servidão, usufruto, uso e habitação); direito real de aquisição (direito de promitente comprador); e direitos reais de garantia (hipoteca, anticrese, penhor e propriedade fiduciária).

A posse, tal como ocorria no CC/1916, não se
encontra no rol dos direitos reais, o que reforça a tese de se tratar de um instituto sui generis; uma situação de fato, similar ao comportamento do proprietário, que gera uma série de efeitos que se situam entre os direitos pessoais e os direitos reais.

312
Q

Como se perde a posse?

A

Art. 1.223. Perde-se a posse quando cessa, embora contra a vontade do possuidor, o poder sobre o bem, ao qual se refere o art. 1.196.

Comentários:

[…]
Segundo o art. 1.196 do CC, possuidor é todo
aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de alguns dos poderes inerentes ao domínio. Adquire a posse quem passa a assim se comportar e perde a posse quem deixa de assim se comportar. Perde-se a posse toda vez que o possuidor não exerça, ou não possa exercer, poder correspondente ou análogo ao do proprietário, ou seja, quando deixa de ter a visibilidade do domínio.

Cabe ressaltar que nem sempre o possuidor mantém conduta comissiva em relação à coisa. Não há necessidade de manter a coisa sob seu poder físico, imediato, porque nem sempre assim se comporta o proprietário em relação ao que é seu. Basta ao possuidor que se comporte como dono, dando ostensivamente à coisa a sua destinação econômica e natural, conservando-a e defendendo-a, porque assim age o proprietário. Logo, não perde o possuidor a posse de uma casa de campo ou de praia, que somente a frequenta durante temporada de férias, porque esta é a sua natural destinação.

Tem a posse dois elementos, o objetivo (corpus)
e o subjetivo (animus). Perde-se a posse quando deixa de existir qualquer um dos elementos, ou os dois concomitantemente.

Por falta dos elementos objetivo e subjetivo,
perde-se a posse pelo abandono, ou pela tradição. No abandono, o possuidor abdica da posse, por ato unilateral. Na tradição, o alienante transmite a posse, com entrega da coisa ao adquirente.

Por falta somente do elemento objetivo, perde-se a posse pela destruição ou perda da coisa, pela posse de outrem e pelo fato de ser posta fora de comércio. Na perda da coisa, conserva o possuidor a vontade de recuperá-la, tanto assim que o descobridor, que a localiza, deve devolvê-la ao possuidor ou proprietário que está à sua procura. Na destruição, a coisa desaparece contra a vontade do possuidor, quer por fato natural, quer por ato de terceiro. Deve a destruição ser total e permanente, caso contrário remanesce a posse sobre o que restou da coisa, ou se mantém a posse sobre a coisa temporariamente inacessível. Quanto à posse de outrem, pode se dar por ato que conte com a anuência do possuidor como também contra a sua vontade, caso em que ocorrerá o esbulho, se o ato de terceiro for ilícito. Nesta última hipótese, confere o ordenamento direito ao ex-possuidor de reagir, usando a tutela possessória, quer pela autotutela, quer pelas ações possessórias, para recuperar a posse injustamente perdida.

[…]

Por falta do elemento subjetivo, perde-se a
posse pelo constituto possessório, que nada mais é do que uma forma ficta de tradição, pela qual o alienante continua com poder material sobre a coisa, mas em nome do adquirente.

313
Q

Cite hipóteses em que a transmissão da propriedade independe de registro?

A

Art. 1.227. Os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com o registro no Cartório de Registro de Imóveis dos referidos títulos (arts. 1.245 a 1.247), salvo os casos expressos neste Código.

Comentários:

De igual modo, também as transmissões da
propriedade imobiliária causa mortis independem do registro, porque ocorrem no exato momento da morte, por força do instituto da saisi­ne, consagrado no art. 1.784 do CC. O inventário, a partilha e o registro do respectivo formal têm o propósito de atribuir quinhões certos aos herdeiros, extinguindo ou modificando o condomínio criado pela morte do autor da herança, bem como o de permitir a disponibilidade dos imóveis herdados, em atenção ao princípio da continuidade do registro imobiliário.

A parte final do art. 1.227 ressalva “casos expressos neste Código”, em que, por exceção e mediante expressa previsão do legislador, deixa o registro de ter caráter constitutivo do direito real. Caso exemplar é o do casamento pelo regime da comunhão universal de bens, no qual a transmissão de imóveis ocorre independentemente do registro. Lembre-se de que a certidão de casamento é somente averbada no registro imobiliário, com a finalidade de preservar a continuidade, no momento da transmissão do imóvel do casal a terceiro. Outros casos, embora de natureza duvidosa, podem ser citados. Discute-se a natureza jurídica do usufruto legal e do direito de habitação do viúvo. Ainda para aqueles que os consideram direitos reais, ou assemelhados, dispensa-se o registro. Os efeitos em relação a terceiros decorrem da própria situação jurídica dos titulares (pais em relação aos bens dos filhos menores sujeitos ao poder familiar, viúvo em relação ao imóvel residencial do casal, se for o único daquela natureza a inventariar), independentemente do registro.

314
Q

Qual a diferença de posse justa para efeito possessório e para efeito reivindicatório?

A

Vale destacar que a expressão injustamente a
possua, para efeito reivindicatório, tem sentido mais abrangente do que para simples efeito possessório. Nos termos do art. 1.200 do CC, anteriormente comentado, posse injusta, para efeito possessório, é a marcada pelos vícios de origem da violência, clandestinidade e precariedade. Já para efeito reivindicatório, posse injusta é aquela sem causa jurídica a justificá-la, sem um título, uma razão que permita ao possuidor manter consigo a posse de coisa alheia. Em outras palavras, pode a posse não padecer dos vícios da violência, clandestinidade e precariedade e, ainda assim, ser injusta para efeito reivindicatório. Basta que o possuidor não tenha um título para sua posse. É por isso que não cabe a ação reivindicatória, entre outros, contra o locatário, o comodatário, o credor pignoratício, o devedor-fiduciante, o usufrutuário, pois na vigência dos aludidos negócios ou direitos reais as posses diretas têm causas jurídicas que as justificam, ou seja, não são injustas nem para efeito possessório, nem para efeito petitório.

315
Q

O compromitente comprador pode ajuizar ação reivindicatória? E o usufruturário?

A

Tem legitimidade para ajuizar a ação reivindicatória o proprietário. Pode o condômino de imóvel indiviso reivindicá-lo no todo de terceiro, mas não quando o possuidor for outro condômino. Caso o condomínio seja pro diviso, ou seja, com as posses localizadas dos comunheiros, o entendimento mais recente do STJ é a admissão da ação reivindicatória. Grassa controvérsia sobre a possibilidade do compromitente comprador com título registrado ajuizar ação reivindicatória. O melhor entendimento é no sentido de se admitir tal possibilidade, levando em conta que o compromisso de compra e venda é contrato preliminar impróprio, que esgota a atividade negocial, deixando a escritura definitiva como simples ato devido, despido de maior significado. Admitiu o STJ, corretamente, que também o usufrutuário possa ajuizar ação reivindicatória, quer contra o nu-proprietário, quer contra terceiros, invocando o direito real de tirar o proveito da coisa e fundado no jus possidendi.

JURIS:
O usufrutuário possui legitimidade e interesse para propor ação reivindicatória – de caráter petitório – com o objetivo de fazer prevalecer o seu direito de usufruto sobre o bem, seja contra o nu-proprietário, seja contra terceiros. A legitimidade do usufrutuário para reivindicar a coisa, mediante ação petitória, está amparada no direito de sequela, característica de todos os direitos reais, entre os quais se enquadra o usufruto, por expressa disposição legal (art. 1.225, IV, do CC). A ideia de usufruto emerge da consideração que se faz de um bem, no qual se destacam os poderes de usar e gozar ou usufruir, sendo entregues a uma pessoa distinta do proprietário, enquanto a este remanesce apenas a substância da coisa. Ocorre, portanto, um desdobramento dos poderes emanados da propriedade: enquanto o direito de dispor da coisa permanece com o nu-proprietário (ius abutendi), a usabilidade e a fruibilidade (ius utendi e ius fruendi) passam para o usufrutuário. Assim é que o art. 1.394 do CC dispõe que o “usufrutuário tem direito à posse, uso, administração e percepção dos frutos”. Desse modo, se é certo que o usufrutuário – na condição de possuidor direto do bem – pode valer-se das ações possessórias contra o possuidor indireto (nu-pro-prietário), também se deve admitir a sua legitimidade para a propositura de ações de caráter petitório – na condição de titular de um direito real limitado, dotado de direito de sequela – contra o nu-proprietário ou qualquer pessoa que obstaculize ou negue o seu direito. A propósito, a possibilidade de o usufrutuário valer-se da ação petitória para garantir o direito de usufruto contra o nu-proprietário, e inclusive erga omnes, encontra amparo na doutrina, que admite a utilização pelo usufrutuário das ações reivindicatória, confessória, negatória, declaratória, imissão de posse, entre outras. Pre-cedente citado: REsp n. 28.863/RJ, 3a T., DJ 22.11.1993 (STJ, REsp n. 1.202.843/PR, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 21.10.2014)

316
Q

A ação reivindicatória está sujeita a que prazo prescricional?

A

Não se encontra a reivindicação sujeita à prescrição extintiva, uma vez que não tem a natureza de direito subjetivo à determinada prestação, mas sim de exercício de qualidade inerente a direito real, com fundamento na sequela sem prazo assinado em lei (José de Oliveira Ascensão, Di­ reito civil reais, 5.ed. Coimbra, Coimbra, 2000, item 215, p. 431-2).

Disso decorre que pode a ação reivindicatória
ser ajuizada a qualquer tempo. O que pode ocorrer é a reivindicação ser paralisada e obstada por exceção de usucapião oposta pelo possuidor. Trata-se, na verdade, de oposição da aquisição do domínio a título originário pelo possuidor usucapiente, com o efeito de extinguir a propriedade registrária anterior do reivindicante e levar à improcedência da ação reivindicatória. Nesse sentido é que se afirma que a ação reivindicatória não se encontra sujeita à prescrição extintiva, mas tão somente à prescrição aquisitiva mediante exceção de usucapião do requerido possuidor.

317
Q

O que é função social da propriedade? Quais são as consequências de seu descumprimento?

A

Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.

§ 1 o O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.

Comentários:

O artigo em comento visou dar operatividade à cláusula geral do art. 5o, XXIII, da CF, que dispõe ter a propriedade função social.

É conveniente a análise sucessiva dos termos
que a compõem. Função é o papel que um princípio, norma ou instituto desempenha no interior de um sistema ou estrutura. Serve para definir o concreto modo de operar de um instituto ou de um direito de características morfológicas particulares e manifestas. Função é a satisfação de uma necessidade, que pressupõe, sempre, uma relação com um bem apto a satisfazê-la (interesse), na esfera jurídica de um sujeito (pertinência).

O termo social tem conteúdo aberto, podendo ser usado como sinônimo de expressões diversas, como bem­-estar social, utilidade social, in­teresse social, fim social. Como sintetiza Stefano Rodotà, todas as expressões reconduzem a um máximo social [“Proprietà (Diritto vigente)”. In: Novissimo Digesto italiano. Utet, Torino, 1957, p. 137]. É o meio de alcançar o estabelecimento de relações sociais mais justas, de promover a igualdade real. Pode haver um objetivo de aumento da produção material, mas subordinado a sua distribuição mais equitativa. Em termos diversos, não basta a simples destinação à produção, ou a só utilização de um bem, para dar por adimplida a função social. Busca-se uma coordenação entre a atividade do particular e os interesses coletivos, para melhor utilização dos recursos.

A função social há de ser encontrada naquelas posições jurídicas merecedoras de tutela pela Constituição, embora muitas vezes só possam ser identificadas no momento da lesão. São o que Gustavo Tepedino denomina contradireitos, em aparente antinomia com a propriedade, mas que, na verdade, constituem sua conformação a outros centros de interesses (ou seja, sua função social). Tomem-se como exemplo o meio ambiente, a defesa do consumidor, a proteção da família e do idoso, a saúde, a segurança, o lazer, as relações de trabalho, a produção e distribuição de riquezas, entre outros, que têm ampla gama de destinatários: o titular da relação jurídica de propriedade, os terceiros não proprietários, titulares de contradireitos, o legislador e o juiz. Serve como parâmetro de comportamentos do proprietário, indicando-lhe o rumo de proceder de acordo com os valores fundamentais da Constituição; serve de norte ao legislador, para que não conceda ao proprietário poderes supérfluos ou contraproducentes ao interesse social; serve ao juiz, como critério de interpretação da disciplina proprietária (gondinho, André Osório. “Função social da propriedade”. In: Problemas de direito civil cons­ titucional, coord. Gustavo Tepedino. Rio de Ja-neiro, Renovar, 2000, p. 421).

A função social é um poder-dever do proprietário de dar ao objeto da propriedade determinado destino, de vinculá-lo a certo objetivo de interesse coletivo. Não pode ser encarada como algo exterior à propriedade, mas como elemento integrante de sua própria estrutura. Os limites legais são intrínsecos à propriedade. Fala-se não mais em atividade limitativa, mas conformativa do legislador. Como resume Pietro Perlingieri, a função social não deve ser entendida em oposição, ou ódio, à propriedade, mas “a própria razão pela qual o direito de propriedade foi atribuído a determinado sujeito” (Introdução ao direito civil constitucional, 2. ed. Rio de Janeiro, Renovar, 1999, p. 22).

Se a propriedade é um direito – ou uma situação jurídica complexa – atribuído pela ordem jurídica a um titular, nada mais natural que essa mesma ordem jurídica estipule determinada conduta a ser seguida, ou fixe um objetivo social que, de um ponto de vista passivo, é cometido ao proprietário. Pode o ordenamento determinar comportamento específico do proprietário, sob pena de deixar ele de ser merecedor da tutela da propriedade (prata, Ana. A tutela constitucional da autonomia privada. Coimbra, Almedina, 1982, p. 164).

A menção de respeito ao meio ambiente, com
remissão à lei especial, não esgota o conteúdo da função social que, como frisado, envolve todos os contradireitos merecedores de tutela pela CF. Note-se, ainda, que o legislador mencionou as finalidades econômicas e as finalidades sociais, fixando não bastar apenas a exploração das utilidades patrimoniais da coisa, mas que as vantagens revertam também em proveito da coletividade.

Questão das mais delicadas e de difícil trato é
a da vedação pelo ordenamento jurídico da tutela da propriedade que, por algum motivo, deixa de cumprir sua função social. É moeda corrente da melhor doutrina, na esteira do entendimento de Stefano Rodotà (op. cit., p. 139), que a sanção ao mau comportamento do proprietário, quando este desobedece a obrigações e ônus postos a seu cargo, determina a superveniente carência de legitimação à titularidade ou ao exercício do direito. No mesmo sentido, assevera Pietro Perlingieri (op. cit., p. 282) que “a ausência de atuação da função social, portanto, faz com que falte a razão da garantia e do reconhecimento do direito de propriedade”.

Negar, pura e simplesmente, qualquer ato de
defesa do mau proprietário à agressão de terceiros significaria legitimar o reino da força, uma vez que, sendo os bens escassos em relação às necessidades do homem, seria inevitável a luta por sua apropriação. Não se pode olvidar, ao examinar a questão, que a própria CF, ao disciplinar o mau uso da propriedade, urbana ou rural, estipulou gradativas sanções – anteriormente vistas – que vão desde a edificação compulsória, passando pela tributação progressiva, até a desapropriação para fins de interesse social, mediante pagamento em títulos da dívida pública. Não cogitou, todavia, da negativa de tutela, ou da retirada de legitimação do mau proprietário. Não cabe, de
fato, ao particular, à margem e contra o poder público, sancionar pessoalmente o mau proprietário, desprezando o devido processo legal. Descartam-se, assim, invasões ou atos maculados com os vícios da violência, clandestinidade ou precariedade,
que pretendam retirar do proprietário os jus utendi e fruendi, ainda que com o elevado propósito de, em momento posterior, conformar o bem a sua função social.Chancelar tal conduta significaria punir uma conduta ilícita com outra conduta ilícita, em perigoso jogo de compensações pautado no exercício das próprias razões. Não há como conferir ao particular a prerrogativa de decidir, por critérios subjetivos e como juiz das próprias razões, qual relação proprietária não cumpre sua função social, quem vai tomá-la do titular e dela beneficiar-se e qual o destino a ser dado ao bem.
Como constou de recente julgado, “a invasão
de propriedade urbana não encontra respaldo na ordem jurídica, inobstante enquanto movimento político os objetivos possam até ser justos. A discussão sobre a função social da propriedade compete ao Poder Público municipal, estabelecendo e verificando seu cumprimento. Qualquer desapropriação há de ser realizada mediante prévia e justa indenização” (RT 727/294). Igual entendimento perfilha o STJ: “A invasãode terras é necessariamente clandestina e violenta, não podendo gerar posse justa” (STJ, REsp n. 219.579/DF, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. 26.09.2000, DJU 04.12.2000).

É necessário, diante do exposto, encontrar um
juízo de razoabilidade entre as duas situações indesejáveis, uma que peca pelo estímulo à violência e a outra que peca pelo estímulo ao abuso do direito de propriedade. Alguns critérios podem ser usados, sempre levando em conta as peculiaridades do caso concreto. O primeiro é a aplicação do princípio da adequação, que traduz a exi-gência de os meios adotados serem apropriados à consecução dos objetivos pretendidos, ou seja, o apossamento da res vise e seja adequado a fazê-la cumprir a função social. O segundo é a aplicação do princípio da necessidade, ou seja, que a medida restritiva à relação proprietária seja in-dispensável à conservação do próprio ou de ou-tro direito fundamental e não possa ser substi-tuída por outra igualmente eficaz, mas menos gravosa. O terceiro critério é a aplicação do princípio da proporcionalidade em sentido estrito, mediante ponderação entre a carga de restrição em função dos resultados. Devem ser identificadas, também, as demais circunstâncias fatuais re-levantes dos direitos em conflito, por exemplo, a antiguidade da constituição do direito, os com-portamentos ético-jurídicos censuráveis das par-tes na disputa e as consequências objetivas resultantes da decisão do conflito.

318
Q

Qual a natureza jurídica de prerrogativa prevista no art. 1.228, pár. 4, do CC?

A

Art. 1.228. […]

§ 4 o O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante.

§ 5 o No caso do parágrafo antecedente, o juiz fixará a justa indenização devida ao proprietário; pago o preço, valerá a sentença como título para o registro do imóvel em nome dos possuidores.

Comentários:

Recebeu do professor Miguel Reale o preceito
em exame a denominação de desapropriação judicial. Não há, na verdade, desapropriação, nem indenização a ser paga pelo Poder Público. Cuida-se de alienação compulsória do proprietário sem posse ao possuidor sem propriedade, que preencha determinados requisitos previstos pelo legislador. Inicia a regra afirmando que o proprietário também pode ser privado da coisa, criando o legislador, assim, uma nova modalidade de perda da propriedade imóvel, por sentença judicial.

[…]

O legislador, em seguida, qualifica a posse com
diversos requisitos cumulativos: ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas que nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante. Não pode ter a posse solução de continuidade, sendo imprestável a soma de períodos esparsos para completar o quinquênio. Note-se que a interrupção da posse por ato ilícito de terceiro – inclusive o proprietário – com devolução da coisa ao possuidor em razão de tutela possessória mantém a qualidade da continuidade. Entender o contrário seria estimular o exercício arbitrário das próprias razões pelo proprietário.

[…]

Exige-se, ainda, que a posse da extensa área
seja exercida por considerável número de pessoas. Novamente usou o legislador de conceito indeterminado, conferindo poder ao juiz para, no exame do caso concreto, verificar se naquele local e tempo o número de possuidores é expressivo, de modo que o instituto tenha significado social relevante.

[…]

Há acesa controvérsia sobre a constitucionalidade do preceito. Caio Mário da Silva Pereira tacha-o de inconstitucional, por não caber à legislatura ordinária criar uma nova modalidade de desapropriação, ainda mais sem indenização prévia, irrealizável, por não se definir quem pagará a indenização e inconveniente, por ficar a critério exclusivo do juiz, sujeito a injunções (“Crítica ao anteprojeto de Código Civil”. In: Revista Forense. Rio de Janeiro, v. 242, abril-junho/1973, p. 21-2). A crítica, em que pese a autoridade de seu autor, cede a melhores argumentos. Não se trata de desapropriação, por não se cogitar de ato de império do poder público, mas de alienação compulsória.

Nosso ordenamento sempre abrigou, por
exemplo, a alienação compulsória de coisa comum e indivisível, caso qualquer condômino deseje extinguir o condomínio e nunca sequer se cogitou de questionar a constitucionalidade do preceito. Na verdade, ocorrerá uma sub-rogação real, mediante substituição da coisa pelo equivalente preço, sem diminuição quantitativa do patrimônio do proprietário. Nesse sentido, o Enunciado n. 82 aprovado na Jornada de Direito Civil, promovida pelo CEJ do CJF: “É constitucional a modalidade aquisitiva de propriedade imóvel prevista nos §§ 4o e 5o do art. 1.228 do novo CC”

319
Q

Qual a diferença entre domínio e propriedade?

A

Art. 1.231. A propriedade presume-se plena e exclusiva, até prova em contrário.

Comentários:

O artigo em estudo pouco modifica o que continha o CC/1916, apenas substituindo corretamente os termos domínio por propriedade e ilimitado por pleno. Com a primeira substituição, evitou o legislador que se fizesse a clássica distinção entre domínio e propriedade; o primeiro relativo a sujeitos de direito que tem por objeto direto e imediato coisas corpóreas, e a segunda compreensiva de todos os direitos que compõem nosso patrimônio.

INTERNET:

A propriedade pode ser compreendida, em seu conceito clássico, como o poder jurídico atribuído a uma pessoa de usar, gozar e dispor de um bem corpóreo (coisas móveis e imóveis) ou incorpóreo (direito autoral e direito de crédito) em sua plenitude e dentro dos limites estabelecidos na lei, bem como reivindicá-lo de quem injustamente o detenha. Nesse sentido, para a doutrina clássica, a palavra domínio representaria a propriedade que seria exercida sobre bens corpóreos; enquanto a palavra propriedade seria muito mais ampla, porque diria respeito à titularidade exercida sobre bens corpóreos e incorpóreos. Logo, propriedade seria gênero, enquanto domínio é espécie.

Tal visão clássica, entretanto, deixa de indicar efetivamente o que é a propriedade e o que é o domínio, pois ambos institutos se entrelaçam. Diante disso, os contemporâneos tendem a conceituar a propriedade como a relação jurídica formal estabelecida entre o proprietário de uma coisa e os não proprietários. A propriedade, portanto, é a titularidade formal de um bem. Enquanto o domínio seria o vínculo material de submissão direto e imediato de uma coisa ao poder do seu titular através do exercício das faculdades de usar, gozar ou fruir, dispor e reaver.

Nesse elastério, a transferência da titularidade formal de um bem (propriedade) não implica, necessariamente, na transferência do domínio. De modo que a propriedade e o domínio da mesma coisa podem estar concentrados em pessoas diferentes, isto é: o indivíduo pode ser proprietário e não ter o domínio, bem como pode ter o domínio, mas não ser proprietário.

Cumpre, por fim, ressaltar que a posse é o exercício fático de alguns dos poderes decorrentes do domínio, quais sejam: usar, fruir ou gozar, dispor e reivindicar ou reaver. Em termos práticos, todo aquele que puder exercer um destes poderes dominiais sobre determinada coisa, tem a posse desta.

INTERNET 2:

É comum confundir as definições de propriedade e domínio, posse e detenção, muitas vezes sem ser feita a devida distinção, sendo tratados como sinônimos, quando na verdade, todos são autônomos, ainda que, muitas vezes, complementares.

O Código Civil brasileiro adotou a teoria objetiva para conceituar o titular da posse, como se verifica no artigo 1.196: “Considera-se possuidor todo aquele que de tem de fato o exercício, pleno, ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade.” (grifou-se)

Infere-se, portanto, que posse é o exercício regular, pleno ou não, uma vez que a posse pode ser desdobrada, além de haver também os casos de composse, dos poderes inerentes à propriedade.

A primeira questão a ser esclarecida é que domínio e propriedade não são sinônimos, como costuma ser difundido pelos manuais que tratam do assunto, nos quais, podem ser encontrados os dois institutos sendo substituídos um pelo outro como se fossem o mesmo. Por certo, os institutos não se encontram em campos diametralmente opostos do ordenamento jurídico, no entanto, ainda que complementares, é importante entendê-los como distintos.

Entender propriedade como domínio, de maneira geral, é ignorar o processo de constitucionalização pelo qual o direito brasileiro vem passando, na qual a propriedade, muito mais que um direito exclusivo e ilimitado, deve atender suas funções sociais, sob pena de perda da mesma.

A propriedade já foi entendida pura e simplesmente como o direito subjetivo do proprietário de usar, gozar, dispor e reaver a coisa, como melhor lhe aprouvesse. Aqui de fato, domínio e propriedade se confundem, uma vez que esta era vista apenas como um direito real, sem estar ligada ao campo obrigacional.

Apesar da insistência dos manualistas em utilizarem os institutos como sinônimos,com base em teorias já superadas, passa-se à análise de algumas distinções que deixam evidente que domínio e propriedade são distintos, mas também complementares.

O domínio é o sustentáculo dos direitos reais. As faculdades de gozar, usar, dispor e reaver a coisa, são inerentes ao domínio. E neste ponto reside, em princípio, a controvérsia, afinal, as prerrogativas de se usarem estas faculdades são do proprietário, como estabelece o Código Civil em seu artigo 1.2289.

Ocorre que o próprio ordenamento jurídico não se mostra claro, já que ora trata propriedade e domínio como sinônimos, ora como autônomos, ressalte-se que esta divergência não é privilegio apenas destes institutos, eis que vários outros são tratados sem a devida consideração.

Se a propriedade e o domínio tivessem o mesmo conceito, qual a necessidade do magistrado reconhecer e declarar, nas ações de usucapião, o domínio? Aliás, seria inócua esta medida, bastando apenas declarar o sujeito proprietário. Ademais, é permitido nas ações reipersecutórias aventar a usucapião como matéria de defesa, justamente por causa do domínio.

Por certo que para se compreender a propriedade, mister se faz que se entenda o domínio. Porém, com os fundamentos constitucionais que adquiriram os direitos reais, é difícil entender a propriedade apenas como uma relação do sujeito com a coisa, antes disso, a propriedade assume muito mais uma relação obrigacional.

É consabido que o proprietário tem as faculdades de usar, gozar, dispor e reaver o bem, desde que esteja consolidado seu domínio. Porém, antes de exercer tais prerrogativas que lhe são inerentes, deve atender a inserção social da propriedade, isto quer dizer, deve atender a prestação obrigacional que a propriedade lhe impõe.

320
Q

É possível a usucapião de imóvel sem registro?

A

Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.

Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo.

Comentários:

Os imóveis sem registro, ou com titular não
localizado no registro imobiliário, podem ser usucapidos, devendo o poder público provar a propriedade sobre eles. A falta de localização do registro não significa, por si só, que o imóvel seja público.

321
Q

É cabível usucapião entre condôminos?

A

Ainda no que se refere ao objeto, o entendimento dos tribunais é do cabimento da usucapião entre condôminos no condomínio tradicional, desde que seja o condomínio pro diviso, ou haja posse exclusiva de um condômino sobre a totalidade da coisa comum. Exige-se, em tal caso, que a posse seja inequívoca, manifestada claramente aos demais condôminos, durante todo o lapso temporal exigido em lei. Deve estar evidenciado aos demais comunheiros que o usucapiente não reconhece a soberania alheia ou a concorrência de direitos sobre a coisa comum.

No que tange à possibilidade de usucapião sobre área comum de condomínio edilício, o entendimento é outro, embora persista divergência nos tribunais. As áreas comuns, por norma cogente, são inalienáveis separadamente da unidade autônoma e não podem ser usadas com exclusividade por um dos condôminos, razão pela qual não podem ser usucapidas por um contra os demais (RTJ 80/851; RJTJSP 129/266, 180/43 e 207/15; RT 734/343 e 753/236). Em casos excepcionais, admite-se usucapião sobre áreas comuns específicas, especialmente se não houver oposição da parte dos demais condôminos (RSTJ 130/367). O STJ, em mais de uma oportunidade, entendeu que o prolongado uso de área comum de condomínio edilício não gera usucapião, mas a posse deve continuar em poder do condômino, em razão da prolongada inércia do condomínio, gerador de supressio (ver jurisprudência a seguir). Nada impede, porém, que tenha a usucapião por objeto a própria unidade autônoma, inclusive garagem, caso em que a propriedade será declarada também sobre a correspondente fração ideal de terreno, determinada na constituição do condomínio edilício. Em tal caso, não há necessidade da citação de todos os demais condôminos, mas apenas do condomínio na pessoa do síndico. A razão da desnecessidade da citação de todos os demais condôminos é simples: recairá a usucapião sobre propriedade plena da unidade autônoma, com a indissociável fração ideal constante da instituição do condomínio edilício. Perderá a propriedade apenas o titular registrário da unidade autônoma, sendo a usucapião indiferente aos demais condôminos, que não verão afetadas as respectivas frações ideais. Não se cogita também da possibilidade de invasão dos imóveis confinantes, levando em conta a natureza peculiar e delimitada da unidade autônoma.

322
Q
A
323
Q

É possível reconhecer a usucapião de imóvel rural de área inferior ao módulo rural?

A

Quanto ao objeto, controvertem doutrina e
jurisprudência sobre a possibilidade da usucapião incidir sobre imóveis rurais de área de superfície inferior ao módulo rural, ou sobre imóveis urbanos de área inferior à Lei do Parcelamento do Solo Urbano (Lei n. 6.766/79) ou leis municipais. O melhor entendimento é admitir a usucapião, salvo prova de marcada fraude à lei, levando em conta o modo originário de aquisição e a consolidação de situação jurídica já sedimentada de fato. De igual modo, a ausência da menção à existência de acessões não impede o registro da sentença, pois a aquisição originária do solo inclui a das construções acessórias. Controverte a doutrina sobre questões atinentes a parcelamentos do solo clandestinos, ocupação de áreas de mananciais e de proteção ambiental, de risco ou inadequadas para moradias. É preciso entender, porém, que eventuais ilegalidades dizem respeito à ocupação do solo, e não à declaração de propriedade. Parece pouco lógico que se negue a usucapião, mas se mantenham as posses sobre imóveis irregulares, perpetuando situação de incerteza. A usucapião não gera a ocupação irregular do solo, mas apenas é o primeiro passo para futura reurbanização.

INFO 566, STJ:

DIREITO CIVIL E CONSTITUCIONAL. POSSIBILIDADE DE USUCAPIÃO DE IMÓVEL RURAL DE ÁREA INFERIOR AO MÓDULO RURAL.

Presentes os requisitos exigidos no art. 191 da CF, o imóvel rural cuja área seja inferior ao “módulo rural” estabelecido para a região (art. 4º, III, da Lei 4.504/1964) poderá ser adquirido por meio de usucapião especial rural. De fato, o art. 65 da Lei 4.504/1964 (Estatuto da Terra) estabelece que “O imóvel rural não é divisível em áreas de dimensão inferior à constitutiva do módulo de propriedade rural”. A Lei 4.504/1964 (Estatuto da Terra) - mais especificamente, o seu art. 4º, III (que prevê a regra do módulo rural), bem como o art. 65 (que trata da indivisibilidade do imóvel rural em área inferior àquele módulo) -, ainda que anterior à Constituição Federal de 1988, buscou inspiração, sem dúvida alguma, no princípio da função social da propriedade. Nesse contexto, cabe afirmar que a propriedade privada e a função social da propriedade estão previstas na Constituição Federal de 1988 dentre os direitos e garantias individuais (art. 5º, XXIII), sendo pressupostos indispensáveis à promoção da política de desenvolvimento urbano (art. 182, § 2º) e rural (art. 186, I a IV). No caso da propriedade rural, sua função social é cumprida, nos termos do art. 186 da CF, quando seu aproveitamento for racional e apropriado; quando a utilização dos recursos naturais disponíveis for adequada e o meio ambiente preservado, assim como quando as disposições que regulam as relações de trabalho forem observadas. Realmente, o Estatuto da Terra foi pensado a partir da delimitação da área mínima necessária ao aproveitamento econômico do imóvel rural para o sustento familiar, na perspectiva de implementação do princípio constitucional da função social da propriedade, importando sempre e principalmente, que o imóvel sobre o qual se exerce a posse trabalhada possua área capaz de gerar subsistência e progresso social e econômico do agricultor e sua família, mediante exploração direta e pessoal - com a absorção de toda a força de trabalho, eventualmente com a ajuda de terceiros. A Constituição Federal de 1988, em seu art. 191, cujo texto se faz idêntico no art. 1.239 do CC, disciplinou a usucapião especial rural, nos seguintes termos: “Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinquenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade”. Como se verifica neste artigo transcrito, há demarcação de área máxima passível de ser usucapida, não de área mínima, o que leva os doutrinadores a concluírem que mais relevante que a área do imóvel é o requisito que precede a ele, ou seja, o trabalho realizado pelo possuidor e sua família, que torna a terra produtiva e lhe confere função social. A usucapião especial rural é caracterizada pelo elemento posse-trabalho. Serve a essa espécie tão somente a posse marcada pela exploração econômica e racional da terra, que é pressuposto à aquisição do domínio do imóvel rural, tendo em vista a intenção clara do legislador em prestigiar o possuidor que confere função social ao imóvel rural. Assim, a partir de uma interpretação teleológica da norma, que assegure a tutela do interesse para a qual foi criada, conclui-se que, assentando o legislador, no ordenamento jurídico, o instituto da usucapião rural, prescrevendo um limite máximo de área a ser usucapida, sem ressalva de um tamanho mínimo, estando presentes todos os requisitos exigidos pela legislação de regência, não há impedimento à aquisição usucapicional de imóvel que guarde medida inferior ao módulo previsto para a região em que se localize. Ressalte-se que esse entendimento vai ao encontro do que foi decidido pelo Plenário do STF, que, por ocasião do julgamento do RE 422.349-RS (DJe 29/4/2015), fixou a seguinte tese: “Preenchidos os requisitos do art. 183 da CF, o reconhecimento do direito à usucapião especial urbana não pode ser obstado por legislação infraconstitucional que estabeleça módulos urbanos na respectiva área onde situado o imóvel (dimensão do lote)”. REsp 1.040.296-ES, Rel. originário Min. Marco Buzzi, Rel. para acórdão Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 2/6/2015, DJe 14/8/2015.

324
Q

A decretação de falência influencia o curso da usucapião?

A

Recente precedente do STJ afirmou que a falência do titular do domínio provoca a suspensão do prazo aquisitivo da usucapião. Cuida-se de precedente controverso, pois cria causa suspensiva da prescrição aquisitiva não previsto expressamente em lei. Compreende-se o prejuízo que a usucapião causa à comunidade de credores e a dificuldade do administrador judicial de zelar com eficiência todos os bens da massa. De outro lado, porém, não há previsão em lei para interrupção ou suspensão dos prazos contra a falida em virtude da decretação da quebra (STJ, REsp n. 1.680.357/RJ, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 10.10.2017).

FALIMENTAR E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE USUCAPIÃO. VIOLAÇÃO DE DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. DESCABIMENTO. EFEITOS DA DECRETAÇÃO DA FALÊNCIA. PATRIMÔNIO AFETADO COMO UM TODO. USUCAPIÃO. INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO AQUISITIVA. MASSA FALIDA OBJETIVA. ART. 47 DO DL 7661/45. OBRIGAÇÕES DE RESPONSABILIDADE DO FALIDO.

  1. Ação ajuizada em 21/03/01. Recurso especial interposto em 09/12/14 e atribuído ao gabinete em 25/08/16. Julgamento: CPC/73.
  2. O propósito recursal é decidir se houve usucapião de imóvel que compõe a massa falida, à luz do DL 7.661/45.
  3. A interposição de recurso especial não é cabível quando ocorre violação de dispositivo constitucional ou de qualquer ato normativo que não se enquadre no conceito de lei federal, conforme disposto no art. 105, III, “a” da CF/88. 4. A sentença declaratória da falência produz efeitos imediatos, tão logo prolatada pelo juízo concursal.
  4. O bem imóvel, ocupado por quem tem expectativa de adquiri-lo por meio da usucapião, passa a compor um só patrimônio afetado na decretação da falência, correspondente à massa falida objetiva.
    * *Assim, o curso da prescrição aquisitiva da propriedade de bem que compõe a massa falida é interrompido com a decretação da falência, pois o possuidor (seja ele o falido ou terceiros) perde a posse pela incursão do Estado na sua esfera jurídica.**
  5. A suspensão do curso da prescrição a que alude o art. 47, do DL 7.661/45 cinge-se às obrigações de responsabilidade do falido para com seus credores, e não interfere na prescrição aquisitiva da propriedade por usucapião, a qual é interrompida na hora em que decretada a falência devido à formação da massa falida objetiva.
  6. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido.
    (REsp 1680357/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 10/10/2017, DJe 16/10/2017)
325
Q

Quais são os requisitos da usucapião extraordinária?

A

Requisitos da posse: Dois elementos estão sempre presentes, em qualquer modalidade de usucapião, o tempo e a posse. Não basta a posse normal (ad interdicta), exigindo-se posse ad usucapionem, na qual, além da visibilidade do domínio, deve ter o usucapiente uma posse com qualidades especiais, previstas no art. 1.238 do CC: prazo de quinze anos, sem interrupção (posse contínua), nem oposição (posse pacífica), e ter como seu o imóvel (animus domini).

[…]

A posse deve ser contínua, sem interrupção,
que, caso ocorra, faz voltar o prazo ao termo inicial. Exige-se regular sucessão de atos de posse, sem falhas ou com intervalos curtos que não configurem lacunas. Se houver esbulho por parte do titular do registro ou de terceiros, mas o possuidor usar a autodefesa ou mesmo a reintegração de posse, com sucesso, não se considera a posse interrompida. Não se exige contato físico do usucapiente com a coisa, mas somente comportamento similar ao do proprietário, que não só usa como frui e extrai o proveito do que é seu.

326
Q

Em que consiste posse mansa e pacífica?

A

A posse deve ser, na dicção da lei, sem oposição, ou pacífica. Pacífica não se opõe à violenta, mas à posse incontestada. A oposição eficaz parte de interessados, em especial do titular da propriedade ou de outros direitos reais, contra quem corre a usucapião. Os atos de oposição praticados por terceiros não favorecem o titular do domínio, se ele permaneceu inerte. Não basta qualquer ato de inconformismo por parte de interessados ou do titular do domínio. Estes atos não podem ser ilegais, por exemplo, a retomada violenta, repelida pelo usucapiente por meio da tutela possessória. Mesmo as oposições judiciais devem ser sérias e procedentes. Assim, eventuais ações possessórias ou reivindicatórias somente atingem a pacificidade da posse caso sejam julgadas procedentes. A oposição deve ser feita antes da consumação do lapso prescricional da usucapião. Eventuais atos de defesa da posse, por parte do usucapiente, não retiram o requisito da pacificidade. Recente precedente do STJ assentou que “a posse mansa e pacífica não se interrompe quando o possuidor direto propõe medidas judiciais contra o suposto turbador, especialmente se tais medidas de proteção são declaradas procedentes” (STJ, AR n. 3.449/GO, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. 13.02.2008).

327
Q

Em que consiste o animus domini?

A

Deve o usucapiente possuir animus domini,
ou, na dicção da lei, “como seu” o imóvel. Controverte a doutrina sobre o exato sentido do animus domini, consistente na vontade de tornar-se dono, de ter a coisa como sua, de ter a coisa para si – animus rem sibi habendi. Existem autores que entendem que o elemento animus domini da usucapião estaria ligado à teoria subjetiva de Savigny. Predomina a corrente, porém, que entende o ani­mus estar essencialmente ligado à causa posses­sionis, à razão pela qual se possui, não constituindo elemento meramente subjetivo. Possui a coisa como sua quem não reconhece a supremacia do direito alheio. Ainda que saiba que a coisa pertence a terceiro, o usucapiente se arroga soberano e repele a concorrência ou a superioridade do direito de outrem sobre a coisa.

328
Q

A posse precária dá ensejo à usucapião?

A

No que se refere à posse precária, é ela imprestável para usucapião não por ser injusta, mas por faltar ao possuidor animus domini, já que reconhece a supremacia do direito de terceiro sobre a coisa. Caso, porém, o precarista inverta a qualidade de sua posse, quer alterando a causa (exemplo, o locatário ou comodatário que adquirem a posse indireta sobre a coisa locada ou emprestada), quer por atos de oposição, que demonstrem ao titular do domínio de modo inequívoco o não reconhecimento do direito alheio, deixando clara a vontade do possuidor de alterar a natureza da posse, inverte-se sua qualidade. Continua injusta, mas o esbulho faz nascer ao esbulhado o direito de retomar a coisa, usando a tutela possessória. Caso permaneça inerte em face do esbulho, passa a fluir daí o prazo da usucapião. A existência somente da vontade não altera o caráter da posse, segundo o art. 1.203 do CC. Ninguém pode, apenas mudando de vontade, transformar uma relação possessória existente. A transformação decorre da inversão do título da posse, que decorre de ato negocial ou de conduta inequívoca do possuidor frente ao esbulhado. São casos comuns o de locatários, ou de comodatários, ou de promitentes compradores inadimplentes, que almejam usucapir os imóveis ocupados. A princípio, não se admite tal prática, pois aludidos possuidores diretos admitem a supremacia da situação dos possuidores indiretos, salvo se inverterem a qualidade da posse por atos ostensivos e inequívocos, deixando claro aos titulares do domínio que não mais os reconhecem como tais, ou que não se curvam à sua posição jurídica.

329
Q

As regras de direito intertemporal relativas À prescrição se aplicam à usucapião?

A

Direito intertemporal e a redução dos prazos
de usucapião: Os arts. 2.028 e 2.029 das disposições finais do CC/2002 contêm regras de direito intertemporal sobre prazos prescricionais. O art. 2.028 alude apenas aos prazos prescricionais, mas se aplica também aos prazos alterados das modalidades de usucapião, em atenção ao que contém o art. 1.244 do CC [!Estende-se ao possuidor o disposto quanto ao devedor acerca das causas que obstam, suspendem ou interrompem a prescrição, as quais também se aplicam à usucapião”]. Se as causas que obstam, suspendem ou interrompem a prescrição se aplicam à usucapião, parece razoável que igual extensão incida também sobre as normas de direito intertemporal que disciplinam a redução dos prazos prescricionais. Com o devido respeito, não se sustenta a conclusão a que chegou o Enunciado n. 564 do CEJ (transcrita à frente) da não incidência do art. 2.028 do CC/2002 à redução do prazo de usucapião, ao argumento de que a aplicação imediata é a que mais beneficia o possuidor. Não se trata de beneficiar o possuidor, mas sim de se aplicar de modo sistemático as regras de direito intertemporal à prescrição aquisitiva, evitando colher de surpresa o titular do domínio.

A defeituosa redação do art. 2.028 merece in-terpretação criativa, seguindo as seguintes regras: no caso de prazo ampliado, aplica-se a lei nova, computando o prazo já decorrido na vigência da lei antiga; no caso de prazo reduzido, já consumado em mais da metade na vigência da antiga lei, aplica-se o antigo CC; no caso de prazo reduzido com porção igual ou inferior à metade consumado na antiga lei, aplica-se por inteiro o prazo da lei nova a partir de sua vigência. Em tal hipótese, o prazo menor será aplicado, mas se an-tes de seu vencimento completar-se o prazo anti-go, este prevalecerá.

Além disso, o prazo da usucapião por posse-trabalho, reduzido para dez anos, teve um acréscimo de mais dois anos (portanto, doze anos), nos primeiros dois anos de vigência do CC/2002, a fim de não surpreender os titulares registrários do domínio em seu poder de reação e retomada da coisa.
Enunciado n. 564, CEJ: As normas relativas à usucapião extraordinária (art. 1.238, caput, CC) e à usucapião ordinária (art. 1.242, caput, CC), por estabelecerem redução de prazo em benefício do possuidor, têm aplicação imediata, não incidindo o disposto no art. 2.028 do CC.

330
Q

Na usucapião por moradia, um dos cônjuges ou companheiro que tem a posse de bem pode ajuizar a ação sozinho, deixando de incluir o parceiro como litisconsorte ativo?

A

Art. 1.240. Aquele que possuir, como sua, área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

§ 1 o O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.

Comentários:

[…]

O § 1o do artigo diz que o título de domínio
e a concessão de uso serão concedidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil. O que permite o preceito é a pessoa solteira, casada, ou vivendo em regime de união estável, poder ajuizar individualmente a ação de usucapião, sem consentimento do outro cônjuge ou necessidade de que este figure como litisconsorte ativo necessário. A situação tem especial utilidade nos casos de casais separados de fato, permitindo ao possuidor usucapir em nome individual o imóvel e, desde que todo o prazo quinquenal tenha corrido após a separação de fato, o bem se tornará próprio, sem comunicação ao consorte. Caso, porém, o prazo quinquenal para a usucapião tenha corrido na constância de união estável ou do casamento, pode qualquer um dos cônjuges figurar sozinho no polo ativo da demanda, mas a procedência da ação a ambos beneficiará, tornando o imóvel comum.

331
Q

Se o usucapiente manter posse de gleba urbana superior a 250m2, poderá ele postular a usucapião com base no art. 1.240, renunciando à parcela que exceda essa metragem?

A

Art. 1.240.

Comentários:

Como referido nos comentários ao artigo anterior, não pode o usucapiente manter posse de gleba maior, mas dela decotar a área de superfície de 250 m2
apenas para obter usucapião especial.
A conduta significaria inegável surpresa ao titular do registro, pois suprimiria o prazo suplementar para as demais modalidades de usucapião. Durante todo o quinquênio, deve a posse obedecer ao limite de área fixado no artigo em exame. Como já visto, nada impede, por outro lado, que a gleba usucapienda seja de dimensões inferiores ao tamanho mínimo de lotes, previsto no art. 4o da Lei n. 6.766/79, ou em legislação municipal.

Enunciado n. 313, CJF: “Quando a posse ocorre sobre área superior aos limites legais, não é possível a aquisição pela via da usucapião especial, ainda que o pedido restrinja a dimensão do que se quer usucapir.”

332
Q

Os efeitos da sentença de usucapião retroagem a que momento?

A

Art. 1.241. Poderá o possuidor requerer ao juiz seja declarada adquirida, mediante usucapião, a propriedade imóvel.

Parágrafo único. A declaração obtida na forma deste artigo constituirá título hábil para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.

Comentários:

[…]

Tem a sentença efeitos ex tunc e diverge a doutrina apenas quanto ao termo inicial da retroação. Alguns autores, como Benedito Silvério Ribeiro, defendem a retroação caminhar apenas até o ponto no qual se consumou o prazo da usucapião, ou seja, na data em que se completou o lapso temporal previsto em lei. Outros autores, como Lenine Nequete e Orlando Gomes, entendem que a retroação vai até o início da posse ad usucapio­nem. A segunda posição, fundada na teoria da aparência, dá fundamento confortável aos seguintes efeitos, socialmente úteis: todos os atos praticados pelo possuidor são válidos; mesmo que a posse seja de má-fé, não está obrigado a restituir os frutos da coisa, percebidos antes da consumação da usucapião; os atos praticados pelo titular dominial registrário da coisa durante o prazo da usucapião decaem; ao inverso, os atos praticados no mesmo período pelo possuidor consideram-se válidos, se a usucapião se consuma.

[…]

Dispõe o parágrafo único do art. 1.241 que a
sentença declaratória da usucapião constitui tí-tulo hábi para ingresso no registro imobiliário. Deve o título conter a descrição completa do imóvel, com os requisitos do art. 176, II, 3 e 4, da Lei n. 6.015/73, em atenção ao princípio da especialidade. Não há necessidade, todavia, de a descrição ser coincidente com a do registro anterior, pois a usucapião inaugura cadeia dominial. Em consonância com o anteriormente dito sobre a retroatividade da sentença e de acordo com o disposto no art. 945 do CPC/73 (sem correspondente no CPC/2015), deve haver prova do pagamento do imposto territorial (Imposto Territorial Rural – itr ou Imposto Predial e Territorial Ur-bano – iptu) ao menos dos últimos cinco exercícios, ou a respectiva certidão negativa.

333
Q

A usucapião pode ser reconhecida de ofício?

A

Não se admite, contudo, o reconhecimento ex
officio
da prescrição aquisitiva pelo juiz. Não se estende à usucapião a regra do art. 219, § 5o, do CPC/73 (art. 487, parágrafo único, do CPC/2015). Isso porque o art. 220 do estatuto processual (art. 240, § 4o, do CPC/2015) diz que a regra somente se aplica aos prazos extintivos, o que exclui os prazos aquisitivos (ver comentário ao art. 1.244, adiante).

Nas modalidades de usucapião especial rural e coletivo, leis especiais, de modo expresso, dispõem que a sentença que acolhe exceção de usucapião é título hábil para ingressar no registro de imóveis. Há entendimento do STJ no sentido de que “a prescrição extintiva pode ser arguida em qualquer fase do processo, mas a prescrição aquisitiva somente tem pertinência como matéria de defesa se arguida na contestação, momento próprio para tanto, sob pena de preclusão” (STJ, REsp n. 761.911/PR, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 14.11.2006).

334
Q

A usucapião reconhecida em ação reivindicatória movida pelo proprietário gera o direito a alteração do registro do imóvel no registro imobiliário?

A

Pode a usucapião ser arguida como ação e como exceção, nos termos da Súmula n. 237 do STF, em pleno vigor. Em tal caso, porém, a sentença que acolher a exceção não é título hábil para ingressar no registro de imóveis, pois não participaram da lide litisconsortes necessários, tais como confrontantes, terceiros citados por edital e as Fazendas Públicas, razão pela qual a coisa julgada não atinge terceiros. Caso deseje o usucapiente obter a regularização dominial, deverá ajuizar nova ação de usucapião, citando todos os litisconsortes. O titular do domínio, vencido na anterior exceção, não poderá rediscutir a matéria. Embora exista entendimento em sentido contrário, parece temerária a abertura de matrícula sem efeito erga omnes e passível de impugnação a qualquer tempo por terceiros confinantes, ou interessados, que não foram parte na ação reivindica-ória e na exceção de usucapião.

Enunciado n. 315, CJF: O art. 1.241 do Código Civil permite ao possuidor que figurar como réu em ação reivindicatória ou possessória formular pedido contraposto e postular ao juiz seja declarada adquirida, mediante usucapião, a propriedade imóvel, valendo a sentença como instrumento para registro imobiliário, ressalvados eventuais interesses de confinantes e terceiros.

Jurisprudência:

“A usucapião pode sim ser alegada como matéria de defesa em ação reivindicatória, mas com o intuito único e exclusivo de afastar a pretensão possessória, eis que a prescrição aquisitiva, para fins de registro imobiliário, não pode ser reconhecida em outro procedimento que não seja a própria ação de usucapião, a qual possui rito próprio” (TJSC, Apelação Cível n. 2013.043122-9, de Garopaba, rel. Des. Saul Steil, j. 20-08-2013)

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA.
ALEGAÇÃO DE USUCAPIÃO COMO MATÉRIA DE DEFESA. POSSIBILIDADE.
RESSALVA DO TRIBUNAL DE ORIGEM DE QUE O ACOLHIMENTO DA TESE DA PRESCRIÇÃO AQUISITIVA NÃO IMPORTA NA AQUISIÇÃO DO DOMÍNIO. AÇÃO PRÓPRIA. NECESSIDADE. CONTRADIÇÃO. INEXISTÊNCIA.
1. “A contradição que dá ensejo aos embargos de declaração é a que se estabelece no âmbito interno do julgado embargado, ou seja, a contradição do julgado consigo mesmo, como quando, por exemplo, o dispositivo não decorre logicamente da fundamentação, e não a eventual contrariedade do acórdão com um parâmetro externo (um preceito normativo, um precedente jurisprudencial, uma prova etc)”.
(AgRg no REsp 987.769/DF, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, julgado em 06/12/2011, DJe 13/12/2011) 2. Na espécie, o Tribunal de origem ressaltou que a alegação de usucapião pode ser utilizada como matéria de defesa na ação reivindicatória; todavia, o pleno reconhecimento da satisfação de todos os requisitos exigidos para o usucapião é matéria reservada para a ação própria. Assim, acolhida a alegação de usucapião como matéria de defesa em ação reivindicatória, os réus não dispõem de título para a transcrição da propriedade no Cartório de Registro de Imóveis.
3. Dessa sorte, a conclusão adotada pelo Tribunal de origem está em consonância com a jurisprudência desta Corte Superior, de que “o acolhimento da tese de defesa, estribada na prescrição aquisitiva, com a conseqüente improcedência da reivindicatória, de forma alguma, implica a imediata transcrição do imóvel em nome da prescribente, ora recorrente, que, para tanto, deverá, por meio de ação própria, obter o reconhecimento judicial que declare a aquisição da propriedade” (REsp 652.449/SP, Rel. Ministro Massami Uyeda, Terceira Turma, julgado em 15/12/2009, DJe 23/03/2010).
4. Inocorrência de contradição no acórdão recorrido. Violação do disposto no art. 535 do CPC não verificada.
5. Agravo regimental não provido.
(AgRg no REsp 1270530/MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 21/03/2013, DJe 05/04/2013)

335
Q

A acessio possessionis pode ser aplicada à usucapião especial urbana?

A

Art. 1.243. O possuidor pode, para o fim de contar o tempo exigido pelos artigos antecedentes, acrescentar à sua posse a dos seus antecessores (art. 1.207), contanto que todas sejam contínuas, pacíficas e, nos casos do art. 1.242, com justo título e de boa-fé.

Comentários:

[…]

A maior dúvida está no alcance do art. 1.243.
Inicia o preceito dispondo que “para o fim de contar o tempo exigido pelos artigos antecedentes” admite-se a soma das posses, sem qualquer ressalva quanto às modalidades de usucapião. As usucapiões especiais urbana e rural, todavia, exigem posse pessoal do usucapiente. O art. 1.239 exige que o possuidor torne a gleba “produtiva com o seu trabalho, ou de sua família, tendo nela sua moradia”. O art. 1.240 exige posse sobre área urbana, “utilizando-a para sua moradia ou de sua família”. Vê-se, portanto, que ambas as modalidades, por sua própria natureza social, exigem atividade pessoal do possuidor, que não pode aproveitar o tempo de moradia alheia nem o trabalho de outrem para tornar a gleba produtiva. A pessoalidade da posse mostra-se incompatível com a accessio possessionis, como já reconheciam nossos tribunais antes do advento do CC/2002 (RJTJESP 189/176, rel. Des. J. Roberto Bedran; RJTJESP 146/202, rel. Des. Silvério Ribeiro).

Lê-se, portanto, a expressão artigos anteceden­tes como referência àquelas modalidades de usucapião compatíveis com a acessão da posse (ordinária e extraordinária). A exceção a essa regra está no § 1o do art. 10 do Estatuto da Cidade (Lei n. 10.257/2001), que, dado o escopo de reurbanização de áreas degradadas, com nítida função promocional, admite a accessio possessiones na usucapião coletiva. Cabe lembrar a inocorrência de qualquer limitação quanto à incidência da su­cessio possessionis em todas as modalidades de usucapião, inclusive as especiais, pois, como já dito, trata-se da mesma posse transmitida ex lege ao herdeiro.

Art. 10. Os núcleos urbanos informais existentes sem oposição há mais de cinco anos e cuja área total dividida pelo número de possuidores seja inferior a duzentos e cinquenta metros quadrados por possuidor são suscetíveis de serem usucapidos coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural.

§ 1o O possuidor pode, para o fim de contar o prazo exigido por este artigo, acrescentar sua posse à de seu antecessor, contanto que ambas sejam contínuas.

Enunciado n. 317, CJF: A accessio possessionis de que trata o art. 1.243, primeira parte, do Código Civil não encontra aplicabilidade relativamente aos arts. 1.239 e 1.240 do mesmo diploma legal, em face da normatividade do usucapião constitucional urbano e rural, arts. 183 e 191, respectivamente.

336
Q

Qual a diferença entre aluvião e avulsão?

A

Da Aluvião

Art. 1.250. Os acréscimos formados, sucessiva e imperceptivelmente, por depósitos e aterros naturais ao longo das margens das correntes, ou pelo desvio das águas destas, pertencem aos donos dos terrenos marginais, sem indenização.

Parágrafo único. O terreno aluvial, que se formar em frente de prédios de proprietários diferentes, dividir-se-á entre eles, na proporção da testada de cada um sobre a antiga margem.

Da Avulsão

Art. 1.251. Quando, por força natural violenta, uma porção de terra se destacar de um prédio e se juntar a outro, o dono deste adquirirá a propriedade do acréscimo, se indenizar o dono do primeiro ou, sem indenização, se, em um ano, ninguém houver reclamado.

Parágrafo único. Recusando-se ao pagamento de indenização, o dono do prédio a que se juntou a porção de terra deverá aquiescer a que se remova a parte acrescida.

337
Q

Em que consiste o álveo abandonado?

A

Do Álveo Abandonado

Art. 1.252. O álveo abandonado de corrente pertence aos proprietários ribeirinhos das duas margens, sem que tenham indenização os donos dos terrenos por onde as águas abrirem novo curso, entendendo-se que os prédios marginais se estendem até o meio do álveo.

338
Q

Aquele que, de boa-fé, constroi em terreno próprio com materiais alheio tem de indenizar o proprietários destes?

A

Art. 1.254. Aquele que semeia, planta ou edifica em terreno próprio com sementes, plantas ou materiais alheios, adquire a propriedade destes; mas fica obrigado a pagar-lhes o valor, além de responder por perdas e danos, se agiu de má-fé.

Comentários:

O artigo em exame nada inovou, em substância, o que continha o art. 546 do CC/1916. Trata da hipótese do dono do solo plantar ou edificar em terreno próprio, mas utilizando-se de materiais ou plantas alheias. A solução adotada pelo legislador está na aquisição, pelo dono do solo, da propriedade da construção e da plantação, atendendo o princípio superficies solo cedit e na impossibilidade de se devolver os materiais ou plantas alheios sem fratura ou dano.

De outro lado, o proprietário do solo, e agora
também das acessões a ele incorporadas, indeniza o valor dos materiais e plantas alheios, para evitar o enriquecimento sem causa. O valor a ser indenizado, segundo Carvalho Santos, é o que os materiais e sementes tinham quando passaram a ser propriedade do dono do solo, ou seja, o momento no qual foram plantados ou empregados na construção, devidamente atualizados, para evitar a depreciação da moeda (carvalho santos, J. M. de. Código Civil brasileiro interpretado, 5. ed. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1952, v. VII, p. 404). Não se indeniza, portanto, o valor da obra concluída, nem o da plantação em fase de colheita, mas apenas o que perdeu efetivamente o ex-dono dos materiais e sementes, sem incluir a mais valia que acrescentaram ao dono do solo. É irrelevante, de outro lado, se a construção foi demolida, ou se a plantação se perdeu, pois o risco da perda ou deterioração é do dono da acessão (res perit domino).

Se o dono do solo agir de má-fé, pagará também as perdas e danos causados ao dono dos materiais e sementes, cabendo a este último, porém, o ônus de provar os danos emergentes e os lucros cessantes decorrentes do ato ilícito.

339
Q

Acessões irregulares constituída de boa-fé devem ser indenizadas?
Pesquisar jurisprudência.

A

Art. 1.255. Aquele que semeia, planta ou edifica em terreno alheio perde, em proveito do proprietário, as sementes, plantas e construções; se procedeu de boa-fé, terá direito a indenização.

Comentários:

Diz a parte final do caput do art. 1.255 que o
construtor e plantador de boa-fé terão direito à indenização pelas acessões perdidas para o dono do solo, mas não quantifica seu valor. Aplica-se o disposto na parte final do art. 1.222 do CC/2002, que assegura ao possuidor de boa-fé a indenização pelo “valor atual”. Repete-se o que foi dito no comentário àquele artigo. Indeniza-se o valor das acessões, no estado em que se encontram, no momento da devolução do prédio. Leva-se em conta, portanto, o desgaste e a depreciação da acessão, assim como o decréscimo de sua utilidade, para aferir seu valor atual, pouco importando se o possuidor gastou mais ou menos para fazê-las. A regra tem lógica: de um lado, não deve o dono do solo pagar mais do que recebeu; de outro lado, porém, se o custo para fazer a benfeitoria ou acessão foi inferior a seu valor atual, é justo receber o construtor/plantador de boa-fé a diferença, pois corresponde àquilo que enriqueceu o dono do solo. É relevante saber o exato momento em que cessou a boa-fé do construtor/plantador, marco divisor do direito à percepção de indenização das acessões erigidas até aquela data. Não é relevante o fato da acessão ser regular ou irregular, na esfera administrativa. Ainda que não aprovada por autoridade administrativa, tem a construção valor, embora sofra alguma depreciação. Assim, ainda que o art. 34, parágrafo único, da Lei n. 6.766/79, reze que nos contratos de compromisso de compra e venda de imóveis loteados não serão indenizadas as benfeitorias (caso se estenda o preceito às acessões), mesmo feitas em desconformidade com o contrato ou com a lei, não significa que obras não aprovadas sejam perdidas sem qualquer indenização.

340
Q

Em que consiste a acessão inversa e quais seus requisitos?

A

Art. 1.255. Aquele que semeia, planta ou edifica em terreno alheio perde, em proveito do proprietário, as sementes, plantas e construções; se procedeu de boa-fé, terá direito a indenização.

Parágrafo único. Se a construção ou a plantação exceder consideravelmente o valor do terreno, aquele que, de boa-fé, plantou ou edificou, adquirirá a propriedade do solo, mediante pagamento da indenização fixada judicialmente, se não houver acordo.

Comentários:

[…]

Na expressão de Nelson Rosenvald, trata-se de
acessão inversa, na qual a construção ou plantação são os bens principais e o solo é acessório (Direitos reais, teoria e questões, 2. ed. Niterói, Impetus, 2003, p. 93). O critério é econômico e exige que o valor da acessão supere consideravelmente o valor do terreno. Usou o legislador propositalmente termo indeterminado – consi­ deravelmente – conferindo maior poder ao juiz, para, no caso concreto, aferir a disparidade de valores entre o solo e a acessão. Deve-se levar em conta, dentro do parâmetro econômico primário fixado pelo legislador, a natureza da utilização do imóvel, a relevância dos investimentos e a função social que o construtor/plantador deu ao prédio.

Na falta de consenso entre as partes, será fixada a indenização pelo juiz, levando em conta, como é óbvio, o valor do solo sem as acessões erigidas por terceiro de boa-fé. O direito potestativo do construtor/plantador pode ser agitado em ação própria ou como exceção em demanda reivindicatória ou possessória. Contra o pagamento do valor fixado judicialmente, será o imóvel transferido ao construtor/plantador, servindo a sentença como título derivado para o registro imobiliário. Cuida-se de mais uma modalidade de alienação compulsória do proprietário que deixou de dar função social à propriedade, ao possuidor que a deu, tal como previsto no art. 1.228, § 4o, do CC/2002.

341
Q

Qual a consequência para o vizinha que invade o terreno de outro, numa proporção inferior à vigémia parte de sua área, de má-fé? E se for superior à vigésima parte?

A

Art. 1.258. Se a construção, feita parcialmente em solo próprio, invade solo alheio em proporção não superior à vigésima parte deste, adquire o construtor de boa-fé a propriedade da parte do solo invadido, se o valor da construção exceder o dessa parte, e responde por indenização que represente, também, o valor da área perdida e a desvalorização da área remanescente.

Parágrafo único. Pagando em décuplo as perdas e danos previstos neste artigo, o construtor de má-fé adquire a propriedade da parte do solo que invadiu, se em proporção à vigésima parte deste e o valor da construção exceder consideravelmente o dessa parte e não se puder demolir a porção invasora sem grave prejuízo para a construção.

Art. 1.259. Se o construtor estiver de boa-fé, e a invasão do solo alheio exceder a vigésima parte deste, adquire a propriedade da parte do solo invadido, e responde por perdas e danos que abranjam o valor que a invasão acrescer à construção, mais o da área perdida e o da desvalorização da área remanescente; se de má-fé, é obrigado a demolir o que nele construiu, pagando as perdas e danos apurados, que serão devidos em dobro.

342
Q

Qual o prazo de usucapião de bens móveis?

A

Art. 1.260. Aquele que possuir coisa móvel como sua, contínua e incontestadamente durante três anos, com justo título e boa-fé, adquirir-lhe-á a propriedade.

Art. 1.261. Se a posse da coisa móvel se prolongar por cinco anos, produzirá usucapião, independentemente de título ou boa-fé.

343
Q

Terceiro que acha tesouro em terreno alheio tem direito a algum valor?

A

Art. 1.264. O depósito antigo de coisas preciosas, oculto e de cujo dono não haja memória, será dividido por igual entre o proprietário do prédio e o que achar o tesouro casualmente.

Art. 1.265. O tesouro pertencerá por inteiro ao proprietário do prédio, se for achado por ele, ou em pesquisa que ordenou, ou por terceiro não autorizado.

344
Q

Quais são as principais diferença entre direitos reais e direito pessoais?

A

Direitos reais (1) x Direito pessoais patrimoniais (2)

1) Relações jurídica entre uma pessoa (sujeito ativo) e uma coisa. O sujeito passivo não é determinado, mas é toda a coletividade (sujeito passivo universal).
2) Relação jurídica entre uma pessoa (sujeito ativo - credor) e outra (sujeito passivo - devedor).
1) Princípio da publicidade (tradição e registro).
2) Princípio da autonomia privada (liberdade)
1) Efeitos erga omnes. Os efeitos podem ser restringidos.
2) Efeitos inter partes. Há uma tendência de ampliação dos efeitos.
1) Rol taxativo (numerus clausus), segundo a visão clássica - art. 1.225. Essa visão vem sendo contestada pela doutrina contemporânia, mas ainda tem prevalecido.
2) Rol exemplificativo (numerus apertus) - art. 425 do CC - criação dos contratos atípicos.
1) A coisa responde (direito de sequela).
2) Os bens do devedor respondem (princípio da responsabilidade patrimonial).
1) Caráter permanente. Instituto típico: propriedade.
2) Caráter transitório, em regra, o que vem sendo mitigado pelos contratos relacionais ou cativos de longa duração. Instituto típico: contrato.

345
Q

Quais são as principais características da tradição?

A

Art. 1.267. A propriedade das coisas não se transfere pelos negócios jurídicos antes da tradição.

Parágrafo único. Subentende-se a tradição quando o transmitente continua a possuir pelo constituto possessório; quando cede ao adquirente o direito à restituição da coisa, que se encontra em poder de terceiro; ou quando o adquirente já está na posse da coisa, por ocasião do negócio jurídico.

Comentários:

Na definição de Clóvis, “tradição é o ato, em
virtude do qual o direito pessoal, resultante do ato jurídico entre vivos, se transforma em direito real, e consiste na entrega da coisa a quem a adquiriu” (bevilaqua, Clóvis. Direito das coisas. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1951, v. I, p. 225).

O artigo em questão guarda estreita relação
com o art. 1.226 do CC, já comentado e ao qual se remete o leitor, bem como frisa as principais características da tradição em nosso ordenamen-to: é constitutiva da propriedade sobre coisas móveis adquiridas a título inter vivos e derivado; é causal, pois se encontra ligada ao título que lhe deu origem, não se cogitando, portanto, de tradição em caráter abstrato. Desfeito o título, desfaz-se a tradição que nele teve causa, salvo exceções previstas em lei, em especial a da parte final do art. 1.268, adiante examinada.

A aquisição é modo derivado de aquisição da
propriedade móvel, pois pressupõe negócio jurídico de alienação com o antigo proprietário. É constitutiva, por converter o simples direito de crédito do adquirente em direito real de propriedade. Antes da tradição, o adquirente é mero credor do alienante, dispondo de ação de execução de dar, ou conversão da prestação em perdas e danos, sem, no entanto, investir-se de sequela, perseguindo a coisa em poder de terceiro adqui-rente de boa-fé. Em termos diversos, tem direito à prestação de entrega da coisa, mas não vínculo direto com a res (iura in re). Remete-se o leitor ao comentário ao art. 1.226, no qual há a explanação sobre os modos originários e derivados de aquisição da propriedade.

Art. 1.226. Os direitos reais sobre coisas móveis, quando constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com a tradição.

Comentários:
Os direitos reais podem ser adquiridos a títu-lo originário ou derivado, inter vivos ou causa mortis, singular ou universal. O artigo em exame trata da aquisição da propriedade e de outros di-reitos reais sobre coisas móveis a título derivado e inter vivos.

A aquisição dos direitos reais, inclusive a pro-priedade, pode dar-se de modo originário, ou seja, sem relação jurídica com o proprietário an-terior. A mera conduta do agente, ou a ocorrên-cia de um fato jurídico, sem relação de causa e efeito com o antigo proprietário, é que leva à aqui-sição do direito real. Isolada é a posição de Caio Mário da Silva Pereira, que dá interpretação res-tritiva à aquisição originária, limitando-a à coi-sa que nunca foi, anteriormente, propriedade de outrem.

A aquisição derivada, mais comum, é aquela
na qual há relação de transmissão do antigo ao atual proprietário ou titular de direito real. Há uma relação jurídica causal ligando o atual e o antigo proprietário. A aquisição derivada pode ainda dividir-se em universal, quando uma gama de direitos e deveres relativos a um patrimônio é transmitida, normalmente via causa mortis; ou singular, quando determinados bens são trans-mitidos, normalmente por ato inter vivos. Pode, porém, ocorrer aquisição universal por ato inter vivos (por exemplo, o casamento pelo regime da comunhão universal de bens), assim como a aqui-sição singular por ato causa mortis (por exemplo, o legado).

Diz o artigo em exame que as aquisições a tí-tulo derivado e inter vivos somente transmitem–se com a tradição. A tradição, em tais casos, tem caráter constitutivo do direito real. Antes da tra-dição, existe um simples título, que confere ape-nas direito pessoal, ou de crédito, a seu titular. A tradição, mediante entrega da coisa alienada ao adquirente, é que converte o direito de crédito em direito real. Lembre-se de que nem toda entre-ga de coisa móvel a outrem caracteriza tradição, por exemplo, ocorre no comodato, ou na loca-ção, em que há mera transmissão da posse dire-ta. Exige-se para a tradição um título que exte-riorize negócio translativo da propriedade ou outros direitos reais. A tradição é a entrega da coisa ao adquirente, em obediência à obrigação assumida no título. o

346
Q

A venda a non domino pode, em alguma hipótese, ser considerada eficaz? Se sim, em quais condições?

A

Art. 1.268. Feita por quem não seja proprietário, a tradição não aliena a propriedade, exceto se a coisa, oferecida ao público, em leilão ou estabelecimento comercial, for transferida em circunstâncias tais que, ao adquirente de boa-fé, como a qualquer pessoa, o alienante se afigurar dono.

§ 1 o Se o adquirente estiver de boa-fé e o alienante adquirir depois a propriedade, considera-se realizada a transferência desde o momento em que ocorreu a tradição.

§ 2 o Não transfere a propriedade a tradição, quando tiver por título um negócio jurídico nulo.

Comentários:

O artigo em exame reproduz, em sua parte inicial, o que já constava do art. 622 do CC/1916, ou seja, a regra de somente ter legitimação para efetuar a tradição o proprietário da coisa. É corolário do princípio geral de direito que ninguém pode transferir mais direitos, ou direitos diversos, dos que tem. Se não é dono, não pode alienar o que não tem, razão pela qual a tradição, de natureza causal, não transfere a propriedade. É regra lógica, inteiramente ajustada ao sistema jurídico e à natureza causal da tradição.

A grande novidade do art. 1.268 está em sua
segunda parte, que traça exceção à regra geral. Diz o preceito que a aquisição a non domino transfere a propriedade em casos excepcionais, quando a coisa é oferecida ao público em leilão ou estabelecimento comercial, em circunstâncias tais que, ao adquirente de boa-fé como a qualquer pessoa, o alienante se afigurar dono. A regra, inteiramente afinada com o direito contemporâneo, tutela a teoria da aparência e a segurança das relações negociais. Prestigia a confiança que determinadas condutas despertam no público em geral e, por consequência, desloca o risco da perda da coisa, que era do adquirente, para o proprietário, que não mais terá direito à reivindicação, mas apenas a reaver o equivalente em dinheiro mais perdas e danos do alienante.

Cercou o legislador a excepcional eficácia da
aquisição a non domino de múltiplos requisitos, tanto objetivos quanto subjetivos. Assim, a alienação deve ser cercada de circunstâncias especialíssimas e cumulativas. A coisa deve ser oferecida ao público em geral, ou ao menos a determinado segmento de interessados. Não se aplica a exceção, portanto, a alienações feitas entre particulares, sem possibilidade de aquisição por terceiros. A oferta deve ser feita em leilão – não necessariamente judicial – ou estabelecimento comercial. O termo estabelecimento comercial tem sentido amplo, abrangendo também ofertas encaminhadas por vias postal e eletrônica, ou por qualquer outro meio de comunicação, desde que abertas ao público. O adquirente deve estar de boa-fé, não conhecendo e não podendo conhecer o vício de origem. O legislador explicitou que a boa-fé subjetiva do adquirente segue a corrente ética, exige-se não só a ignorância do vício, como também a impossibilidade de conhecê-lo, comparando sua conduta com a de “qualquer pessoa” na mesma situação. A culpa do adquirente, portanto, impede a eficácia da aquisição. Por último, o alienante deve ter a aparência de dono da coisa, levando em conta as circunstâncias do caso concreto.

A exigência de múltiplos requisitos cumulativos tem o propósito de evitar o sacrifício do pro-prietário da coisa em prol do adquirente desidioso. Não basta o desconhecimento do vício e a aquisição em estabelecimento comercial, por parte do adquirente. As circunstâncias do caso concreto, a natureza da coisa alienada, se nova ou usada, o preço pago, o local onde se concluiu o negócio, tudo deverá ser levado em conta para aferir o comportamento cuidadoso do adquirente, comparando-o com o proceder de outras pessoas, diante do mesmo quadro. Serão valiosos os usos e costumes, por exemplo, o de verificar a documentação e numeração de chassis de veículos usados, a exigência de nota fiscal na aquisição de eletrodomésticos, a própria reputação do alienante e de estabelecimentos similares ao seu, em determinadas condições de espaço e tempo.

347
Q

Cite as hipóteses de perda da propriedade previstas no CC art. 1.275.

A

Art. 1.275. Além das causas consideradas neste Código, perde-se a propriedade:

I - por alienação;

II - pela renúncia;

III - por abandono;

IV - por perecimento da coisa;

V - por desapropriação.

Parágrafo único. Nos casos dos incisos I e II, os efeitos da perda da propriedade imóvel serão subordinados ao registro do título transmissivo ou do ato renunciativo no Registro de Imóveis.

Comentários:

[…]

Ressalva o caput que, além do rol previsto nos
cinco incisos, perde-se a propriedade por outras causas previstas neste Código. Diga-se, aliás, melhor faria o legislador se mencionasse apenas que pode o proprietário sofrer perda absoluta ou relativa da propriedade, em vez de tentar relacionar as causas. No que se refere às outras causas previstas no próprio CC, tomem-se como exemplo o casamento pelo regime da comunhão universal de bens, a morte natural, a ausência, a acessão e a usucapião, todas perdas relativas, pois provocam simultaneamente a perda para um e a aquisição da propriedade para outro titular.

348
Q

A não utilização de bem imóvel constitui uma prerrogativa do proprietários?

A

Art. 1.276. O imóvel urbano que o proprietário abandonar, com a intenção de não mais o conservar em seu patrimônio, e que se não encontrar na posse de outrem, poderá ser arrecadado, como bem vago, e passar, três anos depois, à propriedade do Município ou à do Distrito Federal, se se achar nas respectivas circunscrições.

§ 1 o O imóvel situado na zona rural, abandonado nas mesmas circunstâncias, poderá ser arrecadado, como bem vago, e passar, três anos depois, à propriedade da União, onde quer que ele se localize.

§ 2 o Presumir-se-á de modo absoluto a intenção a que se refere este artigo, quando, cessados os atos de posse, deixar o proprietário de satisfazer os ônus fiscais.

Comentários:

[…]

Como dito, a grande novidade está no § 2o do
art. 1.276, que supera a tradicional dificuldade de demonstrar o animus abandonandi do proprietário. Diz o preceito que determinado comportamento – cessação dos atos de posse e inadimplemento dos ônus fiscais – cria presunção absoluta, iure et iure, da intenção de abandonar, não cabendo, por consequência, prova em sentido contrário do dono. O que fez o legislador foi qualificar certa conduta concludente, dela extraindo o elemento subjetivo. Note-se a utilização do aditivo e, ou seja, não basta a cessação dos atos de posse e o imóvel não se encontrar de posse de terceiros; deve-se somar, também, a falta de pagamento de tributos incidentes sobre o prédio. Os dois requisitos somados, cumulativos, é que criam a presunção absoluta de abandono.

No que se refere à cessação dos atos de posse,
não mais cabe a clássica noção de que o não uso é uma prerrogativa do proprietário e, portanto, a inércia é uma das facetas da possível conduta do dono.
A doutrina clássica dizia que a “simples negligência em reclamar a coisa ou qualquer outro ato negativo não importa no abandono, que exige sempre um ato positivo do proprietário, que abandona voluntariamente a posse da coisa, com intenção de deixar que outro adquira” (car­ valho santos, J. M. de. Código Civil brasileiro in­ terpretado. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1952, v. VIII, p. 201).A moderna noção de função social da propriedade, e também da posse, exige conduta positiva circunstanciada do possuidor, dando à coisa sua natural finalidade econômica e social. A conduta negativa somente se admite em casos excepcionais, quando revestida de interesse social, por exemplo, a não exploração de áreas de proteção ambiental. Em termos diversos, o legislador sancionou a falta de atos possessórios positivos, extraindo da conduta omissiva, aliada ao inadimplemento fiscal, o efeito jurídico de ani­ mus abandonandi.

Nada impede que comportamento diverso do
dono ou a presença de apenas uma das circunstâncias previstas gerem a perda da coisa por abandono, cabendo, porém, em tal caso, ao Poder Público a difícil prova do animus abandonandi. Como consta do Enunciado n. 243 da III Jornada de Direito Civil, em 2004: “A presunção de que trata o § 2o do art. 1.276 não pode ser interpretada de modo a contrariar a norma-princípio do art. 150, IV, da CR”.

349
Q

Depois de quanto anos o imovel abandonado passa à propriedade do município?

A

Art. 1.276. O imóvel urbano que o proprietário abandonar, com a intenção de não mais o conservar em seu patrimônio, e que se não encontrar na posse de outrem, poderá ser arrecadado, como bem vago, e passar, três anos depois, à propriedade do Município ou à do Distrito Federal, se se achar nas respectivas circunscrições.

§ 1 o O imóvel situado na zona rural, abandonado nas mesmas circunstâncias, poderá ser arrecadado, como bem vago, e passar, três anos depois, à propriedade da União, onde quer que ele se localize.

§ 2 o Presumir-se-á de modo absoluto a intenção a que se refere este artigo, quando, cessados os atos de posse, deixar o proprietário de satisfazer os ônus fiscais.

Comentários:

[…]

A recente Lei n. 13.465/2017 supriu a grande
lacuna do § 2o do art. 1.276, qual seja o de não fixar a duração que se exige de comportamento concludente do dono – falta de posse e inadimplemento fiscal – para que possa ser feita a arrecadação do imóvel. Lembre-se de que o prazo de três anos, referido no caput e no § 1o do artigo em exame, medeia entre a arrecadação e a incor-poração definitiva e irreversível da coisa ao patrimônio público. Agora o § 1o do art. 64 da Lei n. 13.465/2017 fixa o prazo de abandono em cinco anos. Foi excelente a alteração legislativa, que estabeleceu prazo certo e objetivo de inércia do dono para caracterização do abandono.

Sublinhe-se, ainda, que, mesmo após a arrecadação, não ingressa o imóvel no patrimônio público e, tal como os bens do ausente, é permitido que o proprietário impeça a perda, adotando no triênio subsequente conduta contrária àquela punida pelo legislador.

350
Q

Qual a natureza do direito de vizinhança? O que são servidões legais?

A

Art. 1.277. O proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha.

Parágrafo único. Proíbem-se as interferências considerando-se a natureza da utilização, a localização do prédio, atendidas as normas que distribuem as edificações em zonas, e os limites ordinários de tolerância dos moradores da vizinhança.

Comentários:

[…]

A composição dos conflitos de vizinhança passa pela adoção de critérios diversos, que aferem a normalidade do uso do imóvel, a gravidade dos incômodos e a supremacia do interesse público. Da sua aplicação conjunta, verifica-se a existência do direito de fazer cessar as interferências pre-udiciais a que se refere o art. 1.277 do CC, que, na opinião de parte da doutrina, tem a natureza de obrigação propter rem.

As restrições decorrentes do direito de vizinhança recebem de parte da doutrina, inclusive estrangeira, o nome de servidões legais. Não se confundem, todavia, com as restrições decorrentes do direito real de servidão, por várias razões: a) quanto à fonte, as servidões legais decorrem da lei e o direito real de servidão, da convenção ou da usucapião; b) por decorrerem da lei, as servidões legais não necessitam do registro imobiliário, ao passo que o direito real de servidão é constituído, salvo no caso da usucapião, pelo registro imobiliário; c) as servidões legais geram restrições e direitos recíprocos entre vizinhos, ao passo que o direito real de servidão gera vantagens para o prédio dominante e restrições para o prédio serviente; d) as servidões legais são gerais e atendem ao interesse público de coexistência e pacificação das relações de vizinhança, ao passo que o direito real de servidão atende ao interesse e à conveniência das partes.

351
Q

É objetiva ou subjetiva a responsabilidade decorrente do direito de vizinhança?

A

Art. 1.277. O proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha.

Parágrafo único. Proíbem-se as interferências considerando-se a natureza da utilização, a localização do prédio, atendidas as normas que distribuem as edificações em zonas, e os limites ordinários de tolerância dos moradores da vizinhança.

Comentários:

[…]

O CC/2002 introduziu profundas alterações
na matéria, em comparação com o CC revogado. Não se fala mais em uso nocivo, ou mau uso da propriedade, como fazia o art. 554 do CC/1916, eliminando, assim, qualquer vínculo com a noção de ato jurídico ilícito em sentido estrito. A responsabilidade decorrente do direito de vizinhança, para gerar o dever de cessar a interferência prejudicial ou de indenizar, é objetiva e independe de culpa ou dolo do proprietário ou possuidor. É óbvio que o ato culposo é coibido, mas não só. O exercício abusivo do direito de propriedade, de modo que exceda manifestamente a sua função social e econômica, ou a boa-fé objetiva, nos moldes dos arts. 187 e 1.228, § 2o, do CC, gera responsabilidade do proprietário. Também a atividade lícita e autorizada pela Administração pode ser coibida pelas normas do direito de vizinhança. Para Hely Lopes Meirelles, “a existência de alvará ou licença administrativa para a realização da obra ou o exercício da atividade lesiva ao vizinho não impede que o ofendido exija a paralisação da construção ou a cessação dos trabalhos ou atividades danosas para o vizinho” (Direito de construir, 4. ed. São Paulo, RT, 2004, p. 17).

352
Q

Quem tem legitimidade para postular a cessação dasinterferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde ?

A

O artigo inicia conferindo ao proprietário ou
ao possuidor de um prédio a legitimidade para reclamar o direito de vizinhança. O legislador corrigiu imprecisão do CC revogado, que falava em proprietário ou locatário. Os possuidores diretos ou indiretos, em geral, com posse justa ou injusta, de boa-fé ou de má-fé, têm direito de exigir que cessem as interferências prejudiciais do imóvel vizinho. É suficiente que tenha posse ad interdicta, ainda que seja injusta e de má-fé. Basta imaginar a hipótese de comodatário que não devolveu ao comodante o imóvel na data apra-zada. A posse é injusta – precária – e de má-fé apenas em relação ao comodante, em razão da relatividade dos vícios. Disso decorre o direito, enquanto permanecer no prédio, de reclamar dos vizinhos, contra os quais não se praticou esbulho, a cessação da atividade prejudicial.

353
Q

Até que ponto espacial pode-se dizer que um imóvel é vizinho para fins de reconhecimento do direito de vizinhança?

A

Art. 1.277. O proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha.

Parágrafo único. Proíbem-se as interferências considerando-se a natureza da utilização, a localização do prédio, atendidas as normas que distribuem as edificações em zonas, e os limites ordinários de tolerância dos moradores da vizinhança.

Comentários:

[…]

O art. 1.277 trata ainda de prédios vizinhos.
O termo prédio, usado pelo legislador, não se limita às construções e às acessões, mas abrange imóveis em geral, com ou sem construções, urbanos ou rurais. O termo vizinhança não se limita a imóveis confinantes ou contíguos; vai além. A vizinhança se estende até onde se propagam as interferências prejudiciais entre imóveis. Vê-se, portanto, que, de acordo com a natureza e a intensidade da interferência, a vizinhança pode ser mais ou menos ampla. A fábrica que emite gases ou odores prejudiciais à saúde ou segurança tem como vizinhos todos os imóveis alcançados por seus efeitos, ainda que em um raio de alguns quilômetros.

354
Q

Quais são os requisitos para que se possa invocar o direito de vizinhança a fim de obstar atividade desenvolvida em imóvel vizinho?

A

Art. 1.277. O proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha.

Parágrafo único. Proíbem-se as interferências considerando-se a natureza da utilização, a localização do prédio, atendidas as normas que distribuem as edificações em zonas, e os limites ordinários de tolerância dos moradores da vizinhança.

Comentários:

Como se extrai do texto do art. 1.277 do CC,
o direito de um vizinho reclamar do outro a cessação de certa conduta está subordinado a dois requisitos cumulativos, a saber: a) a existência de interferência prejudicial que atinja certos interesses previstos em lei; b) que essa interferência decorra de uso anormal do imóvel.

No que se refere ao primeiro requisito, o próprio art. 1.277 circunscreve os interesses que podem ser prejudicados pelas interferências: a segurança, a saúde e o sossego. A segurança diz respeito à atividade ou à inatividade que produza um dano efetivo ou crie situação de perigo para o prédio vizinho, incluindo pessoas e bens. Estão nessa categoria todos os trabalhos que produzam ou possam causar o risco concreto de abalos na estrutura, infiltrações, trepidações perigosas, explosões violentas, emanações venenosas, existência de árvores que ameacem tombar e tudo que venha a prejudicar fisicamente o prédio e seus moradores. Um aspecto importante, que reflete na segurança e no sossego, é a conduta inconveniente ou permissiva do vizinho que tol-ra ou se mostra conivente com o ajuntamento de malfeitores, viciados em entorpecentes, ébrios, ou com qualquer outra situação que possa pôr em risco a incolumidade dos demais moradores dos arredores. Quanto à saúde, garante-se aos vizinhos não só a higidez física, mas também a psíquica. Pode a saúde ser atingida por agentes diversos, físicos, químicos, biológicos ou até mesmo por fatores psicológicos de desassossego ou inquietação. São diversos os casos possíveis: manutenção de água empoçada no quintal ou de animais em condições inadequadas, com a possibilidade de propagar doenças pelo bairro. São ofensas ao sossego as interferências por agentes diversos que causem impressões sensitivas, como o som, a luz, o cheiro, as sensações térmicas e as imagens. Pontes de Miranda afirma que o sossego não é perturbável apenas pelo som. Também o é pela luz, pelo cheiro, por apreensões e choques psíquicos ou outros motivos de inquietação (Tratado das ações. São Paulo, RT, 1971, v. V, p. 279). A diminuição de outras utilidades de um imóvel, ou de vantagens acidentais, como a vista de uma certa paisagem, a regularidade do estilo das fachadas das casas de um certo bairro ou a instalação de uma casa onde se pratica a prostituição, ofende outros interesses e valores, não tutelados pelo direito de vizinhança.

Além disso, não basta saber se a interferência
vulnerou os interesses tutelados pelo legislador. O dano decorrente dessa interferência, como afirma a parte final do parágrafo único do art. 1.277, deve ultrapassar “os limites ordinários de tolerância dos moradores da vizinhança”. No dizer de Caio Mário, “se este se contém no limite do tolerável, à vista das circunstâncias do caso, não é de se impor ao proprietário a restrição do uso de seus bens, uma vez que a convivência social, por si mesma, cria a necessidade de cada um sofrer um pouco” (pereira, Caio Mário da Silva. Ins­ tituições de direito civil. Rio de Janeiro, Forense, 2003, v. IV, p. 211). Como ensina San Tiago Dantas, “quando o juiz quer saber se os incômodos são ou não excessivos, não é para a pessoa do proprietário que se volta, mas para o proprietário do imóvel como um personagem algébrico, formado pela superposição de quantos se encontram naquela coletividade” (op. cit., p. 278). Não se tutela, portanto, a excessiva sensibilidade de um vizinho nem se levam em conta suas circunstâncias pessoais, mas sim as da média dos moradores da vizinhança.

355
Q

Tendo sido uma empresa obrigada a indenizar os prédios vizinhos por conta da desvalorização destes resultantes da atividade empresarial, por sentença transitada em julgado, poderá ela ser obrigada posteriormente a reduzir os incômodos, caso isso se torne possível em razão do progresso tecnológico?

A

Art. 1.279. Ainda que por decisão judicial devam ser toleradas as interferências, poderá o vizinho exigir a sua redução, ou eliminação, quando estas se tornarem possíveis.

Comentários:

[…]

Como visto no comentário ao artigo antecedente [Art. 1.278. O direito a que se refere o artigo antecedente não prevalece quando as interferências forem justificadas por interesse público, caso em que o proprietário ou o possuidor, causador delas, pagará ao vizinho indenização cabal.], um dos pressupostos da manutenção da atividade de interesse público prejudicial aos vizinhos é a irredutibilidade das interferências, razão pela qual, se estas puderem ser minoradas ou eliminadas, cabe ação de obrigação de fazer, sem prejuízo da indenização pelos danos inevitáveis.

Pode ocorrer, porém, como alerta San Tiago
Dantas, “que o proprietário de uma fábrica seja obrigado a indenizar aos seus vizinhos a desvalorização que aos respectivos prédios acarretam os incômodos industriais. Suponhamos que a indenização seja calculada e paga de uma só vez e, decorrido algum tempo, os progressos técnicos revelem meios de evitar os danos tidos como inevitáveis, no momento da indenização. Tem o proprietário prejudicado o direito de pedir que dora-vante os incômodos sejam prevenidos? Pensamos que sim. O paralelo com o direito de passagem nos é de suficiente no caso, dada a analogia das duas situações. Assim como nos termos do art. 709, II, do CC/1916 (atual art. 1.388, II, do CC), cessado o encravamento, cessa o direito de passar pelas terras do vizinho, assim, a nosso ver, cessada a inevitabilidade do incômodo, desaparece o dever de suportá-lo” (O conflito de vizinhança e sua composição, 2. ed. Rio de Janeiro, Forense, 1972, p. 281).

Verifica-se, portanto, que a sentença que, reconhecendo o interesse público na persistência da atividade prejudicial, fixa indenização cabal ao vizinho, está sujeita à cláusula rebus. Em outros termos, o pagamento da indenização cabal não forra o proprietário do dever de reduzir ou eliminar as interferências prejudiciais que eram inevitáveis e posteriormente se tornam evitáveis. Não há coisa julgada material da sentença anterior, porque os fatos são novos – interferências evitáveis – e a lide será outra. A única questão que remanesce é a da indenização já recebida pelo vizinho, especialmente se abranger projeção do dano por período futuro, alcançado na nova ação de redução da interferência. O valor correspondente ao período em que a interferência foi re-duzida ou eliminada deve ser devolvido pelo vizinho, em atenção ao que dispõe o art. 884 do atual CC, que consagra a cláusula geral de vedação do enriquecimento sem causa.

356
Q

Qual a natureza jurídica da passagem forçada? E quais são os requisitos para sua configuração?

A

Art. 1.285. O dono do prédio que não tiver acesso a via pública, nascente ou porto, pode, mediante pagamento de indenização cabal, constranger o vizinho a lhe dar passagem, cujo rumo será judicialmente fixado, se necessário.

Comentários:

[…]

Na lição de Hely Lopes Meirelles, a “passagem
forçada é restrição ao direito de propriedade, decorrente das relações de vizinhança. Não é servidão predial, cujos fundamentos e pressupostos são outros. A passagem forçada é uma imposição da solidariedade entre vizinhos e resulta da consideração de que não pode um prédio perder a sua finalidade e valor econômico, por falta de acesso à via pública, fonte ou porto, permanecendo confinado entre propriedades que o circundam, limítrofes ou não. Quando tal situação ocorre, permite a lei que o prédio rural ou urbano, assim, encerrado, obtenha dos vizinhos o acesso necessário” (Direito de construir, 4. ed. São Paulo, RT, 1983, p. 58). Cuida-se de direito potestativo – por isso não sujeito à prescrição – de um vizinho exigir do outro o acesso à via pública, porto ou nascente, mediante indenização.

Cuida-se de servidão legal que não se confunde, como acima visto no comentário ao art. 1.277, com direito real de servidão. Isso porque: a) decorre da lei e não do negócio jurídico; b) não se constitui pelo registro imobiliário, ao contrário do direito real de servidão; c) funda-se na necessidade e não na mera conveniência.
Afirma a doutrina tradicional que a passagem
forçada está subordinada aos seguintes requisitos cumulativos: a) o encravamento deve ser absoluto, ou seja, não há acesso possível a via pública, nascente ou porto; b) o encravamento deve ser natural, ou seja, não provocado pelo próprio requerente; c) a passagem é onerosa e somente é exercida mediante pagamento de indenização cabal ao vizinho prejudicado.

A doutrina diverge no que se refere ao primeiro requisito. Afirmam alguns autores (Hely Lo-pes Meirelles, Caio Mário da Silva Pereira, Or-lando Gomes, Marco Aurélio S. Viana) que, se o vizinho dispõe de acesso, por mais penoso ou difícil que se apresente, inexiste o direito de passagem forçada, porque se trata de restrição ao direito de propriedade, que não comporta interpretação analógica ou ampliativa. Corrente mais progressista e afinada com a função social da propriedade e o espírito do CC/2002, porém, afirma que cabível é a passagem forçada quando o acesso não é seguro ou praticável, exigindo do vizinho gastos ou sacrifício irrazoáveis (Carvalho Santos, Nelson Rosenvald e Arnaldo Rizzardo). O Enunciado n. 88 da Comissão de Estudos Judiciários (CEJ) adotou a segunda corrente: “O direito de passagem forçada previsto no art. 1.285 do CC também é garantido nos casos em que o acesso à via pública for insuficiente ou inadequado, consideradas inclusive as necessidades de exploração econômica”. A jurisprudência reflete essa divergência, ora exigindo o encravamento total do imóvel ora se contentando com a exces-siva dificuldade ou onerosidade de acesso já exis-tente à via pública.

357
Q

De onde provêm as restrições à liberdade de construir?

A

Art. 1.299. O proprietário pode levantar em seu terreno as construções que lhe aprouver, salvo o direito dos vizinhos e os regulamentos administrativos.

Comentários:
O artigo em exame corresponde ao art. 572 do
CC/1916, sem qualquer alteração. Consagra o exercício de dois direitos inerentes ao domínio, quais sejam, os de o dono usar e fruir o imóvel de sua propriedade, dele extraindo seu proveito. O princípio, portanto, é o da liberdade de construir, subordinado, porém, a duas amplas exceções, previstas pelo legislador: a) às restrições pre-istas no próprio CC, no presente capítulo das relações de vizinhança; b) à observância das normas e dos regulamentos administrativos, que impõem exigências técnicas, sanitárias e estéticas. Note-se que o Poder Público pode não somente fiscalizar e coibir construções que ofendam normas administrativas como também impor a edificação sobre imóvel subutilizado, como prevê o art. 5o do Estatuto da Cidade (Lei n. 10.257/2001).

[…]

Além disso, restrições convencionais mais
gravosas do que as previstas no capítulo do direito de vizinhança e nas normas administrativas podem ser pactuadas entre as partes. São frequentes em loteamentos e condomínios edilícios, criando limitações quanto à destinação do lote, impossibilidade de reparcelamento, recuo da via pública ou dos prédios vizinhos, percentual máximo ou mínimo de ocupação, ou até mesmo características construtivas. Têm natureza de normas urbanísticas complementares e devem integrar o contrato para vincular os adquirentes com especial destaque, caso se trate de relação de consumo. No caso de revenda do lote ou unidade autônoma a terceiro adquirente de boa-fé, essas cláusulas restritivas convencionais devem ingressar no registro imobiliário, para irradiar efeitos erga omnes. Esse ingresso pode se dar tanto no registro da convenção de condomínio edilício quanto no registro do loteamento. Neste último caso, é conveniente que se reproduzam as restrições nas matrículas de cada lote, facilitando sua ciência por parte de terceiros. Essas limitações, como normas urbanísticas suplementares, não são derrogadas por simples alvará ou autorização administrativa, uma vez que foram aceitas pela própria Administração Pública quando da aprovação do loteamento. Não sobrevivem, porém, a novas leis que, como restrições legais, “têm supremacia sobre as convencionais e as derrogam quando o interesse público exigir, alterando as condições originais do loteamento, quer para aumentar as li-mitações originárias, quer para liberalizar as construções e usos até então proibidos” (mei­ relles, Hely Lopes. Direito de construir, 4. ed. São Paulo, RT, 2004, p. 116).

358
Q

Se, por conta de alienação parcial, o imóvel adquirido se torne encravado, poderá o adquirente postular o direito à passagem forçada de vizinho alheio à negociação?

A

Diz-se que o encravamento deve ser natural,
porque, se provocado pelo proprietário, em razão de sucessivas alienações parciais, este não pode exigir do vizinho que tolere a passagem forçada. O atual CC deu excelente solução ao problema ao dispor, em seu § 2o, que no caso de alienação parcial do imóvel a passagem será exigível do comprador ou permutante sobre o prédio correspondente à parte alienada, evitando, assim, a oneração de outros imóveis vizinhos e estranhos à alienação. O § 3o complementa a regra ao dispor que eventual passagem forçada já existente sobre imóvel vizinho se mantém no caso de alienação parcial, não sendo exigível que lhe conce-da outro caminho.

Art. 1.285. O dono do prédio que não tiver acesso a via pública, nascente ou porto, pode, mediante pagamento de indenização cabal, constranger o vizinho a lhe dar passagem, cujo rumo será judicialmente fixado, se necessário.

§ 1 o Sofrerá o constrangimento o vizinho cujo imóvel mais natural e facilmente se prestar à passagem.

§ 2 o Se ocorrer alienação parcial do prédio, de modo que uma das partes perca o acesso a via pública, nascente ou porto, o proprietário da outra deve tolerar a passagem.

§ 3 o Aplica-se o disposto no parágrafo antecedente ainda quando, antes da alienação, existia passagem através de imóvel vizinho, não estando o proprietário deste constrangido, depois, a dar uma outra.

359
Q

Incorre em julgamento extra petita a decisão que, em vez de acolher o pedido demolitório formulado, determina a realização de reparos na obra, par adequá-la às normas de vizinhança?

A

Art. 1.312. Todo aquele que violar as proibições estabelecidas nesta Seção é obrigado a demolir as construções feitas, respondendo por perdas e danos.

Comentários:

[…]

Como alerta Fachin, nem sempre a demolição
será a solução mais adequada para a composição de interesses no caso concreto. A utilização de outros meios que levem à restituição do equilíbrio rompido pela obra irregular sem demolição é possível, desde que traduzam o mesmo resultado ao lesado (op. cit., p. 161).

Juris:

O pedido formulado em ação demolitória contém em si a postulação da modificação parcial da obra irregular, não incorrendo em julgamento extra petita o julgado que determina apenas a realização de reparos para eliminar o que contravenha as normas que regulam as relações de vizinhança. (STJ, REsp n. 524.963/ MG, rel. Min. Cesar Asfor Rocha, j. 02.09.2003)

360
Q

Qual a diferença entre condomínio pro diviso e condomínio pro indiviso? E qual é a repercussão jurídica dessa diferença?

A

Art. 1.314. Cada condômino pode usar da coisa conforme sua destinação, sobre ela exercer todos os direitos compatíveis com a indivisão, reivindicá-la de terceiro, defender a sua posse e alhear a respectiva parte ideal, ou gravá-la.

Parágrafo único. Nenhum dos condôminos pode alterar a destinação da coisa comum, nem dar posse, uso ou gozo dela a estranhos, sem o consenso dos outros.

Comentários:

[…]

Classificação: Comporta o condomínio algumas classificações. Quanto à origem, pode ser convencional (ou voluntário) quando se assenta no contrato. É incidente (ou eventual) quando nasce de um fato jurídico, como a sucessão hereditária, sem a manifestação de vontade dos condôminos. Pode ser legal (ou forçado) quando provém da lei, como os muros de divisa. Quanto à forma, ou modo de ser, pode o condomínio ser pro diviso ou pro indiviso. Será pro diviso quando “a comunhão existe de direito, mas não de fato, uma vez que cada condômino já se localiza numa parte certa e determinada da coisa” (mon­ teiro, Washington de Barros. Curso de direito ci­ vil, 37. ed. São Paulo, Saraiva, 2003, v. III, p. 206). Será pro indiviso quando a situação de condomínio coincidir com a composse, ou seja, a situação jurídica e a fática são de partes ideais, sem localização da posse dos condôminos. O condomínio pro diviso poderá gerar usucapião entre condôminos, desde que a posse seja inequívoca, tema já visto no comentário ao art. 1.238, ao qual se remete o leitor.

361
Q

Há direito de preferência no caso de vende de cota-parte de condomínio divisível?

A

O CC/1916, embora admitisse a livre alienação,
de modo contraditório exigia a anuência dos demais condôminos para a hipoteca da parte ideal. Tal regra não mais prevalece, diante do disposto no art. 1.420, § 2o, adiante comentado, podendo a parte ideal ser livremente hipotecada. A venda de parte ideal de coisa indivisível deve respeitar a preferência assegurada aos demais condôminos, de acordo com o que dispõe o art. 504 do CC. A venda é válida, mas ineficaz quanto ao condômino preterido, que pode, no prazo decadencial de seis meses contados do registro ou da ciência do negócio, o que primeiro ocorrer, depositar judicialmente o preço e haver a coisa para si. O STJ, em suas Turmas, mantém posicionamentos conflitantes sobre o tema. Há julgados no sentido de que a preferência do condômino somente incide quando a coisa objeto do condomínio é indivisível. Existe posicionamento diverso, de que também há preferência quando a coisa é divisível, mas o condomínio é pró-indiviso. Embora a primeira corrente se atenha ao texto da lei, sem dúvida a segunda corrente tem a vantagem de evitar o ingresso de estranho à situação de condomínio indiviso, sempre conflituosa.

362
Q

O condômino pode instituir usufruto sobre sua parcela ideal sem o consenso dos demais?

A

Também é livre a constituição pelo condômino de direitos reais sobre coisa alheia, como o usufruto, o uso e a superfície, gravando a sua parte ideal. Exceção a tal regra é a constituição do direito real de servidão, que deve ser consentida pela unanimidade dos coproprietários do prédio serviente, em razão de sua indivisibilidade e da impossibilidade de gravar apenas parte ideal do prédio. Nos casos dos direitos que importem a cessão da posse direta, tais como usufruto, uso, habitação e superfície, parece claro que o titular de direito real sobre coisa alheia não poderá ter mais direitos do que tinha o condômino, de modo que terão apenas composse sobre a coisa comum, sem direito ao uso exclusivo ou localizado, salvo concordância dos demais condôminos.

363
Q

Um condômino pode ajuizar contra o outro ação reivindicatória?

A

Art. 1.314. Cada condômino pode usar da coisa conforme sua destinação, sobre ela exercer todos os direitos compatíveis com a indivisão, reivindicá-la de terceiro, defender a sua posse e alhear a respectiva parte ideal, ou gravá-la.

Parágrafo único. Nenhum dos condôminos pode alterar a destinação da coisa comum, nem dar posse, uso ou gozo dela a estranhos, sem o consenso dos outros.

Comentários:

Finalmente, o último dos direitos do condômino é reivindicar a coisa comum de terceiros. Decorre do direito de sequela, de perseguir a coisa em poder de quem injustamente se encontra. Em relação a terceiros, o condômino age como se fosse proprietário pleno. Pode ajuizar ações petitórias em geral contra terceiros, tanto reivindicatória como imissão de posse ou publicianas, todas fundadas no ius possidendi, independentemente da anuência dos demais coproprietários. O pedido não se limita à devolução da parte ideal do autor da demanda, mas da coisa por inteiro, em benefício próprio e dos demais condôminos.

A lei destaca a prerrogativa de o condômino
reivindicar, mas de terceiro. Segundo doutrina tradicional, não cabe a reivindicatória contra outro condômino, por razão singela. É a reivindicatória ação do proprietário sem posse diante de possuidor sem propriedade e no condomínio autor e réu são donos, com poderes qualitativamente iguais (maximiliano, Carlos. Condomínio. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1947, p. 33). O STJ, porém, já admitiu a reivindicatória de um condômino contra outro, desde que o condomínio seja pro diviso. Parece melhor tal posição, uma vez que em situações diversas poderá ocorrer de o condômino, ou adquirente de parte ideal, embora localizada no solo, não ter posse anterior para fundamentar ação possessória, mas pleitear que o outro coproprietário que tomou posse exclusiva sobre a totalidade da coisa comum, ou indevidamente se apoderou de quinhão localizado do alienante, restitua-a em proveito de todos os titulares, ou de um deles.

364
Q

Um condômino pode ajuizar ação possessória contra o outro?

A

Também pode o condômino defender a posse
contra ataques ilícitos de terceiros ou mesmo de outros coproprietários. A tutela é exercida individualmente, sem necessitar da anuência dos demais coproprietários, e a todos aproveita, porque o terceiro esbulhador deve restituir a coisa na sua totalidade e não somente a parte ideal do autor da demanda. Note-se que a lei, ao contrário do que ocorre com a ação reivindicatória, não limita a ação do condômino apenas contra terceiros. Disso decorre que um condômino, desde que tenha posse anterior, pode invocar a tutela possessória – e a autotutela – contra outro comunheiro, com o objetivo de limitar sua conduta, permitindo a utilização da coisa comum por toda a comunidade de coproprietários. Cabem as ações possessórias típicas (reintegração, manutenção e interdito proibitório) assim como a nunciação de obra nova e os embargos de terceiro. Cabe a cada condômino, isoladamente, o direito de defender a coisa comum perante afrontas de proprietários de prédios vizinhos às restrições do capítulo do direito de vizinhança, anteriormente estudado.

365
Q

Se um condômino contrai dívida em benefício de todos, o credor poderá cobrar dos demais em caso de não pagamento?

A

Art. 1.318. As dívidas contraídas por um dos condôminos em proveito da comunhão, e durante ela, obrigam o contratante; mas terá este ação regressiva contra os demais.

Comentários:

Versa a norma sobre hipótese inversa à do artigo antecedente [“Art. 1.317. Quando a dívida houver sido contraída por todos os condôminos, sem se discriminar a parte de cada um na obrigação, nem se estipular solidariedade, entende-se que cada qual se obrigou proporcionalmente ao seu quinhão na coisa comum”], ou seja, a dívida contraída por apenas um ou alguns dos condôminos, mas em proveito de todos e durante a comunhão. Nascem daí duas relações jurídicas distintas, uma externa e outra interna.

A primeira, do condômino que se obrigou
diante de terceiro credor. Não tem o credor, a princípio, direito contra os demais condôminos, que não se obrigaram. Caso, porém, o condômino que se obrigou seja insolvente, nasce a obrigação dos demais, tendo como fonte o enriquecimento indireto sem causa.

A segunda, de regresso do condômino que pagou perante os demais, que se beneficiaram coma dívida, na proporção dos respectivos quinhões. O regresso, todavia, está sujeito a duplo requisito: o proveito comum, decorrente da obrigação assumida, e que a obrigação nasça na persistência da comunhão. A situação se assemelha à gestão de negócio, de modo que somente a necessidade ou utilidade em proveito geral é que geram direito de regresso. Assim, dívidas contraídas por coproprietário para fazer frente a benfeitorias úteis ou necessárias permitem voltar-se contra os demais comunheiros. O mesmo, porém, não ocorre em relação às benfeitorias voluptuárias, salvo se os demais condôminos com ela assentiram.

366
Q

Qual é o prazo admitido para o acordo de indivisão do condomínio?

A

Art. 1.320. A todo tempo será lícito ao condômino exigir a divisão da coisa comum, respondendo o quinhão de cada um pela sua parte nas despesas da divisão.

§ 1 o Podem os condôminos acordar que fique indivisa a coisa comum por prazo não maior de cinco anos, suscetível de prorrogação ulterior.

§ 2 o Não poderá exceder de cinco anos a indivisão estabelecida pelo doador ou pelo testador.

§ 3 o A requerimento de qualquer interessado e se graves razões o aconselharem, pode o juiz determinar a divisão da coisa comum antes do prazo.

367
Q

No caso de concorrência entre condôminos para a compra da cota-parte do outro, que critério tem preferência: o valor da benfeitoria realizada pelo proponente ou o valor do lance oferecido?

A

Art. 1.322. Quando a coisa for indivisível, e os consortes não quiserem adjudicá-la a um só, indenizando os outros, será vendida e repartido o apurado, preferindo-se, na venda, em condições iguais de oferta, o condômino ao estranho, e entre os condôminos aquele que tiver na coisa benfeitorias mais valiosas, e, não as havendo, o de quinhão maior.

Parágrafo único. Se nenhum dos condôminos tem benfeitorias na coisa comum e participam todos do condomínio em partes iguais, realizar-se-á licitação entre estranhos e, antes de adjudicada a coisa àquele que ofereceu maior lanço, proceder-se-á à licitação entre os condôminos, a fim de que a coisa seja adjudicada a quem afinal oferecer melhor lanço, preferindo, em condições iguais, o condômino ao estranho.

368
Q

As normas relativas ao condomínio edilício previstas na Lei n. 4.591\64 (Dispõe sôbre o condomínio em edificações e as incorporações imobiliárias )foram derrogadas pelo novo CC?

A

Art. 1.331. Pode haver, em edificações, partes que são propriedade exclusiva, e partes que são propriedade comum dos condôminos.

§ 1 o As partes suscetíveis de utilização independente, tais como apartamentos, escritórios, salas, lojas e sobrelojas, com as respectivas frações ideais no solo e nas outras partes comuns, sujeitam-se a propriedade exclusiva, podendo ser alienadas e gravadas livremente por seus proprietários, exceto os abrigos para veículos, que não poderão ser alienados ou alugados a pessoas estranhas ao condomínio, salvo autorização expressa na convenção de condomínio. (Redação dada pela Lei nº 12.607, de 2012)

§ 2 o O solo, a estrutura do prédio, o telhado, a rede geral de distribuição de água, esgoto, gás e eletricidade, a calefação e refrigeração centrais, e as demais partes comuns, inclusive o acesso ao logradouro público, são utilizados em comum pelos condôminos, não podendo ser alienados separadamente, ou divididos.

§ 3 o A cada unidade imobiliária caberá, como parte inseparável, uma fração ideal no solo e nas outras partes comuns, que será identificada em forma decimal ou ordinária no instrumento de instituição do condomínio. (Redação dada pela Lei nº 10.931, de 2004)

§ 4 o Nenhuma unidade imobiliária pode ser privada do acesso ao logradouro público.

§ 5 o O terraço de cobertura é parte comum, salvo disposição contrária da escritura de constituição do condomínio.

Comentários:

O artigo em estudo inaugura o Capítulo “Do
Condomínio Edilício”, que não era tratado no CC/1916, e corresponde aos arts. 1o ao 21 da Lei n. 4.591/64. Destaque-se que o § 3o transcrito segue a redação que lhe foi dada pela Lei n. 10.931/2004, que alterou vários dispositivos do CC/2002.

A primeira questão a ser examinada é o atual
regime jurídico do condomínio edilício, em especial a revogação, ou não, ou em que medida, da Lei n. 4.591/64 pelo CC/2002, que é lei geral, ao passo que a lei de condomínio e incorporações é especial. Não prevalece, porém, o princípio da especialidade, porque a lei geral trata da mesma matéria, voltada aos mesmos destinatários. A situação jurídica é a mesma, sem qualquer discrímen que justifique a aplicação de regra especial à categoria distinta. Por isso, o CC/2002 derrogou a Lei n. 4.591/64 em tudo aquilo que com ela conflite. Os arts. 28 e seguintes da lei especial, voltados à disciplina da incorporação imobiliária, estão em plena vigência, uma vez que tal negócio jurídico não foi objeto de regramento distinto no CC/2002. Resta apenas saber, no tocante aos arts. 2o a 27, se houve derrogação ou ab-rogação da lei especial pelo atual Código. Embora haja entendimento divergente a respeito, a melhor posição é no sentido de que houve simples derrogação, podendo as regras da lei especial ser aplicadas de modo supletivo nas lacunas do CC/2002, desde que não conflitem com os princípios ou as regras posteriores. Prova disso é que o próprio art. 1.332, adiante comentado, dispõe que em relação à instituição do condomínio edilício se aplicam não somente as regras do próprio CC como também o disposto em lei especial.

369
Q

As regras relativas aos condomínios edilícios podem ser aplicadas, por analogia, aos loteamentos fechados?

A

Quanto à extensão das regras do condomínio
edilício, na Jornada de Direito Civil do CEJ do CJF aprovou-se o seguinte enunciado: “O disposto nos arts. 1.331 a 1.358 do CC aplica-se, no que couber, aos condomínios assemelhados, tais como loteamentos fechados, multipropriedade imobiliária e clubes de campo”. O enunciado deve ser lido com cautela. Claro que as vias internas dos loteamentos fechados, ou de acesso controlado, são bens públicos e sua aprovação, registro e alienação obedecem regime jurídico próprio (Lei n. 6.766/79, art. 2o, § 8o, se urbanos, e DL n. 58/37, se rurais). As alienações de lotes em loteamentos regulados pela Lei n. 6.766/79 como se fossem unidades autônomas constituem fraude à lei e são nulas de pleno direito, além de tipificarem infração penal. Lembro, porém, que a Lei n. 13.465/2017 acrescentou o art. 1.358-A ao CC, adiante comentado e ao qual se remete o leitor, que institui o condomínio de lotes, situação inconfundível com a de loteamentos fechados.

As regras relativas ao condomínio edilício, que
podem ser estendidas aos loteamentos fechados, são as das contribuições condominiais, para que todos os proprietários de lotes paguem de modo proporcional o custo da manutenção de benefícios comuns a todos os adquirentes, como segurança e paisagismo, evitando o enriquecimento sem causa de uns em desfavor dos demais, consoante entendimento majoritário de nossos tribunais. É irrelevante que o loteamento seja ou não fechado por lei, ou, ainda, que o adquirente de lote seja ou não associado à associação de moradores. O que importa é a efetiva prestação de serviços que revertam em proveito geral e provoquem a valorização do imóvel. A fonte da obrigação não é o consentimento manifestado à associação, até porque ninguém é obrigado a permanecer associado, mas sim a cláusula geral que veda o enriquecimento sem causa.

Diversos julgados tratam da matéria aludindo a “condomínios de fato”, que, embora não regularmente constituídos, geram manutenção de certos equipamentos que beneficiam todos os moradores ou adquirentes de lotes. A possibilidade de cobrança do custeio de serviços em tais empreendimentos é hoje objeto de acesa polêmica. Inicialmente, o STJ admitiu a prática, desde que provada a existência de serviços que beneficiem todos os adquirentes de lotes. Em um segundo momento, prevaleceu o entendimento de que o rateio somente pode ser cobrado de morador associado ou que anuiu à cobrança. Aparentemente, impressionou-se o STJ com a possibilidade de criação da obrigação com origem diversa do contrato, da declaração unilateral de vontade, ou de ato ilícito. Em julgado recente, também o STF afirmou a impossibilidade de cobrança de rateio de despesa de adquirente de lote não associado, sob o ângulo estrito do art. 5o, XX, da CF, de que “ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado”. Esqueceu-se, porém, que no regime do atual CC o enriquecimento sem causa constitui fonte autônoma de obrigação. Recente recurso repetitivo do STJ consolidou o entendimento da impossibilidade de cobrança do rateio de despesas em face de adquirentes não associados. Precedentes posteriores ao recurso repetitivo, porém, corretamente ressalvam a possibilidade de a cobrança ser feita com fundamento em cláusula aposta em contrato de compromisso de compra e venda, ainda que o contrato-padrão não seja registrado no registro de imóveis. Frente a terceiros subadquirentes, todavia, exige-se que a obrigação de participação no rateio de despesas conste não apenas do contrato celebrado entre o loteador e o primeiro adquirente, mas conste também do registro imobiliário.

A melhor orientação é a de que se deve analisar cada caso concreto e exigir a prova, a cargo da associação autora, de real e proveitosa prestação de serviços indivisíveis a todos os moradores ou adquirentes de lotes. Eventual cláusula penal moratória, prevista em estatuto, é que pode ser cobrada apenas dos associados, em razão de sua natureza convencional. A cláusula penal, embora não seja pacífica a matéria, está limitada a 2%, em razão de aplicação analógica do art. 1.336, § 1o, do CC/2002, comentado a seguir. Não faria sentido que em condomínios regularmente instituídos a cláusula penal fosse limitada, mas livre nos condomínios de fato. No que se refere ao prazo prescricional da pretensão, o entendimento, também majoritário, é no sentido de que é trienal, pois o fundamento da cobrança é, como já dito, o enriquecimento sem causa. Caso, porém, a cobrança seja ajuizada contra associado, o prazo será o ordinário ou, quando muito, o quinquenal, se o crédito foi líquido, em harmonia com o entendimento sedimentado em sede de recurso repetitivo pelo STJ, no que se refere às despesas em condomínio edilício regularmente instituído.

370
Q

Qual a diferença entre condomínio e comunhão?

A

Art. 1.314. Cada condômino pode usar da coisa conforme sua destinação, sobre ela exercer todos os direitos compatíveis com a indivisão, reivindicá-la de terceiro, defender a sua posse e alhear a respectiva parte ideal, ou gravá-la.

Parágrafo único. Nenhum dos condôminos pode alterar a destinação da coisa comum, nem dar posse, uso ou gozo dela a estranhos, sem o consenso dos outros.

Comentários:

[…]

Distingue-se o condomínio da comunhão em
sentido estrito, porque nesta “a titularidade se exerce por todos os coproprietários, ao mesmo tempo, sobre a totalidade da coisa, sem que, a priori, seja cogitada uma fração ideal. Somente quando da dissolução da comunhão pode ser apurada a parte cabível a cada coproprietário” (fachin, Luiz Edson. Comentários ao Código Civil. São Paulo, Saraiva, 2003, v. XV, p. 170). Assim, a comunhão envolve um patrimônio, um conjunto de bens, em que não há cotas autônomas, passíveis de alienação em separado. Os comunheiros não podem dispor de sua parte nem onerá-la enquanto não se dissolver a comunhão. Tome-se como exemplo a comunhão decorrente do regime de bens do casamento e lembre-se que o capítulo em foco disciplina somente o condomínio.

371
Q

O que é condomínio urbano simples?

A

Criou a Lei n. 13.465/2017, que trata da regularização fundiária urbana e rural, duas novas modalidades de condomínio. A primeira é o condomínio de lotes, regulada pelo art. 1.358-A, adiante comentado. A segunda é o condomínio urbano simples, regulado nos arts. 61 a 63 da Lei n. 13.465/2017.

O condomínio urbano simples é instrumento da REURB e se constitui de conjunto de construções de casas ou cômodos sobre um mesmo terreno. Observadas regras urbanísticas, na mesma matrícula serão discriminadas as construções ou partes de utilização exclusiva e as que constituem passagem para a via pública ou para as unidades entre si. Cuida-se de condomínio edilício simplificado, voltado à regularização de múltiplas construções sobre um mesmo lote, faz-se o registro na matrícula do imóvel, dispensada a convenção de condomínio, e, a seguir, abre-se matrícula individual para cada unidade autônoma, sobre as quais os condôminos têm propriedade plena.

372
Q

O condomínio edilício possui personalidade jurídica?

A

Problema não resolvido pelo CC/2002 é o da
personalidade jurídica do condomínio edilício. A doutrina tradicional, capitaneada por Caio Mário da Silva Pereira (op. cit., p. 89), não reconhece ao condomínio personalidade jurídica distinta da personalidade dos condôminos, até para evitar que o condômino se torne proprietário de uma cota imaterial da pessoa jurídica, em vez de cota ideal material das partes comuns e do solo. Além disso, embora haja comunhão orgânica dos condôminos, cada um tem interesses próprios, distinguindo-se aí da sociedade. É ponto incontroverso, porém, a personalidade processual ou judiciária do condomínio para, em seu próprio nome e representado pelo síndico, agir ativa ou passivamente em juízo, na defesa dos interesses materiais da comunidade dos condôminos (art. 12, IX, do CPC/73; art. 75, XI, do CPC/2015). Em suma, o entendimento predominante é no sentido da existência de personalidade judiciária, mas não de personalidade de direito material do condomínio. Esse posicionamento passou a ser questionado em razão de diversas situações jurídicas que, para receber solução confortável, implicariam o reconhecimento da personalidade jurídica total do condomínio. São os casos de contratos de prestação de serviços diversos, firmados pelo condomínio e não pelos condôminos, a aquisição de imóvel vizinho para ampliação da área de garagens ou de recreio comum e a adjudicação ou arrematação da unidade do condômino inadimplente em hasta pública. Seria inviável, em todas elas, exigir o consentimento de todos os condôminos, especialmente considerando a possibilidade de alguns serem incapazes. De outro lado, o reconhecimento incondicional de personalidade poderia levar a situações inadmissíveis, como, por deliberação da maioria, se adquirir imóvel de campo ou ingressar em empreendimento de risco estranho à finalidade do condomínio, colocando em risco o patrimônio pessoal de todos os condôminos minoritários.

Assim, na I Jornada de Direito Civil do CEJ
do CJF aprovou-se o seguinte enunciado, de n. 90: “Admite-se a personalidade jurídica ao condomínio, desde que em atividade de seu peculiar interesse”. A posição equilibrada evita a exposi
ção de riscos excessivos. Em reunião mais recente, a mesma Jornada aprovou enunciado mais amplo (Enunciado n. 246): “Fica alterado o Enunciado n. 90, com supressão da parte final: ‘nas relações jurídicas inerentes às atividades de seu peculiar interesse’. Prevalece o texto: ‘Deve ser reconhecida personalidade jurídica ao condomínio edilício’”

373
Q

É possível a alienação de vaga autônoma (não vinculada à unidade autônoma) em condomínio edilícil sem o consentimento do condomínio?

A

Art. 1.331. Pode haver, em edificações, partes que são propriedade exclusiva, e partes que são propriedade comum dos condôminos.

§ 1 o As partes suscetíveis de utilização independente, tais como apartamentos, escritórios, salas, lojas e sobrelojas, com as respectivas frações ideais no solo e nas outras partes comuns, sujeitam-se a propriedade exclusiva, podendo ser alienadas e gravadas livremente por seus proprietários, exceto os abrigos para veículos, que não poderão ser alienados ou alugados a pessoas estranhas ao condomínio, salvo autorização expressa na convenção de condomínio. (Redação dada pela Lei nº 12.607, de 2012)

Comentários:

Falha grave do CC/2002 é a omissão quanto ao
regime jurídico das garagens. Cabe, de início, ressaltar que as vagas em edifícios-garagem são sempre unidades autônomas. Nos demais casos, há apenas breve alusão ao abrigo de veículos, como parte de utilização exclusiva dos condôminos. Colmata-se a lacuna do CC aplicando-se o que contém o art. 2o, § 1o, da Lei n. 4.591/64. A dou-trina e a jurisprudência admitem tripla modalidade das vagas, a saber: a) como coisa comum, absorvida na fração ideal de terreno da unidade autônoma, conferindo o direito de estacionar veículo no espaço comum que se encontrar desocupado, sem demarcação. Admite-se que a convenção de condomínio discipline o uso, ou faça o sorteio de utilização temporária das vagas; b) como acessório de unidade autônoma, reservada a um condômino ou a determinado grupo, sem fração ideal de terreno a ela atrelada, mas demarcada para uso privativo do titular da unidade a que se vincula; distingue-se da modalida-de anterior, porque a unidade com vaga acessória tem fração ideal maior no terreno do edifício; c) como unidade autônoma, com fração ideal de terreno a ela atrelada, com designação específica e extremada das demais vagas de garagem.

Parece claro que as vagas perfeitamente demarcadas, que constituem unidades autônomas, com fração ideal de terreno própria e não vinculadas a nenhuma unidade habitacional ou comercial, ou seja, aquelas que não guardam relação dedependência e nem são acessórias, podem ser alienadas ou locadas livremente a terceiros. Tome-se como exemplo os edifícios-garagem, nos quais cada vaga tem plena autonomia, de modo que não faria o menor sentido a restrição quanto ao poder de dispor ou de locá-las a terceiros.

As limitações da parte final do § 1o alcançam
apenas as vagas de garagem indeterminadas, ou mesmo as vagas determinadas que se encontrem vinculadas a uma unidade autônoma principal, seja habitacional ou empresarial. O Conselho Superior da Magistratura de São Paulo recentemente afirmou que o simples fato de a garagem situar-se em prédio comercial não dispensa a prévia previsão em convenção de condomínio para alienação a terceiros (v. acórdão transcrito a seguir). A limitação abrange tanto a alienação como a locação a terceiros estranhos ao condomínio. Embora omissa a regra, parece claro que se a sua função é a de evitar que terceiros tenham acesso às dependências da edificação, a vedação também se estende ao comodato. Haveria manifesta violação ao sentido da norma se o condômino não pudesse vender ou locar a vaga, mas pudesse emprestá-la gratuitamente, provocando os mesmos efeitos deletérios à segurança do condomínio. São “pessoas estranhas ao condomínio”, na dicção da lei, aqueles que não são titulares nem de direitos reais nem de direitos pessoais que impliquem posse ou uso da unidade autônoma principal. Logo, nada impede, por exemplo, de um locatário ou um comodatário, ou um promitente comprador de um apartamento, locar a vaga de seu vizinho. Já a aquisição das vagas está circunscrita aos demais condôminos, pois a perenidade da propriedade se mostra incompatível com a transitoriedade dos contratos de locação ou de comodato.

374
Q

É possível a penhora de garagem?

A

Art. 1.331. Pode haver, em edificações, partes que são propriedade exclusiva, e partes que são propriedade comum dos condôminos.

§ 1 o As partes suscetíveis de utilização independente, tais como apartamentos, escritórios, salas, lojas e sobrelojas, com as respectivas frações ideais no solo e nas outras partes comuns, sujeitam-se a propriedade exclusiva, podendo ser alienadas e gravadas livremente por seus proprietários, exceto os abrigos para veículos, que não poderão ser alienados ou alugados a pessoas estranhas ao condomínio, salvo autorização expressa na convenção de condomínio. (Redação dada pela Lei nº 12.607, de 2012)

Comentários:

Indaga-se sobre a possibilidade de se penhorar vagas de garagem independentemente das unidades às quais se encontram vinculadas. Os tribunais admitem tal possibilidade, desde que as vagas sejam determinadas e objeto de matrícula própria. Caso, no entanto, encontrem-se vinculadas a uma unidade autônoma principal, incidirá a vedação da alienação a terceiros, de modo que a hasta pública ocorrerá no universo limitado dos demais condôminos (vide jurisprudência abaixo).

Adjudicação. Vaga de garagem. Deferimento. Impos-sibilidade. Hipótese em que embora a vaga de garagem possua matrícula própria, e possa ser penhorada e ven-dida para garantir a execução, não pode ser adquirida por terceiro estranho ao condomínio. Art. 1.331 do CC. Recurso provido para tal fim. (TJSP, AI n. 2150305-06.2016.8.26.0000, 13a Câm. de Dir. Priv., rel. Heral-do de Oliveira, j. 14.09.2016; no mesmo sentido: TJSP, AI n. 0171240-43.2012.8.26.0000/SP, 20a Câm. de Dir. Priv., rel. Des. Álvaro Torres Júnior, j. 25.03.2013; TJSP, AI n. 2113112-88.2015.8.26.0000, rel. Mendes Pereira, j. 11.02.2016)

375
Q

A convenção condominial pode ser feita por instrumento particular?

A

Art. 1.333. A convenção que constitui o condomínio edilício deve ser subscrita pelos titulares de, no mínimo, dois terços das frações ideais e torna-se, desde logo, obrigatória para os titulares de direito sobre as unidades, ou para quantos sobre elas tenham posse ou detenção.

Parágrafo único. Para ser oponível contra terceiros, a convenção do condomínio deverá ser registrada no Cartório de Registro de Imóveis.

Art. 1.334. Além das cláusulas referidas no art. 1.332 e das que os interessados houverem por bem estipular, a convenção determinará:

I - a quota proporcional e o modo de pagamento das contribuições dos condôminos para atender às despesas ordinárias e extraordinárias do condomínio;

II - sua forma de administração;

III - a competência das assembléias, forma de sua convocação e quorum exigido para as deliberações;

IV - as sanções a que estão sujeitos os condôminos, ou possuidores;

V - o regimento interno.

§ 1 o A convenção poderá ser feita por escritura pública ou por instrumento particular.

376
Q

É possível exercer o ofício de advogado ou de costureira em unidade autônoma de condomínio edilício sem destinação comercial?

A

Art. 1.335. São direitos do condômino:

I - usar, fruir e livremente dispor das suas unidades;

II - usar das partes comuns, conforme a sua destinação, e contanto que não exclua a utilização dos demais compossuidores;

III - votar nas deliberações da assembléia e delas participar, estando quite.

Comentários:

[…]

No que se refere ao direito de usar e fruir a unidade autônoma, a regra deve ser lida em conjunto com o dever previsto no inciso IV do art. 1.336 [“São deveres do condômino: dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes.”], adiante comentado, ou seja, deve o condômino dar a suas partes a mesma destinação da edificação e não as utilizar de modo prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes. Há farta casuística nos tribunais sobre a matéria, partindo de alguns pressupostos que podem ser delineados. O primeiro é que, pela própria natureza do condomínio edilício, as restrições de vizinhança são mais severas do que as gerais do próprio CC, e complementadas por regras estatuídas na convenção de condomínio. O segundo é que o domínio sobre a unidade autônoma é pleno, de modo que somente se justificam as restrições convencionais se, no caso concreto, verificar que o comportamento do condômino agride os interesses eleitos pela lei – segurança, sossego, salubridade e bons costumes.

[…]

• Deve o condômino respeitar a destinação de
sua unidade autônoma, não podendo usá-la para fins comerciais ou empresariais, se previsto o fim residencial, nem vice-versa. Tolera-se, porém, o uso misto, ainda que vedado pela convenção, desde que os valores tutelados pelo legislador – sossego, segurança, salubridade – não sejam atingidos nem os equipamentos comuns – elevadores, portaria, água –, sobrecarregados. São os casos de professores que ministram algumas aulas par
ticulares, ou de advogados que recebem poucos clientes, ou costureiras que fazem algumas provas de roupas, ou prestadores de serviço em geral que usam a unidade para desenvolver suas atividades; por outro lado, não se admite a instalação de república de estudantes, quer pela provável ofensa ao sossego, quer pela sobrecarga aos equipamentos comuns.

377
Q

A convenção pode vedar a posse de cachorros em unidades autônomas de condomínios edilícios?

A

A manutenção de animais nas unidades gera
entendimentos divergentes. Se a convenção for omissa, aplica-se a regra da preservação dos interesses tutelados pela lei, quais sejam, segurança, sossego e saúde. Caso, porém, a convenção proíba a permanência de animais, os tribunais se dividem. Há linha de interpretação mais rigorosa, de que deve a convenção ser seguida de modo estrito e quem vai habitar o condomínio tem ciência da restrição e a ela deve se amoldar. A linha majoritária, todavia, volta-se à prova da real nocividade do animal no caso concreto. Tolera-se a permanência do animal, se não for este prejudicial aos demais condôminos (RT 791/213, JTJ­ ­Lex 167/32 e 248/34, JSTJ 49/176). Aquele que litiga contra a vedação convencional, porém, tem sobre seus ombros o ônus de demonstrar que os valores tutelados pela regra não foram vulnerados (cf. souza, Sidney Roberto Rocha de. “Ani-mais em apartamentos”. In: Condomínio edilício, coord. F. A. Casconi & J. R. N. Amorim. São Pau-lo, Método, 2005).

378
Q

É possível destinar área de uso comum ao uso exclusivo de algum condômino?

A

Questão polêmica é a da possibilidade da alteração da destinação da área comum do edifício, ou então da entrega de parte da área comum ao uso exclusivo de um dos condôminos. O entendimento majoritário é no sentido de que se admite a alteração da destinação de parte comum, ou a utilização exclusiva, se houver o consenso dos condôminos, por unanimidade (cf. nascimen­ to franco, João. Op. cit., p. 220-1). Em determinados casos, a própria convenção ou instituição do condomínio já conterão a previsão, cabendo a análise de sua congruência com os princípios da boa-fé objetiva e do equilíbrio contratual, vulnerado no caso de empreendedores e incorporadores que fazem constar da convenção a possibilidade de uso exclusivo do teto do prédio, para colocação gratuita de placas de publicidade ou sinais da empresa, sem qualquer vantagem ou contraprestação aos condôminos.

379
Q

O não pagamento da taxa condominial pode gerar a impossibilidade de o condômino participar de reuniões?

A

Art. 1.335. São direitos do condômino:

III - votar nas deliberações da assembléia e delas participar, estando quite.

Comentários:

A novidade está na subordinação do direito de
voto à pontualidade do pagamento da contribuição condominial. Tomou a lei posição, afastando a anterior discussão sobre a legalidade da restrição ao direito de voto contida em convenção de condomínio. Todos os condôminos, porém, devem ser convocados, até porque o saldo devedor pode ser pago até o momento da assembleia. O condômino que houver ajuizado ação de consignação em pagamento para discutir parcela controversa da contribuição não deve ser considerado em débito, assim como aquele que houver depositado em juízo tal quantia. Diz a lei que o condômino em atraso não pode deliberar, o que não o impede de participar das discussões, embora sem direito a voto. A participação, porém, por não constituir direito garantido por norma cogente, pode ser afastada por norma convencional.

380
Q

A convenção condominial pode vedar a locação da unidade autônoma de curta temporada, por meio do AirBnb?

A

Art. 1.336. São deveres do condômino:

I - contribuir para as despesas do condomínio na proporção das suas frações ideais, salvo disposição em contrário na convenção; (Redação dada pela Lei nº 10.931, de 2004)

II - não realizar obras que comprometam a segurança da edificação;

III - não alterar a forma e a cor da fachada, das partes e esquadrias externas;

IV - dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes.

Comentários:

Questão nova e relevante que tem surgido nos
tribunais é a possibilidade de locação das unidades autônomas para curta temporada, especialmente em plataformas via internet. A mais conhecida dessas plataformas é o Airbnb. Discute-se se tal situação viola a vedação legal de desvio de uso, ou, ainda, se podem as assembleias de condomínio vedar tal modalidade de locação. Os tribunais ainda vacilam ao decidir a questão, que não se mostra tranquila. A melhor posição é saber inicialmente qual o objeto predominante do contrato. A mesma plataforma da internet pode disponibilizar apenas a locação de imóvel urbano, ou, ainda, oferecer serviços semelhantes aos de hospedagem, mediante fornecimento de alimentação, arrumação e concierge. Nesta última hipótese, se o objeto predominante é a hospedagem, e não a locação de coisas, existe claro desvio de uso, vedado pela lei. Ao contrário, se a causa predominante é a locação de imóvel urbano, a locação de curta duração não tem vedação legal, e pode como regra geral ser admitida. O entendimento predominante dos tribunais é no sentido de que a convenção pode conter regra vedando a locação de curta temporada, desde que observado o quorum legal para alteração, insuficiente a mera deliberação em assembleia por maioria simples de condôminos.

QUESTÃO EM ANÁLISE NO STJ:

Relator vota pela impossibilidade de que condomínios proíbam locações de curta temporada via Airbnb

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) iniciou nesta quinta-feira (10) o julgamento que vai definir se um condomínio residencial pode proibir a oferta de imóveis para aluguel por meio de plataformas digitais como o Airbnb.

O julgamento foi aberto com a apresentação do voto do relator, ministro Luis Felipe Salomão, que entendeu não ser possível a limitação das atividades locatícias pelo condomínio residencial porque as locações via Airbnb e outras plataformas similares não estariam inseridas no conceito de hospedagem, mas, sim, de locação residencial por curta temporada. Além disso, não poderiam ser enquadradas como atividade comercial passível de proibição pelo condomínio.

O ministro também considerou que haveria violação ao direito de propriedade caso fosse permitido que os condomínios proibissem a locação temporária. Na sequência, o julgamento foi suspenso por um pedido de vista do ministro Raul Araújo.

No início do julgamento, a turma admitiu o Airbnb como assistente dos proprietários que recorreram ao STJ após o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) concluir que a disponibilização de seu imóvel em Porto Alegre para aluguel pela plataforma digital caracterizaria atividade comercial – o que é proibido pela convenção do condomínio.

Para o TJRS, a ausência de vinculação entre o proprietário e os inquilinos, a reforma do apartamento para criar novos espaços de acomodação e o fornecimento de serviços como o de lavanderia seriam suficientes para caracterizar uma espécie de “contrato atípico de hospedagem”, o que afastaria a aplicabilidade da Lei de Locação (Lei 8.245/1991) ao caso.

Em sustentação oral, o advogado do Airbnb afirmou que os contratos de locação entre anfitriões e inquilinos não têm participação direta da plataforma, e assim as partes podem negociar livremente os termos do acordo. Segundo o assistente dos proprietários, esses contratos não são do tipo hospedagem e mantêm a finalidade residencial dos imóveis. Além disso, o Airbnb afirmou que disponibiliza em seu site um espaço para que sejam esclarecidas as normas do condomínio, como horários e orientações de segurança.

Prestação de servi​​ços

Em relação ao contrato de hospedagem, o ministro Luis Felipe Salomão apontou que a Lei 11.771/2008, que estabelece normas sobre a Política Nacional de Turismo, prevê a modalidade de hospedagem para turismo – todavia, estabelece para esse tipo de contrato a prestação de múltiplos serviços, como segurança e arrumação dos cômodos, excluindo qualquer utilização para fins residenciais.

“Nesse sentido, penso não ser possível categorizar a atividade realizada pelos proprietários recorrentes como comercial, igualando-a àquelas realizadas por estabelecimentos dotados da estrutura para o fornecimento dos serviços inerentes à hospedagem, nos estritos limites da lei”, disse o ministro.

Além disso, para Salomão, os autos do processo indicaram que a prestação de serviços como lavagem de roupas se caracterizou como atividade circunstancial, não se assemelhando à gama de serviços exigidos para caracterização de hospedagem.

Economia de compartilhamen​​to

No voto, o relator lembrou que os contratos de curta temporada – de todo o imóvel ou de partes dele – não são uma atividade recente. Na verdade, afirmou, a novidade diz respeito à potencialização do aluguel por curto ou curtíssimo prazo por meio das plataformas virtuais, que está inserida na denominada economia de compartilhamento – a exemplo de outros sistemas de intermediação, como Booking, HomeAway e Uber.

Apenas no caso da plataforma Airbnb, destacou o relator, há estimativa de impacto econômico de mais de R$ 7 bilhões no Brasil em 2018.

Apesar de citar proposições legislativas em andamento – sobretudo no sentido de regular o mercado de locação por curta temporada – e entendimentos legais em diversos países, Salomão reconheceu que não há como enquadrar, no momento, as relações advindas da utilização de plataformas virtuais para locação em uma das rígidas formas contratuais existentes no ordenamento jurídico.

Mesmo assim, o relator considerou que o aproveitamento de cômodos de um mesmo imóvel ou do imóvel em sua totalidade tem o “nítido propósito de destinação residencial a terceiros, mediante contraprestação pecuniária”, o que coloca essas relações negociais no âmbito do contrato de locação por temporada.

“A disponibilização dos imóveis foi realizada, conforme delimitado pela origem, tanto por períodos curtos como por períodos superiores a 12 meses, mas certo é que presente se manteve em todas as formas a finalidade residencial – tônica dos contratos de locação dos imóveis urbanos, previstos nos artigos 47 e seguintes do Código Civil –, e, segundo consta dos autos, prática que permanece até os dias de hoje”, apontou o ministro.

Relator vota pela impossibilidade de que condomínios proíbam locações de curta temporada via Airbnb

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) iniciou nesta quinta-feira (10) o julgamento que vai definir se um condomínio residencial pode proibir a oferta de imóveis para aluguel por meio de plataformas digitais como o Airbnb.

O julgamento foi aberto com a apresentação do voto do relator, ministro Luis Felipe Salomão, que entendeu não ser possível a limitação das atividades locatícias pelo condomínio residencial porque as locações via Airbnb e outras plataformas similares não estariam inseridas no conceito de hospedagem, mas, sim, de locação residencial por curta temporada. Além disso, não poderiam ser enquadradas como atividade comercial passível de proibição pelo condomínio.

O ministro também considerou que haveria violação ao direito de propriedade caso fosse permitido que os condomínios proibissem a locação temporária. Na sequência, o julgamento foi suspenso por um pedido de vista do ministro Raul Araújo.

No início do julgamento, a turma admitiu o Airbnb como assistente dos proprietários que recorreram ao STJ após o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) concluir que a disponibilização de seu imóvel em Porto Alegre para aluguel pela plataforma digital caracterizaria atividade comercial – o que é proibido pela convenção do condomínio.

Para o TJRS, a ausência de vinculação entre o proprietário e os inquilinos, a reforma do apartamento para criar novos espaços de acomodação e o fornecimento de serviços como o de lavanderia seriam suficientes para caracterizar uma espécie de “contrato atípico de hospedagem”, o que afastaria a aplicabilidade da Lei de Locação (Lei 8.245/1991) ao caso.

Em sustentação oral, o advogado do Airbnb afirmou que os contratos de locação entre anfitriões e inquilinos não têm participação direta da plataforma, e assim as partes podem negociar livremente os termos do acordo. Segundo o assistente dos proprietários, esses contratos não são do tipo hospedagem e mantêm a finalidade residencial dos imóveis. Além disso, o Airbnb afirmou que disponibiliza em seu site um espaço para que sejam esclarecidas as normas do condomínio, como horários e orientações de segurança.

Prestação de servi​​ços

Em relação ao contrato de hospedagem, o ministro Luis Felipe Salomão apontou que a Lei 11.771/2008, que estabelece normas sobre a Política Nacional de Turismo, prevê a modalidade de hospedagem para turismo – todavia, estabelece para esse tipo de contrato a prestação de múltiplos serviços, como segurança e arrumação dos cômodos, excluindo qualquer utilização para fins residenciais.

“Nesse sentido, penso não ser possível categorizar a atividade realizada pelos proprietários recorrentes como comercial, igualando-a àquelas realizadas por estabelecimentos dotados da estrutura para o fornecimento dos serviços inerentes à hospedagem, nos estritos limites da lei”, disse o ministro.

Além disso, para Salomão, os autos do processo indicaram que a prestação de serviços como lavagem de roupas se caracterizou como atividade circunstancial, não se assemelhando à gama de serviços exigidos para caracterização de hospedagem.

Economia de compartilhamen​​to

No voto, o relator lembrou que os contratos de curta temporada – de todo o imóvel ou de partes dele – não são uma atividade recente. Na verdade, afirmou, a novidade diz respeito à potencialização do aluguel por curto ou curtíssimo prazo por meio das plataformas virtuais, que está inserida na denominada economia de compartilhamento – a exemplo de outros sistemas de intermediação, como Booking, HomeAway e Uber.

Apenas no caso da plataforma Airbnb, destacou o relator, há estimativa de impacto econômico de mais de R$ 7 bilhões no Brasil em 2018.

Apesar de citar proposições legislativas em andamento – sobretudo no sentido de regular o mercado de locação por curta temporada – e entendimentos legais em diversos países, Salomão reconheceu que não há como enquadrar, no momento, as relações advindas da utilização de plataformas virtuais para locação em uma das rígidas formas contratuais existentes no ordenamento jurídico.

Mesmo assim, o relator considerou que o aproveitamento de cômodos de um mesmo imóvel ou do imóvel em sua totalidade tem o “nítido propósito de destinação residencial a terceiros, mediante contraprestação pecuniária”, o que coloca essas relações negociais no âmbito do contrato de locação por temporada.

“A disponibilização dos imóveis foi realizada, conforme delimitado pela origem, tanto por períodos curtos como por períodos superiores a 12 meses, mas certo é que presente se manteve em todas as formas a finalidade residencial – tônica dos contratos de locação dos imóveis urbanos, previstos nos artigos 47 e seguintes do Código Civil –, e, segundo consta dos autos, prática que permanece até os dias de hoje”, apontou o ministro.

Razoabilid​​ade

No tocante ao confronto entre os limites do direito de propriedade e o direito dos demais integrantes do condomínio, Salomão afirmou que a jurisprudência do STJ está firmada no sentido de que a análise de norma condominial restritiva passa pelos critérios de razoabilidade e legitimidade da medida em face do direito de propriedade.

Com base nesses critérios, explicou o ministro, a Quarta Turma decidiu no REsp 1.699.022 que o condômino inadimplente não pode ser impedido de usar áreas comuns do prédio. Orientação baseada nos mesmos princípios foi adotada pela Terceira Turma no REsp 1.783.076 para reconhecer a possibilidade de flexibilização de norma condominial e permitir a permanência de animais de estimação nas unidades residenciais.

No caso dos autos, Salomão ainda ressaltou que os proprietários disponibilizam o imóvel desde 2011, sem que tenha havido anteriormente oposição dos demais condôminos em relação a essas locações – atividade que, inclusive, é realizada por outros proprietários. O relator também destacou que não há notícia de que tenha ocorrido quebra ou diminuição da segurança do complexo residencial.

“Com efeito, há mesmo, ao revés, uma ideia de que a locação realizada por tais métodos (plataforma virtual) é até mais segura – tanto para o locador como para a coletividade que com o locatário convive, porquanto fica o registro de toda a transação financeira e dos dados pessoais deste e de todos os que vão permanecer no imóvel, inclusive com histórico de utilização do sistema”, disse o relator.

Segundo Salomão, o condomínio pode adotar medidas adequadas para manter regularmente o seu funcionamento – como o cadastramento de pessoas na portaria –, mas não pode impedir a atividade de locação pelos proprietários.

O julgamento será retomado com o voto-vista do ministro Raul Araújo, ainda sem data definida.​

381
Q

O condomínio pode vedar ao condômino inadimplente a utilização do salão de festas?

A

Art. 1.336. São deveres do condômino:

I - contribuir para as despesas do condomínio na proporção das suas frações ideais, salvo disposição em contrário na convenção; (Redação dada pela Lei nº 10.931, de 2004)

II - não realizar obras que comprometam a segurança da edificação;

III - não alterar a forma e a cor da fachada, das partes e esquadrias externas;

IV - dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes.

Comentários:

[…]

As sanções ao condômino inadimplente à obrigação de pagar a contribuição condominial são as previstas em lei, de natureza estritamente pecuniária. Fere os direitos fundamentais dos condôminos a aplicação de sanções diversas, ainda que previstas na convenção ou deliberadas em assembleia, especialmente aquelas que vedam a utilização de áreas e equipamentos comuns, como elevadores, piscina e sauna. A matéria é polêmica, e os tribunais colecionam julgados em sentido oposto (conferir jurisprudência reproduzida a seguir). O STJ, porém, posicionou-se majoritariamente no sentido de vedar a imposição de sanções distintas das legais. Pode-se admitir, em determinadas situações excepcionais, a restrição do inadimplente ao uso de áreas e equipamentos que exijam contribuição pecuniária específica. Tome-se como exemplo o uso do salão de festas, ou de sauna, ou de salão de ginástica, cujo uso possa subordinar-se ao pagamento prévio de taxa específica de manutenção. Não se tolera, porém, a vedação ao uso de outras áreas comuns, como garagens, elevadores, piscina, ou restrição a determinados serviços, como de portaria ou entrega de correspondência.

382
Q

É possível estipular-se juros moratórios superiores a 1% no caso de inadimplemento das contribuições condominiais, considerando o disposto no art. 1.336, pár. 1, do CC?

A

Art. 1.336. § 1 o O condômino que não pagar a sua contribuição ficará sujeito aos juros moratórios convencionados ou, não sendo previstos, os de um por cento ao mês e multa de até dois por cento sobre o débito.

Comentários:

[…]

O § 1o do art. 1.336 disciplina tanto a incidência dos juros como a da multa moratória. Quanto aos juros, reza o preceito que ficará o condômino inadimplente sujeito aos “juros convencionados, ou, não sendo previstos, os de 1% ao mês”. A regra é inversa à do art. 12 da Lei n. 4.591/64, que admitia juros moratórios de 1% a.m., desde que convencionados. Também é inversa à regra do regime de juros moratórios do polêmico art. 406 do CC/2002 que, no silêncio das partes, determina a incidência da mesma taxa devida às dívidas ativas da Fazenda Nacional. No regime do condomínio edilício, no silêncio da convenção, os juros serão de 1% ao mês e a correção monetária incide independentemente de previsão convencional.

Pode a convenção, todavia, prever pagamento de juros convencionados, acima ou abaixo dos legais. A dúvida está em saber se existe limitação à cobrança dos juros convencionais moratórios, ou se escapam eles dos limites do art. 406 do CC, estando ao inteiro critério da autonomia privada. Parece claro que os juros pactuados estão sujeitos ao teto cogente do art. 406 do CC vigente, não se podendo equiparar aos juros moratórios livres previstos na Lei de Mercado de Capitais (Lei n. 4.728/65), aplicáveis apenas às operações de crédito de instituições financeiras. A Lei da Usura, norma de ordem pública, aplica-se às prestações pecuniárias em geral, inclusive às relativas ao rateio das despesas condominiais. Em termos diversos, o teto máximo que a convenção pode estipular é o pagamento dos juros moratórios na mesma base daqueles que incidem sobre a dívida ativa da União Federal, ou seja, taxa Selic, que, por seu turno, já engloba as expectativas inflacionárias, de modo que não se cumula com a correção monetária, para evitar o bis in idem. Mesmo a incidência da taxa Selic é controversa, porque não refletiria propriamente os juros, como também expectativa inflacionária futura, de acordo com jurisprudência consolidada do STJ. Em suma, os juros moratórios estão sujeitos ao teto cogente de 12% ao ano, sendo considerada não escrita regra convencional em sentido contrário.

A matéria parecia pacificada nos tribunais estaduais, até que o STJ, em recente julgado, afirmou o contrário, admitindo a cobrança de juros moratórios livres, desde que previstos na convenção de condomínio. O fundamento do aresto, que constitui relevante precedente, foi a razão do veto presidencial à proposta legislativa de alteração do § 1o do art. 1.336 do CC. Aludido veto argumentou que, como os juros eram livres por força de lei, não havia razão para a majoração da multa moratória. Com o devido respeito, parece temerário admitir a cobrança de juros livres, sem qualquer tipo de limitação, com base em critério hermenêutico duvidoso, fundado nas razões de um veto presidencial a projeto de lei (REsp n. 1.002.525/DF, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 16.09.2010, ementa a seguir). A aplicação do precedente permitirá, por exemplo, a cobrança de juros moratórios de 10 ou de 20% ao mês o que, de um lado, constituirá forte fator inibidor da inadimplência, mas, de outro, impedirá condôminos em atraso de pagarem o débito, ou parcelarem suas dívidas, levando-os a demandas judiciais que culminarão na perda das unidades em hasta pública.

383
Q

Qual é o prazo prescricional para cobrança da taxa condominial?

A

Quanto à prescrição, logo após a vigência do
CC, entendeu-se que, na falta de previsão específica, aplicar-se-ia a regra do art. 205 do CC, com prazo de dez anos. O conflito de direito intertemporal é resolvido pela regra do art. 2.028 do mesmo diploma (cf., a respeito das despesas de con-domínio, pimentel, Celso José. “Anotações sobre a ação de cobrança das despesas de condomínio”. In: Condomínio edilício, coord. F. A. Casconi & J. R. N. Amorim. Op. cit.).

O STJ pacificou o entendimento, em sede de
recurso repetitivo, no sentido de que o prazo pres-cricional é o quinquenal: “Na vigência do CC/2002, é quinquenal o prazo prescricional para que o condomínio geral ou edifício (horizontal ou vertical) exercite a pretensão de cobrança da taxa condominial ordinária ou extraordinária constante em instrumento público ou particular, a contar do dia seguinte ao vencimento da prestação” (Tema 949). Tal entendimento seguiu o que já afirmava a Corte Superior, em outro precedente: “com a entrada em vigor do novo CC, o prazo prescricional aplicável à pretensão de cobrança das quotas condominiais passou a ser de cinco anos, nos termos do art. 206, § 5o, I, do CC/2002, observada a regra de transição do art. 2.028 do CC/2002” (REsp n. 1.139.030/RJ, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 18.08.2011). Afirmou o aresto que as despesas de condomínio constituem dívida líquida, pois a obrigação certa com prestação determinada, e com origem em instrumento público ou particular, entendida a expressão como defi-nição das cotas com base em despesas lastreadas em documentos, aprovadas pela assembleia e previstas na convenção de condomínio.

384
Q

O condomínio pode estabelecer desconto para os condôminos que pagam a contribuição em dia?

A

Enunciado n. 505 do CEJ do STJ: É nula a estipulação que, dissimulando ou embutindo multa acima de 2%, confere suposto desconto de pontualidade no pagamento da taxa condominial, pois configura fraude à lei (CC, art. 1.336, § 1o), e não redução por merecimento.

385
Q

O ocupante do imóvel pode ser responsabilizado pela multa decorrente das violações aos deveres condominiais?

A

Art. 1337. O condômino, ou possuidor, que não cumpre reiteradamente com os seus deveres perante o condomínio poderá, por deliberação de três quartos dos condôminos restantes, ser constrangido a pagar multa correspondente até ao quíntuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, conforme a gravidade das faltas e a reiteração, independentemente das perdas e danos que se apurem.

Parágrafo único. O condômino ou possuidor que, por seu reiterado comportamento anti-social, gerar incompatibilidade de convivência com os demais condôminos ou possuidores, poderá ser constrangido a pagar multa correspondente ao décuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, até ulterior deliberação da assembléia.

Comentários:

O artigo em exame não tem correspondência no CC/1916 nem na Lei n. 4.591/64. É mais amplo do que o § 2o do art. 1.336, anteriormente examinado, porque abrange todos os deveres do condômino perante o condomínio, previstos na lei, convenção ou regimento interno, inclusive o inadimplemento do pagamento da contribuição condominial do inciso I. De algum modo, foi o mecanismo compensatório criado pelo legislador, para coibir que a multa moratória de 2% estimule o inadimplemento dos condôminos.

Alcança o preceito não somente o condômino, como todas as pessoas a ele vinculadas, como o possuidor direto (locatário, comodatário etc.), empregados, familiares e visitantes. Serão condôminos e ocupantes devedores solidários da multa frente ao condomínio (STJ, REsp n. 254.520/ PR, rel. Min. Barros Monteiro), embora haja entendimento de que certas condutas individuais vinculam apenas o ocupante infrator e não o proprietário (RT 794/315).

386
Q

O condômino pode alugar a vaga a terceiro, se tiver respeito o direito de preferência dos demais condôminos?

A

Art. 1.338. Resolvendo o condômino alugar área no abrigo para veículos, preferir-se-á, em condições iguais, qualquer dos condôminos a estranhos, e, entre todos, os possuidores.

Comentários:

[…]

Existe manifesta antinomia entre os arts. 1.338
e a nova redação do art. 1.331, § 1o, do CC, um permitindo e o outro vedando a locação de garagens a terceiros, que se resolve em favor do último. Cuida-se de lei posterior, que trata da mesma matéria de modo diverso, provocando, portanto, a derrogação do art. 1.338 naquilo que for incompatível com a nova disciplina da locação das vagas de garagem.

Após a vigência da Lei n. 12.607, de 04.04.2012,
somente se admite a locação de vagas de garagem a pessoas estranhas ao condomínio se existir expressa previsão na convenção de condomínio
. No silêncio da convenção, somente se permite a locação de vagas a outros condôminos ou possuidores de unidades autônomas como locatários ou comodatários.

[…]

Caso haja previsão na convenção do condomínio (art. 1.331, § 1o), estabelece o art. 1.338 novo direito de preferência na locação de garagens. Os condôminos preferem estranhos. Entre diversos condôminos, o possuidor prefere o não possuidor. A expressão “possuidor” gera dúvida. Embora comporte o termo mais de uma interpretação, a melhor é no sentido de que, entre diversos condôminos, tem preferência aquele que já ocupa a vaga alheia, como comodatário ou locatário. Caso diversos condôminos sem “posse” da vaga posta em locação disputem a preferência, aplica-se por analogia a regra do art. 1.322 do CC. A primeira preferência será do condômino com maior fração ideal, ou, insuficiente o primeiro critério, abre-se licitação entre os diversos interessados.

387
Q

Qual a diferença entrer obrigação propter rem e ônus reais?

A

Art. 1.345. O adquirente de unidade responde pelos débitos do alienante, em relação ao condomínio, inclusive multas e juros moratórios.

Comentários:
O CC/1916 não tinha dispositivo correspondente ao artigo em exame. A Lei n. 4.591/64 dispõe apenas, no art. 4o [revogado por este artigo, segundo o TJSP], parágrafo único, com redação dada pela Lei n. 7.182/84, que alienação ou transferência da unidade autônoma e correspondente fração ideal depende de prova de quitação das obrigações do alienante para com o respectivo condomínio.

Merece o preceito exame atento. Não resta dúvida de que as obrigações do titular da unidade autônoma em condomínio edilício têm natureza propter rem, ou seja, existem quando um titular de um direito real é obrigado, devido a essa condição, a satisfazer determinada prestação. Em termos diversos, a pessoa do devedor se individualiza pela titularidade do direito real. Assim, quem adquire unidade autônoma passa a arcar com as respectivas despesas, pois a obrigação é imposta a quem for seu titular (II TACSP, Ap. n. 775.364-00/9, rel. Melo Bueno, JTA-Lex 203/486).

O artigo, porém, vai além. Dispõe que o adquirente arca com todos os débitos do alienante, inclusive multa e juros moratórios. Logo, arca com dívidas vencidas no período anterior ao da aquisição, ultrapassando a natureza propter rem da obrigação. Na lição clássica de Antunes Varela, o artigo em exame descreve verdadeiro ônus real. Segundo o autor, “a diferença prática entre ônus e as obrigações reais, tal como a história do direito as modelou, está em que, quanto a estas, o titular só fica vinculado às obrigações constituídas na vigência do seu direito, enquanto nos ônus reais o titular da coisa fica obrigado mesmo em relação às prestações anteriores, por suceder na titularidade de uma coisa a que está vis-ceralmente unida a obrigação” (Das obrigações em geral, 8. ed. Coimbra, Almedina, 1994, v. I, p. 202; no mesmo sentido, o profundo estudo de mesquita, Manuel Henrique. Obrigações reais e ônus reais. Coimbra, Almedina, 1990).

Disso decorrem relevantes efeitos. Primeiro, o titular da coisa no momento em que se constitui a obrigação responde com todos seus bens. Já o adquirente posterior responde apenas até o valor da coisa onerada, que garante o cumprimento da obrigação (varela, Antunes. Op. cit., p. 202). Segundo, está revogada a regra do art. 4o, parágrafo único, da Lei n. 4.591/64. Se a própria lei explicita que o adquirente responde pelos débitos anteriores, perde o sentido a prova da quitação de débito existente no momento da alienação. A jurisprudência administrativa do Estado de São Paulo, em recente e louvável alteração de posicionamento, deixou de subordinar o registro e a lavratura de escritura de alienação de unidade autônoma à prévia prova da quitação do débito condominial. Ficou fixado o seguinte em referido julgado: “revogada a regra do parágrafo único do art. 4o da Lei n. 4.591/64, a prévia comprovação de quitação dos débitos condominiais não é mais condição para transferência de direitos relativos à unidade condominial” (CSMSP, Ap. Cível n. 0019751-81.2011.8.26.0100, rel. Des. José Renato Nalini, j. 12.04.2012).

388
Q

O condomínio pode escolher entre ajuizar a ação de cobrança contra o promitente-vendedor ou contra o promitente-comprador de unidade autônoma de condomínio? E entre o locador e o locatário?

A

O entendimento firme do STJ, seguido pelas
Cortes Estaduais, é no sentido de que “a ação de cobrança de cotas condominiais pode ser proposta tanto contra o proprietário como contra o promissário comprador, pois o interesse prevalente é o da coletividade de receber os recursos para o pagamento das despesas indispensáveis e inadiáveis, podendo o credor escolher – entre aqueles que tenham uma relação jurídica vinculada ao imóvel (proprietário, possuidor, promis-sário comprador etc.) – o que mais prontamente poderá cumprir com a obrigação, ressalvado direito regressivo contra quem entenda respon-sável” (REsp n. 223.282/SC, rel. Min. Ruy Rosa-do de Aguiar). A natureza das despesas condominiais permite, mais, que a ação de cobrança seja ajuizada diretamente contra o locatário ou o comodatário, se assim for de interesse do condomínio.

Recente precedente do STJ, em sede de recurso repetitivo (tema 886) transcrito à frente, criou algumas limitações quanto à responsabilidade do condômino promitente vendedor. Caso o promitente comprador se encontre imitido na posse da unidade e tal fato seja de inequívoco conhecimento do condomínio, o promitente vendedor se exonera da responsabilidade pelo pagamento das despesas condominiais. Precedente posterior, porém, de relatoria do Ministro Paulo Sanseverino, também transcrito adiante, reforçou a ideia de proteção ao condomínio, que pode acionar em litisconsórcio passivo o promitente comprador e o promitente vendedor.

Parece relevante o argumento de manter o promitente vendedor no polo passivo da ação de cobrança, inclusive para superar a questão da continuidade do registro imobiliário, no momento do registro da carta de arrematação.

389
Q

Se as dívidas fiscais e condominiais não constarem do edital da praça, o rrematante poderá ser responsabilizados pelo débitos?

A

Art. 1.345. O adquirente de unidade responde pelos débitos do alienante, em relação ao condomínio, inclusive multas e juros moratórios.

Comentários:

[…]

O artigo usa a expressão genérica adquirente,
não restringindo às aquisições por negócio jurídico, de modo que também alcança as vendas judiciais, atingindo o arrematante e o adjudicatário. Como adquirentes da unidade, assumem o polo passivo de eventual ação de cobrança em aberto, ainda que já tenha sido esta julgada (II TACSP, AI n. 713.594-00-7, rel. Soares Levada). Exceção óbvia a essa regra está na arrematação levada a efeito na execução das próprias despesas condominiais, caso em que há uma sub-rogação real, e o condomínio satisfará seu crédito com o produto da arrematação, ainda que o valor do crédito seja superior ao valor da unidade autônoma. O executado, ex-proprietário, responderá com o seu patrimônio por eventual saldo remanescente. Entende-se que o arrematante tem direito de regresso em face do executado ou do ocupante do imóvel ao tempo em que foi a despesa condominial gerada.
Persiste dúvida apenas quanto à necessidade
da existência de dívidas fiscais e condominiais constarem de modo expresso do edital de praça. Há entendimento do STJ (v. jurisprudência a seguir) no sentido de que se o edital foi omisso, o arrematante recebe o imóvel livre e os credores devem se habilitar na execução. Parece, porém, que se não foi o condomínio intimado da hasta pública, não tem como tomar conhecimento da venda e se habilitar. Mais sensato que o arrematante, antes do ato, certifique-se da existência de obrigações reais (ou propter rem, segundo alguns) em aberto.

Embora vacile a jurisprudência dos tribunais
entre proteger o interesse do condomínio ou o interesse do arrematante de boa-fé, ambos dignos de tutela, devem ser traçados alguns parâmetros: a) se do edital constou a existência de débito condominial em aberto, o arrematante assume a responsabilidade pelo pagamento da dívida; b) igual solução se adota se o edital foi omisso e o condomínio não foi intimado da hasta pública e por isso não se habilitou na execução para receber o seu crédito; c) o arrematante não responde pelos débitos anteriores à arrematação se, além do edital ser omisso ou excludente da responsa-bilidade, o condomínio tiver sido cientificado para exercer a sua preferência na execução. Parece ser essa a solução mais equilibrada e que preserva de modo equânime os interesses do condomínio e do arrematante.

Recente precedente do STJ (v. jurisprudência
a seguir) entendeu possível que a ação de cobra-ça de condomínio ajuizada em face do alienante possa ser executada em face do adquirente, ainda que não tenha este participado da fase de conhecimento, dada a sua natureza propter rem.

Lembre-se no que se refere à adjudicação, o
entendimento do STJ (v. acordão adiante) é mais restritivo em relação ao adjudicante. Como se trata do próprio exequente, e não de terceiro, ainda que omisso o edital, o adjudicante responderá pelas dívidas de condomínio em aberto até a data da adjudicação.

390
Q

Se a assembleia não se reunir por falta de convocação do síndico e de manifestação de 1\4 dos condôminos, o que poderá ser feito?

A

Art. 1.350. Convocará o síndico, anualmente, reunião da assembléia dos condôminos, na forma prevista na convenção, a fim de aprovar o orçamento das despesas, as contribuições dos condôminos e a prestação de contas, e eventualmente eleger-lhe o substituto e alterar o regimento interno.

§ 1 o Se o síndico não convocar a assembléia, um quarto dos condôminos poderá fazê-lo.

§ 2 o Se a assembléia não se reunir, o juiz decidirá, a requerimento de qualquer condômino.

Comentários:

[…]

A convocação da assembleia geral ordinária é
um dos deveres do síndico. Caso ele se omita, além de responder por prejuízos causados ao condomínio, abre a possibilidade de que condôminos, somando um quarto das frações ideais, efetuem a convocação (§ 1o). Caso persista a omissão, e não se consiga reunir o quorum de convocação, qualquer condômino poderá requerer ao juiz a adoção das medidas cabíveis (§ 2o). Não explicita a lei o alcance da expressão “o juiz decidirá, a requerimento de qualquer condômino”. Deve o juiz, a princípio, apenas suprir a omissão e designar data para a realização da assembleia geral. A par dessa providência, pode tomar outras de caráter preventivo para preservar os interesses dos condôminos, como prorrogação do mandato do síndico atual ou designação de síndico judicial. Deve evitar, contudo, a decisão judicial substituir deliberações que seriam tomadas na assembleia, pois se trata de matéria de interesse e conveniência dos condôminos.

391
Q

Qual o quorum exigido para mudança da destinção do edifício?

A

Art. 1.351. Depende da aprovação de 2/3 (dois terços) dos votos dos condôminos a alteração da convenção; a mudança da destinação do edifício, ou da unidade imobiliária, depende da aprovação pela unanimidade dos condôminos.

392
Q

Quantos condôminos tem de estar presentes na assembleia para que ela possa deliberar?

A

Art. 1.352. Salvo quando exigido quorum especial, as deliberações da assembléia serão tomadas, em primeira convocação, por maioria de votos dos condôminos presentes que representem pelo menos metade das frações ideais.

Parágrafo único. Os votos serão proporcionais às frações ideais no solo e nas outras partes comuns pertencentes a cada condômino, salvo disposição diversa da convenção de constituição do condomínio.

Art. 1.353. Em segunda convocação, a assembléia poderá deliberar por maioria dos votos dos presentes, salvo quando exigido quorum especial.

393
Q

Qual o quórum exigido para deliberar-se sobre a reconstrução de edificação total ou parcialmente destruída?

A

Art. 1.357. Se a edificação for total ou consideravelmente destruída, ou ameace ruína, os condôminos deliberarão em assembléia sobre a reconstrução, ou venda, por votos que representem metade mais uma das frações ideais.

§ 1 o Deliberada a reconstrução, poderá o condômino eximir-se do pagamento das despesas respectivas, alienando os seus direitos a outros condôminos, mediante avaliação judicial.

§ 2 o Realizada a venda, em que se preferirá, em condições iguais de oferta, o condômino ao estranho, será repartido o apurado entre os condôminos, proporcionalmente ao valor.

394
Q

Qual a diferença entre condomínio de lotes e loteamento fechado?

A

Do Condomínio de Lotes

Art. 1.358-A. Pode haver, em terrenos, partes designadas de lotes que são propriedade exclusiva e partes que são propriedade comum dos condôminos.

§ 1º A fração ideal de cada condômino poderá ser proporcional à área do solo de cada unidade autônoma, ao respectivo potencial construtivo ou a outros critérios indicados no ato de instituição.

§ 2º Aplica-se, no que couber, ao condomínio de lotes o disposto sobre condomínio edilício neste Capítulo, respeitada a legislação urbanística.

§ 3º Para fins de incorporação imobiliária, a implantação de toda a infraestrutura ficará a cargo do empreendedor.

Comentários:

[…]

Distinção entre condomínio de lotes, loteamento de acesso controlado, condomínio de casas e edilício. Sucede que o legislador foi muito além, e criou a figura do condomínio de lotes no art. 1.358-A do CC, que não se confunde com a figura do loteamento fechado, ou de acesso controlado, nem com o condomínio de casas (ou deitado), previsto no art. 8o da Lei n. 4.591/64. Necessário dar as características essenciais de cada uma delas, para marcar as diferenças e traçar os regimes jurídicos diversos.

Sabido que o art. 1.331 do CC, norma de natureza cogente, determina os quatro requisitos cumulativos necessários à tipificação do condomínio edilício: a) a existência de edificação; b) sob a forma de unidades autônomas; c) vinculadas de modo indissolúvel à fração ideal do terreno e coisas comuns da edificação; d) todas as unidades autônomas devem ter acesso direto ou indireto à via pública.
O condomínio de lotes não exige o primeiro
dos requisitos mencionados, qual seja, a existência de edificação. Pode o comprador adquirir terreno vazio para construir o que, quando e se quiser, desde que respeitadas limitações urbanísticas e convencionais. As áreas comuns do empreendimento, inclusive as vias internas de acesso aos terrenos, são bens particulares e não públicos e, por consequência, sujeitas a tributação como área comum do empreendimeto. Se as vias internas são particulares, o acesso somente é permitido aos condôminos e a terceiros por eles admitidos. Dispõe de convenção de condomínio, com natureza de ato-regra, que rege as relações entre os condôminos, inclusive o rateio de despesas comuns.

Não se confunde o condomínio de lotes com
o condomínio de casas (ou deitado) regulado pelo art. 8o da Lei n. 4.591/64, que exige edificação. No condomínio de casas a unidade autônoma é necessariamente uma construção, jamais um lote vazio. A peculiaridade está no fato de se tratar de casa, e não de apartamentos em planos sobrepostos, o que impõe regras específicas quanto às áreas de jardim e quintal. Ainda que se trate de unidade futura, a construção deverá estar discriminada, com descrição da fração ideal. Já no condomínio de lotes a unidade autônoma é um terreno vazio, que o proprietário pode ou não edificar.

Já o loteamento fechado (ou de acesso controlado) de imóveis urbanos se encontra regulado pelas normas imperativas da Lei n. 6.766/79 e tem as seguintes marcas essenciais: a) inova-se o sistema viário; b) com o registro do loteamento junto ao oficial do registro de imóveis, todas as vias internas, espaços livres a áreas destinadas aos equipamentos urbanos, automaticamente se trans-ferem para o domínio público do Município; c) os adquirentes compram lotes de terreno, sem vinculação a áreas comuns ou frações ideais da gleba maior; d) controla-se o acesso de terceiros não residentes, nos termos de ato municipal, mediante identificação e cadastro.

Verifica-se, portanto, que as duas principais
diferenças entre as figuras do loteamento fechado (de acesso controlado) e o condomínio de lotes são: a) a natureza pública (loteamento) ou particular (condomínio) das vias internas e espaços livres do empreendimento; b) a vinculação do lote, como unidade imobiliária, a fração ideal de terreno (condomínio) ou a sua inocorrência (loteamento); c) a existência de convenção de condomínio para regrar direitos e deveres dos titulares das unidades imobiliárias (condomínio de lotes), ou a reunião dos donos de lotes em associações de moradores (loteamentos de acesso restrito).
Não há dúvida de que a criação do condomínio de lotes soluciona uma série de dificuldades anteriormente existentes. Perdem força as seguidas ações ajuizadas pelo Ministério Público, questionando a constitucionalidade das leis municipais que permitem o fechamento de loteamentos, uma vez que as áreas internas dos empreendimentos serão particulares por definição de lei federal. Soluciona-se a séria questão da cobrança do rateio das despesas indispensáveis para a manutenção do empreendimento, tais como segurança, portaria, ajardinamento e mesmo fornecimento de água. Haverá convenção de condomínio, e um dos deveres dos adquirentes de lotes como unidades imobiliárias será o pagamento do rateio das despesas comuns, na forma do art. 1.336, I, do CC.

De outro lado, o condomínio de lotes gera desvantagens e perigos. O primeiro risco é de natureza eminentemente urbanística, de organização e desenvolvimento das cidades. Basta circular por qualquer cidade para constatar que os loteamentos, depois de implantados, desaparecem como empreendimentos autônomos e se inserem na malha urbana. Não se percebe, no mais das vezes, quando se passa de um para outro loteamento, integrados que estão na cidade. Os condomínios de lotes formariam verdadeiros enclaves na cidade, impedindo a circulação interna de veículos. Claro que se pode argumentar que tais condomínios somente seriam aprovados em bairros distantes dos grandes centros. Lembre-se, porém, que as cidades crescem rapidamente e alcançam bairros que hoje parecem longínquos. Basta imaginar loteamentos hoje situados em zonas centrais das cidades, mas implantados há cinquenta anos atrás em zona periférica. Hoje teríamos verdadeiros guetos que inviabilizariam o crescimento organizado da cidade e o acesso aos bairros que se situam além deles. O segundo risco, ainda mais grave, é o do controle dos requisitos urbanísticos dos loteamentos. A Lei n. 6.766/79 sujeita o parcelamento do solo urbano a dezenas de requisitos de natureza cogente, tais como largura mínima de ruas, tamanho mínimo de lotes,
obras mínimas de infraestrutura e vedação a implantação em terrenos impróprios (inclinados, alagadiços, contaminados…). Se o empreendedor pode livremente cambiar de regime jurídico e escapar dos rigores da Lei n. 6.766/79 para cair na Lei n. 4.591/64 e arts. 1.331 e seguintes do CC, naturalmente irá faze-lo, se tal migração importar menores custos. Basta imaginar a hipótese de um empreendedor inescrupuloso lançar um condomínio de lotes popular, em terreno perigoso, sem qualquer infraestrutura, com vias estreitas e lotes de tamanhos ínfimos. Bastaria a aprovação junto à Prefeitura Municipal para implantar tal condomínio em flagrante burla às normas rigorosas da Lei do Parcelamento do Solo. Sempre pensamos em condomínios de lotes de alto padrão, mas a norma é genérica e permite sejam estendidos a empreendimentos populares. A aprovação de um loteamento é muito mais rigorosa do que a aprovação de um condomínio edilício. A Lei n. 6.766/79, complementada por normas locais, exige para loteamentos, licenças ambientais e procedimento de registro rigoroso. Indago: qual empresário se sujeitaria a tal rigor, se pode aprovar o mesmo empreendimento como condomínio de lotes?

O terceiro problema é que o art. 15 da Lei n. 6.766/79 transfere para o domínio do poder público, no exato momento do registro do empreendimento junto ao RI, as vias públicas e áreas institucionais, destinadas à implantação de parques e equipamentos urbanos, tais como escolas e hospitais. Estima-se que cerca de 1/3 de parte de uma gleba loteável seja transferida gratuitamente ao poder público quando do registro do loteamento. Pergunta-se: qual empresário lançará o empreendimento como loteamento, se pode fazê-lo como condomínio de lotes, vendendo a totalidade da gleba? Pior. Implantado o condomínio de lotes, haverá a subsequente necessidade de equipamentos públicos para atender aos moradores. O poder público terá, então, de desapropriar áreas a elevado custo, que deveriam ser suas gratuitamente, segundo a Lei n. 6.766/79.

Essa a razão pela qual a interpretação do artigo em exame deve ser cuidadosa e sistemática, lembrando que ocorreu concomitante alteração da Lei n. 6.766/79, com diversas referências cruzadas ao condomínio de lotes.

(Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)

395
Q

O condomínio de lotes deve observar os parâmetros urbanísticos previstos na Lei 6.766\79?

A

O que se indaga é se a incorporação, caso necessária, deve apenas se ater às exigências da Lei n. 4.591/64, ou também deve observar os requisitos urbanísticos mínimos dos arts. 3o e 4o da Lei n. 6.766/79. Entendo que ambas as leis devem ser observadas.

O § 2o do art. 1.358-A dispõe que “aplica-se,
no que couber, ao condomínio de lotes o disposto sobre condomínio edilício neste Capítulo, res­peitada a legislação urbanística”. A legislação urbanística a que se refere o preceito não é apenas a municipal ou a estadual, mas também a federal prevista na Lei n. 6.766/79, desde que compatível com o condomínio de lotes.

O § 7o do art. 2o da Lei n. 6.766/79 faz expressa referência ao condomínio de lotes. Razoável que os §§ 4o, 5o e 6o do art. 2o, que tratam da infraestrutura básica e indispensável aos loteamentos, estendam-se ao condomínio de lotes. De igual modo, o art. 3o, que trata dos terrenos impróprios aos parcelamentos, e o art. 4o, que dispõe sobre os requisitos urbanísticos mínimos dos loteamentos, são também aplicáveis.

CAPÍTULO I

Disposições Preliminares

Art. 2o O parcelamento do solo urbano poderá ser feito mediante loteamento ou desmembramento, observadas as disposições desta Lei e as das legislações estaduais e municipais pertinentes.

§ 1o Considera-se loteamento a subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação, com abertura de novas vias de circulação, de logradouros públicos ou prolongamento, modificação ou ampliação das vias existentes.

§ 2o Considera-se desmembramento a subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação, com aproveitamento do sistema viário existente, desde que não implique na abertura de novas vias e logradouros públicos, nem no prolongamento, modificação ou ampliação dos já existentes.

§ 3o (VETADO) (Incluído pela Lei nº 9.785, de 1999)

§ 4o Considera-se lote o terreno servido de infra-estrutura básica cujas dimensões atendam aos índices urbanísticos definidos pelo plano diretor ou lei municipal para a zona em que se situe. (Incluído pela Lei nº 9.785, de 1999)

§ 5o A infra-estrutura básica dos parcelamentos é constituída pelos equipamentos urbanos de escoamento das águas pluviais, iluminação pública, esgotamento sanitário, abastecimento de água potável, energia elétrica pública e domiciliar e vias de circulação. (Redação dada pela Lei nº 11.445, de 2007). (Vigência)

§ 6o A infra-estrutura básica dos parcelamentos situados nas zonas habitacionais declaradas por lei como de interesse social (ZHIS) consistirá, no mínimo, de: (Incluído pela Lei nº 9.785, de 1999)

I - vias de circulação; (Incluído pela Lei nº 9.785, de 1999)

II - escoamento das águas pluviais; (Incluído pela Lei nº 9.785, de 1999)

III - rede para o abastecimento de água potável; e (Incluído pela Lei nº 9.785, de 1999)

IV - soluções para o esgotamento sanitário e para a energia elétrica domiciliar. (Incluído pela Lei nº 9.785, de 1999)

§ 7o O lote poderá ser constituído sob a forma de imóvel autônomo ou de unidade imobiliária integrante de condomínio de lotes. (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)

§ 8o Constitui loteamento de acesso controlado a modalidade de loteamento, definida nos termos do § 1o deste artigo, cujo controle de acesso será regulamentado por ato do poder público Municipal, sendo vedado o impedimento de acesso a pedestres ou a condutores de veículos, não residentes, devidamente identificados ou cadastrados. (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)

Art. 3o Somente será admitido o parcelamento do solo para fins urbanos em zonas urbanas, de expansão urbana ou de urbanização específica, assim definidas pelo plano diretor ou aprovadas por lei municipal. (Redação dada pela Lei nº 9.785, de 1999)

Parágrafo único - Não será permitido o parcelamento do solo:

I - em terrenos alagadiços e sujeitos a inundações, antes de tomadas as providências para assegurar o escoamento das águas;

Il - em terrenos que tenham sido aterrados com material nocivo à saúde pública, sem que sejam previamente saneados;

III - em terrenos com declividade igual ou superior a 30% (trinta por cento), salvo se atendidas exigências específicas das autoridades competentes;

IV - em terrenos onde as condições geológicas não aconselham a edificação;

V - em áreas de preservação ecológica ou naquelas onde a poluição impeça condições sanitárias suportáveis, até a sua correção.

CAPÍTULO II

Dos Requisitos Urbanísticos para Loteamento

Art. 4o Os loteamentos deverão atender, pelo menos, aos seguintes requisitos:

I - as áreas destinadas a sistemas de circulação, a implantação de equipamento urbano e comunitário, bem como a espaços livres de uso público, serão proporcionais à densidade de ocupação prevista pelo plano diretor ou aprovada por lei municipal para a zona em que se situem. (Redação dada pela Lei nº 9.785, de 1999)

II - os lotes terão área mínima de 125m² (cento e vinte e cinco metros quadrados) e frente mínima de 5 (cinco) metros, salvo quando o loteamento se destinar a urbanização específica ou edificação de conjuntos habitacionais de interesse social, previamente aprovados pelos órgãos públicos competentes;

III – ao longo das faixas de domínio público das rodovias, a reserva de faixa não edificável de, no mínimo, 15 (quinze) metros de cada lado poderá ser reduzida por lei municipal ou distrital que aprovar o instrumento do planejamento territorial, até o limite mínimo de 5 (cinco) metros de cada lado. (Redação dada pela Lei nº 13.913, de 2019)

III-A. – ao longo das águas correntes e dormentes e da faixa de domínio das ferrovias, será obrigatória a reserva de uma faixa não edificável de, no mínimo, 15 (quinze) metros de cada lado; (Incluído pela Lei nº 13.913, de 2019)

IV - as vias de loteamento deverão articular-se com as vias adjacentes oficiais, existentes ou projetadas, e harmonizar-se com a topografia local.

§ 1o A legislação municipal definirá, para cada zona em que se divida o território do Município, os usos permitidos e os índices urbanísticos de parcelamento e ocupação do solo, que incluirão, obrigatoriamente, as áreas mínimas e máximas de lotes e os coeficientes máximos de aproveitamento. (Redação dada pela Lei nº 9.785, de 1999)

§ 2o - Consideram-se comunitários os equipamentos públicos de educação, cultura, saúde, lazer e similares.

§ 3o Se necessária, a reserva de faixa não-edificável vinculada a dutovias será exigida no âmbito do respectivo licenciamento ambiental, observados critérios e parâmetros que garantam a segurança da população e a proteção do meio ambiente, conforme estabelecido nas normas técnicas pertinentes. (Incluído pela Lei nº 10.932, de 2004)

§ 4o No caso de lotes integrantes de condomínio de lotes, poderão ser instituídas limitações administrativas e direitos reais sobre coisa alheia em benefício do poder público, da população em geral e da proteção da paisagem urbana, tais como servidões de passagem, usufrutos e restrições à construção de muros. (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)

§ 5º As edificações localizadas nas áreas contíguas às faixas de domínio público dos trechos de rodovia que atravessem perímetros urbanos ou áreas urbanizadas passíveis de serem incluídas em perímetro urbano, desde que construídas até a data de promulgação deste parágrafo, ficam dispensadas da observância da exigência prevista no inciso III do caput deste artigo, salvo por ato devidamente fundamentado do poder público municipal ou distrital. (Incluído pela Lei nº 13.913, de 2019)

396
Q

A doutrina e a jurisprudência admitiam a multipropriedade como direito real antes da vigência da Lei 13.777\2018?

A

Art. 1.358-B. A multipropriedade reger-se-á pelo disposto neste Capítulo e, de forma supletiva e subsidiária, pelas demais disposições deste Código e pelas disposições das Leis nºs 4.591, de 16 de dezembro de 1964 , e 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor) . (Incluído pela Lei nº 13.777, de 2018) (Vigência)

Comentários:

[…]

Boa doutrina já defendia, há mais de 25 anos,
que a multipropriedade fosse admitida como direito real, dotada de absolutismo, eficácia geral e sequela, passível de inscrição no registro imobiliário.
A proposta de Gustavo Tepedino, em obra de referência sobre o tema, é no sentido de queembora os direitos reais sejam numerus clausus, vale dizer, somente possam ser criados por lei,sua tipicidade tem alguma elasticidade, de modo que a propriedade possa abrigar modalidades com ela compatíveis e não proibidas pelo ordenamento jurídico. A multipropriedade, assim, seria uma modalidade de copropriedade, dividida não em frações ideais físicas, mas, sim, por períodos de tempo de uso e fruição (Multiproprie­ dade imobiliária. São Paulo, Saraiva, 1993).

Na lição de Melhim Chalhub, “a periodicidade, assim, é elemento central de caracterização dessa figura, qualifica-a e a distingue das demais modalidades de propriedade e fruição, na medida em que, a despeito de se tornar titular da propriedade perpétua e exclusiva sobre uma fração do imóvel, o multiproprietário só tem a faculdade de exercer a fruição durante um determinado período em cada ano-calendário” (op. cit., p. 73).

Fato é que sempre houve notória resistência
dos oficiais de registro de imóveis e da jurisprudência administrativa dos tribunais em admitir o registro da multipropriedade. Admitia-se o registro de condomínio edilício, e cada uma das unidades autônomas, objeto de matrículas próprias, tinham diversos – às vezes dezenas – de condôminos, cada qual com fração ideal, mas sem discriminação do período de ocupação. O tempo de ocupação de cada coproprietário da unidade se dava por negócio jurídico e gerava somente efeitos obrigacionais, o que causava insegurança jurídica frente a terceiros subadquirentes.

É verdade que relevante precedente do STJ assentou que a “multipropriedade imobiliária, mesmo não efetivamente codificada, possui natureza jurídica de direito real, harmonizando-se, portanto, com os institutos constantes do rol previsto no art. 1.225 do CC; e o multiproprietário, no caso de penhora do imóvel objeto de compartilhamento espaço-temporal, tem, nos embargos de terceiro, o instrumento judicial protetivo de sua fração ideal do bem objeto de constrição” (REsp n. 1.546.165/SP, rel. Min. João Otávio No-ronha, j. 26.04.2016, publicado 06.09.2016; emen-ta completa a seguir transcrita).

A alteração legislativa coloca fim à polêmica:
a multipropriedade é direito real, modalidade de condomínio por período de uso e fruição de cada um dos condôminos multiproprietários. Os preceitos do CC vieram acompanhados de inovações na Lei n. 6.015/73, que detalham os procedimentos de registros e de averbações junto aos oficiais de registros de imóveis.

397
Q

O CDC se aplica às relações relativas à multipropriedade? Há direito à resilição unilateral nesse tipo de pacto? Em que consiste a “venda emocional”?

A

No que se refere às relações sujeitas ao CDC,
Gustavo Tepedino invoca a larga experiência europeia expressa inicialmente na Diretiva n. 94/47 do Parlamento Europeu e do Conselho da União Europeia, de 26.10.1994, e posteriormente na Diretiva n. 2008/122/CE, que dispõem sobre “proteção dos adquirentes quanto a certos aspectos dos contratos de aquisição de um direito de utilização a tempo parcial de bens”, compreendendo, entre outras, a exigência de fixação de um prazo dentro do qual o adquirente tem a faculdade de resilição do contrato, a nulidade de cláusulas que prevejam renúncia a direitos do adquirente, a elaboração de programa de administração e conservação e sua observância, visando a preservação do padrão de qualidade estabelecido para o empreendimento, entre outras normas (“Aspec-tos atuais da multipropriedade”. In: Azevedo, Fá-bio de Oliveira; Mello, Marco Aurélio Bezerra de (coords.). Direito imobiliário. Escritos em home-nagem ao Professor Ricardo Pereira Lira. São Pau-lo, Atlas, 2015, p. 521-2).

Também Claudia Lima Marques lembra a necessidade de normas específicas sobre a aquisição e o uso compartilhado de imóveis, salientando que “no direito comparado, observa-se que as técnicas legislativas de proteção aos consumidores em matéria de contratos de time­sharing visam a inicialmente garantir uma nova proteção da vontade dos consumidores, isto é, garantir uma autonomia real da vontade do contratante mais fraco – uma vontade protegida pelo direito, vontade liberta das pressões (Contratos no Có­ digo de Defesa do Consumidor, 5. ed. São Paulo, RT, 2006, p. 848). Não se nota essa preocupação neste Capítulo do CC, razão pela qual a jurisprudência deverá aplicar com todo vigor as regras protetivas do CDC, em especial o direito de arrependimento no prazo de sete dias de contratos fechados em estandes de venda, os deveres de informação e transparência e, principalmente, o controle de cláusulas abusivas, com o escopo de preservar o equilíbrio do contrato. Note-se que a jurisprudência a seguir citada, anterior à nova lei, já mostrava preocupação com vendas emocionais, permitindo a resilição do contrato por parte do consumidor no prazo legal.

Jurisprudência:

Compromisso de compra e venda. Multipropriedade
ou time-sharing. Direito de arrependimento que é viável no caso concreto e foi exercido no prazo de reflexão
de sete dias, previsto no art. 49 do CDC. Configurada a chamada “venda emocional”, sendo abusiva a retenção de percentual dos valores pagos ou mesmo a das arras ou sinal. Devolução que deve se dar de forma integral e de uma só vez. Sentença mantida. Recurso improvido. (TJSP, AC n. 1002889-11.2017.8.26.0196, 2a Câm. de Dir. Priv., José Carlos Ferreira Alves, j. 02.11.2018)

VENDA EMOCIONAL - INTERNET:

Diz-se ocorrida uma venda emocional quando o consumidor adquire produto ou serviço sem que possa formar seu livre consentimento informado.

Isto é, venda emocional é aquele marketing agressivo em que se usa o sonho do consumidor para forçar uma compra imediata.

Como? Usando excessivamente o tempo do consumidor com oferecimento de produtos e serviços com base no seu padrão de consumo. E mais, não lhe é oferecido tempo hábil para pensar e formar livremente o seu consentimento, eis que a oferta se limita ao consumidor assinar o contrato no mesmo dia.

Consequência? Configurada a venda emocional, o consumidor tem direito de arrependimento nos termos do art. 49, CDC, mesmo quando a assinatura do contrato se deu dentro do estabelecimento da empresa, conforme entendimento jurisprudencial.

Ademais, passa a ser devida da empresa a devolução de todos os valores pagos pelo consumidor, sem cobrança de pagamento de multa em virtude da rescisão unilateral do contrato pelo cliente.

É relevante observar que, para o exercício do direito de arrependimento, não é necessário que o consumidor ofereça qualquer justificativa.

Portanto, mesmo que o contrato esteja em conformidade com a Lei consumerista, caso tenham sido empregadas técnicas incisivas de venda ou marketing, será admitido o arrependimento injustificado quanto à celebração do contrato.

[…]

E ai? Vendas emocionais: legalidade ou vício no consentimento?

A conclusão que se chega é que o ordenamento jurídico brasileiro prima pela manutenção dos contratos, tratando as rescisões como alternativas excepcionais.

Ademais, a mera irresignação natural do contratante seria causa de rescisão unilateral do contrato, mas não caracteriza erro ou vício no consentimento, como razão de anulabilidade do contrato, de acordo com o art. 138, CC/02.

Ora! O erro substancial, que vicia a manifestação de vontade e possibilita a anulação do pacto e o exercício do direito do art. 49, CDC, existe desde a fase de negociação, por errônea suposição a respeito da natureza do negócio, do objeto ou das pessoas envolvidas no acordo.

Mas, para tanto, necessário ao consumidor demonstrar que houve vício na formação do consentimento informado, e de que em razão de marketing agressivo do fornecedor, fora levado ao erro no momento da assinatura do contrato.

Veja que as vendas emocionais podem ser tuteladas pelas regras do consumo, e o contratante poderá desistir da relação jurídica no prazo de 7 (sete) dias a contar da conclusão do contrato, sem a necessidade de qualquer motivação para tanto, em equiparação ao disposto no art. 49, CDC.

Porém, novamente, para que isso seja possível, deve restar devidamente comprovado o vício de consentimento do consumidor no momento da assinatura no contrato.

Por que? Porque, como já exposto alhures, as estratégias de vendas, com técnicas notórias de instigação ao consumo, embora desaconselháveis, não consubstanciam, por si só, o erro ou a coação previstos no art. 171 do Código Civil.

398
Q

Toda venda realizada fora do estabelecimento comercial regida pelo CDC confere o direito ao arrependimento? Só venda fora do estabelecimento comercial autorizam a aplicação do art. 49?

A

Consumimos quando adquirimos um produto num estabelecimento comercial, em nossa casa ou no trabalho; a compra de um objeto qualquer por telefone, pela internet, por telemarketing ou até mesmo num stand de uma feira não deixa de caracterizar um ato de consumo.

A sociedade moderna caracterizada por abundante e extravagante consumo, seguida de extrema valorização de sofisticadas técnicas de persuasão e publicidade, além de outros métodos agressivos, às vezes abusivos, para a efetivação de vendas, reclama garantia de autonomia real e racional da vontade do contratante mais fraco. A falta de contato físico com o produto, a visualização somente por fotos, práticas diversas da forma tradicional de venda, envolve o consumidor, embaralha-lhe o raciocínio com informações inexatas, a ponto de distorcer suas pretensões até aceitação de um produto por simples empolgação que não corresponde ao que queria. Daí decorre o superendividamento, a insolvência e a frustração de expectativas.

O arrependimento decorre da resolução do consumidor em devolver o produto adquirido ou não mais querer um serviço contratado.

A lei assegura o direito de arrependimento, desde que o contrato tenha sido celebrado fora do estabelecimento comercial, art. 49 CDC (clique aqui). Desnecessária motivação para a desistência, mas preciso obediência ao prazo fixado na lei: sete dias para desfazimento do contrato, que se inicia com a assinatura ou com o recebimento do produto ou serviço, o que acontecer por último. O consumidor receberá o que pagou mais os encargos, além do valor do frete, se houver. Impede-se assim enriquecimento ilícito do fornecedor ou do prestador de serviço, parágrafo único, artigo 49.

Quando o legislador fala em venda “fora do estabelecimento comercial” trata também da venda à distância; entretanto, não se enumera os contratos nem fixa os requisitos, mas há inovação no ordenamento jurídico, porque consigna prazo de reflexão para concretização do contrato. Este tempo anunciado pela lei, de certa forma, suspende a eficácia do contrato.

A jurisprudência, acertadamente, interpreta de forma aberta o único dispositivo legal que trata do contrato emocional. A retratação é aceita em muitos outros casos, a exemplo da celebração de contrato para uso de imóvel por temporada, aquisição de imóvel pelo sistema de tempo compartilhado, time-sharing, ou para contratação de eventos promocionais. Admite-se o arrependimento até mesmo se o negócio é feito em local indicado pelo fornecedor, mediante farta explanação, com uso de vídeo, etc. O consumidor é submetido à forte pressão psicológica, em nítida desvantagem para refletir livremente sobre a conveniência do negócio.

O comércio eletrônico, ou e-comerce, é a venda de produtos ou prestação de serviços pelos meios virtuais; verifica-se por e-mail, telemarketing, correspondência, etc. Os recursos eletrônicos levam o consumidor ao estabelecimento virtual, enquanto o deslocamento possibilita acesso ao ponto comercial do fornecedor.

Ainda não temos lei que trata especificamente do comércio eletrônico, mas aplicável os artigos 33 e 49 do CDC. O art. 33 diz que nesses contratos “… deve constar o nome do fabricante e endereço na embalagem, publicidade e em todos os impressos utilizados na transação comercial”.

Entretanto, não é todo contrato, celebrado fora do estabelecimento comercial, que se sujeita à retratação. Não há justificativa para arrependimento, por exemplo, quando um investidor adquire ações à corretora, através de telefone. É que o negócio se consubstancia no ato, e é prática costumeira que provoca entre as partes imediatos lucros ou prejuízos; a aplicação da cláusula de arrependimento caracterizaria má fé, porquanto pode proporcionar vantagem exagerada para um e substancial dano para outro.

Ao lado de vantagens, as vendas realizadas fora do estabelecimento comercial e à distância contém algumas desvantagens para o consumidor, a exemplo, do pagamento antecipado, antes mesmo do recebimento do produto, em alguns casos; da dificuldade na troca ou devolução do bem adquirido, face à eventual dano verificado no transporte, seguido de contradição sobre a culpa pela ocorrência. Somente após a entrega, que se dá algum tempo depois de feito o pedido, tem o comprador contato com o produto adquirido que pode não corresponder exatamente ao que queria.

Ademais, o acordo de vontades é feito à distância e não é materializado através da forma escrita em papel, mas documentado virtualmente. A boa fé é característica maior desta contratação.

O direito de arrependimento é mecanismo não usado pelo consumidor, seja pela timidez jurídica, pela desconfiança no Judiciário ou até mesmo pelo desconhecimento da lei.

399
Q

O multiproprietário pode locar sua fração de tempo?

A

Art. 1.358-I. São direitos do multiproprietário, além daqueles previstos no instrumento de instituição e na convenção de condomínio em multipropriedade: (Incluído pela Lei nº 13.777, de 2018) (Vigência)

II - ceder a fração de tempo em locação ou comodato; (Incluído pela Lei nº 13.777, de 2018) (Vigência)

400
Q

Em que consiste um contrato preliminar impróprio?

A

Art. 1.358-K. Para os efeitos do disposto nesta Seção, são equiparados aos multiproprietários os promitentes compradores e os cessionários de direitos relativos a cada fração de tempo.

Comentários:

[…]

Consagra o artigo tendência de se considerar
o compromisso de venda e compra contrato pre-liminar impróprio, pois frequentemente todos os efeitos da venda – jus utendi, fruendi e abutendi – são antecipados para o primeiro contrato.

[…]

Comentários ao art. 1.417 (Art. 1.417. Mediante promessa de compra e venda, em que se não pactuou arrependimento, celebrada por instrumento público ou particular, e registrada no Cartório de Registro de Imóveis, adquire o promitente comprador direito real à aquisição do imóvel.):

O compromisso de compra e venda como contrato preliminar impróprio. Defende José Osório de Azevedo Júnior, em obra que já se tornou clássica sobre o tema, ser o contrato de compromisso de compra e venda preliminar impróprio. Partiu da premissa da prática negocial revelar que ‘os tradicionais poderes inerentes ao domínio (jus utendi, fruendi et abutendi) são transferidos ao compromissário comprador, enquanto o compromitente vendedor conserva para si a propriedade nua, vazia, ou menos ainda que propriedade nua’ (azevedo júnior, José Osório de. Compromis-so de compra e venda. 5. ed. revista e atualizada. São Paulo, Malheiros, 2006, p. 18).

O domínio remanesce em poder do promitente vendedor afetado ao recebimento do preço, como mecanismo de garantia. E arremata José Osório, ‘à medida que o crédito vai sendo recebido, aquele pouco que restava do direito do promitente vendedor, isto é, aquela pequena parcela do poder de dispor, vai desaparecendo, até se apagar de todo’ (José Osório, op. cit., p. 19). Pago o preço, de modo paradoxal o domínio formal que se encontra em nome do promitente vendedor não lhe confere mais nenhum direito, mas apenas o dever inexorável de outorgar a escritura definitiva.

O fato é que a jurisprudência, de modo consciente ou não da natureza imprópria do contrato de compromisso de compra e venda, ou apenas intuindo tal situação, passou gradativamente a antecipar todos os efeitos da escritura definitiva para o momento do contrato preliminar. Reconhecem os tribunais que a carga negocial, as consequências práticas, o conteúdo econômico do negócio se concentram no primeiro contrato e não no segundo.

Os exemplos são enumerados de modo didático por José Osório de Azevedo Júnior (op. cit., p. 49):
a) as questões relativas à capacidade das partes e vícios do negócio jurídico são examinadas tendo em vista a data da celebração do compromisso, inclusive a fraude contra credores. Disso decorre que o prazo decadencial para ajuizamento da ação pauliana tem termo inicial na data do registro do compromisso, ou na data que teve ciência do negócio o credor, o que antes ocorrer;

b) o promitente comprador devidamente imitido na posse do imóvel, ainda que sem o registro do contrato, pode afastar a penhora sobre o imóvel, em execução movida por credor do promitente vendedor, se foi o negócio celebrado antes da citação do executado. Recente julgado do STJ bem elucida o entendimento sobre o tema: ‘É assente na jurisprudência desta Corte de Justiça que a celebração de compromisso de compra e venda, ainda que não tenha sido levado a registro no Cartório de Registro de Imóveis, constitui meio hábil a impossibilitar a constrição do bem imóvel, discutido em execução fiscal, e impede a caracterização de fraude à execução, aplicando-se o disposto no enunciado da Súmula n. 84 do STJ: É admissível a oposição de embargos de terceiro fundados em alegação de posse advinda do compromisso de compra e venda de imóvel, ainda que desprovido do registro.’ (REsp n. 974.062/ RS, rel. Min. Denise Arruda, j. 20.09.2007);
c) o direito de preferência do condômino sobre coisa indivisível (art. 504 do CC) e da Lei do Inquilinato pode ser exercido contra o compromissário comprador, não havendo por que se esperar a lavratura da escritura de venda e compra. O prazo começa a contar da data do registro do compromisso ou da data em que o condômino tomou ciência da promessa, o que antes ocorrer (REsp n. 198.516/SP, rel. Barros Montei-ro, j. 23.02.1999, Lex-STJ 129/131 e RSTJ 133/391, que, embora diga respeito a contrato de compra e venda não registrado, no corpo do voto estende a preferência ao pré-contrato);
d) a superveniência de leis novas criando obstáculos ou entraves não alcança imóveis já prometidos à venda, ainda que não tenha sido o contrato registrado. Idem a indisponibilidade de bens já prometidos à venda anteriormente (Embargos de terceiro. Liquidação extrajudicial de instituição financeira. Indisponibilidade e arresto do patrimônio dos administradores, com fundamento na Lei n. 6.024/74. Prova cabal de que o embargan-te adquiriu o imóvel mais de uma década antes da liquidação. Compromisso de compra e venda com firmas reconhecidas e imissão do promitente comprador na posse do imóvel. Embargos procedentes (TJSP, Ap. Cível n. 383.194.4/3-00, rel. Francisco Loureiro, j. 24.05.2007);

e) do mesmo modo que se exige alvará para a
alienação de imóvel de incapaz, também se exige em caso de compromisso de compra e venda;

f) é válida a escritura definitiva outorgada após
a morte do mandante, em cumprimento a compromisso de compra e venda, irretratável e irrevogável, com o preço inteiramente pago, na forma do art. 684 do CC

g) cabe ação reivindicatória ajuizada por promitente comprador com contrato irretratável levado ao registro imobiliário. Julgou em data recente o STJ que ‘promessa de compra e venda irretratável e irrevogável transfere ao promitente comprador os direitos inerentes ao exercício do domínio e confere-lhe o direito de buscar o bem
que se encontra injustamente em poder de ter-ceiro. Serve, por isso, como título para embasar ação reivindicatória’ (REsp n. 252.020/RJ, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 05.09.2000);

h) é anulável a promessa de compra e venda
de ascendente a descendente sem consentimento dos demais descendentes e do cônjuge;

i) ‘A hipoteca firmada entre a construtora e o
agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel’ (Sú-mula n. 308 do STJ);

j) o promitente comprador com contrato não
registrado, mas imitido na posse, é parte legítima para figurar no polo passivo de ação de cobrança de despesas de condomínio edilício.

Verifica-se, em resumo, que os tribunais gradativamente e de modo mais ousado antecipam para o momento do contrato preliminar impróprio de compromisso de compra e venda todos os efeitos típicos do contrato definitivo. É, sem dúvida, o reconhecimento de que em muitos casos, o compromisso, usado em função e como mecanismo de garantia do recebimento do preço, concentra a carga negocial e as consequências da escritura definitiva.

401
Q

Há direito de preferência aos demais multiproprietários no caso de alienação por um deles de sua função de tempo?

A

Art. 1.358-L. A transferência do direito de multipropriedade e a sua produção de efeitos perante terceiros dar-se-ão na forma da lei civil e não dependerão da anuência ou cientificação dos demais multiproprietários.

§ 1º Não haverá direito de preferência na alienação de fração de tempo, salvo se estabelecido no instrumento de instituição ou na convenção do condomínio em multipropriedade em favor dos demais multiproprietários ou do instituidor do condomínio em multipropriedade.

402
Q

Se Antônio doou imóvel a João, e este posteriormente o alienou a Pedro, a revogação da doação por ingratidão atingirá Pedro?

A

Art. 1.360. Se a propriedade se resolver por outra causa superveniente, o possuidor, que a tiver adquirido por título anterior à sua resolução, será considerado proprietário perfeito, restando à pessoa, em cujo benefício houve a resolução, ação contra aquele cuja propriedade se resolveu para haver a própria coisa ou o seu valor.

Comentários:
O artigo em exame corresponde ao art. 648 do CC/1916, com mínimas alterações. Trocou-se o termo domínio por propriedade, mantendo-se, no mais, o conteúdo do preceito, que disciplina a propriedade ad tempus.

Na propriedade ad tempus não há condição
nem termo apostos ao título constitutivo da propriedade. No dizer de Orlando Gomes, não é ela adquirida para durar certo tempo, mas se apresenta potencialmente temporária, podendo seu titular perdê-la por força de certos acontecimentos futuros (Direitos reais, 19. ed., atualizada por Edson Luiz Fachin. Rio de Janeiro, Forense, 2004, p. 265). A causa da revogação é superveniente e estranha ao título.

Tome-se como exemplo a doação revogada
por ingratidão do donatário, ou por descumprimento de encargo. Reconhecido judicialmente o ato de ingratidão, ou o descumprimento do encargo, a coisa doada retorna ao patrimônio do donatário. A ingratidão, todavia, é mero fato eventual e futuro, diverso de uma condição ou termo que, desde o nascimento, já subordinam a eficácia do ato ou negócio jurídico por cláusula contratual. De igual modo, a cláusula resolutiva tácita, implícita em todo contrato bilateral, que não se confunde com a condição, porque não expressa no título causal, não opera de pleno direito. É por isso que tais situações previstas em lei não vão ao registro imobiliário juntamente com o título aquisitivo da propriedade, tal como ocorre
na propriedade resolúvel ou a cláusula resolutiva expressa, disciplinadas no artigo antecedente.

Assim, se Antônio doou imóvel a João, que o
vendeu a Carlos, a posterior revogação da doação não resolve a venda ou a constituição de direitos reais a terceiro de boa-fé, gerando apenas direito ao doador de exigir o equivalente em dinheiro do donatário. É uma resolução sem eficácia real. Gera direito pessoal e não direito real de reivindicar a coisa em poder de terceiro.

Enunciado n. 509 da V Jornada do CEJ do STJ: A resolução da propriedade, quando determinada por causa originária, prevista no título, opera ex tunc e erga omnes; se decorrente de causa superveniente, atua ex nunc e inter partes.

403
Q

O devedor fiduciário é obrigado a ser comunicado do leilão extrajudicial do bem? Nesse leilão, o bem pode ser vendido por preço inferior ao de mercado?

A

Art. 1.364. Vencida a dívida, e não paga, fica o credor obrigado a vender, judicial ou extrajudicialmente, a coisa a terceiros, a aplicar o preço no pagamento de seu crédito e das despesas de cobrança, e a entregar o saldo, se houver, ao devedor.

Comentários:

[…]

O presente dispositivo tem estreita relação com
o subsequente, que veda a aposição de cláusula comissória nos contratos garantidos por propriedade fiduciária. Como visto no artigo anterior, com o inadimplemento absoluto, a propriedade resolúvel se converte em propriedade plena – mas afetada ainda à função de garantia – nas mãos do credor fiduciário, pois não mais haverá o implemento da condição resolutiva pelo pagamento.

Não pode o credor, agora proprietário pleno
da coisa, mas com afetação residual à satisfação de um crédito, ficar com ela
, devendo promover
sua alienação a terceiros, em leilão judicial ou ex-trajudicial, de acordo com o previsto no contrato garantido. No silêncio do título, a opção pela forma de alienação é do credor. Note-se a venda da coisa ter natureza jurídica de excussão, interessando não somente ao alienante e ao adquirente, mas também ao devedor fiduciário, que terá direito a eventual saldo credor ou ficará responsável por eventual saldo devedor a ser apurado.

É por isso que, segundo o entendimento do
STJ, “deverá o devedor ser previamente comunicado das condições da alienação, para que possa exercer a defesa de seus interesses” e acompanhar a venda, verificando sua correção e, se for o caso, ofertando valor superior (REsp n. 327.291/RS, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 20.09.2001; também RJ 278/72). Não exige a lei prévia avaliação do bem por perito ou oficial de justiça, mas a venda, obrigatoriamente, será por valor de mercado da coisa, levando em conta natureza e estado de conservação (RSTJ 151/280). O credor escolhe o adquirente, não havendo necessidade de a alienação ser feita em leilão judicial. A venda extrajudicial por valor inferior ao de mercado, porém, gera responsabilidade civil do credor, por vigorar o princípio de a execução dever ser feita do modo menos oneroso ao devedor (restiffe neto, Paulo. Garantia fiduciária, 2. ed. São Paulo, RT, 1994, p. 331).

404
Q

No caso de inadimplemento, em que momento a propriedade e posse da coisa se consolidarão no patrimônio do credor fiduciário?

A

O art. 3o, § 1o, do DL n. 911/69, com redação
dada pela Lei n. 10.931/2004, reza que cinco dias após executada a liminar, propriedade e posse da coisa se consolidarão no patrimônio do credor fiduciário, cabendo às repartições competentes expedir novo certificado de propriedade do veículo, livre do ônus da propriedade fiduciária. A regra vale somente para os casos nos quais sejam as credoras instituições financeiras e se mostra de duvidosa constitucionalidade, pois a venda poderá ser feita antes do prazo de defesa e de eventual sentença.

405
Q

O terceiro não interessado que paga a dívida do devedor fiduciário sub-roga-se nos direitos do credor?

A

Art. 1.368. O terceiro, interessado ou não, que pagar a dívida, se sub-rogará de pleno direito no crédito e na propriedade fiduciária.

Comentários:

O art. 6o do DL n. 911/69 assegura a sub-rogação apenas ao terceiro interessado, ao fiador e ao avalista. A lei especial se aplica às instituições financeiras credoras fiduciárias com regime jurídico diferenciado.

Na lição de Luiz Edson Fachin, “sub-rogação
é a substituição nos direitos creditórios, operada em favor de quem pagou a dívida” (Comentários ao Código Civil. Rio de Janeiro, Saraiva, 2003, v. XIV, p. 1.368).

A novidade do CC está em permitir ao terceiro, interessado ou não, sub-rogação no crédito e na garantia, de pleno direito. A sub-rogação, portanto, dá-se em duas frentes: no crédito e na garantia, que lhe é acessória. O preceito é mais amplo do que a regra da sub-rogação do art. 346 do CC, que admite a sub-rogação legal, de pleno direito, em relação apenas a determinados credores, previstos em seus três incisos. A sub-roga-ção legal, portanto, ganha nova feição quando ocorre em obrigações garantidas por propriedade fiduciária, abrangendo também os terceiros não interessados.

Art. 346. A sub-rogação opera-se, de pleno direito, em favor:

I - do credor que paga a dívida do devedor comum;

II - do adquirente do imóvel hipotecado, que paga a credor hipotecário, bem como do terceiro que efetiva o pagamento para não ser privado de direito sobre imóvel;

III - do terceiro interessado, que paga a dívida pela qual era ou podia ser obrigado, no todo ou em parte.

406
Q

Qual é a natureza jurídica da posição do alienante na propriedade fiduciária?

A

Art. 1.368-B. A alienação fiduciária em garantia de bem móvel ou imóvel confere direito real de aquisição ao fiduciante, seu cessionário ou sucessor. (Incluído pela Lei nº 13.043, de 2014)

Parágrafo único. O credor fiduciário que se tornar proprietário pleno do bem, por efeito de realização da garantia, mediante consolidação da propriedade, adjudicação, dação ou outra forma pela qual lhe tenha sido transmitida a propriedade plena, passa a responder pelo pagamento dos tributos sobre a propriedade e a posse, taxas, despesas condominiais e quaisquer outros encargos, tributários ou não, incidentes sobre o bem objeto da garantia, a partir da data em que vier a ser imitido na posse direta do bem.

Comentários:

[…]

É acesa na doutrina a discussão sobre a natureza jurídica da posição do devedor fiduciante. Na lição de Moreira Alves, “três são, a esse respeito, as orientações seguidas pelos autores: para uns o alienante é proprietário sob condição suspensiva; para outros, tem ele, com relação à coisa, tão somente expectativa de direito; e, finalmente, há os que entendem que é o alienante, nesse caso, titular de direito eventual […] que Pontes de Miranda traduz pela expressão direito expectativo […]” (moreira alves, José Carlos. Da alienação fi­ duciária em garantia. 3. ed. Rio de Janeiro, Fo-rense, p. 174-5).

Esse direito expectativo à aquisição da propriedade – que se diferencia da mera expectativa de direito – tem natureza real e, ainda segundo a lição de Moreira Alves, nada impede que a lei o amplie (obra citada, p. 176). Foi o que ocorreu no caso presente, no qual a lei definiu tal direito expectativo como real de aquisição. Tal situação está afinada com a posição que o art. 1.367, acima comentado, que atribuiu ao direito do credor fiduciário a natureza de garantia real, afastando-o da propriedade plena. O que se extrai do conjunto das novas redações dos dois artigos é a tentativa do legislador de dar solução juridicamente confortável ao proprietário fiduciário, mantendo a força e a higidez da garantia, mas isentando-o do pagamento das despesas geradas pelo bem.

A titularidade pelo devedor fiduciante de direito real de aquisição, que se converterá em propriedade plena tão logo solva a obrigação garantida, gera relevantes consequências jurídicas. Tem o devedor fiduciante a seu favor ações reais, fundadas não somente na sua posse direta (jus pos­sessionis) como também no seu direito real de aquisição (jus possidendi), inclusive ação reivindicatória, contra quem quer que viole tal prerrogativa, inclusive contra o credor fiduciário. Além disso, esse direito é transmissível inter vivos e causa mortis, e suscetível de ser penhorado, arrestado e sequestrado, porquanto é atual e tem valor econômico (Moreira Alves, obra citada, p. 178).

407
Q

O bem dado como garantia em alienação fiduciária pode ser penhorado para quitar despesas condominiais ou débitos tributários relativos ao bem?

A

Art. 1.368-B. A alienação fiduciária em garantia de bem móvel ou imóvel confere direito real de aquisição ao fiduciante, seu cessionário ou sucessor. (Incluído pela Lei nº 13.043, de 2014)

Parágrafo único. O credor fiduciário que se tornar proprietário pleno do bem, por efeito de realização da garantia, mediante consolidação da propriedade, adjudicação, dação ou outra forma pela qual lhe tenha sido transmitida a propriedade plena, passa a responder pelo pagamento dos tributos sobre a propriedade e a posse, taxas, despesas condominiais e quaisquer outros encargos, tributários ou não, incidentes sobre o bem objeto da garantia, a partir da data em que vier a ser imitido na posse direta do bem.

Comentários:

[…]

O que fazer e qual o destino das dívidas geradas pelo bem dado em garantia, enquanto perdura o financiamento, que pode se prolongar por décadas? Tome-se como exemplo o financiamento imobiliário de longo prazo. Como pode o condomínio receber de modo eficaz o rateio das despesas do devedor fiduciante inadimplente, se o credor fiduciário não responde pela dívida e o imóvel não pode ser excutido?

Não há como se chancelar a solução literal e simplista adotada pelo legislador, que abraçou de modo integral os interesses do credor fiduciário, deixando a descoberto os interesses dos credores que contribuem para a manutenção e preservação do bem dado em garantia.

A primeira observação é a de que se o devedor fiduciante é titular de direito real de aquisição, atual e de valor econômico, pode tal direito ser penhorado pelos demais credores em geral, e em especial pelos credores de despesas geradas pelo próprio bem. Não mais faz sentido a jurisprudência minoritária dos tribunais, no sentido de que impenhorável a mera expectativa de direito do devedor fiduciante. Prevalece o entendimento já encampado pelo STJ no sentido de que
o bem alienado fiduciariamente, por não integrar o patrimônio do devedor, não pode ser objeto de penhora. Nada impede, contudo, que os direitos do devedor fiduciante oriundos do contrato sejam constritos” (REsp n. 679.821/DF, 5a T., rel. Min. Felix Fisher, unânime, DJ 17.12.2004, p. 594; no mesmo sentido, REsp n. 1.171.341/DF, 4a T., rel. Min. Maria Isabel Gallotti, j. 06.12.2011, DJe 14.12.2011). Evidente que o arrematante não adquire a propriedade plena, mas sim se sub-roga na posição jurídica de titular de direito expectativo real de aquisição de devedor fiduciante. O produto da arrematação é levantado pelo exequente, e não pelo credor fiduciário, que mantém íntegra a sua garantia. Nessa hipótese, não há propriamente concurso de credores, porque a propriedade fiduciária remanesce íntegra, alterando apenas a figura do devedor fiduciante, que passa a ser o arrematante do direito real de aquisição.

Pode ocorrer, porém, e frequentemente sucederá, de a dívida garantida por propriedade fiduciária, com os encargos contratuais, ser de valor igual ou até mesmo superior ao valor do bem, o que afastará eventuais interessados na arrematação do direito real expectativo de aquisição do devedor fiduciante. Em tal hipótese, esgotada a possibilidade de recuperação do crédito mediante penhora do direito do devedor fiduciante, outra alternativa não restará, que não a penhora e excussão da propriedade plena. Tal prerrogativa, contudo, será reservada apenas aos credores de despesas geradas pela própria coisa, e não aos credores quirografários, ou com privilégio legal. Nessa hipótese se configurará o concurso de credores. O produto da arrematação servirá para satisfação das despesas geradas pela própria coisa, e o saldo será entregue ao credor fiduciário, necessária e previamente intimado da hasta pública. Satisfeito também o credor fiduciário, eventual sobra será então colocada à disposição de outros credores e, caso não existam, devolvida ao devedor fiduciante.

O parágrafo único do art. 1.368-B do CC ressalva que o credor fiduciário somente responde pelas despesas geradas pela coisa após a sua imissão na posse, depois de consolidada a propriedade plena. Tal regra deve ser interpretada e compatibilizada com os interesses dos credores de despesas geradas pela coisa garantida. Não resta dúvida que o devedor primário das despesas geradas pela coisa é o devedor fiduciante, titular de direito real de aquisição, da posse direta e das fa-culdades de usar (jus utendi) e de fruir (jus fruen­ di) do bem. Nessa qualidade, responde com todo o seu patrimônio pela solução das dívidas e deve reembolsar toda e qualquer despesa eventualmente paga pelo credor fiduciário. Na lição de Melhim Namen Challub, “a exclusão da responsabilidade do fiduciário fundamenta-se em que este não tira proveito do imóvel, na medida em que a lei não lhe defere a posse, pois a propriedade que lhe é atribuída é de natureza fiduciária e tem apenas a função de garantia” (Negocio fi­ duciário, 4. ed. revista e atualizada. São Paulo, Re-novar, p. 240).

Isso, porém, não significa dizer que os credores das despesas geradas pela própria coisa garantida fiquem desprotegidos. Tais créditos têm origem na própria preservação da coisa dada em garantia, de tal modo que o credor fiduciário, ao consolidar a propriedade plena e alienar a coisa a terceiros, se beneficiaria indevidamente com o esforço e os recursos invertidos por terceiros, em hipótese típica de enriquecimento sem causa.

Com a finalidade de evitar tal distorção é que
o parágrafo único do art. 1.368-B pode ser interpretado de duas maneiras. A primeira é a de que a regra tem eficácia exclusiva e distribui a responsabilidade entre credor fiduciário e devedor fiduciante, inoponível frente a terceiros credores de despesas geradas pela coisa. Essa interpretação já foi adotada inúmeras vezes pelos tribunais antes da alteração legislativa, e se pauta na razoabilidade e na preservação dos interesses daqueles que contribuem para a preservação da coisa dada em garantia.

A segunda interpretação a ser dada ao parágrafo único do art. 1.368-B é a de que a responsabilidade direta do credor fiduciário pelas dívidas da coisa somente nasce com a imissão na posse. A partir daí, passa o credor, agora proprietário pleno, a responder com a totalidade de seu patrimônio pela solução do crédito. Antes da imissão na posse, porém, têm os credores das despesas geradas pela coisa o direito de reaver o seu crédito, inicialmente com a excussão do direito real de
aquisição de titularidade do devedor fiduciante. Frustrada tal possibilidade, com o produto da venda do próprio bem, em sua integralidade, em leilão judicial ou extrajudicial. Do produto da venda se abatem as despesas geradas pela coisa, e o saldo é entregue ao credor fiduciário. Indispensável, porém, para preservação dos direitos de todos os credores envolvidos, devam ser eles intimados ou avisados de modo inequívoco da ocorrência do leilão ou da praça, para o exercício de suas prerrogativas e preferências. Na falta de intimação, a coisa continua a responder pela dívida, ainda que em nome do arrematante.

408
Q

O direito de superfície autoriza aobra no subsolo?

A

Art. 1.369. O proprietário pode conceder a outrem o direito de construir ou de plantar em seu terreno, por tempo determinado, mediante escritura pública devidamente registrada no Cartório de Registro de Imóveis.

Parágrafo único. O direito de superfície não autoriza obra no subsolo, salvo se for inerente ao objeto da concessão.

409
Q

Admite-se a instituição de superfície por prazo indeterminado?

A

Art. 1.369. O proprietário pode conceder a outrem o direito de construir ou de plantar em seu terreno, por tempo determinado, mediante escritura pública devidamente registrada no Cartório de Registro de Imóveis.

Parágrafo único. O direito de superfície não autoriza obra no subsolo, salvo se for inerente ao objeto da concessão.

Comentários:

[…]

Ao contrário de determinados modelos legislativos, o artigo em exame deixa explícito que o direito de superfície é temporário e, mais, por tempo determinado. A regra é cogente, não havendo direito de superfície perpétuo, constituindo fraude à lei a cláusula estabelecendo-o por prazo tão longo que equivalha, em seus efeitos, à perpetuidade. Não estabelece a lei o prazo máximo, cabendo ao intérprete fixá-lo caso a caso, levando em conta a natureza da construção e da plantação, bem como do montante de investimentos feitos pelo superficiário, que determinarão o fim do negócio e o prazo necessário para o retorno do capital investido. Exige a lei prazo determinado, de modo que a superfície é sempre a termo certo, eliminando a possibilidade de constituição por prazo indeterminado, termo incerto ou condição resolutiva.

410
Q

Em que consiste a modalide de direito de superfície por cisão?

A

Não prevê a lei, mas também não proíbe, a
modalidade de superfície por cisão. Em tal figura, o imóvel já se encontra construído ou plantado, por acessão. O proprietário aliena, temporariamente, as acessões, mediante constituição de direito real de superfície, remanescendo como dono do solo; em outras palavras, transfere construções e plantações já existentes. Pode, ainda, ocorrer de o proprietário alienar o solo, remanescendo temporariamente proprietário da construção ou plantação. Essa operativa modalidade de superfície por cisão constitui importante instrumento de atração de investimentos e capitais, permitindo a multiplicação de novos empreendimentos imobiliários. Embora não expressamente prevista pelo legislador, não há óbice à sua constituição. Remete-se o leitor à interpretação contemporânea do princípio da tipicidade dos direitos reais, desenvolvida no capítulo inicial do Livro “Do Direito das Coisas”. Admite-se uma certa elasticidade no princípio da tipicidade, para que cada um dos direitos reais, individualmente considerados, possa abrigar situações jurídicas que, embora não expressamente previstas, sejam compatíveis com seus princípios e mecanismos.

Enunciado n. 250, CEJ: Admite­-se a constituição do direito de superfície por cisão.

411
Q

A instituição de superfície pode ser desconstituída por violação de legítima?

A

Embora não preveja a lei, admite-se a constituição de superfície pelo negócio jurídico causa mortis do testamento, instituindo um legatário ou herdeiro do solo e outro temporariamente das construções ou plantações já existentes ou a serem ainda feitas. A instituição da superfície, tal como ocorre no usufruto, dada sua amplitude, levando em conta sua extensão e o prazo de sua duração, pode invadir a legítima dos herdeiros necessários, devendo ser reduzida, em tal hipótese.

412
Q

O direito de superfície pode ser transmitido por ato entre vivos? E por mortis causa?

A

Art. 1.372. O direito de superfície pode transferir-se a terceiros e, por morte do superficiário, aos seus herdeiros.

Parágrafo único. Não poderá ser estipulado pelo concedente, a nenhum título, qualquer pagamento pela transferência.

Comentários:

O art. 21, §§ 4o e 5o, do Estatuto da Cidade disciplina a possibilidade de transferência do direito de superfície constituído por pessoa jurídica de direito público interno, com regras em parte distintas das do atual CC.

Uma das principais marcas do direito de superfície é sua transmissibilidade, por ato inter vivos, oneroso ou gratuito, ou causa mortis. Embora haja opiniões em sentido contrário, a transmissibilidade é da essência do direito de superfície, e não pode ser vedada por cláusula contratual. Considera-se não escrita a cláusula de inalienabilidade do direito de superfície, ainda que imposta em doação ou testamento. Explicitou o legislador que a superfície, ao contrário de usufruto, uso e habitação, não é constituída intuitu personae, nem sobre a cabeça do superficiário, que, ao contrário, tem a liberdade de aliená-la a qualquer título, gratuito ou oneroso. A alienação por ato inter vivos deve se revestir da forma de escritura pública, caso seu valor supere trinta vezes o salário mínimo, como diz o art. 108 do CC. Exige, mais, outorga uxória, salvo se o regime de bens do casal for o da separação absoluta. Repete-se que o registro é constitutivo do direito real e também de sua transferência. Antes do registro, a alienação gera simples direito obrigacional entre as partes contratantes. A transmissão causa mortis pode ser legítima ou testamentária, caso no qual a transferência do direito real se dá no momento da morte (saisine), tendo o registro efeito meramente regularizador, para preservar a continuidade e possibilitar nova alienação.

413
Q

Se o proprietário alienar o bem sem observar o direito de preferência do superficiário, poderá este reivindicar o bem para si, ou terá de se contentar com ação de indenização?

A

Art. 1.373. Em caso de alienação do imóvel ou do direito de superfície, o superficiário ou o proprietário tem direito de preferência, em igualdade de condições.

Comentários:

[…]

Falha a lei ao deixar de criar regras ao exercício do direito de preferência. Na omissão, invoca-se por analogia a disciplina da preferência entre condôminos de coisa indivisível, prevista no art. 504 do CC. Deve o alienante notificar o titular do direito real – sobre o solo ou sobre a construção, dependendo da hipótese – com prazo razoável para que este manifeste seu propósito de exercer o direito. Omissa a lei, a praxe e a Lei do Inquilinato indicam prazo de trinta dias, sufciente para reflexão e reunião de recursos para a aquisição. Deve a notificação, sob pena de ineficácia, indicar preço e condições de pagamento, exatamente fiéis às ofertadas por terceiro. Nada impede que o titular do direito renuncie desde logo ao exercício da preferência, dispensando o aguardo do trintídio para a alienação. O que não se admite, em razão da natureza cogente da norma, é a renúncia antecipada ao exercício da preferência, por ocasião da formação do negócio, ou mesmo antes da oferta de terceiro.

A falta de notificação abre ao titular de direito real preterido o direito potestativo de exercício da preferência, no prazo decadencial de seis meses, depositando judicialmente o preço e as despesas com a alienação e reivindicando a coisa para si. O prazo de seis meses tem termo inicial na data do registro ou na data em que o titular do direito real tomou conhecimento da alienação, valendo a que ocorrer antes. Cabe aos réus o ônus da prova de que antes do registro o titular de direito real preterido já tinha conhecimento da alienação.

Note-se que alienação é válida, apenas ineficaz em relação a concedente ou superficiário preteridos. A ação deve ser endereçada tanto contra o alienante como contra o adquirente do direito real e ser acompanhada do depósito do valor mais despesas e tributos decorrentes da alienação. A ação tem natureza real e dá sequela ao titular do direito, ou seja, prerrogativa de perseguir, de obter a coisa, e não apenas a condenação ao pagamento de perdas e danos do alienante.

414
Q

Em que consiste a servidão por destinação de pai de família?

A

Admitem a doutrina majoritária (contra a opinião de Clóvis) e os tribunais, embora sem expressa previsão na lei, a servidão por destino do proprietário, ou do pai de família. É modo embrionário de servidão pelo qual, segundo Washington de Barros Monteiro, o proprietário, em caráter permanente, reserva determinada serventia, em prédio seu, a favor de outro. Se futuramente os dois imóveis passam a pertencer a proprietários distintos, a serventia converte-se em servidão, cujo termo inicial somente ocorre no momento em que dá diversidade dominial (op. cit., p. 282). Lembra Tupinambá Miguel Castro do Nascimento que, embora não encontre referência legal expressa em nosso ordenamento, essa modalidade de constituição da servidão é amplamente admitida pela doutrina e pela jurisprudência (cf. Direito real de servidão. Rio de Janeiro, Aide, 1985, p. 149-50). Há inclusive no Projeto de reforma do CC (PL n. 699/2011) a previsão de dispositivo a regular expressamente aludido modo de constituição da servidão. A melhor doutrina arrola como requisitos para a constituição da servidão por destinação do pai de família o caráter visível da coisa, ou seja, a aparência da servidão, a dualidade dos prédios envolvidos e a inexistência de cláusula contrária ao estabelecimento do gravame (cf. Gustavo Tepedino e ou-tros. Código Civil interpretado, v. III. São Paulo, Renovar, 2011, p. 773).

Portugal: “3. A constituição das servidões voluntárias por destinação de um pai de família pressupõe a existência em dois ou mais prédios ou fracções, pertencentes ao mesmo dono, de sinais visíveis e permanentes reveladores de uma situação estável de serventia de um ou de alguns em relação a outro ou outros, a separação dos prédios em relação ao domínio e a inexistência no respectivo título documental declaração contrária àquela constituição.”

Portugal:

Alegações Questões novas Servidão Destinação de pai de família Pressupostos Aquisição do direito de servidão Servidões não aparentes

I - É questão nova aquela que não foi aflorada nas alegações.I - A servidão é um direito real com o conteúdo de possibilitar o gozo de certas utilidades de um prédio em benefício de outro prédio.
II - A constituição da servidão por destinação do pai de família tem como pressupostos: ) Os dois prédios devem pertencer ao mesmo dono, verificando-se respectivamente a destinação do antigo proprietário e a destinação do pai de família; 2) Existência de sinais visíveis e permanentes postos em um ou em ambos reveladores de serventia de um para outro. 3) Existência de separação.
V - A aquisição do direito de servidão através da usucapião é válida para todas as servidões, com excepção das não aparentes.

415
Q

Indique algumas características da servidão.

A

Algumas regras regem o direito real de servidão. É direito real e acompanha o imóvel em todas suas transmissões; é inalienável, por não admitir transferência separada do prédio a que adere, em razão de sua natureza acessória. É direito que se exerce, mas inalienável: pode ser alienado o prédio gravado ou beneficiado pela servidão, mas não o direito real em si mesmo considerado, pois não se constitui servidão sobre servidão. A servidão não se presume, porque a propriedade se presume plena. Logo, a servidão deve ser provada de modo explícito, e sua interpretação é sempre restritiva, quanto à sua existência ou extensão, e seu exercício deve ser o menos oneroso ao prédio serviente. É indivisível, com as consequências que serão vistas no comentário ao art. 1.386. Tende à perpetuidade, mas nada impede ser constituída por tempo determinado, ou sob condição (não comporta resgate pelo titular do prédio serviente, salvo se houver convenção expressa a respeito. Alguns autores referem que a servidão tem duração indeterminada, até sobrevir uma das causas de sua extinção).

416
Q

Como podem ser classificadas as servidões?

A

Comportam as servidões diversas classificações. Podem ser afirmativas (positivas) ou negativas: as afirmativas possibilitam um comportamento positivo do titular do prédio dominante, como a servidão de passagem; as negativas não conferem ao titular do prédio dominante qualquer conduta, mas somente a abstenção do serviente, como a servidão de não construir além de certa altura. Podem ser contínuas ou descontínuas (não contínuas): as contínuas exercitam-se constantemente, independem de ato humano, como a de passagem de água; as descontínuas,embora tenham caráter permanente, exigem para seu exercício um comportamento humano, como a de passagem. Podem ser aparentes ou não aparentes: as aparentes se relevam por obras ou sinais exteriores, constatáveis icto oculi, como a de passagem marcada no terreno; não aparentes são as sem sinais exteriores de sua existência.

417
Q

Quais são os modos de aquisição do direito real de servidão?

A

Art. 1.378. A servidão proporciona utilidade para o prédio dominante, e grava o prédio serviente, que pertence a diverso dono, e constitui-se mediante declaração expressa dos proprietários, ou por testamento, e subseqüente registro no Cartório de Registro de Imóveis.

Comentários:

[…]

Cinco são os modos de aquisição do direito
real de servidão: por negócio jurídico inter vivos levado ao registro imobiliário; por negócio jurídico causa mortis, em testamento; por destinação do proprietário, anteriormente analisada; por decisão judicial, em ação divisória; por usucapião, analisada no comentário ao art. 1.379.

[…]

Embora a constituição de servidão por decisão
judicial não se encontre prevista no CC, há expressa menção no art. 596, II, do CPC/2015 (art. 979, II, do CPC/73). Ao efetuar a demarcação dos quinhões na ação divisória, poderá o juiz instituir as servidões indispensáveis de uns quinhões sobre outros, especialmente no caso de encravamento.

418
Q

Servidões descontínuas podem gerar usucapião?

A

Art. 1.379. O exercício incontestado e contínuo de uma servidão aparente, por dez anos, nos termos do art. 1.242, autoriza o interessado a registrá-la em seu nome no Registro de Imóveis, valendo-lhe como título a sentença que julgar consumado a usucapião.

Parágrafo único. Se o possuidor não tiver título, o prazo da usucapião será de vinte anos.

Comentários:

[…]

Vimos no comentário ao artigo anterior que
servidões aparentes são aquelas com sinais exteriores de sua existência, constatáveis icto oculi. Somente tal categoria pode gerar usucapião, pois se a posse é a visibilidade do domínio, o comportamento do possuidor deve ser público, exercido à vista de todos, especialmente daqueles que têm interesse em reagir contra a posse, evitando a consumação do prazo da usucapião. Se assim não fosse, o proprietário do prédio serviente seria colhido de surpresa, pois não teria conhecimento dos atos praticados pelo titular do prédio dominante. O preceito em exame tem estreita ligação com o do art. 1.213, ao qual se remete o leitor.

Exige a lei que as servidões, para gerar usucapião sejam apenas aparentes, não exigindo serem elas também contínuas. Podem as servidões descontínuas, que para seu exercício dependem de atos do titular do prédio dominante, gerar usucapião, se forem aparentes.

419
Q

Pode-se aplicar o parágrafo único do art. 1.242 do CC para reduzir o prazo de usucapião da servidão?

A

Art. 1.379. O exercício incontestado e contínuo de uma servidão aparente, por dez anos, nos termos do art. 1.242, autoriza o interessado a registrá-la em seu nome no Registro de Imóveis, valendo-lhe como título a sentença que julgar consumado a usucapião.

Parágrafo único. Se o possuidor não tiver título, o prazo da usucapião será de vinte anos.

Art. 1.242. Adquire também a propriedade do imóvel aquele que, contínua e incontestadamente, com justo título e boa-fé, o possuir por dez anos.

Parágrafo único. Será de cinco anos o prazo previsto neste artigo se o imóvel houver sido adquirido, onerosamente, com base no registro constante do respectivo cartório, cancelada posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos de interesse social e econômico.

Comentários:

A cabeça do artigo diz poder o direito real de
servidão ser adquirido por usucapião ordinária, no prazo de dez anos, fazendo expressa remissão aos requisitos do art. 1.242 do CC. Exige-se, além dos requisitos necessários à usucapião extraordi-nária, a existência de justo título e boa-fé, conceitos já analisados no referido artigo. Não há óbice a que se aplique ao direito real de servidão a usucapião de prazo reduzido de cinco anos pre-vista no parágrafo único do art. 1.242, desde que preenchidos seus requisitos. Não se exige o possuidor utilizar a servidão como moradia, mas, se tiver feito relevantes investimentos de caráter social e de justo título registrado e posteriormente cancelado, pode se beneficiar da nova figura prevista em lei.

420
Q

Qual é o prazo da usucapião extraordinária de servidão?

A

Art. 1.379. O exercício incontestado e contínuo de uma servidão aparente, por dez anos, nos termos do art. 1.242, autoriza o interessado a registrá-la em seu nome no Registro de Imóveis, valendo-lhe como título a sentença que julgar consumado a usucapião.

Parágrafo único. Se o possuidor não tiver título, o prazo da usucapião será de vinte anos.

Comentários:

[…]

O parágrafo único do art. 1.379, em exame, dispõe que se o possuidor não tiver justo título, “o prazo da usucapião será de vinte anos”. Cuida-se da usucapião extraordinária, devendo ter a posse as qualidades previstas no art. 1.238, ao qual se remete o leitor. A posse deve ser contínua, sem oposição e com animus domini, independentemente de boa-fé e justo título. Nada impede, como já dito, aplicar-se à usucapião de servidão o prazo reduzido do parágrafo único do art. 1.238, desde que preenchidos os requisitos de “posse trabalho”.

Há, porém, manifesta inconsistência entre os
arts. 1.238 e 1.379, referente ao prazo para consumação da usucapião. Para usucapir propriedade plena, o prazo é de quinze anos, mas para usucapir mero direito real sobre coisa alheia, uma parcela do direito maior de propriedade, o prazo é de vinte anos, segundo a lei. Aparentemente, houve um descuido do legislador, que se esqueceu de efetuar a redução do prazo também para a usucapião de servidão. Na lição de Karl Engish, na base de todas as regras hermenêuticas para harmonizar normas aparentemente conflitantes, figura como verdadeiro postulado o princípio da coerência da ordem jurídica (Introdução ao pensamento jurídico, 6. ed. Lisboa, Calouste Gulbenkian, 1988, p. 313). Por isso, a interpretação do preceito deve ser construtiva, estendendo o prazo de quinze anos também para a usucapião ex-traordinária de servidões. O Enunciado n. 251 do CEJ chegou à mesma conclusão: “O prazo máximo para o usucapião extraordinário de servidões deve ser de quinze anos, em conformidade com o sistema geral de usucapião previsto no CC”.

421
Q

O titular do prédio dominante pode impor ao titular do prédio serviente o alargamento da servidão?

A

Art. 1.385. Restringir-se-á o exercício da servidão às necessidades do prédio dominante, evitando-se, quanto possível, agravar o encargo ao prédio serviente.

§ 1 o Constituída para certo fim, a servidão não se pode ampliar a outro.

§ 2 o Nas servidões de trânsito, a de maior inclui a de menor ônus, e a menor exclui a mais onerosa.

§ 3 o Se as necessidades da cultura, ou da indústria, do prédio dominante impuserem à servidão maior largueza, o dono do serviente é obrigado a sofrê-la; mas tem direito a ser indenizado pelo excesso.

Comentários:

[…]

Finalmente, o § 3o do artigo em exame contém exceção à regra de não poder a servidão ser ampliada sem consentimento do titular do prédio serviente. Reza o artigo poderem ser as servidões alargadas se as necessidades da cultura ou da indústria do prédio dominante assim o exigirem, mas contra pagamento de indenização pelo excesso. A novidade do Código está na inserção da necessidade também da indústria, omitida na lei anterior, permitindo inferir que a ampliação cabe nos prédios rústicos e nos urbanos. A norma é cogente, pois tem fundamento na função social da propriedade, permitindo a melhor utilização de seus recursos. A ampliação da servidão é compulsória, mesmo contra a vontade do serviente, tratando-se de direito potestativo do titular do prédio dominante, não sujeito, portanto, à prescrição. A recusa injustificada do titular do prédio serviente abrirá caminho para a fixação judicial de novos limites da servidão e correspondente indenização.

O CC/2002 não reproduziu o disposto no art.
706, parágrafo único, do CC/1916, no sentido de o alargamento da servidão não poder ser decorrência da “mudança na maneira de exercer”, como no caso de se pretender edificar em terreno até então destinado à cultura. A regra continua implícita no atual CC, uma vez que se altera a causa da servidão, a sua finalidade original, não prevista e nem desejada pelas partes. Em tal caso, como a passagem de escoamento da produção de uma fábrica em servidão constituída originalmente para trânsito de moradores de uma residência, o alargamento não é compulsório, depende de novo negócio jurídico entre as partes ou ocorrência de usucapião.

422
Q

Em que hipóteses, o titular do prédio serviente pode exigir o cancelamento da servidão?

A

Art. 1.388. O dono do prédio serviente tem direito, pelos meios judiciais, ao cancelamento do registro, embora o dono do prédio dominante lho impugne:

I - quando o titular houver renunciado a sua servidão;

II - quando tiver cessado, para o prédio dominante, a utilidade ou a comodidade, que determinou a constituição da servidão;

III - quando o dono do prédio serviente resgatar a servidão.

Art. 1.389. Também se extingue a servidão, ficando ao dono do prédio serviente a faculdade de fazê-la cancelar, mediante a prova da extinção:

I - pela reunião dos dois prédios no domínio da mesma pessoa;

II - pela supressão das respectivas obras por efeito de contrato, ou de outro título expresso;

III - pelo não uso, durante dez anos contínuos.

Comentários:

O inciso III trata do resgate da servidão pelo
dono do prédio serviente. Omitiu-se a lei, porém, em definir a figura do resgate. No direito real de enfiteuse constitui prerrogativa do proprietário, que pode exercê-lo contra a vontade do enfiteuta. Na servidão, tem o resgate natureza convencional, ou, no dizer de Carvalho Santos, “é a liberação do prédio serviente, mediante acordo dos interessados” (santos, J. M. Carvalho. Código Civil brasileiro interpretado, 5. ed. Rio de Ja-neiro, Freitas Bastos, 1953, v. IX, p. 227). O titular do prédio serviente recobra, readquire do dono do prédio dominante direitos e vantagens transmitidos ao constituir a servidão. A vontade geradora do negócio jurídico que serve de título para a servidão atua em sentido contrário e leva à sua morte, em negócio extintivo solene, por escritura pública, se acima do valor legal, e levado ao registro imobiliário. O resgate não constitui direito potestativo do titular do prédio serviente, mas, ao contrário, somente se dá pelo consenso das partes. Esse ajuste pode ser feito tanto no próprio negócio constitutivo da servidão, acordando desde logo as partes o direito de resgate, inclusive quanto à oportunidade e preço, quanto em negócio posterior. Caso tenha sido ajustado no momento da constituição da servidão, gera direito potestativo ao dono do prédio serviente; e, diante de eventual resistência do titular do prédio dominante, tem o primeiro ação judicial na qual deposita o preço e postula a declaração de extinção da servidão, levando o mandado judicial ao registro imobiliário. Lembre-se de que o direito de resgate é conferido para o titular do prédio serviente recomprar a restrição que onera seu prédio, não dando ao titular do prédio dominante, salvo ajuste explícito entre as partes, direito de exigir o preço sem anuência da parte contrária. Finalmente, caso o resgate seja instru-mentalizado por escritura pública, pode ser levado diretamente ao registro imobiliário, sem necessidade de qualquer intervenção judicial.

423
Q

Quais são as principais características do usufruto?

A

Art. 1.390. O usufruto pode recair em um ou mais bens, móveis ou imóveis, em um patrimônio inteiro, ou parte deste, abrangendo-lhe, no todo ou em parte, os frutos e utilidades.

Comentários:

[…]

Características: Da definição tiramos suas principais características, a saber: a) é direito real sobre coisa alheia, gravando temporariamente um bem em favor de uma pessoa (por isso alguns autores, indevidamente, denominam-no servidão pessoal), com efeito erga omnes, distinguindo-se, portanto, da locação; b) é temporário, podendo ser a termo, ou sob condição resolutiva, quando muito vitalício, extinguindo-se com a morte do usufrutuário, porque constituído sobre sua cabeça [“não ultrapassa o usufruto a vida do usufrutuário, por isso se diz que é constituído sobre sua cabeça”]; c) provoca o desdobramento da posse, atribuindo a posse direta ao usufrutuário e reservando a posse indireta ao nu-proprietário; d) é intransmissível, podendo apenas ser cedido o seu exercício, como veremos no comentário ao art. 1.393 adiante.

424
Q

Quais direito podem ser objeto de usufruto? Bens consumíveis podem? Quem pode conceder usufruto?

A

Objeto: No que se refere ao objeto, tem o usufruto amplo espectro, ao contrário dos direitos reais de superfície e de servidão. Podem ser bens frutuários, ou usufruídos, todos aqueles passíveis de apropriação, quer sejam apenas úteis à exploração, quer sejam frugíferos. Devem ser alienáveis, para sobre eles recair o gravame real de uso e fruição, com transmissão parcial das faculdades reais, razão pela qual não se admite usufruto constituído sobre bens gravados com cláusula de inalienabilidade (art. 1.911 do CC) nem sobre bem de fa-mília. Também não o admitem os direitos intransmissíveis, por exemplo servidão (?), uso e habitação. Não podem constituir usufruto sobre a coisa aqueles titulares de direitos reais que não têm a prerrogativa de usar e de fruir, como o penhor, a hipoteca, ou mesmo a propriedade fiduciária. Em contrapartida, admite-se o gravame do usufruto instituído pelos titulares dos direitos reais de superfície, de anticrese, de promitente comprador imitido na posse, de enfiteuse e a propriedade resolúvel. Claro que em tais hipóteses o direito de usufruto não ultrapassa o direito real sobre o qual recai. Logo, extinta a superfície, extingue-se o usufruto, ou, resolvido o compromisso de compra e venda, com ele resolve-se o usufruto.

Embora haja resistência da jurisprudência em
admitir usufruto sobre direito real de promitente comprador, tal posição é hoje injustificável. É o compromisso de compra e venda contrato preliminar impróprio, que quase esgota a atividade negocial, convertendo a escritura definitiva em simples ato devido. Os poderes federados do domínio se reúnem nas mãos do compromissário comprador, restando ao promitente vendedor um mero domínio garantia do recebimento do preço (cf. azevedo júnior, José Osório de. Compromisso de compra e venda, 2. ed. São Paulo, Saraiva, 1983). Por isso, se há o registro do compromisso irretratável e o promitente comprador já se encontra imitido na posse e, mais, sendo o direito de promitente comprador transmissível até por trespasse, nada justifica que não possa ser dado em usufruto, nem em hipoteca, nem que garanta ao adquirente direito à reivindicação.

Pode o usufruto recair sobre coisas (bens corpóreos) móveis ou imóveis, singulares ou coletivas, assim como sobre bens incorpóreos. Admite-se usufruto sobre créditos, desde que transmissíveis. Abrangem tal modalidade direito sobre valores, direitos de coparticipação, direitos intelectuais, sobre um patrimônio ou sobre uma empresa. Cabe, por exemplo, usufruto sobre quotas e ações de sociedade anônima, ou sobre títulos da dívida pública, ou sobre os direitos patrimoniais (não os morais) de autor e de invenção. Como diz Orlando Gomes, “o usufruto de direitos consiste na atribuição a outrem das utilidades de um direito, durante um certo período de tempo, resguardada a sua existência e integridade” (gomes, Orlando. “Usufruto de direitos”. In: Revista Forense, v. 180, p. 36-41). Pode recair sobre crédito incorporado em um título, ou não, com ou sem garantia real. Intervêm em tal modalidade de usufruto três protagonistas, o credor, o devedor e o usufrutuário, que exercerá os direitos de gozo, devendo, porém, preservar a substância do direito.

O atual CC não reproduziu o art. 726 do
CC/1916, que disciplinava o quase-usufruto, ou usufruto impróprio, incidente sobre as coisas consumíveis – às quais, para esse efeito, se equipararam às fungíveis – e que caíam no domínio do usufrutuário, que se obrigava a restituí-las no equivalente em gênero, qualidade e quantidade, regendo-se, no geral, pelas regras do mútuo. Note-se, porém, que o usufruto se extinguia pela morte do usufrutuário, ao contrário do mútuo, cuja obrigação e crédito se transmitem aos herdeiros.

As coisas consumíveis e fungíveis não mais podem ser dadas em usufruto, como objeto principal, porque concludente é o silêncio do legislador, que resgatou a pureza da garantia real, exigindo a preservação da substância. Ressalva-se apenas a exceção do art. 1.392, § 1o, que trata dos acessórios e acrescidos consumíveis e que será abordado mais adiante.

Art. 1.392. Salvo disposição em contrário, o usufruto estende-se aos acessórios da coisa e seus acrescidos.

§ 1 o Se, entre os acessórios e os acrescidos, houver coisas consumíveis, terá o usufrutuário o dever de restituir, findo o usufruto, as que ainda houver e, das outras, o equivalente em gênero, qualidade e quantidade, ou, não sendo possível, o seu valor, estimado ao tempo da restituição.

§ 2 o Se há no prédio em que recai o usufruto florestas ou os recursos minerais a que se refere o art. 1.230, devem o dono e o usufrutuário prefixar-lhe a extensão do gozo e a maneira de exploração.

425
Q

O usufruto pode ser alienado?

A

Art. 1.393. Não se pode transferir o usufruto por alienação; mas o seu exercício pode ceder-se por título gratuito ou oneroso.

Comentários:

[…]

No dizer de Carvalho Santos, justifica-se a vedação cogente à alienação do usufruto por duas razões: “a) por melhor corresponder aos fins da instituição, que, como se sabe, ordinariamente criada para beneficiar alguém, dando-lhe meios de prover a subsistência, falharia a seus fins, desrespeitados os intuitos do instituidor, se fosse possível ser alienado; b) porque o usufruto é sem dúvida uma servidão pessoal e, portanto, um direito vinculado à pessoa, sendo evidentemente contrário à sua essência torná-la alienável” (Có-digo Civil brasileiro interpretado, 5. ed. Rio de Ja-neiro, Freitas Bastos, 1953, v. IX, p. 366).

A inalienabilidade do usufruto não tem nenhuma incompatibilidade com a extinção por consolidação. O que proíbe a norma cogente é que o direito real de usufruto sobreviva sob a titularidade de terceiro, porque é personalíssimo do usufrutuário. A transmissão, porém, se admite quando provocar a extinção do usufruto por consolidação. São os casos da aquisição do usufruto a título gratuito ou oneroso pelo nu-proprietário ou, então, de um terceiro que adquira simultaneamente a nua-propriedade e o usufruto, consolidando a propriedade em suas mãos. Não há aí propriamente alienação do direito real, mas sim modo de sua extinção por consolidação.

[…]

Admite-se apenas a cessão do exercício do usufruto, ou seja, o terceiro favorecido será titular de um simples direito de crédito, podendo usar ou fruir a coisa, mas não de um direito real. Não se transmite usufruto, mas apenas os poderes derivados da relação jurídica de usufruto. Nada impede que o usufrutuário, eventualmente impedido de explorar pessoalmente a coisa, possa alugá-la ou emprestá-la a outrem. Disso decorre que, extinto o usufruto, por qualquer de suas causas, extingue-se o direito de exercício dele decorrente, não podendo o cessionário do exercício opor seus di-reitos frente ao nu-proprietário que consolidou a propriedade em suas mãos, salvo disposição em lei especial, como ocorre na locação predial urbana. Os deveres do usufrutuário continuam os mesmos e incólumes perante o nu-proprietário, admitindo-se, apenas, que por convenção o cessionário se torne devedor solidário.

426
Q

O usufrutuário pode alterar a destinação econômica do bem?

A

Art. 1.399. O usufrutuário pode usufruir em pessoa, ou mediante arrendamento, o prédio, mas não mudar-lhe a destinação econômica, sem expressa autorização do proprietário.

Comentários:

A regra deve ser interpretada com razoabilidade, admitindo-se destinação diversa da original, se não houver nenhum prejuízo ao nu-proprietário ou mudança substancial ou risco de depreciação ou deterioração do bem. Não se pode esquecer que a norma visa à preservação da substância e, se esta não for afetada, perde sentido a restrição, em homenagem ao princípio da boa-fé objetiva e da função social do negócio jurídico.

A alteração da destinação, segundo consta do artigo, está subordinada a expressa autorização do proprietário, a qualquer tempo, inclusive constando desde logo do próprio título.

Embora não mais mencione o artigo que o usufruto legal escapa de tal limitação, a regra está implícita no ordenamento. O usufruto legal dos pais sobre os bens dos filhos menores sujeitos ao poder familiar abrange a prerrogativa de dirigir a pessoa e os bens do menor, sempre em seu proveito. Não faz sentido, por isso, que esteja o pai proibido de dar destinação econômica diversa ao bem do filho, mesmo porque este somente pode concordar representado pelo próprio genitor.

427
Q

O usufrutuário deve arcar com todas as despesas necessária à conservação do bem?

A

Art. 1.402. O usufrutuário não é obrigado a pagar as deteriorações resultantes do exercício regular do usufruto.

Art. 1.403 Incumbem ao usufrutuário:

I - as despesas ordinárias de conservação dos bens no estado em que os recebeu;

II - as prestações e os tributos devidos pela posse ou rendimento da coisa usufruída.

428
Q

Quais são as hipóteses em que se extingue o usufruto?

A

Art. 1.410. O usufruto extingue-se, cancelando-se o registro no Cartório de Registro de Imóveis:

I - pela renúncia ou morte do usufrutuário;

II - pelo termo de sua duração;

III - pela extinção da pessoa jurídica, em favor de quem o usufruto foi constituído, ou, se ela perdurar, pelo decurso de trinta anos da data em que se começou a exercer;

IV - pela cessação do motivo de que se origina;

V - pela destruição da coisa, guardadas as disposições dos arts. 1.407, 1.408, 2ª parte, e 1.409;

VI - pela consolidação;

VII - por culpa do usufrutuário, quando aliena, deteriora, ou deixa arruinar os bens, não lhes acudindo com os reparos de conservação, ou quando, no usufruto de títulos de crédito, não dá às importâncias recebidas a aplicação prevista no parágrafo único do art. 1.395;

VIII - Pelo não uso, ou não fruição, da coisa em que o usufruto recai (arts. 1.390 e 1.399).

Art. 1.411. Constituído o usufruto em favor de duas ou mais pessoas, extinguir-se-á a parte em relação a cada uma das que falecerem, salvo se, por estipulação expressa, o quinhão desses couber ao sobrevivente.

Comentários:

[…]

A quinta causa é pela cessação do motivo que originou o usufruto. Embora divirja a doutrina tradicional a respeito, o melhor entendimento, já referendado pelo STF (RTJ 101/377), é no sentido de que a causa em exame se aplica tanto ao usufruto convencional como ao legal. O motivo a que alude a lei é o externo, determinante e comum a ambas as partes, desprezadas as razões íntimas, subjetivas e individuais. No dizer de Orlando Gomes, é a razão o móvel determinante que move as partes a realizar determinado contrato (Contratos, 12. ed. Rio de Janeiro, Forense, 1987, p. 61). No usufruto legal, tome-se como exemplo a cessação do poder familiar, que extingue o usufruto do pai sobre os bens dos filhos. No usufruto convencional, tome-se como exemplo, citado por Clóvis, o usufruto instituído para que o usufrutuário conclua seus estudos, ou realize determinada pesquisa científica. O cancelamento, aqui, pode exigir intervenção judicial, se a cessação do motivo determinante depender de exame de fatos não provados documentalmente e de modo cabal, inviáveis de serem aferidos pelo registrador na esfera administrativa. A alteração da redação do dispositivo provocou dúvida em doutrina, sobre a necessidade do motivo determinante ser ou não declarado no título. Razoável entender a desnecessidade do motivo determinante ser expresso, bastando que seja inequívoco e comum a ambas as partes, não sendo suficiente as simples razões íntimas e psicológicas do nu-proprietário (v., a respeito, garbi, Carlos Al-berto. Relação jurídica de direito real e usufruto. São Paulo, Método, 2008, p. 278).

[…]

A oitava causa é a culpa do usufrutuário, que aliena, deteriora ou deixa arruinar os bens, ao não promover os cuidados de reparação. A novidade do inciso está em adicionar a hipótese do usufruto dos títulos de crédito, quando o usufrutuário não dá ao crédito recebido a regular aplicação prevista em lei. Constata-se que em todos os casos há inadimplemento do usufrutuário, ou na forma de abuso de exercício – alienação – ou na forma de mau uso – deterioração – dos bens entregues ao seu proveito. Vimos em comentário ao art. 1.393 que a alienação do usufruto é nula, salvo nos casos de consolidação. O que a lei pune, portanto, é a tentativa de alienação, ainda que o nu-proprietário recupere a coisa em poder de terceiro. Já as deteriorações devem ser visíveis, duráveis e culposas. A conduta é sempre culposa, o que exige investigação de fato imputável ao usufrutuário, necessariamente na via judicial, descabendo o pedido de cancelamento direto ao oficial registrador. Além disso, não é a extinção automática, porque pressupõe a iniciativa do nu-proprietário, que, aliás, tem a opção de exigir a reparação, a extinção ou os dois pedidos cumulativos. Como alerta Carvalho Santos, tem o juiz ampla liberdade ao examinar os atos culposos do devedor, especialmente a sua gravidade. Pode, assim, determinar a extinção pura e simples, como a extinção apenas de uma parte, manter o usufrutuário na posse dos bens, mas obrigando-o a reparar os danos, ou a prestar caução, ainda quando esta tenha sido anteriormente dispensada ( Código Civil brasileiro interpretado, 5. ed. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1953, v. IX). O não pagamento de tributos e despesas condominiais atribuíveis ao usufrutuário pode também colocar em risco jurídico de perda a coisa, em razão da excussão. Abre-se ao nu-proprietário a obrigação alternativa de pagar as dívidas e reavê-las do usufrutuá-rio, ou de pedir a extinção do usufruto por conduta culposa.

Finalmente, a nona causa de extinção é o não uso, ou a não fruição da coisa em que o usufruto recai. No silêncio da lei, o prazo é o ordinário, previsto no art. 205 do CC. No regime do velho CC, havia na doutrina divergência sobre o prazo aplicável, se o ordinário para as pretensões pessoais (vinte anos) ou o decenal, ou quinzenal para as pretensões reais, com clara preferência pela última corrente, matéria ainda relevante, em razão de seus reflexos no direito intertemporal.

Deve haver distinção entre duas situações. A primeira é a inércia do usufrutuário de exercer a pretensão contra a violação de seu direito subjetivo de tirar o proveito do objeto do direito real de gozo e fruição. Em tal hipótese, o que se perde não é o direito material de usufruto, mas sim a pretensão de obter ou reaver o bem objeto do usufruto. Tanto isto é verdade, que se o bem objeto do usufruto cuja pretensão se encontra prescrita for voluntariamente entregue ao usufrutuário, não pode este ser compelido a devolvê-lo, tal como ocorre no pagamento de dívida prescrita. O prazo em tal hipótese será prescricional de dez anos e começa a correr da data em que deveria ter sido entregue o bem ao usufrutuário, ou da data em que o usufrutuário praticou o último ato de proveito em relação ao bem usufruído. Nada impede, de outro lado, que corra contra o nu-proprietário e contra o usufrutuário a prescrição aquisitiva por posse ad usucapionem de terceiro, pelos prazos previstos nos arts. 1.238 a 1.242, 1.260 e 1.261, de acordo com a natureza da coisa possuída.

A segunda situação é o simples não exercício do direito pelo usufrutuário, sem qualquer resistência do nu-proprietário ou de terceiros. Não há aqui pretensão, pois não houve violação a direito subjetivo, e o prazo será decadencial de dez anos, com termo inicial na data em que poderia o usufrutuário exercer o direito. Recente e relevante precedente do STJ transcrito a seguir, porém, entendeu que, na hipótese de inércia do usufrutuário, o prazo de extinção do usufruto é decadencial, mas não no prazo decenal. Como não assina a lei prazo de decadência, o prazo seria aferível caso a caso pelo juiz, levando em conta a finalidade social do instituto.

429
Q

O direito de uso pode ser objeto de cessão?

A

Art. 1.412. O usuário usará da coisa e perceberá os seus frutos, quanto o exigirem as necessidades suas e de sua família.

§ 1 o Avaliar-se-ão as necessidades pessoais do usuário conforme a sua condição social e o lugar onde viver.

§ 2 o As necessidades da família do usuário compreendem as de seu cônjuge, dos filhos solteiros e das pessoas de seu serviço doméstico.

Comentários:

[…]

Tal como o direito real de usufruto, o direito real de uso é sempre temporário e pode ser subordinado a termo ou condição. Podem ser titulares do direito real pessoas naturais e jurídicas, as últimas desde que destinem a coisa para suprir necessidades relativas à própria atividade. Ao contrário do usufruto, o uso não comporta cessão de exercício a terceiros, porque é personalíssimo. É também intransmissível, inter vivos ou causa mortis, salvo nos casos em que importar em consolidação e extinção do direito real.

430
Q

O direito de arrependimento, previsto em contrato de promessa de compra e venda, pode ser exercido a qualquer momento?

A

Mesmo nos contratos relativos a imóveis não loteados, o entendimento pacificado dos tribunais é no sentido de que o direito de arrependimento, expressamente pactuado, encontra limites nos princípios da boa-fé objetiva, equilíbrio e função social do contrato. Assim, não se admite o direito de arrependimento quando o preço se acha integralmente pago (Súmula n. 166 do STF), ou, em corrente mais avançada, quando já se ini-ciou a execução do contrato. Dizendo de outro modo, quando a cláusula de arrependimento se dá mediante a figura das arras penitenciais, deve ser exercida a faculdade de retratação no prazo assinado. Ultrapassado o pagamento do sinal e iniciado o pagamento do preço, não mais se fala em arras penitenciais, que passam a integrar o valor da coisa. Quando a cláusula de arrependimento é pactuada sem prazo, o exercício de ato de execução implica renúncia à faculdade de se retratar, em vista da estabilidade e da firmeza dos contratos. Em suma, o direito de arrependimento somente pode ser exercido até o início da execução do contrato de compromisso de compra e venda (José Osório de Azevedo Júnior, op. cit., p. 263; Pontes de Miranda. Tratado de direito privado. 3. ed. São Paulo, RT, 1984, v. XIII, n. 3, § 1.525).

Disso decorre que, mesmo nos casos de imóveis não loteados com cláusula de arrependimento expressa, escoado o prazo das arras penitenciais, ou iniciada a execução do contrato, não mais cabe a retratação e, por consequência, pode o compromisso ser levado a registro e se converter em direito real.

431
Q

De que maneira o princípio da boa-fé se manifesta nos contratos de promessa de compra e venda?

A

As prestações principais, acessórias e os deveres laterais de conduta assumidos pelas partes no compromisso de compra e venda. Provocou o princípio da boa-fé uma revolução na maneira de encarar a relação obrigacional, que deixou de ser considerada somente um direito de crédito, em contraposição a um dever de prestar, e passou a significar uma relação jurídica total entre as partes, uma relação complexa, visualizada como um processo, composto por uma sucessão de atos tendentes a um fim, qual seja, a satisfação do interesse do credor (silva, Clóvis do Couto e. A obri-gação como processo. São Paulo, José Buchatsky, 1976, p. 10).

No contrato de compromisso de compra e venda, segundo a doutrina majoritária, o objeto seria a celebração do contrato definitivo. Logo, manifestar consentimento no contrato definitivo consistiria a prestação principal. Já as prestações secundárias ou acidentais consistiriam nos deveres de pagar o preço, fornecer a documentação relativa ao imóvel, certidões pessoais dos promitentes vendedores, certidões fiscais e previdenciárias, autorizações e alvarás administrativos, enfim, tudo aquilo que possa interessar à perfeição da prestação principal.

Além dos deveres de prestação, a obrigação como relação complexa, destinada à satisfação do interesse do credor, gera também deveres laterais de conduta, com o escopo de garantir o desenvolvimento regular do contrato como um todo, de modo a não frustrar a confiança da parte contrária. São deveres que não têm conteúdo fixo e nem número determinado e se revelam apenas na medida em que necessários para a realização das finalidades da própria relação obrigacional (noronha, Fernando. O direito dos contratos e seus princípios fundamentais. São Paulo, Saraiva, 1994, p. 160). Criam condições para uma consecução sem estorvos do fim contratual.

Vimos acima que o contrato de compromisso de compra e venda pode ser, em determinados casos, preliminar impróprio, porque antecipa carga negocial e os efeitos do contrato definitivo. De igual modo, os efeitos principais e acessórios de prestação, bem como os laterais (ou anexos) de conduta decorrentes da boa-fé objetiva, são antecipados de acordo com a causa do contrato.

A par da prestação principal das partes manifestarem consentimento na celebração do contrato principal, há múltiplos deveres acessórios de prestação, ainda que não previstos no contrato pelas partes. Tomem-se como exemplo os deveres de fornecer toda a documentação relativa ao imóvel, bem como certidões e documentos pessoais das partes (inclusive fiscais e previdenciárias) e a regularização de construções existentes sobre o solo.

Há ainda deveres laterais (anexos) de conduta, que abrangem não somente as fases de formação e execução do contrato, como também as fases pré e pós-contratual. São deveres que não se definem a priori, mas que surgirão desde as negociações preliminares e se projetam até mesmo depois da celebração do contrato definitivo. Tomem-se como exemplos os deveres pré-contratuais, na fase da puntuação, de se alertar o adquirente sobre restrições ou limitações administrativas existentes sobre o imóvel, questões relevantes de vizinhança, alterações iminentes no zoneamento, problemas relativos à solidez da obra e de composição do solo. Os deveres pós-contratuais de fornecer documentos que porventura tenha o alienante em mãos, que auxiliem discussões dominiais, ou facilitem a retificação do registro imobiliário. A cláusula geral da boa-fé objetiva, na sua função de controle, interfere de modo significativo na execução do contrato de compra e venda. Controla o exercício abusivo de direitos, que não tragam benefícios ao credor e gerem desproporcional sacrifício do devedor, confere efeitos à inércia prolongada (surrectio e supressio) e ao comportamento contraditório (venire contra factum proprio) dos contratantes. Evita, mais, que qualquer dos contratantes invoque em seu proveito normas que ele próprio violou (tu quoque). Tomem-se como exemplos a resolução do contrato em razão de inadimplemento de pequena monta da outra parte, que não compromete a economia do contrato (teoria do adimplemento substancial), a prolongada inércia quanto à cobrança de determinadas verbas ou de multa moratória, e a própria exceção do contrato não cumprido, com especial enfoque para o cumprimento imperfeito (exceptio non rite adimpleti contractus).

432
Q

O promitente vendedeor pode também ajuizar ação de adjudicação compuolsória para forçar a celebração do contrato definitivo e a transferência da propriedade ao promitente comprador?

A

As obrigações do promitente comprador. O dever de consentir na celebração do contrato definitivo. […] Na função de mero contrato preparatório, sem dúvida a prestação principal de ambas as par-tes no compromisso de compra e venda será a de prestar consentimento no contrato definitivo. Cuida-se de obrigação de fazer, juridicamente fungível, passível de substituição por sentença judicial, na forma dos arts. 461 do CPC/73 (arts. 139, IV, 497 a 500, 536, § 1o, e 537 do CPC/2015) e 464 do CC. Comum tomar-se tal obrigação como devida pelo promitente vendedor em benefício do promitente comprador.

A obrigação, porém, é recíproca. Existe o direito de o promitente comprador liberar-se da obrigação de outorgar a escritura, de recuperar a sua liberdade e evitar todos os ônus de um imóvel registrado em seu nome, por exemplo, lançamento de impostos, despesas condominiais e eventual responsabilidade civil pelo fato da coisa. Na visão contemporânea do direito obrigacional, o pagamento, em sentido amplo, é não somente um dever, como também um direito do devedor para liberar-se da prestação. Cabe, assim, ação de obrigação de fazer também do promitente vendedor contra o promitente comprador, para que a sentença substitua a escritura injustamente negada pelo adquirente. Problema surge com o registro da escritura, ou da sentença que a substitui, que exige o recolhimento do ITBI e o pagamento das custas e emolumentos devidos ao registrador e ao Estado, ou de imposto predial em atraso. Em tal caso, abre-se em favor do promitente vendedor uma obrigação alternativa. Ou recolhe os impostos e taxas, faz o registro e posteriormente pede o reembolso, ou requer ao juiz a fixação de multa (art. 461 do CPC/73; arts. 139, IV, 497 a 500, 536, § 1o, e 537 do CPC/2015) até que o promitente comprador promova o recolhimento das citadas verbas e o registro.

433
Q

Também para a cobrança de dívida relacionada com compromisso de compra e venda é indispensável a prévia interpelação extrajudicial?

A

OBS: Contrato de compromisso de compra e venda - assume frequentemente a função de garantia do recebimento do preço.

O contrato de compromisso de compra e venda, na frequente função de instrumento de garantia do recebimento do preço, ou de contrato preliminar impróprio, desloca a prestação principal do promitente comprador, de consentir na celebração da escritura definitiva, para o pagamento do preço. A prestação de pagar o preço, via de regra, é positiva, líquida e a termo, o que, na forma do art. 397 do CC, torna a mora ex re, independentemente de qualquer notificação ou interpelação. Vigora o aforismo dies interpellat pro omine, razão pela qual a multa e os juros moratórios são devidos desde o vencimento da dívida. Para cobrar as parcelas do preço, não há necessidade de qualquer interpelação ou notificação ao devedor. Mais de uma vez julgou o STJ que ‘para a simples cobrança das prestações inadimplidas, é desnecessária a interpelação judicial prevista no art. 1o do DL n. 745, de 1969, só exigível quando se quer rescindir o contrato. Recurso especial não conhecido’ (REsp n. 480.435/RJ). É por isso que ‘para a simples cobrança das prestações, a citação faz as vezes da interpelação prevista no DL n. 745, de 07.08.69’ (REsp n. 109.716/SP).

[…]

Como o exercício do direito de resolução supõe e requer uma manifestação de vontade unilateral do contratante lesado, com o propósito de formar ou extinguir relações jurídicas concretas, a doutrina mais moderna o tem tratado como direito potestativo. Fala-se, assim, em direito formativo (porque transforma um estado jurídico) extintivo (porque essa transformação desfaz a eficácia jurídica já produzida) (aguiar júnior, Ruy Rosado. Extinção dos contratos por incumprimen-to do devedor – resolução. 2. ed. atualizada. Rio de Janeiro, Aide, 2003, p. 26). Ao contrário do que afirmam alguns doutrinadores, a cláusula resolutiva expressa não se confunde com a condição resolutiva. No dizer de Pontes de Miranda, não se pode elevar o inadimplemento a uma condição, em sentido técnico. Na verdade, o inadimplemento faz apenas nascer ao credor o direito formativo à resolução. A condição seria, então, o exercício desse direito pelo credor, o que é inadmissível (pontes de miranda. Tratado de direito privado. RT, 1984, t. XXV, p. 338). Em termos diversos, ocorrendo o inadimplemento do promitente comprador, o contrato não se encontra extinto, mas nasce para o promitente vendedor a opção entre cobrar o preço ou resolver o contrato. A notificação, assim, não serve para constituir o promitente comprador em mora, mas sim para convertê-la em inadimplemento absoluto e, com isso, abrir caminho para o exercício do direito potestativo de resolução. Tanto isso é verdade que o pagamento das parcelas fora da data aprazada, mas antes da interpelação, certamente será acrescido dos juros e multa moratórios (azevedo jú­ nior, José Osório de. ‘Compromisso de Compra e Venda’. In: cahali, Youssef (coord.). Contratos nominados: doutrina e jurisprudência. São Pau-lo, Saraiva, 1995, p. 286)

434
Q

Em caso de inadimplemento, qual a vantagem de o promitente vendedor executar a prestação em vez de ajuizar ação de resolução contratual?

A

Em razão do inadimplemento da obrigação do pagamento do preço, abre-se ao promitente vendedor obrigação alternativa: ou executa a prestação ou pede a resolução do contrato. Os efeitos econômicos são radicalmente distintos, inclusive no caso de arrematação por terceiro, pelo próprio exequente, ou de adjudicação. Isso porque não há, em tal hipótese, devolução das parcelas pagas pelo promitente comprador, não incidindo as normas cogentes do art. 53 do CDC e do art. 413 do CC, impeditivos ou limitativos das cláusulas de perdimento, ou de decaimento. Como decidiu em data recente o TJSP, a unidade autônoma não retorna às mãos do credor, diante da ilegalidade da incidência da cláusula comissória. O credor apenas promove a excussão do imóvel, vendendo-o em hasta pública. Se o preço apurado for superior ao crédito, a sobra é devolvida ao devedor; se inferior, remanesce crédito a ser executado (TJSP, AI n. 455.955-4/8-00, 4a Câm. de Dir. Priv., j. 29.06.2006).

435
Q

Qual a consequência para o promitente-vendedor de lote o fato de ainda não ter sido registrado no Registro Imobiliário o loteamento sobre o qual se localiza o bem alienado?

A

No regime dos imóveis loteados (art. 38 da Lei n. 6.766/79) cabe lembrar que o preço do imóvel somente é exigível se o loteamento se encontrar devidamente registrado e com as obras de infraestrutura concluídas dentro do prazo legal. Como decidiu recentemente o TJSP, ‘a Lei n. 6.766\79, que trata do parcelamento do solo urbano, exige que o projeto de loteamento seja aprovado e submetido a registro junto ao Oficial de Registro Imobiliário, acompanhado dos documentos elencados no art. 18. Entre esses documentos, figura o comprovante da aprovação de cronograma das obras de infraestrutura, com a duração máxima de 4 (quatro) anos’ (TJSP, Ap. Cível n. 501.986.4/6-00, 4a Câm. de Dir. Priv., j. 29.11.2007). É uma espécie de exceptio non adimpleti contractus de ordem pública, que permite ao promissário comprador sustar o pagamento do preço, e ao juiz conhecer de ofício da matéria. Pode-se dizer que a regularidade do empreendimento constitui pressuposto para o válido desenvolvimento do processo, de modo que pode o juiz, já no despacho inicial, determinar ao autor que junte certidão atualizada comprovando o registro do loteamento e, se for o caso, a averbação da conclusão das obras de infraestrutura.

436
Q

A falta de interpeção extrajudicial pode ser superada para se evitar a extinção do processo sem resolução do mérito caso seja evidente a ausência de disposição do devedor em quitar o débito?

A

A notificação pode ser judicial ou extrajudicial. Já se admitiu inclusive a notificação por simples carta com aviso de recebimento, desde que resulte inequívoco que o devedor tomou conhecimento do ato (TJSP, Ap. Cível n. 497.173.4/4-00, 4a Câm. de Dir. Priv., j. 25.05.1997). Não se aceitam, porém, simples convites para comparecimento à sede da credora, ou meras cartas ou avisos de cobrança, sem a ressalva expressa da finalidade de conversão da mora em inadimplemento absoluto (TJSP, Ap. Cível n. 337.153.4/5-00, 4a Câm. de Dir. Priv., j. 09.03.2006). Encontra-se em plena vigência a Súmula n. 76 do STJ: ‘A falta de registro do compromisso de compra e venda de imóvel não dispensa a prévia interpelação para constituir em mora o devedor’. Em determinados casos, quando litigam as partes em ação diversa – consignção em pagamento, anulatória de cláusula con-tratual, inexigibilidade de crédito – e resulta claro que o promitente comprador não deseja purgar a mora, mas discutir ou negar a dívida, a notificação perde sua finalidade e pode ser dispensada. Nos demais casos, a ausência de notificação leva à carência da ação de resolução do contrato, por falta de inadimplemento absoluto.

437
Q

A resolução do contrato por inadimplemento depende de intervenção judicial (ação de resolução contratual) ou, decorrido o prazo de purgação da mora, opera extrajudicialidade?

A

Em relação a tal ponto, houve relevante alteração no ano de 2015. O art. 62 da Lei n. 13.097, de 19.01.2015, alterou o modo de resolução dos contratos de compromisso de compra e venda de imóveis não loteados.

Dispõe a nova lei que nos contratos a que se refere o art. 22 do DL n. 58, de 10.12.1937 (imóveis não loteados e loteamentos rurais), ainda que não tenham sido registrados no Cartório de Registro de Imóveis competente, o inadimplemen-to absoluto do promissário comprador só se caracterizará se, interpelado por via judicial ou por intermédio de cartório de Registro de Títulos e Documentos, deixar de purgar a mora, no prazo de quinze dias contados do recebimento da interpelação.

E arremata a nova lei: nos contratos nos quais conste cláusula resolutiva expressa, a resolução por inadimplemento do promissário comprador se operará de pleno direito (art. 474 do CC), desde que decorrido o prazo previsto na interpelação referida no caput, sem purga da mora.

A regra acima alterou profundamente o entendimento até então amplamente majoritário. Havia entendimento sedimentado no sentido de que ainda na presença de cláusula resolutiva expressa, não poderia a estipulação persistir, à luz do art. 1o do DL n. 745/69, que alterou o art. 22 do DL n. 58/37, norma de natureza cogente. A resolução dependia de reconhecimento judicial, e o pedido de reintegração de posse era cumulativo e sucessivo. Em termos diversos, a reintegração pressupunha necessariamente a resolução do contrato e dela era consequência.

Embora houvesse a existência de alguma vacilação jurisprudencial, o entendimento predominante do STJ era no sentido de se exigir a prévia resolução do contrato e a consequente reintegração de posse, como pedido sucessivo. Nesse sen-tido, assentou o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira julgado com a seguinte ementa: ‘I – A cláusula de resolução expressa, por inadimplemento, não afasta a necessidade da manifestação judicial para verificação dos pressupostos que justificam a resolução do contrato de promessa de compra e venda de imóvel. II – A ação possessória não se presta à recuperação da posse, sem que antes tenha havido a rescisão (rectius, resolução) do contrato. Destarte, inadmissível a concessão de liminar reintegratória em ação de rescisão de contrato de compra e venda de imóvel’ (REsp n. 204.246/MG).

Seguiu tal julgado a esteira de anterior precedente do STJ, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, no REsp n. 237.539/SP, nestes termos: ‘Logo, o litígio há de ser solucionado em juízo, e no processo será apreciada não apenas a existência da cláusula, mas também a verificação das circunstâncias que justifiquem a resolução do contrato, pois bem pode acontecer que o inadimplemento não tenha a gravidade suficiente para extinguir o contrato. Com isso quero dizer que a cláusula de resolução expressa não afasta, em princípio, a necessidade da manifestação judicial, para verificação dos pressupostos que justificam a cláusula de resolução. A própria lei já tratou de flexibilizar o sistema do Código ao exigir a notificação prévia (art. 1o do DL n. 745⁄69), a mostrar que as relações envolvendo a compra e venda de imóveis, especialmente em situação como a dos autos, de conjunto habitacional para população de baixa renda, exigem tratamento diferenciado, com notifica-ção prévia e apreciação em concreto das circuns-tâncias que justificam a extinção do contrato, atendendo ao seu fim social. No sistema brasileiro, a regra é que a resolução ocorra em juízo, uma vez que somente ali poderá ser examinada a de-fesa do promissário, fundada, entre outras cau-sas, em fato superveniente e no adimplemento substancial, as quais, se presentes, impediriam a extinção do contrato’.

O novo regime legal, acima mencionado, agora permite a resolução de pleno direito do contrato, sem intervenção judicial. Há necessidade, no entanto, de o contrato prever cláusula resolutória expressa, que nunca se presume. Indispensável, ainda, a notificação judicial ou pelo oficial de títulos e documentos, com a finalidade de converter a mora em inadimplemento absoluto, com a consequente resolução de pleno direito.

O art. 62 da Lei n. 13.097/2015 regula o modo de extinção do contrato de compromisso de compra e venda de imóvel não loteado. Trata-se de regra de direito material, que somente alcança os contratos celebrados após a sua vigência. Os contratos celebrados no regime da lei anterior são atos jurídicos perfeitos e geram direito adquirido, de modo que não podem ser atingidos pela alteração superveniente da lei, no que se refere ao modo de extinção por inadimplemento.

O art. 62 da Lei n. 13.097/2015 deve ser compatibilizado com as normas cogentes do CDC. O art. 51, XI, do CDC diz ser abusiva a cláusula que autoriza o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direito seja conferido ao consumidor. Disso decorre que nas relações de consumo o contrato de compromisso de venda e compra deverá conter também cláusula resolutória expressa na hipótese de inadimplemento das prestações devidas pelo promitente vendedor, pena de abusividade e nulidade absoluta.

Não fosse suficiente, o art. 53 do CDC, ao tratar especificamente dos contratos de compra e venda de bens móveis e imóveis com pagamento diferido no tempo, menciona que credor pode pleitear a resolução do contrato, o que pressupõe sentença judicial. A situação jurídica de consumo, regulada por lei protetiva especial, não foi alterada pela mudança da norma geral que trata da resolução de contratos de compromisso de compra e venda.

Em suma, a nova Lei n. 13.097/2015 se aplica somente aos contratos celebrados após a sua vigência e não regulados pelo CDC.

No que se refere aos imóveis loteados, o art. 32 da Lei n. 6.766/79 dispõe que no caso de inadimplemento de qualquer das parcelas do preço, após interpelação dos compromissários compradores, o contrato estará automaticamente resolvido, com cancelamento do registro imobiliário, e a posse do compromissário comprador se tornará injusta, em razão da precariedade, cabendo a reintegração de posse do imóvel. Apesar do expresso texto de lei, parece melhor exigir-se a resolução judicial do contrato. As razões dessa equiparação são expostas com clareza por José Osório de Azevedo Júnior: a) inadimplemento absoluto ou relativo pressupõe culpa do devedor, sem o que é mero retardamento, e envolve o exame de matéria de fato, insuscetível de análise pelo registrador, sem prévio contraditório; b) se a resolução de compromisso de imóvel não loteado exige pronunciamento judicial, seria um contrassenso que no caso de imóvel loteado, em que há maior disparidade de forças, dispensasse-se a intervenção do Poder Judiciário; c) se a resolução opera com força ex tunc, devem retornar as partes ao status quo ante e seria impossível, na esfera administrativa, o Oficial do Registro Imobiliário apurar o quantum do preço devolvido, além de indenizações por acessões e benfeitorias (azevedo júnior, José Osório de. Com-promisso de compra e venda. 3.ed. São Paulo, Ma-lheiros, p. 112/114). Embora a jurisprudência colecione precedentes em ambos os sentidos, recente julgado do TJSP assentou o seguinte: ‘Compromisso de Compra e venda. Imóvel loteado. Inadimplemento do compromissário comprador. Resolução extrajudicial do contrato, com fundamento no art. 32 da Lei n. 6.766/79. Ajuizamento de ação de reintegração de posse com pedido de concessão de liminar. Impossibilidade sem prévia resolução judicial do contrato. Extensão aos imóveis loteados do regime resolutó,rio dos imóveis não loteados. Indeferimento da liminar mantida. Recurso não provido’ (AI n. 422.973.4/1-00, j. 24.11.2005).

438
Q

Em contratos de compromisso de compra e venda de longa duração, pode o comprador, em caso de alteração de sua condição econômica, pleitera a resilição do negócio?

A

O retorno ao estado anterior decorrente da natureza da resolução, com composição de perdas e danos, levou à interessante situação, na qual o promitente comprador que deixou de pagar as parcelas do preço tem interesse em postular a extinção do contrato, para reaver ao menos parte do valor já pago. Como explica o autorizado Ruy Rosado de Aguiar Júnior, ‘o devedor pode propor a demanda quando fundamentar o pedido na superveniente modificação das circunstâncias, com alteração da base objetiva do negócio. É o que tem sido feito com muita intensidade relativamente a contratos de longa duração para aquisição de unidades habitacionais, em que os compradores alegam a insuportabilidade das prestações reajustadas por índices superiores aos adotados para a atualização dos salários’ (Extinção dos con-tratos por incumprimento do devedor. 2. ed. Rio de Janeiro, Aide, p.165).

O STJ, em dezenas de julgados, assentou admitir-se ‘a possibilidade de resilição do compromisso de compra e venda por iniciativa do devedor, se este não mais reúne condições econômicas para suportar o pagamento das prestações avençadas com a empresa vendedora do imóvel’ (EREsp n. 59.870/SP, rel. Min. Barros Monteiro, DJU 09.12.2002; REsp n. 78.221/SP, rel Min. Aldir Pas-sarinho Júnior, j. 26.08.2003, DJ 29.09.2003 p. 253, muitos outros).

A posição, que se encontrava absolutamente sedimentada nos tribunais, teve recente revés. Julgado do STJ criou limitação temporal ao direito do promitente comprador pedir a resolução do contrato por impossibilidade superveniente. Entendeu que a iniciativa somente pode ser tomada pelo adquirente até a entrega das chaves ou imissão na posse do imóvel (REsp n. 476.780/MG, rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, j. 11.06.2008).

Constam do corpo do aresto as seguintes passagens, para justificar a limitação temporal do pedido de resolução: ‘deve haver, evidentemente, um limite fático-temporal para o exercício deste direito reconhecido na situação em que, diversamente do comum dos casos, ele é investido na posse do imóvel e passa a ocupá-lo ou alugá-lo a terceiros, transformando o apartamento, que era novo, em usado, iniciando o desgaste que ocorre com a ocupação, alterando o valor comercial do bem, que naturalmente, quando vendido na denominada 1a locação, tem maior valia’.

E arremata o julgado: ‘se a desistência unilateral pelo comprador puder ser postergada para além da ocupação do imóvel, isso ameaça a integridade de obras futuras, posto que um capital disponibilizado para um empreendimento seguinte, já em andamento, sofrerá corte pela restituição que se imporá ante a desconstituição de uma venda implementada em todos os sentidos, notadamente pela entrega e ocupação do imóvel, que passa de novo a usado’.

A crítica que se faz à recente alteração de posicionamento é que, na verdade, a justificativa do pedido de resolução por iniciativa do adquirente nunca foi o simples arrependimento, pois o contrato é irretratável, mas sim a impossibilidade superveniente de arcar com o pagamento do preço. O inadimplemento fatalmente ocorrerá, com a resolução do contrato ou a execução do preço, e a consequência prática da alteração é apenas impedir a iniciativa do adquirente, após a imissão na posse.

Parece mais razoável, ao invés de limitar a iniciativa do pedido de resolução no tempo, limitando-a à data da imissão na posse, exigir prova da impossibilidade superveniente do promitente comprador e dosar com rigor as perdas e danos sofridas pelo promitente vendedor com a utilização e depreciação do imóvel pelo adquirente. Constata-se que em sede de cumprimento de sentença de muitos julgados, as perdas e danos do promitente vendedor foram subestimados, de modo que o valor a restituir, muitas vezes, iguala-se ou mesmo supera o valor atual e depreciado do imóvel. A correção de tal distorção não se dá pela limitação da iniciativa do pedido de resolução, mas sim pelo cálculo cuidadoso das perdas e danos sofridos pelo promitente vendedor, a serem compensados com a devolução de parcelas do preço, especialmente determinando valor de mercado de retribuição pelo uso do imóvel, com termo inicial na data da ocupação.

Tem o juiz a delicada tarefa de calibrar a cláusula penal, tornando-a proporcional aos reais prejuízos do promitente vendedor. Deve levar em conta, assim, as despesas administrativas, fiscais e com intermediação da venda frustrada por circunstância superveniente imputável aos adquirentes. Não se pode esquecer de eventual depreciação, ou mesmo de valorização do imóvel, para chegar ao justo montante das perdas e danos. Deve levar em conta, sobretudo, eventual período de ocupação do imóvel pelo promitente comprador, desde a entrega da posse direta até a efetiva devolução das chaves ao promitente vendedor. Note-se que a indenização pela ocupação, ao contrário do que se vê em muitos julgados, deve ter termo inicial na data da imissão da posse, e não na data do inadimplemento, sem o que não haveria efetivo retorno das partes ao estado anterior, diante do enriquecimento sem causa do promitente comprador, que ocuparia gratuitamente o imóvel durante certo lapso de tempo. Todas essas verbas devem ser compensadas com a devolução das parcelas do preço pagas. Em certos casos, mesmo a perda integral das parcelas do preço não será suficiente para cobrir os danos da parte inocente do contrato.

439
Q

É válida a cláusula que prevê como parâmetro para multa percentual sobre o valor do imóvel?

A

No que se refere às arras, ou sinal, é entendimento corrente do STJ que ‘compreendem-se no percentual a ser devolvido ao promitente comprador todos os valores pagos à construtora, inclusive as arras’ (REsp n. 355.818/MG, rel. Min. Aldir Passarinho Júnior; REsp n. 23.118/MG, rel. Min. Nancy Andrighi; REsp n. 257.582/PR, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar). Entender o contrário seria, por via oblíqua, consagrar o enriquecimento sem causa do promitente vendedor, em frontal vulneração ao princípio cogente do equilíbrio contratual, especialmente quando se trate de arras confirmatórias. Também se entende ‘abusiva a cláusula que fixa a multa pelo descumprimento do contrato com base não no valor das prestações pagas, mas no valor do imóvel, onerando demasiadamente o devedor’ (Ag. Reg. nos Emb. Decl. no AI n. 664744/MG, rel. Min. Sidnei Be-neti, j. 26.08.2008)

[…]

A recente Lei n. 13.786/2018 introduziu relevantes alterações nos contratos de compromisso de compra e venda de imóveis loteados (Lei n. 6.766/79) e em incorporação imobiliária (Lei n. 4.591/64), no que se refere aos efeitos dos distratos e da resolução por inadimplemento absoluto dos promitentes vendedores e dos promissários compradores. A primeira observação é no sentido de que a alteração legislativa não alcança os contratos de compromissos de compra e venda de imóveis não loteados, regidos pelo DL n. 58/37. Somente os contratos celebrados entre loteador/incorporador e promissários compradores são objeto da alteração legislativa. A segunda observação é que as alterações somente se aplicam aos contratos novos, celebrados após 27.12.2018, pois dizem respeito a normas de direito material, devendo, por consequência, respeitar os atos jurídicos perfeitos.

A nova lei trata fundamentalmente de regular os efeitos da resolução e da resilição dos contratos de imóveis incorporados/loteados, sob o argumento de fazer cessar a insegurança jurídica. Na verdade, os efeitos da extinção dos contratos, em especial a redução das cláusulas penais, já se encontravam pacificadas pelos tribunais, embora a solução não agradasse os empreendedores. O que fez a lei foi tarifar as cláusulas de decaimento, ou de perdimento, em percentuais favoráveis aos fornecedores, alterando o entendimento jurisprudencial dominante. Cuida-se, em termos dogmáticos, de grave involução, pois faz retroceder em quase quarenta anos o entendimento doutrinário e jurisprudencial pacífico da possibilidade de redução da cláusula penal, se constatado o seu manifesto excesso em cotejo com os danos sofridos pelo credor (art. 413 do CC e art. 53 do CDC).

Lei n. 6.766, de 19 de dezembro de 1979:

“Art. 32-A. Em caso de resolução contratual por fato imputado ao adquirente, respeitado o disposto no § 2º deste artigo, deverão ser restituídos os valores pagos por ele, atualizados com base no índice contratualmente estabelecido para a correção monetária das parcelas do preço do imóvel, podendo ser descontados dos valores pagos os seguintes itens:

I - os valores correspondentes à eventual fruição do imóvel, até o equivalente a 0,75% (setenta e cinco centésimos por cento) sobre o valor atualizado do contrato, cujo prazo será contado a partir da data da transmissão da posse do imóvel ao adquirente até sua restituição ao loteador;

II - o montante devido por cláusula penal e despesas administrativas, inclusive arras ou sinal, limitado a um desconto de 10% (dez por cento) do valor atualizado do contrato;

III - os encargos moratórios relativos às prestações pagas em atraso pelo adquirente;

IV - os débitos de impostos sobre a propriedade predial e territorial urbana, contribuições condominiais, associativas ou outras de igual natureza que sejam a estas equiparadas e tarifas vinculadas ao lote, bem como tributos, custas e emolumentos incidentes sobre a restituição e/ou rescisão;

V - a comissão de corretagem, desde que integrada ao preço do lote.

§ 1º O pagamento da restituição ocorrerá em até 12 (doze) parcelas mensais, com início após o seguinte prazo de carência:

I - em loteamentos com obras em andamento: no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias após o prazo previsto em contrato para conclusão das obras;

II - em loteamentos com obras concluídas: no prazo máximo de 12 (doze) meses após a formalização da rescisão contratual.

§ 2º Somente será efetuado registro do contrato de nova venda se for comprovado o início da restituição do valor pago pelo vendedor ao titular do registro cancelado na forma e condições pactuadas no distrato, dispensada essa comprovação nos casos em que o adquirente não for localizado ou não tiver se manifestado, nos termos do art. 32 desta Lei.

§ 3º O procedimento previsto neste artigo não se aplica aos contratos e escrituras de compra e venda de lote sob a modalidade de alienação fiduciária nos termos da Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1997 .”

Leis n º 4.591, de 16 de dezembro de 1964:

“Art. 67-A . Em caso de desfazimento do contrato celebrado exclusivamente com o incorporador, mediante distrato ou resolução por inadimplemento absoluto de obrigação do adquirente, este fará jus à restituição das quantias que houver pago diretamente ao incorporador, atualizadas com base no índice contratualmente estabelecido para a correção monetária das parcelas do preço do imóvel, delas deduzidas, cumulativamente:

I - a integralidade da comissão de corretagem;

II - a pena convencional, que não poderá exceder a 25% (vinte e cinco por cento) da quantia paga.

§ 1º Para exigir a pena convencional, não é necessário que o incorporador alegue prejuízo.

§ 2º Em função do período em que teve disponibilizada a unidade imobiliária, responde ainda o adquirente, em caso de resolução ou de distrato, sem prejuízo do disposto no caput e no § 1º deste artigo, pelos seguintes valores:

I - quantias correspondentes aos impostos reais incidentes sobre o imóvel;

II - cotas de condomínio e contribuições devidas a associações de moradores;

III - valor correspondente à fruição do imóvel, equivalente à 0,5% (cinco décimos por cento) sobre o valor atualizado do contrato, pro rata die ;

IV - demais encargos incidentes sobre o imóvel e despesas previstas no contrato.

§ 3º Os débitos do adquirente correspondentes às deduções de que trata o § 2º deste artigo poderão ser pagos mediante compensação com a quantia a ser restituída.

§ 4º Os descontos e as retenções de que trata este artigo, após o desfazimento do contrato, estão limitados aos valores efetivamente pagos pelo adquirente, salvo em relação às quantias relativas à fruição do imóvel.

§ 5º Quando a incorporação estiver submetida ao regime do patrimônio de afetação, de que tratam os arts. 31-A a 31-F desta Lei, o incorporador restituirá os valores pagos pelo adquirente, deduzidos os valores descritos neste artigo e atualizados com base no índice contratualmente estabelecido para a correção monetária das parcelas do preço do imóvel, no prazo máximo de 30 (trinta) dias após o habite-se ou documento equivalente expedido pelo órgão público municipal competente, admitindo­se, nessa hipótese, que a pena referida no inciso II do caput deste artigo seja estabelecida até o limite de 50% (cinquenta por cento) da quantia paga.

§ 6º Caso a incorporação não esteja submetida ao regime do patrimônio de afetação de que trata a Lei nº 10.931, de 2 de agosto de 2004 , e após as deduções a que se referem os parágrafos anteriores, se houver remanescente a ser ressarcido ao adquirente, o pagamento será realizado em parcela única, após o prazo de 180 (cento e oitenta) dias, contado da data do desfazimento do contrato.

§ 7º Caso ocorra a revenda da unidade antes de transcorrido o prazo a que se referem os §§ 5º ou 6º deste artigo, o valor remanescente devido ao adquirente será pago em até 30 (trinta) dias da revenda.

§ 8º O valor remanescente a ser pago ao adquirente nos termos do § 7º deste artigo deve ser atualizado com base no índice contratualmente estabelecido para a correção monetária das parcelas do preço do imóvel.

§ 9º Não incidirá a cláusula penal contratualmente prevista na hipótese de o adquirente que der causa ao desfazimento do contrato encontrar comprador substituto que o sub-rogue nos direitos e obrigações originalmente assumidos, desde que haja a devida anuência do incorporador e a aprovação dos cadastros e da capacidade financeira e econômica do comprador substituto.

[…]

440
Q

Quais são os dois principais efeitos dos direitos reais de gatantia?

A

Art. 1.419. Nas dívidas garantidas por penhor, anticrese ou hipoteca, o bem dado em garantia fica sujeito, por vínculo real, ao cumprimento da obrigação.

Comentários:

Os dois principais efeitos dos direitos reais de garantia são preferência (salvo quanto à anticrese) e sequela. O dispositivo em estudo trata da sequela e destaca o bem ficar sujeito por vínculo real ao cumprimento da obrigação. Isso quer dizer a garantia real aderir ao bem e o acompanhar independente de seu titular. O bem, embora alienado a terceiros, continua afetado ao cumprimento da obrigação, diante da oponibilidade geral do direito real. Essa oponibilidade autoriza o credor munido de garantia real a perseguir a coisa em poder de quem se encontre.

441
Q

No caso de resolução de contrato de compra e venda, é cabível indenização por acessões irregulares promovidas pelo promitente comprador?

A

A cláusula que determina a perda das acessões e benfeitorias erigidas pelo promitente comprador segue o mesmo regime jurídico acima referido. Tem, sem dúvida, a natureza de cláusula penal compensatória, sujeita, portanto, ao regime do art. 413 do CC. O art. 34 da Lei n. 6.766/79, norma cogente aplicável aos imóveis loteados, dispõe serem indenizáveis as benfeitorias necessárias e úteis levadas a efeito pelo adquirente. Apenas diz não serem indenizáveis as benfeitorias erigidas em desacordo com o contrato ou com a lei. Não há como acolher, porém, a tese de que a acessão não é indenizável, porque clandestina e irregular junto a órgãos municipais. O que menciona o art. 34, parágrafo único, da Lei n. 6.766/79, não é a aprovação da construção, mas sim que esteja esta de acordo com a lei. Entender o contrário significaria que a construção irregular na esfera administrativa, mas com inegável valor de mercado, seria adquirida a título gratuito pelo promitente vendedor, em manifesto enriquecimento sem causa. Claro que as despesas correspondentes à regularização do imóvel deverão ser abatidas da indenização, como decidiu o TJSP, em caso recente (TJSP, Ap. Cível n. 425.300.4/3-00, 4a Câm. de Dir. Priv., j. 01.03.2007).

JURIS:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RESOLUÇÃO CONTRATUAL C/C REINTEGRAÇÃO DE POSSE E INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE LOTE. ACESSÃO ARTIFICIAL POR CONSTRUÇÃO. DIREITO DO PROMISSÁRIO COMPRADOR À INDENIZAÇÃO E À RETENÇÃO. ANÁLISE DA REGULARIDADE DA EDIFICAÇÃO. JULGAMENTO: CPC/73.
1. Ação de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel c/c reintegração de posse e indenização por perdas e danos, ajuizada em 02/05/2012, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 10/11/2015 e concluso ao gabinete em 14/12/2016.
2. O propósito recursal é dizer sobre a obrigação do promitente vendedor de indenizar a construção realizada pelos promissários compradores no lote objeto de contrato de promessa de compra e venda cuja resolução foi decretada; bem como sobre a compensação dos honorários advocatícios arbitrados na origem, diante da sucumbência recíproca das partes.
3. O art. 34 da Lei 6.766/79 prevê o direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis levadas a efeito no lote, na hipótese de rescisão contratual por inadimplemento do adquirente, regra essa aplicada também às acessões (art. 1.255 do CC/02), mas o legislador, no parágrafo único do mesmo dispositivo legal, fez a ressalva de que não serão indenizadas as benfeitorias - ou acessões - feitas em desconformidade com o contrato ou com a lei.
4. A edificação realizada sem a prévia licença para construir é tida como clandestina, configurando atividade ilícita e, portanto, sujeitando o responsável às sanções administrativas de multa, embargo ou demolição.
5. Se, perante o Poder Público, o promissário comprador responde pelas sanções administrativas impostas em decorrência da construção clandestina, não é razoável que, entre os particulares, recaia sobre o promitente vendedor o risco quanto à (ir)regularidade da edificação efetivada por aquele. 6. O promissário comprador faz jus à indenização pela acessão por ele levada a efeito no lote, desde que comprovada a regularidade da obra que realizou ou demonstrado que a irregularidade eventualmente encontrada é sanável.
7. Recurso especial conhecido e parcialmente provido.
(REsp 1643771/PR, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/06/2019, DJe 21/06/2019)

442
Q

Estando em curso contrato de alienação fiduciária, é possível a constituição concomitante de nova garantia fiduciária?

A

Enunciado 506 das Jornadas: Estando em curso contrato de alienação fiduciária, é possível a constituição concomitante de nova garantia fiduciária sobre o mesmo bem imóvel, que, entretanto, incidirá sobre a respectiva propriedade superveniente que o fiduciante vier a readquirir, quando do implemento da condição a que estiver subordinada a primeira garantia fiduciária; a nova garantia poderá ser registrada na data em que convencionada e será eficaz desde a data do registro, produzindo efeito ex tunc.

442
Q
A
442
Q
A
443
Q

A alienação de coisa dada em garantia deve ser feita sempre em hasta pública?

A

Art. 1.422. O credor hipotecário e o pignoratício têm o direito de excutir a coisa hipotecada ou empenhada, e preferir, no pagamento, a outros credores, observada, quanto à hipoteca, a prioridade no registro.

Parágrafo único. Excetuam-se da regra estabelecida neste artigo as dívidas que, em virtude de outras leis, devam ser pagas precipuamente a quaisquer outros créditos.

Comentários:

[…]

O direito do credor se circunscreve a executar a garantia. Ressalte-se nem sempre a alienação da coisa dada em garantia ser feita em hasta pública. Diversos dispositivos do próprio CC (penhor, art. 1.433, IV; propriedade fiduciária, art. 1.364) e de leis especiais (Lei n. 9.514/97, art. 27, propriedade fiduciária sobre bens imóveis) autorizam a alienação extrajudicial dos bens dados em garantia. Afora os casos previstos em lei, a excussão é feita em hasta pública.

Em certos casos vai a lei mais longe, admitindo a alienação do bem dado em garantia em leilão extrajudicial, sem qualquer ajuizamento prévio de ação de execução. É o caso do DL n. 70/66, que disciplina a execução de imóveis vinculados ao SFH. Duvidosa a constitucionalidade da execução extrajudicial, por ofensa aos princípios do devido processo legal e da ampla defesa. Após grande controvérsia nos tribunais inferiores, o STF fixou que a CF de 1988 recepcionou o DL n. 70/66, não se chocando com os preceitos dos in-cisos XXXV, LIV e LV do art. 5o, pois ao devedor está aberta a possibilidade de recorrer ao Poder Judiciário, questionando a exigibilidade da dívida ou a correção formal do procedimento de alienação do imóvel pelo credor (entre outros, RE ns. 148.872, 223.075 e 240.361).

A polêmica se renova em razão do disposto no art. 66-B da Lei n. 4.728/65, com a redação dada pela Lei n. 10.931/2004. Dispõe o preceito poder o credor fiduciário promover a venda do bem fungível dado em garantia, independente de prévio pronunciamento judicial, com posterior prestação de contas ao devedor.

O art. 3o, § 1o, do DL n. 911/69, com a redação dada pela Lei n. 10.931/2004, dispõe a propriedade do bem já se consolidar nas mãos do credor após cinco dias da apreensão, independentemente de sentença, que pode expedir novo documento e efetuar sua alienação extrajudicial. Resta saber como os tribunais reagirão a essa venda antecipada previstas em lei. O STJ, em mais de uma oportunidade, fixou a venda antecipada de bens empenhados no regime do art. 41 do DL n. 167/67 somente se admitir nas hipóteses excepcionais dos arts. 670, 793 e 1.113 do CPC/73 (arts. 852, 853, 923 e 730 do CPC/2015) antes do julgamento dos embargos (STJ, REsp n. 38.781/ GO, rel. Min. Waldemar Zveiter; STJ, REsp n. 32.185/GO, rel. Min. Barros Monteiro).

444
Q

É possível haver mais de um penhor sobre um mesmo bem?

A

Art. 1.422. O credor hipotecário e o pignoratício têm o direito de excutir a coisa hipotecada ou empenhada, e preferir, no pagamento, a outros credores, observada, quanto à hipoteca, a prioridade no registro.

Parágrafo único. Excetuam-se da regra estabelecida neste artigo as dívidas que, em virtude de outras leis, devam ser pagas precipuamente a quaisquer outros créditos.

Comentários:

[…]

Determina a parte final do artigo em estudo se observar, quanto à hipoteca, a ordem do registro, pois nada impede que incidam várias hipotecas sobre o mesmo bem, como admite de modo explícito o art. 1.476, adiante estudado. Em tal caso, será estabelecida uma gradação de preferências, na ordem dos respectivos registros das hipotecas. Não contempla a lei a possibilidade de multiplicidades de penhores sobre o mesmo bem, pois não há como transmitir posse direta a maisde um credor. Os penhores especiais, por seu turno – rural, industrial e mercantil –, tornam o bem inalienável e, portanto, insuscetível de ser dado em garantia de segundo grau.

Art. 1.456. Se o mesmo crédito for objeto de vários penhores, só ao credor pignoratício, cujo direito prefira aos demais, o devedor deve pagar; responde por perdas e danos aos demais credores o credor preferente que, notificado por qualquer um deles, não promover oportunamente a cobrança.

Comentários:

Admite a lei multiplicidade de penhores sobre um mesmo crédito, porque não se cogita da transferência da posse sobre bens incorpóreos, o que inviabilizaria a existência de mais de um credor com garantia real sobre a mesma coisa. Não se aplica o preceito, todavia, à caução regulada no art. 1.458 comentado a seguir, na qual os direitos são representados por títulos de crédito, ou representados por instrumentos indispensáveis a seu exercício, caso em que a entrega se faz indispensável. A entrega constitutiva do título a um credor inviabiliza a constituição de nova garantia a outro.

Regula este artigo a concorrência de credores pignoratícios em relação a um mesmo crédito empenhado. Na lição de Antunes Varella, “como o penhor é, tipicamente, um direito real de garantia, fonte de preferência do respectivo titular sobre todos os demais credores, só ao credor cujo direito prefira a todos os outros se reconhece le-gitimidade para cobrar o crédito empenhado e gozar da sub-rogação real correspondente” (Das obrigações em geral, 6. ed. Coimbra, Almedina, 1995, v. II, p. 541).

A ordem de preferência entre diversos penhores se dá pelo critério cronológico de ingresso no Registro de Títulos e Documentos, ou nos registros especiais, em casos de cotas, ações e propriedade industrial, como Juntas Comerciais, Registros Civil de Pessoas Jurídicas, Inpi ou livros de registro de ações de sociedades anônimas. Isso porque, como acima visto, na impossibilidade de transferência da posse dos bens corpóreos empenhados o registro tem natureza constitutiva, convertendo mero direito de crédito em direito real.

No que se refere aos demais credores, com garantia de maior grau e pior prioridade, resta apenas a faculdade de compelirem o credor de melhor preferência a cobrar a dívida, sob pena de responder pelo prejuízo que causar aos demais em razão da demora, da prescrição ou superveniente insolvência do devedor primitivo. Nada impede, porém, que ajuízem as medidas judiciais cabíveis para a conservação e defesa do crédito empenhado, uma vez que apenas a cobrança é que está reservada para o credor munido de melhor preferência.

445
Q
A
446
Q

O registro é um requisito de validade do penhor?

A

Art. 1.432. O instrumento do penhor deverá ser levado a registro, por qualquer dos contratantes; o do penhor comum será registrado no Cartório de Títulos e Documentos.

Comentários:

O penhor comum se constitui pela efetiva entrega da posse do bem ao credor e ganha publicidade e oponibilidade contra terceiros com o registro no Oficial de Títulos e Documentos. Em termos diversos, o registro não é requisito de validade nem constitui o penhor comum. Apenas a eficácia do penhor é que está subordinada ao registro.

Independentemente do registro, pode o credor promover a excussão do bem empenhado no caso de inadimplemento da obrigação garantida. O privilégio em concurso de credores e a sequela, vale dizer, os efeitos que se produzem frente a terceiros é que estão subordinados ao registro. Os arts. 127, II, 144 e 145 da LRP (Lei n. 6.015/73) regulam o registro do penhor, que deve estar devidamente especializado, discriminando o bem empenhado, com quem se encontra a posse e todas as características da obrigação garantida.

Exige o penhor forma escrita, porque menciona este artigo o “instrumento do penhor”, título hábil a ingresso no Registro de Título e Documentos. Pode ser por instrumento público ou particular, mas ambos devem ser registrados, para ganhar eficácia erga omnes.

O registro dos penhores especiais, nos quais a posse dos bens empenhados permanece em poder do devedor, tem natureza e locais distintos. É constitutivo do direito real, porque supre ausência de publicidade da posse. É feito no registro imobiliário (penhores rural, industrial e mercantil) e no registro de títulos e documentos, anotado no certificado de propriedade do veículo (penhor sobre veículos).

447
Q

Em que consiste a anticrese?

A

Art. 1.423. O credor anticrético tem direito a reter em seu poder o bem, enquanto a dívida não for paga; extingue-se esse direito decorridos quinze anos da data de sua constituição.

Comentários:

O artigo em estudo dispõe o direito real de anticrese, de rara utilização, não ser dotado de excussão, mas apenas de sequela e faculdade de retenção sobre frutos e rendimentos do imóvel dado em garantia.

Guarda estreita relação com o art. 1.506, adiante comentado. O direito real de anticrese confere ao credor a faculdade de receber frutos e rendimentos de bem imóvel e compensá-los com a dívida garantida. Disso decorre o credor anticrético se pagar com os frutos e não com o preço da excussão.

448
Q

Admite-se a inserção de cláusula autorizando a venda amigável do bem dado em garantia em contrato de penhora?

A

Finalmente, admite a lei venda amigável do bem empenhado, desde que expressamente ajustada pelas partes. A convenção nesse sentido pode ser feita no momento da contratação do penhor, ou em momento posterior, antes ou depois do vencimento da obrigação. Exige-se apenas que a cláusula seja expressa, para afastar o modo normal de excussão, que é o judicial. Admite ainda a lei que a venda amigável seja autorizada por procuração com poderes especiais e expressos outorgados pelo devedor ao credor. Devem constar da procuração poderes especiais para alienar e expressos quanto ao bem que será alienado. O que não se admite é o comportamento do representante contrário ao interesse do representado, sob pena de invalidade da alienação (arts. 117 e 119 do CC). Isso significa que a alienação por preço vil, sem avaliação convencional e exata do bem empenhado ou sem conferir ao devedor a prerrogativa de acompanhar a venda, constitui situação ilícita no regime do CC, porque fere os princípios da boa-fé objetiva e do equilíbrio contratual e é abusiva no regime do CDC.

Em suma, a alienação amigável, via de regra imposta pelo credor ao devedor no momento da concessão do crédito, não pode se revestir de condições especialmente gravosas à parte mais frágil, amputando-lhe prerrogativas básicas, como a venda por preço mínimo e acompanhada pelo interessado. Há o correlato dever do credor de prestar contas ao devedor, com restituição do saldo, se houver. Evidente que a cláusula, ou poderes conferidos ao credor, para venda amigável, não lhe permite se apropriar do bem empenhado, sob pena de violação à proibição cogente da cláusula comissória. Como ressalta Caio Mário da Silva Pereira, “na hipótese de ser o credor autorizado a vender a coisa amigavelmente, não pode comprá-la para si mesmo, pois que uma tal operação envolveria o pacto comissório, vedado por lei. Promovendo, todavia, a excussão do penhor, nada impede a adjudicação na forma e nos termos do que prescreve a lei processual” (Instituições de direito civil, 18. ed. atualizada. Rio de Janeiro, Forense, 1995, v. IV, p. 343).

449
Q

O credor pignoratício pode apropriar-se dos frutos do bem dado em garantia?

A

Art. 1.433. O credor pignoratício tem direito:

V - a apropriar-se dos frutos da coisa empenhada que se encontra em seu poder;

Art. 1.435. O credor pignoratício é obrigado:

III - a imputar o valor dos frutos, de que se apropriar (art. 1.433, inciso V) nas despesas de guarda e conservação, nos juros e no capital da obrigação garantida, sucessivamente;

IV - a restituí-la, com os respectivos frutos e acessões, uma vez paga a dívida;

450
Q

Em que consiste o princípio da indivisibilidade da garantia?

A

Art. 1.434. O credor não pode ser constrangido a devolver a coisa empenhada, ou uma parte dela, antes de ser integralmente pago, podendo o juiz, a requerimento do proprietário, determinar que seja vendida apenas uma das coisas, ou parte da coisa empenhada, suficiente para o pagamento do credor.

Comentários:

[…]

Reproduz o preceito o princípio da indivisibilidade da garantia real (art. 1.421 do CC, já comentado), que recai sobre a totalidade dos bens empenhados e que os bens empenhados respondem pelo integral pagamento da dívida. Isso quer dizer que não tem o devedor, salvo convenção expressa no título, ou anuência do credor, o direito de obter a liberação parcial dos bens empenhados, proporcional aos pagamentos feitos.

Cria este artigo em sua parte final, porém, exceção relevante ao princípio da indivisibilidade, em atenção às cláusulas gerais do abuso de direito (art. 187 do CC), boa-fé objetiva (art. 422 do CC) e equilíbrio contratual. Dispõe que pode o juiz, provocado pelo dono dos bens empenhados, determinar a alienação de apenas uma das coisas, ou de parte dela, suficiente para o pagamento do credor. A regra está em consonância com o art. 620 do CPC/73 (art. 805 do CPC/2015), que determina que a execução se fará do meio menos gravoso para o devedor.

Art. 1.421. O pagamento de uma ou mais prestações da dívida não importa exoneração correspondente da garantia, ainda que esta compreenda vários bens, salvo disposição expressa no título ou na quitação.

451
Q

No penhor de direitos, o devedor é obrigado a entregar ao credor os documento comprobat´props desses direitos?

A

Art. 1.452. Constitui-se o penhor de direito mediante instrumento público ou particular, registrado no Registro de Títulos e Documentos.

Parágrafo único. O titular de direito empenhado deverá entregar ao credor pignoratício os documentos comprobatórios desse direito, salvo se tiver interesse legítimo em conservá-los.

Comentários:

Disciplina o requisito formal do penhor sobre direitos, sem prejuízo da observância da especialização da garantia real, prevista no art. 1.424, já comentado. O negócio jurídico do penhor é solene e exige a forma escrita, por instrumento público ou particular, para que se obtenha título apto a ingressar no Registro de Títulos e Documentos. O registro é constitutivo do direito real de penhor e não meramente publicitário, até porque não haverá tradição de créditos incorpóreos.

Note-se, porém, que a eficácia do direito real quanto ao devedor do crédito dado em garantia somente se dará quando for notificado ou tomar ciência da existência do penhor, como se verá no comentário ao artigo subsequente. Disso decorre que o simples registro, excepcionalmente, não basta para produzir todos os efeitos da garantia real em relação ao devedor.

[…]

Não se cogita de entrega do bem no penhor de créditos, por ausência de materialidade, caso em que a constituição do direito real está amparada somente no registro. No dizer de Orlando Gomes, fundado em lição de Pontes de Miranda, há, no caso, penhor de crédito stricto sensu. O direito à prestação do devedor é submetido à relação pignoratícia por seu valor patrimonial, sem coisa quem o represente (Direitos reais, 19. ed. Rio de Janeiro, Forense, 2004, p. 401).

Não se confunde tal modalidade com a caução de títulos de crédito. Na caução, os direitos são representados por títulos de crédito ou por instrumentos indispensáveis a seu exercício, caso em que a entrega se faz indispensável, como, de resto, prevê o art. 1.458, adiante comentado.

Ainda nos casos de penhores de créditos não instrumentalizados em títulos indispensáveis a seu exercício, o credor pignoratício tem o direito de receber os documentos comprobatórios desse direito para que possa melhor protegê-lo e cobrá-lo do devedor no momento do vencimento. Note-se que a entrega, em tal caso, não é constitutiva do direito real, mas apenas uma medida acessória que visa melhor assegurar o credor pignoratício. Ressalva a lei que o devedor pode reter os documentos, caso demonstre legítimo interesse em conservá-los.

452
Q

Qual a consequência da venda, pelo devedor pignoratício, do automóvel dado como penhor?

A

Art. 1.465. A alienação, ou a mudança, do veículo empenhado sem prévia comunicação ao credor importa no vencimento antecipado do crédito pignoratício.

Comentários:

Em razão da eficácia geral dos direitos reais de garantia e da prerrogativa da sequela, eventual alienação do veículo empenhado não produz efeitos em relação ao credor pignoratício. Ocorrendo o inadimplemento da obrigação garantida, pode perseguir o veículo em poder de quem quer que se encontre e promover sua excussão. Logo, a alienação do veículo empenhado é válida, apenas ineficaz em relação ao credor garantido.

Tanto a alienação como a mudança do veículo empenhado, porém, podem ocasionar maior risco de deterioração ou perda da garantia real. Por isso, cria a lei duas novas hipóteses de vencimento antecipado da obrigação garantida, que se somam às do art. 1.425, já comentado.

Evidente que somente se cogita de ineficácia da alienação do veículo empenhado se houve regular constituição do penhor, com registro no RTD e anotação no certificado de propriedade.

O termo alienação engloba todos os negócios de disposição do bem, onerosos ou gratuitos. O termo mudança provoca algumas dúvidas. A mudança pode ser de local onde se encontra o veículo empenhado ou de sua destinação. Somente importará o vencimento antecipado da obrigação se acarretar razoável aumento do risco de perda ou deterioração do bem empenhado, ou significativa dificuldade do credor promover a inspeção do objeto da garantia.

Art. 1.425. A dívida considera-se vencida:

I - se, deteriorando-se, ou depreciando-se o bem dado em segurança, desfalcar a garantia, e o devedor, intimado, não a reforçar ou substituir;

II - se o devedor cair em insolvência ou falir;

III - se as prestações não forem pontualmente pagas, toda vez que deste modo se achar estipulado o pagamento. Neste caso, o recebimento posterior da prestação atrasada importa renúncia do credor ao seu direito de execução imediata;

IV - se perecer o bem dado em garantia, e não for substituído;

V - se se desapropriar o bem dado em garantia, hipótese na qual se depositará a parte do preço que for necessária para o pagamento integral do credor.

§ 1 o Nos casos de perecimento da coisa dada em garantia, esta se sub-rogará na indenização do seguro, ou no ressarcimento do dano, em benefício do credor, a quem assistirá sobre ela preferência até seu completo reembolso.

§ 2 o Nos casos dos incisos IV e V, só se vencerá a hipoteca antes do prazo estipulado, se o perecimento, ou a desapropriação recair sobre o bem dado em garantia, e esta não abranger outras; subsistindo, no caso contrário, a dívida reduzida, com a respectiva garantia sobre os demais bens, não desapropriados ou destruídos.

453
Q

No penhor legal, o credor pode se apossar do bem mesmo que inexista perigo de inadimplência?

A

Art. 1.470. Os credores, compreendidos no art. 1.467, podem fazer efetivo o penhor, antes de recorrerem à autoridade judiciária, sempre que haja perigo na demora, dando aos devedores comprovante dos bens de que se apossarem.

Comentários:

A doutrina tradicional, amparada na lição de Clóvis Bevilaqua, entende que o penhor legal, independentemente do perigo da demora, se inicia com o apossamento dos bens pelo credor e se completa com a homologação judicial. Quando houver perigo na demora, pode ser iniciada desde logo a execução dos bens empenhados, sem se aguardar a homologação (Direito das coisas, Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1951, t. I, p. 68).

Parece, no entanto, preferível a interpretação que deram os autores mais modernos ao preceito, qual seja a de que o apossamento de bens por força própria do credor, sem intervenção judicial, somente é cabível quando houver perigo na demora. Caso não exista tal perigo, o credor deve pedir apossamento dos bens para constituição do penhor por ordem judicial (mamede, Glads-ton. Código Civil comentado. São Paulo, Atlas, 2003, v. XIV, p. 310-4).

Dito de outro modo, a autotutela somente se justifica em circunstâncias excepcionais, quando não haja outro meio para reparar a violação a direito subjetivo. A ausência de risco na demora das providências necessárias à constituição judicial do penhor é que autoriza que o credor primeiro aja e depois busque a chancela judicial de sua conduta.

É verdade que os arts. 874 a 876 do CPC/73 (arts. 703, 704 e 706 do CPC/2015) preveem apenas a homologação do penhor legal, cujo apossamento foi previamente consumado pelo credor. Tais preceitos se aplicam apenas aos casos de urgência, que não poderiam aguardar o ajuizamento da medida judicial correta para apossamentos dos bens móveis do devedor.

A novidade do CC está na parte final do artigo, que atribui ao credor que se apossou de bens do devedor para constituição do penhor legal o dever de lhe passar recibo. O recibo deve conter a relação dos bens apossados e, embora não diga a lei, o valor e a natureza do crédito, para que possa o devedor reclamar judicialmente do excesso de garantia, ou de sua ilegalidade.

Outro trecho: “O penhor legal, porém, somente existe quando constituído pelo credor, que, usando da faculdade que a lei lhe assegura, se apodera por força própria de certos bens móveis do devedor”.

454
Q

Quais direitos podem ser objeto de hipoteca?

A

Art. 1.473. Podem ser objeto de hipoteca:

I - os imóveis e os acessórios dos imóveis conjuntamente com eles;

II - o domínio direto;

III - o domínio útil;

IV - as estradas de ferro;

V - os recursos naturais a que se refere o art. 1.230, independentemente do solo onde se acham;

VI - os navios;

VII - as aeronaves.

VIII - o direito de uso especial para fins de moradia; (Incluído pela Lei nº 11.481, de 2007)

IX - o direito real de uso; (Incluído pela Lei nº 11.481, de 2007)

X - a propriedade superficiária . (Incluído pela Lei nº 11.481, de 2007)

§ 1º A hipoteca dos navios e das aeronaves reger-se-á pelo disposto em lei especial. (Renumerado do parágrafo único pela Lei nº 11.481, de 2007)

§ 2º Os direitos de garantia instituídos nas hipóteses dos incisos IX e X do caput deste artigo ficam limitados à duração da concessão ou direito de superfície, caso tenham sido transferidos por período determinado. (Incluído pela Lei nº 11.481, de 2007)

Comentários:

[…]

O artigo em estudo trata do objeto da hipoteca. Cada um dos sete incisos prevê um bem passível de hipoteca. A doutrina tradicional diz que o rol é taxativo. Nada impede, porém, ante a tipicidade elástica que a doutrina moderna confere aos direitos reais, que situações jurídicas não expressamente contempladas pelo legislador possam ser objeto de hipoteca, desde que plenamente compatíveis com a natureza do instituto. Embora polêmico o tema, esses são os casos do direito real de superfície e de promissário comprador com preço pago e título levado a registro.

O próprio legislador, na Lei n. 11.481/2007, incluiu no rol mais três casos de bens hipotecáveis (incisos VIII a X). A inclusão teve por escopo eliminar dúvidas da doutrina quanto à possibilidade de se hipotecar tais direitos reais que têm por objeto bens imóveis e são alienáveis a terceiros. Tais figuras, mesmo antes da reforma legislativa, já eram hipotecáveis. Embora não incluído no rol, é também hipotecável o direito de promissário comprador com título levado ao registro.

455
Q

Quais são as principais características da hipoteca?

A

Características: As principais características da hipoteca são: a) é direito real de garantia, de modo que adere ao bem e é dotada de oponibilidade geral; b) é acessória, porque não se concebe garantia sem uma obrigação a ser garantida, segue a sorte jurídica da obrigação garantida; c) tem por objeto coisa do devedor ou de terceiro – nada impede que o hipotecante seja pessoa diversa do devedor; d) tem por objeto coisa imóvel, navios e aeronaves; como direito real imobiliário, é em si mesma classificada como bem imóvel; e) a posse da coisa hipotecada permanece com o proprietário, seja devedor ou terceiro, sem transferência ao credor; f) é indivisível, porque enquanto não satisfeita integralmente a dívida, subsiste por inteiro sobre a totalidade dos bens gravados, com a exceção do art. 1.488 do CC, adiante comentado; e g) é temporária, porque tem como uma das causas de extinção a perempção, ou usucapião da liberdade, com cancelamento do registro, após o prazo de trinta anos (art. 1.485 do CC). Como os demais direitos reais de garantia, a hipoteca confere ao credor os direitos de sequela, preferência e excussão.

Art. 1.488. Se o imóvel, dado em garantia hipotecária, vier a ser loteado, ou se nele se constituir condomínio edilício, poderá o ônus ser dividido, gravando cada lote ou unidade autônoma, se o requererem ao juiz o credor, o devedor ou os donos, obedecida a proporção entre o valor de cada um deles e o crédito.

§ 1 o O credor só poderá se opor ao pedido de desmembramento do ônus, provando que o mesmo importa em diminuição de sua garantia.

§ 2 o Salvo convenção em contrário, todas as despesas judiciais ou extrajudiciais necessárias ao desmembramento do ônus correm por conta de quem o requerer.

§ 3 o O desmembramento do ônus não exonera o devedor originário da responsabilidade a que se refere o art. 1.430, salvo anuência do credor.

456
Q

O devedor pode alienar o imóvel hipotecado?

A

Art. 1.475. É nula a cláusula que proíbe ao proprietário alienar imóvel hipotecado.

Parágrafo único. Pode convencionar-se que vencerá o crédito hipotecário, se o imóvel for alienado.

457
Q

Se ocorrer a venda do bem hipotecado, ocorrerá necessariamente o vencimento antecipado do crédito?

A

Art. 1.475. É nula a cláusula que proíbe ao proprietário alienar imóvel hipotecado.

Parágrafo único. Pode convencionar-se que vencerá o crédito hipotecário, se o imóvel for alienado.

Comentários:

[…]

O parágrafo único admite, mediante cláusula convencional expressa constante do título e do registro imobiliário, para conhecimento de terceiros, que a alienação provocará o vencimento antecipado do crédito hipotecário. No silêncio do título ou na omissão do registro, a alienação não produz qualquer efeito em relação ao crédito. A lei somente admite a aposição de tal cláusula no caso de alienação e não no de oneração do imóvel, inclusive por segunda hipoteca, que respeita os direitos reais anteriormente constituídos. A regra, porém, estende-se ao compromisso de compra e venda, que, como já visto nos comentários aos arts. 1.417 e 1.418, constitui direito real de aquisição e contrato preliminar impróprio, quase esgotando os efeitos da compra e venda.

A cláusula convencional do vencimento antecipado não é da natureza da garantia hipotecária e deve ser interpretada em cotejo com os princípios imperativos da boa-fé objetiva, da função social do contrato e do equilíbrio contratual. A alienação, embora ineficaz frente ao credor, pode provocar agravamento do risco ou de depreciação do imóvel hipotecado. Basta imaginar o adquirente deixar de pagar impostos, ou o rateio das despesas de condomínio edilício, ou de promover a conservação da construção, não fazendo as benfeitorias necessárias. Haverá, em tais hipóteses, nítida depreciação da garantia, o que justifica o vencimento convencional imediato da dívida e, na falta de pagamento, a pronta execução e excussão do prédio hipotecado.

Caso, porém, a alienação não provoque qualquer agravamento do risco de depreciação da garantia, inexiste razão para o vencimento antecipado da dívida, embora previsto em cláusula convencional. A medida provocaria a impossibilidade do devedor arcar com o pagamento integral e, por consequência, a execução da dívida, sem razão para tanto. É o que a melhor doutrina insere como uma das facetas do princípio da boa-fé objetiva e denomina de exercício desequi-librado dedireitos (inciviliter agere), em que há manifesta desproporção entre a vantagem auferida pelo titular de um direito e o sacrifício imposto à contraparte, ainda que não haja o propósito de molestar. São casos em que o titular de um direito age sem consideração pela contrapar-te (noronha, Fernando. O direito dos contratos e seus princípios fundamentais. São Paulo, Saraiva, 1994, p. 179). O clássico Menezes Cordeiro trata da matéria como desequilíbrio no exercício de direitos, provocando danos inúteis à desproporção dos efeitos práticos. Ensina que “da ponderação dos casos concretos que deram corpo ao exercício em desequilíbrio, desprende-se a ideia de que, em todos, há uma desconexão – ou, se quiser, uma desproporção – entre as situações sociais típicas prefiguradas pelas normas jurídicas que atribuíam direitos e o resultado prático do exercício desses direitos. Parece, pois, haver uma bitola que, transcendendo as simples normas jurídicas, regula, para além delas, o exercício de posições jus-subjetivas; essa bitola dita a medida da desproporção tolerável, a partir da qual já há abuso” (Da boa-fé no direito civil. Coimbra, Almedi-na, 1977, p. 859).

Em resumo, o vencimento antecipado da dívida, ainda que convencionado pelas partes, está subordinado à prova de que a alienação de algum modo feriu interesse do credor hipotecário, ou provocou a depreciação do imóvel objeto da garantia, sob pena da execução antecipada configurar abuso de direito.

458
Q

Qual o prazo máximo da hipoteca? Admite-se prorrogação?

A

Art. 1.485. Mediante simples averbação, requerida por ambas as partes, poderá prorrogar-se a hipoteca, até 30 (trinta) anos da data do contrato. Desde que perfaça esse prazo, só poderá subsistir o contrato de hipoteca reconstituindo-se por novo título e novo registro; e, nesse caso, lhe será mantida a precedência, que então lhe competir.

Comentários:

[…]

Ultrapassado o prazo fatal de trinta anos, somente subsiste a garantia real mediante novo contrato de hipoteca e novo registro imobiliário. Diz a lei que a hipoteca, em tal caso, reconstitui-se, mantendo a ordem de preferência que lhe competir. Superado se encontra antigo dissídio doutrinário sobre a interpretação do termo “preferência que lhe competir”, se a originária ou a do momento da nova inscrição. Parece claro que se a hipoteca reconstitui-se, confirma-se, consolida-se e mantém a ordem de preferência, somente tem sentido a norma se for a ordem originária. O art. 238 da Lei n. 6.015/73 explicita o alcance da regra, ao dispor: “O registro da hipoteca convencional valerá pelo prazo de trinta anos, findo o qual só será mantido o número anterior se reconstituída por novo título e novo registro”.

Assinala com razão Tupinambá Miguel Castro do Nascimento que a manutenção da ordem original de preferência somente ocorrerá “se a reconstituição por novo título e novo registro for tempestiva, ou seja, antes de decorridos os trinta anos da data do contrato hipotecário que antecedeu a reinscrição” (Hipoteca. Rio de Janeiro, Aide, 1996, p. 113). Não fosse assim, poderia o terceiro credor de boa-fé ser surpreendido pela reconstituição de hipoteca já extinta com manutenção da preferência original, em autêntica subversão da garantia e da segurança das relações negociais e dos direitos reais.

459
Q

Em que consiste a cédula de crédito hipotercária?

A

Art. 1.486. Podem o credor e o devedor, no ato constitutivo da hipoteca, autorizar a emissão da correspondente cédula hipotecária, na forma e para os fins previstos em lei especial.

Comentários:

A cédula hipotecária é um título de crédito que o credor hipotecário, desde que legitimado por lei (em especial instituições financeiras) e com base em hipoteca já constituída e inscrita, emite e lança à circulação.

É um título representativo do crédito hipotecário, não podendo ultrapassar jamais o seu valor, com a finalidade de facilitar a circulação e o desconto em mercado secundário.

Não se confunde a cédula hipotecária com a hipoteca cedular. A primeira não constitui hipoteca, mas é emitida, com características cambiais, em razão de hipoteca já constituída. A segunda é uma modalidade de hipoteca convencional, uma forma simplificada de contrato hipotecário, mediante preenchimento de modelos previstos em lei especial, sem necessidade de escritura pública. São títulos para a constituição da hipoteca que se convertem em direito real de garantia, se levados ao registro imobiliário.

Diversas leis especiais regulam a emissão de cédulas de crédito, hipotecárias ou pignoratícias (DL ns. 70/66, 167/67 e 413/69; Leis ns. 5.741/71 e 8.929/94; MP n. 2.160-25/2001), não alteradas pelo atual CC.

As cédulas hipotecárias, reguladas por leis especiais, têm restrições ratione personae e ratione materiae. Somente podem ser emitidas por institui-ções financeiras e em certas operações de crédito.

460
Q

É lícito instituir hipoteca antes da existência da dívida ou pela eventualidade de ela constituir-se?

A

Art. 1.487. A hipoteca pode ser constituída para garantia de dívida futura ou condicionada, desde que determinado o valor máximo do crédito a ser garantido.

§ 1 o Nos casos deste artigo, a execução da hipoteca dependerá de prévia e expressa concordância do devedor quanto à verificação da condição, ou ao montante da dívida.

§ 2 o Havendo divergência entre o credor e o devedor, caberá àquele fazer prova de seu crédito. Reconhecido este, o devedor responderá, inclusive, por perdas e danos, em razão da superveniente desvalorização do imóvel.

Comentários:

Este artigo positiva entendimento prevalecente na doutrina e na jurisprudência. Sempre se afirmou poderem ser garantidas por hipoteca todas as obrigações de ordem econômica, de dar, fazer, ou não fazer, simples ou condicionais, líquidas ou ilíquidas.

Admite-se também hipoteca sobre obrigações sujeitas à condição ou mesmo futuras, com ou sem base em uma relação jurídica preexistente. O mais comum é que embora ainda não tenha nascido a obrigação, já exista uma relação jurídica anterior, que dê sustento à hipoteca como garantia de dívida que eventualmente se formará. É o que ocorre, por exemplo, no caso de hipoteca legal sobre os bens dos responsáveis por gestão de rendas públicas, ou, ainda, nos contratos de abertura de crédito rotativo, que permitem ao mutuário sacar até um determinado limite em um certo prazo. Diversos outros contratos de execução diferida ou continuada comportam a hipoteca como garantia de crédito eventual, como os de agência, distribuição, comissão, ou fornecimento continuado de mercadorias. Segundo Gladston Mamede, “é lícito instituir a garantia antes da existência da dívida e pela eventualidade de ela constituir-se” (Código Civil comentado, São Paulo, Atlas, 2003, v. XIV, p. 409).

Note-se ser a hipoteca acessória à obrigação que garante. Apesar disso, enquanto a obrigação se encontra em estado meramente potencial, a hipoteca já pode existir e é válida, inclusive mediante ingresso no registro imobiliário, mas somente ganha eficácia quando a obrigação se forma. A hipoteca antecede a obrigação que vai garantir. Sua preferência resulta da data do registro, dando ciência a terceiros de que existe o gravame para a eventualidade do nascimento do crédito. A data do nascimento da obrigação não interfere na ordem de preferência. No dizer de Clóvis Bevilaqua, “a sua existência é meramente formal. Completar-se-á com a constituição da dívida. Mas essa constituição, imposta pelas necessidades da vida, acomoda-se melhor, com os princípios do direito hipotecário” (Direito das coisas. Rio de Janei-ro, Freitas Bastos, 1951, v. II, p. 151).

461
Q

Em que momento constitui-se a hipoteca legal? Quais são os casos de hipoteca legal?

A

Art. 1.489. A lei confere hipoteca:

I - às pessoas de direito público interno (art. 41) sobre os imóveis pertencentes aos encarregados da cobrança, guarda ou administração dos respectivos fundos e rendas;

II - aos filhos, sobre os imóveis do pai ou da mãe que passar a outras núpcias, antes de fazer o inventário do casal anterior;

III - ao ofendido, ou aos seus herdeiros, sobre os imóveis do delinqüente, para satisfação do dano causado pelo delito e pagamento das despesas judiciais;

IV - ao co-herdeiro, para garantia do seu quinhão ou torna da partilha, sobre o imóvel adjudicado ao herdeiro reponente;

V - ao credor sobre o imóvel arrematado, para garantia do pagamento do restante do preço da arrematação.

Comentários:

[…]

No dizer de Caio Mário, a hipoteca legal desdobra-se em dois momentos distintos:

“A) Um primeiro momento – momento inicial – em que se dá o fato constitutivo ou gerador, que contudo não se objetiva na submissão de uma coisa à obrigação, senão que se mantém em estado potencial ou e mera possibilidade. Nessa fase, o interessado tem o poder de converter o imóvel em garantia real de uma obrigação. Mas, nada tendo promovido neste propósito, não se verifica ainda a criação de um direito real.

B) No segundo – momento definitivo – o beneficiário obtém a individualização dos bens que se tornem objeto da garantia real, concretizando-se esta no imóvel especificado, e produzindo as consequências da sujeição deste ao cumprimento do obrigado, tal como se dá na hipoteca convencional. Este segundo momento é alcançado com a especialização e o registro” (Instituições de direito civil, 18. ed. Rio de Janeiro, Forense, v. IV, p. 400-1).

A hipoteca legal se constitui de três elementos cumulativos: título da lei, somado à especialização e ao registro imobiliário. Não basta a previsão legal de garantia real. Deve haver especialização e registro, para nascimento do direito real (art. 1.497 do CC).

O pedido de especialização da hipoteca legal é disciplinado pelos arts. 1.205 a 1.210 do CPC/73 (sem correspondentes no CPC/2015). Deve ser instruído com prova do domínio dos bens do devedor e declarar a estimativa do crédito. O arbitramento do valor da responsabilidade e a avaliação dos bens far-se-ão por perito nomeado pelo juiz. Há previsão de dispensa de intervenção judicial se os interessados, desde que capazes, convencionem a garantia por escritura pública.

462
Q

A quem incumbe o registro da hipoteca legal?

A

Art. 1.497. As hipotecas legais, de qualquer natureza, deverão ser registradas e especializadas.

§ 1 o O registro e a especialização das hipotecas legais incumbem a quem está obrigado a prestar a garantia, mas os interessados podem promover a inscrição delas, ou solicitar ao Ministério Público que o faça.

§ 2 o As pessoas, às quais incumbir o registro e a especialização das hipotecas legais, estão sujeitas a perdas e danos pela omissão.

463
Q

As hipotecas convencionais estão sujeitas à especialização?

A

Art. 1.497. As hipotecas legais, de qualquer natureza, deverão ser registradas e especializadas.

§ 1 o O registro e a especialização das hipotecas legais incumbem a quem está obrigado a prestar a garantia, mas os interessados podem promover a inscrição delas, ou solicitar ao Ministério Público que o faça.

§ 2 o As pessoas, às quais incumbir o registro e a especialização das hipotecas legais, estão sujeitas a perdas e danos pela omissão.

Comentários:

O artigo em exame explicita o que acima se disse: todas as hipotecas, inclusive as legais e as judiciais, encontram-se sujeitas à especialização e ao registro. Antes de tais providências, existe mero direito potencial do credor em requerer a especialização da hipoteca, sem qualquer um de seus efeitos. O registro é sempre constitutivo do direito real de hipoteca

Art. 1.498. Vale o registro da hipoteca, enquanto a obrigação perdurar; mas a especialização, em completando vinte anos, deve ser renovada.

Comentários:

As hipotecas convencionais estão sujeitas à perempção, no prazo de trinta anos. Antes disso, porém, ao se completarem vinte anos de vigência da garantia, deve haver nova especialização da hipoteca, sem alteração da ordem de preferência. Caso o devedor ou terceiro prestador da garantia se recusem a manifestar consentimento à renovação da especialização, a garantia corre risco de extinção e provoca o vencimento antecipado da dívida.

A necessidade de renovação da especialização explica-se do seguinte modo, segundo Carvalho Santos: “presume a lei que tenha havido alteração do valor dos imóveis, ou melhor, que tenha havido alterações que precisam ser constatadas, em benefício dos interessados, por meio de nova avaliação” (Código Civil brasileiro interpretado, 5. ed. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1952, v. X, p. 443).

464
Q

O que é a anticrese e quem pode institui-la?

A

Art. 1.506. Pode o devedor ou outrem por ele, com a entrega do imóvel ao credor, ceder-lhe o direito de perceber, em compensação da dívida, os frutos e rendimentos.

§ 1 o É permitido estipular que os frutos e rendimentos do imóvel sejam percebidos pelo credor à conta de juros, mas se o seu valor ultrapassar a taxa máxima permitida em lei para as operações financeiras, o remanescente será imputado ao capital.

§ 2 o Quando a anticrese recair sobre bem imóvel, este poderá ser hipotecado pelo devedor ao credor anticrético, ou a terceiros, assim como o imóvel hipotecado poderá ser dado em anticrese.

Comentários:

[…]

Não se justifica a manutenção da anticrese em nosso ordenamento jurídico, diante de sua escassa utilidade e do raro uso nos negócios. Define-se, na lição de Clóvis Bevilaqua, como “o direito real sobre imóvel alheio, em virtude do qual o credor o possui, a fim de perceber-lhe os frutos e imputá-los no pagamento da dívida, juros e capital, ou somente dos juros” (Direito das coisas, 3. ed. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1951, t. I, p. 101).

Recai sobre bens imóveis frutíferos pertencentes ao devedor ou a terceiro prestador da garantia. O objeto da anticrese não é propriamente o imóvel, mas sim os seus frutos. O credor anticrético pode usar o imóvel e receber os seus frutos, retendo a posse até a solução da obrigação, mas não levar o prédio à excussão.

465
Q

O credor anticrético pode executar o imóvel por falta de pagamento da dívida? Qual a consequência disso? Se o imóvel dado como garantia for arrematado, o que acontece com a anticrese?

A

Art. 1.509. O credor anticrético pode vindicar os seus direitos contra o adquirente dos bens, os credores quirografários e os hipotecários posteriores ao registro da anticrese.

§ 1 o Se executar os bens por falta de pagamento da dívida, ou permitir que outro credor o execute, sem opor o seu direito de retenção ao exeqüente, não terá preferência sobre o preço.

§ 2 o O credor anticrético não terá preferência sobre a indenização do seguro, quando o prédio seja destruído, nem, se forem desapropriados os bens, com relação à desapropriação.

Comentários:

[…]

A segunda parte do preceito diz que pode outro credor penhorar o imóvel gravado, pois é ele alienável. O credor anticrético, em regra similar à do art. 1.501, já comentado, deve ser intimado da penhora e manifestar-se na execução, ressalvando o seu direito de retenção. Se permanecer silente, apesar de intimado, a anticrese se extingue. Note-se apenas que a preferência decorrente do direito real de garantia não incide sobre o preço da arrematação, mas sim sobre os frutos e rendimentos do imóvel. O arrematante ou o adjudicante, assim, devem respeitar os direitos anteriores da anticrese, permanecendo o credor anticrético de posse do bem, recebendo os seus frutos e rendimentos, até a solução integral da dívida.

O § 2o dispõe que o credor anticrético não terá preferência sobre a indenização do seguro ou da desapropriação. A regra do art. 1.425, já comentado, aplica-se somente aos credores hipotecários e pignoratícios. A anticrese confere direito apenas aos frutos e rendimentos, e não sobre a substância do imóvel. Como porém adverte Gladston Mamede, para evitar o enriquecimento sem causa do devedor anticrético, que tinha o imóvel gravado, parte da indenização, proporcional ao valor da anticrese, deverá ser paga ao credor (Código Civil comentado. São Paulo, Atlas, 2003, v. XIV, p. 485).

466
Q

Defina o direito de laje. E distingua-o do direito de superfície.

A

Art. 1.510-A. O proprietário de uma construção-base poderá ceder a superfície superior ou inferior de sua construção a fim de que o titular da laje mantenha unidade distinta daquela originalmente construída sobre o solo.

§ 1 _o _O direito real de laje contempla o espaço aéreo ou o subsolo de terrenos públicos ou privados, tomados em projeção vertical, como unidade imobiliária autônoma, não contemplando as demais áreas edificadas ou não pertencentes ao proprietário da construção-base.

§ 2 _o _O titular do direito real de laje responderá pelos encargos e tributos que incidirem sobre a sua unidade.

§ 3 _o _Os titulares da laje, unidade imobiliária autônoma constituída em matrícula própria, poderão dela usar, gozar e dispor.

§ 4 o A instituição do direito real de laje não implica a atribuição de fração ideal de terreno ao titular da laje ou a participação proporcional em áreas já edificadas.

§ 5 _o _Os Municípios e o Distrito Federal poderão dispor sobre posturas edilícias e urbanísticas associadas ao direito real de laje.

§ 6 _o _O titular da laje poderá ceder a superfície de sua construção para a instituição de um sucessivo direito real de laje, desde que haja autorização expressa dos titulares da construção-base e das demais lajes, respeitadas as posturas edilícias e urbanísticas vigentes.

Comentários:

[…]

Definição. O direito real de laje é uma nova modalidade de propriedade, na qual o titular adquirente (lajeário) torna-se proprietário de unidade autônoma consistente de construção erigida ou a erigir sobre ou sob acessão alheia, sem implicar situação de condomínio tradicional ou edilício.

Cuida-se de direito real sobre coisa própria, nova modalidade proprietária sobre ou sob construção preexistente, com a forma de unidade autônoma, desligada da propriedade sobre o solo.

Não se trata de condomínio tradicional (arts. 1.314 e segs. do CC) nem de condomínio edilício (arts. 1.331 e segs. do CC), muito menos de direito de superfície temporário (arts. 1.369 e segs. do CC).

Distinção entre laje e superfície. A leitura ligeira do caput do art. 1.510-A do CC, que utiliza a expressão “ceder a superfície superior ou inferior de sua construção” pode levar à enganosa equiparação da laje ao direito real de superfície.

Optou o legislador, corretamente, por não regular o direito real de laje como modalidade do direito de superfície. As diferenças entre os dois institutos são marcantes. A definição analítica do direito de superfície, de Ricardo Pereira Lira, diz que é direito real sobre coisa alheia, autônomo, temporário, de fazer uma construção ou plantação sobre – e em certos casos sob – o solo alheio e delas ficar proprietário (“O direito de superfí-cie no novo Código Civil”. In: Revista Forense, 2003, v. 364, p. 251). O direito real de laje é mais amplo, pois não é temporário, mas, sim, perene, ou ao menos tende à perenidade, com hipóteses estritas de extinção (art. 1.510-E do CC), conferindo ao seu titular direito próximo ao de propriedade plena sobre a segunda construção, tanto assim que o § 3o prevê o descerramento de matrícula própria para a unidade autônoma, o que não se admite no direito real de superfície.

A superfície é direito real de gozo e fruição sobre coisa alheia, enquanto a laje é direito real sobre coisa própria, embora erguida sobre ou sob construção-base alheia.

467
Q

O que diferencia o direito de laje do condomínio edilício?

A

Art. 1.510-C. Sem prejuízo, no que couber, das normas aplicáveis aos condomínios edilícios, para fins do direito real de laje, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes que sirvam a todo o edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum serão partilhadas entre o proprietário da construção-base e o titular da laje, na proporção que venha a ser estipulada em contrato.

§ 1 _o _São partes que servem a todo o edifício:

I - os alicerces, colunas, pilares, paredes-mestras e todas as partes restantes que constituam a estrutura do prédio;

II - o telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso exclusivo do titular da laje;

III - as instalações gerais de água, esgoto, eletricidade, aquecimento, ar condicionado, gás, comunicações e semelhantes que sirvam a todo o edifício; e

IV - em geral, as coisas que sejam afetadas ao uso de todo o edifício.

§ 2 _o _É assegurado, em qualquer caso, o direito de qualquer interessado em promover reparações urgentes na construção na forma do parágrafo único do art. 249 deste Código.

Comentários:

[…]

Houve a necessidade – bem solucionada pela lei – de regular o uso e os deveres relativos às partes comuns, mediante remessa às normas que regulam direitos e deveres dos condôminos no condomínio edilício. Note-se que a remessa não é total (no que couber), mas apenas àquelas compatíveis com a natureza do direito de laje.

Algumas regras relativas ao condomínio edilício são compatíveis com a laje. Tomem-se como exemplo as relativas ao direito de vizinhança (art. 1.336, IV, do CC), que determinam que o titular da unidade autônoma deve usá-la sem violar o sossego, a segurança, a saúde e os bons costumes.

Outras regras relativas ao condomínio edilício são incompatíveis com a laje e devem ser afastadas. Tomem-se como exemplos o rateio de despesas de acordo com as frações ideais do terreno, a eleição de síndico ou a convocação de assembleias ordinárias e extraordinárias, com os respectivos quóruns de deliberação.

468
Q

O direito de laje pode ter por objeto bens públicos?

A

Objeto. O direito de laje tem por objeto imóveis públicos ou particulares, ao contrário dos demais direitos reais regulados no CC. Não cuida o direito privado da propriedade ou de direitos reais sobre bens públicos, de modo que a laje é exceção à regra. Explica-se pelo fato de se tratar de instrumento de regularização fundiária (REURB) que, de modo impróprio, foi inserido no CC, quando deveria permanecer circunscrito à legislação especial. Não existe previsão da necessidade de prévia desafetação ou de licitação para fins de constituição da laje em favor de particulares, exigências que esvaziariam a natureza regularizatória do instituto, voltado à população de baixa renda.

Art. 1.510-A. § 1 o O direito real de laje contempla o espaço aéreo ou o subsolo de terrenos públicos ou privados, tomados em projeção vertical, como unidade imobiliária autônoma, não contemplando as demais áreas edificadas ou não pertencentes ao proprietário da construção-base.

469
Q

O condomínio deitado se enquadra no direito de laje?

A

Não se admite a utilização do instituto para situações conhecidas como “condomínios deita-dos”, consistentes de conjuntos de casas sem so-breposição de umas sobre as outras (art. 8o da Lei n. 4.591/64). De igual modo, casas de fundos e de frente em um mesmo terreno podem gerar condomínio urbano (arts. 61 e 62 da Lei n. 13.465/2017), mas não direito de laje.

Internet (conceito de condomínio de lotes):

Nas últimas colunas<span>,</span> analisaram-se duas importantes novidades incorporadas ao ordenamento jurídico brasileiro pela lei 13.465/2017 (conversão da Medida Provisória n. 759/2016): o <em>condomínio de lotes</em> e o <em>loteamento de acesso controlado</em>. Neste texto, far-se-á uma passagem em revista do regime jurídico e dos aspectos registrais envolvendo a primeira dessas figuras.

<em>Condomínio de lotes</em> (art. 1.358-A do CCB/02) é a modalidade de condomínio edilício em que a <em>unidade autônoma</em> corresponde a um <em>lote</em>. Este, por sua vez, é definido na legislação como “o terreno servido de infraestrutura básica cujas dimensões atendam aos índices urbanísticos definidos pelo plano diretor ou lei municipal para a zona em que se situe” (lei 6.766/79, art. 2º, §4º).

A principal nota diferenciadora, relativamente às conhecidas figuras do loteamento urbano, está na atribuição de fração ideal sobre o terreno e partes comuns. Além disso, enquanto no condomínio de lotes o terreno como um todo é, e se mantém, privado, no loteamento o terreno sobre o qual estão estabelecidos os lotes é público, incorporado à municipalidade.

470
Q

Pode a usucapião da laje ser requerida usando prazo de posse anterior à Lei 13.465?

A

A terceira possibilidade de aquisição pode ocorrer mediante usucapião, em diversas modalidades: extraordinária, ordinária, especial urbana, ou mesmo entre ex-cônjuges ou companheiros. Apenas as modalidades de usucapião especial rural e coletiva são incompatíveis com o novo instituto. Os requisitos de cada modalidade se encontram nos arts. 1.238 e seguintes do CC, já comentados. A razão de tal entendimento é sim-ples. A usucapião pode ter por objeto a propriedade ou outros direitos reais passíveis de posse. Logo, nada impede que o titular de posse prolongada e qualificada sobre a construção erigida sobre ou sob laje alheia possa requerer a usucapião somente da unidade que ocupa, sem abranger a acessão abaixo, ou acima, nem o terreno onde se assenta. Preserva-se a construção–base e o terreno, e a usucapião incide somente sobre o direito real de laje. Pode a usucapião ser requerida usando prazo de posse anterior à Lei n. 13.465, de 11.07.2017, porque não se criou nova modalidade de prescrição aquisitiva, a colher de surpresa o titular do domínio, mas tão somente novo direito real usucapível. No que se refere ao rito, admite-se a usucapião judicial e também a extrajudicial (arts. 1.071 do CPC e 216-A da Lei n. 6.015/73). Em qualquer hipótese, deve haver a concordância, ou, na sua falta, serem citados os titulares do domínio, de direitos reais, inclusive de direitos de laje de graus diversos, possuidores, confrontantes e cientificadas as Fazendas Públicas.

471
Q

É possível o usucapião de direito de laje em imóvel público?

A

Questão relevante é a da possibilidade de usucapião de direito de laje sobre imóvel público. Não há dúvida da impossibilidade de usucapião de propriedade sobre bem público, diante do que dispõem os arts. 183 e 191 da CF e 102 do CC. A vedação não alcança o direito real de laje, pois preserva o terreno onde se assenta a construção. Possível a usucapião da laje sem afetar a construção-base ou o terreno público, de modo simétrico ao que já decidiram o STF e o STJ quanto a imóveis foreiros da União: admite-se a usucapião do domínio útil, sem afetar o domínio direto de titularidade do poder público (STF, RE n. 218.324/ PE, rel. Min. Joaquim Barbosa; STJ, REsp n. 575.572/PE, rel. Min Nancy Andrighi).

472
Q

A autorização do proprietário da construção-base para a constituição de laje de segundo grau pode ser suprida por autorização judicial?

A

No que se refere à constituição de laje de segundo grau, denominada também de laje em sobrelevação, ou sobrelaje, ou laje sucessiva, o § 6o prevê requisitos adicionais. O primeiro é a compatibilidade física com a constituição da laje de segundo grau. O segundo é a autorização expressa dos titulares da construção-base e das demais lajes. Note-se que exige a lei consentimento expresso, de modo que insuficiente o mero silêncio após a notificação. Tais autorizações são requisitos de validade da constituição do novo direito real de laje, e sua falta impossibilita o registro, por força de violação do princípio da legalidade. Indaga-se a possibilidade de tais consentimentos serem supridos por sentença judicial. A princípio, é exercício regular de direito a recusa a prestar anuência, pois a nova laje pode interferir com a segurança, a harmonia arquitetônica ou estética do edifício. Somente em casos de recusa caprichosa e injustificada, cuja prova está a cargo de quem pretende instituir nova laje, a configurar abuso de direito (art. 187 do CC), é que se admite o suprimento judicial. O terceiro e último requisito é o respeito às posturas urbanísticas e edilícias vigentes, mediante aprovação administrativa municipal, justificável para evitar riscos à segurança e salubridade do edifício. Embora a Lei n. 13.465/2017, em determinados dispositivos, dispense a aprovação de autoridade administrativa para a construção, tal benesse não se estende ao direito de laje, que contém norma específica acerca da regularidade da obra e observância das posturas legais, somente aferíveis e certificáveis pela competente autoridade administrativa municipal.

Art. 1.510-A. § 6 o O titular da laje poderá ceder a superfície de sua construção para a instituição de um sucessivo direito real de laje, desde que haja autorização expressa dos titulares da construção-base e das demais lajes, respeitadas as posturas edilícias e urbanísticas vigentes.

473
Q

Cite as hipóteses de extinção do direito de laje.

A

Art. 1.510-E. A ruína da construção-base implica extinção do direito real de laje, salvo:

I - se este tiver sido instituído sobre o subsolo;

II - se a construção-base não for reconstruída no prazo de cinco anos.

Parágrafo único. O disposto neste artigo não afasta o direito a eventual reparação civil contra o culpado pela ruína.

Comentários:

[…]

Evidente que o rol é meramente exemplificativo, pois a laje pode extinguir-se por diversas outras causas, embora não previstas expressamente em lei.

Nada impede que as partes convencionem, mediante cláusula expressa, a aposição de termo ou de condição resolutiva, cujo implemento provoca a extinção de pleno direito da laje. No silêncio do contrato, repito que a laje tende à perpetuidade. Se a propriedade plena pode ser resolúvel, também se admite a criação de tal modalidade para o direito real de laje.

A usucapião da laje por terceiro, a desapropriação do edifício, o distrato levado ao registro imobiliário e a renúncia são também causas de extinção do direito real de laje.

Optou o legislador por regular apenas a hipótese da extinção da laje pelo perecimento da construção-base. Em tal situação, remanesce apenas o terreno, de titularidade exclusiva do concedente. Caso o perecimento seja causado por terceiro, ou a construção se encontre segurada, o titular do direito real de laje fará jus à indenização proporcional.

A extinção da laje pelo perecimento da construção-base tem duas exceções, previstas de modo expresso pelo legislador:

a) laje descendente, instituída no subsolo, via de regra não afetada pela destruição da construção-base;
b) reconstrução da construção-base no prazo de cinco anos.

A última hipótese é a que suscita mais dúvidas. Segundo a lei, a destruição da construção-base provoca a extinção do direito de laje ascendente, mas diferida no tempo. A extinção se sujeita a condição suspensiva, consistente na não reconstrução (fato futuro e incerto) no prazo de cinco anos.

O problema é que o direito do titular da laje fica subordinado a um comportamento positivo (reconstruir) do concedente, titular da construção-base. Basta supor a hipótese deste último aguardar o quinquênio para a reconstrução, com isso extinguindo direito alheio por omissão própria.

A solução dada pelo legislador não foi a melhor, e deve ser temperada pela jurisprudência. Cabe ao titular da laje, com o propósito de evitar a extinção de seu direito, promover a reconstrução da construção-base, ou ao menos da estrutura indispensável a suportar a nova laje.

Como a reconstrução-base beneficiará o concedente, estar-se-á diante de situação notória de enriquecimento sem causa. Poderá o titular da laje, nessa hipótese, cobrar do concedente o acréscimo patrimonial que este auferiu.

A extinção do real de laje, em todas as hipóteses referidas, deverá ser averbada no registro imobiliário.