Código Civil - Comentado Flashcards
A lei de que país (a do Brasil ou do país estrangeiro) deverá reger ou obrigações constituída no último, mas executados no primeiro?
LINDB:
Art. 9o Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituirem.
§ 1o Destinando-se a obrigação a ser executada no Brasil e dependendo de forma essencial, será esta observada, admitidas as peculiaridades da lei estrangeira quanto aos requisitos extrínsecos do ato.
A obrigação resultante de contrato reputa-se constituída no lugar em que residir o proponente ou a outra parte?
LINDB:
Art. 9o Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituirem.
§ 2o A obrigação resultante do contrato reputa-se constituida no lugar em que residir o proponente.
CC:
Art. 435. Reputar-se-á celebrado o contrato no lugar em que foi proposto.
A sucessão de bens de estrangeiro situados no pais regem-se por que lei?
LINDB:
Art. 10. A sucessão por morte ou por ausência obedece à lei do país em que domiciliado o defunto ou o desaparecido, qualquer que seja a natureza e a situação dos bens.
§ 1º A sucessão de bens de estrangeiros, situados no País, será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, ou de quem os represente, sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do de cujus.
O que é personalidade? Qual é o objeto do direito da personalidade?
Art. 1º Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil.
Comentários (p. 15):
A capacidade jurídica ou de direito se vincula à personalidade jurídica, encarecendo, porém, Bevilaqua que “cumpre distinguir a personalidade da capacidade, que é a extensão dada aos poderes de ação contidos na personalidade, ou, como diz Teixeira de Freitas, ao modo de ser geral das pessoas”.
A personalidade é um atributo que consiste na aptidão para o desempenho de um papel jurídico, ou seja, para adquirir direito e contrair obrigações.
[…]
Art. 11. Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária.
Comentário (p. 30):
O objeto dos direitos da personalidade são faculdades jurídica que se situam no âmbito da própria pessoa, definindo-os R. Limongi França como aqueles “cujo objeto são os diversos aspectos da própria pessoa do sujeito, bem assim da sua proteção essencial no modo exterior”, e, segundo o mesmo autor, esses aspectos são basicamente o físico, o intelectual e o moral.
Qual a diferença entre capacidade de direito e capacidade de fato?
Art. 1º Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil.
Comentários (p. 15):
Atualmente, a simples existência do homem vivo confere-lhe a qualidade de pessoa, embora nem sempre assim tenha ocorrido, pois, faltando o que correspondia no Direito romano ao status libertatis, como ao escravo, o ser humano estava excluído do conceito jrídico de caput, sendo tico como res (coisa).
A capacidade, porém, aqui mencionada é a de direito ou de gozo, que difere da capacidade de fato ou de exercício. Aquela é atribuída a todo ser humano, mas esta só o possuem os que têm a faculdade de exercer por si os atos da vida civil.
Explique os argumentos da teoria natalista e da teoria concepcionista da proteção jurídica conferida ao nascituro.
Art. 2º A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.
Comentários concurso (p. 29):
Os natalistas advogam a tese de que ao nascituro não deve ser reconhecida personalidade, embora lhe seja permitido o exercício de atos destinados à conservação de direitos, consoante disposto no art. 130 do CC-2002, na condição de titular de direito eventual, por se encontrar pendente condição suspensiva (nascimento com vida). Os concepcionistas, por outro lado, criticam a interpretação literal com que os partidários da perspectiva natalista enxergam a questão, sustentando que com a concepção (fecundação do óvulo pelo espermatozóide) surge uma vida distinta, que por ser independente organizamente de sua mãe biológica, merece proteção.
Enunciados da CJF:
1 – Art. 2º: A proteção que o Código defere ao nascituro alcança o natimorto no que concerne aos direitos da personalidade, tais como: nome, imagem e sepultura.
2 – Art. 2º: Sem prejuízo dos direitos da personalidade nele assegurados, o art. 2º do Código Civil não é sede adequada para questões emergentes da reprogenética humana, que deve ser objeto de um estatuto próprio.
INTERNET (https://nicolasfelipe.jusbrasil.com.br/artigos/475128655/as-teorias-da-concepcao-e-o-nascituro-no-direito-brasileiro):
1.1- Teoria Natalista
Para a teoria natalista, sucintamente dispondo, o nascituro não é pessoa, não possuindo, tampouco, qualquer direito considerável, uma vez que o Código Civil exige o nascimento com vida para que se venha a ter a tão aclamada personalidade civil. Podemos, de forma concisa, concluir que o nascituro, nessa perspectiva, possui apenas uma mera expectativa de direitos.
O óbice dessa teoria é justamente o exposto no parágrafo anterior, uma vez que realiza tão somente uma interpretação literal e simples do que se trata no art. 2º do códex privado. Adepto a essa teoria, em sede de doutrina, temos Sílvio Venosa, além de alguns outros clássicos que aqui não serão citados.
O questionamento que a teoria natalista nos traz é: ora, se o nascituro não é pessoa humana, seria ele tão somente um objeto? Ou uma coisa? Podemos depreender que por virtude dos entendimentos firmados pela equivocada teoria, a resposta a tal pergunta seria positiva, vez que segundo os seus adeptos, nascituro é tão só uma coisa.
Ante o pretexto trazido, devemos entender que a teoria natalista está superada em sua totalidade, já que se localiza extremamente distante dos preceitos do ideal da personalização do Direito Civil, negando ao nascituro inclusive direitos de cunho fundamental (vida, integridade, honra, imagem, alimentos…), consequentemente, observamo-nos tal teoria em conflito com a pretensão de uma ampla tutela dos direitos que circundam a personalidade. Encontra-se essencialmente longe dos avanços que a sociedade vem exigindo e vivenciando, pois a desacertada teoria é um tanto externa a realidade fática do atual direito privado.
1.2- Teoria da Personalidade Condicional
Nesta segunda teoria, os direitos do nascituro encontram-se sujeitos a condição suspensiva, que seria, por sua vez, o seu nascimento (com vida). Como sabemos, a condição suspensiva está regulamentada no art. 121 do Código Civil de 2002, sendo considerada um elemento acidental do negócio ou ato jurídico que subordina a sua eficácia a um evento futuro e incerto, tendo que, no caso, o evento provido de futuridade e incerteza seria o nascimento com vida. Classifica-se o nascituro, nessa esteira, como titular de um direito eventual. A título de acréscimo cite-se o que reza o art. 130, também do códex privado, ipsis litteris: “ao titular do direito eventual, nos casos de condição suspensiva ou resolutiva, é permitido praticar os atos destinados a conservá-lo”. Caso se repute necessário a prática de tais atos, a gestante os faria representando o nascituro.
Como filiados dessa teoria, temos o mestre Clóvis Beviláqua, Washington Monteiro, dentre outros clássicos. Na doutrina contemporânea, por sua vez, temos Arnaldo Rizzardo como entusiasta da teoria em estudo.
O problema da ilustre teoria é o fato de que põe direitos existenciais sob condição. Como sabido e consabido, os direitos da personalidade, tidos aqui como concretizadores dos direitos fundamentais, jamais podem ser sujeitos a qualquer condição, termo ou encargo (elementos acidentais do negócio jurídico; que se encontram no plano da eficácia, na escada ponteana). Em vista disso o nascituro só terá direitos (mesmo aqueles existenciais) com o implemento da condição, ou seja, seu nascimento com vida. Ao meu ver essa teoria é, em sua rebuscada essência, natalista. Sem contar que é por demais apegada a questões meramente patrimonialistas, estando longe da festejada pretensão de personalização do Direito Privado.
Superada a observância dessas duas teorias, vamos à análise da tese adotada pelo ordenamento jurídico brasileiro na atualidade, principalmente quando se fala na ótica doutrinária e jurisprudencial.
1.3- Teoria Concepcionista
Na visão desta última teoria o nascituro é pessoa humana e, justamente por essa razão, possui todos os direitos que dessa qualidade decorrem. Em princípio, aduz a acertada tese que a personalidade já se faz presente desde a concepção. Caudatário a essa corrente doutrinária, temos o ilustre jurista e filósofo Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, sem contar, ainda, os magníficos professores e mestres Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, Maria Helena Diniz, Flávio Tartuce e, ainda, a professora Silmara Chinellato, uma das percussoras da tese concepcionista no Estado brasileiro.
Um ponto importante a ser destacado é que a teoria concepcionista ainda chega a ser mais ampla do que estender direitos somente ao nascituro, pois também traz direitos da personalidade (v.g., nome, imagem e sepultura) para aquele que “nasceu morto”, que em termos técnicos é denominado natimorto. Sustenta-se tal tese no ideal positivado no enunciado nº 1 da I Jornada de Direito Civil promovida pelo Conselho de Justiça Federal e chancelado pelo egrégio Superior Tribunal de Justiça.
A ilustríssima Professora Maria Helena Diniz, já que adepta a brilhante teoria, elaborou em suas obras uma fundamental classificação da personalidade civil, dividindo-a em formal e material. A personalidade jurídica formal está terminantemente relacionada com os direitos da personalidade em si, aqueles que o nascituro já possui desde a sua concepção. Não se fala aqui em direitos de cunho patrimonial, mas sim de caráter puramente existencial. Já a personalidade jurídica material, por sua vez, não seria aquela que tão somente que abrange direitos da personalidade, mas, outrossim, abarca em seu campo os direitos patrimoniais, sendo aqueles que o nascituro só passa a ter após o seu nascimento (com vida), como o é, por exemplo, o direito de sucessão, ou até mesmo o direito de crédito, de propriedade, de usufruto, dentre muitos outros. Lembre-se que a personalidade jurídica formal pressupõe a material, logo, não há de se falar e personalidade material sem a prévia existência da personalidade formal. Importante destacar, por fim, que tão somente com a personalidade jurídica material, se adquire a capacidade de direito (ou de gozo).
Em se tratando da jurisprudência nacional, “o Supremo Tribunal Federal não tem uma posição definida a respeito das referidas teorias, ora seguindo a teoria natalista, ora a concepcionista […]. O Superior Tribunal de Justiça, no entanto, tem acolhido a teoria concepcionista, reconhecendo ao nascituro o direito à reparação do dano moral” (GONÇALVES, 2016, p. 197), caso que pode ser visto no Recurso Especial n. 399.028, de São Paulo, onde foi reconhecido dano moral ao nascituro pela morte de seu genitor, fato esse que ocorreu, logicamente, em momento anterior ao seu nascimento. […]
Além desse, há vários e diversos julgados que aplicam a tese concepcionista, o que nos leva a afirmar, com elevadíssimo grau de certeza, que no âmbito de competência do Judiciário brasileiro, a tese é aplicada em todos os casos que exigem sua discussão - reluzente ser, nesse ínterim, a majoritária.
Corroborando com tudo que fora exposto até aqui, existem outras leis especiais (extravagantes) que sustentam a permanência da teoria concepcionista, caso, por exemplo, da Lei de Alimentos Gravídicos (Lei nº 11.804/2008), trazendo a possibilidade de o genitor paterno ter de pagar “pensão” para a genitora materna que ainda esteja em fase de gestação (nascituro tem direito de receber alimentos). Registre-se que o titular do direito alimentício não é a mãe, mas o filho em questão, cabendo àquela apenas pleitear tal direito representando seu futuro rebento, legítimo ativo e ordinário para tanto, embora incapaz para os atos da vida civil (estudaremos a teoria geral da representação, que também se aplica a questões processuais, em momento oportuno, quem sabe num próximo artigo).
A tese conceptualista, que tem supedâneo na segunda parte do art. 2º do atual Código Civil, é atual e moderna, além de estar mais próxima ao ideal de humanização do direito, da personalização do Direito Civil, estando, inexoravelmente, adequada aos avanços científicos que viemos presenciando nos últimos vinte anos. A ideia concepcionista, em seu campo de atuação, desliga-se de teorias meramente tecnicistas e apegadas ao patrimonialismo puro.
Devemos então, concordar com a festejada obra do Professor Tartuce e com a Professora Maria Helena Diniz, já que sob o prisma do Direito Civil brasileiro, a teoria concepcionista está com a mais plena razão. É a majoritária em sede de doutrina e, como exposto alhures, de jurisprudência.
Há representação no caso de incapacidade relativa?
Art. 4 o São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer: (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)
I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;
II - os ébrios habituais e os viciados em tóxico (antes: os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido”);
III - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade (antes: os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo);
IV - os pródigos.
Parágrafo único. A capacidade dos indígenas será regulada por legislação especial.
Comentários (p. 21):
[…] Ao estabelecer a lei que a curatela será proporcional, deve-se harmonizar com os instituto de representação e assistência aludidos no art. 1.747, I, aplicável à curatela (art. 1.781), demodo que poderá o juiz, caso o incapaz não tenha qualquer possibilidade de manifestar sua vontade, atribuir poder de representação, ainda que a incapacidade seja legalmente considerada relativa, uma vez que a absoluta ficou restrita aos menores de 16 anos.
Art. 1.747. Compete mais ao tutor:
I - representar o menor, até os dezesseis anos, nos atos da vida civil, e assisti-lo, após essa idade, nos atos em que for parte;
Art. 1.781. As regras a respeito do exercício da tutela aplicam-se ao da curatela, com a restrição do art. 1.772 e as desta Seção.
Cite hipóteses de atos que podem ser praticados pelo relativamente incapaz sem assistência.
Comentários (p. 22):
Atos existem, porém, que podem ser praticados sem tal assistência, como o testamento feito por maior de 16 anos (art. 1.860, parágrafo único), a aceitação de mandato (Art. 666) ou servir de testemunha (art. 228, I).
Art. 228. Não podem ser admitidos como testemunhas:
I - os menores de dezesseis anos;
Art. 666. O maior de dezesseis e menor de dezoito anos não emancipado pode ser mandatário, mas o mandante não tem ação contra ele senão de conformidade com as regras gerais, aplicáveis às obrigações contraídas por menores.
Art. 1.860. Além dos incapazes, não podem testar os que, no ato de fazê-lo, não tiverem pleno discernimento.
Parágrafo único. Podem testar os maiores de dezesseis anos.
A convivência em união estável faz cessar a incapacidade?
Art. 5 o A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil.
Parágrafo único. Cessará, para os menores, a incapacidade:
I - pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante instrumento público, independentemente de homologação judicial, ou por sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver dezesseis anos completos;
II - pelo casamento;
III - pelo exercício de emprego público efetivo;
IV - pela colação de grau em curso de ensino superior;
V - pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com dezesseis anos completos tenha economia própria.
Comentários (p. 23):
É de notar que o estabelecimento de união estável não faz cessar a incapacidade dos menores.
A admissão em emprego público por meio de concurso faz cessar a menoridade?
Art. 5 o A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil.
Parágrafo único. Cessará, para os menores, a incapacidade:
III - pelo exercício de emprego público efetivo;
Comentários (p. 24):
A nomeação para cargo de provimento em comissão, bem como as admissões mediante processos seletivos, que não se confundem com o concurso público, não determinam a cessação da incapacidade. Também não se identifica a contratação pelo regime da CLT nas empresas pública e sociedades de economia mista, que têm personalidade jurídica privada.
Assim, cargo efetivo só se reconhece na administração direta, nas autarquias e nas fundações criadas pelo Estado com personalidade jurídica pública, que prestigiosa corrente doutrinária equipara às autarquias, ou nas associações públicas.
Segundo o CC, quais atos devem ser registrado em registro público e quais devem ser averbados?
Art. 9 o Serão registrados em registro público:
I - os nascimentos, casamentos e óbitos;
II - a emancipação por outorga dos pais ou por sentença do juiz;
III - a interdição por incapacidade absoluta ou relativa;
IV - a sentença declaratória de ausência e de morte presumida.
Art. 10. Far-se-á averbação em registro público:
I - das sentenças que decretarem a nulidade ou anulação do casamento, o divórcio, a separação judicial e o restabelecimento da sociedade conjugal;
II - dos atos judiciais ou extrajudiciais que declararem ou reconhecerem a filiação;
Quais são as características dos direitos da personalidade?
Art. 11. Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária.
Comentários (p. 30):
O direito da personlidade são absolutos, extrapatrimoniais e perpétuos. De seu caráter absoluto decorre a oponibilidade erga omnes, na medida em que geram o dever geral de abster-se de sua violação. Sua extrapatrimonialidade afasta a possibilidade de transmissão [intrasmissibilidade] e, em consequência, são direitos impenhoráveis. Sendo perpétuos, não comportam renúncia, nascendo e extinguindo-se com a pessoa, embora sob alguns aspectos possam gozar de proteção para depois da morte.
A impossibilidade de renúncia não significa, entretanto, que a pessoa não possa em algumas circunstâncias, como ao revelar fatos de sua intimidade, deixar de exercê-los, mas tal não significa que deles abriu mão, podendo, por isso, a qualquer tempo recuperar-lhe o pleno exercício.
Enunciados:
4 – Art. 11: O exercício dos direitos da personalidade pode sofrer limitação voluntária, desde que não seja permanente nem geral.
139 – Art. 11: Os direitos da personalidade podem sofrer limitações, ainda que não especificamente previstas em lei, não podendo ser exercidos com abuso de direito de seu titular, contrariamente à boa-fé objetiva e aos bons costumes.
274 – Art. 11: Os direitos da personalidade, regulados de maneira não-exaustiva pelo Código Civil, são expressões da cláusula geral de tutela da pessoa humana, contida no art. 1º, inc. III, da Constituição (princípio da dignidade da pessoa humana). Em caso de colisão entre eles, como nenhum pode sobrelevar os demais, deve-se aplicar a técnica da ponderação.
O direito à inviolabilidade de consciência e de crença pode ser invocado pelos pais para justificar a recusa à realização de transfusão de sangue em filho?
Enunciado 403 da CJF:
O Direito à inviolabilidade de consciência e de crença, previsto no art. 5º, VI, da Constituição Federal, aplica-se também à pessoa que se nega a tratamento médico, inclusive transfusão de sangue, com ou sem risco de morte, em razão do tratamento ou da falta dele, desde que observados os seguintes critérios: a) capacidade civil plena, excluído o suprimento pelo representante ou assistente; b) manifestação de vontade livre, consciente e informada; e c) oposição que diga respeito exclusivamente à própria pessoa do declarante.
Em que hipóteses admite-se a divulgação de imagem de uma pessoa sem a sua autorização?
Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.
Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes.
Comentário (p. 40):
A lei contém resslavas, admitindo a divulgação da imagem ou de fato quando necessária a fins judiciais ou que interessem à ordem pública. Além dessas, o retrato de uma pessoa pode ser exibido quando justificado, segundo Orlando Gomes, por “sua notoriedade, o cargo que desempenha, exigência de política ou de justiça, finalidades científicas, didáticas ou culturais, ou quando a reprodução da imagem vier enquadrada na de lugares públicos ou de fatos de interesse público, ou que em público haja decorrido”. Evidentemente, mesmo nessas circunstancia não se tolerará o abuso (Art. 187), notadamente se verificado o objetivo comercial.
Não obstante a cessação da personlidade com a morte, alguns aspectos do direito da personalidade são preservados, como a honra, a boa fama da pessoa falecida, o que, aliás, também lefitima a revisão criminal de condenado falecido (art. 623 do CPP), de modo que a respectiva proteção pode ser reclamada pelo cônjuge, ascendente ou descendente, compreendendo-se nesse rol também o convivente.
A divulgação de carte pelo destinatária depende de autorização?
Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.
Comentário (p. 40):
Questão que pode oferecer dificuldade é a relativa à publicação de cartas, no tocante à legitimidade para autorizá-la, se do remetente ou do destinatário. Considerando-se que o legislador quer proteger a intimidade, somente poderá autorizar a publicação a pessoa referida, seja o subscritor, seja o destinatário.
Qual a diferença entre intimidade e vida privada?
Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.
Comentário (p. 41):
Não se confundem vida priva e intimidade, na medida em que essa se volta para o mundo interior do indivíduo, compreendidos, por exemplo, seus segredos, enquanto aquela, para o mundo exterior, que corresponde ao direito de manter o modo de vida que aprouver. Sob um ou outro aspecto, todavia, a proteção concedida é contra a indiscrição alheia.
Se o ausente deixar procurador, será possível declara-rse a ausência?
Art. 23. Também se declarará a ausência, e se nomeará curador, quando o ausente deixar mandatário que não queira ou não possa exercer ou continuar o mandato, ou se os seus poderes forem insuficientes.
Art. 26. Decorrido um ano da arrecadação dos bens do ausente, ou, se ele deixou representante ou procurador, em se passando três anos, poderão os interessados requerer que se declare a ausência e se abra provisoriamente a sucessão.
O cônjuge separado judicialmente há menos de 2 anos pode postular a declaração de ausência e a abertura da sucessão provisória?
Art. 25. O cônjuge do ausente, sempre que não esteja separado judicialmente, ou de fato por mais de dois anos antes da declaração da ausência, será o seu legítimo curador.
Art. 26. Decorrido um ano da arrecadação dos bens do ausente, ou, se ele deixou representante ou procurador, em se passando três anos, poderão os interessados requerer que se declare a ausência e se abra provisoriamente a sucessão.
Art. 27. Para o efeito previsto no artigo anterior, somente se consideram interessados:
I - o cônjuge não separado judicialmente;
II - os herdeiros presumidos, legítimos ou testamentários;
III - os que tiverem sobre os bens do ausente direito dependente de sua morte;
IV - os credores de obrigações vencidas e não pagas.
A garantia exigida para imissão na posse dos bens do ausente pode se dar sobre os próprios bens que se está a imitir?
Art. 30. Os herdeiros, para se imitirem na posse dos bens do ausente, darão garantias da restituição deles, mediante penhores ou hipotecas equivalentes aos quinhões respectivos.
§ 1º Aquele que tiver direito à posse provisória, mas não puder prestar a garantia exigida neste artigo, será excluído, mantendo-se os bens que lhe deviam caber sob a administração do curador, ou de outro herdeiro designado pelo juiz, e que preste essa garantia.
§ 2º Os ascendentes, os descendentes e o cônjuge, uma vez provada a sua qualidade de herdeiros, poderão, independentemente de garantia, entrar na posse dos bens do ausente.
COMENTÁRIOS (P. 45):
Os herdeiros necessários - descendentes, ascendentes e cônjuge - estão dispensados da prestação de garantia. Os demais, legítimos (art. 1.829, IV) ou testamentários (Art. 1.857), bem como o convivente, que nessa passo não se equipara ao cônjuge (art. 1.790 [penso que nesse ponto ficou superada a lição]), têm de dar garantia de restituição dos bens, no equivalente aos respectivos quinhões, mediante penhor ou hipoteca. A garantia real, todavia, pode ser substituída por outra, a critério do juiz, uma vez que, no caso, não está adstrito a observar a legalidade estrita (Art. 723, parágrafo único, do CPC-2015).
A garantia, se os bens não forem consumíveis, poderá ser dada com eles mesmos, segundo José Olympio de Castro Filho, “sem necessidade de estabelecer o sucessor provisório ônus sobre os bens próprios”.
Os sucessores provisórios tem direito aos frutos dos bens em que foram empossados?
Art. 33. O descendente, ascendente ou cônjuge que for sucessor provisório do ausente, fará seus todos os frutos e rendimentos dos bens que a este couberem; os outros sucessores, porém, deverão capitalizar metade desses frutos e rendimentos, segundo o disposto no art. 29 , de acordo com o representante do Ministério Público, e prestar anualmente contas ao juiz competente.
Parágrafo único. Se o ausente aparecer, e ficar provado que a ausência foi voluntária e injustificada, perderá ele, em favor do sucessor, sua parte nos frutos e rendimentos.
Art. 34. O excluído, segundo o art. 30 , da posse provisória poderá, justificando falta de meios, requerer lhe seja entregue metade dos rendimentos do quinhão que lhe tocaria.
Quanto tempo de após a sucessão provisória, permite-se o requerimento da sucessão definitiva?
Art. 37. Dez anos depois de passada em julgado a sentença que concede a abertura da sucessão provisória, poderão os interessados requerer a sucessão definitiva e o levantamento das cauções prestadas.
Art. 38. Pode-se requerer a sucessão definitiva, também, provando-se que o ausente conta oitenta anos de idade, e que de cinco datam as últimas notícias dele.
Em quanto tempo se consolida a sucessão definitiva?
Art. 39. Regressando o ausente nos dez anos seguintes à abertura da sucessão definitiva, ou algum de seus descendentes ou ascendentes, aquele ou estes haverão só os bens existentes no estado em que se acharem, os sub-rogados em seu lugar, ou o preço que os herdeiros e demais interessados houverem recebido pelos bens alienados depois daquele tempo.
Parágrafo único. Se, nos dez anos a que se refere este artigo, o ausente não regressar, e nenhum interessado promover a sucessão definitiva, os bens arrecadados passarão ao domínio do Município ou do Distrito Federal, se localizados nas respectivas circunscrições, incorporando-se ao domínio da União, quando situados em território federal.
O parágrafo do art. 41 faz alusão a que tipo de entidade?
Art. 41. São pessoas jurídicas de direito público interno:
I - a União;
II - os Estados, o Distrito Federal e os Territórios;
III - os Municípios;
IV - as autarquias, inclusive as associações públicas; (Redação dada pela Lei nº 11.107, de 2005)
V - as demais entidades de caráter público criadas por lei.
Parágrafo único. Salvo disposição em contrário, as pessoas jurídicas de direito público, a que se tenha dado estrutura de direito privado, regem-se, no que couber, quanto ao seu funcionamento, pelas normas deste Código.
Enunciado n. 141 da Jornadas: A remissão do art. 41, parágrafo único, do Código Civil às pessoas jurídicas de direito público, a que se tenha dado estrutura de direito privado, diz respeito às fundações públicas e aos entes de fiscalização do exercício profissional.
Qual é o prazo para anular a constituição de pessoas jurídicas, por defeitos do respectivo ato?
Art. 45. Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo.
Parágrafo único. Decai em três anos o direito de anular a constituição das pessoas jurídicas de direito privado, por defeito do ato respectivo, contado o prazo da publicação de sua inscrição no registro.
Se um agente da pessoa jurídica, sem poderes de administração, celebra um contrato, estará este negócio eivado de vício de nulidade ou de ineficácia?
Art. 47. Obrigam a pessoa jurídica os atos dos administradores, exercidos nos limites de seus poderes definidos no ato constitutivo.
Comentário (p. 53):
A manifestação de vontade da pessoa jurídica se dá pelos administradores, cujos poderes devem ser fixados no ato constitutivo.
Quem o ato constitutivo indicar para administrar e representar a pessoa jurídica (Art. 46, III) tem legitimidade, que, no caso, é fator de eficácia do negóicio jurídico e, no dizer de Antonio Junqueira de Azevedo, “pode ser definida como a qualidade do agente consistente na aptidão, obtida pelo fato de estar o agente na titularidade de um poder, para realizar eficazmente um nefócio jurídico; ele existe por causa de uam relação jurídica anterior”. A ineficácia decorrerá da insuficiência de poderes. Já se não houver poder algum e, portanto, faltar a mencionada “relação jurídica anterior”, a hipótese será a de invalidade do negócio, porque vontade alguma foi manifestada, e a isso equivalem as declarações de quem não recebeu qualquer poder de representação da pessoa jurídica. Ressalvam-se, porém, as hipóteses nas quais é possível arguir a teoria da aparência, assim sustentada por Orlando Gomes, caso “o falso diretor, ou o falso gerente, se comporte aos olhos de todos e para com terceiros como se realmente estivesse a exercer, por título legítimo, a administrção da sociedade”.
É causa de nulidade absoluta ou relativa a hipótese de simulação em relação a deliberações internas da pessoa jurídica?
Art. 48. Se a pessoa jurídica tiver administração coletiva, as decisões se tomarão pela maioria de votos dos presentes, salvo se o ato constitutivo dispuser de modo diverso.
Parágrafo único. Decai em três anos o direito de anular as decisões a que se refere este artigo, quando violarem a lei ou estatuto, ou forem eivadas de erro, dolo, simulação ou fraude.
Comentário (p. 54):
O parágrafo único tem redação ambígua, pois se refere a prazo decadencial de três anos para anular as decisões referidas no caput, quando violarem a lei ou o estatuto, ou forem eivadas de erro, dolo, simulação ou fraude. O objetivo de se estabelecer o prazo decadencial é, a partir de seu termo final, estabilização da relação entre os integrantes da pessoa jurídica, já que a deliberação a que se refere é de orgão interno. Assim, deve-se entender que tanto a insuficiência de quorum como os vícios referidos são bastantes para desafiar a anulação, ficando, porém, o ato convalidado pelo decurso do tempo.
A segunda dificuldade é que a le sujeitou a prazo decadencial hipóteses de nulidade absoluta, ou seja, simulação (art. 167), que não convalesce (art. 169). Considerando-se, todavia, que se trata de relações internas da pessoa jurídica, predominando o interesse privado, é de entender que, no caso específico do parágrafo úncio do art. 48, todos os vícios apontados acarretam nulidade relativa (art. 171, caput), portanto, sanáveis a ebm da pessoa jurídica.
A alteração da finalidade da pessoa jurídica configura desvio de finalidade?
Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso. (Redação dada pela Lei nº 13.874, de 2019)
§ 1º Para os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
§ 5º Não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
A desconsideração da personalidade jurídica pode atingir sócio que não tenha incorrido na prática do ato irregular que o justifica?
Enunciado 7 da CJF: Só se aplica a desconsideração da personalidade jurídica quando houver a prática de ato irregular e, limitadamente, aos administradores ou sócios que nela hajam incorrido.
A aplicação da desconsideração da personalidade jurídica do art. 50 do CC depende da demonstração da insolvência da pessoa jurídica?
Enuciado n. 281 da CJF: A aplicação da teoria da desconsideração, descrita no art. 50 do Código Civil, prescinde da demonstração de insolvência da pessoa jurídica.
RECURSO ESPECIAL. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA.
CPC/2015. PROCEDIMENTO PARA DECLARAÇÃO. REQUISITOS PARA A INSTAURAÇÃO. OBSERVÂNCIA DAS REGRAS DE DIREITO MATERIAL.
DESCONSIDERAÇÃO COM BASE NO ART. 50 DO CC/2002. ABUSO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. DESVIO DE FINALIDADE. CONFUSÃO PATRIMONIAL.
INSOLVÊNCIA DO DEVEDOR. DESNECESSIDADE DE SUA COMPROVAÇÃO. 1. A desconsideração da personalidade jurídica não visa à sua anulação, mas somente objetiva desconsiderar, no caso concreto, dentro de seus limites, a pessoa jurídica, em relação às pessoas ou bens que atrás dela se escondem, com a declaração de sua ineficácia para determinados efeitos, prosseguindo, todavia, incólume para seus outros fins legítimos.
2. O CPC/2015 inovou no assunto prevendo e regulamentando procedimento próprio para a operacionalização do instituto de inquestionável relevância social e instrumental, que colabora com a recuperação de crédito, combate à fraude, fortalecendo a segurança do mercado, em razão do acréscimo de garantias aos credores, apresentando como modalidade de intervenção de terceiros (arts. 133 a 137) 3. Nos termos do novo regramento, o pedido de desconsideração não inaugura ação autônoma, mas se instaura incidentalmente, podendo ter início nas fases de conhecimento, cumprimento de sentença e executiva, opção, inclusive, há muito admitida pela jurisprudência, tendo a normatização empreendida pelo novo diploma o mérito de revestir de segurança jurídica a questão.
4. Os pressupostos da desconsideração da personalidade jurídica continuam a ser estabelecidos por normas de direito material, cuidando o diploma processual tão somente da disciplina do procedimento. Assim, os requisitos da desconsideração variarão de acordo com a natureza da causa, seguindo-se, entretanto, em todos os casos, o rito procedimental proposto pelo diploma processual.
6. Nas causas em que a relação jurídica subjacente ao processo for cível-empresarial, a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica será regulada pelo art. 50 do Código Civil, nos casos de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial.
7. A inexistência ou não localização de bens da pessoa jurídica não é condição para a instauração do procedimento que objetiva a desconsideração, por não ser sequer requisito para aquela declaração, já que imprescindível a demonstração específica da prática objetiva de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial.
8. Recurso especial provido.
(REsp 1729554/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 08/05/2018, DJe 06/06/2018)
O encerramento irregular da Pessoa Jurídica constitui causa suficiente par autorizar a desconsideração da personalidade jurídica?
Enunciado n. 282 da CJF: O encerramento irregular das atividades da pessoa jurídica, por si só, não basta para caracterizar abuso da personalidade jurídica.
AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CIVIL. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. ASSOCIAÇÃO. REQUISITOS. DISSOLUÇÃO IRREGULAR. FRAUDE DE CREDORES.
1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).
2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça encontra-se consolidada no sentido de que a desconsideração da personalidade jurídica é medida excepcional e está subordinada à comprovação do abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade (ato intencional dos sócios com intuito de fraudar terceiros) ou pela confusão patrimonial.
3. Na hipótese, a dissolução irregular da associação com o objetivo de fraudar credores é suficiente para presumir o abuso da personalidade jurídica.
4. Agravo interno não provido.
(AgInt no REsp 1830571/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 22/06/2020, DJe 26/06/2020)
Os associados, numa associação, pode ter direitos diferentes?
Art. 55. Os associados devem ter iguais direitos, mas o estatuto poderá instituir categorias com vantagens especiais.
Quais são as condições para que se possa alterar o estatuto de fundação?
Art. 67. Para que se possa alterar o estatuto da fundação é mister que a reforma:
I - seja deliberada por dois terços dos competentes para gerir e representar a fundação;
II - não contrarie ou desvirtue o fim desta;
III - seja aprovada pelo órgão do Ministério Público, e, caso este a denegue, poderá o juiz supri-la, a requerimento do interessado. (revogado)
III – seja aprovada pelo órgão do Ministério Público no prazo máximo de 45 (quarenta e cinco) dias, findo o qual ou no caso de o Ministério Público a denegar, poderá o juiz supri-la, a requerimento do interessado. (Redação dada pela Lei nº 13.151, de 2015)
Diferencie a fundação da associação no que toca ao destino de seu patrimônio no caso de extinção.
Art. 61. Dissolvida a associação, o remanescente do seu patrimônio líquido, depois de deduzidas, se for o caso, as quotas ou frações ideais referidas no parágrafo único do art. 56 , será destinado à entidade de fins não econômicos designada no estatuto, ou, omisso este, por deliberação dos associados, à instituição municipal, estadual ou federal, de fins idênticos ou semelhantes.
§ 1o Por cláusula do estatuto ou, no seu silêncio, por deliberação dos associados, podem estes, antes da destinação do remanescente referida neste artigo, receber em restituição, atualizado o respectivo valor, as contribuições que tiverem prestado ao patrimônio da associação.
§ 2o Não existindo no Município, no Estado, no Distrito Federal ou no Território, em que a associação tiver sede, instituição nas condições indicadas neste artigo, o que remanescer do seu patrimônio se devolverá à Fazenda do Estado, do Distrito Federal ou da União.
Art. 69. Tornando-se ilícita, impossível ou inútil a finalidade a que visa a fundação, ou vencido o prazo de sua existência, o órgão do Ministério Público, ou qualquer interessado, lhe promoverá a extinção, incorporando-se o seu patrimônio, salvo disposição em contrário no ato constitutivo, ou no estatuto, em outra fundação, designada pelo juiz, que se proponha a fim igual ou semelhante.
Quais são as cinco espécies de domicílio?
Art. 70. O domicílio da pessoa natural é o lugar onde ela estabelece a sua residência com ânimo definitivo.
Comentário (p. 67):
Existem cinco espécies de domicílio: a) voluntário, que se subdivida em único ou plural (art. 71) e é o escolhido pelo sujeito, sendo também volutário o do itinerante (art. 73); b) legal ou necessário, fixado por lei (art. 76); c) profissionaral, concernente às relações da profissão (art. 72); d) contratual, estabelecido no contrato para o exercício e cumprimento de direito e obrigações (art. 78 do CC e 63 do CPC); e) facultativo, correspondente ao do agente diplomático se alegar extraterritorialidade (art. 77).
Art. 71. Se, porém, a pessoa natural tiver diversas residências, onde, alternadamente, viva, considerar-se-á domicílio seu qualquer delas.
Art. 72. É também domicílio da pessoa natural, quanto às relações concernentes à profissão, o lugar onde esta é exercida.
Parágrafo único. Se a pessoa exercitar profissão em lugares diversos, cada um deles constituirá domicílio para as relações que lhe corresponderem.
Art. 73. Ter-se-á por domicílio da pessoa natural, que não tenha residência habitual, o lugar onde for encontrada.
Art. 76. Têm domicílio necessário o incapaz, o servidor público, o militar, o marítimo e o preso.
Parágrafo único. O domicílio do incapaz é o do seu representante ou assistente; o do servidor público, o lugar em que exercer permanentemente suas funções; o do militar, onde servir, e, sendo da Marinha ou da Aeronáutica, a sede do comando a que se encontrar imediatamente subordinado; o do marítimo, onde o navio estiver matriculado; e o do preso, o lugar em que cumprir a sentença.
Art. 77. O agente diplomático do Brasil, que, citado no estrangeiro, alegar extraterritorialidade sem designar onde tem, no país, o seu domicílio, poderá ser demandado no Distrito Federal ou no último ponto do território brasileiro onde o teve.
Art. 78. Nos contratos escritos, poderão os contratantes especificar domicílio onde se exercitem e cumpram os direitos e obrigações deles resultantes.
Qual a relevância de o CC atribuir a qualidade de imóveis para alguns direitos?
Art. 80. Consideram-se imóveis para os efeitos legais:
I - os direitos reais sobre imóveis e as ações que os asseguram;
II - o direito à sucessão aberta.
Comentário (p. 73):
Gana relevo a circunstância de esses bens serem considerados imóveis pelo fato de suas alienações, em regra, exigirem escritura pública (art. 108).
Quais são os elementos essenciais da pertença?
Art. 93. São pertenças os bens que, não constituindo partes integrantes, se destinam, de modo duradouro, ao uso, ao serviço ou ao aformoseamento de outro.
Comentários (p. 77):
Assim, as pertenças são coisas acessórias que, conservando individualidade e autonomia, têm com a principal, de modo duradouro, uma subordinação econômica, para atingir suas finalidades. São exemplos a moldura de um quadro, a engenhoca adptada a um veículo para melhor desempenho de seu motor ou economia de combustível, as máquinas e implementos agrícolas em uma fazenda ou ornamentos, como vasos de flores de uma residência.
São elementos essenciais para caracterização das petenças: a) vínculo intencional, material ou ideal, de se pôr a serviço da coisa principal; b) destinação duradoura, permanente e efetiva a bem da coisa principal, não se caracterizando se for meramente transitória ou inócua.
Qual a diferença básica entre benfeitoria e acessão?
Art. 96. As benfeitorias podem ser voluptuárias, úteis ou necessárias.
§ 1º São voluptuárias as de mero deleite ou recreio, que não aumentam o uso habitual do bem, ainda que o tornem mais agradável ou sejam de elevado valor.
§ 2º São úteis as que aumentam ou facilitam o uso do bem.
§ 3º São necessárias as que têm por fim conservar o bem ou evitar que se deteriore.
Comentário (p. 78):
Não se devem confundir benfeitoria com acessões, embora em muitas circunstância recebam tratamento assemelhado. A acessão se caracteriza pela aquisição de coisa nova, enquanto a benfeitoria se faz sobre coisa nates já existente.
Em que consiste a reserva mental e qual sua relação com a teoria da confiança?
Art. 110. A manifestação de vontade subsiste ainda que o seu autor haja feito a reserva mental de não querer o que manifestou, salvo se dela o destinatário tinha conhecimento.
Comentários (p. 88):
A manifestação da vontade é imprescindível para a formação do negócio jurídico, entretanto vontade e declaração nem sempre coincidem. A segurança das relações jurídicas, porém, reclama que se empreste eficácia ao que foi declarado e não ao que, eventualmente, for desejado, mas não declarado. Por esse motivo, o que foi objeto de reserva mental, em regra, não é levado em conta.
Vicente Rao, que, nesse processo, reconhece a existência de três elementos volitivos - vontade, vontade de declaração e vontade de conteúdo -, afirma que “a reserva mental é uma particular espécie de vontade não declarada, por não querer, o agente, declará-la. É uma vontade que o agente intencionalmente oculta, assim procedendo para sua declaração ser entendida pela outra parte, ou pelo destinatário (como seria pelo comum dos homens) tal qual exteriormente se apresenta, embora ele, declarante, vise a alcançar não os efeitos de sua declaração efetivamente produzida, mas os que possam resultar de sua reserva”, e acrescente que, “nesta hipótese, nenhum conflito juridicamente existe, porque o direito valor algum atribui a essa atitude omissiva do declarante: a vontade intencionalmente não declarada, no caso, não pode chocar-se com a vontade declarada”.
Esse entendimento, todavia, é abrandado pela teoria da confiança, na medida em que, segundo Orlando Gomes, “empresta valor à aparência da vontade, se não é destruída por circunstâncias que indiquem má-fé em quem acreditou ser verdadeira. Havendo divergência entre a vontade interna e a declaração, os contraentes de boa-fé, a respeito dos quais tal vontade foi imperfeitamente manifestada, têm direito a considerar firme a declaração que se podia admitir como vontade efetiva da outra parte, ainda quando esta houvesse errado de boa-fé ao declarar a própria vontade. Enquanto, pois, tem um dos contratantes razão para acreditar que a declaração corresponde à vontade do outro, há de se considerá-la perfeita, por ter suscitado a legítima confiança em sua veracidade”. Conclui dizendo: “A aparência da vontade não é levada em conta em todas as circunstÂncia e sem outras considerações. Necessário que possa despertar a convicção de que se trata de vontade real. Concede-se à declaração valor relativo, tornando-a decisiva sempre que a confiança no seu conteúdo se possa fundar na boa-fé de destinatário. Pode-se esquematizar assim a teoria:a declaração de vontade é eficaz, ainda quando não corresponde À vontade interna do declaração, se o destinatário não souber, ou não puder saber, que não corresponde à vontade”. A reserva mental conhecida do declatário, entretanto, se encobrir ilicitude, sofre as consequência da simulação (art. 167).
Qual a diferença entre capacidade e legitimação?
Art. 104. A validade do negócio jurídico requer:
I - agente capaz;
II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável;
III - forma prescrita ou não defesa em lei.
Comentário (p. 85):
É imprescidível a todo negócio jurídico, embora a lei não o haja mencionado, a manifestação da vontade. Assim também a capacidade do agente, pois, se absolutamente incapaz, acarretará a nulidade absoluta (art. 166 e 167) e, se relativamente incapaz, a nulidade relativa (art. 171, I). Isso não significa que os incapazes não podem realizar negócio jurídico; poderão fazê-lo representados ou assistidos (art. 115 e segs.). Não se confunde, porém, capacidade com legitimação, porque, para certos negócios, além daquela, o sujeito deverá preencher algum requisito especial, como a outorga uxória na venda de bens imóveis (Art. 1.647), ou não incorrer em impedimento (art. 497). O objeto haverá de ser lícito, ou seja, não proibido por lei, nem contrário à ordem pública, à moral ou aos bons costumes. Não pode, também, consubstanciar prestação fisicamente impossível ou se referir a coisa inexistente ou insuscetível de determinação. A impossibilidade aqui referida tem de ser absoluta, isto é, não realizável por qualquer pessoa (veja art. 106).
Art. 106. A impossibilidade inicial do objeto não invalida o negócio jurídico se for relativa, ou se cessar antes de realizada a condição a que ele estiver subordinado.
Em que hipóteses o silêncio importa anuência?
Art. 111. O silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa.
Podem as partes pactuar livremente as regras de interpretação dos negócios jurídicos, ainda que contrariem os da lei?
Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.
§ 1º A interpretação do negócio jurídico deve lhe atribuir o sentido que: (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
I - for confirmado pelo comportamento das partes posterior à celebração do negócio; (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
II - corresponder aos usos, costumes e práticas do mercado relativas ao tipo de negócio; (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
III - corresponder à boa-fé; (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
IV - for mais benéfico à parte que não redigiu o dispositivo, se identificável; e (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
V - corresponder a qual seria a razoável negociação das partes sobre a questão discutida, inferida das demais disposições do negócio e da racionalidade econômica das partes, consideradas as informações disponíveis no momento de sua celebração. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
§ 2º As partes poderão livremente pactuar regras de interpretação, de preenchimento de lacunas e de integração dos negócios jurídicos diversas daquelas previstas em lei. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
Os atos praticados pelo mandatário com excesso de poder vinculam o mandante?
Art. 118. O representante é obrigado a provar às pessoas, com quem tratar em nome do representado, a sua qualidade e a extensão de seus poderes, sob pena de, não o fazendo, responder pelos atos que a estes excederem.
Comentários (Rosenval, volume 4 - p. 917-919):
Apesar da naturla tentação de confundir abuso e excesso de poder, sobreleva perceber que são situações diversas.
Ocorre abuso de poder pelo mandatário quando ele, no desempenho de suas atividades, sem exceder os limites expressamente estabelecidos pelo mandante, atua contrariamente às instruções que lhe foram dada, implícita ou explicitamente, pelo outorgante.
Esse abuso de poder não concerne às relações estabelecidas entre o outorgado e os terceiros que com ele celebraram negócio jurídico, em face do contrato. Trata-se de um incidente na relação jurídica interna, travada entre o mandante e o mandatário apenas. Daí a assertiva de que no que concerne à pessoa com quem o mandatário negociou, não se configura abuso dos poderes, na medida em que o mandatário não extrapolou os poderes concedidos. Logo, o mandante permanece responsável pelas obrigações assumidas pelo mandatário.
Situação distinta ocorre quando o mandatário excede à limitação de poderes confiados pelo mandante. Em tal hipótese, o mandante não responde pelos atos praticados, uma vez que estará limitado pelo seu interesse, expressamente previsto na avença.
Sublinhe-se à saciedade: o mandante só fica vinculado aos atos praticados em seu nome pleo outorgado se observados os limites dos poderes conferidos pelo contrato de mandato, não respondendo pelo excesso de mandato. Trata-se de simples desdobramento da preservação de sua declaração de vontade, já que não pode se obrigar, ordinariamente, uma vez que pelo que não manifestou seu desejo.
Exemplificando, se um mandatário tinha poderes para alugar um determinado bem e o concedeu em comodato, extrapolou, visivelmente, os limites do contrato, não obrigando o mandante em relação ao terceiro.
No ponto, inclusive, a regra do art. 662 do Códex ampara a tese, confirmando que “os atos praticados por quem não tenha mandato, ou o tenha sem poderes suficientes, são ineficazes em relação àquele em cujo nome foram praticados”.
Observe-se que o ato praticado pelo mandatário com excesso de poder existe e é válido entre as parte celebrantes. E, mantendo o caminho, é eficaz entre ele também. Ou seja, é res inter alio acta; apenas não produzirá efeito jurídico sob a esfera de interesses do mandante, na medida em que extravasou os confins divisórios estabelecidos pelo contrato.
Conforme liçlão de GUSTAVO TEPEDINO, “a ausência de poder equivale à ausência de representação, sem a qual inexiste causa jurídica que legitime a assunção do vínculo diretamente pelo mandante”.
A orientação jurisprudencial confirma a inexistência de responsabilidade do mandante pelo excesso de poder do mandatário, salvo na hipótese de boa-fé de terceiro.
[…]
De qualquer forma, é absolutamente possível a convalidação (ratificação) do ato excessivo praticado pelo mandatário, de maneira expressa ou tácita, até mesmo em respeito ao caráter volitivo do negócio e homenageando a teoria do aproveitamento da vontade.
Ademais, em sendo caso de mandato aparente, é preciso reconhecer a necessidade de solução distinta, na medida em que um terceiro de boa-fé confiou na existência de poderes para que o mandatário praticasse atos vinculativos ao mandante, em face de circunstâncias externas (aparentes), decorrentes da atitude do próprio outorgante.
Em que consiste o mandato aparente?
A ausêncai de concessão de poderes ao terceiro, a rigor, isenta o mandante de qualquer responsabilidade, tornando-se imune aos vínculos e aos fatos praticados pelo mandatário.
Entrementes, prestando justa homenagem à boa-fé, que é pedra angular das relações privadas, o estudo do contrato de mandato não pode se afastar do princípio da notoriedade - notadamente, da conhecida teoria da aparência - protegendo juridicamente o terceiro de boa-fé.
Com isso, é possível sustenta que, se uma pessoa auta, aparentemente (aos olhos de todos), como se tivesse poderes para representar uma outra, é possível, hipotetivamente refletindo, sustentar a decorrência de responsabilidade civil, prestigiando o comportamente ético das partes (boa-fé objetiva) e resguardando a boa-fé (subjetiva) de terceiros.
Equivale dizer: pode haver celebração de um contrato de mandato não apenas de forma expressa, mas, também, de modo comportamental. E, assim, gerar a responsabilização de alguém cujo comportamento, comissivo ou omissivo, contribuiu para despertar em terceiros a justa expectativa de que um terceiro atuava em seu nome.
Quando a aparência de celebração de negócio é idônea por suscitar a confiança ou a representação mental, o criador desta situação concreta (aparente) está vinculado ao resultado. É a chamada teoria da aparência, que aqui ganha terminologia prórpia: mandato aparente.
Seria o caso do representante comercial, que, não raro, visita clientes e celebra contratos, vestido com uniforme da empresa, mas, de ordinário, sem apresentar contrato de mandato que estaria a lhe conferir poderes para tanto. Também é o caso do tercerio que adquiriu um bem do mandatário após a extinção do mandato, decorrente, por exemplo, de revogação ou morte desconhecida do adquirente. […]
O que são condições impróprias?
Art. 121. Considera-se condição a cláusula que, derivando exclusivamente da vontade das partes, subordina o efeito do negócio jurídico a evento futuro e incerto.
Comentários:
- Para se caracterizar verdadeiramente a condição, distinguindo-a, também, da chamada condições impróprias, é preciso a concorrência dos seguintes elementos que emergem da definição legal: a) evento futuro, de que depende a eficácia do negócio; b) dependência da vontade e não diretamente da lei; c) incerteza da ocorrência do evento.
O evento a que se subordina a eficácia do negócio, não sendo futuro e incerto, desqualificar a condição, dizendo-se, então, imprópria quae ad praeteritum vvel praesens tempus referentum.
INTERNET:
Os três requisitos para a condição são: voluntariedade, futuridade e a incerteza.
a) Voluntariedade: a condição deve ser resultado da manifestação de vontade das partes (vontade unilateral ou bilateral). Deve ter sido inserida voluntariamente e expressamente no negócio jurídico, não se admitindo condição tácita ou presumida. Esta é a verdadeira condição, também denominada condição própria, e está regulada nos arts. 121 a 130 do Código Civil. Não deve ser confundida com a condição imprópria (também denominada condição legal ou conditio iuris), que nada mais é do que uma exigência legal (um requisito) para validade ou eficácia de um ato jurídico (p. ex.: a exigência de que o absolutamente incapaz seja representado nos atos da vida civil; a exigência de que o pacto antenupcial seja feito mediante escritura pública etc.)
b) Futuridade: o segundo requisito da condição é que o evento do qual dependerá a eficácia do negócio jurídico seja futuro, isto é, seja um fato posterior à celebração do negócio.
c) Incerteza: este último requisito permite a distinção entre a condição (evento futuro e incerto) e o termo (evento futuro e certo).
É lícito colocar como condição em um contrato a proibição de uma pessoa de casar com outra?
Art. 122. São lícitas, em geral, todas as condições não contrárias à lei, à ordem pública ou aos bons costumes; entre as condições defesas se incluem as que privarem de todo efeito o negócio jurídico, ou o sujeitarem ao puro arbítrio de uma das partes.
Comentário:
Lícitas são as condições que não contrariam a lei ou os bons costumes, e ilícitas, aquelas que a lei e os bons constumes condenam. Trata-se de uma regra. Conhecida na doutrina como condição proibida é a cláusula si no nupseris, a que, todavia, se contrapõe haver nulidade apenas se a proibição de casar-se for absoluta e não apenas com certa ou determinada pessoa.
As condições incompreensíveis e as impossíveis invalidam os negócios jurídicos que lhes são subordinados?
Art. 123. Invalidam os negócios jurídicos que lhes são subordinados:
I - as condições física ou juridicamente impossíveis, quando suspensivas;
II - as condições ilícitas, ou de fazer coisa ilícita;
III - as condições incompreensíveis ou contraditórias.
Art. 124. Têm-se por inexistentes as condições impossíveis, quando resolutivas, e as de não fazer coisa impossível.
OU SEJA: as condições incompreensíveis sempre invalidam o negócio!!!
Como fica a situação do terceiro de boa-fé se configurada a hipótese do art. 126 do CC?
Art. 126. Se alguém dispuser de uma coisa sob condição suspensiva, e, pendente esta, fizer quanto àquela novas disposições, estas não terão valor, realizada a condição, se com ela forem incompatíveis.
Art. 126. Se alguém dispuser de uma coisa sob condição suspensiva, e, pendente esta, fizer quanto àquela novas disposições, estas não terão valor, realizada a condição, se com ela forem incompatíveis.
Comentários:
Em relação ao terceiro de boa-fé, a superveniÊncia da condição não o prejudica, em regra, de modo que ficam salvos os negócios sobre bens fungíveis e móveis em geral de boa-fé adquiridos, e imóveis, se no registro não contiver menção à cláusual de condição. Também não interfere o implemento de condição sobre os frutos percebidos.
Responderá, porém, a parte por perdas e danos se, realizado ato de disposição incompatível com a condição entabulada, não puder restabelecer a integralidade do negócio firmado.
Qual a diferença entre termo e condição?
Termo é o momento a partir do qual tem início (dies a quo) ou se extingue (dies ad quem) uma relação de direito. Difere da condição porque, enquanto esta ´futura e incerta, o termo é evento futuro e certo. Pode, entretanto, não se conhecer o momento em que ocorrerá, como é o caso do evento morte de uma pessoa, daí dizer-se equivocamente “termo incerto”, que, na verdade, é, apenas, indeterminado ou impreciso.
O termo inicial suspende o exercício, mas não a aquisição do direito, que suspende a aquisição e o exercício do direito (art. 125).
Como se dá a contagem de prazos no CC? É a mesma do Direito Penal?
CC:
Art. 132. Salvo disposição legal ou convencional em contrário, computam-se os prazos, excluído o dia do começo, e incluído o do vencimento.
§ 1º Se o dia do vencimento cair em feriado, considerar-se-á prorrogado o prazo até o seguinte dia útil.
§ 2º Meado considera-se, em qualquer mês, o seu décimo quinto dia.
§ 3º Os prazos de meses e anos expiram no dia de igual número do de início, ou no imediato, se faltar exata correspondência.
§ 4º Os prazos fixados por hora contar-se-ão de minuto a minuto.
CP:
Art. 10 - O dia do começo inclui-se no cômputo do prazo. Contam-se os dias, os meses e os anos pelo calendário comum.
Comentários ao CP:
Ao contrário do que ocorre com os prazos processuais (art. 798, pár. 1, CPP), os penais são fatais e improrrogáveis e na sua contagem o dia do começo inclui-se no cálculo. Tal forma de contagem aplica-se a todos os prazos da lei material (ou predominantemente material), tais como os de duração das penas, do sursis, do livramente condicional, da prescrição, da decadência etc.
A diferença na contagem dos prazos foi fixada apenas e tão somente para favorer o réu. Na contagem dos prazos processuais, não se considerando o dia de inívcio, dá-se ao agente “um dia a mais” para lançar mão da providência processual adequada. Em contrapartida, como os prazo penais sempre correm em favor do réu, começam a ser contados um dia antes, sem possibilidade de prorrogação. Assim, se a prescrição se verifica no dia 22 de agosto, um domingo, será este o marco da extinção da punibilidade do Estado, por favorecer o agente.
Para a contagem de prazo, utiliza-se o calendário gregoriano. Um mês de prazo vai de determinado dia à véspera do mesmo dia do mês subsequente e, da mesma forma, um ano é contado de certo dia à véspera do direta idêntico no mesmo mês do ano seguinte.
Exemplo: imaginemos que no dia 14 de setembro de 2010 ocorreu um crime de furto simples. Segundo a regra do art. 109, IV, a prescrição da pretensão punitiva em abstrato ocorrerá em 8 anos. Fazendo-se os cálculos, veremos que o último dia para o recebimento da denúncia será dia 13 de setembro de 2018, pois no dia 14 já estará operada a prescrição.
É encargo ilícito invalida o negócio jurídico?
Art. 137. Considera-se não escrito o encargo ilícito ou impossível, salvo se constituir o motivo determinante da liberalidade, caso em que se invalida o negócio jurídico.
Para que o erro dê causa à anulabilidade do negócio, é necessário que seja escusável?
Art. 138. São anuláveis os negócios jurídicos, quando as declarações de vontade emanarem de erro substancial que poderia ser percebido por pessoa de diligência normal, em face das circunstâncias do negócio.
Comentário:
Não é necessário que o erro seja comum a ambas as partes nos negócios bilaterais, bastando que atinja a vontade de uma delas. Exige-se, todavia, que, no equívoco ou falta representação, possa incidir pessoa de diligência normal (vir medius), mas não é pacífico que deva ser escusável. Esse atributo, na verdade, varia de acordo com a pessoa que alega, não sendo escrusável o erro em matéria ténica ou profissional do eclarante, por exemplo. A exigência de que o erro seja escusável se justifica em benefício da confiança que deve estar presente nas relações jurídicas.
Flávio Tartuce:
De acordo com esse mesmo art. 138 do CC-2002, não mais interesse se o erro é escusável (justificável) ou não. Isso porque foi adotado pelo comando legal o princípio da confiança. Na sistemática do atual Código está valorizada a eticidade, motivo pelo qual, presente a falsa noção relevante, merecerá o negócio anulabilidade. A essa conclusão chegou o corpo de juristas que participou da I Jornada de Direito Civil, promovida pelo COnselho da Justiça Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça, com a aprovação do Enunciado n. 12, cuja redação merece destaque: “na sistemática do art. 138, é irrelevante ser ou não escusável o erro, porque o dispositivo adota o princípio da confiança”.
O enunciado doutrinário, pelo menos aparentemente, encerra a discussão anterior sobre a necessidade de o erro ser justificável. SObre o tema, o Professor da USP José Fernando SImão escreveu profundo artigo, concluinso que o erro não precisa ser escusável, bastanto a congnoscibilidade, o conhecimento do vício por aquele a quem se fez a declaração, o que aproxima o erro do dolo. Para amparar suas conclusões, Simão cita os entendimento de Sílvio Salvo Venosa, Inácio de Carvalho Neto, Gustavo Tepedino, Heloísa Hele Barboza e Maria Celina Bodin de Moraes, contra a necessidade de escusabilidade do erro. Como não poderia ser diferente,é de se concordar integralmente com essa corrente, diante da notória valorização da boa-fé objetiva.
De qualquer forma, é apontado que a questão está longe de ser pacífica, eis que juristas como Maria Helena Diniz, Sílvio Rodrigues, J. M. Leoni Lopes de Oliveira, Carlos Roberto Gonçalves, álvaro Villaça Azevedo e Fracisco Amaral ainda concluem que, necessariamente para a anulação de um negócio jurídico, o erro deve ser escusável ou justificável. Aliás, quando da tramitação do anteprojeto que gerou o atual Código Civil, a questão foi amplamente debatida por Moreira Alves e Clóvis do Couto e Silva.
Vejamos um exemplo para demonstrar como o erro não precisa ser mais escusável, o que ampara a primeira corrente, consubstanciada no enunciado doutrinário. Imagine-se que um jovem estudante recém-chegado do interiro de Minas Gerais a São Paulo vá até o Viaduto do Chá, no centro da Capital. Lá, na ponta do viaduto, encontra um vendedor - na verdade, um ambulante que vende pilhas - com uma plava “Vende-se”. O estudante mineiro então paga R$ 5.000,00 pensando que está comprando o viaduto, e a outra parte nada diz. No caso descrito, o erro é muito grosseiro, ou seja, não é escusável, e, pela sistemática anterior, a venda não poderia ser anulada. Mas, pela nova visão do instituto, caberá a anulação, mormente porque a outra parte, ciente do erro, permaneceu em silência, recebendo o dinheiro. Ora, se a lei protege quem comete um erro justificável, muito mais deve proteger aquele que pratica o erro inescusável, diante da proteção do portador da boa-fé.
Em que consiste o erro de direito?
Art. 139. O erro é substancial quando:
I - interessa à natureza do negócio, ao objeto principal da declaração, ou a alguma das qualidades a ele essenciais;
II - concerne à identidade ou à qualidade essencial da pessoa a quem se refira a declaração de vontade, desde que tenha influído nesta de modo relevante;
III - sendo de direito e não implicando recusa à aplicação da lei, for o motivo único ou principal do negócio jurídico.
Comentários:
O erro de direito não era previsto no CC-1916. A inovação, porém, não conflita com o art. 3 da Lindb (“ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece”), pois a hipótese do art. 139, III, é a de ideia equivocada sobre as consequências jurídicas da norma. Necessário, todavia, que o erro tenha sido o motivo único ou o principal do negócio.
O erro de direito, todavia, não pode ser alegado, para anular transação, “a respeito das questões que foram objeto de controvérsia entre as partes” (art. 849, parágrafo único).
O falso motivo pode caracterizar erro e levar, consequentemente, à anulabilidade do negócio jurídico?
Art. 140. O falso motivo só vicia a declaração de vontade quando expresso como razão determinante.
Flávio Tartuce (p. 264-265):
O motivo de um negócio jurídico pode ser conceituado como sendo a razão pessoal da sua celebração, estando no seu plano subjetivo. Ensina Zeno Veloso, citand Clóvis Beviláqua, que, “os motivos do ato são do domínio da psicologia e da moral. O direito não os investiga, nem lhes sofre influência; exceto quando fazem parte integrante do ato, quer apareçam como razão dele, quer como condição de que ele dependa”. O motivo, portanto, diferencia-se da causa do negócio, que está no plano objetivo. Ilustrando, quando se analisa um contrato de compra e venda, a causa é a transmissão da propriedade. Os motivos podem ser os mais variados, de ordem pessoal das partes: o preço está bom, o imóvel é bem localizado, o comprador quer comprá-lo para presentera alguém etc.
Assim sendo, o falso motivo, por regra, não pode gerar a anulabilidade do negócio, a não ser que seja expresso como razão determinatne do negócio, regra essa que consta do art. 140 do CC. esse dispositivo trata do erro quanto ao fim colimado, que não anula o negócio. Ilustra-se com o caso da pessoa que compra um veículo para presentear uma filha. Na véspera da data festiva descobre o pai que o aniversáio é do seu filho. Tal motivo, em regra, não pode gerar a anulabilidade do contrato de compra e venda desse veículo. O objetivo da compra era presentear um dos filhos, não importante àquele que vendeu o bem qual deles seria presenteado.
O erro de cálculo autoriza a anulação do negócio?
Art. 143. O erro de cálculo apenas autoriza a retificação da declaração de vontade.
Comentários:
Em situações de evidente engano ou de lapso ostensivo, o mesmo raciocínio deve ser aplicado ao erro de escrita, embora sem previsão expressa da lei (art. 4 da LINDB).
O dolo do representante na celebração de negócio com terceiro implica responsabilidade para o representado?
Art. 149. O dolo do representante legal de uma das partes só obriga o representado a responder civilmente até a importância do proveito que teve; se, porém, o dolo for do representante convencional, o representado responderá solidariamente com ele por perdas e danos.
No caso de anulação do negócio por estado de perigo, como se estabelece o retorno ao status quo?
Art. 156. Configura-se o estado de perigo quando alguém, premido da necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa.
Parágrafo único. Tratando-se de pessoa não pertencente à família do declarante, o juiz decidirá segundo as circunstâncias.
Comentários:
Tendo o Código estabelecido a consequência da nulidade relativa, caso tenha havido efetiva e necessária prestação de serviço, não prevalecerá o valor pecuniário acordado, mas haverá direito ao ressarcimento, que deve ser arbitrado.
Para que a lesão se caracterize, é necessário que a necessidade ou inexperiência da parte prejudicada seja do conhecimento da outra?
Não se exige o conhecimento das circunstâncias pelo beneficiário, bastando o prejuízo do lesado. Diz Moreira Alves que, “ao contrário do que ocorre com o estado de perigo em que o beneficiário tem de conhecê-lo, na lesão o próprio conhecimento é indiferente para que ela se configure”.
Art. 157. Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta.
§ 1 o Aprecia-se a desproporção das prestações segundo os valores vigentes ao tempo em que foi celebrado o negócio jurídico.
§ 2 o Não se decretará a anulação do negócio, se for oferecido suplemento suficiente, ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito.
Qual é a função do art. 160 do Código Civil?
Art. 160. Se o adquirente dos bens do devedor insolvente ainda não tiver pago o preço e este for, aproximadamente, o corrente, desobrigar-se-á depositando-o em juízo, com a citação de todos os interessados.
Parágrafo único. Se inferior, o adquirente, para conservar os bens, poderá depositar o preço que lhes corresponda ao valor real.
Em se tratando de negócio a título oneroso, pode o adquirente forrar-se da anulação se depositar em juízo o preço ainda não pago, desde que este seja próximo ao do mercado. É cabível a ação de consignação em pagamento (art. 335). Se o preço for inferior, desejando o adquirente conservar o bem, poderá depositar o valor real correspondete.
O art. 161 prevê uam hipótese de litisconsórcio passivo necessário? O terceiro adquirente de boa-fé pode ser responsabilizado?
Art. 161. A ação, nos casos dos arts. 158 e 159, poderá ser intentada contra o devedor insolvente, a pessoa que com ele celebrou a estipulação considerada fraudulenta, ou terceiros adquirentes que hajam procedido de má-fé.
Art. 158. Os negócios de transmissão gratuita de bens ou remissão de dívida, se os praticar o devedor já insolvente, ou por eles reduzido à insolvência, ainda quando o ignore, poderão ser anulados pelos credores quirografários, como lesivos dos seus direitos.
§ 1 o Igual direito assiste aos credores cuja garantia se tornar insuficiente.
§ 2 o Só os credores que já o eram ao tempo daqueles atos podem pleitear a anulação deles.
Art. 159. Serão igualmente anuláveis os contratos onerosos do devedor insolvente, quando a insolvência for notória, ou houver motivo para ser conhecida do outro contratante.
Art. 161. A ação, nos casos dos arts. 158 e 159, poderá ser intentada contra o devedor insolvente, a pessoa que com ele celebrou a estipulação considerada fraudulenta, ou terceiros adquirentes que hajam procedido de má-fé.
Comentários:
Há litisconsórcio passivo necessário e unitário entre o devedor insolvável e a pessoa que com ele contratou na estipulação considerada fraudulente (Art. 114 do CPC-2015).
Já o terceiro que vier a adquirir a título oneroso somente será sujeito passivo se houver alegação de sua má-fé. Não comprovada a má-fé deste, resolver-se-á em perdas e danos o negócio celebrado entre o insovável e a pessoa que com este houver contratado. O terceiro adquirente a título gratuito, ainda que de boa-fé, poderá ser demandado.
STJ:
DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. AÇÃO PAULIANA. SUCESSIVAS ALIENAÇÕES DE IMÓVEIS QUE PERTENCIAM AOS DEVEDORES. ANULAÇÃO DE COMPRA DE IMÓVEL POR TERCEIROS DE BOA-FÉ. IMPOSSIBILIDADE. LIMITAÇÃO DA PROCEDÊNCIA AOS QUE AGIRAM DE MÁ-FÉ, QUE DEVERÃO INDENIZAR O CREDOR PELA QUANTIA EQUIVALENTE AO FRAUDULENTO DESFALQUE DO PATRIMÔNIO DO DEVEDOR. PEDIDO QUE ENTENDE-SE IMPLÍCITO NO PLEITO EXORDIAL.
1. A ação pauliana cabe ser ajuizada pelo credor lesado (eventus damni) por alienação fraudulenta, remissão de dívida ou pagamento de dívida não vencida a credor quirografário, em face do devedor insolvente e terceiros adquirentes ou beneficiados, com o objetivo de que seja reconhecida a ineficácia (relativa) do ato jurídico - nos limites do débito do devedor para com o autor -, incumbindo ao requerente demonstrar que seu crédito antecede ao ato fraudulento, que o devedor estava ou, por decorrência do ato, veio a ficar em estado de insolvência e, cuidando-se de ato oneroso - se não se tratar de hipótese em que a própria lei dispõe haver presunção de fraude -, a ciência da fraude (scientia fraudis) por parte do adquirente, beneficiado, sub-adquirentes ou sub-beneficiados.
2. O acórdão reconhece que há terceiros de boa-fé, todavia, consigna que, reconhecida a fraude contra credores, aos terceiros de boa-fé, ainda que se trate de aquisição onerosa, incumbe buscar indenização por perdas e danos em ação própria. Com efeito, a solução adotada pelo Tribunal de origem contraria o artigo 109 do Código Civil de 1916 - correspondente ao artigo 161 do Código Civil de 2002 - e também afronta a inteligência do artigo 158 do mesmo Diploma - que tem redação similar à do artigo 182 do Código Civil de 2002 -, que dispunha que, anulado o ato, restituir-se-ão as partes ao estado, em que antes dele se achavam, e não sendo possível restituí-las, serão indenizadas com o equivalente.
3. “Quanto ao direito material, a lei não tem dispositivo expresso sobre os efeitos do reconhecimento da fraude, quando a ineficácia dela decorrente não pode atingir um resultado útil, por encontrar-se o bem em poder de terceiro de boa-fé. Cumpre, então, dar aplicação analógica ao artigo 158 do CCivil [similar ao artigo 182 do Código Civil de 2002], que prevê, para os casos de nulidade, não sendo possível a restituição das partes ao estado em que se achavam antes do ato, a indenização com o equivalente. Inalcançável o bem em mãos de terceiro de boa-fé, cabe ao alienante, que adquiriu de má fé, indenizar o credor.” (REsp 28.521/RJ, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 18/10/1994, DJ 21/11/1994, p.
31769) 4. Recurso especial parcialmente provido.
(REsp 1100525/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 16/04/2013, DJe 23/04/2013)
É viável a anulação de negócio celebrado com pessoa cuja incapacidade somente foi declarada posteriormente?
Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando:
I - celebrado por pessoa absolutamente incapaz;
II - for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto;
III - o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito;
IV - não revestir a forma prescrita em lei;
V - for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade;
VI - tiver por objetivo fraudar lei imperativa;
VII - a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção.
Comentários:
Especial dificuldade existe na verificação da fraude à lei, porquanto a violação, nesse caso, é sub-reptícia. […]
Igualmente difícil é a questão quando se trata de negócio realizado por incapaz que ainda não sofreu interdição. Sendo interdito por incapacidade absoluta, não há dúvida, o negócio é nulo. Se, porém, o agente se acha em estado de regressão, sendo impossível ou dificultoso comprovar-se a deficiência mental, o negócio deve ser preservado, para a proteção da boa-fé do outro contratante. Já se a insanidade é notócio, ou conhecida do outro contratante, será anulado. Em síntese, antes da interdição, presume-se a capacidade.
Igualmente difícil é a questão quando
Cite um exemplo de nulidade do negócio por fraude a lei.
Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando:
I - celebrado por pessoa absolutamente incapaz;
II - for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto;
III - o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito;
IV - não revestir a forma prescrita em lei;
V - for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade;
VI - tiver por objetivo fraudar lei imperativa;
VII - a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção.
Comentários:
Assinala Alvino Lima que “no ato contrário à lei existe um contraste imediato e direto entre o resultado do negócio e o conteúdo da proibição legal, ao passo que a fraus legi pressupõe um itinerário indireto, mediante a degradação do negócio principal a simples instrumento, para conseguir o fim ulterior consistente na frustração da proibição”. Exemplo desse itinerário indireto é o contrato de compra e venda, para furtar-se à proibição do pacto comisório na hipotece (art. 1.428 do CC).
Terceiro de boa-fé podem ser atingidos pela declaração de nulidade do negócio jurídico por simulação?
Art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma.
§ 2 o Ressalvam-se os direitos de terceiros de boa-fé em face dos contraentes do negócio jurídico simulado.
Comentários:
Terceiros de boa-fé não terão prejudicados seus direitos, se verificada a simulação, embora esta determine a nulidade absoluta, com efeito ex tunc.
A confirmação do negócio jurídico anulável exige a mesma forma desse negócio?
Art. 173. O ato de confirmação deve conter a substância do negócio celebrado e a vontade expressa de mantê-lo.
Comentários:
Trata-se de confirmação expressa.
Embora não se exija a reprodução integral dos termos do negócio, nem que se esclareça o motivo que daria ensejo à sua anulação, o ato de confirmar deve conter as cláusulas principais que caracterizam o negócio confirmado e a vontade expressa de mantê-lo.
Quanto à forma, terá de seguir a mesma do negócio confirmado, sendo, pois, daquela que exige escritura pública, será esta da substância do ato.
Art. 176. Quando a anulabilidade do ato resultar da falta de autorização de terceiro, será validado se este a der posteriormente.
Art. 220. A anuência ou a autorização de outrem, necessária à validade de um ato, provar-se-á do mesmo modo que este, e constará, sempre que se possa, do próprio instrumento.
Comentários:
Quando o negócio jurídico for anulável por falta de autorização de tercerio (ex.: art. 496), esta poderá ser concedida posteriormente, com o que o vício ficará sanado. A anuêncai terá de observar a mesma forma do negócio confirmado, logo, se esta exigir escritura pública, também a anuência deverá ser dada por escritura pública (art. 220 do CC).
A anulabilidade do negócio atinge todos os contratantes ou apenas aqueles que o tenham postulado?
Art. 177. A anulabilidade não tem efeito antes de julgada por sentença, nem se pronuncia de ofício; só os interessados a podem alegar, e aproveita exclusivamente aos que a alegarem, salvo o caso de solidariedade ou indivisibilidade.
Para terceiros prejudicados (como no caso de compra e venda entre ascendente e descendente), qual é o termo inicial do prazo decadencial para postular a anulação de negócio jurídico?
Enunciado 538 da CJF: No que diz respeito a terceiros eventualmente prejudicados, o prazo decadencial de que trata o art. 179 do Código Civil não se conta da celebração do negócio jurídico, mas da ciência que dele tiverem.
Justificativa
O art. 178 do Código Civil, embora estabeleça o mesmo prazo decadencial para todos os casos de anulabilidade previstos, de forma agrupada, no art. 171, ou seja, 4 (quatro) anos, prevê termos iniciais distintos, a depender da hipótese versada. Assim é que, havendo erro, dolo, fraude contra credores, estado de perigo ou lesão, o prazo para pleitear a anulação se conta da celebração do negócio jurídico. Já na hipótese de coação, o prazo tem início no “dia em que ela cessar”, ao passo que, em se tratando de ato praticado por incapaz, o dies a quo é o da cessação da incapacidade. O art. 179, por seu turno, versando sobre os demais casos de anulabilidade dispersos pelo código, unifica não apenas o prazo para demandar a anulação - 2 (dois) anos -, mas também seu termo a quo, que coincidirá, em todas aquelas hipóteses, com a “data da conclusão do ato”, salvo disposição legal em contrário. Sucede que, entre as anulabilidades espalhadas pelo Código, há aquelas que resultam da proteção dispensada a interesses de terceiros não envolvidos na celebração do negócio jurídico. É o que ocorre, v.g., na venda de ascendente a descendente sem a anuência dos demais descendentes do alienante (CC/2002, art. 496). Ora, exatamente porque os descendentes, enquanto vivo o autor da herança, não são credores dos respectivos quinhões (tendo, em relação a estes, apenas expectativa), não se pode exigir deles nenhuma postura de “vigilância” sobre os atos de seus ascendentes. Daí não ser incomum que a celebração de compra e venda com infringência ao art. 496 do Código Civil apenas venha ao conhecimento dos prejudicados anos depois, quando da abertura da sucessão. Frustra-se, assim, por inação, que não se pode imputar a eventual desídia dos interessados, a finalidade da regra. Desse modo, a fim de resguardar a efetividade dos dispositivos legais a que se aplica o prazo decadencial previsto no art. 179 do Código Civil, é razoável e conveniente que se lhe dê a interpretação proposta.
Qual é a diferença entre prescrição nuclear e prescrição parcelar?
Quando o direito se dividir em contas periódicas, distingue-se a prescrição nuclear, ou de fundo de direito, da prescrição parcelar. Assim, enquanto não for negado o próprio direito, sujeitam-se a prescrição somente as parcelas (art. 3 do Decreto 20.9010\1932), salvo que a própria lei pode estabelecer a imprescritibilidade do próprio direito, fazendo a prescrição incidir apenas sobre as parcelas (art. 104 da Lei 8.213\91). No caso de créditos resultantes de relações de trabalho, a prescrição parcelar é quinquenal, todavia, ocorrerá a prescrição nuclear “dois anos após a extinção do cotnrato de trabalho” urbano ou rural. (art. 7, XXIX, da CF).
Art. 104. As ações referentes à prestação por acidente do trabalho prescrevem em 5 (cinco) anos, observado o disposto no art. 103 desta Lei, contados da data:
I - do acidente, quando dele resultar a morte ou a incapacidade temporária, verificada esta em perícia médica a cargo da Previdência Social; ou
II - em que for reconhecida pela Previdência Social, a incapacidade permanente ou o agravamento das seqüelas do acidente.
Art. 3º Quando o pagamento se dividir por dias, meses ou anos, a prescrição atingirá progressivamente as prestações à medida que completarem os prazos estabelecidos pelo presente decreto.
Indique as hipóteses de impedimento do curso do prazo prescricional elencadas pelo CC?
Art. 197. Não corre a prescrição:
I - entre os cônjuges, na constância da sociedade conjugal;
II - entre ascendentes e descendentes, durante o poder familiar;
III - entre tutelados ou curatelados e seus tutores ou curadores, durante a tutela ou curatela.
Art. 198. Também não corre a prescrição:
I - contra os incapazes de que trata o art. 3 o ;
II - contra os ausentes do País em serviço público da União, dos Estados ou dos Municípios;
III - contra os que se acharem servindo nas Forças Armadas, em tempo de guerra.
Art. 199. Não corre igualmente a prescrição:
I - pendendo condição suspensiva;
II - não estando vencido o prazo;
III - pendendo ação de evicção.
A suspensão da prescrição em favor de um credor solidário beneficia os demais?
Art. 201. Suspensa a prescrição em favor de um dos credores solidários, só aproveitam os outros se a obrigação for indivisível.
A propositura de ação do devedor contra o credor para questionar o débito interrompe a prescrição?
Art. 202. A interrupção da prescrição, que somente poderá ocorrer uma vez, dar-se-á:
I - por despacho do juiz, mesmo incompetente, que ordenar a citação, se o interessado a promover no prazo e na forma da lei processual;
Enunciado 416 da CJF:
A propositura de demanda judicial pelo devedor, que importe impugnação do débito contratual ou de cártula representativa do direito do credor, é causa interruptiva da prescrição.
Qual é a melhor interpretação do trecho “somente poderá ocorre uma vez” contido no art. 202 do CC?
Segundo o texto legal, a interrupção só pode ocorrer uma vez, e essa inovação diante do que dispunha o Código anterior, mas que já constava do Decreto 20.910\32 (Art. 8), objetiva “não eternizarem as interrupções de prescrição (Moreira Alves). Uma dificuldade, porém, necessita ser contornada, pois, interrompida a prescrição por um dos modos previstos nos incisos II e VI, seria inconcebível entender que, voltando a correr, na conformidade do parágrafo único, não mais fosse detida com o despacho ordenatório da citação (inciso I), levando, eventualmente, à consumação no curso do processo, ainda que a parte nele fosse diligente. Assim, é compreensível que a interrupção por uma só vez diz respeito, apenas, às causas dispostas nos inciso II e VI, de modo que, em qualquer hipótese, fica ressalvada a interrupção fundada no inciso I.
Art. 202. A interrupção da prescrição, que somente poderá ocorrer uma vez, dar-se-á:
I - por despacho do juiz, mesmo incompetente, que ordenar a citação, se o interessado a promover no prazo e na forma da lei processual;
II - por protesto, nas condições do inciso antecedente;
III - por protesto cambial;
IV - pela apresentação do título de crédito em juízo de inventário ou em concurso de credores;
V - por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor;
VI - por qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe reconhecimento do direito pelo devedor.
Parágrafo único. A prescrição interrompida recomeça a correr da data do ato que a interrompeu, ou do último ato do processo para a interromper.
Terceiro com interesse moral no restabelecimento do direito violado pode interromper a prescrição?
Art. 203. A prescrição pode ser interrompida por qualquer interessado.
Comentários:
Não só o titular do direito pode interromper a prescrição, mas todo aquele que tiver interesse material ou moral na interrupção poderá promovê-la.
Entre os interessados acham-se os assistentes dos relativamente incapazes (contra os absolutamente incapazes não corre prescrição), os representantes das pessoas jurídicas (art. 195) ou os representantes em geral, legais ou convencionais. Segundo Arnaldo Rizzardo, “quanto ao terceiro com legítimo interesse, então o fiador e o avalista de uma pessoa que tem um crédito a receber, e a pessoa que é credora de um terceiro cujo direito sobre um bem corre o risco de perder-se pela prescrição”.
No campo dos que podem ter interesse moral, inclui Maria Helena Diziz o cônjuge, o companheiro, ascendentes do titular da pretensão etc.
A interrupção da prescrição por um dos credores solidários aproveita aos demais? A interrupção operada contra um dos herdeiros do devedor solidário afeta os outros herdeiros ou devedores?
Interrupção:
Art. 204. A interrupção da prescrição por um credor não aproveita aos outros; semelhantemente, a interrupção operada contra o co-devedor, ou seu herdeiro, não prejudica aos demais coobrigados.
§ 1 o A interrupção por um dos credores solidários aproveita aos outros; assim como a interrupção efetuada contra o devedor solidário envolve os demais e seus herdeiros.
§ 2 o A interrupção operada contra um dos herdeiros do devedor solidário não prejudica os outros herdeiros ou devedores, senão quando se trate de obrigações e direitos indivisíveis.
§ 3 o A interrupção produzida contra o principal devedor prejudica o fiador.
Suspensão:
Art. 201. Suspensa a prescrição em favor de um dos credores solidários, só aproveitam os outros se a obrigação for indivisível.
O prazo prescricional da pretensão relativa à tutela é de quanto anos e tem que fato como marco inicial?
Art. 206. Prescreve:
§ 4 o Em quatro anos, a pretensão relativa à tutela, a contar da data da aprovação das contas.
OBS:
É a única pretensão cujo prazo prescricional é de quatro anos.
A decadência convencional pode ser alegada em qualquer grau de jurisdição?
Art. 211. Se a decadência for convencional, a parte a quem aproveita pode alegá-la em qualquer grau de jurisdição, mas o juiz não pode suprir a alegação.
Admite-se a renúncia à decadência?
Art. 209. É nula a renúncia à decadência fixada em lei.
Art. 191. A renúncia da prescrição pode ser expressa ou tácita, e só valerá, sendo feita, sem prejuízo de terceiro, depois que a prescrição se consumar; tácita é a renúncia quando se presume de fatos do interessado, incompatíveis com a prescrição.
O erro de direito pode ser invocado para anular confissão?
Art. 214. A confissão é irrevogável, mas pode ser anulada se decorreu de erro de fato ou de coação.
A forma exigível do negócio deve ser observada também no ato de anuência?
Art. 220. A anuência ou a autorização de outrem, necessária à validade de um ato, provar-se-á do mesmo modo que este, e constará, sempre que se possa, do próprio instrumento.
Comentários:
Há negócios jurídicos que a pessoa não pode realizar sem a anuência de outrem. Nesse rol encontram-se: alienar ou gravar com ônus real um imóvel, para quem seja casado, salvo no regime de separação absoluta de bens (Art. 1.647, I); a realização de negócio jurídico por relativamente incapaz (arts. 1.634, V, 1.747, I, e 1774); e a venda de ascendentes para descendente (Art. 496).
A forma exegível do negócio tem de ser observada na anuência e, sempre que possível, constará do mesmo instrumento, mas existindo, por outro lado, a possibilidade de validação posterior (art. 176).
O art. 234 do CC só fala na hipótese de a coisa se perder. É eele aplicável à hipótese em que a coisa sofre depreciação, ainda que diminuta?
Art. 234. Se, no caso do artigo antecedente, a coisa se perder, sem culpa do devedor, antes da tradição, ou pendente a condição suspensiva, fica resolvida a obrigação para ambas as partes; se a perda resultar de culpa do devedor, responderá este pelo equivalente e mais perdas e danos.
Art. 234. Se, no caso do artigo antecedente, a coisa se perder, sem culpa do devedor, antes da tradição, ou pendente a condição suspensiva, fica resolvida a obrigação para ambas as partes; se a perda resultar de culpa do devedor, responderá este pelo equivalente e mais perdas e danos.
Art. 235. Deteriorada a coisa, não sendo o devedor culpado, poderá o credor resolver a obrigação, ou aceitar a coisa, abatido de seu preço o valor que perdeu.
Comentários:
Este artigo [art. 234] cuida das hipóteses de obrigação de entrega de coisa certa que perece antes da tradição. Isto é, daquelas casos em que a obrigação de entregar ou restituir ainda não foi cumprida, mas o seu objeto, que é certo, se perde - por ato ilícito ou deterioração de qualquer origem. Segundo Caio Mário da Silva Pereira, “o conceito de perda para o direito é lado, e tanto abrange o seu desaparecimento total (interitus rei) quanto ainda o deixar de ter as suas qualidades essenciais, ou tornar-se indisponível, ou situar-se em lugar que se tornou inatigível, ou ainda de confundir-se com outra. Logo, as regras devem ter em vista a deterioração ponderável, não sendo curial a rejeição da coisa por danificação insignificante. A apreciação da ressalva é de se fazer em face das circunstâncias”.
Como se distingue obrigação de dar de obrigação de fazer?
Distinguem-se das obrigações de dar porque compreendem essa conduta humana como antecedente lógico d uma eventual obrigação de entrega. Nas obrigações de dar, essa entrega não é precedida de uma atividade humana consistente em fazer. A distinção, portanto, está posta no fazer, que não se identifica quando a obrigação é apenas de dar. É obrigação de fazer a de um cantor que comparece a determinado local no dia estabelecido para um espetáculo. Do mesmo modo, será de fazer a obrigação do pintor que entrega um quadro na data estabelecida. Neste último caso, a entrega do quadro pode caracterizar uma obrigação de dar, mas será de fazer em razão da atividade artística obrigatoriamente desenvolvida antes da entrega. Mas a obrigação será apenas de dar se a prestação consiste em entrega um veículo cujo preço já tenha sido recebido pelo vendedor. […] (p. 169).
Nas obrigações alternativa, se, por culpa do devedor, não se puder cumprir nenhuma das prestações, não competindo ao credor a escolha, ficará aquele obrigado a pagar o valor de qual prestação?
Art. 254. Se, por culpa do devedor, não se puder cumprir nenhuma das prestações, não competindo ao credor a escolha, ficará aquele obrigado a pagar o valor da que por último se impossibilitou, mais as perdas e danos que o caso determinar.
Se houver pluralidade de credores de uma obrigação indivisível, o devedor se desobriga dela pagando a apenas um dos credores?
Art. 260. Se a pluralidade for dos credores, poderá cada um destes exigir a dívida inteira; mas o devedor ou devedores se desobrigarão, pagando:
I - a todos conjuntamente;
II - a um, dando este caução de ratificação dos outros credores.
Falecendo um dos credores solidários, poderão seus herdeiros, em conjunto, exigir a dívida inteira?
Art. 270. Se um dos credores solidários falecer deixando herdeiros, cada um destes só terá direito a exigir e receber a quota do crédito que corresponder ao seu quinhão hereditário, salvo se a obrigação for indivisível.
Comentários:
Entre os herdeiros que sucedem ao credor solidário e os demais credores não se estabelece a solidariedade até então existente. Dessa modo, cada um dos herdeiro poderá, apenas, cobrar do devedor o valor do que lhe couber - ou seja, sua cota no valor da dívida. A exigência da integralidade da prestação só será possível se a prestação for indivisível, aplicando-se então à hipótese a regra do art. 260, que, como visto, exige que o deveodr, para exonerar-se da obrigação, pague a todos credores conjuntamente, ou exija caução daquele que recebe, assegurando o repasse do valor devido aos demais credores. Não há solidariedade entre os herdeiros e os cocredores solidários em relação ao credor falecido. A parte final do dispositivo apenas autoriza qualquer dos herdeiros a exigir a prestação por inteiro, em face de sua indivisibilidade, sem consaguar a solidariedade entre ele e os outros credores.
No caso de herdeiros de devedor solidário, é diferente:
Art. 276. Se um dos devedores solidários falecer deixando herdeiros, nenhum destes será obrigado a pagar senão a quota que corresponder ao seu quinhão hereditário, salvo se a obrigação for indivisível; mas todos reunidos serão considerados como um devedor solidário em relação aos demais devedores.
O devedor pode opor exceções pessoais que tiver contra um credor solidário contra os demais credores, em caso de propositura de ação por estes?
Art. 273. A um dos credores solidários não pode o devedor opor as exceções pessoais oponíveis aos outros.
Comentários:
Exceção é “a palavra técnica que tem hoje o significado de defesa, contrastando com a ação que é o ataque” (Gonçalves, Carlos Robero). Não pode ser conhecida de ofício, ao contrário do que se verifica com as objeções, de maneira que somente sua alegação pelo réu autoriza seu exame pelo juiz da causa. Exceção pessoal é aquela que se contrapõe a apenas um dos credores solidários, não alcançando os demais. Exceções comuns são aquelas que podem ser alegadas perante qualquer dos credores solidários. É o caso da nulidade do negócio, da exceção de inadimplemento ou de causas de adimplemento, como pagamento, novação, dação etc. (art. 304 e 388). A conclusão que este dispositivo permite, portanto, é que o devedor pode se defender perante todos os credores solidários com as exceções comuns e com as pessoais relativas a cada um deles. Destarte, se o devedor não puder ofertar exceção pessoal oponível a um dos credores solidários que ajuizou a demanda, estará obrigado a pagar aos que figuraram na demanda a cota indevida ao primeiro. Nesse caso, só lhe restará ajuizar ação específica ante o credor em relação ao qual dispunha de uma ação específica para receber a restituição do que indevidamente pagou aos demais. Caso, por exemplo, A, B e C sejam credores solidários de Y e somente A o tenha coagido a firmar o instrumento de confissão de dívida, sem que a coação seja conhecida pelos demais, Y não poderá invocar o defeito em ação ajuizada por B. Desse modo, poderá este receber a integralidade da dívida, cabendo a Y ajuizar ação ante o coator A, para receber o que indevidamente pagou. Não poderá, porém, nos termos do presente artigo, incocar a coação de A em relação a B, autor da ação. Observe-se que a solução encontraria equivalência com o disposto no art. 154 do CC, já que A deve ser considerado terceiro em relação ao negócio jurídico celebrado entre B, C e Y, pois os dois primeiro desconheciam a coação. É certo, contudo, que A fará jus ao recebimento de sua cota-parte recebida por B e C, pois a coação dirigiu-se a Y e não pode ser invocada pelos cocredores, para exclusir seu direito de crédito.
Art. 154. Vicia o negócio jurídico a coação exercida por terceiro, se dela tivesse ou devesse ter conhecimento a parte a que aproveite, e esta responderá solidariamente com aquele por perdas e danos.
Se, numa ação proposta contra um dos devedores solidários, se reconhece a prescrição, serão os demais devedores beneficiados por essa decisão?
EXECUÇÃO FISCAL ? PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE ? OCORRÊNCIA ? FAVORECIMENTO AOS DEMAIS RESPONSÁVEIS SOLIDÁRIOS.
1. O redirecionamento da execução contra o sócio deve ocorrer no prazo de cinco anos da citação da pessoa jurídica, de modo a não tornar imprescritível a dívida fiscal. Precedentes.
2. Se o pagamento da dívida por um dos sócios favorece aos demais, por igual razão a prescrição da dívida arguida por um dos sócios, e reconhecida pelo juízo competente, aproveita aos demais devedores solidários, nos termos do art. 125 do Código Tributário Nacional e arts. 274 e 275 do Código Civil.
Agravo regimental improvido.
(AgRg no REsp 958.846/RS, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/09/2009, DJe 30/09/2009)
Código Civil
Art. 274. O julgamento contrário a um dos credores solidários não atinge os demais; o julgamento favorável aproveita-lhes, a menos que se funde em exceção pessoal ao credor que o obteve.
Art. 275. O credor tem direito a exigir e receber de um ou de alguns dos devedores, parcial ou totalmente, a dívida comum; se o pagamento tiver sido parcial, todos os demais devedores continuam obrigados solidariamente pelo resto.
Código Tributário Nacional
“Art. 125. Salvo disposição de lei em contrário, são os seguintes os efeitos da solidariedade: I - o pagamento efetuado por um dos obrigados aproveita aos demais; II - a isenção ou remissão de crédito exonera todos os obrigados, salvo se outorgada pessoalmente a um deles, subsistindo, nesse caso, a solidariedade quanto aos demais pelo saldo; III - a interrupção da prescrição, em favor ou contra um dos obrigados, favorece ou prejudica aos demais.”
Impossibilitando-se a prestação por culpa de um dos devedores solidários, os autores poderão ser responsabilizados pelas perdas e danos?
Art. 279. Impossibilitando-se a prestação por culpa de um dos devedores solidários, subsiste para todos o encargo de pagar o equivalente; mas pelas perdas e danos só responde o culpado.
Art. 280. Todos os devedores respondem pelos juros da mora, ainda que a ação tenha sido proposta somente contra um; mas o culpado responde aos outros pela obrigação acrescida.
Comentários do art. 280:
A hipótese tratada neste artigo não se confunde com aquela de que cuida o artigo antecedente, pois aqui não se cuida exclusivamente de impossaibilidade da prestação. No caso desse dispositivo, a prestação pode também ter sido adimplida, mas não da forma e od modo devidos, incidendo juros de mora. Assim, trata-se de dispositivo que disciplina os casos em que incidem juros moratórios em dívida na qual exista solidariedade passiva. Esses juros são acessórios da obrigação principal - a prestação -, de maneira que a solidariedade a eles se estende. Mas o valor dos juros decorre da conduta culposa de um ou alguns dos devedores que a provocou, de maneira que caberá a este, ou a estes, indenizar os devedores não culpados pelo valor dos uros, ou seja, a obrigação acrescida. A regra não contempla outros prejuízos, que não sejam os juros. Assim, outros valores provenientes da mora serão de exclusiva responsabilidade do codevedor culpado (Art. 279 do CC). Inclusive os juros suplementares previstos no parárafo único do art. 404 do CC [“Provado que os juros da mora não cobrem o prejuízo, e não havendo pena convencional, pode o juiz conceder ao credor indenização suplementar”] não estão compreendidos nessa regra, pois não são juros de mora, expressão de conteúdo restritivo. Essa interpretação restritiva justifica-se também porque a regra a prevalecer é a da responsablidade subjetiva no que tange ao valor das perdas e danos (art. 279), de maneira que não se justifica interpretação ampliativa. Ora, se pelas perdas e danos decorrentes da impossibilidade da prestação só responde o devedor culpado (art. 279), nada justifica que pelas perdas e danos que resultem da mora outra seja a solução legal - salvo no que se refere aos juros, como já se viu.
Se um devedor solidário possui exceções pessoais contra o credor solidário, mas não foi incluído no polo passivo da ação movida pelo credor, ele poderá ser cobrado dos demais devedores solidário de sua cota-parte?
Art. 281. O devedor demandado pode opor ao credor as exceções que lhe forem pessoais e as comuns a todos; não lhe aproveitando as exceções pessoais a outro co-devedor.
Comentário:
O devedor demandado poderá deduzir em ação ajuizada pelo credor as exceções comuns e as que lhe forem pessoais. Contudo, não pode apresentar exceções que sejam pessoais para outros devedores. Nesse caso, o pagamento será integral, questionando-se as consequência jurídicas desse fato para o devedor que possui exceções pessoais insuscetíveis de alegação em virtude de ele não ter sido incluído na lide. O devedor solidário estará obrigado a responder pela integralidade da dívida, como decorre desse dispositivo. Terá, ainda, o direito de regresso contra o devedor que não figurou na demanda e que não teve oportunidade de opor ao credor a exceção pessoa de que dispunha em relção a ele. A este devedor restarão duas alternativas: a) voltar-se contra o credor para exercer seu direito - se houve coação, por exemplo, deve postular perda e danos (art. 154 do CC), admitindo-se que os outros devedores não tenham sabido da coação; e b) suportar o pagamento de sua cota-parte, sem possibilidade de postular a devolução do que lhe cabia do credor que a recebeu, se tal não for possível - como ocorre com a prescrição, consumada apenas em relação a ele, uma vez que nessa hipótese não lhe será dado postular a restituição (Caio Mário da Silva Pereira).
Dê um exemplo de alguma hipótese em que a natureza da obrigação impede a cessão de crédito.
Art. 286. O credor pode ceder o seu crédito, se a isso não se opuser a natureza da obrigação, a lei, ou a convenção com o devedor; a cláusula proibitiva da cessão não poderá ser oposta ao cessionário de boa-fé, se não constar do instrumento da obrigação.
Comentário:
[…] A proibição da cessão também pode decorrer da natureza da obrigação. É o que se verifica com o direito de alimentos devidos ao cônjuge em razão da separação e com os direitos da personalidade, que, nos termos do art. 11 do CC, não são transmissíveis. Observe-se que o que não se pode transmitir é o próprio direito, mas não o valor pecuniário dele decorrente. Se os alimentos foram pagos, ou se representam débito inadimplido, pode-se operar a transmissão sem prejuízo do objetivo legal: transmitir o direito peronalíssimo. Nessas hipóteses, o que se estará cedendo é apenas a expressão monetária decorrente do direito insuscetível de transferência […] (p. 211).
Quais são as principais diferentes entre sub-rogação e cessão de crédito?
Comentários ao art. 286:
Importante modalidade de transmissão de crédito é a sub-rogação, que pode ser definida como “a substitução do credor na titularidade do direito a uma prestação fungível, pelo terceiro que cumpre em lugar do devedor ou que faculta a este os meios necessário ao cumprimento (Antunes Varela). Embora seja um modo de transferir crédito, a sub-rogação está fundada no cumprimento, enquanto a cessão tem sua base jurídica em contrato celebrado entre o transmitente e o adquirente do crédito. Ademais, o sub-rogado só poderá receber do devedor aquilo que desembolsou, diversamente do que ocorre com o cessionário, que não enfrenta essa limitação. Observam-se, porém, que as regras aplicáveis à sub-rogação convencional são as mesmas da cessão de crédito, em face do disposto no art. 348 do CC.
Comentários ao art. 346:
A sub-rogação na posição do credor aproxima-se da cessão de crédito, mas são distintos porque nesta nem sempre haverá quitação, o que é imperioso na sub-rogação, em que o credor original tem seu crédito satisfeito. Os instituto, porém, são próximos quando se verifica que, assim como na sub-rogação, na cessão de crédito, os acessórios (frutos e garantias) seguem o principal, salvo disposição contrária. E, em ambas as figuras, não há necessidade de intervenção do devedor para validade do negócio, mas apenas para sua eficácia (art. 290). […]
Ocorrendo várias cessões do mesmo crédito, qual deverá prevalecer?
Art. 291. Ocorrendo várias cessões do mesmo crédito, prevalece a que se completar com a tradição do título do crédito cedido.
O cedente pode responder perante o cessionário caso o título cedido venha a ser anulado?
Art. 295. Na cessão por título oneroso, o cedente, ainda que não se responsabilize, fica responsável ao cessionário pela existência do crédito ao tempo em que lhe cedeu; a mesma responsabilidade lhe cabe nas cessões por título gratuito, se tiver procedido de má-fé.
Comentários:
O primeiro efeito da cessão é transferir para o cessionário a titularidade integral da relação jurídica, ou seja, do crédito e seus acessórios. A questão da garantia do crédito cedido é outro importante efeito da cessão. Consiste na obrigação do cedente de responder pela existência da dívida na época da realização do negócio. Compreendem-se na existência da dívida seus acessórios e garantia. Mas Renan Lotufo adverte que o dispositivo só se refere aos casos de nulidade, pois os negócios anuláveis são existentes para os efeitos desse artigo. No entanto, se o crédito cedido for anulado por ato imputável ao cedente e desconhecido ao cessionário, poderá este postular a resolução da cessão ou perdas e danos em relação ao primeiro por inadimplemento contratual. Por outro lado, se a razão da anulabilidade era desconhecida do cedente, ou se o cessionário concordou com o risco de anular-se o crédito cedido, a cessão deve subsistir. Mais uma vez, aproxima-se a cessão a título oneroso e a compra e venda. Nesta última, o vendedor deve fazer boa a coisa alienada; na primeira, o cedente é responsável pela existência do crédito no momento da realização do negócio. Essa garantia protege o cessionário das hipóteses em que ele não consegue a titularidade do crédito, ou, após consegui-la, vem a perdê-la por conduta imputável ao cedente. A responsabilidade pela existência do crédito, em se tratando de cessão grauita, só existe se o cedente houver procedido de má-fé, porque o cessionário, nessas hipóteses, não sofre nenhuma redução patrimonial, de modo que, inexistindo má-fé do cedente, não há razão para responsabilizá-lo pela inexistÊncia do crédito cedido. […]
Na assunção de dívida, se o credor assentir àsubstituição do devedor, poderá depois se voltar contra o devedor primitivo por conta da insolvência do novo devedor?
Art. 299. É facultado a terceiro assumir a obrigação do devedor, com o consentimento expresso do credor, ficando exonerado o devedor primitivo, salvo se aquele, ao tempo da assunção, era insolvente e o credor o ignorava.
Qual a consequência do não assentimento do credor na assunção de dívida? Admite o consentimento tácito?
Art. 299. É facultado a terceiro assumir a obrigação do devedor, com o consentimento expresso do credor, ficando exonerado o devedor primitivo, salvo se aquele, ao tempo da assunção, era insolvente e o credor o ignorava.Parágrafo único. Qualquer das partes pode assinar prazo ao credor para que consinta na assunção da dívida, interpretando-se o seu silêncio como recusa.
Comentários:
- Assim, “enquanto não manifestado o assentimento do credor, o devedor primitivo encontra-se vinculado juridicamente a este, podendo dele ser exigido o pagamento do débito” (Mairan Maia). São requisitos da assunção de dívida o consentimento do credor e a existência e a validade da obrigação transferida (Cario Mário). Aparentemente, Arnaldo Rizzardo não concorda com essa posição. O consentimento do credor é sempre necessário, porque ele conta com o patrimônio do devedor para garantir o seu crédito. Desse modo, teria de suportar prejuízo se o devedor pudesse transferir o débito para terceiro insolvente. A ausência do referido consentimento implica a solidariedade do antigo devedor, que se mantém vinculado ao débito, como resulta da leitura do artigo em exame. Dessa modo, não havendo consentimento do credor, a assunção é válida e eficaz, mas não se reconhece a exoneração do antigo devedor. O referido consentimento pode se exteriorizar no momento da assunção ou osteriormente. O parágrafo único do art. 299 do CC-2002, em estudo, estabeleceu a possibilidade de o consentimento ser solicitado por notificação, mas negou a possibilidade de ele ser tácito, afastando a presunção a partir do silência do credor que não se manifesta no prazo que lhe for solicitado para recusar seu consentimento expressamente. Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho afirma que já na vigência do CCC-1916 não seria possível admitir anuência tácita. Renan Lotufo enfrenta a questão e sustenta que o comportamento concludente - de que trata Paulo da Motta Pinto -, consistente, por exemplo, em o credor receber pagamento parciais de terceiro, representa aceitação expressa, e não tácita, de modo que estaria incluída na disposição desse artigo em exame. Caio Mário da Silva Pereira afirma que o recebimento parcial de pagamentos ou juros caracterizará aceitação válida, ainda que a considere tácita, e não expressa - divergindo, nesse aspecto, de Renan Lotufo. (p. 243)
O terceiro não interessado pode fazer o pagamento da dívida com oposição do devedor?
Art. 304. Qualquer interessado na extinção da dívida pode pagá-la, usando, se o credor se opuser, dos meios conducentes à exoneração do devedor.
Parágrafo único. Igual direito cabe ao terceiro não interessado, se o fizer em nome e à conta do devedor, salvo oposição deste.
Art. 305. O terceiro não interessado, que paga a dívida em seu próprio nome, tem direito a reembolsar-se do que pagar; mas não se sub-roga nos direitos do credor.
Comentários:
[…]
O interesse jurídico referido não contempla
somente os que integrarem a relação jurídica es-tabelecida entre credor e devedor, mas também os que nela não figuram, embora possam supor-tar as consequências do inadimplemento. No pa-rágrafo único deste dispositivo, assegura-se ao terceiro não interessado o direito de valer-se dos mesmos meios necessários de que o devedor para extinguir a obrigação, desde que o faça em nome e à conta deste. O terceiro não interessado é o que não integra a relação jurídica a que o devedor se vincula e também não tem qualquer espécie de interesse jurídico no pagamento. Neste parágra-fo, admite-se a oposição do devedor ao pagamen-to a ser efetuado por terceiro não interessado em nome do próprio devedor. Significa dizer, por-tanto, que o devedor só pode opor-se ao paga-mento que o terceiro não interessado pretende efetuar em nome daquele, mas não ao terceiro vinculado juridicamente a sua obrigação ou ao não interessado que pague em seu próprio nome, isto é, em nome dele, terceiro, hipótese contem-plada no dispositivo seguinte. O devedor pode-rá se opor a este pagamento pretendido pelo ter-ceiro não interessado em nome dele, devedor, já que este é o titular do direito subjetivo de cum-prir pessoalmente a obrigação.
O pagamento efetuado pelo terceiro interes-sado implica sub-rogação, isto é, transmissão do crédito do credor originário ao terceiro que cum-pre a obrigação do devedor (art. 346, III, do CC). O devedor não cumpriu sua obrigação, embora o credor tenha recebido a satisfação de seu cré-dito. Deste modo, a dívida não foi extinta, mas transferida ao terceiro que a saldou. A oposição que o devedor pode apresentar ao pagamento do terceiro não interessado pode decorrer de seu in-teresse em quitar a dívida, mas também de ra-zões íntimas pelas quais considere inadmissível que alguém, por qualquer motivo, decida dar cumprimento à sua obrigação. É o caso do fiscal de rendas, ou de outro servidor público, que não tenha condições de cumprir determinada obri-gação, mas pretende impedir que o terceiro não interessado o faça em seu lugar, pretendendo as-segurar o respeito à sua reputação – imagine-se que o terceiro não interessado que deseja pagar sua dívida seja um conhecido contraventor.
A possibilidade de oposição ao pagamento
ofertado pelo terceiro não interessado em nome do devedor remete à seguinte reflexão: o credor é impedido de receber o crédito a que faz jus em decorrência da oposição do devedor? A resposta deve ser negativa, pois o credor não pode ver-se impedido de receber o que lhe é devido, ainda que terceiro não interessado pretenda pagá-lo. Aliás, solução contrária estaria em conflito com o tratamento dispensado à cessão do crédito. Ora, a aceitação da quitação do débito por terceiro não interessado – ainda que contrariando a oposição do devedor – seria possível por sub-rogação convencional do crédito (art. 347 do CC). O negócio seria válido e bastaria que o devedor original fosse notificado para que a cessão fosse eficaz em relação a ele (arts. 290 e 348 do CC).
Quais os efeitos, portanto, da oposição do de-vedor, se o credor pode recebê-lo a despeito de sua oposição? O primeiro deles, extraído da con-jugação do parágrafo único com o caput do artigo em exame, corresponde à impossibilidade de o terceiro não interessado valer-se dos meios con-ducentes à exoneração do devedor: caso o credor não queira receber e o devedor se oponha ao pa-gamento, o terceiro não interessado não pode va-er-se dos meios conducentes à exoneração, ainda que o faça em nome do devedor. O segundo efeito se verificará se o credor aceitar do terceiro não interessado o pagamento oferecido em nome do devedor que a ele se opõe. Desse modo, o pagamento será eficaz para desobrigar o devedor em relação ao credor, mas afastará o reconhecimento da liberalidade que a doutrina identifica nesses casos (martins-costa, Judith. Comentários ao novo Código Civil. Rio de Janeiro, Forense, 2003, v. V, t. I, p. 107. rodrigues, Sílvio. Direito ci vil. São Paulo, Saraiva, 2002, v. II, p. 127. rosen-vald, Nelson. Direito das obrigações. Niterói, Im-petus, 2004, p. 138).
Registre-se, porém, que a presunção de liberalidade não é a regra, pois o comum não é a doação, mas, sim, a onerosidade. A doutrina, porém, reconhece no parágrafo único em exame uma presunção de liberalidade em razão de dois fatos:
a) o art. 305 do CC só se refere ao direito de
ressarcimento do terceiro não interessado que paga em seu próprio nome, de modo que no caso do pagamento feito em nome do próprio deve-dor não haveria direito ao ressarcimento (rodri-gues, Sílvio. op. cit., p. 127); e
b) as liberalidades dependem de aceitação (arts. 385 e 539 do CC). Assim, a possibilidade de o de-vedor opor-se ao pagamento que o terceiro não interessado pretende efetuar em nome do primei-ro – acréscimo do parágrafo em exame com re-lação ao art. 930, parágrafo único, do CC/1916 – destinou-se a evidenciar o caráter de liberalidade desse caso de pagamento.
Contudo, insista-se que as liberalidades não
se presumem, porque excepcionais, de modo que o terceiro não interessado poderá postular o re-cebimento do que pagou em benefício do deve-dor, ainda que tenha havido oposição deste, como esclarece Renan Lotufo: “É evidente que houve uma vantagem econômica para o devedor, que não sofreu qualquer diminuição em seu patri-mônio, o que ocorreria com o adimplemento por sua conta. Pelo contrário, o devedor originário teve um benefício patrimonial, um enriqueci-mento sem causa, à custa da atuação do terceiro. Nesse caso, portanto, o terceiro só poderá exer-cer pretensão em face do devedor, comprovando que este obteve vantagem patrimonial sem mo-tivo determinante prestigiado pelo Direito, isto é, enriquecimento sem causa” (op. cit., p. 189).
Destarte, a oposição do devedor se prestará a
dois efeitos: impedir tanto que o terceiro se va-lha de meios conducentes à exoneração como o reconhecimento de uma liberalidade, se, porven-tura, o terceiro manifestar seu propósito de fazê–la, porque esta não se presume. Judith Martins–Costa, que admite a presunção de liberalidade nesse caso, sustenta que ela é relativa, não absoluta (op. cit., p. 108). Mas, ao se admitir que a li-beralidade não se presume, ela só ocorrerá se o devedor aceitar o pagamento do terceiro, sem oposição, e se ele manifestar seu propósito de efetuar a liberalidade. Mário Júlio de Almeida Costa conclui neste mesmo sentido: se existe doação, há necessidade de estar presente o elemento in-tencional na conduta do terceiro e a aceitação do devedor. Do contrário, mesmo quando o paga-mento é feito em nome do devedor, o terceiro não interessado pode postular o reembolso sob pena de enriquecimento sem causa (Direito das obrigações. Coimbra, Almedina, 2000, p. 925).
A existência do art. 305 do CC, ao que pare-ce, decorre da impossibilidade de o terceiro va-ler-se dos meios conducentes à exoneração da dí-vida se pretender pagar em nome próprio, e não à presunção de liberalidade, que estaria presen-te no art. 304, parágrafo único. Ademais, no caso do artigo seguinte, não haverá liberalidade.
Todavia, o devedor não pode opor-se ao pa-gamento do terceiro vinculado juridicamente à obrigação ou ao não interessado que pague em seu próprio nome, hipótese contemplada no dis-positivo seguinte. O pagamento efetuado pelo terceiro interessado implica sub-rogação, isto é, transmissão do crédito do credor originário ao terceiro que cumpre a obrigação do devedor (art. 346, III, do CC). O devedor não cumpre sua obri-gação, embora o credor tenha recebido a satisfa-ção de seu crédito. Desse modo, a dívida não foi extinta, mas transferida ao terceiro que a saldou.
Quais são as formas de extinção da obrigação? A dação em pagamento é uma forma de pagamento? Em que consiste adimplemento direto, indireto e anormal?
Comentários ao art. 304:
De acordo com o ensinamento de Caio Mário
da Silva Pereira, “o pagamento é o fim normal da obrigação”, mas não o único, já que ela também pode se extinguir de outras maneiras: “a) pela execução forçada, seja em forma específica, seja pela conversão da coisa devida no seu equivalen-te; b) pela satisfação direta ou indireta do credor, por exemplo, na compensação; c) pela extinção sem caráter satisfatório, como na impossibilida-de da prestação sem culpa do devedor, ou na re-missão da dívida” (Instituições de direito civil. 20. ed., atualizada por Luiz Roldão de Freitas Gomes. Rio de Janeiro, Forense, 2003, v. II, p. 168).
[…]
Normalmente, a obrigação nascida de qualquer
de suas fontes extingue-se pelo pagamento, ou seja, pelo cumprimento da prestação devida ao credor, no prazo e do modo estabelecidos. Pagamento, portanto, representa o cumprimento da prestação devida em qualquer de suas modalidades – fazer, não fazer ou dar –, e não apenas a correspondente à entrega de dinheiro. Na definição de Clóvis, “pagamento é execução voluntária da obrigação” (lotufo, Renan. Código Civil comenta do. São Paulo, Saraiva, 2003, v. II, p. 185). Caio Má-rio da Silva Pereira registra que o pagamento deve coincidir com a coisa devida e tem como efeito es-sencial a extinção da obrigação (op. cit., p. 183).
O adimplemento pode ser direto, indireto ou
anormal. No primeiro caso, corresponde à própria prestação originalmente prevista (pagamento, portanto); no segundo, resulta de outro fenô-meno (consignação, novação, compensação etc.); no terceiro, ocorre quando a obrigação extingue-se sem cumprimento, como nos casos de perecimento do bem sem culpa do devedor, prescrição, invalidade etc. O pagamento será voluntário quando efetuado espontaneamente pelo devedor e forçado, quando resultar da intervenção judicial.
No entanto, além do pagamento, expressão
que corresponde ao adimplemento, há outras formas de extinção das obrigações – confusão, remissão, compensação etc. –, que, no entanto, não equivalem ao adimplemento. Renan Lotufo pon-dera que a doutrina distingue as hipóteses de extinção satisfativa e não satisfativa do crédito (op. cit., p. 184). Para que se possa reconhecer o pagamento, é essencial que seja prestado aquilo que é devido, em sua integralidade e por inteiro, como Caio Mário da Silva Pereira registra (op. cit., p. 183). Se qualquer desses requisitos não se verificar, não haverá pagamento, embora seja possível que se reconheça a extinção da obrigação em decorrência de outro fato (dação em pagamento, por exemplo). Além disso, o pagamento supõe a existência de obrigação anterior, pois dá lugar à repetição do indébito, isto é, a restituição do objeto do pagamento àquele que o efetuou por erro (rizzardo, Arnaldo. Direito das obrigações. Rio de Janeiro, Forense, 2004, p. 297)
Quem são os “interessados na extinção da dívida” a que alude o art. 304 do CC?
Art. 304. Qualquer interessado na extinção da dívida pode pagá-la, usando, se o credor se opuser, dos meios conducentes à exoneração do devedor.
Parágrafo único. Igual direito cabe ao terceiro não interessado, se o fizer em nome e à conta do devedor, salvo oposição deste.
Art. 304. Qualquer interessado na extinção da dívida pode pagá-la, usando, se o credor se opuser, dos meios conducentes à exoneração do devedor.
Parágrafo único. Igual direito cabe ao terceiro não interessado, se o fizer em nome e à conta do devedor, salvo oposição deste.
Comentários:
O artigo em exame cuida de disciplinar a possibilidade de interessados e não interessados efetuarem o pagamento. Para a exata compreensão
desse artigo, é preciso compreender o sentido da expressão “interessado na extinção da dívida”. Serão interessados os que, juridicamente, estiverem obrigados a efetuar o pagamento, ou seja, a dar cumprimento à prestação assumida – como é o caso dos garantidores em geral. A responsabilidade já assumida por eles no momento em que a obrigação foi constituída os autoriza e os legi-tima a pagar o débito e a utilizar todos os meios necessários para a exoneração. Até mesmo um credor do devedor pode ter interesse em quitar sua dívida para evitar a penhora, preservando, assim, sua garantia. Ou um inquilino do imóvel pode decidir quitar a dívida do locador para que o bem não seja arrematado, evitando assim a legitimação do despejo. Nessas duas hipóteses, ha-verá terceiros juridicamente interessados na extinção da dívida, que, segundo o dispositivo em exame, poderão valer-se de todos os meios des-tinados à exoneração da dívida (como a consig-nação em pagamento).
Se, no momento do pagamento o devedor era incapaz (embora o fosse à época da celebração do contrato), surtirá efeito o ato?
Art. 307. Só terá eficácia o pagamento que importar transmissão da propriedade, quando feito por quem possa alienar o objeto em que ele consistiu.
Parágrafo único. Se se der em pagamento coisa fungível, não se poderá mais reclamar do credor que, de boa-fé, a recebeu e consumiu, ainda que o solvente não tivesse o direito de aliená-la.
Comentários:
A eficácia de que trata este dispositivo depende da conjugação entre a capacidade negocial e a legitimação, ou o poder de dispor sobre o bem entregue em pagamento. Poderá haver capacidade de efetuar a entrega – obrigação de dar –, sem que haja possibilidade de transferir o domínio, hipótese em que o pagamento não será eficaz (martins-costa, Judith. Comentários ao novo Código Civil. Rio de Janeiro, Forense, 2003, v. V, t. I, p. 123). Sílvio Rodrigues menciona a hipótese de negócio validamente constituído, mas no qual o pagamento se faz ao tempo em que o devedor era incapaz, e o autor conclui que o adimplemento é válido se o credor tiver agido de boa-fé e consumido o bem entregue em pagamento (Direito civil. São Paulo, Saraiva, v. II, 2002, p. 130).
Vale como pagamento a conduta do devedor, em vez de pagar diretamente ao credor o débito, quitar um dívida deste?
Art. 308. O pagamento deve ser feito ao credor ou a quem de direito o represente, sob pena de só valer depois de por ele ratificado, ou tanto quanto reverter em seu proveito.
Comentários:
Os pagamentos devem ser efetuados ao pró-prio credor ou a seu representante. Se isso não se verificar, a validade do pagamento dependerá da ratificação do credor ou da prova que reverteu em proveito dele. São hipóteses diversas. O pagamento pode ser feito ao representante do credor, desde que prove essa condição (art. 118 do CC), ou dependendo de ratificação futura, expressa ou tácita. Também pode ser válido, independentemente da ratificação ou da prova da representação, o pagamento que reverte em proveito do credor, o que dependerá de prova a ser produzida pelo de-vedor, ou pelo terceiro que efetuou o adimplemento. É o exemplo do devedor que deve determinada importância ao credor e quita um débito dele. Não há hipótese de representação, mas há reversão do pagamento da dívida em proveito do credor, que obterá a quitação.
O credor de contrato de prestação de energia elétrica pode recusar o parcelamento postulado pelo consumidor no caso de acúmulo de dívida?
Art. 314. Ainda que a obrigação tenha por objeto prestação divisível, não pode o credor ser obrigado a receber, nem o devedor a pagar, por partes, se assim não se ajustou.
Comentário:
A obrigação divisível não pode ser paga de forma parcial se isso não foi convencionado. Esse dispositivo encontra paralelo no art. 313, segundo o qual ninguém é obrigado a receber prestação diversa da que lhe é devida. Contudo, se a obrigação for fracionada entre diversos credores, não se poderá negar ao credor o direito de efe-tuar o pagamento proporcionalmente a cada um dos credores, como o art. 257 do CC autoriza. Observe-se, contudo, que os pagamentos parciais não acarretam redução das garantias da dívida, nos termos do art. 1.421 deste Código (pereira, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil, 20. ed., atualizada por Luiz Roldão de Freitas Gomes. Rio de Janeiro, Forense, 2003, v. II, p. 185).
Convém destacar, porém, que o CDC autoriza o consumidor a quitar seu débito antecipadamente, total ou parcialmente, nos casos do seu art. 52, § 2o, da legislação consumerista, e que a boa-fé e as hipóteses de adimplemento substancial do contrato podem permitir que se identifiquem exceções à regra consagrada nesse dispositivo (martins-costa, Judith. Comentários ao novo Código Civil. Rio de Janeiro, Forense, 2003, v. V,t. I, p. 188). Desse modo, é possível reconhecer abuso de direito (art. 187 do CC) na recusa do credor em receber o pagamento parcelado de contas de luz ou água em atraso, para evitar o corte de energia, pois a outra solução possível será cortar o fornecimento e cobrar a dívida. Assim, se o consumidor quer pagar os débitos vincendos e parcelar o atrasado, não se vislumbra finalidade social e econômica útil para a recusa ao recebimento parcelado, como o Eg. I TAC já teve oportunidade de decidir em acórdão proferido nos autos do AI n. 1.130.350.7, rel. Juiz Rui Cascaldi, j. 16.10.2002.
Art. 52. § 2º É assegurado ao consumidor a liquidação antecipada do débito, total ou parcialmente, mediante redução proporcional dos juros e demais acréscimos.
Quais os requisitos para que se permite a revisão de contrato de prestação continuada?
Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.
Comentários:
Podem verificar-se razões imprevisíveis que
desequilibrem o valor da prestação devida entre o momento em que ela foi estabelecida e o mo-mento de seu pagamento. Nesse caso, será possí-vel que o juiz corrija o valor da prestação, asse-gurando seu valor real. O dispositivo em exame estabelece os requisitos necessários para essa in-tervenção:
a) os motivos devem ser imprevisíveis, mas
não há exigência de que sejam extraordinários, como ocorre no art. 478;
b) a desproporção entre a prestação devida
deve ser manifesta, isto é, deve ser suficientemente expressiva e estar identificada. Essa desproporção deve ser verificada levando-se em conta as prestações; ou seja, o critério é objetivo, não sendo possível a adoção de um critério puramente subjetivo, que leve em conta a desproporcionalidade e a imprevisibilidade do ponto de vista de quem está obrigado ao cumprimento da presta-ção, como ocorre com a hipótese prevista no art. 6o, V, do CDC;
c) o reequilíbrio do valor da prestação deve ser postulado pela parte, sendo vedado ao juiz implementá-lo de ofício;
d) a existência de uma relação obrigacional
duradoura, sucessiva ou mesmo instantânea, desde que com o adimplemento parcelado; e
e) os acontecimentos que geraram o desequilíbrio não podem ser imputáveis ao lesado.
A intervenção deve restringir-se ao reequilíbrio das prestações. Este dispositivo deve ser visto em conjugação com a regra do art. 478 deste Código, que disciplina a resolução por onerosida-de excessiva e não prevê a possibilidade de reequi-líbrio e preservação do contrato, se o réu não se oferecer para modificar equitativamente as condições do ajuste (art. 479 do CC), salvo se a pres-tação couber a apenas uma das partes (art. 480 do CC).
A conjugação do dispositivo em exame comos ora referidos autoriza a parte prejudicada pelo desequilíbrio a ajuizar a ação com o objetivo de preservar o contrato e adequar o valor real da prestação, sem necessidade de optar pela resolução, como parece sugerir o art. 478.
Renan Lotufo registra que este artigo “adota a
teoria da imprevisão e permite intervenção judi-cial no reequilíbrio da obrigação”, observando que o fato “passou despercebido pela maioria da doutrina” (Código Civil comentado. São Paulo, Saraiva, 2003, v. II, p. 227 e segs.).
O art. 322 do CC se aplica às taxas condominiais?
Art. 322. Quando o pagamento for em quotas periódicas, a quitação da última estabelece, até prova em contrário, a presunção de estarem solvidas as anteriores.
Comentários:
A disposição resulta da presunção de que o
credor geralmente não concorda em receber o valor de uma parcela se as anteriores não houve-rem sido pagas. Contudo, essa presunção não é absoluta – pois nada impede que o credor de-monstre haver concordado em receber o valor da última parcela sem ter recebido as anteriores – e não prevalecerá em todas as hipóteses em que se tratar de prestações periódicas.
O dispositivo se refere a quotas, o que leva à
conclusão de que se trata de pagamentos de um mesmo preço em parcelas – prestações da compra de um imóvel ou de um contrato de mútuo. Mas não compreende os casos em que a periodicidade decorre da renovação da contraprestação (execução continuada), como ocorre com despesas de condomínio, fornecimento de energia e de direito de uso de linha telefônica, nas quais a prestação paga é autônoma, renovada periodicamente.Nessas hipóteses, o pagamento remunera a contraprestação mensal, de maneira que, ao aceitar a quitação, o credor não está reconhecendo o pagamento das parcelas anteriores – que correspondem a outra contraprestação. Vale dizer, somente se as prestações dizem respeito a um mesmo débito, a presunção relativa consagrada neste artigo terá validade. Acrescente-se que a regra não se aplica apenas em relação à ultima das parcelas previstas, mas também aos casos em que uma parcela intermediária for paga sem quitação de qualquer das anteriores (silva pereira, Caio Mário da. Instituições de direito civil, 20. ed., atua-lizada por Luiz Roldão de Freitas Gomes. Rio de Janeiro, Forense, 2003, v. II, p. 204).
Juris:
Direito civil. Obrigações. Taxas condominiais. Pres-tações periódicas. Quitação sem ressalva de débito de prestação anterior. Não prevalece no caso de quotas condominiais a presunção do art. 322 do CC […], pois são imprescindíveis para a preservação do bem comum e autônomas com relação umas às outras. Precedentes da 2a Seção e das Turmas que a compõem. Recurso es-pecial provido. (STJ, REsp n. 817.348, 3a T., rel. Sidnei Beneti, j. 20.05.2010, DJe 10.06.2010)
Qual a diferença entre dívida quesível e dívida portável?
Art. 327. Efetuar-se-á o pagamento no domicílio do devedor, salvo se as partes convencionarem diversamente, ou se o contrário resultar da lei, da natureza da obrigação ou das circunstâncias.
Comentários:
O sistema civil tem como regra a quesibilidade das dívidas. Dívida quesível é aquela que deve ser paga no domicílio do devedor, tornando-se este o competente para promoção da ação de consignação em pagamento.
Ao lado das dívidas quesíveis, podem as partes estipular que o pagamento ocorrerá em local designado pelo credor (normalmente, no domicílio deste), convertendo-se a obrigação em dívida portável.
A lei, a natureza da obrigação e as circunstâncias podem também interferir, como no caso da lei de locações que determinar ser local do pagamento onde se encontrar o imóvel (art. 23, I- ressalvada estipulação em contrário).
Cite as hipóteses previstas no Código Civil de vencimento antecipado da dívida.
Art. 333. Ao credor assistirá o direito de cobrar a dívida antes de vencido o prazo estipulado no contrato ou marcado neste Código:
I - no caso de falência do devedor, ou de concurso de credores;
II - se os bens, hipotecados ou empenhados, forem penhorados em execução por outro credor;
III - se cessarem, ou se se tornarem insuficientes, as garantias do débito, fidejussórias, ou reais, e o devedor, intimado, se negar a reforçá-las.
Parágrafo único. Nos casos deste artigo, se houver, no débito, solidariedade passiva, não se reputará vencido quanto aos outros devedores solventes.
Quais são as hipóteses de sub-rogação legal? Na sub-rogação, as garantias do antigo credor são transferida para o novo?
Art. 346. A sub-rogação opera-se, de pleno direito, em favor:
I - do credor que paga a dívida do devedor comum;
II - do adquirente do imóvel hipotecado, que paga a credor hipotecário, bem como do terceiro que efetiva o pagamento para não ser privado de direito sobre imóvel;
III - do terceiro interessado, que paga a dívida pela qual era ou podia ser obrigado, no todo ou em parte.
Comentários:
Os casos versados no presente artigo são de sub-rogação legal, isto é, aquelas em que a sub-rogação decorre pura e simplesmente da pre-visão da lei. As hipóteses em que a sub-rogação é convencional – vale dizer, do ajuste de vontades – estão no art. 347. A primeira hipótese de sub-rogação legal resulta dos casos em que o credor paga a dívida de alguém que é seu devedor, para evitar a concorrência de outro credor. É o caso, por exemplo, do credor quirografário que quita o débito de outro credor, que conta com garantia hipotecária, para desse modo, poder penhorar e adjudicar o imóvel hipotecado. Em face da sub-rogação, todas as garantias e os demais acessórios do débito quitado passarão a perten-cer ao credor que a quitou, pois, com a sub-rogação, o sub-rogado passa a ocupar o lugar que antes pertencia ao sub-rogante na mesma relação jurídica – que se mantém inalterada.
Art. 349. A sub-rogação transfere ao novo credor todos os direitos, ações, privilégios e garantias do primitivo, em relação à dívida, contra o devedor principal e os fiadores.
Com a sub-rogação, a seguradora que substitui o consumidor na relação jurídica pode se beneficiar dos institutos do CDC em eventual demanda movida contra o devedor?
Art. 349. A sub-rogação transfere ao novo credor todos os direitos, ações, privilégios e garantias do primitivo, em relação à dívida, contra o devedor principal e os fiadores.
Comentários:
Caso ocorra a sub-rogação, o sub-rogado tor-na-se titular de tudo o que cabia ao primeiro cre-dor, não podendo receber além daquilo de que este dispõe, como asseguram alguns dos acórdãos citados nos comentários ao artigo antecedente, pois a sub-rogação opera substituição do credor perante o devedor, que não pode ver sua situa-ção agravada. Ademais, em se tratando de subs-tituição, aquele que substitui o credor não pode obter mais do que ele tinha para lhe transferir.
Ao ser efetuada a sub-rogação, no entanto, o
novo credor pode exercer em relação ao devedor tudo o que o primeiro credor dispunha contra ele. Desse modo, se o consumidor tem os privilégios da hipossuficiência que lhe reconhece o CDC, caso obtenha o ressarcimento em virtude do seguro que contratou, a seguradora poderá invocar o tratamento benéfico conferido pelas normas consumeristas ao segurado e deduzi-las
em face do causador do dano. Imagine-se o caso de um defeito do veículo gerar um acidente com prejuízos ao motorista, que recebe a indenização da companhia de seguros. Ao pagar a indenização, a seguradora sub-roga-se nos direitos do con-sumidor e pode invocar o disposto nos arts. 12 e 26 do CDC para se ressarcir dos eventuais pre-juízos que indenizou ao segurado.
Cite as hipóteses de sub-rogação convencional.
Art. 347. A sub-rogação é convencional:
I - quando o credor recebe o pagamento de terceiro e expressamente lhe transfere todos os seus direitos;
II - quando terceira pessoa empresta ao devedor a quantia precisa para solver a dívida, sob a condição expressa de ficar o mutuante sub-rogado nos direitos do credor satisfeito.
O sub-rogado tem direito de exigir do devedor mais do que desembolsou com a sub-rogação?
Art. 350. Na sub-rogação legal o sub-rogado não poderá exercer os direitos e as ações do credor, senão até à soma que tiver desembolsado para desobrigar o devedor.
Comentários:
Verifica-se que o dispositivo contempla aquele que obtém a sub-rogação em uma das hipóteses do art. 346 com tratamento diverso do que é assegurado aos que se sub-rogam da forma pre-vista no art. 347. No caso da convencional, os di-reitos que se transmitem são integrais – inclusive com a possibilidade de multas, juros etc. –, enquanto na legal, somente o total desembolsado pode ser exigido pelo novo credor.
A distinção no tratamento resulta do fato de
que, nos casos do art. 346, a sub-rogação é imperativo legal destinado a conferir proteção às pessoas que são obrigadas a pagar a dívida em virtude de situações específicas que lhe causariam danos. No entanto, na sub-rogação convencional, a garantia é plena porque amparada na livre convenção estipulada pelas partes.
Exemplo:
Jurisprudência: Ação de ressarcimento por danos causados em acidente de veículo. Seguradora. Direito de regresso. A requerente, seguradora do veículo sinis-trado, cobriu os danos decorrentes do acidente de trân-sito, tornando-se parte legítima por sub-rogação legal para propor ação indenizatória contra o causador do prejuízo. (TJSP, Ap. Cível c/ Rev. n. 926.996.009, rel. Irineu Pedrotti, j. 06.07.2009)
Quais são os requisitos da novação e quais são as espécies de novação existentes?
Art. 360. Dá-se a novação:
I - quando o devedor contrai com o credor nova dívida para extinguir e substituir a anterior;
II - quando novo devedor sucede ao antigo, ficando este quite com o credor;
III - quando, em virtude de obrigação nova, outro credor é substituído ao antigo, ficando o devedor quite com este.
Comentários:
Trata-se, portanto, de um modo extintivo, mas
não satisfativo, da obrigação. Sua natureza é sempre contratual, pois não pode ser imposta pela lei. Para que a novação se caracterize, são necessários os requisitos seguintes:
a) existência de uma primeira obrigação;
b) uma nova obrigação; e
c) intenção de novar (animus novandi).
São espécies de novação:
a) objetiva, que compreende a substituição do objeto da prestação, mantendo-se as mesmas par-tes da obrigação;
b) subjetiva, que estabelece a substituição do credor (ativa) ou do devedor (passiva); e
c) mista, que se caracteriza pela substituição
tanto das partes quanto do objeto.
Os devedores solidários que não participam da novação feita entre um devedor solidário e o credor ficam exonerados da dívida?
Art. 365. Operada a novação entre o credor e um dos devedores solidários, somente sobre os bens do que contrair a nova obrigação subsistem as preferências e garantias do crédito novado. Os outros devedores solidários ficam por esse fato exonerados.
Comentários:
Os devedores solidários que não participam
da novação feita entre um devedor solidário e o credor ficam exonerados da dívida. A novação, como já se disse em comentários nos artigos anteriores, acarreta a extinção da dívida original e sua substituição por outra. Consequência lógica dessa definição é que, se o credor admite substituir a dívida original de vários devedores solidários, concordando que apenas um deles permaneça responsável pela nova obrigação surgida, a responsabilidade dos demais desaparece, na medida em que se extinguiu a única dívida pela qual eram responsáveis.
A regra aproxima-se do disposto no artigo anterior, mas distingue-se dele porque a obrigação dos demais devedores solidários não é acessória, mas principal. Mas, tal como ocorre com o pagamento, se a novação é parcial, os demais devedores solidários permanecem obrigados pelo que não foi contemplado na novação (art. 269 do CC).
Art. 364. A novação extingue os acessórios e garantias da dívida, sempre que não houver estipulação em contrário. Não aproveitará, contudo, ao credor ressalvar o penhor, a hipoteca ou a anticrese, se os bens dados em garantia pertencerem a terceiro que não foi parte na novação.
Art. 269. O pagamento feito a um dos credores solidários extingue a dívida até o montante do que foi pago.
Obrigações nulas podem ser objeto de novação?
Art. 367. Salvo as obrigações simplesmente anuláveis, não podem ser objeto de novação obrigações nulas ou extintas.
Quais fundamento se pode invocar para justificar a penhora de parte de salário de alto valor?
Art. 391. Pelo inadimplemento das obrigações respondem todos os bens do devedor.
Comentários:
[…]
Embora haja incompatibilidade aparente com
a regra ampla do artigo em exame – que estabelece a responsabilidade integral dos bens do devedor pelo inadimplemento –, o certo é que os bens constantes do mencionado artigo – assim como o bem de família (Lei n. 8.009/90) continuariam sendo impenhoráveis ainda que a regra não existisse. Os bens indicados do art. 649 não
podem ser penhorados; admiti-lo violaria o princípio de proteção à dignidade da pessoa humana consagrado no art. 1o, III, da CF. Ora, tais bens são essenciais para assegurar ao devedor uma vida minimamente digna: alimentos, sustento próprio e de sua família e trabalho.
Vale observar, contudo, que os bens relacionados nos incisos IV e VIII do mencionado art. 649 poderão ser penhorados, salvo se comprometerem o sustento digno do devedor e de sua família, como poderá ocorrer com os vencimentos e os salários e com o imóvel rural (incisos IV e X). Nesses dois últimos casos, se a penhora recair sobre parte de vencimentos ou salários expressivos, não comprometer o sustento e a vida digna do devedor (que perceba, por exemplo, rendi-mentos elevados), e, eventualmente, destinarem-se a quitar débito de maior valor social (alimentos devidos em razão de ato ilícito, por exemplo), não há por que manter a impenhorabilidade, ainda que parcial.
Aliás, a jurisprudência de nossos tribunais tem
admitido a penhora de faturamento de pequenas empresas das quais, em muitos casos, são extraídos os rendimentos de manutenção das famílias dos sócios – cujas personalidades, é certo, não se confundem com a da sociedade –, de modo que as mesmas razões que justificam essa providência poderão autorizar a penhora de salários e vencimentos muito elevados.
Observe-se que a flexibilização da impenhorabilidade em alguns casos resulta da incidência do princípio da proporcionalidade à execução. Esse princípio constitucional permite que se afaste o rigor da regra quando desproporcional ao resultado a que se visa.
Dessa forma, se assegurar a impenhorabilidade integral de um salário expressivo comprometer a proporção a ser mantida entre a proteção à dignidade e o interesse social no cumprimento das obrigações, será possível flexibilizar a regra do art. 833 do CPC/2015 (art. 649 do CPC/73) e autorizar a penhora de parte dos rendimentos do devedor – tal como já se admite –, registre-se, na penhora do faturamento das empresas. Essa medida, certamente, também pode comprometer o sustento do pequeno empresário, sem que por isso se negue a penhorabilidade parcial.
STJ:
TEMA: A regra geral de impenhorabilidade dos vencimentos do devedor, além da exceção explícita prevista no parágrafo 2º do art. 649, IV, do CPC/1973, também pode ser excepcionada quando preservado percentual capaz de manter a dignidade do devedor e de sua família.
Trata a controvérsia em definir se a regra de impenhorabilidade das verbas previstas no art. 649, IV, do CPC/1973 encontra exceção apenas para o pagamento de verba alimentar (conforme exceção expressa constante do parágrafo 2º do mesmo artigo) ou se também se deverá permitir a penhora de parte de tais verbas no caso de a proporção penhorada do salário do devedor se revelar razoável, de modo a não afrontar a dignidade ou subsistência do devedor e de sua família. Inicialmente, consoante se revela da divergência, as Turmas integrantes da Primeira Seção não admitem a penhora das verbas previstas no art. 649, IV, do CPC/1973, a não ser no caso de débito alimentar, ao passo que as Turmas integrantes da Segunda Seção admitem também a penhora em caso de empréstimo consignado e em casos em que a remuneração do devedor comporta penhora parcial sem prejuízo à dignidade e subsistência do devedor e de sua família. Registre-se que a interpretação do preceito legal deve ser feita a partir da Constituição da República, que veda a supressão injustificada de qualquer direito fundamental. Assim, a impenhorabilidade de salários, vencimentos e proventos tem por fundamento a proteção à dignidade do devedor, com a manutenção do mínimo existencial e de um padrão de vida digno em favor de si e de seus dependentes. Por outro lado, o credor tem direito ao recebimento de tutela jurisdicional capaz de dar efetividade, na medida do possível e do proporcional, a seus direitos materiais. Ademais, o processo civil em geral, nele incluída a execução civil, é orientado pela boa-fé que deve reger o comportamento dos sujeitos processuais. Embora o executado tenha o direito de não sofrer atos executivos que importem violação à sua dignidade e à de sua família, não lhe é dado abusar dessa diretriz com o fim de impedir injustificadamente a efetivação do direito material do exequente. Dessa forma, só se revela necessária, adequada, proporcional e justificada a impenhorabilidade daquela parte do patrimônio do devedor que seja efetivamente necessária à manutenção de sua dignidade e da de seus dependentes.
JURISPRUDÊNCIA:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. PENHORA SOBRE PROVENTOS. DÉBITO RELATIVO A HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. IMPENHORABILIDADE E EXCEÇÕES. SITUAÇÃO EXCEPCIONAL. SÚMULA 7 DO STJ. AGRAVO NÃO PROVIDO.
- A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça fixou o entendimento de que a exceção à impenhorabilidade prevista no § 2º do art. 833 do CPC não abarca créditos relativos a honorários advocatícios, porquanto não estão abrangidos pelo conceito de “prestação alimentícia”.
- Também é assente na Corte Especial do STJ o entendimento de que a regra geral de impenhorabilidade de salários, vencimentos, proventos etc. (art. 833, IV, do CPC) pode ser excepcionada quando for preservado percentual de tais verbas capaz de dar guarida à dignidade do devedor e de sua família.
- No caso em apreço, o Tribunal de origem concluiu que a penhora de 5% da remuneração bruta mensal do agravante não prejudica a subsistência dele e de sua família, de forma que rever esse entendimento e acolher a pretensão recursal demandaria a alteração do conjunto fático-probatório dos autos, o que é inviável nesta via especial ante o óbice da Súmula 7 do STJ.
- Agravo Interno não provido. (AgInt no REsp n. 1.886.436/DF, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 14/6/2021, DJe 21/6/2021.)
A interpelação extrajudicial de que trata o parágrafo único do art. 397 do CC admite meios eletrônicos como e-mail ou aplicativos de conversa on-line?
Art. 397. O inadimplemento da obrigação, positiva e líquida, no seu termo, constitui de pleno direito em mora o devedor.
Parágrafo único. Não havendo termo, a mora se constitui mediante interpelação judicial ou extrajudicial.
Comentários:
A interpelação extrajudicial de que trata o parágrafo único do art. 397 do Código Civil admite meios eletrônicos como e-mail ou aplicativos de conversa on-line, desde que demonstrada a ciência inequívoca do interpelado, salvo disposição em contrário no contrato.
O devedor em mora responde pela impossibilidade da prestação se esta decorrer de caso fortuito ou força maior?
Art. 399. O devedor em mora responde pela impossibilidade da prestação, embora essa impossibilidade resulte de caso fortuito ou de força maior, se estes ocorrerem durante o atraso; salvo se provar isenção de culpa, ou que o dano sobreviria ainda quando a obrigação fosse oportunamente desempenhada.
Qual a diferença entre inadimplemento absoluto e relativo? Inadimplemento relativo é o mesmo que mora?
Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.
Comentários:
[…]
A regra do presente dispositivo refere-se ao
inadimplemento absoluto – aquele em que a obrigação não foi nem poderá ser cumprida de modo
útil e satisfatório. É o que ocorre, por exemplo, com o perecimento do objeto. Nesse caso, o inadimplemento absoluto poderá ser total ou parcial, caso a integralidade da prestação, ou parte dela, não puder ser cumprida.
O inadimplemento relativo é aquele em que a
obrigação não é cumprida no tempo, no lugar e na forma devidos, mas poderá sê-lo, com um proveito para o credor. Nesse caso, estará caracterizada a mora, disciplinada pela regra do art. 394. Nos arts. 389 e 394, o legislador distinguiu entre o inadimplemento total e parcial e a mora. Na primeira hipótese, a prestação não pode ser cumprida, integral ou parcialmente, e será substituída por indenização. Na segunda, ainda que de modo imperfeito, a prestação pode ser satisfeita, mas sua imperfeição autoriza o credor a postular indenização.
A distinção, portanto, decorre de remanescer
a possibilidade de o credor satisfazer a obrigação. Enquanto ela existir, haverá inadimplemento relativo; se ela deixar de existir, será absoluto. Não se confundem inadimplemento parcial absoluto e mora, portanto, uma vez que, no primeiro, parte da obrigação não tem possibilidade de ser adimplida, na segunda, ela sempre remanesce.
Comentários ao art. 394:
O cumprimento imperfeito da obrigação e o
atraso em seu adimplemento caracterizam mora. Assim, haverá mora não apenas quando ocorrer atraso no cumprimento da obrigação, mas também quando ele ocorrer em lugar ou de forma diversa daquela estabelecida pela lei ou pela convenção.
Acrescente-se que a quantidade não se inclui
entre as hipóteses de defeitos capazes de caracterizar a mora, porque, no que diz respeito a ela, haverá inadimplemento parcial ou total, e não mora (lotufo, Renan. Código Civil comentado. São Paulo, Saraiva, 2003, v. II, p. 442). […]
Internet:
Diferença entre Inadimplemento e Mora. Você sabe?
Quando o devedor não cumpre a prestação, estamos diante do inadimplemento, que pode ser de duas espécies: absoluto ou relativo. O inadimplemento é absoluto quando a prestação não é cumprida e não é mais útil ao credor que o devedor a cumpra - por exemplo, contratação de cantor para cantar em um casamento que não comparece à cerimônia. O inadimplemento é relativo quando a prestação não é cumprida, contudo ainda é útil ao credor que o devedor a cumpra, por exemplo, não pagamento de uma dívida em dinheiro no dia do vencimento. O inadimplemento absoluto é chamado simplesmente de inadimplemento e o inadimplemento relativo é chamado de mora.
Quais são os requisitos para que se reconhecça o direito à indenização por lucros cessantes?
Art. 402. Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar.
Comentários:
O dano indenizável deve ser certo e atual. Não pode ser meramente hipotético ou futuro. Mesmo quando se trata de lucros cessantes, é preciso que eles estejam compreendidos em cadeia natural da atividade interrompida pela vítima. O Eg. STJ já decidiu questão na qual abordou o tema: “O recorrente havia planejado construir um empreendimento imobiliário de grande porte, com projeto já aprovado pelas autoridades competentes. Sucede que parte da área foi objeto de ato expropriatório para a construção de metrô, o que causou retardamentos e redução do projeto original. Pleiteava, entre outros, a indenização por alegado prejuízo pela impossibilidade da implantação do empreendimento tal qual concebido e aprovado originalmente. Anotando que o projeto ainda não havia sido implantado quando da expropriação, a Turma entendeu que não há prejuízo a ser indenizado, tratando-se de dano apenas hipotético, uma expectativa de lucros coberta pela indenização do valor de mercado, que leva em conta o potencial econômico de exploração do imóvel. Caberia indenização por danos materiais se comprovados danos efetivos por despesas que a expropriada poderia ter se já iniciado o processo de implantação do referido projeto” (STJ, REsp n. 325.335, rel. Min. Eliana Calmon, j. 06.09.2001). Nesse sentido, os lucros cessantes são apenas os que podem ser constatados desde logo, mas que não se verificaram em decorrência do fato que o interrompeu, afastando-se meras expectativas frustradas.
Quais são os argumentos normalmente invocados para impedir a utilização da taxa SELIC nos contratos cíveis?
Art. 406. Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional.
Comentários:
Os juros moratórios serão convencionais ou
legais, segundo tenham sido ou não estabelecidos pelas partes no contrato celebrado. Caso não sejam convencionados, ou se as partes não estabelecerem a taxa devida, ou se decorrerem da lei, os juros corresponderão àquela que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional. Essa taxa é o limite máximo permitido para o mútuo de fins econômicos previsto no art. 591 deste Código.
A questão a enfrentar é a que se refere ao limite de juros da Fazenda Nacional, que poderá ser a taxa Selic ou a que se encontra estipulada no art. 161, § 1o, do CTN. A jurisprudência não é pacífica a respeito da legalidade da taxa Selic, de modo que há uma tendência a se reconhecer que o limite será 1% ao mês, segundo a regra do Código Tributário. A taxa Selic padece da ilegalidade por compreender, além de juros, componente de correção monetária, de modo que corrigir a dívida e acrescer a ela os juros correspondentes à taxa Selic representará dupla correção, com enriquecimento ilícito do credor, além de permitir capitalização não autorizada, como registra Celso Pimentel, invocando a lição de Franciulli Netto, em artigo publicado na Revista Jurídica n. 319, p. 61-5. Nem bastaria utilizar a taxa Selic isoladamente, pois não seria possível que o devedor distinguisse entre a taxa de correção monetária e os juros nela compreendidos – ficando impedido, por exemplo, de verifica se a atualização seguiu o índice oficial.
Enunciado 20 da CJF: A taxa de juros moratórios a que se refere o art. 406 é a do art. 161, § 1º, do Código Tributário Nacional, ou seja, um por cento ao mês.
Art. 161. § 1º Se a lei não dispuser de modo diverso, os juros de mora são calculados à taxa de um por cento ao mês.
STJ:
RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. SEGUNDA FASE. ABUSO DE MANDATO. EXCESSO DE CONDENAÇÃO.
SÚMULAS 05 E 07/STJ. JUROS DE MORA E TAXA SELIC. PRECEDENTES. TERMO INICIAL DOS JUROS MORATÓRIOS. CITAÇÃO. RELAÇÃO CONTRATUAL.
HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA. SÚMULA 07/STJ.
1. Reconhecimento pelo tribunal de origem, a partir da prova documental e pericial, da ocorrência de abuso no exercício de mandato consistente na retenção a maior de valores pertencentes ao cliente.
2. Desacerto negocial identificado a partir da interpretação da cláusula contratual que regulou a forma de pagamento dos honorários advocatícios contratados (proveito econômico). 3. A modificação do valor da base de cálculo dos honorários contratuais em litígio exigiria a revaloração do conjunto fático-probatório dos autos, além da modificação da interpretação da cláusula que estabeleceu a forma de pagamento dos serviços prestados, o que é vedado a esta Corte Superior, nos termos da Súmulas 05 e 07/STJ.
4. A fixação da taxa dos juros moratórios, a partir da entrada em vigor do artigo 406 do Código Civil de 2002, deve ser com base na taxa Selic, sem cumulação de correção monetária, em obediência aos precedentes da Corte Especial, ressalvado posicionamento pessoal deste relator.
5. O termo inicial dos juros moratórios deve ser determinado a partir da natureza da relação jurídica mantida entre as partes. 6.
No caso, tratando-se de mandato, a relação jurídica tem natureza contratual, sendo o termo inicial dos juros moratórios a data da citação (art. 405 do CC). 7. Não havendo prova de má-fé e sendo a mora declarada pelo Poder Judiciário, a citação deve prevalecer como marco inicial da contagem dos juros. 8. No período anterior a constituição em mora (antes da citação), a atualização monetária dos valores devidos deve ser feita pelo índice indicado na sentença. 9.
Após a constituição em mora, incidência apenas da taxa Selic, sem cumulação com correção monetária. 10. Necessidade de observação da determinação de abatimento do valor consignado em outra demanda.
11. Honorários sucumbenciais estabelecidos de forma equitativa, atendendo aos preceitos fixados pelos parágrafos do artigo 20 do CPC, observada a complexidade da causa e o seu longo tempo de duração. Súmula 07/STJ.
12. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.
(REsp 1403005/MG, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 06/04/2017, DJe 11/04/2017)
- “Conforme decidiu a Corte Especial, ‘atualmente, a taxa dos juros moratórios a que se refere o referido dispositivo [art. 406 do CC/2002] é a taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia - SELIC, por ser ela a que incide como juros moratórios dos tributos federais (arts. 13 da Lei 9.065/95, 84 da Lei 8.981/95, 39, § 4º, da Lei 9.250/95, 61, § 3º, da Lei 9.430/96 e 30 da Lei 10.522/02)’ (EREsp 727.842, DJ de 20/11/08)” (REsp 1.102.552/CE, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, sujeito ao regime do art. 543-C do CPC, pendente de publicação).
- No tocante ao termo inicial, firmou-se nesta Corte o entendimento de que “incidem juros de mora pela taxa Selic a partir da citação”.
Precedentes. - Recurso especial conhecido em parte e não provido. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do Código de Processo Civil e da Resolução nº 8/STJ.
(REsp 1110547/PE, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 22/04/2009, DJe 04/05/2009)
É dado ao credor, no caso de inadimplemento total da obrigação, desistir da cláusula penal prevista no contrato e provar que os prejuízos em valor que a ultrapassam?
rt. 410. Quando se estipular a cláusula penal para o caso de total inadimplemento da obrigação, esta converter-se-á em alternativa a benefício do credor.
Art. 416. Para exigir a pena convencional, não é necessário que o credor alegue prejuízo.
Parágrafo único. Ainda que o prejuízo exceda ao previsto na cláusula penal, não pode o credor exigir indenização suplementar se assim não foi convencionado. Se o tiver sido, a pena vale como mínimo da indenização, competindo ao credor provar o prejuízo excedente.
Comentários:
Se houver cláusula penal para o caso de inadimplemento total, surgem duas alternativas ao credor, segundo se depreende deste dispositivo. A questão é saber quais as alternativas:
a) desistir da cláusula e provar os prejuízos em
valor que a ultrapassem; ou
b) perseguir a cláusula e exigir o cumprimento da própria prestação.
A primeira alternativa parece descartada pelo
disposto no art. 416, parágrafo único, segundo o qual a cobrança de prejuízos que ultrapassem o valor da cláusula só é possível se assim foi convencionado e, nesse caso, o valor da cláusula será o mínimo da indenização. Desse modo, não se colocam ao credor as alternativas de desistir do valor da cláusula para postular o montante de seus prejuízos, que podem ser cobrados – quando assim convencionado –, sem prejuízo do valor da cláusula.
Restam, portanto, as alternativas indicadas na
letra b. O credor deverá optar entre exigir a própria prestação ou a cláusula penal, já que a cumulação de ambas implicaria seu enriquecimento sem causa: receberia a própria prestação e mais o previsto na cláusula penal exatamente para o caso de a obrigação principal não ser cumprida. Por isso é que o artigo só alcança as cláusulas estipuladas para o inadimplemento total, como está expressamente consignado.
É permitida a cumulação de multa contratual com honorários advocatícios?
Art. 412. O valor da cominação imposta na cláusula penal não pode exceder o da obrigação principal.
Comentários:
A redução do valor da cláusula penal só será
possível nas seguintes hipóteses: ultrapassar o valor da obrigação principal; tiver sido cumprida em parte; seu valor revelar-se excessivamente elevado, tendo em vista a natureza e a finalidade do negócio (art. 413).
Nesses casos, o juiz deverá reduzir o valor da
pena convencional, sem declarar sua ineficácia.
Nada impede que a multa contratual seja cumulada com os honorários de advogado: “É permitida a cumulação da multa contratual com os honorários de advogado, após o advento do CPC” (Súmula n. 616 do STF).
Sendo indivisível a obrigação, todos os devedores serão responsabilizados pela multa contratual caso um deles descumpra o contrato?
Art. 414. Sendo indivisível a obrigação, todos os devedores, caindo em falta um deles, incorrerão na pena; mas esta só se poderá demandar integralmente do culpado, respondendo cada um dos outros somente pela sua quota.
Dipositivos semelhantes:
Art. 263. Perde a qualidade de indivisível a obrigação que se resolver em perdas e danos.
§ 1 o Se, para efeito do disposto neste artigo, houver culpa de todos os devedores, responderão todos por partes iguais.
§ 2 o Se for de um só a culpa, ficarão exonerados os outros, respondendo só esse pelas perdas e danos.
Art. 279. Impossibilitando-se a prestação por culpa de um dos devedores solidários, subsiste para todos o encargo de pagar o equivalente; mas pelas perdas e danos só responde o culpado.
Sendo divisível a obrigação, todos os devedores serão responsabilizado pela multa contratual caso um deles descumpra o contrato?
Art. 415. Quando a obrigação for divisível, só incorre na pena o devedor ou o herdeiro do devedor que a infringir, e proporcionalmente à sua parte na obrigação.
Dispositivo relativo à obrigação indivisível:
Art. 414. Sendo indivisível a obrigação, todos os devedores, caindo em falta um deles, incorrerão na pena; mas esta só se poderá demandar integralmente do culpado, respondendo cada um dos outros somente pela sua quota.
Parágrafo único. Aos não culpados fica reservada a ação regressiva contra aquele que deu causa à aplicação da pena.
A norma que impõe a redução da cláusula penal é aplicável às arras confirmatórias?
Art. 417. Se, por ocasião da conclusão do contrato, uma parte der à outra, a título de arras, dinheiro ou outro bem móvel, deverão as arras, em caso de execução, ser restituídas ou computadas na prestação devida, se do mesmo gênero da principal.
Comentários:
Sinal e cláusula penal. Na lição de Nelson Rosenvald, são muitas as semelhanças entre o sinal e a cláusula penal: ambas destinam-se a “assegurar o cumprimento da obrigação” e “exercem função coercitiva, pois, em caso de inadimplemento, tanto a retenção da quantia adiantada como a devolução em dobro demonstram a feição sancionatória do sinal”. Ademais, observa o autor, “o montante prefixado não se relaciona com os danos efetivos” em nenhuma das hipóteses (Cláusula penal: a pena privada nas relações negociais. Rio de Janeiro, Lumem Juris, 2007, p. 174-6). A aproximação das duas figuras autoriza a aplicação do art. 413 do CC ao caso de sinal que se revele excessivo (idem, ibidem, p. 177). No mesmo sentido a lição de Arnaldo Rizzardo (Direito das obrigações. Rio de Janeiro, Forense, 2004, p. 569), e a conclusão do Enunciado n. 165 do CEJ do CJF: “em caso de penalidade, aplica-se a regra do art. 413 ao sinal, sejam as arras confirmatórias ou penitenciais”
Art. 413. A penalidade deve ser reduzida eqüitativamente pelo juiz se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio.
Art. 412. O valor da cominação imposta na cláusula penal não pode exceder o da obrigação principal.
Em que consiste a função social do contrato?
Art. 421. A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato. (“Art. 421. A liberdade de contratar será exer-cida em razão e nos limites da função social do contrato.” - Antiga redação)
Parágrafo único. Nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual.
Comentários:
A teoria contratual, vigente nos moldes do CC/2002, não mais está pautada no paradigma clássico, no qual predominavam a autonomia da vontade e os subprincípios da liberdade contratual, da intangibilidade do pactuado e da relatividade dos contratos. Hodiernamente, em consonância com o direito civil constitucional, a matéria baseia-se em um novo paradigma que atende perfeitamente às novas diretrizes da eticidade, da operabilidade e da socialidade elencadas. Assim, diante desse paradigma contemporâneo, a teoria contratual contempla outros quatro grandes princípios: a autonomia privada, a boa-fé objetiva, a justiça contratual e a função social do contrato.
O art. 421 inaugura o estudo dos contratos,
demonstrando a imprescindível conjugação entre a liberdade contratual e o princípio constitucional da solidariedade (art. 3o, I, da CF). Trata-se da função social do contrato, estampada no novel diploma civil como cláusula geral de grande envergadura e com fins ainda imprecisos.
Atualmente, as obrigações revelam uma função social, uma finalidade perante o corpo social. Para além da intrínseca função da circulação de riquezas, o papel das relações negociais consiste em instrumentalizar o contrato em prol das exigências maiores do ordenamento jurídico, como a justiça, a segurança, o valor social da livre-iniciativa, o bem comum e o princípio da dignidade da pessoa humana. Como é possível observar, o epicentro do contrato se desloca do poder jurígeno da vontade e do trânsito de titularidades para um conserto entre o interesse patrimonial inerente à circulação de riquezas e o interesse social, que lateralmente àquele se projeta.
A função social do contrato não veio para coibir a liberdade de contratar, como induz a literalidade do art. 421, mas para legitimar a liberdade contratual. A liberdade de contratar é plena, pois não existem restrições ao ato de se relacionar com o outro. O ordenamento, todavia, passou a submeter a composição do conteúdo do contrato a um controle de merecimento (ao contrário de quando ainda vigia o paradigma clássico com o seu subprincípio da liberdade contratual, principalmente sob seu viés positivo, cuja diretriz era a não intromissão do Estado nas relações contratuais advindas da autonomia da vontade das partes), tendo em vista as finalidades eleitas pelos valores que estruturam a ordem constitucional.
Partindo da premissa de que o contrato não é
um átomo – um universo jurídico hermético e neutro –, mas um fato social que operacionaliza a realização de valores globais, censura-se, a partir de então, o abuso da liberdade contratual como um ato ilícito objetivo (art. 187 do CC).
Dessa forma, a função social do contrato representa mais uma das diversas facetas da funcionalização das situações jurídicas subjetivas e, especialmente, da funcionalização dos negócios jurídicos. O perfil estrutural e neutro do negócio jurídico restringia-se a questionar quem seriam os contratantes (identificação das partes) e o que postulavam com o contrato (identificação do objeto). O atendimento às regras de capacidade dos intervenientes, a licitude e a possibilidade da prestação eram os únicos fatos justificadores da juridicidade da relação obrigacional. Não se questionava as razões do negócio, o porquê ou o para quê. A dogmática civil clássica era anticausalista. Hoje, a visão é outra.
Frente à novidade normativa do CC/2002, em
uma espécie de reencontro do direito privado com a noção de causa, a função social se converte na própria ratio de qualquer ato de autonomia privada, não mais como um limite externo e restritivo à liberdade do particular, mas como um limite interno hábil a qualificar a disciplina da relação obrigacional a partir da investigação das finalidades empreendidas pelos parceiros por meio do contrato. Dessa forma, passa a fazer todo o sentido a previsão do art. 421, na medida em que a função social recebe o status de fundamento para o exercício meritório da liberdade contratual.
Ademais, a expressão “em razão” se destina precipuamente a conformar a autonomia privada à dimensão social. Via de consequência, a liberdade contratual não mais se dará “em razão da vontade privada”, mas em razão da função social que o negócio jurídico atenderá. Outrossim, os limites da liberdade contratual escapam das mãos dos privados, posto preconizados pelas aspirações solidárias do ordenamento, cabendo à doutrina, ao legislador e aos tribunais o mister de aclarar a função social dos diversos modelos jurídicos negociais, elencando-se aí as situações patrimoniais do contrato, a propriedade, o direito de família e as sucessões, bem como os negócios jurídicos não patrimoniais ligados aos direitos da personalidade. A função social do contrato não é um dado, mas um construído.
O que se observa da previsão do art. 421 é que não mais se sustentam no ordenamento jurídico os negócios abstratos, pautados tão somente na vontade das partes. É preciso mais, ou seja, que os negócios jurídicos sejam causais e cumprido-res de uma função social. Só assim se coaduna a previsão infraconstitucional com o que preconi-za a CR/88, alcançando a unidade do ordenamen-to jurídico em prol da valorização do ser humano.
Migualhas (https://www.migalhas.com.br/depeso/302968/a-mp-da-liberdade-economica-e-a-sempre-e-agora-ainda-mais-polemica-funcao-social-do-contrato):
Com o advento da MP 881, no entanto, criou-se um verdadeiro “mosaico” teórico-ideológico no texto do art. 421, e nem mesmo essa certeza subsiste. A referida norma, alcunhada de “MP da Liberdade Econômica”, entrou em vigor no dia 30 de abril de 2019, trazendo inúmeras inovações no ordenamento jurídico brasileiro. Ela representa uma relevante concreção jurídica da guinada neoliberal pautada pelo Governo Federal, atingindo diversos ramos do direito público e do direito privado. No campo do direito dos contratos, especificamente, a norma buscou atender a uma já antiga e legítima demanda por uma menor intervenção do Estado no programa contratual estabelecido pelas partes, sobretudo no que se refere ao âmbito das relações interempresariais. A nova redação do referido dispositivo determina que a liberdade de contratar deve se submeter a uma função social e também observar as disposições da Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, de matriz neoliberal absenteísta:
Redação original: Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.
Redação dada pela MP 881: Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato, observado o disposto na Declaração de Direitos de Liberdade Econômica.
Se o art. 421 do Código Civil já trazia severas dificuldades de concreção normativa, com as modificações empreendidas pela medida provisória 881, a questão se tornou ainda mais complexa. A alteração legislativa criou um verdadeiro amálgama dos valores cristalizados na perspectiva teórico-ideológica solidarista da redação original do artigo com a nova proposta de cunho neoliberal, avessa à intervenção do Estado na dinâmica do contrato.
Ressalta-se que este novo ideário surgiu como uma reação àquele horizonte anteriormente estipulado na legislação, o qual, inegavelmente, produzia situações de insegurança jurídica prejudiciais à atuação dos agentes privados como um todo e aos empresários em especial. A colonização do Direito Civil por um raciocínio jurídico baseado em argumentações principiológicas e o abuso de evocações constitucionais e máximas de equidade metajurídicas vinham, já há algum tempo, gerando uma verdadeira “ressaca” na comunidade jurídica brasileira3. Uma reação nos moldes da “MP da Liberdade Econômica” era de se esperar. Quisera viesse ela em um contexto de maior debate democrático, por meio de projeto de lei, com a participação de juristas, de representantes de diversos grupos de interesses e da comunidade jurídica em geral, que será a destinatária final da nova norma.
A realidade, no entanto, é que a norma do novo art. 421 do Código Civil está posta, ao menos provisoriamente, e deve ser interpretada e aplicada. Resta saber se a “clássica” função social do contrato, em face da inovação legislativa, deve ser “relida” sob uma nova ótica neoliberal absenteísta ou se deve ser mantido seu conteúdo original de matriz solidarista e intervencionista, o qual deverá ser ponderado em face dos princípios colidentes trazidos pela Declaração de Direitos de Liberdade Econômica.
Em uma análise preliminar, parece ser a alternativa mais adequada a perspectiva segundo a qual a função social do contrato deve manter seu conteúdo original, afigurando-se, portanto, como um princípio em tensão para com a proposta neoliberal trazida pela Declaração de Direitos de Liberdade Econômica. Essa conclusão se assenta em dois pontos. O primeiro deles refere-se a uma postura de respeito à própria sistemática e à tessitura normativa do Código Civil vigente. A Declaração de Direitos de Liberdade Econômica altera dispositivos pontuais do Código, mas a sua matriz estruturante segue sendo os princípios fundamentais da “eticidade, socialidade e operabilidade”, conforme idealizado por Miguel Reale4. Nesse sentido, apresenta-se a alteração como uma norma de exceção dentro da estrutura do Código e, como norma de exceção, deve ser restritivamente interpretada5. É correto, portanto, considerar a nova norma como um adendo, e não como um substituto à clássica função social do contrato.
O segundo ponto sustenta-se em algumas pistas redacionais do dispositivo do art. 421 que apontam nesse sentido. Quisesse a MP da Liberdade Econômica substituir a função social por um novo paradigma liberal, o teria feito expressamente, e não apenas acrescentaria um novo comando em paralelo. Ademais, verifica-se pelo texto do dispositivo que existe uma construção semântica adversarial entre os dois conceitos: “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato, observado o disposto na Declaração de Direitos de Liberdade Econômica”. Os dois conceitos (“função social” e “o disposto na Declaração de Direitos de Liberdade Econômica”) se opõe na redação, detendo, sobretudo a partícula “observando” um sentido claramente adversativo acerca do limite da função social em relação às disposições da Declaração de Direitos de Liberdade Econômica.
[…]
Utilizou-se do instrumento legislativo da medida provisória sem que se fizessem presentes os pressupostos autorizadores de sua edição. Por mais que seja este um expediente corriqueiramente utilizado pelos presidentes da República brasileiros há tempos, não se pode deixar de observar a incorreção desse proceder na perspectiva institucional de nossa democracia, bem como analisar o fato de que este vício torna ainda mais incerto o cenário delineado. No que se refere ao conteúdo da alteração empreendida, procedeu-se à formação de um amálgama de conceitos, um solidarista, outro neoliberal, que se tencionam dentro do enunciado de um mesmo artigo, gerando inconsistência teórica e incerteza interpretativa, sempre em prejuízo da segurança jurídica.
Migualhas 2 (Flávio Tartuce):
Sobre o art. 421 do Código Civil, é interessante confrontar a redação original do comando, a que constava da MP 881/19 e a que acabou sendo adotada na sua conversão em lei.
Redação original: Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.
Redação dada pela MP 881: Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato, observado o disposto na Declaração de Direitos de Liberdade Econômica.
Parágrafo único. Nas relações contratuais privadas, prevalecerá o princípio da intervenção mínima do Estado, por qualquer dos seus poderes, e a revisão contratual determinada de forma externa às partes será excepcional.
Redação após a lei 13.874/19: “A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato.
Parágrafo único. Nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual.
Sobre a redação original do dispositivo, seguindo a melhor doutrina, sempre sustentei que ela trazia dois equívocos técnicos, que tenderiam a ser corrigidos pelo antigo projeto de lei Ricardo Fiuza, o originário PL 6.960/02. Acatando as sugestões formuladas por Antônio Junqueira de Azevedo e Álvaro Villaça Azevedo, professores da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, propunha-se a mudança no texto exatamente como ele se encontra agora. Destaque-se que a professora Giselda Hironaka também escreveu texto no mesmo sentido, logo após a entrada em vigor da codificação de 2002, apoiando as mudanças.
Como primeiro equívoco anterior, a norma mencionava a liberdade de contratar, relacionada com a celebração do contrato em si e que, em regra, é ilimitada, pois a pessoa celebra o contrato quando quiser e com quem quiser, salvo raríssimas exceções. Por outra via, tem-se que a função social - a finalidade coletiva do instituto, com suas projeções internas e externas - limita a liberdade contratual, relativa ao conteúdo negocial em si, às cláusulas contratuais propriamente ditas. Ademais, a função social do contrato nunca foi e não é razão do contrato, constituída pela autonomia privada, pela liberdade individual, sendo necessário excluir a locução “em razão e”.
Diante dessa realidade jurídica, quando da emergência da medida provisória 881, na sua tramitação no Congresso Nacional, escrevi artigo científico, publicado neste canal, em que sustentei a necessidade de alteração da lei com a correção desses dois equívocos. O texto trazido originalmente pela MP estabelecia, ignorando a necessidade desses reparos, que “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato, observado o disposto na Declaração de Direitos de Liberdade Econômica”. Como se percebe, a redação também procurava reduzir consideravelmente a abrangência da função social do contrato, limitando-a ao conteúdo do art. 3º da norma, que trata da Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, o que, por bem, acabou não prosperando.
A proposta de emenda 199, apresentada pelo senador Jean Paul Prates no Congresso Nacional, seguiu a minha sugestão a respeito do caput do comando, nos seguintes termos de justificativas: “com apoio no texto intitulado ‘A MP 881/19 (liberdade econômica) e as alterações do Código Civil. Primeira parte’, escrito por um dos mais respeitados civilistas brasileiros – o professor Flávio Tartuce –, sugerimos a emenda em pauta”. A proposta acabou por ser adotada na tramitação legislativa na linha do que sempre sustentei doutrinariamente e com base nas lições de Antônio Junqueira de Azevedo, Álvaro Villaça Azevedo e Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka. Sendo assim, por bem, o texto do art. 421 do Código Civil foi finalmente corrigido, para que tenha o real sentido, de que a liberdade contratual, a autonomia privada, é que é limitada pela função social do contrato.
Pontue-se, a propósito, que, quando da tramitação legislativa, chegou-se a debater outro texto, sugerido pelos Professores Otávio Luiz Rodrigues Jr. e Rodrigo Xavier Leonardo, por meio do Senador Antonio Anastasia (emenda 158). Pela proposição, o dispositivo teria a seguinte dicção: “O contrato cumprirá a sua função social”. A norma proposta era até mais abrangente e louvável, pois colocava a função social do contrato no plano da validade do negócio jurídico. De todo modo, essa interpretação já é realizada pela doutrina, conforme se retira do enunciado 431 da V Jornada de Direito Civil.
Sobre o parágrafo único do art. 421, continua ele trazendo uma obviedade, desde o texto original da medida provisória, ao enunciar que a revisão contratual regida pelo Código Civil é excepcional. Na verdade, o Código Civil de 2002 adotou uma teoria de difícil aplicação prática - a teoria da imprevisão para uns, teoria da onerosidade excessiva, para outros -, com elementos insuperáveis para que a revisão seja efetivada, notadamente o elemento da imprevisibilidade (arts. 317 e 478). Acrescente-se que essa revisão também é dificultada por requisitos adicionais que constam do art. 330, §§ 2º e 3º, do CPC/15, quais sejam a determinação da parte controversa e incontroversa da obrigação - com a necessidade de eventual apresentação de cálculo contábil desses valores - e o depósito da parte incontroversa; sob pena de inépcia da petição inicial. Por isso, afirmar que a revisão de um contrato civil não é a regra significa dizer algo que já era da nossa realidade jurídica.
A encerrar o estudo do art. 421, parágrafo único, estou totalmente filiado às críticas de Anderson Schreiber, constantes do nosso Código Civil Comentado, a respeito da inexistência do princípio da intervenção mínima, agora previsto na norma. Vejamos suas palavras:
“A MP n. 881/19 também introduziu no art. 421 um parágrafo único, que estabelece a prevalência de um assim chamado ‘princípio da intervenção mínima do Estado’ e reserva caráter ‘excepcional’ à revisão contratual ‘determinada de forma externa às partes’. Mais uma vez, o equívoco salta aos olhos. Não existe um ‘princípio da intervenção mínima do Estado’; a intervenção do Estado nas relações contratuais de natureza privada é imprescindível, quer para assegurar a força vinculante dos contratos, quer para garantir a incidência das normas jurídicas, inclusive das normas constitucionais, de hierarquia superior à referida medida provisória. A MP n. 881/19 parece ter se deixado se levar aqui por uma certa ideologia que enxerga o Estado como inimigo da liberdade de contratar, quando, na verdade, a presença do Estado – e, por conseguinte, o próprio Direito – afigura-se necessária para assegurar o exercício da referida liberdade. No que tange à revisão contratual, também parece ter incorrido a medida provisória nessa falsa dicotomia entre atuação do Estado-juiz e liberdade de contratar, quando, ao contrário, a revisão contratual privilegia o exercício dessa liberdade ao preservar a relação contratual estabelecida livremente entre as partes, ao contrário do que ocorre com a resolução contratual, remédio a que já tem direito todo contratante nas mesmas situações em que a revisão é cabível (v. comentários ao art. 478). Se a intenção da MP foi evitar que revisões judiciais de contratos resultem em alterações excessivas do pacto estabelecido entre as partes, empregou meio inadequado: afirmar que a revisão contratual deve ser excepcional nada diz, porque não altera as hipóteses em que a revisão se aplica, as quais são expressamente delimitadas no próprio Código Civil. O novo parágrafo único, acrescentado pela MP, tampouco indica parâmetros, critérios ou limites à revisão contratual, o que leva a crer, mais uma vez, que a alteração não produzirá qualquer efeito relevante no modo como a revisão contratual é aplicada na prática jurisprudencial brasileira – aplicação que, de resto, já se dá com bastante cautela e parcimônia, sem interferências inusitadas no conteúdo contratual”.
Diferencie a função social interna e a externa?
Feita essa introdução, no tocante ainda à função social dos contratos, parte da doutrina investe na sua bipartição em função social interna e externa. A justificativa que se lança é que, entre as partes, a função social teria o escopo de assegurar contratos mais equilibrados, garantindo maior igualdade e dignidade entre os contratantes; já externamente, transcenderia à polarização entre as partes e representaria o reflexo da relação contratual perante a sociedade, promovendo a confiança nas relações sociais.
Internamente, a função social do contrato exerce a importante finalidade sindicante de evitar que o ser humano seja vítima de sua própria fragilidade ao realizar relações contratuais que, mesmo sob o pálio da liberdade contratual, culminem por instrumentalizá-lo ou, como intuiu Kant, convertam a pessoa – que é um fim em si – em meio para fins alheios.
No plano externo, a função social dos contratos liga-se diretamente à vertente da operabilidade, permitindo-nos desatar as amarras que prendem o objeto das obrigações, o direito à prestação consistente no bem da vida, no fato ou na abstenção a cargo do devedor às partes e aos seus sucessores, ignorando a sociedade que os tangencia. O locus do princípio da função social, em sua acepção externa, reside na sua capacidade provocativa de repensar o mito da relatividade contratual em contraposição à eficácia erga omnes dos direitos reais. Vale dizer, apesar de sua relatividade, os contratos produzem oponibilidade perante terceiros – como projeção de sua eficácia –, resultando em um dever de abstenção, no sentido de que a sociedade não pode afetar uma relação obrigacional em andamento, nem ser afetada negativamente por ela.
Internet (figura do terceiro ofensor):
São muitas as teorias que defendem ser a força obrigatória do contrato a livre vontade das partes contratarem. Desta forma, a vontade não é apenas um elemento do contrato, mas também a sua força obrigatória. Contudo, o princípio da função social do contrato mitiga um pouco essa concepção.
O fato é que o movimento da socialização do contrato passou a dar uma nova visão sobre as partes do contrato, focando também seus efeitos nos “terceiros” da relação. Passou-se a ser contra um individualismo centrado, e não contra o indivíduo em si.
A ideia de função social nos convida a olhar para o direito civil sem um enfoque individualista, buscando alcançar os valores sociais que o ordenamento jurídico institui como fundamento de todos os ramos do Direito. Portanto, além da liberdade contratual, passa a interagir os valores morais do contrato a justiça, a igualdade, a solidariedade e outros que são essenciais à tutela da dignidade da pessoa humana.
A função social torna o contrato um instrumento jurídico de efeitos transcendentes aos interesses da parte. Antes, a força obrigatória do contrato era fundada na vontade das partes, passando a hoje ser pautada na lei. Com isso, a finalidade do contrato deixou de ser a satisfação de interesses individualistas para atender as finalidades da lei, que ultrapassam a vontade das partes.
Em vista desse novo posicionamento, muitos autores tentam definir a figura do terceiro na relação contratual, mas o conceito dominante é que terceiro é aquele que não é parte na relação contratual, ou seja, não participa das negociações nem assume cumprir uma obrigação, contudo, sofre influências advindas daquela relação.
No entanto,o terceiro pode ocupar duas posições que em relação ao contrato: (i) de vítima de alguma consequência advinda do instrumento ou (ii) de ofensor que causa um prejuízo à parte credora.
De acordo com a interpretação clássica do princípio da relatividade, o “ terceiro vítima” nunca poderia pedir indenização pelos prejuízos sofridos ao devedor inadimplente, pois ele não faz parte da relação contratual.
Em contraposição a essa corrente, flexibilizando o rigor do princípio da relatividade, admite-se ao terceiro pedir indenização em face do contratante devedor em alguns casos. Um exemplo defendido é quando é formado um contrato com a finalidade de garantir outro instrumento, podendo o terceiro requerer indenização em face da parte inadimplente de um contrato do qual não seja parte, pois o contrato descumprido possuía a função de garantir e assegurar o seu contrato.
Nesse exemplo, o conceito de parte é alargado para incluir aquelas pessoas a quem o contrato relaciona-se sob o ponto de vista funcional. Daí percebe-se que a vontade de contratar com alguém não é mais o elemento essencial para formação do vínculo.
Outro exemplo de terceiro vítima é o caso do consumidor que sofreu um dano por defeito do produto decorrente de sua fabricação. Ora, o consumidor na maioria das vezes adquire o produto do comerciante, e não do fabricante. Mas advindo algum defeito de fabricação no produto, o consumidor poderá acionar tanto o comerciante quanto o fabricante, apesar de não possuir nenhuma relação com este.
Já “terceiro ofensor” é aquele que contribui para o descumprimento de uma obrigação de um contrato do qual não é parte. Pode-se citar como exemplo o caso de uma pessoa que tenha dever de sigilo para com uma empresa e declare em entrevista à imprensa alguns daqueles segredos. Nesse caso, a empresa de comunicação que divulgou os dados sigilosos pode vir a ser responsabilizada, em que pese não ter firmado o contrato de sigilo com a prejudicada.
Um dos argumentos para responsabilizar o terceiro é a teoria do abuso de direito, que defende a responsabilização deste quando souber da convenção entre as partes e praticar um ato contrário e proposital aquele contrato.
No entanto, mesmo que não haja intenção de prejudicar por parte do terceiro, o fato é que uma vez conhecida a convenção entre as partes, se o terceiro vir a firmar contrato que a prejudique, este segundo contrato estará em desacordo com a função social da liberdade de contratar.
O que a maioria da doutrina e jurisprudência entendem é que terceiros têm o dever de respeitar a situação criada pelo contrato, sob o fundamento da oponibilidade dos efeitos do contrato. Como visto, o princípio da função social do contrato dá novos contornos à liberdade contratual ao estabelecer que mesmo aquele que não participou da criação do contrato tem o dever de respeitá-lo. Pode-se dizer então que o contrato é oponível erga omnes, isto é, todos têm o dever de se abster de praticar atos que prejudiquem ou comprometam a satisfação de créditos alheios. Mas isso não significa que as obrigações contratuais são exigíveis em face de terceiros, pois a relatividade do contrato assim impede, apenas impõe o respeito a algumas situações jurídicas.
Diante do exposto, verifica-se que o princípio da função social cumpre o papel de delimitar o princípio da relatividade, modificando o alcance deste, que não se limita apenas à proteger a autonomia da vontade. Hoje, todo contrato deve ser interpretado como se transcendesse a esfera jurídica das partes.
Em que consiste o princípio da boa-fé objetiva?
Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.
Comentários:
Tendo em mente que os três grandes paradigmas do CC/2002 são eticidade, socialidade e operabilidade, a boa-fé objetiva é a maior demonstração de eticidade da obra conduzida por Miguel Reale. No CC/2002, o neologismo eticidade se relaciona de forma mais próxima com uma noção de moralidade, que pode ser conceituada como uma forma de comportamento suportável, aceitável em determinado tempo e lugar. Destarte, a boa-fé servirá como um parâmetro objetivo para orientar o julgador na eleição das condutas que guardem adequação com o acordado pelas partes, com correlação objetiva entre meios e fins. O juiz terá de se portar como um “homem de seu meio e tempo” para buscar o agir de uma pessoa de bem como forma de valoração das relações sociais.
Há de se salientar que existem duas acepções
de boa-fé: uma subjetiva e outra objetiva. A boa-fé subjetiva não é um princípio, e sim um estado psicológico em que a pessoa possui a crença de ser titular de um direito que, em verdade, só existe na aparência. O indivíduo se encontra em escusável situação de ignorância sobre a realidade dos fatos e da lesão a direito alheio. A boa-fé subjetiva prossegue a sua trajetória no CC/2002, principalmente nos arts. 1.201, 1.214 e 1.219, como exata dimensão da convicção interna do possuidor sobre a ausência de defeitos em sua posse, e também no art. 1.561, o qual se refere aos efeitos do casamento putativo ao cônjuge de boa-fé.
Em sentido diverso, o princípio da boa-fé ob-jetiva – localizado no campo dos direitos das obrigações – é o objeto de nosso enfoque. Trata-se da
“confiança adjetivada”, uma crença efetiva no comportamento alheio. O princípio compreende um modelo de eticização de conduta social, verdadeiro standard jurídico ou regra de comportamento, caracterizado por uma atuação de acordo com determinadospadrões sociais de lisura, honestidade e correção, de modo a não frustrar alegítima confiança da outra parte.
Assim, é possível aferir alguns pressupostos da
boa-fé objetiva, quais sejam: a) uma relação jurídica que ligue duas pessoas, impondo-lhes especiais deveres mútuos de conduta; b) padrões de comportamento exigíveis do profissional competente, naquilo que se traduz como bonus pater familias; c) reunião de condições suficientes para ensejar na outra parte um estado de confiança no negócio celebrado.
[…]
Famoso exemplo do então exposto é o caso do
cantor Zeca Pagodinho, que rompeu o contrato com a empresa “A” e se vinculou à empresa “B”, sua concorrente. Embora tenha alegado que não sabia do seu compromisso de exclusividade com a empresa “A” (eventual presença de boa-fé sub-jetiva), houve flagrante quebra do princípio da boa-fé objetiva.
De fato, o princípio da boa-fé justifica-se no
interesse coletivo de que as pessoas pautem seu agir na cooperação e na retidão, garantam a promoção do valor constitucional do solidarismo, incentivando o sentimento de justiça social, com repressão a todas as condutas que importem em desvio aos parâmetros sedimentados de honestidade e lisura. Seria, em última instância, a tradução do campo jurídico do indispensável cuidado e da estima que devemos conceder ao nosso semelhante.
Não obstante uma primeira impressão possa
nos remeter a um tratamento intuicionista da boa-fé, não cabe ao magistrado enquadrá-la como um “sentimento jurídico”, segundo um “critério de equidade”. É preciso desde logo apartar a boa-fé das noções de equidade e bons costumes. Oprincípio da boa-fé é justificado sistematicamente, sendo capaz de enunciar comportamentos concretos. A outro turno, a equidade ignora regras técnicas e instrumentais, pois apela a “sen-timentos jurídicos”, tratando-se de um princípio que permite ao aplicador da norma a possibilidade de abrandar o seu rigor, aproximando o direito da ideia de justiça. Comparativamente aos bons costumes, os requisitos da boa-fé são mais rígidos, pressupondo uma especial confiança entre as pessoas que intervêm na relação jurídica concreta. Já os bons costumes remetem a algo exterior ao direito e limitado à autonomia privada, já que, ao contrário da boa-fé, eles não prescrevem comportamentos, mas proscrevem condutas ofensivas à moral média. Enfim, nem toda infração à boa-fé é contrária aos bons costumes, mas a recíproca não é verdadeira, pois toda conduta imoral representa uma ofensa à boa-fé.
Para descobrir a boa-fé no caso concreto, objetiva-se a situação – livrando-a dos aspectos sub-jetivos – indagando-se: qual seria a conduta confiável e leal conforme os padrões culturais incidentes no tempo e no lugar? Diante da resposta, cumpre observar se os contratantes observaram ou não o aludido padrão.
A boa-fé funciona como modelo capaz de nortear o teor geral da colaboração intersubjetiva, devendo o princípio ser articulado de forma coordenada às outras normas integrantes do ordenamento, a fim de lograr adequada concreção. Reportando-se a boa-fé a valores e expectativas compartilhados em uma comunidade, necessariamente haverá um balanceamento entre os interesses privados dos contratos e outros objetivos da sociedade, sobremaneira o bem-estar dos indivíduos. Tal equilíbrio é dimensionado pela via da boa-fé, ao equilibrar princípios e contra-princípios, amenizando a tensão entre polos e direções. A boa-fé determina que o direito contratual deve ser controlado, e o exercício do poder, limitado, de modo a se atingir parâmetros de decência.
Ademais, para fins didáticos, a profícua sistematização da boa-fé requer sua divisão em três setores operativos aptos a expor sua multifuncio-nalidade: a) função interpretativa; b) função de controle; e c) função integrativa.
No plano hermenêutico da otimização do comportamento contratual e do estrito cumprimento ao ordenamento jurídico, o art. 113 do CC dispõe que os negócios jurídicos devem ser inter-pretados de acordo com a boa-fé. O magistrado não apelará a uma interpretação literal do texto contratual, mas observará o sentido correspondente às convenções sociais ao analisar a relação obrigacional que lhe é submetida.
Relativamente à chamada “função de limite” – ou função de controle – ao exercício de direitos subjetivos, declara o art. 187 do atual CC que comete ato ilícito quem, ao exercer o seu direito, exceder manifestamente os limites impostos pela boa-fé. O princípio atua como máxima de conduta ético-jurídica. O problema posto nesse momento é o do abuso do direito. O juiz poderá decidir além da lei, observando os limites sociais dos direitos subjetivos privados em contraposição ao problema intersubjetivo dos limites da pretensão perante o sujeito passivo desta.
Já a função integrativa da boa-fé resulta do art.
422 do CC. Integrar traz a noção de criar, conceber. Ou seja, além de servir à interpretação do negócio jurídico, a boa-fé é uma fonte, um manancial criador de deveres jurídicos para as partes. Devem elas guardar, tanto nas negociações que antecedem o contrato como durante a execução deste, o princípio da boa-fé. Aqui, prosperam os deveres de proteção e cooperação com os interesses da outra parte – deveres anexos ou laterais –, propiciando a realização positiva do fim contratual na tutela aos bens e à pessoa da outra parte.
O conteúdo da relação obrigacional é dado
pela vontade e integrado pela boa-fé. Com isso, estamos afirmando que a prestação principal do negócio jurídico (dar, fazer e não fazer) é um dado decorrente da vontade. Os deveres principais da prestação constituem o núcleo dominante, a alma da relação obrigacional. Daí que sejam eles que definem o tipo do contrato.
Todavia, outros deveres se impõem na relação
obrigacional, completamente desvinculados da vontade de seus participantes. Trata-se dos deveres de conduta, também conhecidos na doutrina como deveres anexos, deveres instrumentais, deveres laterais, deveres acessórios, deveres de proteção e deveres de tutela.
Os deveres de conduta são conduzidos ao negócio jurídico pela boa-fé, destinando-se a resguardar o fiel processamento da relação obrigacional em que a prestação se integra. Eles incidem tanto sobre o devedor quanto sobre o credor, mediante resguardo dos direitos fundamentais de ambos, a partir de uma ordem de cooperação, proteção e informação, em via de facilitação do adimplemento. E é justamente essa postura cooperativa que permitirá que se alcance um ponto de equilíbrio no qual a relação logre êxito pelo adimplemento, com inegável satisfação dos interesses do credor (obtém a prestação) e do devedor (recupera a liberdade jurídica cedida), sem esquecer o cumprimento da função social externa da relação perante a coletividade.
Enunciado n. 24, CJF: Em virtude do princípio da boa-fé, positivado no art. 422 do novo CC, a violação dos deveres anexos constitui espécie de inadimplemento, independentemente de culpa.
Enunciado n. 25, CJF: O art. 422 do CC não inviabiliza a aplicação pelo julgador do princípio da boa-fé nas fases précontratual e póscontratual.
Enunciado n. 27, CJF: Na interpretação da cláusula
geral da boafé, deve-se levar em conta o sistema do Código Civil e as conexões sistemáticas com outros estatutos normativos e fatores metajurídicos.
Enunciado n. 168, CJF: O princípio da boafé objetiva importa no reconhecimento de um direito a cumprir em favor do titular passivo da obrigação.
Enunciado n. 169, CJF: O princípio da boafé objetiva deve levar o credor a evitar o agravamento do pró prio prejuízo.
Enunciado n. 362, CJF: A vedação do comportamento contraditório (venire contra factum proprium) funda-se na proteção da confiança, tal como se extrai dos arts. 187 e 422 do CC.
Enunciado n. 432, CJF: Em contratos de financiamento bancário, são abusivas cláusulas contratuais de repasse de custos administrativos (como análise do crédito, abertura de cadastro, emissão de fichas de com pensação bancária, etc.), seja por estarem intrinsecamente vinculadas ao exercício da atividade econômica, seja por violarem o princípio da boa-fé.
Qual a relação entre a boa-fé objetiva e o princípio da colaboração previsto no CPC-2015?
O CPC/2015 introduz um modelo cooperati-vo, pautado no princípio da colaboração. Em princípio, muitos poderiam supor que se trataria de um “simulacro” da boa-fé objetiva do direito privado. Ledo engano: a boa-fé do CC pressupõe os interesses convergentes das partes no sentido do cumprimento pela exata forma com que se estabeleceu o “projeto obrigacional”. Enquanto o credor almeja a satisfação da prestação, o devedor aspira recobrar a liberdade que cedeu ao se vincular. No processo civil, todavia, os interesses das partes são divergentes, eis que já se manifestou a crise do inadimplemento. Assim, não há uma finalidade comum que irmane os litigantes, pois a sentença e a execução apenas prestigiarão uma das partes.
Destarte, a boa-fé processual terá o magistrado como destinatário. Ela complementará a boa-fé civil, ao convidar ao diálogo aquele que até então se mantinha em clausura. Sendo o processo um instrumento idôneo para a concreção da tutela de direito material, o princípio colaborativo demandará um compartilhamento de responsabilidades entre as partes e o juiz, a fim de que se alcance uma decisão justa e efetiva. A par da natural assimetria na fase decisória – naturalmente o ato de sentenciar dispensa a dialética –, todo o comando do processo se dará em bases cooperativas, com destaque para os deveres judiciais anexos perante as partes, de auxílio, diálogo, esclarecimento e prevenção, todos destinados à preservação do equilíbrio de forças no desenrolar do lide. A exaltação da boa-fé pelo
CPC/2015 demonstra que o processo não é um conjunto abstrato de equações concebidas em um laboratório, mas uma técnica a serviço de uma ética de direito material.
No caso de contrato entre ausente, quando se considera o negócio perfectibilizado?
Art. 434. Os contratos entre ausentes tornam-se perfeitos desde que a aceitação é expedida, exceto:
I - no caso do artigo antecedente;
II - se o proponente se houver comprometido a esperar resposta;
III - se ela não chegar no prazo convencionado.
Art. 433. Considera-se inexistente a aceitação, se antes dela ou com ela chegar ao proponente a retratação do aceitante.
Comentários:
Os contratos entre presentes se formam imediatamente ao tempo da aceitação (art. 428, I, do CC). No momento em que ocorre o consenso está concluído o contrato. Se não houve concordância, houve dissenso, e não se concluiu o negócio jurídico. Se houve consenso ou não, é questão de interpretação. Em princípio, o consenso se estende a todos os pontos da oferta, mas, se os figurantes consentiram a propósito dos pontos reputados essenciais, o que ficou reservado é ponto secundário ou complementar. O contrato está concluído quando há o consenso referente aos pontos essenciais.
Contudo, no que concerne à formação do contrato entre ausentes, quatro teorias são apresentadas, a saber: 1) teoria da declaração ou agnição, que estabelece a conclusão do contrato quando o oblato escreve a resposta de aceitação; 2) teoria da expedição, pela qual avulta o tempo do envio da vontade pelo aceitante como instante do encontro de manifestações e nascimento do contrato, sendo insuficiente a simples declaração no sentido da aceitação; 3) teoria da recepção, pela qual a formação do contrato ocorre no momento em que a aceitação do contrato chega ao endereço do proponente, mesmo que este não tenha conhecimento de seu conteúdo; e 4) teoria da informação ou cognição, que só considera formado o contrato quando o proponente é cientificado da aceitação.
Em sintonia com a linha já adotada pelo Código anterior, o legislador pátrio, no artigo em comento, adota a teoria da expedição para os contratos entre ausentes, nos quais as manifestações não são concomitantes, ocorrendo em momentos sucessivos. O contrato é concluído quando o declaratário não só manifesta a aceitação, como a remete ao proponente. A teoria da expedição é razoável, pois propicia equânime balanceamento entre os interesses do proponente e do aceitante, da confiança e da responsabilidade. O dever de cooperação deste se dá com a expedição da aceitação para que aquele possa conhecê-la. Seria desarrazoado exagero exigir que o aceitante ainda diligenciasse no sentido de que o proponente tivesse conhecimento da aceitação.
Nada obstante, a opção pela teoria da expedição é praticamente desfigurada pelas situações descritas, respectivamente, nos incisos I a III do presente artigo: a) no caso do artigo antecedente – vale dizer, caso a retratação do oblato alcance o proponente antes ou concomitantemente ao momento em que este tenha conhecimento da aceitação, conforme apreciado no art. 433; b) se o proponente se houver comprometido a esperar a resposta – se o proponente manifestou a vontade de apenas se vincular ao tempo da recepção da aceitação, obrigando-se a esperar indefinidamente. Este inciso valoriza a autodeterminação do proponente quanto ao momento da formação do contrato. No mais, este inciso II excepciona a regra do art. 428, II, que retira a obrigatoriedade da proposta, quando sem prazo, depois de decorrido tempo suficiente para que a resposta chegue ao proponente; e c) se ela não chegar no prazo convencionado – caso a expedição seja tempestiva, mas a recepção não ocorrer no prazo assinalado pelo proponente.
Vê-se que, nas realçadas hipóteses, o legislador optou ora pela teoria da informação, ora pela teoria da recepção, concebendo um sincretismo jurídico passível, inclusive, de derrogação pelos interessados, tendo em vista a liberdade do particular para derrogar essas regras legais – de caráter supletivo – e autonomamente fixar o mo-mento exato de conclusão do contrato.
Em sede de internet, algumas ofertas podem
ser consideradas entre presentes (quando há interatividade) e outras entre ausentes, como por meio de mensagens eletrônicas (por e-mail ou site), em que não há instantaneidade na troca de informações. Assim, contratos celebrados por sa-las de chat e webcam são realizados com simultaneidade, em tempo real. Determinados aplicativos permitem o diálogo imediato como em uma tradicional conversa ao telefone. Nesses casos, o recebimento da aceitação determina a contrata-ção. Tratando-se do correio eletrônico, prevalece a teoria da expedição, ou seja, o contrato nasce com o envio da mensagem virtual ao ofertante.
No contrato de promessa de fato de terceiro, uma vez aceito o compromiso pelo terceiro, fica o promitente eximido de qualquer responsabilidade perante o promissário?
Art. 439. Aquele que tiver prometido fato de terceiro responderá por perdas e danos, quando este o não executar.
Parágrafo único. Tal responsabilidade não existirá se o terceiro for o cônjuge do promitente, dependendo da sua anuência o ato a ser praticado, e desde que, pelo regime do casamento, a indenização, de algum modo, venha a recair sobre os seus bens.
Art. 440. Nenhuma obrigação haverá para quem se comprometer por outrem, se este, depois de se ter obrigado, faltar à prestação.
Comentários:
Ao contrário da estipulação em favor de terceiro, a promessa de fato de terceiro não constitui exceção ao princípio da relatividade contratual entre as partes. Aqui, uma pessoa promete a outra que conseguirá o consentimento de um terceiro para realizar uma prestação em seu favor. O promitente é um garantidor do fato alheio, mas promete um fato próprio, qual seja uma obrigação de fazer consistente na obtenção da aquiescência do terceiro. Quer dizer, quem verdadeiramente se obriga é o promitente, e não o terceiro. Esse apenas se vinculará perante o promissário quando der o seu assentimento.
Não se trata de mutação subjetiva da obrigação. Vê-se aqui uma dualidade de obrigações sucessivas assumidas perante o promissário: a) o promitente possui obrigação própria – atrair o consentimento de terceiro. Enquanto isso não sucede, o vínculo jurídico se circunscreve a promitente e promissário, podendo a relação obrigacional ser alterada ou desconstituída; b) a obrigação eventualmente aceita pelo terceiro será de outra natureza. No momento em que empresta o consentimento, o terceiro inicia uma relação jurídica com o promissário. Nesse instante, o promitente se desligará da obrigação, pois obteve êxito em sua prestação: trazer a adesão do terceiro.
Da Estipulação em Favor de Terceiro
Art. 436. O que estipula em favor de terceiro pode exigir o cumprimento da obrigação.
Parágrafo único. Ao terceiro, em favor de quem se estipulou a obrigação, também é permitido exigi-la, ficando, todavia, sujeito às condições e normas do contrato, se a ele anuir, e o estipulante não o inovar nos termos do art. 438.
Comentários:
A estipulação em favor de terceiro é contrato
sui generis. Forma-se quando o estipulante (ou promissário) convenciona com o promitente a concessão de uma vantagem patrimonial em prol de um terceiro, que se constitui em beneficiário. Em outras palavras, duas pessoas celebram um negócio jurídico cujo desiderato é favorecer a situação jurídica patrimonial de um estranho ao ato de autonomia privada; este acaba por adquirir um direito próprio a essa vantagem, convertendo-se em credor do promitente.
O vendedor responde por perdas e danos no caso de rescisão do contrato por vício redibitório?
Art. 443. Se o alienante conhecia o vício ou defeito da coisa, restituirá o que recebeu com perdas e danos; se o não conhecia, tão-somente restituirá o valor recebido, mais as despesas do contrato.
O adquirente poderá postular a resolução contratual e a indenização por perdas e danos do alienante mediato no caso de vício redibitório?
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Art. 443. Se o alienante conhecia o vício ou defeito da coisa, restituirá o que recebeu com perdas e danos; se o não conhecia, tão-somente restituirá o valor recebido, mais as despesas do contrato.
Comentários:
[…]
A responsabilidade contratual segue as regras
relativas ao inadimplemento das obrigações (art. 389 do CC). Portanto, as perdas e danos incidirão cumulativamente aos juros, à atualização monetária e aos honorários advocatícios. É interessante que as partes estipulem a cláusula penal compensatória (arts. 408 e 410 do CC) como forma de prefixação de perdas e danos, evitando-se a árdua demonstração de danos emergentes e lucros cessantes.
A outro giro, enquanto os prazos de reclamação dos vícios seguem a sistemática exígua do art. 445 do CC, a pretensão indenizatória poderá ser exercitada em três anos (a contar da transferên-cia da posse), ex vi do art. 206, § 3o, V, do CC.
Sobre o art. 618 do CC:
Segundo lição de Yussef Sahid Cahali, no comento de referido dispositivo:
Já se reconhecia que o prazo de cinco anos não é para o exercício da ação, mas sim de garantia de solidez da obra. Verificada a existência de defeito na obra, começa, então, a correr o prazo de prescrição da ação, que era o comum aos direitos pessoais. (Prescrição e Decadência. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p.229)
Quer parecer que o legislador estabelece uma responsabilidade objetiva a ser respeitada apenas dentro do prazo legal dito de garantia, sendo que o empreiteiro responde independente de culpa pelos danos decorrentes de obra mal executada ou com defeitos na execução ou no emprego de materiais que digam respeito à segurança ou solidez, de modo geral, do imóvel ou empreendimento.
Destaca-se, à propósito, da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
Na linha da jurisprudência sumulada (Enunciado nº 194) deste Tribunal, fundada no Código Civil de 1916, ‘prescreve em vinte anos a ação para obter, do construtor, indenização por defeitos na obra’. II - O prazo de cinco (5) anos do art. 1245 do Código Civil, relativo à responsabilidade do construtor pela solidez e segurança da obra efetuada, é de garantia e não de prescrição ou decadência. Apresentados aqueles defeitos no referido período, o construtor poderá ser acionado no prazo prescricional de vinte (20) anos”. (STJ. REsp. 215832, do PR. Quarta Turma. Rel. Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA. Decisão em 06/03/2003).
Quais são os prazo para postular a redibição ou o abatimento do preço?
Art. 445. O adquirente decai do direito de obter a redibição ou abatimento no preço no prazo de trinta dias se a coisa for móvel, e de um ano se for imóvel, contado da entrega efetiva; se já estava na posse, o prazo conta-se da alienação, reduzido à metade.
§ 1 o Quando o vício, por sua natureza, só puder ser conhecido mais tarde, o prazo contar-se-á do momento em que dele tiver ciência, até o prazo máximo de cento e oitenta dias, em se tratando de bens móveis; e de um ano, para os imóveis.
§ 2 o Tratando-se de venda de animais, os prazos de garantia por vícios ocultos serão os estabelecidos em lei especial, ou, na falta desta, pelos usos locais, aplicando-se o disposto no parágrafo antecedente se não houver regras disciplinando a matéria.
Os vícios redibitórios são aplicáveis em contrato aleatórios?
Por outro lado, tratando-se de contratos aleatórios (art. 458 do CC), há de se excluir a garantia do vício redibitório. Com efeito, a incerteza quanto à exigibilidade de uma das prestações, sua qualidade ou quantidade, ou mesmo a sua equivalência com relação à outra prestação, impede a discussão quanto aos defeitos da coisa. O art. 441 do CC é explícito no particular: “a coisa recebida em virtude de contrato comutativo pode ser enjeitada por vícios ou defeitos ocultos, que a tornem imprópria ao uso a que é destinada, ou lhe diminuam o valor”. Isso posto, nos contratos aleatórios, não há necessidade de inserção de cláusula excludente de garantia, afinal a própria natureza do negócio jurídico o incompatibiliza com a tutela do vício redibitório.
A falha no tempo de congelamento de uma geladeira objeto de compra e venda entre particulares constitui defeito que autoriza a redibição do contrato?
[…] no regime do CC, o contratante apenas obterá êxito na demonstração do vício redibitório se demonstrada a efetiva incapacitação do objeto adquirido, ou seja, a gravidade do vício. Exemplificando: um particular que compra uma geladeira usada poderá discutir o vício decorrente do motor que não funciona. Todavia, mesmo que o produto funcione normalmente, será fadada ao fracasso a alegação pelo adquirente da teoria do vício redibitório para fundamentar a rescisão de contrato de compra e venda de geladeira que apresenta falha por apresentar algum excesso no tempo de congelamento. Afinal, incapacitação não se confunde com pequena perda de eficiência do bem que não o impeça de desempenhar a função para a qual foi adquirido. Em hipóteses como essa, o adquirente que deseja desconstituir o negócio jurídico terá de recorrer ao princípio da boa-fé objetiva (art.422 do CC), demonstrando, exemplificativamente, a omissão do dever anexo de informação, pelo transmitente, quanto a determinado aspecto da qualidade do objeto adquirido.
O vício redibitório aplica-se às obrigações de fazer? E aos vícios de quantidade, aplica-se?
[…] o vício redibitório invariavelmente se refere a uma “coisa”. Vale dizer, toda a teoria dos vícios redibitórios foi edificada para as obrigações de dar coisa certa, em torno de uma garantia para o adquirente de bens móveis e imóveis em seu aspecto qualitativo. Restam, portanto, excluídas da disciplina do direito privado as obrigações que ostentem vícios de quantidade, bem como as obrigações de fazer, estas últimas por sua conexão imediata com aquisição de serviços, e não de produtos, que serão relegadas ao campo do inadimplemento ou mora, nas relações intercivis e interempresariais (art. 389 do CC). O mesmo se diga quanto aos vícios de quantidade, quer dizer, a questão será resolvida à luz da teoria do inadimplemento. Destarte, se “A” adquire 100 litros de combustível e recebe apenas 90, deverá pleitear perdas e danos em decorrência da inexecução obrigacional.
Vício aparente autoriza a redibição? E o vício oculto de conhecimento do adquirente?
Outrossim, nas relações privadas, o vício redibitório será oculto, assim conceituado como aquele efetivamente desconhecido pelo adquirente ao tempo da contratação e que não poderia ser detectado pelo exame por ele efetivado, ou mesmo por uma pessoa de cautela ordinária na direção de seus negócios. Sendo, todavia, o vício de fácil constatação, ostensivo e aparente, presume-se que houve desídia do adquirente quando da contratação, ou mesmo renúncia da garantia, ainda que tivesse percebido a impropriedade do bem, pois ansiava por recebê-lo de qualquer maneira. Mesmo que o vício seja oculto, caso conhecido pelo adquirente, será a ação redibitória julgada improcedente.
Qual a diferença entre rescisão e resolução contratual?
A rescisão do contrato consiste na desconstituição do negócio jurídico por vício inerente ao próprio objeto da relação obrigacional, contemporâneo à sua formação, em relações jurídicas que portam em seu gérmen um vício material (vício redibitório) ou jurídico (evicção). Assim como a invalidade do negócio jurídico, a rescisão se localiza na gênese da relação obrigacional, sem que com aquela se confunda. Aparta-se a rescisão, ainda, dos fenômenos da resolução, da resilição e do distrato, que acometem uma relação contratual originariamente perfeita, pela perda de eficácia como produto de um acontecimento superveniente. Justamente por não se traduzir em inadimplemento de obrigação, mas em defeito contemporâneo à formação do negócio, o legislador excluiu o enfoque da rescisão quando do exame da extinção do contrato (arts. 472 a 480 do CC).
Como se conta o prazo de redibição no caso de previsão de cláusula de garantia no contrato?
Art. 446. Não correrão os prazos do artigo antecedente na constância de cláusula de garantia; mas o adquirente deve denunciar o defeito ao alienante nos trinta dias seguintes ao seu descobrimento, sob pena de decadência.
Cabe evicção nos contratos gratuitos?
Art. 447. Nos contratos onerosos, o alienante responde pela evicção. Subsiste esta garantia ainda que a aquisição se tenha realizado em hasta pública.
Comentários:
[…]
Nos contratos gratuitos, como a doação, não
se aplica a evicção, pois a eventual privação do bem pelo adquirente não representaria um prejuízo propriamente dito, mas apenas a perda de uma vantagem. Dispensa-se, por conseguinte, a recomposição do sinalagma, de acordo com a disposição do art. 552 do CC. Contudo, nada impede que, no contexto de autonomia do autor da liberalidade, o transmitente consinta em assumir os riscos pela perda da coisa.
Não se olvide ainda da possibilidade de o doador suportar a evicção quando dolosamente transfere a propriedade do bem, sabendo ser ela portadora de vício jurídico. Cuida-se do presente de grego. A especificidade da hipótese reside no fundamento diferenciado da demanda: não será o alienante responsabilizado pela evicção, por ser ela estranha aos contratos gratuitos, mas por eventuais perdas e danos decorrentes do ato ilícito. Seria simplório generalizar a tese de que o donatário nunca sofre perdas, mas apenas privação de ganhos. Ilustrativamente, seria a situação daquele donatário que, ato contínuo, locou imóvel cuja origem ilegítima era previamente conhecida pelo doador. Terá esse de arcar com os lucros cessantes relativos aos ganhos frustrados da locação, rompida em razão da evicção (art. 392 do CC).
Excepcionalmente, caberá a evicção na doação com encargo ou modal (impropriamente de-nominada pelo CC de doação onerosa). A inserção do encargo na doação produz uma restrição na eficácia da liberalidade, pela criação de uma obrigação para o donatário de dar, fazer ou não fazer. O encargo não se qualifica como uma contraprestação – mantendo a doação a sua essencial gratuidade –, porém o contrato se torna bilateral, justificando a incidência da evicção até o limite da prestação imposta ao donatário.
No caso de reivindicação de bem arrematado por terceiro, terá este direito à evicção? Se sim, contra quem o arrematante deverá ajuizar a demanda?
Por fim, a cláusula que acautela o adquirente
em face da evicção é implícita, mesmo nos contratos efetuados em hasta pública. Destarte, haverá proteção em prol daquele que arrematou judicialmente em processo de execução em virtude do reconhecimento da existência de direito alheio, preexistente à arrematação. Ora, houve um pagamento sem justa causa do arrematante, merecendo ele, portanto, a tutela do ordenamento jurídico. Todavia, nesse momento surge a grande indagação: quem lhe indenizará pela coisa evencida? Afinal, não se trata de alienação de um bem, mas sim de uma hipótese de expropriação praticada pelo Estado.
A doutrina oferece três opções:
a) Investir contra o executado, pois o seu patrimônio é a garantia comum de todos os credores. Afinal, seria injusto, caso o bem arrematado não lhe pertencesse, fosse o arrematante obrigado a suportar todo o peso da execução. Haveria enriquecimento indevido do executado ao se exonerar de débitos, prevalecendo-se de titularidades alheias. Pelo fato de o executado comumente ser insolvente, incidirá responsabilidade subsidiária do credor exequente, beneficiado por um enriquecimento injustificado, à custa de algo que não era devido.
b) Investir solidariamente contra o Estado, exequente e executado. O Estado ingressaria no polo passivo da demanda ao sub-rogar a vontade do executado e, posteriormente, decidir a propriedade em favor de terceiro. Assume, destarte, o risco de entregar com uma mão o que em seguida retirará com outra.
c) Exigir judicialmente a garantia dos credores exequentes, pois foram eles que levaram o bem à hasta pública e, assim, acabaram por assumir objetivamente o risco por eventual evicção do direito. É uma tarefa árdua, diante de seu estado econômico precário, a não ser que tenha percebido o saldo remanescente pela alienação. A outro turno, postular contra os credores da execução gera maiores chances de sucesso, haja vista que eles levaram o bem à hasta e embolsaram o seu valor.
Diante do exposto, melhor entendimento é o
de que não há propriamente garantia contra a evicção na arrematação em hasta pública, pois a referida garantia só se aplica a atos de autonomia privada, preferencialmente negócios jurídicos onerosos. Mas se não se pode negar que de fato houve a evicção, embora inexista garantia espe-ífica contra ela, também não pode o direito permitir que fique sem tutela a situação patrimonial do arrematante. Sendo assim, acreditamos que, primeiramente, o arrematante evicto direcionará a demanda em face do executado, seja por ostentar a condição de primitivo titular do direito, como por ter sido diretamente beneficiado pelo desfecho da execução, pela extinção de sua obrigação. Subsidiariamente, será viável a responsabilização do exequente. Tecnicamente, ele não seria legitimado para a demanda, pois nunca titularizou o direito sobre o bem arrematado. Porém, sua responsabilidade decorre do princípio geral do enriquecimento sem causa, à medida que obteve a satisfação de um crédito à custa da arrematação de um bem que não poderia ter sido adquirido pelo arrematante.
Por último, e agora com argumentos exclusivos de nossa lavra, pensamos que, na impossibilidade de êxito da pretensão perante credor e devedor, caberá a responsabilização do Estado. Tenhamos como fundamento o abuso do direito estatal (art. 187 do CC) pela violação do princípio da boa-fé objetiva, na modalidade do venire contra factum proprium, senão vejamos: a primeira conduta estatal consistiu na atração da confiança do arrematante por meio de ato regular de sub-rogação do consentimento do executado, com o corolário lógico da expropriação do direito de propriedade e a destinação do pagamento aos credores; a segunda conduta estatal, a seu turno, traduziu-se em acolher a pretensão do terceiro, real titular do direito, em detrimento da legítima expectativa de confiança antes inculcada na pessoa do evicto no tocante à segurança jurídica do direito adquirido em hasta pública. Com efeito, é evidente o comportamento contraditório e incoerente do Estado, a atrair a sua responsabilidade subsidiária à medida que a solidariedade não se presume (art. 265 do CC), demandando a existência de lei ou cláusula contratual permissiva.
JURISPRUDÊNCIA:
A natureza da arrematação, assentada pela doutri na e pela jurisprudência, afasta a natureza negocial da
compra e venda, por isso que o adquirente de bem em hasta pública não tem a garantia dos vícios redibitórios nem da evicção. O arrematante lesado pode desfazer a arrematação, investir contra o devedor que liberou-se com alienação juridicamente interditada ou voltar-se mesmo contra o credor que se pagou de modo indevido, mas jamais subrogarse em crédito do processo de expropriação, cuja própria execução ultimou-se com o pagamento do precatório. Ao arrematante reserva-se o acesso à justiça amplo a evitar o locupletamento sem causa, podendo constringir o crédito do expropriado, em medida acautelatória que lhe garanta o pagamento a posteriori. Deveras, outra alternativa não se lhe reserva. (STJ, REsp n. 625.322/SP 1a T., rel. Min. Luis Fux, j. 11.05.2004)
Quala diferença entre o direito do adquirente em cujo contrato inexistia previsão a excluir a evicção e o adquirente em cujo contrato previa a cláusula, porém ele desconhecia do risco da evicção, vita esta a concretizar-se?
Art. 449. Não obstante a cláusula que exclui a garantia contra a evicção, se esta se der, tem direito o evicto a receber o preço que pagou pela coisa evicta, se não soube do risco da evicção, ou, dele informado, não o assumiu.
Art. 450. […] Parágrafo único. O preço, seja a evicção total ou parcial, será o do valor da coisa, na época em que se evenceu, e proporcional ao desfalque sofrido, no caso de evicção parcial.
Art. 451. Subsiste para o alienante esta obrigação, ainda que a coisa alienada esteja deteriorada, exceto havendo dolo do adquirente.
Comentários:
Com efeito, a cláusula de non praestanda evictione (exclusão de garantia) do dispositivo [art. 449] em análise apenas implicará exoneração completa da garantia se o adquirente declarar que a transmissão do direito se dá com ciência dos riscos e a sua total assunção. Caso contrário, ser-lhe-á restituído o valor correspondente ao preço pago, evitando-se o enriquecimento sem causa. Portanto, a cláusula que afasta a garantia é relativizada quando o adquirente não é advertido sobre o risco da coisa. O mesmo efeito de restituição do pagamento ocorre nos casos em que o adquirente é informado do risco da evicção, porém não o assume. Como não desconhece o vício, resta excluído o dolo do alienante, que apenas restituirá o que recebeu, inserindo o adquirente na situação primitiva, sem nenhum acréscimo de perdas e danos.
Portanto, dois cenários se descortinam: a) se
desconhece a origem litigiosa do bem e não foi subscrita cláusula de ciência do risco – não obstante excluída expressamente a garantia –; ocorrendo a evicção, receberá o adquirente o preço que pagou, como uma espécie de mínimo indenizatório, no qual não serão computados os acréscimos relacionados nos incisos do art. 450 do CC; b) se, além da subscrição da cláusula de non praestanda evictione, declara o adquirente que recebe o direito por sua conta e risco, não será o alienante sequer obrigado a restituir o preço, caso sobrevenha a evicção. Nesse caso, o negócio jurídico oneroso perde a natureza comutativa, assumindo feição aleatória (art. 460 do CC), tendo em vista que o resultado vantajoso esperado pelo adquirente poderá tornar-se, em função de um evento imprevisível, desproporcional ao sacrifício a que se sujeita.
[…]
Por fim, parece-nos, todavia, que o dispositivo descurou em sancionar com maior gravidade o alienante que sabia da existência da evicção e não informou o adquirente sobre os riscos. A omissão dolosa – pelo silêncio intencional da parte a respeito de qualidade da coisa que a outra parte ignorava – implicaria não só a necessidade de restituição dos valores pagos como ainda a imposição de indenização. Em suma, a responsabilidade do alienante é objetiva, pois independe da cogitação de culpa quanto ao conhecimento do fato. O seu fundamento é a garantia. Todavia, a ciência prévia à alienação quanto ao evento determinante da evicção propiciará agravamento da responsabilidade, na medida em que afronta o direito à conduta de quem procura se beneficiar com a própria torpeza.
Em que consiste a evicção parcial?
Art. 455. Se parcial, mas considerável, for a evicção, poderá o evicto optar entre a rescisão do contrato e a restituição da parte do preço correspondente ao desfalque sofrido. Se não for considerável, caberá somente direito a indenização.
Comentários:
A evicção parcial poderá consistir na perda da
fração de um direito sobre o bem adquirido (v. g., adquirente é privado da propriedade de 50% da área do imóvel); pode também representar a supressão de uma situação jurídica que acedeu ao negócio jurídico (v. g., evicção quanto a uma servidão de passagem sobre imóvel vizinho), ou mesmo a submissão do direito a uma situação jurídica de terceiro (v. g., adquirente é derrotado em demanda que impõe ao seu prédio a condição de serviente perante outro prédio).
Esclarece o art. 455 do CC que, sendo a evicção parcial, des se abrem ao evicto: rescisão do contrato ou restituição, pelo alienante, da parte do preço correspondente ao desfalque sofrido. mas considerável, duas oportunida
No que se refere aos contratos aleatórios, o que é emptio sprei e emptio rei speratae?
Art. 458. Se o contrato for aleatório, por dizer respeito a coisas ou fatos futuros, cujo risco de não virem a existir um dos contratantes assuma, terá o outro direito de receber integralmente o que lhe foi prometido, desde que de sua parte não tenha havido dolo ou culpa, ainda que nada do avençado venha a existir.
Art. 459. Se for aleatório, por serem objeto dele coisas futuras, tomando o adquirente a si o risco de virem a existir em qualquer quantidade, terá também direito o alienante a todo o preço, desde que de sua parte não tiver concorrido culpa, ainda que a coisa venha a existir em quantidade inferior à esperada.
Comentários:
Aqui há uma variação quantitativa quanto à
extensão do risco, na comparação com o contrato aleatório do art. 458 do CC. O dispositivo anterior tratava da emptio spei, consubstanciada no risco integral assumido pelo contratante, não só no tocante à quantidade como quanto à própria exigibilidade da prestação. Porém, o artigo em exame se refere à emptio rei speratae, na qual a incerteza não recai sobre a existência da prestação propriamente dita, mas sobre a sua quantidade e a sua qualidade.
O contratante terá de suportar a prestação
mesmo que a coisa adquirida venha em quantidade mínima. Assim, perseverando no contrato de compra de safra futura entre “A” e “B”, mesmo que a colheita obtida pelo alienante “A” seja ínfima – em razão de eventos da natureza –, deverá o adquirente “B” arcar com a importância ajustada no contrato. Caso tenha adiantado o valor, será inviável qualquer pretensão de restituição proporcional ao resultado real. Reiterando o exposto no exame do dispositivo pregresso, o negócio jurídico apenas preservará sua eficácia se o alienante não atuou no sentido de obstaculizar a vantagem da contraparte, concorrendo culposamente para o prejuízo do adquirente. Constatada a interferência do alienante para o resultado deficitário, ele terá de recompor o equilíbrio contratual mediante a devolução da soma representativa do que se esperava da produção em termos razoáveis.
É válido um contrato em que o adquirente assume o risco do perecimento da coisa, quando esta já havia perecido no momento da celebração do pacto, embora sem conhecimento do alienante?
Art. 460. Se for aleatório o contrato, por se referir a coisas existentes, mas expostas a risco, assumido pelo adquirente, terá igualmente direito o alienante a todo o preço, posto que a coisa já não existisse, em parte, ou de todo, no dia do contrato.
Comentários:
Esta regra é assaz interessante. Consiste em exceção aos dois dispositivos anteriores, que disciplinam os contratos aleatórios em sua perspectiva clássica de riscos concernentes a coisas ou fatos futuros. Aqui, em sentido distinto, as partes pactuam contrato aleatório concernente a coisas existentes ao tempo da celebração da avença, sendo o risco relacionado à eventual destruição, à perda ou à devastação do bem. O objeto da prestação poderá se desfazer de suas características originárias, sendo que tal risco será assumido por um dos contratantes, de modo que o alienante fará jus ao pagamento integral, sem possibilidade de devolução de valores, em caso de adiantamento efetuado pelo adquirente.
Mas o sentido da norma é ainda mais abrangente. O adquirente também assumirá o risco do perecimento ou aniquilação do objeto, mesmo sendo esse fato anterior ou concomitante à contratação, sendo suficiente, para a validade e a eficácia dessa espécie de contrato aleatório, que o alienante não tivesse conhecimento do evento lesivo.
Tenha-se, ilustrativamente, a hipótese em que
o comerciante “A” adquire de “B” um veículo para o transporte de mercadorias da empresa. Contudo, “A” e “B” não sabem que, na noite anterior à contratação, o funcionário de “B” danifica o veículo em uma colisão. A cláusula de assunção da álea, mesmo celebrada posteriormente ao ato danoso, é válida e eficaz, respaldada pela parte final do art. 460.
Quebram-se assim dois paradigmas da teoria
geral do direito civil: a) dá-se guarida a um negócio jurídico inexistente naquelas situações em que sequer o objeto existia ao tempo da contratação; b) desloca-se convencionalmente a disciplina da distribuição dos riscos da coisa (art. 492 do CC), pois a regra geral indica que o alienante suporta os riscos de perecimento até o momento da tradição. Nada disso ocorre na espécie: o adquirente assume os riscos pela privação do objeto já no ato da contratação (gerando uma espécie de tradição ficta). Todavia, mesmo diante da derrogação da norma legal, o adquirente não suportaria o risco da perda de bem, já inexistente no instante da conclusão do negócio jurídico. Nada obstante, o art. 460 vai além e ao adquirente imputa essa responsabilidade, a ponto de arcar com a sua prestação, integralmente.
Enfim, tamanha exposição a riscos requer a
formulação de cláusula precisa quanto à extensão da álea contratual. Qualquer dúvida quanto à intenção das partes se interpretará favoravelmente ao adquirente.
O que são acordos provisórios?
[…] na fase das negociações preliminares, as partes costumam celebrar os chamados acordos provisórios, usualmente denominados de minutas, esboços ou cartas de intenção. Elas já se vinculam a determinados pontos do negócio, mas sem se obrigar a celebrar o contrato principal enquanto não se acertam com relação aos demais aspectos. Os acordos parciais não geram a obrigação de celebração do contrato definitivo, pois não se pactuou ainda no que tange às cláusulas em aberto. Assim, se as partes não celebram o contrato definitivo, por não alcançarem consenso em relação aos pontos em aberto, automaticamente se extingue o acordo provisório. Nada obstante, se decidirem por contratar, vinculam-se os promitentes aos termos das minutas parciais.
O princípio da atração das formas aplica-se aos contratos preliminares?
Art. 462. O contrato preliminar, exceto quanto à forma, deve conter todos os requisitos essenciais ao contrato a ser celebrado.
Comentários:
[…]
Ainda em relação ao contrato preliminar, este
é passível de visualização em duas espécies com tratamento doutrinário distinto: a) o contrato preliminar bilateral que ostenta caráter sinalag-mático, pois ambas as partes se comprometem a celebrar um contrato definitivo (arts. 463 a 465 do CC); b) o contrato preliminar unilateral, pelo qual apenas uma das partes se obriga a celebrar o contrato, sendo que a outra possui a faculdade de aceitá-lo ou enjeitá-lo (art. 466 do CC).
A par dessa bifurcação, aplica-se a ambas as
modalidades a regra geral do artigo em comento. Na linha consensualista, o CC é enfático na defesa do princípio da liberdade de forma para os contratos preliminares (art. 107 do CC). Em outras palavras, dotado o negócio jurídico dos pressupostos de existência e dos requisitos de validade a que alude o art. 104 do CC, o contrato preliminar é um ato jurídico perfeito, indepen-dentemente da relação principal que procura garantir. O ordenamento afastou o princípio da atração de formas entre os contratos preliminar e definitivo. Essa diversidade de fundamentos e efeitos entre os dois modelos jurídicos justifica a liberdade de contratar sem a exigência da forma pública, essencial à validade de negócios jurídicos que visem a constituição de direitos reais sobre bens imóveis de valor superior a trinta salários mínimos (art. 108 do CC).
Certamente, essa liberdade de forma não será
extremada, posto conciliada com outros dispositivos legais. Daí a necessidade de escrito particular para os contratos preliminares cujo valor ultrapasse o décuplo do salário mínimo, admitindo-se a prova exclusivamente testemunhal quanto à sua existência tão somente para transação de patamar inferior ao aludido montante (art. 227 do CC). Essa mesma restrição ao direito probatório é insculpida no art. 401 do CPC/73 (sem correspondente no CPC/2015).
Previsto o direito de arrependimento em contrato preliminar, há algum óbice ou limite temporal ao exercício desse direito pelo interessado?
Art. 463. Concluído o contrato preliminar, com observância do disposto no artigo antecedente, e desde que dele não conste cláusula de arrependimento, qualquer das partes terá o direito de exigir a celebração do definitivo, assinando prazo à outra para que o efetive.
Parágrafo único. O contrato preliminar deverá ser levado ao registro competente.
Comentários:
[…]
A existência da cláusula de arrependimento é
fator impeditivo à persecução da tutela específica judicial. Cuida-se de um direito potestativo de retratação deferido aos contratantes, deferindo-lhes o poder de, a qualquer tempo, resilir unilateralmente o contrato preliminar pela forma de denúncia notificada à outra parte (art. 473 do CC).
Essa faculdade será exercitada com razoabilidade, sob pena de se erigir em abuso do direito potestativo por parte do contratante demissionário (art. 187 do CC). Nessa senda, certamente o prazo decadencial para o exercício do poder de desconstituição da relação será o momento anterior ao cumprimento de todas as obrigações constantes do pacto (v. g., pagamento da última prestação pelo promissário comprador na promessa de compra e venda).
Atrevemo-nos a ir além e, na premissa da teoria do venire contra factum proprium, enfatizar a vedação ao arrependimento naquelas hipóteses em que a parte já iniciou a execução das prestações que lhe incumbiam no contrato preliminar. Decerto, haveria ofensa ao princípio da boa-fé objetiva se um dos contratantes manifesta comportamento concludente ao aquiescer periodicamente na percepção das prestações e, na iminência da obtenção integral de sua vantagem patrimonial, delibera por resilir unilateralmente o contrato preliminar. Em evidência, nessa conduta incoerente há uma ofensa à legítima expectativa de confiança da contraparte, objetivamente atraída ao longo da execução do contrato preliminar.
O direito à adjudicação compulsória se condiciona ao registro do compromisso de compra e venda no cartório de imíoveis?
Art. 463. Concluído o contrato preliminar, com observância do disposto no artigo antecedente, e desde que dele não conste cláusula de arrependimento, qualquer das partes terá o direito de exigir a celebração do definitivo, assinando prazo à outra para que o efetive.
Parágrafo único. O contrato preliminar deverá ser levado ao registro competente.
Comentários:
[…]
O parágrafo único do art. 463 dispõe acerca
da necessidade de os contratantes registrarem o contrato preliminar. A norma pode ser compreendida de duas maneiras. Se entendermos que o legislador condiciona a validade do negócio jurídico preliminar ao registro (RGI para imóveis e cartório de títulos e documentos para bens móveis), poderíamos concluir que o legislador não agiu com acerto. Com efeito, não devemos confundir a eficácia obrigacional do contrato preliminar com a sua eficácia real. A eficácia obriga
cional é restrita às partes e independe do registro, posto que é suficiente à satisfação das obrigações inseridas no contrato preliminar para que se pretenda a execução específica a que remete o caput do dispositivo. Já a eficácia real, concedida pelo registro, objetiva apenas tutelar os contratantes perante terceiros, dotando as partes de sequela e oponibilidade do instrumento em caráter erga omnes, caso o objeto da prestação seja transmitido a terceiros no curso da execução do contrato preliminar. Enfim, exigir o registro do instrumento para fins de exercício de pretensão ao contrato definitivo é confundir a eficácia real com a obrigacional, restrita aos celebrantes do negócio prévio.
Portanto, parece-nos que a melhor hermenêutica da norma consiste em considerar que o legislador pretendeu afirmar a exigência do registro como forma de concessão de eficácia perante terceiros (coletividade), e não como requisito de validade do negócio. A própria técnica normativa induz a tal conclusão, ou seja, se o codificador pretendesse erigir o registro ao plano da validade, teria inserido observação no próprio caput, ou mesmo no art. 462, ao aludir aos requisitos essenciais. Em síntese, para os contratantes, a vantagem do registro é a tranquilidade de saber que, ao cumprir as obrigações referidas no contrato preliminar, a execução da obrigação de fazer poderá ser dirigida não apenas contra o devedor, mas em caráter absoluto.
Nos contratos de promessa de compra e venda, a celeuma assume maior proporção, na medida em que o art. 1.418 do CC encetou grave inquietação ao condicionar a titularidade do direito real à aquisição (obtida por meio do registro), para fins de exercício de ação de outorga de escritura definitiva de compra e venda contra o vendedor ou terceiros. Em outras palavras, ao exigir o registro da promessa até mesmo para se adjudicar perante o promitente vendedor, o CC fere a autoexecutoriedade do pré-contrato, pois inadvertidamente mistura a relação jurídica obrigacional inter partes com a relação real que envolve o titular da promessa registrada com o sujeito passivo universal, cujo objeto é o dever geral de abstenção. Pior, culmina na supressão da Súmula n. 239 do STJ nos seguintes termos: “O direito à adjudicação compulsória não se condiciona ao registro do compromisso de compra e venda no cartório de imóveis”.
Pronunciando-se adequadamente sobre a matéria, o CJF emitiu o Enunciado n. 95: “o direito à adjudicação compulsória (art. 1.418 do novo CC), quando exercido em face do promitente vendedor, não se condiciona ao registro da promessa de compra e venda no cartório de registro imobiliário”
Obs:
Art. 1.418. O promitente comprador, titular de direito real, pode exigir do promitente vendedor, ou de terceiros, a quem os direitos deste forem cedidos, a outorga da escritura definitiva de compra e venda, conforme o disposto no instrumento preliminar; e, se houver recusa, requerer ao juiz a adjudicação do imóvel.
Comentários:
[…]
O art. 1.418 do CC, ora comentado, menciona dever ser o compromissário comprador titular de direito real, vale dizer, o compromisso de compra e venda se encontrar registrado, para que possa exigir a adjudicação compulsória. Tal exigência constitui manifesto retrocesso e ofende todo o entendimento doutrinário e jurisprudencial construído sobre o tema. A Súmula n. 239 do Eg. STJ condensa o entendimento dos tribunais:
‘O direito à adjudicação compulsória não se con-diciona ao registro do compromisso de compra e venda no cartório de imóveis’
Admitir interpretação literal do art. 1.418 do
CC, ou seja, o registro como requisito para a adjudicação, criaria manifesta contradição em termos. Os demais contratos preliminares admitiriam execução específica, à exceção do mais relevante deles, que é o compromisso de compra e venda. Além disso, geraria situação de manifesta injustiça. Colocaria o promitente comprador, cujo contrato não obteve registro por falha meramente formal – erro na menção de um dado pes-soal das partes, ou de uma medida perimetral – nas mãos do promitente vendedor, que poderia exigir vantagem indevida para outorgar a escritura devida.
Para contornar a exigência absurda criada pelo atual CC, necessária se faz interpretação construtiva, com saída técnica e razoável para a questão. Basta entender que adjudicação compulsória é espécie do gênero execução de obrigação de fazer, de prestar declaração para concluir contrato (art. 461 do CPC/73; arts. 139, IV, 497 a 500, 536, § 1o, e 537 do CPC/2015). Logo, o promitente comprador com título registrado usa a espécie adjudicação compulsória (art. 1.418 do CC), enquanto o promitente comprador sem título registrado usa o gênero do art. 461 do CPC/73 (arts. 139, IV, 497 a 500, 536, § 1o, e 537 do CPC/2015), que alberga todos os contratos preliminares. O resultado prático é rigorosamente o mesmo e produzirá a sentença judicial todos os efeitos do contrato ou declaração não emitida.
Em que consiste o contrato com pessoa a declarar?
Art. 467. No momento da conclusão do contrato, pode uma das partes reservar-se a faculdade de indicar a pessoa que deve adquirir os direitos e assumir as obrigações dele decorrentes.
Art. 468. Essa indicação deve ser comunicada à outra parte no prazo de cinco dias da conclusão do contrato, se outro não tiver sido estipulado.
Parágrafo único. A aceitação da pessoa nomeada não será eficaz se não se revestir da mesma forma que as partes usaram para o contrato.
Comentários:
Tendo em mente que o CC/2002 cuidou da
matéria de forma inovadora na legislação pátria, o contrato com pessoa a declarar é aquele em que uma das partes se reserva a faculdade de designar uma outra pessoa que assuma a sua posição na relação contratual, como se o contrato fosse celebrado com esta última.
Pela cláusula electio amici ou pro amico electo
(para pessoa a nomear), uma das partes originárias do negócio jurídico (estipulante) pactua a sua eventual substituição, reservando para si a futura indicação do nome, comprometendo-se a outra parte (promitente) a reconhecer o amicus (indicado) como parceiro contratual. Quando da celebração, o negócio jurídico válido já produzirá os seus normais efeitos entre estipulante e promitente. Caso, ao tempo da escolha, seja o es-tipulante substituído pelo terceiro, o eleito assumirá a posição de contratante em face do promitente, compreendendo as posições jurídicas ativa e passiva do estipulante, em caráter ex tunc, como se esse jamais houvesse integrado a avença.
Em que hipóteses, no contrato com pessoa a declarar, não surtirá efeito a indicação do estipulante?
Art. 470. O contrato será eficaz somente entre os contratantes originários:
I - se não houver indicação de pessoa, ou se o nomeado se recusar a aceitá-la;
II - se a pessoa nomeada era insolvente, e a outra pessoa o desconhecia no momento da indicação.
Art. 471. Se a pessoa a nomear era incapaz ou insolvente no momento da nomeação, o contrato produzirá seus efeitos entre os contratantes originários.
Qual a vantagem da inserção de cláusula resolu´toria expressa (ou pacto comissório) num contrato?
Art. 474. A cláusula resolutiva expressa opera de pleno direito; a tácita depende de interpelação judicial.
Comentários:
O art. 474 alude a duas espécies de resolução
contratual: a convencional e a legal. A cláusula resolutiva expressa, ou pacto comissório, verifica-se de pleno jure, por via do exercício do direito potestativo da parte interessada à outra. Não tendo sido estipulada a cláusula resolutiva expressa, subentende-se a existência de cláusula resolutiva implícita (tácita) nos contratos bilaterais. Aqui, deverá o lesado inicialmente interpelar o devedor para que seja constituído em mora; posteriormente propugnará pela resolução contratual eventualmente acrescida de perdas e danos. Em suma, o desfazimento do contrato decorrerá do trânsito em julgado da sentença.
A cláusula resolutiva expressa concerne a uma
previsão contratual de imediata resolução em caso de inadimplemento da parte. Trata-se de direito negocial à resolução, contido na própria avença ou em documento posterior, que emana da inexecução de uma ou mais prestações.
A vantagem da inserção de tal cláusula reside
na prévia estipulação do alcance da resolução quanto às prestações pretéritas, como no desfazimento automático do contrato diante do inadimplemento, sem que necessite o credor interpelar o devedor, pois, vencida a dívida, sobeja este constituído em mora.
Para a eficácia do pacto, é preciso que as prestações estejam perfeitamente definidas e indicadas quais delas, e em que modalidades, são passíveis de resolução pelo descumprimento, não bastando a referência genérica às prestações contratuais e ao seu incumprimento. Se assim ocorrer, considerar-se-á que se trata apenas de uma cláusula de estilo, a reforçar o disposto no art. 475 do CC, sendo caso de resolução legal. Na dúvida, a interpretação da cláusula será restritiva.
Em princípio, a existência da cláusula resolutiva dispensa o exercício de pretensão, pela via judicial, ao desfazimento do contrato. A inserção da cláusula já presume a inutilidade da prestação, caso superado o termo ajustado para o cumprimento das prestações. A essencialidade do termo decorre do contrato. Nada obstante, é comum que o credor tenha interesse em pleitear judicialmente a resolução para definir com segurança questões como a restituição das prestações, o direito à indenização ou mesmo cumular pedidos sucessivos, como a reintegração de posse. Julgada procedente a pretensão resolutória, terá a sentença natureza declaratória, liberando a parte lesada da necessidade de cumprir a sua prestação em caráter ex tunc.
Certamente, inserindo o credor pretensão restituitória, a resolução será desconstitutiva. Haverá ainda eficácia condenatória caso estabelecida a reparação pelo incumprimento, imputável ao devedor, ou a execução de cláusula penal compensatória (art. 410 do CC), pois a demanda indenizatória surge de pretensão independente e acessória à resolução, sendo certo que muitas vezes o lesado não fará jus a ela – como nas hipóteses de fortuito em que o descumprimento não será imputável ao devedor.
Em regra, a resolução dissolve o contrato e retroage os contratantes ao estado pretérito, com efeitos ex tunc, como se o contrato jamais tivesse sido realizado. Mas, nos casos de contratos de execução continuada ou periódica, seria desaconselhável a ampla retroatividade. Daí a advertência do art. 128 do CC [“Art. 128. Sobrevindo a condição resolutiva, extingue-se, para todos os efeitos, o direito a que ela se opõe; mas, se aposta a um negócio de execução continuada ou periódica, a sua realização, salvo disposição em contrário, não tem eficácia quanto aos atos já praticados, desde que compatíveis com a natureza da condição pendente e conforme aos ditames de boa-fé”], no sentido da manutenção da eficácia dos atos anteriores à resolução, preservando-se as situações pregressas já consolidadas de forma eficiente para ambas as partes, a não ser que elas expressamente tenham previsto a retroatividade dos efeitos.
Estas configuram as linhas gerais da resolução
convencional do CC. Ocorre que a legislação ordinária, a doutrina e a jurisprudência estipulam tamanho condicionamento ao exercício do direito potestativo resolutório, que se pode falar em uma revolta dos fatos, com o abono dos juízes, contra a letra do Código, senão vejamos:
Primeiro: Mesmo que o contrato possua cláusula resolutiva expressa, normas de ordem pública inspiradas nos princípios da igualdade substancial e do equilíbrio contratual estipulam a necessidade de prévia interpelação do devedor como pressuposto para a extinção do contrato. Não se trata aqui de uma conversão legal da mora ex re na mora ex persona. A mora mantém o seu caráter automático desde o vencimento da obrigação (art. 397 do CC), decorrente da inserção da cláusula resolutória. Porém, a notificação assume a feição de pressuposto essencial para a eficácia da dissolução da avença.
Segundo: No curso da lide resolutória, o magistrado terá a oportunidade de avaliar não só a configuração dos requisitos convencionados pelas partes para a resolução, como também aferir a validade da cláusula em cotejo com o ordenamento jurídico e, principalmente, a repercussão do vulto do inadimplemento diante do contrato. Isso implicará efetivo exame acerca do abuso do direito resolutório, seja pela preservação do seu interesse no contrato, seja com base no adimplemento substancial (art. 187 do CC) e no cumprimento de deveres laterais decorrentes da boa-fé objetiva (art. 422 do CC).
Terceiro: O art. 54, § 2o, do CDC permite a estipulação de cláusula resolutiva expressa nas relações de consumo, mas apenas como cláusula alternativa, cabendo a escolha ao consumidor. Na prática, a opção entre a resolução e a manutenção do contrato caberá ao consumidor, sendo abusiva a cláusula que implique renúncia a esse direito (art. 51, I, do CDC). A nosso sentir, mesmo nos contratos de adesão intercivis, a cláusula resolutiva não poderá operar de pleno direito, sendo necessária a intervenção do Judiciário para avaliar a quebra do equilíbrio material entre as partes, como, aliás, induz a própria leitura do artigo em comento.
Qual é a classificação processual da exceção do contrato não cumprido?
Art. 476. Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro.
Comentários:
Note-se que, enquanto o descumprimento for
temporário, a exceptio servirá como forma de pressão, hábil a compelir a outra parte a executar, preservando a unidade indivisível do contrato, visto de forma complexa e global, além de servir de garantia contra as consequências de uma inexecução definitiva. Não é o contrato que será suspenso quando do exercício da exceptio, mas somente a obrigação do devedor será provisoriamente suspensa. É a fim de constranger o cocontratante a executar, que uma das partes recusa, temporariamente, o cumprimento de sua obrigação. Por isso, a exceção de inexecução possui carga cominatória, que não se revela na mera suspensão do contrato. Todavia, constatando-se a impossibilidade total de cumprimento, deverá o credor lesado pleitear a resolução contratual pelo inadimplemento, desvinculando-se da relação obrigacional (art. 475 do CC).
Essa distinção entre a exceptio e a resolução
demonstra a impropriedade de se incluir aquele modelo jurídico no capítulo relativo à extinção do contrato (art. 472 do CC), pois a exceção de contrato não cumprido não é uma forma de desconstituição da obrigação, mas um modo de oposição temporária à exigibilidade do cumprimento da obrigação. Em outras palavras, a exceptio funciona como mero retardamento da prestação mediante defesa indireta de mérito pelo excipiente ou, mais propriamente, alegação em defesa de uma exceção substancial dilatória, como fato impeditivo ao direito do autor (art. 350 do CPC/2015; art. 326 do CPC/73). Enquanto o autor da demanda não cumpre a sua prestação, poderá se escusar a realizar a sua contraprestação.
O direito de retenção também é uma exceção
substancial dilatória, na qual o possuidor de boa-fé retém o bem, mesmo após a sentença de restituição do imóvel, como forma de constranger o retomante a indenizá-lo por benfeitorias necessárias ou úteis. Contudo, o direito de retenção concerne apenas a uma obrigação secundária do contrato. O retentor já cumpriu sua obrigação principal, não há mais prestação a ser suspensa (v. g., o locatário já pagou todos os aluguéis). Ou seja, o direito de retenção procede de uma conexão existente entre o crédito e a detenção do bem, enquanto a exceção de contrato não cumprido recai sobre uma ligação de interdependência e reciprocidade existente entre as obrigações no contrato bilateral.
De quem é o ônus de provar que a prestação não foi cumprida, no caso de alegação de exceção de contrato não cumprido?
Ademais, se houver cumprimento incompleto, defeituoso ou inexato da prestação por um dos contraentes, admite-se a exceptio non rite adimpleti contractus, em que o outro poderá recusar-se a cumprir a sua obrigação até que aquela prestação se complete ou melhore.
Em acréscimo, cumpre salientar que as duas
espécies de exceptio basicamente diferem nos efeitos. Havendo inadimplemento total, incumbe a prova ao contraente que não cumpriu a obrigação. Havendo execução incompleta, deve prová-la quem invoca a exceção, pois se presume regular o pagamento aceito.
A exceção do contrato não cumprido constitui uma norma de ordem pública, ou direito dispositivo, que pode ser afastado previamente no contrato celebrado entre as partes?
Por fim, cumpre mencionar que a exceptio é
disponível, ou seja, podem os contratantes afastar a sua incidência através de inserção de cláusula nesse sentido no contrato avençado, diferentemente do que ocorre no direito estrangeiro, em que assume o status de norma de ordem pública.
O STJ admite a interrupção de fornecimento de energia elétrica ou de água encanada no caso de inadimplemento do usuário?
“RECURSO ESPECIAL. CORTE DO FORNECIMENTO DE LUZ. INADIMPLEMENTO DO CONSUMIDOR. LEGALIDADE. FATURA EMITIDA EM FACE DO CONSUMIDOR. SÚMULA 7/STJ.
- É lícito à concessionária interromper o fornecimento de energia elétrica se, após aviso prévio, o consumidor de energia elétrica permanecer inadimplente no pagamento da respectiva conta (lei 8.987/95, art. 6.º, § 3.º, II). Precedente da 1.ª Seção: REsp 363.943/MG, DJ 01.03.2004
- Ademais, a 2.ª Turma desta Corte, no julgamento do REsp 337.965/MG entendeu que o corte no fornecimento de água, em decorrência de mora, além de não malferir o Código do Consumidor, é permitido pela lei 8.987/95.
- Ressalva do entendimento do relator, no sentido de que o corte do fornecimento de serviços essenciais - água e energia elétrica - como forma de compelir o usuário ao pagamento de tarifa ou multa, extrapola os limites da legalidade e afronta a cláusula pétrea de respeito à dignidade humana, porquanto o cidadão se utiliza dos serviços públicos, posto essenciais para a sua vida. Curvo-me, todavia, ao posicionamento majoritário da Seção.
- A aplicação da legislação infraconstitucional deve subsumir-se aos princípios constitucionais, dentre os quais sobressai o da dignidade da pessoa humana, que é um dos fundamentos da República e um dos primeiros que vem prestigiado na Constituição Federal.
- A Lei de Concessões estabelece que é possível o corte, considerado o interesse da coletividade, que significa não empreender o corte de utilidades básicas de um hospital ou de uma universidade, tampouco o de uma pessoa que não possui módica quantia para pagar sua conta, quando a empresa tem os meios jurídicos legais da ação de cobrança.
- Ressalvadas, data maxima venia, opiniões cultíssimas em contrário e sensibilíssimas sob o ângulo humano, entendo que o ‘interesse da coletividade’, a que se refere a lei, pertine aos municípios, às universidades, aos hospitais, onde se atingem interesses plurissubjetivos.
- Por outro lado, é mister considerar que essas empresas consagram um percentual de inadimplemento na sua avaliação de perdas, por isso que é notório que essas pessoas jurídicas recebem mais do que experimentam inadimplementos.
- Destacada minha indignação contra o corte do fornecimento de serviços essenciais a municípios, universidades, hospitais, onde se atingem interesses plurissubjetivos, submeto-me à jurisprudência da Seção.
- In casu, a conclusão do Tribunal de origem acerca da liquidez e certeza da fatura emitida pela concessionária em face do consumidor, resultou do exame de todo o conjunto probatório carreado nos presentes autos. Consectariamente, infirmar referida conclusão implicaria sindicar matéria fática, interditada ao E. STJ em face do enunciado sumular n.º 07 desta Corte
- É inviável a apreciação, em sede de Recurso Especial, de matéria sobre a qual não se pronunciou o tribunal de origem, porquanto indispensável o requisito do prequestionamento. Ademais, como de sabença, “é inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada na decisão recorrida, a questão federal suscitada” (súmula 282/STF), e “o ponto omisso da decisão, sobre o qual não foram opostos embargos declaratórios, não pode ser objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento” (Súmula 56/STJ).
- Revelam-se deficientes as razões do recurso especial quando a recorrente não aponta, de forma inequívoca, os motivos pelos quais considera violados os dispositivos de lei federal, bem como, quando limita-se a impugnar a sentença de primeiro grau, fazendo incidir a Súmula 284 do STF: “É inadmissível o recurso extraordinário, quando a deficiência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia.” 12. Agravo regimental desprovido”.
(AgRg no REsp 963990 / SC AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL 2007/0146420-7 Relator Ministro LUIZ FUX PRIMEIRA TURMA Data do Julgamento: 08.04.2008. Data da Publicação e Fonte: DJe 12.05.2008).
Ocorre que, o próprio STJ vem estabelecendo diversas restrições para que se efetive seu entendimento em favor da interrupção dos serviços públicos essenciais. São elas:
a) o corte do serviço deverá respeitar o princípio da não surpresa, devendo existir prévia comunicação, por escrito, visando dar a oportunidade de o consumidor pagar seu débito e purgar a mora (Resp. AgRg no AREsp 412822 / RJ; REsp 1270339 / SC);
b) não é lícito à concessionária interromper o fornecimento de energia elétrica por dívida pretérita, a título de recuperação de consumo, em face da existência de outros meios legítimos de cobrança de débitos antigos não pagos (REsp 1298735/RS). Deve, assim, o débito ser atual para que haja a interrupção do serviço;
c) quando configurado o abuso de direito pela concessionária, cujo reconhecimento implica a responsabilidade civil de indenizar os transtornos sofridos pelo consumidor. Incidem, portanto, os princípios constitucionais da proporcionalidade e razoabilidade (por ex.: suspender o fornecimento de energia elétrica em razão de um débito de R$ 0,85, não age no exercício regular de direito, e sim com flagrante abuso de direito). Nesse sentido o REsp 811690/RR;
d) quando o débito decorrer de suposta fraude no medidor de consumo de energia apurada unilateralmente pela concessionária (REsp 1298735/RS; AgRg no AREsp 346561/PE; AgRg no AREsp 370812/PE);
e) desde que a interrupção não atinja serviços públicos essenciais para a coletividade, tais como escolas, creches, delegacias e hospitais. Coloca-se em evidencia o princípio da supremacia do interesse público (EDcl no REsp 1244385 / BA; AgRg no REsp 1523996/RR; AgRg no AREsp 301907/MG; AgRg no AREsp 543404/RJ; AgRg nos EREsp 1003667/RS);
f) quando a interrupção da prestação de serviços públicos por inadimplência do usuário for violar o direito à vida, à saúde e a dignidade humana. O STJ faz verdadeira ponderação principiológica, onde o sistema constitucional brasileiro (art. 170, caput, da CF), determina que a ordem econômica tenha por fim assegurar a todos uma existência digna. A propriedade privada e a livre iniciativa, postulados mestres no sistema capitalista,11 são apenas meios cuja finalidade é prover a dignidade da pessoa humana (REsp 1101937 / RS; AgRg no REsp 1201283 / RJ; AgRg no REsp 1162946 / MG; REsp 853392/RS).
Dessa forma, verificamos que a continuidade e a universalização do serviço público essencial, trazidos pelo CDC, sofreram ao longo dos anos mitigação pelo STJ, que, valorando o princípio da supremacia do interesse público em face do individualismo consumerista, passou a considerar legítima a interrupção dos serviços públicos essenciais, desde que observadas certas especialidades, conformadoras dos diversos diplomas legislativos aplicáveis e asseguradoras do direito a um serviço mínimo vital, da boa-fé do consumidor e da dignidade da pessoa humana.
O CC adotou a teoria da imprevisão no art. 478?
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Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.
Comentários:
2) Acontecimento imprevisível – o fato superveniente é qualificado como imprevisível. Interpretando-se o art. 478 na literalidade, poder-se-ia, açodadamente, concluir que o CC adotou a teoria da imprevisão, um modelo voluntarista de ênfase subjetiva, pela qual o fundamental seria precisar se as partes previram ou não o evento extraordinário. A previsibilidade seria ligada ao tempo da contratação. Se previram, nada muda, afinal, o ordenamento não tutela o contratante desidioso que não aventou a possibilidade de configuração de acontecimentos comuns, de cunho econômico, político ou social. Se não previram a alteração superveniente, em tese caberia a intervenção judicial sobre a economia do contrato, pois as novas circunstâncias teriam escapado à vontade que forjou o contrato. O contrato só obriga para o previsível.
Contudo, não é essa a hermenêutica que se espera para a estrema do conceito de acontecimento imprevisível. A lei fala em imprevisível, e não em imprevisto: motivo imprevisível, acontecimento imprevisível. Imprevisível qualifica o fato, enquanto imprevisto descreve o estado de espírito do agente. Assim, a imprevisibilidade só pode ser objetiva, pois independe da análise da situação psíquica das partes. Resulta de uma observação feita de fora. Dizer que é imprevisível equivale a dizer que é anômalo ou anormal. Dessa forma, a imprevisibilidade se conecta intimamente com a extraordinariedade do evento. O extraordinário reforça o imprevisível. Conjugando-se os dois qualificativos, temos que só os riscos absolutamente anômalos e subtraídos da possibilidade de razoável previsão e controle dos operadores econômicos são capazes de levar o contrato à resolução. A lógica, em suma, é sempre essa. Cada contrato comporta, para quem o faz, riscos mais ou menos elevados. A lei tutela o contraente face aos riscos anormais, que nenhum cálculo racional econômico permitiria considerar, mas deixa ao seu cargo os riscos tipicamente conexos com a operação, que se inserem no andamento médio daquele dado mercado.
Para que fique caracterizada a onerosidade excessiva, além da grande perda para uma parte, deve ser demonstrado o acréscimo da vantagem para a outra?
Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.
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3) Extrema vantagem para a outra parte – é
compreensível a preocupação do legislador, haja vista que o desequilíbrio entre as prestações se torna mais evidente quando há, de um lado, onerosidade excessiva e, de outro, vantagem extrema.
Contudo, vemos com reticência a exigência do
chamado “efeito gangorra”, isto é, a insuficiência da demonstração do empobrecimento de uma das partes, posto necessário o nexo causal entre a sua perda econômica e o enriquecimento ex-perimentado pela outra parte. Exigir que a alteração das circunstâncias atinja apenas uma das partes em benefício da outra implica esvaziar substancialmente esse modelo jurídico, vedando ao contratante fragilizado, por acontecimento superveniente extraordinário e imprevisível, o recurso final ao remédio resolutório, apenas por não provar o enriquecimento sem causa experimentado pelo parceiro contratual.
Vale dizer, é frequente ouvir que um dos contratantes se arruinou em decorrência da onerosidade excessiva, mas a outra parte se manteve na mesma situação – ou até mesmo experimentou pequenas perdas –, mas dificilmente obteve um ganho inversamente proporcional às perdas do parceiro contratual.
No caso de onerosidade excessiva, a parte prejudicada pode suspender os pagamentos antes mesmo de ingressar em juízo?
Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.
Comentários:
As prestações efetuadas antes do ingresso em
juízo não podem ser revistas, pois a solutio espontânea do devedor produziu os seus naturais efeitos. Mas não sendo facultado ao contratante cessar pagamentos ou recebimentos a pretexto de onerosidade excessiva – pois a intervenção na economia do contrato é obra da justiça –, as prestações dadas ou recebidas na pendência da lide estarão sujeitas à modificação na execução da sentença que for proferida.
Mesmo que estivesse em mora no momento do evento extraordinário, a parte prejudicada poderá lançar mão do art. 478?
A resolução por alteração superveniente de
circunstâncias não pode ser levada a efeito pela parte que, antes da incidência do evento extraordinário e imprevisível, agiu culposamente. Isso posto, se o contratante se encontrava em mora (por deixar de realizar a prestação no tempo certo) ao tempo da onerosidade excessiva, terá de suportar todos os riscos do novo cenário ambiental. Assim, “A” faria o transporte marítimo de uma mercadoria de “B”, do Brasil para a Espanha. “A” estava em mora de trinta dias, e a prestação ainda era de interesse de “B”, quando eclode Guerra no Golfo Pérsico, elevando o preço do combustível em 50%. Caso “A” solicite a resolução contratual, sob o argumento do desequilíbrio superveniente, terá a sua pretensão rejeitada, com fundamento no tu quoque. Ou seja, quem viola determinada norma jurídica não poderá exercer a situação jurídica que essa mesma norma lhe atribui. Haveria abuso do direito (art. 187 do CC) por parte do contratante que exige o direito à resolução com base na norma violada. Com efeito, fere a sensibilidade ética e jurídica que alguém desrespeite um comando legal e posteriormente venha a exigir de outrem o seu acatamento.
Em vez de pedir a resolução da avença por onerosidade excessiva, pode o autor postular-lhe a revisão?
Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar eqüitativamente as condições do contrato.
Comentários:
O CC remeteu ao credor a opção pela revisão
contratual, por intermédio da readequação das prestações, como forma de impedir a resolução contratual pela alteração superveniente das circunstâncias. Pela letra do dispositivo, ao devedor compete apenas o ajuizamento da ação resolutória.
Assim, para evitar a extrema solução da resolução contratual, poderá o réu insistir na manutenção do vínculo, pela via da equitativa alteração de cláusulas gravosas ao autor, com adaptação do projeto contratual às novas circunstâncias.
Em verdade, o legislador criou uma espécie de
pedido contraposto, que depende da iniciativa do demandado em sua resposta. Portanto, o pedido de manutenção do contrato se baseará nos mesmos fatos que levaram o autor a demandar pela resolução (fatos que geraram a onerosidade excessiva), só se justificando esse direito subjetivo quando o contratante for demandado. No mais, extinta a ação originária, não se justifica a manutenção do pedido formulado pelo réu, devendo esse ser julgado prejudicado.
É importante ponderar que não se trata de
revisão contratual ex officio, atuação vedada ao magistrado em matéria de interesse imediato privado e de direito disponível. Ao magistrado é apenas permitido se servir do princípio da conservação do negócio jurídico para preservar o vínculo – mesmo que o réu não ofereça pedido contraposto – ao obter o assentimento do autor da demanda, que, em princípio, demandara pela resolução. Certamente, no curso do contraditório o juiz sopesará os argumentos das partes para, em uma linha de proporcionalidade, decidir se o reequilíbrio contratual será ou não adequado para a proteção da situação jurídica do credor.
Em termos de efetividade, ousamos considerar que a solução mais adequada consiste em facultar ao próprio autor a dedução do pedido revisional na inicial. O princípio da conservação do negócio jurídico demanda que o ordenamen-to produza normas hábeis a preservar as relações obrigacionais e que, apenas em última instância, as desfaça. A resolução, portanto, deveria ser cogitada como segunda opção, aplicável às hipóteses em que o magistrado perceba a impossibilidade de reconstrução da justiça contratual, até mesmo quando o credor demonstre ser ele o prejudicado pela revisão.
FLÁVIO TARTUCE:
A matéria de revisão contratual por fato superveniente dos contratos civis pode ser retirada dos arts. 317 e 478 do CC, despertando uma série de polêmicas. De início, na opinião deste autor o primeiro comando é o que melhor traz o conteúdo da matéria de revisão, sendo o art. 478 dispositivo próprio da extinção dos contratos (resolução). Porém, destaque-se que para a maioria da doutrina, a última norma também pode ser utilizada para a revisão do contrato. Nesse sentido, o Enunciado n. 176 do CJF\STJ, da III Jornada de Direito Civil (Em atenção ao princípio da conservação dos negócios jurídico, o art. 478 do Código Civil de 2002 deverá conduzir, sempre que possível, à revisão judicial dos contratos e não à resolução contratual”).
Se no contrato de compra e venda a fixação do preço fica a encargo de terceiro e este se recursar a fixá-lo, qual será a consequência?
Art. 485. A fixação do preço pode ser deixada ao arbítrio de terceiro, que os contratantes logo designarem ou prometerem designar. Se o terceiro não aceitar a incumbência, ficará sem efeito o contrato, salvo quando acordarem os contratantes designar outra pessoa.
Comentários:
[…]
Situação muito interessante e curiosa ocorre
se o terceiro mandatário se recusar a estimar o
preço. No caso, a consequência será, segundo a lei civil, a ineficácia do negócio jurídico, salvo deliberação das partes pela eleição de outra pessoa para a fixação do preço. Ao nosso sentir, contudo, não havendo pessoa designada para substituir o terceiro, trata-se de uma típica hipótese de inexistência do negócio jurídico em face da ausência do preço, que é pressuposto essencial para a própria formação do contrato de compra e venda.
A título ilustrativo, o CC adotou solução diversa nas obrigações alternativas em que as partes deliberam que a opção será exercitada por terceiro. Caso o mandatário se recuse a escolher, será a eleição transferida ao próprio magistrado (art. 252, § 4o, do CC). É possível entender a diversidade de soluções, na medida em que, formuladas as obrigações alternativas, o contrato existe e vale. A escolha é apenas fator de eficácia, não impedindo que o juiz delibere na falta do terceiro designado.
No caso de compra e venda, inexistindo estipulação contratual sobre a questão, onde deverá ser realizada a tradição?
Art. 493. A tradição da coisa vendida, na falta de estipulação expressa, dar-se-á no lugar onde ela se encontrava, ao tempo da venda.
Qual é o termo inicial de prazo decadencial para anulação da venda entre ascendente e descendente?
Art. 496. É anulável a venda de ascendente a descendente, salvo se os outros descendentes e o cônjuge do alienante expressamente houverem consentido.
Parágrafo único. Em ambos os casos, dispensa-se o consentimento do cônjuge se o regime de bens for o da separação obrigatória.
VI Jornada de Direito Civil - Enunciado 545
O prazo para pleitear a anulação de venda de ascendente a descendente sem anuência dos demais descendentes e/ou do cônjuge do alienante é de 2 (dois) anos, contados da ciência do ato, que se presume absolutamente, em se tratando de transferência imobiliária, a partir da data do registro de imóveis.
O cônjuge, casaso no regime de separação convencional de bens, tem de anuir a compra e venda celebrada entre ascendente e descendente?
Art. 496. É anulável a venda de ascendente a descendente, salvo se os outros descendentes e o cônjuge do alienante expressamente houverem consentido.
Parágrafo único. Em ambos os casos, dispensa-se o consentimento do cônjuge se o regime de bens for o da separação obrigatória.
Comentários:
Note-se que o consentimento é exigido não
apenas dos demais descendentes, mas, por igual, do cônjuge do vendedor. A explicação é singela: na medida em que o cônjuge é tratado como um herdeiro necessário (art. 1.845 do CC), também não poderá ser privado da legítima, exceto por deserdação (art. 1.961 do CC). Como esclarece o parágrafo único do dispositivo legal em análise, é dispensável a anuência do cônjuge se o casamento está sob o regime da separação obrigatória, no qual o cônjuge jamais concorrerá com os descendentes em primeiro lugar na ordem de vocação hereditária. Pode-se, naturalmente, indagar a razão pela qual não se dispensou também o consentimento do cônjuge se o casamento for sob o regime da separação convencional de bens. Aparentemente, o legislador exigiu a anuência do cônjuge porque manteve o direito sucessório do cônjuge (art. 1.829 do CC). Todavia, considerando que a nossa jurisprudência superior vem, corretamente, afastando o direito sucessório do cônjuge casado no regime de separação convencional (respeitando a autonomia privada), parece-nos que a solução jurídica adequada é dispensar também a sua aquiescência nesse caso, na medida em que não terá direito hereditário.
OBSERVAÇÃO:
Não é esse o entendimento do STJ. “No regime de separação convencional de bens, o cônjuge sobrevivente concorre com os descendentes do falecido. A lei afasta a concorrência apenas quanto ao regime da separação legal de bens no art. 1.641 do CC” (REsp 1.382.170)
Na venda entre ascendente e descendente, é necessário obter-se a anuência da companheira?
Art. 496. É anulável a venda de ascendente a descendente, salvo se os outros descendentes e o cônjuge do alienante expressamente houverem consentido.
Parágrafo único. Em ambos os casos, dispensa-se o consentimento do cônjuge se o regime de bens for o da separação obrigatória.
Comentários:
Tratando-se de exceção, impõe-se interpretação restritiva. Assim, omisso o dispositivo, se o ascendente celebrar uma compra e venda simulada com outras pessoas (e. g., a nora ou o sogro) para beneficiar um descendente, o contrato pode ser declarado nulo por simulação, por intermédio de terceiro interposto (“laranja” ou “testa de ferro”), na forma da regra geral do sistema (art. 167, § 1o, I, do CC), não incidindo a regra específica do art. 496 do Códex.
Outrossim, por idênticas razões, não há necessidade também da anuência dos cônjuges ou dos companheiros dos descendentes.
Aliás, a interpretação restritiva da norma impõe também o entendimento de sua inaplicabilidade nos casos de união estável – nos quais, também, não se exige consentimento do companheiro para alienar ou onerar bens imóveis, diferentemente do casamento. Assim, não se exige a anuência do companheiro quando o ascendente estiver em união estável.
Internet:
Por fim, a doutrina diverge se o art. 496 engloba o companheiro. Não se aplica para Rosenvald, Braga Netto e Flávio Tartuce. Aplica-se para Paulo Lobo e Luiz G. Loureiro. Carnacchioni diz que depende se o companheiro for atingido ou não com a venda.
É necessário provar-se o prejuízo para anular-se a venda entre ascendente ou descendente?
Abraçada a regra da anulabilidade pelo sistema jurídico, consagra-se, em definitivo, uma concepção de que a venda de ascendente para descendente é de interesse puramente privado, exigindo que o interessado demonstre o prejuízo alegado, exempli gratia, a diminuição da legítima, decorrente de uma venda a preço irrisório. Após algumas divergências, a jurisprudência firmou posição no sentido de que é ônus de prova do interessado provar o prejuízo para obter a anulação em casos tais.
Em que consiste a actio ex empto?
Art. 500. Se, na venda de um imóvel, se estipular o preço por medida de extensão, ou se determinar a respectiva área, e esta não corresponder, em qualquer dos casos, às dimensões dadas, o comprador terá o direito de exigir o complemento da área, e, não sendo isso possível, o de reclamar a resolução do contrato ou abatimento proporcional ao preço.
§ 1 o Presume-se que a referência às dimensões foi simplesmente enunciativa, quando a diferença encontrada não exceder de um vigésimo da área total enunciada, ressalvado ao comprador o direito de provar que, em tais circunstâncias, não teria realizado o negócio.
§ 2 o Se em vez de falta houver excesso, e o vendedor provar que tinha motivos para ignorar a medida exata da área vendida, caberá ao comprador, à sua escolha, completar o valor correspondente ao preço ou devolver o excesso.
§ 3 o Não haverá complemento de área, nem devolução de excesso, se o imóvel for vendido como coisa certa e discriminada, tendo sido apenas enunciativa a referência às suas dimensões, ainda que não conste, de modo expresso, ter sido a venda ad corpus.
Comentários:
Destarte, detectado um vício de extensão na
venda ad mensuram, surge para o comprador uma sequência lógica de opções: i) devolver a coisa, por meio de ação redibitória, desfazendo o negócio; ii) obter abatimento no preço, mantendo a coisa consigo, por meio de ação estimatória, também dita quanti minoris; iii) exigir, quando possível, a complementação da área imobiliária faltante, ajuizando uma actio ex empto, que possui natureza de ação real, submetida ao procedi-mento comum ordinário.
À luz do princípio do aproveitamento do contrato, derivado da função social do contrato, impõe-se ressaltar que o direito à resolução do contrato somente deve ser invocado em ultima ratio, quando não mais for possível manter a contratação, sanando o vício por outro mecanismo.
Ademais, é absolutamente certo que, não sendo possível a complementação da área (p. ex., quando se tratar de um apartamento ou quando a área excedente do imóvel pertencer a outra pes-soa), o adquirente conta com as duas outras alternativas: pode exercitar o direito potestativo à resolução contratual com a devolução de todas as quantias pagas, sem prejuízo de requerer indenização pelos danos decorrentes do negócio, ou pleitear o abatimento proporcional no preço, mantendo o negócio jurídico sobre a área a menor.
O disposto no art. 500 se aplicá às vendas em hasta pública?
Art. 500. Se, na venda de um imóvel, se estipular o preço por medida de extensão, ou se determinar a respectiva área, e esta não corresponder, em qualquer dos casos, às dimensões dadas, o comprador terá o direito de exigir o complemento da área, e, não sendo isso possível, o de reclamar a resolução do contrato ou abatimento proporcional ao preço.
§ 1 o Presume-se que a referência às dimensões foi simplesmente enunciativa, quando a diferença encontrada não exceder de um vigésimo da área total enunciada, ressalvado ao comprador o direito de provar que, em tais circunstâncias, não teria realizado o negócio.
§ 2 o Se em vez de falta houver excesso, e o vendedor provar que tinha motivos para ignorar a medida exata da área vendida, caberá ao comprador, à sua escolha, completar o valor correspondente ao preço ou devolver o excesso.
§ 3 o Não haverá complemento de área, nem devolução de excesso, se o imóvel for vendido como coisa certa e discriminada, tendo sido apenas enunciativa a referência às suas dimensões, ainda que não conste, de modo expresso, ter sido a venda ad corpus .
Ressalve-se, ademais, que as regras das vendas
ad mensuram e ad corpus não se aplicam às alienações em hasta pública. A garantia em arrematações e adjudicações é restrita ao fenômeno da evicção (art. 447 do CC). Já nas vendas de terrenos com alterações de dimensões, temos um regime semelhante ao dos vícios redibitórios, mas normatizado por disciplina especial. Assim, a larga publicidade que envolve a hasta pública permite o exame minucioso do bem antes da venda, retirando a possibilidade de o vício permanecer oculto.
Qual o prazo para propor as ações redibitória, estimatória e ex empto tratadas no art. 500?
Art. 500. Se, na venda de um imóvel, se estipular o preço por medida de extensão, ou se determinar a respectiva área, e esta não corresponder, em qualquer dos casos, às dimensões dadas, o comprador terá o direito de exigir o complemento da área, e, não sendo isso possível, o de reclamar a resolução do contrato ou abatimento proporcional ao preço.
§ 1 o Presume-se que a referência às dimensões foi simplesmente enunciativa, quando a diferença encontrada não exceder de um vigésimo da área total enunciada, ressalvado ao comprador o direito de provar que, em tais circunstâncias, não teria realizado o negócio.
§ 2 o Se em vez de falta houver excesso, e o vendedor provar que tinha motivos para ignorar a medida exata da área vendida, caberá ao comprador, à sua escolha, completar o valor correspondente ao preço ou devolver o excesso.
§ 3 o Não haverá complemento de área, nem devolução de excesso, se o imóvel for vendido como coisa certa e discriminada, tendo sido apenas enunciativa a referência às suas dimensões, ainda que não conste, de modo expresso, ter sido a venda ad corpus .
Art. 501. Decai do direito de propor as ações previstas no artigo antecedente o vendedor ou o comprador que não o fizer no prazo de um ano, a contar do registro do título.
Parágrafo único. Se houver atraso na imissão de posse no imóvel, atribuível ao alienante, a partir dela fluirá o prazo de decadência.
Ação ex empto:
Destarte, detectado um vício de extensão na
venda ad mensuram, surge para o comprador uma sequência lógica de opções: i) devolver a coisa, por meio de ação redibitória, desfazendo o negócio; ii) obter abatimento no preço, mantendo a coisa consigo, por meio de ação estimatória, também dita quanti minoris; iii) exigir, quando possível, a complementação da área imobiliária faltante, ajuizando uma actio ex empto, que possui natureza de ação real, submetida ao procedi-mento comum ordinário.
No contrato de compra e venda com cláusula de retrovenda, qual o prazo máximo para o alienante exercer o seu direito de recompra?
Art. 505. O vendedor de coisa imóvel pode reservar-se o direito de recobrá-la no prazo máximo de decadência de três anos, restituindo o preço recebido e reembolsando as despesas do comprador, inclusive as que, durante o período de resgate, se efetuaram com a sua autorização escrita, ou para a realização de benfeitorias necessárias.
O direito de retrato é cessível e trasmissível a herdeiros e legatários?
Art. 507. O direito de retrato, que é cessível e transmissível a herdeiros e legatários, poderá ser exercido contra o terceiro adquirente.
OBS:
Art. 513. A preempção, ou preferência, impõe ao comprador a obrigação de oferecer ao vendedor a coisa que aquele vai vender, ou dar em pagamento, para que este use de seu direito de prelação na compra, tanto por tanto.
Parágrafo único. O prazo para exercer o direito de preferência não poderá exceder a cento e oitenta dias, se a coisa for móvel, ou a dois anos, se imóvel.
Art. 520. O direito de preferência não se pode ceder nem passa aos herdeiros.
Na venda sujeita a prova, o alienante é obrigado a aceitar a recusa do comprador?
Art. 510. Também a venda sujeita a prova presume-se feita sob a condição suspensiva de que a coisa tenha as qualidades asseguradas pelo vendedor e seja idônea para o fim a que se destina.
Comentários:
A outro giro, conforme se depreende da análise do art. 510, a venda sujeita à prova ou a ensaio concerne à cláusula que subordina a eficácia da compra e venda à objetiva constatação das qualidades que foram asseguradas pelo vendedor. Aqui a manifestação do comprador não é de ordem subjetiva e discricionária: sua recusa precisa estar apoiada em sinais de que a coisa não apresenta o desempenho e as qualidades prometidas.
É diametralmente oposta à cláusula de venda
a contento, que, como realçado anteriormente, está submetida à satisfação do comprador a partir de uma avaliação em nível subjetivo, baseada em sua estima pela coisa.
Mas a distinção não para por aí. Na medida
em que o desagrado do comprador se prende à própria desconformidade externa entre o que se prometeu e o que se pretende adquirir realmente, ressalta formular uma indagação sobre a necessidade de prova da existência do alegado déficit qualitativo pelo adquirente. Parece-nos que a resposta é positiva, caso contrário estar-se-ia incorrendo nas mesmas consequências da venda a contento, ou seja, no arbítrio do comprador. Equivale a dizer: a condição suspensiva da compra é sujeita à demonstração da veracidade das alegações do comprador, sob pena de ser levada à apreciação do magistrado.
Enfim, tanto a venda a contento como a sujeita à prova são condicionais; entrementes, naquela (a contento), o critério é puramente subjetivo e arbitrário, enquanto nessa (sujeita à prova), parte-se de uma análise objetiva e fundamentada.
Art. 509. A venda feita a contento do comprador entende-se realizada sob condição suspensiva, ainda que a coisa lhe tenha sido entregue; e não se reputará perfeita, enquanto o adquirente não manifestar seu agrado.
Qual é o prazo máxima para o exercício do direito de preferência nos contratos de compra e venda que o prevejam?
Art. 513. A preempção, ou preferência, impõe ao comprador a obrigação de oferecer ao vendedor a coisa que aquele vai vender, ou dar em pagamento, para que este use de seu direito de prelação na compra, tanto por tanto.
Parágrafo único. O prazo para exercer o direito de preferência não poderá exceder a cento e oitenta dias, se a coisa for móvel, ou a dois anos, se imóvel.
O que é a retrovenda e qual a sua natureza jurídica?
Art. 505. O vendedor de coisa imóvel pode reservar-se o direito de recobrá-la no prazo máximo de decadência de três anos, restituindo o preço recebido e reembolsando as despesas do comprador, inclusive as que, durante o período de resgate, se efetuaram com a sua autorização escrita, ou para a realização de benfeitorias necessárias.
Comentários:
[…]
A retrovenda é o pacto adjeto à compra e venda, pelo qual as partes estipulam que o vendedor possuirá o direito potestativo (portanto, submetido, tão só, à sua própria manifestação de vontade) de comprar a propriedade de volta, em certo prazo (não superior a três anos), sujeitando o adquirente a tanto (independentemente da vontade de quem comprou), desde que deposite o preço, acrescido de despesas realizadas pelo comprador.
Enfim, é o direito estabelecido em favor do
alienante de recomprar a coisa, no prazo máximo de três anos, independentemente da vontade do adquirente de vendê-la.
Disso deflui, com tranquilidade, a sua natureza de condição resolutiva potestativa.
O direito de preferência registrado em cartório de imóveis tem eficácia real?
Art. 518. Responderá por perdas e danos o comprador, se alienar a coisa sem ter dado ao vendedor ciência do preço e das vantagens que por ela lhe oferecem. Responderá solidariamente o adquirente, se tiver procedido de má-fé.
Comentários:
[…]
Assim, a inobservância da preferência pelo
comprador não outorga ao vendedor o poder de desfazer o negócio jurídico, mediante o depósito da quantia paga pelo terceiro.Optou o legislador por responsabilizar o comprador por perdas e danos, porém sem o desfazimento da compra e venda lesiva ao direito de preempção. Em termos pragmáticos:a opção da norma legal brasileira foi a de contemplar o pacto de preempção com efeitos meramente obrigacionais, restritos ao comprador e ao vendedor, sem alcançar terceiros.Nega-se-lhe eficácia real e oponibilidade erga omnes.
Tem sentido garantir ao vendedor prejudicado
uma indenização porque a atitude do comprador (de vender a terceiro sem notificar o vendedor) viola, frontalmente, o dever anexo de informação, decorrente da boa-fé objetiva.
De qualquer sorte, admite-se que a pretensão
ressarcitória seja dirigida contra o adquirente em solidariedade passiva com o comprador, caso tenha procedido de má-fé, ou seja, caso sabidamente tivesse noção da existência da cláusula e, mesmo assim, tenha praticado o negócio jurídico. Aliás, em sede de bens imóveis, o registro do contrato e a publicidade da cláusula de preempção geram presunção absoluta de má-fé.
Ao nosso viso, todavia, é mister formular reflexão mais amiúde e sistêmica. Apesar da expressa opção legislativa (efeitos meramente obrigacionais para a cláusula de preempção), cogitamos a possibilidade de adjudicação da coisa vendida ao terceiro, sem respeito à preferência convencionada, no caso de demonstração de que o terceiro adquirente tinha ciência inequívoca da existência da cláusula de prelação. Fundamentamos o pensamento na concretização da função social externa do contrato, impedindo que uma pessoa, conscientemente, ofenda um contrato do qual não faça parte, sabotando a sua normal execução. O vendedor, nesse caso, fica posicionado como um terceiro ofendido pela relação travada entre o comprador e o terceiro adquirente. Insista-se que, na hipótese cogitada, o terceiro está ofendendo a relação contratual entre o comprador e o vendedor, quando, conhecedor da cláusula de preempção, simplesmente a ignora e realiza um novo contrato com o comprador. Em suma, a sociedade não pode se portar de modo a ignorar a existência de contratos firmados. Isso explica uma tendência em se prestigiar a oponibilidade erga omnes das relações contratuais, com a imposição de um dever genérico de abstenção, por parte de terceiros, da prática de relações contratuais que possam afetar a segurança e a certeza dos contratos estabelecidos. Advirta-se não se tratar de revogação da tradicional relatividade dos contratos – pois os seus efeitos obrigacionais compreendem apenas os seus protagonistas. Apenas defendemos uma mitigação da incidência dos seus efeitos perante a coletividade, prestigiando-se uma oponibilidade geral. Em síntese apertada, porém completa: como a função social do contrato é uma cláusula geral, pela qual o magistrado delibera pelas consequências mais adequadas à concretude do caso, permite, então, certa mobilidade, oxigenando o rigor do comando legal (art. 518 do CC), autorizando, a depender das circunstâncias do caso, a invalidação do segundo contrato, caso se mostre que o terceiro adquirente tinha ciência da preferência e se o vendedor depositar o preço em iguais condições. Não se olvide que a cláusula geral é norma de ordem pública, sendo aplicável de ofício pelo magistrado (art. 2.035, parágrafo único, do CC).
A retrocessão, prevista no art. 519, constitui um direito real ou obrigacional?
Art. 519. Se a coisa expropriada para fins de necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, não tiver o destino para que se desapropriou, ou não for utilizada em obras ou serviços públicos, caberá ao expropriado direito de preferência, pelo preço atual da coisa.
Comentários:
[…]
Ao contrário do que se percebeu anteriormente, cuida-se de hipótese de direito de preferência legal e não convencional. Ademais, não se indeniza o prejuízo somente com perdas e danos (como ocorre na regra geral da preempção, na forma do art. 518 do CC/2002), mas com a própria reaquisição da propriedade em razão do desinteresse superveniente do expropriante.
Vale questionar: a retrocessão é direito real ou
obrigacional? Pela própria estrutura da retrocessão, não se acomoda perfeitamente nem a um nem a outro setor. Assume aspectos obrigacionais por se situar no campo do direito de preferência, matéria alusiva aos contratos, nas relações de cunho obrigacional. Todavia, não sendo concedida qualquer finalidade pública ao bem, o expropriado não receberá uma indenização – o que ocorreria em sede obrigacional –, mas poderá postular a ação de preferência (não a reivindicatória), reavendo a coisa para si. Porém, isso não tem força suficiente para convolar a retrocessão em direito real, podendo-se admitir uma eficácia real do direito obrigacional. Assim sendo, a desapropriação geraria uma espécie de propriedade resolúvel para o poder público, condicionada à satisfação do interesse público subjacente, motivador do ato.
Qual é a diferença entre venda com reserva de domínio e alienação fiduciária?
Art. 521. Na venda de coisa móvel, pode o vendedor reservar para si a propriedade, até que o preço esteja integralmente pago.
Comentários:
[…]
A reserva de domínio se aproxima bastante do
modelo estabelecido pela propriedade fiduciária (arts. 1.361 a 1.368-B do CC), como uma espécie de negócio fiduciário. O desdobramento da posse e da propriedade, condicionado ao pagamento do preço, é comum em ambas as figuras (propriedade fiduciária e cláusula de reserva de domínio), propiciando uma circulação massiva de propriedade mobiliária. Todavia, algumas distinções são evidentes. Em primeiro lugar, a propriedade fiduciária gera a imediata transferência da titularidade do fiduciante (alienante) para o credor fiduciário (adquirente), como premissa para que o vendedor possa imediatamente receber o preço e se satisfazer. Ou seja, o vendedor não integra a relação jurídica de direito real, restringindo-se o negócio fiduciário ao comprador e ao financiador, que recebe a propriedade resolúvel da coisa móvel como garantia do pagamento realizado ao vendedor. Já na reserva de domínio, a relação jurídica se circunscreve ao vendedor e ao comprador, pois o próprio alienante realiza o financiamento da aquisição em prestações, subordinando-se a passagem da propriedade a uma condição suspensiva.
Ademais, considerando que há previsão legal
de propriedade fiduciária imobiliária (Lei n. 9.514/97), é de se lamentar que a legislação tenha restringido o seu âmbito de incidência aos bens móveis, ignorando a evolução no tratamento da matéria.
No contrato com reserva de domínio, o adquirente pode alienar o bem a terceiro antes de adimplir integralmente o contrato? Se o fizer e verificar-se o inadimplemento, o alienante poderá postular a restituição do bem ao terceiro?
Art. 522. A cláusula de reserva de domínio será estipulada por escrito e depende de registro no domicílio do comprador para valer contra terceiros.
Comentários:
[…]
Outrossim, pelo fato de a cláusula de reserva
de domínio não ser impeditiva da venda da coisa pelo comprador a um terceiro, em caso de inadimplemento poderá o vendedor se voltar contra este por meio da ação de recuperação da coisa, diante da publicidade e oponibilidade do registro a terceiros.
Na venda com reserva de domínio, o alienante pode, antes do cumprimento do contrato, receber dinheiro de instituição financeira, transferindo a ela os direito advindo do contrato, bem como a propriedade do bem imóvel que lhe é objeto?
Art. 528. Se o vendedor receber o pagamento à vista, ou, posteriormente, mediante financiamento de instituição do mercado de capitais, a esta caberá exercer os direitos e ações decorrentes do contrato, a benefício de qualquer outro. A operação financeira e a respectiva ciência do comprador constarão do registro do contrato.
Comentários:
Objetivando a expansão da reserva de domínio, a norma em comento admite a intervenção de uma instituição financeira, que adiantará o pagamento integral ao vendedor. Portanto, formam-se duas relações jurídicas concomitantes: entre vendedor e comprador; entre vendedor e instituição financeira. Esta se sub-rogará na posição do vendedor, a fim de cobrar as prestações do comprador, na forma do art. 347, I, do CC. Vale dizer: as garantias e os privilégios do vendedor serão transferidos à instituição financeira para que possa reaver os valores que adiantou àquele.
Note-se que o vendedor mantém a posição de
proprietário sob condição suspensiva, não sendo a titularidade transferida à instituição financeira. Caso isso ocorresse, seria desvirtuada a natureza dessa modalidade de compra e venda, que se converteria em uma propriedade fiduciária, de natureza resolúvel.
Na parte final do dispositivo, alerta-se sobre a
necessidade de cientificação por escrito do comprador como requisito de eficácia da sub-roga-ção contra ele, além da indispensável menção à operação com a instituição financeira no Cartório de Títulos e Documentos, ou no Certificado de Registro do Veículo (CRV).
Em que consiste o contrato estimatório?
Art. 534. Pelo contrato estimatório, o consignante entrega bens móveis ao consignatário, que fica autorizado a vendê-los, pagando àquele o preço ajustado, salvo se preferir, no prazo estabelecido, restituir-lhe a coisa consignada.
Art. 535. O consignatário não se exonera da obrigação de pagar o preço, se a restituição da coisa, em sua integridade, se tornar impossível, ainda que por fato a ele não imputável.
Art. 536. A coisa consignada não pode ser objeto de penhora ou seqüestro pelos credores do consignatário, enquanto não pago integralmente o preço.
Art. 537. O consignante não pode dispor da coisa antes de lhe ser restituída ou de lhe ser comunicada a restituição.
No contrato estimatório, se a coisa perecer sem culpa do do consignatário, poderá o consignante exigir o adimplemento do débito?
Art. 535. O consignatário não se exonera da obrigação de pagar o preço, se a restituição da coisa, em sua integridade, se tornar impossível, ainda que por fato a ele não imputável.
Se o devedor estabelece um prazo para a aceitação da doação, e o donatário nada diz dentro dele, o que ocorrerá?
Art. 539. O doador pode fixar prazo ao donatário, para declarar se aceita ou não a liberalidade. Desde que o donatário, ciente do prazo, não faça, dentro dele, a declaração, entender-se-á que aceitou, se a doação não for sujeita a encargo.
Em que consiste a doação remuneratória? Ela também deve ser trazidas à colação no inventário?
Art. 540. A doação feita em contemplação do merecimento do donatário não perde o caráter de liberalidade, como não o perde a doação remuneratória, ou a gravada, no excedente ao valor dos serviços remunerados ou ao encargo imposto.
Comentários:
Em princípio, a doação será pura e simples,
pois a liberalidade não estará sujeita aos elementos acidentais do termo, condição e encargo. Explica-se: o que distingue o negócio jurídico do ato jurídico lícito (art. 185 do CC) é justamente a presença da autonomia privada no primeiro, concedendo à vontade humana a possibilidade de criar os efeitos desejados ao ato, nos limites dados pelo ordenamento. Isso permite ao doador restringir a eficácia da liberalidade por modalidades de doações, sem prejudicar a validade do negócio jurídico, posto que são atendidos os seus elementos essenciais (art. 104 do CC).
Para além de tais hipóteses, é possível que o
doador queira justificar o motivo da liberalidade. Cuida-se da doação contemplativa, enunciada na primeira parte do dispositivo. Portanto, poderá o doador anunciar que a doação decorre do fato de o donatário ser o melhor aluno da classe e merecer um incentivo em seus estudos.
A segunda parte da norma ressalva a chamada doação remuneratória. Aqui a liberalidade se conecta com serviços prestados anteriormente pelo donatário ao doador. Assim, a doação remuneratória é aquela realizada em retribuição aos serviços prestados pelo beneficiário, sem exigibilidade jurídica do pagamento. Conjuga-se, por conseguinte, a prática de uma liberalidade e uma remuneração por serviços sem exigibilidade em juízo. Logo, trata-se de uma espécie de recompensa.
O conceito de serviço é lato, abarcando, a um
só tempo, aquele no qual haveria cobrança de valores, mas que, especificamente na hipótese, não se submeterá à cobrança por deliberação pessoal do credor (v. g., a cirurgia realizada por um médico amigo do paciente ou a consulta prestada, graciosamente, pelo advogado) e, noutro quadrante, aquele serviço cuja essência não possua patrimonialidade (seria o exemplo de um aconselhamento afetivo).
Em qualquer caso (e observados cuidadosamente os exemplos apresentados anteriormente), a doação remuneratória está intimamente conectada com as obrigações naturais, nas quais há um débito moral, mas inexiste uma responsabilidade jurídica. Ou seja, podem ser pagas pelo devedor, mas não são exigíveis pelo credor (art. 882 do CC).
Bem por isso, uma vez realizada uma doação
remuneratória (que, repita-se à exaustão, mais se aproxima de um pagamento espontâneo de obrigação natural), não se pode reaver o valor despendido e tampouco se pode revogá-la por ingratidão do donatário (art. 564, III, do CC).
Acresça-se que o art. 2.011 da codificação dispensa as doações remuneratórias da colação.
Em que consiste a doação com encargo? Sua aceitação pode ser tácita? O encargo deve, obrigatoriamente, beneficiar terceiro, ou pode beneficiar o próprio doador?
Art. 540. A doação feita em contemplação do merecimento do donatário não perde o caráter de liberalidade, como não o perde a doação remuneratória, ou a gravada, no excedente ao valor dos serviços remunerados ou ao encargo imposto.
Comentários:
[…]
A parte derradeira do art. 540 da lei civil é dedicada ao exame da doação com encargo (onerosa). Diversamente do termo e da condição, salvo ressalva expressa, o encargo não suspende a aquisição ou o exercício do direito (art. 136 do CC). Assim, a imposição de um encargo em uma doação não afetará a validade ou a eficácia, apenas permitirá a sua exigibilidade jurídica. Doação modal ou encargo é, pois, uma limitação da liberdade de dispor. Trata-se de obrigação acessória imposta ao donatário, no interesse geral ou no particular do próprio doador ou de um terceiro.
O encargo é uma restrição à liberalidade, pois não implica uma contraprestação do donatário ao doador (o que causaria o desvirtuamento do negócio), mas a imposição de um pequeno sacrifício ao donatário. Exemplificando, se uma pessoa destina gratuitamente um apartamento a outra, com o encargo de esta auxiliar as obras de caridade da igreja local, não há contraprestação, mas uma imposição de obrigação, de uma onerosidade.
Por fim, em razão da onerosidade acarretada
com a doação, deverá ela ser objeto de aceitação expressa pelo donatário, não se admitindo a aceitação presumida ou tácita (art. 539 do CC)
Admite-se doação verbal?
Art. 541. A doação far-se-á por escritura pública ou instrumento particular.
Parágrafo único. A doação verbal será válida, se, versando sobre bens móveis e de pequeno valor, se lhe seguir incontinenti a tradição.
Comentários:
[…]
Não se olvide da possibilidade constante do
parágrafo único: a chamada doação manual, quando se tratar de bem móvel de pequeno valor, com a imediata tradição (entrega efetiva) da coisa. Aqui, afasta-se o caráter formal do ajuste, caracterizando a avença como um negócio jurídico real, em face da necessidade de tradição. É o caso dos presentes de aniversário ou de casamento. Por evidente, a caracterização do bem de pequeno valor depende da extensão patrimonial do doador e da própria natureza do objeto, oscilando de uma pessoa para outra.
Tratando-se de doação de um bem cujo valor
exceda o décuplo do salário mínimo, não se admite prova do contrato exclusivamente verbal, conforme sinalização do art. 401 do CPC/73 (sem correspondente no CPC/2015), exigindo-se outros elementos indiciários para a sua prova. A regra, é bem verdade, não tem rigidez cadavérica, comportando flexibilizações de acordo com os usos e costumes de cada lugar.
Enunciado n. 622, CJF: Para a análise do que seja bem de pequeno valor, nos termos do art. 541, parágrafo único, do Código Civil, deve-se levar em conta o patrimônio do doador.
A doação feita em contemplação de casamento futuro prescinde de aceitação?
Art. 546. A doação feita em contemplação de casamento futuro com certa e determinada pessoa, quer pelos nubentes entre si, quer por terceiro a um deles, a ambos, ou aos filhos que, de futuro, houverem um do outro, não pode ser impugnada por falta de aceitação, e só ficará sem efeito se o casamento não se realizar.
Comentários:
Caso especial de doação condicional suspen-siva, essa doação é aquela feita em contemplação de um matrimônio futuro com pessoa certa e de-terminada, indicada no instrumento do negócio. Para nós, a possibilidade, de certo modo, coloca–se em rota de colisão frontal com uma nova pers-pectiva do casamento, baseado na comunhão de afetos. Nesse novo panorama, não parece razoá-vel conceder patrimônio a uma pessoa para que venha a contrair casamento com o doador ou com terceiro por ele indicado. Estar-se-ia, de al-gum modo, patrimonializando uma relação fun-damentalmente lastreada no afeto, na ética, na solidariedade e na dignidade das pessoas envol-vidas.
Trata-se de contrato cuja eficácia está subme-tida à celebração posterior do casamento. Aliás, exatamente por isso, dispensa a aceitação, que é presumida nas próprias núpcias.
É uma espécie de presente de casamento, embora não se confunda com os presentes ofertados por terceiros aos noivos.
A donatio propter nupcias pode ser realizada
por um dos noivos ao outro, por um terceiro em favor de um deles ou de ambos ou, finalmente, em favor dos filhos que o casal vier a ter (prole eventual). Não celebrado o matrimônio e inviabilizada a futura prole, o beneficiário tem de restituir o bem doado, com os mesmos efeitos do possuidor de boa-fé.
Por fim, ao conferir um caráter ético a essa
modalidade especial de doação, o legislador (art. 564 do CC), andando muito bem nesse ponto, obstou a sua revogação por ingratidão do beneficiário.
No caso de doação com cláusula de reversão (art. 547), o donatário pode alienar o bem a terceiro? Se o fizer, qual será a consequência?
Art. 547. O doador pode estipular que os bens doados voltem ao seu patrimônio, se sobreviver ao donatário.
Parágrafo único. Não prevalece cláusula de reversão em favor de terceiro.
Comentários:
[…]
A cláusula de reversão é personalíssima, não
podendo beneficiar terceiros – inteligência do parágrafo único do comando do art. 547 da lei civil. A existência do pacto reversivo implica a caracterização de propriedade resolúvel. Por isso, embora a cláusula de reversão não torne o bem inalienável, podendo o donatário, livremente, aliená-lo (vendê-lo ou doá-lo), na hipótese, a transmissão será de propriedade resolúvel e a subsequente morte do beneficiário antes da morte do doador gera a extinção da titularidade.
No ponto, cumpre explicar que a reversão opera os seus efeitos como cláusula resolutiva, com o desfazimento dos atos realizados pelo donatário, e restituição do bem doado, ainda que tenha havido alienação, já que isso é consequência natural da propriedade resolúvel. O terceiro não pode alegar boa-fé subjetiva (desconhecimento da cláusula de reversão) porque ela tem de ser expressa, estando devidamente registrada no instrumento de doação e no registro imobiliário.
Em que consiste o fideicomisso? É ele admitido no contrato de doação?
Merece referência ainda a possibilidade de doação com cláusula de fideicomisso. O fideicomisso é a disposição negocial pela qual se transfere uma propriedade a diferentes pessoas, sucessivamente. Seria o exemplo de uma doação condicional. Imaginando-se uma doação condicional (evento futuro e incerto), enquanto não implementada a condição, não poderá o beneficiário reclamar o bem. Sabendo disso, o benfeitor pode nomear um substituto para o donatário, enquanto não cumprida a condição. Assim, a propriedade é transmitida para o substituto (fiduciário) até que o beneficiário (fideicomissário) atenda à condição e adquira a titularidade. Evidentemente, o fiduciário terá propriedade resolúvel, que se extinguirá automaticamente pelo implemento da condição. Na hipótese de óbito do beneficiário sem cumprir a condição, consolida-se a propriedade plena com o fiduciário. O CC alude ao fideicomisso como mecanismo de substituição testamentária (art. 1.952 do CC), silenciando quanto à sua possibilidade na doação. Apesar disso, com esteio na autonomia privada, norteadora das relações obrigacionais, é de ser admitida a inserção de cláusula fideicomissária na doação, permitindo ao doador estipular a sucessividade da titularidade do bem transmitido. Não se vê qualquer ilicitude na determinação de que uma doação se resolva pelo advento de um termo ou pela ocorrência de uma condição. E não se afirme, sequer, que a proibição de cláusula de reversão em favor de terceiros serviria como um óbice ao fideicomisso na doação, na medida em que a proibição do parágrafo único do art. 547 é específica, não podendo ser interpretada extensivamente.
Se alguém possui R$ 100.000,00 e doa a um de seus filhos R$ 30.000,00, fazendo o mesmo depois de certo tempo no valor de R$ 20.000,00, poderá fazer uma terceira doação a este filho em momento posterior?
Pesquisar o assunto melhor.
Art. 549. Nula é também a doação quanto à parte que exceder à de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento.
Comentários:
[…]
Perceba-se que a nulidade alcança apenas a
doação que ultrapasse o valor disponível, aquela na qual houve o excesso, e não as doações anteriores que se encontravam harmônicas com o limite da legítima. Portanto, se alguém possuía R$ 100.000,00 e realizou uma primeira doação no valor de R$ 20.000,00, uma segunda na quantia de R$ 30.000,00 e, finalmente, uma terceira doação no valor de R$ 10.000,00, apenas esta última será nulificada, preservando-se as anteriores em que não houve necessidade de redução.
O cálculo da legítima (e, por conseguinte, do
excesso, ou não, da doação) será realizado no momento da doação e, por conta disso, eventuais variações patrimoniais para mais ou para menos, posteriores à liberalidade, não validam o que é inválido ou invalidam o válido. Fundamental é a aferição do valor do patrimônio contemporâneo a cada ato dispositivo. Por isso, a doutrina afirma que “se torna irrelevante qualquer variação patrimonial do doador, após a celebração do negócio, podendo ele enriquecer ou empobrecer”. A explicação é lógica: se assim não fosse, o doador continuaria doando a metade que possui, a cada momento, até promover o total esvaziamento de seu patrimônio.
É constitucional a vedação à doação que não respeite a legítima?
Por derradeiro, cumpre aludir a uma questão
nova e pujante. Apesar de minoritário o nosso entendimento, confessamos não ter simpatia pela restrição sub occulis. Ao nosso viso, a impossibilidade de doação da legítima somente se justifica quando um dos herdeiros necessários é incapaz, em razão da necessidade de proteção integral do incapaz. Todavia, tratando-se de herdeiros necessários maiores e capazes, não vislumbramos motivo plausível para obstar o ato de disposição gratuito pelo titular. Até porque o ofício do pai se impõe em razão do exercício do poder familiar –
o que não haverá se todos forem plenamente capazes. Cuida-se de uma interdição parcial na livre disposição de uma pessoa absolutamente capacitada para os atos da vida jurídica. Não nos parece, ademais, que um pai, por exemplo, seja obrigado a deixar patrimônio para o seu filho, em especial no momento em que a proteção do sistema jurídico centra-se na essência da pessoa humana e em sua dignidade. Entendemos, pois, que o juiz, casuisticamente, poderá acobertar com o manto da validade e da plena eficácia a doação feita pelo titular com invasão da legítima (ultrapassando o limite patrimonial disponível), quando os herdeiros necessários são maiores e capazes. Assim, resguardará a dignidade do titular, podendo dispor livremente de seu patrimônio.
A evicção se aplica aos contrato de doação?
Art. 552. O doador não é obrigado a pagar juros moratórios, nem é sujeito às conseqüências da evicção ou do vício redibitório. Nas doações para casamento com certa e determinada pessoa, o doador ficará sujeito à evicção, salvo convenção em contrário.
Comentários:
[…]
Da mesma forma, a não ser que expressamente ressalve o contrário, isenta-se de responsabilidade por vícios materiais e ocultos da coisa existentes antes da tradição (art. 441 do CC) e pela perda da coisa pelo donatário em virtude de uma decisão que conceda o direito sobre ela a um terceiro (art. 447 do CC). Certamente, tais isenções de responsabilidade não incluem as doações onerosas (com encargo), como se percebe ilustrativamente da leitura do art. 441, parágrafo único, do CC. [Art. 441. A coisa recebida em virtude de contrato comutativo pode ser enjeitada por vícios ou defeitos ocultos, que a tornem imprópria ao uso a que é destinada, ou lhe diminuam o valor.Parágrafo único. É aplicável a disposição deste artigo às doações onerosas.]
Ainda no que tange à evicção, há uma regra
supletiva no parágrafo único que permite a sua incidência nas doações para casamento com certa e determinada pessoa. Aqui se faz referência à doação condicional do art. 546, na qual o legislador presume o dolo do cônjuge que oferece um bem ao outro, considerando que a liberalidade se deu como uma forma de atrair o interesse do outro nubente para o matrimônio.
O objetivo da norma em comento é demonstrar que, se não há sinalagma, a diferença quanto à imputação de deveres deve atender ao princípio da isonomia, dispondo que os desiguais serão tratados desigualmente. Por essa razão, também se editou o art. 392, enfatizando que, nos contratos benéficos, a parte a que não aproveite o contrato só responderá por dolo. Portanto, se o doador sabia do vício material ou jurídico do bem e ocultou o fato do donatário, será responsabilizado pela quebra do princípio da boa-fé, pouco se cogitando de sua situação financeira e muito se acautelando a confiança e legítima expectativa frustrada do donatário.