Direito de sucessões Flashcards
Antes da partilha, pode um dos herdeiros alienar algum bem particularizado que compõe a herança?
Art. 1.793. O direito à sucessão aberta, bem como o quinhão de que disponha o co-herdeiro, pode ser objeto de cessão por escritura pública.
§ 1 o Os direitos, conferidos ao herdeiro em conseqüência de substituição ou de direito de acrescer, presumem-se não abrangidos pela cessão feita anteriormente.
§ 2 o É ineficaz a cessão, pelo co-herdeiro, de seu direito hereditário sobre qualquer bem da herança considerado singularmente.
§ 3 o Ineficaz é a disposição, sem prévia autorização do juiz da sucessão, por qualquer herdeiro, de bem componente do acervo hereditário, pendente a indivisibilidade.
Comentários:
[…]
O § 2o é decorrência lógica do art. 1.791, segundo o qual a herança defere-se como um todo unitário e indivisível até a partilha. Sendo a herança uma universalidade, sem que se possa, antes da partilha, individualizar o direito de cada herdeiro sobre cada um dos bens que a compõem, não se pode cogitar do herdeiro alienar determinado bem, singularmente considerado, pois não se sabe se a ele pertencerá por ocasião da partilha. Essa impossibilidade não tem, no entanto, caráter absoluto, como deixa claro o § 3o, ao estabelecer que, havendo prévio consentimento do juiz do inventário, é possível a alienação, por qualquer herdeiro, de bem da herança, mesmo pendente a indivisibilidade. Não se trata de autorização judicial para venda de determinado bem, para que o valor obtido seja incorporado ao espólio, mas venda de bem pelo herdeiro, antecipando-se a partilha.
Observe-se que o § 3o não comina de nulidade tal disposição sem prévia autorização judicial. Prevê simplesmente que é ineficaz. A alienação se tornará eficaz se houver autorização judicial posterior, convalidando-a; ou, ainda, se, consumada a partilha, o bem alienado vier a compor o quinhão do alienante.
Quem são as pessoas que não podem ser nomeadas herdeiras nem legatárias?
Art. 1.801. Não podem ser nomeados herdeiros nem legatários:
I - a pessoa que, a rogo, escreveu o testamento, nem o seu cônjuge ou companheiro, ou os seus ascendentes e irmãos;
II - as testemunhas do testamento;
III - o concubino do testador casado, salvo se este, sem culpa sua, estiver separado de fato do cônjuge há mais de cinco anos;
IV - o tabelião, civil ou militar, ou o comandante ou escrivão, perante quem se fizer, assim como o que fizer ou aprovar o testamento.
Art. 1.802. São nulas as disposições testamentárias em favor de pessoas não legitimadas a suceder, ainda quando simuladas sob a forma de contrato oneroso, ou feitas mediante interposta pessoa.
Parágrafo único. Presumem-se pessoas interpostas os ascendentes, os descendentes, os irmãos e o cônjuge ou companheiro do não legitimado a suceder.
Art. 1.803. É lícita a deixa ao filho do concubino, quando também o for do testador.
Comentários ao art. 1.801:
[…]
No inciso III, há proibição de ser beneficiado o concubino do testador casado, salvo se este, sem culpa sua, estiver separado do cônjuge há mais de cinco anos. Este inciso contém grave incoerência com a disciplina da união estável e do concubinato no atual Código, pois a união estável pode ser constituída pelo cônjuge, independentemente do lapso de tempo de separação de fato, sem questionamento sobre culpa (art. 1.723, § 1o); e o concubinato é conceituado como relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar (art. 1.727). Conclui-se que, havendo separação de fato, não há concubinato. A solução parece ser a de manter a vedação exclusivamente para a situação definida pelo Código como concubinato, ou seja, de relações não eventuais mantidas por pessoa casada, sem estar separada de fato do cônjuge. Se houver separação de fato, não há que se falar mais em concubinato, devendo ser considerada inócua a segunda parte do inciso. Nesse sentido, o Enunciado n. 269 aprovado na III Jornada de Direito Civil, promovida pelo CEJ do CJF, em dezembro de 2004: “A vedação do art. 1.801, inciso III, do CC não se aplica à união estável, independente do período de separação de fato (art. 1.723, § 1o)” (Guilherme Calmon Nogueira da Gama).
A administração e guarda dos bens da herança caracterizam a sua aceitação tácita?
Art. 1.805. A aceitação da herança, quando expressa, faz-se por declaração escrita; quando tácita, há de resultar tão-somente de atos próprios da qualidade de herdeiro.
§ 1 o Não exprimem aceitação de herança os atos oficiosos, como o funeral do finado, os meramente conservatórios, ou os de administração e guarda provisória.
§ 2 o Não importa igualmente aceitação a cessão gratuita, pura e simples, da herança, aos demais co-herdeiros.
A renúncia à herança exige forma escrita? Pode ser dar de forma tácita? Quais são suas consequências práticas?
Art. 1.806. A renúncia da herança deve constar expressamente de instrumento público ou termo judicial.
Comentários:
A renúncia deve ser manifestada por instrumento público ou termo judicial e, portanto, é ato solene. Não admite outra forma e não pode ser tácita. Pode ser firmada por mandatário com poderes expressos (o STJ, no julgado à frente, assentou ser necessária procuração por instrumento público, insuficiente por instrumento particular, podendo ser conferido mandato, ainda, por termo nos autos). É imprescindível que a renúncia seja manifestada antes da aceitação. Se houver aceitação tácita prévia, não se poderá mais cogitar de renúncia, pois a aceitação é irrevogável. A afirmação tem interesse prático: o herdeiro renunciante, em face da herança renunciada, é considerado inexistente, o que acarreta conse-quências como, por exemplo, seus filhos não herdarem por direito de representação e ele não arcar com o imposto causa mortis.
A disposição da meação pela viúva em favor dos filhos depende de instrumento público?
Art. 1.793. O direito à sucessão aberta, bem como o quinhão de que disponha o co-herdeiro, pode ser objeto de cessão por escritura pública.
§ 1 o Os direitos, conferidos ao herdeiro em conseqüência de substituição ou de direito de acrescer, presumem-se não abrangidos pela cessão feita anteriormente.
§ 2 o É ineficaz a cessão, pelo co-herdeiro, de seu direito hereditário sobre qualquer bem da herança considerado singularmente.
§ 3 o Ineficaz é a disposição, sem prévia autorização do juiz da sucessão, por qualquer herdeiro, de bem componente do acervo hereditário, pendente a indivisibilidade.
Art. 1.806. A renúncia da herança deve constar expressamente de instrumento público ou termo judicial.
O ato de renúncia à herança deve constar expressamente de instrumento público ou de termo nos autos, sob pena de invalidade.
Daí se segue que a constituição de mandatário para a renuncia à herança deve obedecer à mesma forma, não tendo a validade a outorga por instrumento particular (REsp 1236671/SP, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, Rel. p/ Acórdão Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 09/10/2012, DJe 04/03/2013)
Qual é a diferença entre suceder por estirpe e por cabeça e em que hipóteses essas sucessões ocorrem?
Art. 1.810. Na sucessão legítima, a parte do renunciante acresce à dos outros herdeiros da mesma classe e, sendo ele o único desta, devolve-se aos da subseqüente.
Art. 1.811. Ninguém pode suceder, representando herdeiro renunciante. Se, porém, ele for o único legítimo da sua classe, ou se todos os outros da mesma classe renunciarem a herança, poderão os filhos vir à sucessão, por direito próprio, e por cabeça.
Comentários:
O artigo é complemento do anterior, 1.810. O renunciante é considerado inexistente e sua parte acresce à dos demais herdeiros do mesmo grau dentro da mesma classe. Sendo assim, os descendentes do renunciante não herdam por direito de representação, como estabelece o art. 1.811. O direito de representação é conferido aos descendentes de herdeiro premorto. Herdam, por estirpe, a parte que caberia ao herdeiro premorto. Na renúncia, ao contrário, como dispõe o art. 1.810, a parte do renunciante acresce à dos coerdeiros da mesma classe e do mesmo grau.
Assim, se o autor da herança tinha quatro filhos, um deles premorto, e este por sua vez havia deixado dois filhos, netos do de cujus, a herança será repartida em quatro, cabendo aos dois netos uma quarta parte da herança, que caberia ao pai deles se estivesse vivo. Se o pai deles, no entanto, está vivo na abertura da sucessão do de cujus, mas renuncia, considera-se que nunca existiu, como se o autor da herança tivesse deixado somente três filhos, dentre os quais a herança é repartida. Os netos, nessa segunda hipótese, nada recebem.
A ressalva da parte final do art. 1.811 também é desdobramento do artigo anterior. Se o renunciante é o único de determinado grau ou se todos do mesmo grau renunciarem, serão chamados a suceder os do grau seguinte, por direito próprio, por cabeça, não por representação. No exemplo, se renunciam os quatros filhos do de cujus, são chamados a suceder, por direito próprio, por cabeça, não por representação, todos os netos.
É admissível a renúncia parcial à herança?
Art. 1.808. Não se pode aceitar ou renunciar a herança em parte, sob condição ou a termo.
§ 1 o O herdeiro, a quem se testarem legados, pode aceitá-los, renunciando a herança; ou, aceitando-a, repudiá-los.
§ 2 o O herdeiro, chamado, na mesma sucessão, a mais de um quinhão hereditário, sob títulos sucessórios diversos, pode livremente deliberar quanto aos quinhões que aceita e aos que renuncia.
Comentários:
O artigo principia por estabelecer não ser possível parcial aceitação ou renúncia à herança. Do contrário, o herdeiro só aceitaria o ativo ou, então, renunciaria ao passivo, subvertendo o princípio de que herda o patrimônio do de cujus, incluindo o ativo e o passivo. Em seguida, veda a aceitação e renúncia condicionais ou a termo, ou seja, subordinadas a evento futuro e incerto ou futuro e certo. O intuito é impedir que a aquisição do patrimônio permaneça por longo período sem definição, a depender de termo ou condição.
Caso alguém acumule a qualidade de herdeiro e legatário, a herança e o legado serão considerados separadamente, para fins de aceitação e renúncia, de modo que poderá renunciar à herança e aceitar o legado, ou vice-versa. O § 2o representa novidade em relação ao CC/1916, resolvendo polêmica então existente. Os quinhões recebidos a títulos sucessórios diversos são considerados distintos para aceitação e renúncia. Suponha-se um herdeiro legítimo e também testamentário: poderá renunciar à deixa testamentária e aceitar a decorrente da lei; e, também, o inverso.
Cite as hipóteses de indignidade e diferencia-a do instituto da deserdação.
Art. 1.814. São excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários:
I - que houverem sido autores, co-autores ou partícipes de homicídio doloso, ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente;
II - que houverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou incorrerem em crime contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou companheiro;
III - que, por violência ou meios fraudulentos, inibirem ou obstarem o autor da herança de dispor livremente de seus bens por ato de última vontade.
Art. 1.962. Além das causas mencionadas no art. 1.814, autorizam a deserdação dos descendentes por seus ascendentes:
I - ofensa física;
II - injúria grave;
III - relações ilícitas com a madrasta ou com o padrasto;
IV - desamparo do ascendente em alienação mental ou grave enfermidade.
Art. 1.963. Além das causas enumeradas no art. 1.814, autorizam a deserdação dos ascendentes pelos descendentes:
I - ofensa física;
II - injúria grave;
III - relações ilícitas com a mulher ou companheira do filho ou a do neto, ou com o marido ou companheiro da filha ou o da neta;
IV - desamparo do filho ou neto com deficiência mental ou grave enfermidade.
Comentários ao art. 1.814:
Conceito e distinção da deserdação: sob o título “Dos Excluídos da Sucessão”, o capítulo trata das hipóteses e efeitos da indignidade. A indignidade é ato ilícito cometido pelo sucessor, a que se comina sanção de exclusão da sucessão em face de determinada herança. Justifica-se a sanção em casos nos quais a lei considera que houve, por parte do sucessor, ingratidão incompatível com a sucessão, em face do autor da herança ou familiares próximos dele. A indignidade se aplica a todos os tipos de sucessores: herdeiros legítimos e testamentários, e legatários. Difere da deserdação, porque esta, embora também seja hipótese de exclusão da sucessão, só tem aplicação a herdeiros necessários e, além disso, não decorre diretamente da lei, mas da vontade do autor da herança, manifestada em testamento. A exclusão abrange, inclusive, o direito real de habitação do cônjuge sobrevivente (art. 1.831).
Comentários ao art. 1.961:
Deserdação e indignidade: os herdeiros necessários também são excluídos da sucessão nos casos de indignidade. Apesar do mesmo efeito, há diferenças importantes entre deserdação e indignidade. A deserdação decorre de disposição testamentária; a indignidade, da lei. A deserdação só priva da sucessão herdeiros necessários; a indignidade, todo tipo de sucessor (herdeiros necessários, facultativos, testamentários e legatários). A causa da deserdação, devendo ser declarada por testamento, necessariamente antecede a abertura da sucessão; a da indignidade pode-lhe ser posterior. Todas as causas de indignidade justificam deserdação, como prevê expressamente o art. 1.961, mas, além delas, há outras causas de deserdação, arroladas nos arts. 1.962 e 1.963, que não configuram indignidade.
O reconhecimento da indignidade demanda ação própria ou pode ser realizado no próprio inventário?
Art. 1.815. A exclusão do herdeiro ou legatário, em qualquer desses casos de indignidade, será declarada por sentença.
§ 1 o O direito de demandar a exclusão do herdeiro ou legatário extingue-se em quatro anos, contados da abertura da sucessão.
§ 2 o Na hipótese do inciso I do art. 1.814, o Ministério Público tem legitimidade para demandar a exclusão do herdeiro ou legatário.
Comentários:
Necessidade de ação própria para reconhecimento da indignidade: a declaração da sanção por indignidade se faz por sentença, em ação própria, proposta contra o suposto indigno. Foi suprimida a menção, do Código anterior, à ação ordinária, levando José Luiz Gavião de Almeida a defender o reconhecimento da indignidade no inventário, desde que não seja questão de alta indagação, quando a ação própria se revelar desnecessária, havendo, por exemplo, sentença penal condenatória, com trânsito em julgado, por homicídio doloso (Código Civil comentado. São Pau-lo, Atlas, 2003, v. XVIII, p. 163). Respeitada essa posição, é possível o legislador não ter sido muito técnico no artigo em questão, mas a referência à sentença faz concluir que exige em todas as hipóteses ação própria, pois no curso do inventário a indignidade seria declarada por decisão interlocutória, que tecnicamente não é sentença, pois não põe fim ao processo. A própria previsão, no parágrafo único, de prazo decadencial, faz concluir que é indispensável o ajuizamento de ação própria.
Os herdeiro podem reclamar os bens da herança após ela ter sido declarada vacante?
Art. 1.820. Praticadas as diligências de arrecadação e ultimado o inventário, serão expedidos editais na forma da lei processual, e, decorrido um ano de sua primeira publicação, sem que haja herdeiro habilitado, ou penda habilitação, será a herança declarada vacante.
Art. 1.822. A declaração de vacância da herança não prejudicará os herdeiros que legalmente se habilitarem; mas, decorridos cinco anos da abertura da sucessão, os bens arrecadados passarão ao domínio do Município ou do Distrito Federal, se localizados nas respectivas circunscrições, incorporando-se ao domínio da União quando situados em território federal.
Parágrafo único. Não se habilitando até a declaração de vacância, os colaterais ficarão excluídos da sucessão.
Comentários ao art. 1.822:
A declaração de vacância produz como efeitos a transferência da guarda e administração dos bens arrecadados ao Poder Público e a exclusão definitiva, em face da sucessão, dos colaterais que até então não tiverem se habilitado. Os descendentes, ascendentes, cônjuge e companheiro sobreviventes poderão reclamar os bens nos cinco anos seguintes à abertura da sucessão. Também poderão reclamar os quinhões ou bens que lhes couberem, nesse prazo, os herdeiros testamentários e inclusive legatários, caso seja descoberto testamento no curso do processo de arrecadação da herança jacente, pois a exclusão definitiva, a partir da declaração de vacância, só se dá em face dos colaterais, como estatui o parágrafo único, norma restritiva que deve ser interpretada restritivamente. Decorrido o prazo de cinco anos da abertura da sucessão, os bens arrecadados se incorporam definitivamente ao patrimônio público, sem possibilidade de reclamação posterior de herdeiros ou legatários que venham a aparecer.
Na petição de herança, o autor pode reivindicar bens alienados a terceiros?
Art. 1.827. O herdeiro pode demandar os bens da herança, mesmo em poder de terceiros, sem prejuízo da responsabilidade do possuidor originário pelo valor dos bens alienados.
Parágrafo único. São eficazes as alienações feitas, a título oneroso, pelo herdeiro aparente a terceiro de boa-fé.
Comentários:
Herdeiro aparente é o que ostenta, perante todos, a situação de herdeiro, embora não o seja. É o que ocorre, por exemplo, quando os pais do de cujus recebem a herança e, depois, surge um filho deste (vitorioso, por exemplo, em ação de investigação de paternidade), com preferência na ordem de vocação hereditária. Os pais, nesse exemplo, eram herdeiros aparentes. Se haviam alienado bens da herança, preservam-se as alienações onerosas a adquirente de boa-fé, como meio de conferir segurança às relações jurídicas. Do contrário, isto é, se são alienações gratuitas ou a adquirente de má-fé, justifica-se a ineficácia delas, pois o que recebeu os bens por doação ou outra liberalidade não terá prejuízo com o reconhecimento da ineficácia, só ficará privado de uma vantagem.
Quanto ao adquirente de má-fé, não subsiste a alienação porque sabia estar adquirindo bem não pertencente ao alienante. Tendo por norte essas premissas, extraídas do parágrafo único, compreende-se a disposição do caput. Nos casos de ineficácia da alienação efetuada pelo herdeiro aparente, o verdadeiro herdeiro poderá reclamar os bens da herança do terceiro que os detiver. Terceiro que, necessariamente, será adquirente a título gratuito ou de má-fé. Se este tiver feito nova alienação do bem hereditário, a segunda alienação deverá ser analisada segundo os critérios do parágrafo único, preservando-a, portanto, se onerosa a terceiro subadquirente de boa-fé; considerada igualmente ineficaz se houve liberalidade ou feita a pessoa de má-fé.
No caso de regime de comunhão parcial, se o cônjuge falecido tiver deixado, além de bens comuns, bens particulares, o cônjuge sobrevivente terá direito de concorrer com os descendentes na sucessão de ambos?
Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: (Vide Recurso Extraordinário nº 646.721) (Vide Recurso Extraordinário nº 878.694)
I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;
II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
III - ao cônjuge sobrevivente;
IV - aos colaterais.
Comentários:
[…]
Concorrência com os descendentes e comunhão parcial: a primeira controvérsia relevante diz respeito ao casado pelo regime da comunhão parcial quando o autor da herança houver deixado bens particulares. Se deixou bens particulares, não está presente a exceção da parte final do inciso I e, portanto, o cônjuge concorre à he-rança. No entanto, em que medida? Há quem sustente que, nessa hipótese, o cônjuge concorre em face dos bens particulares e comuns, pois a norma não faz distinção (posição de diniz, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, v. VI: “Direi-to das sucessões”, 21. ed. São Paulo, Saraiva, 2007, p. 122; e de Carvalho neTo, Inácio de. Direito su-cessório do cônjuge e do companheiro. São Paulo, Método, 2007, p. 130-1).
Esse entendimento, porém, apegado à redação literal, acarreta grave contradição sistemática, pois, como visto, no regime da comunhão universal, o cônjuge não concorre, porque todos os bens são comuns. A se adotar esse entendimento, basta que, na comunhão parcial, haja um bem particular para o cônjuge concorrer em relação aos bens comuns inclusive, o que é de absurda incoerência, pois seria tratado mais favoravelmente do que o casado pela comunhão universal.
Tome-se o seguinte exemplo: o sujeito era proprietário de um veículo de valor irrisório e de dez imóveis valiosos, aquele adquirido antes do casamento, estes após. Se era casado pela comunhão universal, a viúva tem meação sobre todos os bens, sem concorrer à herança. A se adotar a orientação ora questionada, se eram casados pela comunhão parcial, a viúva teria a meação e mais uma cota hereditária sobre todos os imóveis, além da cota sobre o veículo. Para realçar ainda mais a incoerência, destaque-se que só terá a cota hereditária adicional sobre os dez imóveis por cau-sa do veículo. Se este não existisse, todos os bens seriam comuns e a viúva passaria a se enquadrar na exceção da parte final do inciso I.
É ilógico que a existência ou não de bens particulares, circunstância aleatória, possa ser o critério jurídico a diferenciar o tratamento em relação aos bens comuns. Essa solução teratológica só pode ser superada mediante análise sistemática, que mantenha a coerência entre as duas exceções, do casado pela comunhão universal e parcial. A coerência é preservada mediante aplicação da regra clara que se intui da norma: o cônjuge concorre nos bens particulares, não nos comuns. No regime da comunhão parcial, portanto, havendo bens particulares, a solução é a de se esta-belecer a concorrência do cônjuge com os descendntes nos bens particulares exclusivamente, não nos bens comuns, porque em relação a estes o cônjuge já está protegido pela meação.
[…]
Concorrência com descendentes, comunhão parcial e a posição assentada pelo STJ: o STJ, a quem incumbe pacificar a interpretação da lei federal, vinha apresentando julgados discrepantes sobre o tema. Por exemplo, no REsp n. 992.749 (rel. Min. Nancy Andrighi, j. 01.12.2009), sustentou-se que, na comunhão parcial, o cônjuge herdaria em concorrência com os descendentes nos bens comuns, não nos particulares, situação que é o oposto do que foi acima defendido. No REsp n. 974.241 (rel. Min. Honildo Amaral de Mello Castro, j. 07.06.2011), foi adotada posição contrária, assentando-se não concorrer o cônjuge com descendentes nos bens comuns, somente nos particulares.
Essa divergência de orientações permaneceu em outros julgados subsequentes, até que sobreveio julgado uniformizador, pela 2a Seção, que é a Seção que reúne a 3a e a 4a Turmas, as duas com competência para julgar causas relativas ao direito das sucessões. Trata-se do REsp n. 1.368.123, relator para o acórdão Ministro Raul Araújo, j. 22.04.2015 (cf. a ementa à frente, no tópico jurisprudência), tendo prevalecido por maioria (8 votos contra 1) o entendimento de que, no regime de comunhão parcial, na concorrência com descendentes, o cônjuge não concorre nos bens em face dos quais já está protegido pela meação, nos bens comuns, concorrendo somente nos bens particulares, de modo que, havendo bens comuns e particulares, separam-se uns e outros na operação da partilha, resguardando-se ao cônjuge meação nos bens comuns, partilhando-se a outra metade dos bens comuns exclusivamente entre os descendentes; recebendo o cônjuge, no acervo de bens particulares, cota hereditária concorrente com os descendentes. Por conseguinte, salvo eventual superação desse precedente do STJ, em princípio está pacificada no direito brasileiro essa posição interpretativa sobre o alcance do tópico final do inciso I do art. 1.829 do CC.
Como se dá a concorrência entre cônjuge e descendente quando o regime é da participação final nos aquestos?
Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: (Vide Recurso Extraordinário nº 646.721) (Vide Recurso Extraordinário nº 878.694)
I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;
II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
III - ao cônjuge sobrevivente;
IV - aos colaterais.
Comentários:
[…]
Concorrência e participação final nos aquestos: o inciso I não se refere ao regime de participação final nos aquestos criado pelo atual Código. Pelo silêncio, seria o caso, a princípio, de entender que, casado por esse regime, o cônjuge sobrevivente concorre com os descendentes em relação a todos os bens. Não pode ser essa a solução, porém, diante das peculiaridades desse regime.
Segundo o art. 1.672, durante o casamento, valem as regras da separação total de bens, mas, na dissolução da sociedade conjugal, inclusive pela morte (art. 1.685), há direito de meação nos bens adquiridos onerosamente durante o casamento. Na sucessão, portanto, a situação é a mesma da comunhão parcial. Ante essa identidade de situações, impõe-se a mesma solução legal: em relação aos bens comuns, em face dos quais tem meação e está protegido, o cônjuge não concorre com os descendentes, concorrendo somente em face dos bens particulares (cf. a opinião, por exemplo, de Euclides de Oliveira, op. cit., p. 110). O legislador não omitiu intencionalmente o regime da participação final nos aquestos, simplesmente se esqueceu de mencioná-lo.
Qual é o entendimento da jurisprudência quanto à existência, ou não, de direito sucessório do cônjuge casado sob o regime de separação convencional de bens?
Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: (Vide Recurso Extraordinário nº 646.721) (Vide Recurso Extraordinário nº 878.694)
I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;
II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
III - ao cônjuge sobrevivente;
IV - aos colaterais.
Comentários:
[…]
Separação convencional: uma vez que o inciso I exclui a concorrência no regime da separação obrigatória de bens, sem mencionar a separação convencional, passou-se a entender na doutrina que, sendo convencional, o cônjuge concorre à herança em todos os bens. Mantém-se, assim, a coerência com a regra geral enunciada: na separação convencional todos os bens são particulares, de modo que o viúvo não tem meação a resguardá-lo, devendo ser deferida cota hereditária para protegê-lo.
Ante a consagrada dicotomia entre separação obrigatória e convencional, aquela imposta pela lei a determinadas situações, esta resultante da opção dos nubentes em pacto antenupcial, a doutrina majoritária aponta equívoco na remissão, do inciso I do art. 1.829, ao art. 1.640, parágrafo único, pois a separação obrigatória está contemplada no art. 1.641 e o art. 1.640, parágrafo único, não diz respeito à separação obrigatória ou convencional. Diante desse equívoco que, à primeira vista, parecia evidente, o PL n. 699/2011 (reapresentação do PL n. 6.960/2002 e do PL n. 276/2007) propõe corrigir a remissão, passando a constar art. 1.641.
Essas conclusões que pareciam tranquilas foram refutadas pelo professor Miguel Reale, em artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo, de 12 de abril de 2003, no qual afirmou que a menção à separação obrigatória visa a abranger tanto a separação imposta por lei como a convencional. Argumenta o professor que, prevalecendo a concorrência na separação convencional, seria esvaziado o art. 1.687, que disciplina o regime de separação de bens, no momento crucial da morte de um dos cônjuges.
Respeitados o saber e a autoridade do ilustre professor, não é possível considerar incluída a separação convencional na expressão separação obrigatória. Em primeiro lugar, por ser, como se disse, consagrada em doutrina e jurisprudência a dicotomia entre as expressões “separação obrigatória”, imposta por lei, e “separação convencional”, sem se confundi-las. Assim sendo, não é possível, por maior que seja a autoridade da fonte histórica, adotar interpretação contrária ao texto expresso da lei. Por isso o professor propugnava que, não prevalecendo a posição por ele defendida, fosse alterado o inciso I, para excluir a expressão obrigatória (em razão da crítica por ele formulada, foi apresentado o PL n. 1.792/2007 para promover tal alteração, incluindo a separação convencional nas exceções à concorrência de cônjuge e descendentes, projeto esse que veio a ser arquivado).
Em segundo lugar, por não parecer verdade que a concorrência com os descendentes, no caso da separação convencional, esvazia o art. 1.687, que disciplina tal regime de bens. A separação convencional não acarretava, no regime do CC/1916, nem no atual, vedação a direito sucessório do cônjuge sobrevivente. Pelo contrário, o cônjuge figurava no Código anterior, e ainda figura no atual, na terceira classe da ordem de vocação hereditária e recolhe toda a herança à falta de descendentes e ascendentes, qualquer que seja o regime de bens. Além disso, no atual Código, como adiante será visto em detalhes, o cônjuge sempre concorre com ascendentes, qualquer que seja o regime de bens. No CC/1916 (art. 1.611, § 1o), o casado pela separação convencional tinha direito ao usufruto vidual; no Código atual, é assegurado a ele o direito real de habitação. Como se percebe nessas situações, não há incompatibilidade entre proteção patrimonial sucessória ao cônjuge sobrevivente e o regime de separação convencional. Diante disso, a ampliação dessa proteção, estendendo-lhe o direito à concorrência com os descendentes, não acarreta conflito com o art. 1.687.
Em terceiro e último lugar, é de se repisar o atual Código ter visado à proteção muito mais ampla do que a do sistema anterior ao cônjuge sobrevivente. Procurou, ainda, deferir-lhe cota hereditária, em concorrência com os descendentes, nos bens particulares, para que não fique desprotegido na viuvez. A concorrência na separação convencional está afinada com esses princípios. Seria incoerente assegurar ao casado pela comunhão parcial cota na herança dos bens particulares, ainda que sejam os únicos deixados pelo de cujus, e não conferir o mesmo direito ao casado pela separação convencional. Quando se casaram pela comunhão parcial, o intuito foi evitar a comunicação dos bens anteriores ao casamento. Apesar dessa opção dos nubentes, na sucessão, o viúvo terá participação hereditária nesses bens. Pela mesma razão deve ser assegurada cota na herança dos bens particulares quando se trata de separação convencional.
Esse debate, sobre a concorrência ou não do cônjuge com os descendentes na separação convencional, repercutiu na jurisprudência. Houve um primeiro precedente do STJ, acolhendo os argumentos do professor Miguel Reale, negando concorrência do cônjuge com descendentes no caso de separação convencional (REsp n. 992.749, rel. Min. Nancy Andrighi, 3a T., j. 01.12.2009). Mas julgados posteriores do STJ passaram a adotar posição oposta, até que sobreveio julgamento em embargos de divergência, pela 2a Seção, a que congrega a 3a e a 4a Turmas, as duas às quais incumbe julgar causas relativas a direito das sucessões, pacificando a questão (Ag. Reg. nos EREsp n. 1.472.945, rel. Min. Antônio Carlos Ferreira, 2a S., j. 24.06.2015, v.u.). Nesse julgado, o STJ decidiu pela concorrência do cônjuge com descen-dentes no regime da separação convencional e, ainda, que essa concorrência configura hipótese de sucessão necessária, ou seja, não pode ser afastada pela vontade dos nubentes, antes da abertura da sucessão, nem por testamento.
Essa posição consolidada pelo STJ, no entanto, traz ao sistema um problema grave, que provavelmente foi a fonte de preocupação do profes-sor Miguel Reale e da Min. Nancy Andrighi no precedente acima citado.
O problema, inexistente no sistema anterior, é que muitas vezes optam pela separação convencional pessoas maduras, que já têm patrimônios e renda próprios bastantes a seu sustento, frequentemente após casamentos ou uniões estáveis anteriores, com filhos exclusivos, não desejando de forma nenhuma comunicação patrimonial em propriedade plena, mesmo por sucessão hereditária. Operando-se essa concorrência necessariamente, é possível que o patrimônio do de cujus, passando em parte para o da viúva por exemplo, possa ser objeto de nova sucessão quando da morte desta, transmitindo-se a novo cônjuge dela, ou a seus filhos exclusivos. Esse risco de sucessivas transmissões hereditárias pode levar essas pessoas a desistirem do casamento, a desistirem da formação de nova família, efeito que essa hipótese de sucessão necessária pode causar. Esse risco não existia no sistema anterior, de concorrência do cônjuge com descendentes em usufruto vidual (CC/16, art. 1.611, § 1o), pois, ocorrendo novo casamento do cônjuge sobrevivente, ou com sua morte, o usufruto extinguia-se e a propriedade plena consolidava-se em mãos de filhos do de cujus, sem possibilidade de transmissão a filhos exclusivos do cônjuge sobrevivente ou a novo cônjuge ou companheiro dele.
Para remediar o inconveniente da concorrência em propriedade plena no atual CC, talvez a solução mais adequada seja admitir que, no pacto antenupcial, ou por sua posterior alteração, os cônjuges possam, nesse caso específico de separação convencional, renunciar antecipadamente à herança do outro. A questão ficaria, assim, relegada à opção dos nubentes. Deixaria de se tratar de hipótese de sucessão necessária.
É admissível a postulação de alimentos em face do espólio?
Seria possível argumentar que a tutela sucessória imperativa nos casos de separação convencional tem por finalidade assegurar ao cônjuge sobrevivente um mínimo de participação na herança, para lhe garantir subsistência digna, quase que em caráter alimentar. Para tal hipótese, a solução adequada, a nosso ver, seria a aplicação do art. 1.700 do CC, ou seja, se o sobrevivente não tem renda própria nem bens para sua subsistência, se era dependente financeiramente do de cujus, poderia postular o recebimento de alimentos, em caráter excepcional, calculados proporcionalmente às forças da herança. Como tivemos oportunidade de sustentar em dissertação de mestrado, defendida na Universidade de São Paulo em 2013, sob o título Sucessão necessária, orientação do professor Claudio Luiz Bueno de Godoy, esse art. 1.700, embora situado no livro do direito de família, cuida de instituto diretamente relacionado ao direito das sucessões, hipótese de legado legal de alimentos, em similitude ao legado testamentário de alimentos do art. 1.920, e seria importante válvula de escape do sistema, de aplicação excepcional e subsidiária, para atendimento de determinadas situações como a acima mencionada. Ocorre que o STJ, no REsp n. 1.354.693, j. 26.11.2014, por maioria de votos, em julgamento de sua 2a Seção, contrariando posição doutrinária e jurisprudencial dominantes até então, acolheu a interpretação mais restritiva existente sobre o alcance desse art. 1.700, restringindo sua aplicação a alimentos vencidos e não pagos até a abertura da sucessão, o que significou, em termos práticos, a inutilização da norma, tornando-a inaplicável em diversas situações-limite, abrindo flancos no sistema, causando risco de deixar totalmente desprotegidas pessoas vulneráveis que eram sustentadas pelo de cujus. É o caso do sujeito abastado, com vários imóveis e que destina um dos diversos aluguéis para o sustento de um irmão inválido, sem bens e sem renda. Morrendo o alimentante, seus bens são herdados por seus filhos, os quais não são obrigados a prestar alimentos ao tio inválido, ainda que haja sobra suficiente na herança, porque não há obrigação alimentar além do segundo grau de parentesco (art. 1.697) e o tio é parente de terceiro grau. Seria o caso, ainda, ora abordado, do cônjuge sobrevivente casado por separação total, ao qual não restou renda nem bens, e que era sustentado pelo de cujus.
É importante ressalvar que, pela posição consolidada pelo STJ no referido julgado, afirmando que o casado por separação total concorre necessariamente com descendentes, e salvo se a questão vier a ser reexaminada pelo viés constitucional acima defendido, há grande probabilidade de que eventual pacto antenupcial com renúncia à concorrência com descendentes na separação convencional venha a ser considerado inválido pelo Judiciário, nesse particular aspecto.
Art. 1.700. A obrigação de prestar alimentos transmite-se aos herdeiros do devedor, na forma do art. 1.694.
Art. 1.920. O legado de alimentos abrange o sustento, a cura, o vestuário e a casa, enquanto o legatário viver, além da educação, se ele for menor.
Comentários ao art. 1.845 (Art. 1.845. São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge.):
c) e, por último, em nossa opinião, o legado legal ou legado ex lege de alimentos, do art. 1.700 do CC. Embora essa norma esteja situada no Livro “Do Direito de Família”, cuida de hipótese de transmissão de obrigação de alimentos por sucessão hereditária, situação similar à do legado testamentário de alimentos do art. 1.920 do CC. A norma do art. 1.700 é objeto de acirrada polêmica interpretativa, na doutrina e jurisprudência (cf. os respectivos comentários, nesta obra). Em nossa opinião, esmiuçada na referida dissertação, a obrigação de prestar alimentos, desse art. 1.700, entre outros aspectos: (I) transmite-se nos limites das forças da herança; (II) aplica-se somente a alimentos contemporâneos à abertura da sucessão, devidos a cônjuge, companheiros e parentes; (III) não se confunde com o pagamento das dívidas do espólio; (IV) os alimentos incidem sobre todo o acervo hereditário, não somente sobre os frutos dos bens transmitidos; (V) são arbitrados de acordo com as possibilidades do acervo hereditário e as necessidades do legatário alimentando; (VI) podem ser negados se o alimentando também é herdeiro e recebe quinhão hereditário suficiente para atender suas necessidades alimentares; (VII) têm aplicação subsidiária, para os casos nos quais não haja outro parente de grau igual ao de cujus que possa arcar com alimentos; (VIII) oneram herdeiros, necessários, legítimos facultativos, testamentários e legatários, mas deve ser observado o grau de hierarquia dos títulos sucessórios, de modo que, havendo, por exemplo, herdeiros necessários e testamentários, os alimentos oneram a estes preferencialmente, e aqueles somente em caráter subsidiário; (IX) o arbitramento impõe juízo de ponderação entre os interesses em conflito, como no caso de alimentos em favor de irmão do de cujus, mas cujo pagamento pode comprometer a subsistência de filhos menores, que eram dependentes do autor da herança, hipótese na qual o legado legal de alimentos pode vir a ser negado.
JURISPRUDÊNCIA:
DIREITO CIVIL. AÇÃO DE ALIMENTOS. ESPÓLIO. TRANSMISSÃO DO DEVER JURÍDICO DE ALIMENTAR. IMPOSSIBILIDADE. 1. Inexistindo condenação prévia do autor da herança, não há por que falar em transmissão do dever jurídico de prestar alimentos, em razão do seu caráter personalíssimo e, portanto, intransmissível. 2. Recurso especial provido. (REsp 775180/MT, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA, julgado em 15/12/2009, DJe 02/02/2010)
No regime de separação obrigatória de bens, pode-se reconhecer o direito do cônjuge de concorrer com os descendentes na herança, apesar da literalidade do art. 1.829, I, do CC?
Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: (Vide Recurso Extraordinário nº 646.721) (Vide Recurso Extraordinário nº 878.694)
I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;
II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
III - ao cônjuge sobrevivente;
IV - aos colaterais.
Comentários:
[…]
Separação obrigatória: nas hipóteses que enuncia, o art. 1.641 impõe o regime de separação de bens no casamento. Essas hipóteses são as seguintes: das pessoas que se casam com violação das causas suspensivas do art. 1.523 (similares aos impedimentos impedientes do CC/1916), a do maior de 70 anos (inciso II do art. 1.641, com a redação que lhe deu a Lei n. 12.344/2010) e a de todos que dependerem para casar de suprimento judicial. Nesse regime, pela interpretação literal do inciso I do art. 1.829, o cônjuge sobrevivente não concorre à herança com os descendentes. A explicação na doutrina para essa exceção é: se o legislador impôs o regime de separação obrigatória no casamento, abriria brecha caso permitisse a comunicação de patrimônios particulares na sucessão causa mortis. Parece realmente esse o intuito da disposição legal.
Essa solução, no entanto, não é coerente, pois o cônjuge concorre com ascendentes sempre, qualquer que seja o regime de bens, mesmo na separação obrigatória. Recolhe toda a herança, mesmo casado pela separação obrigatória, se não houver descendentes e ascendentes. É herdeiro necessário e tem direito real de habitação independentemente do regime de bens. Não há nenhuma incompatibilidade, como se vê, entre o regime de separação obrigatória e o direito sucessório do cônjuge supérstite.
Trata-se da única exceção à regra geral mencionada, do cônjuge concorrer com os descendentes nos bens particulares, não nos comuns: na separação obrigatória, não concorre, em tese, nos particulares. Essa disposição legal, se interpretada literalmente, acarreta graves problemas e incoerências, pois a separação obrigatória é imposta para proteção de um ou de ambos os nubentes e a exceção no direito sucessório pode prejudicar justamente aquele a quem o regime de bens visa a proteger. Tome-se o exemplo da adolescente que, aos 14 anos, casa-se com suprimento judicial de idade, por causa de gravidez. O casamento será realizado pelo regime da separação obrigatória de bens para protegê-la, em sua imaturidade, do marido talvez interessado unicamente em seu patrimônio. No entanto, se ela ficar viúva não concorrerá à herança com seus descendentes. A adolescente receberá, nesse caso, tratamento pior do que pessoas maduras que se casam fazendo opção pela separação total de bens (pois, na separação convencional, como visto, o viúvo herda parte dos bens particulares).
Outro exemplo é o do septuagenário, a quem a lei impõe separação obrigatória, para protegê-lo do cônjuge mais novo, que pode estar interessado unicamente no patrimônio dele. Se o mais jovem morre primeiro, o idoso não herdará em concorrência com os descendentes. É inadmissível que a lei feita para proteger alguém possa ser aplicada de modo a prejudicá-lo.
Para reparar esse absurdo, é preciso concluir que, na separação obrigatória, o cônjuge que se visa a proteger com esse regime concorre nos bens particulares. Essa é a solução apontada para o problema pelo coautor desta obra, Hamid Charaf Bdine Júnior. Não há incoerência em estabelecer que um dos cônjuges (o que a lei visa a proteger) tem direito sucessório e o outro não, pois é isso o que acontece, por exemplo, no casamento putativo, quando um cônjuge está de boa-fé e o outro não (art. 1.561, § 1o). É possível vislumbrar a possibilidade, inclusive, de situação na qual os dois cônjuges incidem em hipóteses de separação obrigatória, por exemplo, se os dois casarem com suprimento de idade ou consentimento, ou se ambos se casaram com mais de 70 anos de idade. Nesses casos, a vedação à concorrência com os descendentes não poderá ser aplicada em relação a nenhum deles.
Se, antes do decurso do prazo de separação de fato de um casal, um dos consorte falece, terá o outro direito de concorrer com os descendentes à herança, não obstante a separação de fato?
Art. 1.830. Somente é reconhecido direito sucessório ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estavam separados judicialmente, nem separados de fato há mais de dois anos, salvo prova, neste caso, de que essa convivência se tornara impossível sem culpa do sobrevivente.
Comentários:
Separação de fato por dois anos: em segundo lugar, cessa o direito sucessório do cônjuge, também, se, ao tempo da abertura da sucessão do outro, estavam separados de fato há dois anos. Assim, a contrario sensu, nesses dois anos subsiste o direito do cônjuge sobrevivente.
Há incoerência na fixação do prazo de dois anos, pois, no regime anterior à EC n. 66/2010, o decurso do prazo de um ano de separação de fato era suficiente para se postular separação judicial litigiosa, sem perquirição de culpa, no pressuposto de que, transcorrido esse prazo, não havia mais a comunhão plena de vida, efeito do casamento (art. 1.511). A incongruência se acentua a partir da EC n. 66/2010, ante a interpretação de que o divórcio se tornou admissível sem necessidade de transcurso de prazo mínimo e sem discussão de culpa, podendo ser postulado, por exemplo, no dia seguinte ao casamento. Também há contradição entre a fixação de dois anos de separação de fato para perda do direito sucessório quando a lei autoriza que o cônjuge separado de fato possa, logo após a separação de fato, constituir união estável (art. 1.723, § 1o).
A prevalecer a interpretação literal do art. 1.830, será possível a subsistência do direito sucessório do cônjuge durante dois anos e, antes de findo esse prazo, estar caracterizada união estável do autor da herança, o que resultará na concorrência à sucessão entre cônjuge e companheiro sobrevivente.
Suponha-se, por exemplo, o autor da herança, casado pela comunhão universal, proprietário de imóvel antes da separação de fato. Constitui união estável antes de dois anos e adquire mais um imóvel. Em relação ao imóvel anterior à separação de fato, a esposa terá meação. A outra metade constituirá a herança, que será deferida integralmente aos filhos, sem concorrência da esposa, por já ter meação. Quanto ao segundo imóvel, a companheira é que tem meação, pois, na união estável, salvo pacto escrito em contrário, valem as regras da comunhão parcial de bens (art. 1.725). A outra metade comporá a herança. Essa metade do segundo imóvel, que compõe a herança, em face da esposa, será considerada como bem particular, a prevalecer o entendimento de que os bens adquiridos durante a separação de fato não se comunicam. Em tese, portanto, a esposa teria uma cota hereditária, em concorrência com os filhos, em face dessa parte da herança. Cônjuge e companheira poderão, nesse exemplo, tor-nar-se condôminas do mesmo imóvel.
Para evitar essa situação absurda, a interpretação possível, a harmonizar o art. 1.830 com o art. 1.723, § 1o, é a de permanecer o direito sucessório do cônjuge por dois anos se nesse prazo não houver o autor da herança constituído união estável. Se houver união estável, cessa o di-reito do cônjuge antes dos dois anos, por rompido o vínculo afetivo, que é o valor fundador do direito familiar e, por extensão, do direito sucessório. A formação de união estável é a demonstração inequívoca da ruptura dos laços afetivos com o cônjuge. Surgindo direito sucessório do companheiro, é incompatível com a subsistência do direito do cônjuge.
Se o de cujus deixar mais de um imóvel residencial para inventarias, terá o cônjuge direito real de habitação?
Art. 1.831. Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar.
Comentários:
[…]
Único imóvel residencial a inventariar: como observa José Luiz Gavião de Almeida, a parte final do artigo não pode ser aplicada literalmente. Estabelece que haverá o direito real de habitação no imóvel residencial se for o único dessa natureza a inventariar. A limitação ao único imóvel a inventariar é resquício do Código anterior, pois o direito real de habitação era conferido exclusivamente ao casado pela comunhão universal. Casado por esse regime, o viúvo tem meação sobre todos os bens. Havendo mais de um imóvel, é praticamente certo que ficará com um deles, em pagamento de sua meação, o que lhe assegura moradia. Nessa hipótese, não tem necessidade do direito real de habitação. No atual Código, porém, estendido esse direito a todos os regimes de bens, não há sentido, por exemplo, em negar o direito real de habitação ao casado pela separação de bens, se houver mais de um imóvel residencial a inventariar. Com mais razão deve lhe ser assegurada tal proteção se houver mais de um imóvel. Como também observa esse jurista, com inteira razão, o viúvo, na hipótese de vários imóveis, não poderá escolher sobre qual pretende fazer recair o direito real, embora possa exigir um que seja de conforto similar àquele em que morava (Código Civil comentado. São Paulo, Atlas, 2003, v. XVIII, p. 219-20).
Como se dá a concorrência do cônjuge com ascendentes na sucessão?
Art. 1.837. Concorrendo com ascendente em primeiro grau, ao cônjuge tocará um terço da herança; caber-lhe-á a metade desta se houver um só ascendente, ou se maior for aquele grau.
Há alguma distinção no direito dos irmãos bilaterais e dos irmãos germanos na sucessão?
Art. 1.841. Concorrendo à herança do falecido irmãos bilaterais com irmãos unilaterais, cada um destes herdará metade do que cada um daqueles herdar.
Quem são os herdeiros necessários?
Art. 1.845. São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge.
O renunciante à herança de uma pessoa poderá representá-la na sucessão de outra?
Art. 1.856. O renunciante à herança de uma pessoa poderá representá-la na sucessão de outra.
O reconhecimento da nulidade de testemento está sujeita a prazo decadencial?
Art. 1.859. Extingue-se em cinco anos o direito de impugnar a validade do testamento, contado o prazo da data do seu registro.
Comentários:
O artigo fixa em cinco anos o prazo para impugnação da validade do testamento. O prazo é de decadência, não de prescrição, distinção fundamental ante a disciplina diferenciada de cada um dos institutos (cf. arts. 189 a 196, sobre prescrição; e 207 a 211, sobre decadência).
Ao se referir à arguição de invalidade do testamento, sem fazer diferenciação, o artigo contempla as hipóteses de nulidade e anulação. Se pretendesse referir-se exclusivamente às hipóteses de anulabilidade, não teria sido empregada a expressão genérica impugnação da validade. No plano da invalidade estão os negócios jurídicos nulos e os anuláveis. Nesse sentido, as lições de Zeno Veloso (Comentários ao Código Civil. São Paulo, Saraiva, 2003, v. XXI, p. 21); e Ana Cristina de Barros Mon-teiro França Pinto, atualizadora da obra de Wa-shington de Barros Monteiro (Curso de direito ci-vil, 35. ed. São Paulo, Saraiva, 2003, v. VI, p. 127).
Fixando prazo decadencial para arguição de nulidade absoluta, o artigo estabelece exceção à regra geral de o ato nulo não convalescer pelo decurso do tempo (art. 169). O testamento nulo, portanto, pode ser sanado se a nulidade não for arguida em cinco anos.
Zeno Veloso (op. cit., p. 27) observa com acuidade a importância da distinção entre testamento nulo (o que tem defeito em sua formação) e inexistente (que, apesar da aparência de testamento, não chegou a se formar), pois a inexistência não se convalida com o decurso do tempo, dando o ilustre jurista, como exemplo de inexistência, entre outros, o caso de testamento em que a assinatura do testador é falsa.
O termo inicial do prazo de cinco anos é a data do registro do testamento. Aberta a sucessão, os testamentos devem ser registrados por ordem judicial, em procedimento de jurisdição voluntária, disciplinado nos arts. 1.125 a 1.134 do CPC/73 (arts. 735 a 737 do CPC/2015; nem todos os arts. possuem correspondente no CPC/2015).
Cuidando parcialmente do mesmo tema do art. 1.859, o art. 1.909 e seu parágrafo único dispõem que a ação anulatória de disposições testamentárias inquinadas de erro, dolo ou coação tem prazo decadencial de quatro anos, contados da data na qual o interessado tiver conhecimento do vício. Trata-se de contradição aberrante, pois o termo inicial do prazo pode ser bem posterior à data do registro do testamento, de modo que o prazo para anulação, nessas hipóteses de erro, dolo ou coação, pode suplantar os cinco anos do prazo para arguição de nulidade absoluta. O PL n. 699/2011 (reapresentação do PL n. 6.960/2002 e do PL n. 276/2007) visa a sanar esse equívoco, estabelecendo prazo para impugnação do testamento por nulidade de cinco anos e para anulação quatro, ambos os prazos contados do registro do testamento.
Os portadores de deficiência mental têm capacidade para testar?
Art. 1.860. Além dos incapazes, não podem testar os que, no ato de fazê-lo, não tiverem pleno discernimento.
Parágrafo único. Podem testar os maiores de dezesseis anos.
Comentários:
O artigo trata da capacidade testamentária ativa. A regra é a capacidade para testar, a incapacidade é a exceção, nas hipóteses enunciadas no artigo. Não têm capacidade testamentária ativa: os incapazes (todos eles, visto que a lei não distingue entre incapacidade absoluta e relativa), com exceção dos menores púberes, entre 16 e 18 anos, que têm plena capacidade testamentária pela ressalva expressa do parágrafo único; e os que, por causa transitória e eventual (embriaguez, uso de tóxicos etc.), não estão, ao testar, em seu pleno discernimento.
Zeno Veloso tacha de equívoco gravíssimo a inclusão dos relativamente incapazes dentre os que não podem testar, entendendo não haver razão para lhes vedar a capacidade testamentária ativa (Comentários ao Código Civil. São Paulo, Sa-raiva, 2003, v. XXI, p. 29-30). No mesmo sentido, Célia Barbosa Abreu considera descabida a vedação à capacidade testamentária ativa aos relativamente incapazes, tratados de forma diversa dos menores púberes, aos quais o parágrafo único reconhece essa capacidade (Curatela e interdição civil. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2009, p. 171-2). Respeitadas essas abalizadas opiniões, parece que a crítica não procede, pois não têm pleno discernimento os ébrios habituais, os viciados em tóxicos e os que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade (hipóteses dos incisos II e III do art. 4o). Zeno Veloso pondera que o ébrio habitual e o toxicômano podem não estar sob efeito, respectivamente, do álcool ou de tóxicos, ao fazer o testamento, mas a hipótese do inciso II do art. 4o é dos alcoólatras e toxicômanos que, por força da dependência dessas substâncias, não têm mais o pleno discernimento, mesmo quando não estão sob o efeito delas.
[…]
O testamento elaborado por quem não tem capacidade testamentária ativa é nulo e não se convalida pela capacidade superveniente, como expressamente prevê o art. 1.861.
Se houver curatela, basta, para reconhecimento da nulidade, a prova de que já havia sido determinada, observando-se os limites nela estabelecidos, verificando-se se estabelecida restrição para testar. Se não estava à época submetido à curatela, deverá ser feita prova cabal de prejuízo ao pleno discernimento, por doença mental, por exemplo. Não se admite, em relação aos submetidos a curatela por enfermidade ou deficiência mental, a alegação de validade de atos praticados em intervalos lúcidos, por ser discutível a plena sanidade nesses intervalos, nos quais os sintomas da doença mental não se manifestam, e, também, pela insegurança jurídica que tal alegação gera.
Sílvio de Salvo Venosa (Direito civil, 3. ed. São Paulo, Atlas, 2003, v. VII, p. 142-3) defende, com razão, a validade do testamento feito por interditado que se curou da enfermidade mental, antes do levantamento da interdição, provada cabalmente a plena capacidade ao tempo do testamento. Sendo válido o testamento, também, antes do levantamento da interdição, daquele que está interditado por não poder exprimir sua vontade, por exemplo, da pessoa que sai do estado de coma. O atual Código criou a figura da curatela a pedido do curatelado (art. 1.780), a fim de facilitar a vida do enfermo ou portador de deficiência física, que, nesses casos, preserva o pleno discernimento e, portanto, a capacidade de testar.