Intestinos - 2 Flashcards
Fator envolvido na gênese das DII:
Desregulação da imunidade da mucosa intestinal, que leva ao surgimento de um processo inflamatório espontâneo provavelmente direcionado contra os germes da microbiota fisiológica
Principal fator de risco para DII:
História familiar positiva (presente em 10-25% dos casos)
Epidemiologia das DII:
- Predominam em pessoas brancas, especialmente judeus
- 2 picos de incidência: 15-40 (principal) e 50-80 anos
- RCU predomina em homens e DC em mulheres
- Marcador genético: NOD2/CARD15 (fortemente associado à DC
Associação entre cigarro e DII:
O fumo protege contra a RCU mas está associado à DC
Associação entre AINE e DII:
Estas drogas podem causar reagudizações das DII e contribuem para o surgimento de doença refratária
Apendicectomia prévia versus DII:
Apendicectomia parece proteger contra RCU
Gastroenterite aguda versus DII:
Certas gastroenterites graves podem servir como estopim para desregulação da imunidade mucosa em indivíduos geneticamente predispostos
Características anatomopatológicas da RCU:
-Doença exclusiva do cólon
-Doença exclusiva da mucosa
-Acometimento ascendente, uniforme e contínuo (sem áreas de mucosa normal entremeadas)
-Em 40-50% dos casos se restringe à mucosa retal (proctite) ou atinge sigmoide (proctosigmoidite)
-30-40%: colite esquerda
-20-30%: pancolite (em alguns casos de pancolite, pode haver comprometimento do delgado distal»_space; ileíte de refluxo)
Obs.: em caso de terapia tópica com enemas de glicocorticoides, pode ocorrer RCU com reto intacto
Aspecto macroscópico das lesões da RCU:
-Desaparecimento do padrão vascular
-Hiperemia, edema, ulcerações/erosões, mucosa friável
-Pseudopólipos secundários ao processo inflamatório em alguns casos
-Mucosa pálida, atrófica (cronicidade)
Obs1.: com o tratamento, a recuperação começa pela extremidade proximal, sendo o reto o último segmento a apresentar melhora
Obs2.: na RCU de longa duração pode ocorrer displasia epitelial»_space; fator de risco para neoplasia
Aspecto radiográfico da RCU de longa duração:
- Perda das haustrações
- Espessamento da m. lisa com aspecto de “cano de chumbo”
Características anatomopatológicas da DC:
- Pode acometer qualquer parte do tubo digestivo (da boca ao ânus)
- Não acomete o TGI de maneira homogênea (pode haver alterações microscópicas à distância dos locais de alteração macroscópica
- Lesões salteadas
- Alterações inflamatórias tipicamente transmurais (pode complicar com estenoses de alças e formação de fístulas)
- 1/3 dos pacientes apresenta fístulas perianais (diferencia da RCU)
- Granulomas não caseosos em biópsias em até 30% dos casos
- Acometimento predominante em cavidade oral (em 5% dos casos)
- Invasão da serosa por tecido adiposo
Lesão inicial da DC:
Úlceras aftoides. Podem evoluir de duas maneiras:
1- extensão lateral de forma linear»_space; aspecto de “pedras de calçamento”
2- Aprofundamento através das camadas da parede intestinal (podendo formar fístulas para mesentério e órgãos vizinhos)
Locais mais acometidos pela DC:
Íleo distal e cólon ascendente
Manifestações clínicas da RCU:
-Episódios de diarreia invasiva (com sangue, muco e pus) intercalados por períodos assintomáticos. Pode estar acompanhada de febre.
-Em geral, início insidioso dos sintomas
-Tenesmo e cólicas abdominais baixas
-Anemia ferropriva (perda crônica de sangue)
-Hipoalbuminemia nas colites extensas (perda de proteína por exsudação a partir de um cólon inflamado)
Obs.: se tiver acometimento só de retossigmoide, as fezes podem estar endurecidas e haver constipação
Manifestações clínicas da DC:
- Diarreia crônica invasiva
- Dor abdominal
- Febre, anorexia e perda de peso
- Massa palpável em QID (pode ser uma alça edemaciada ou um abscesso intra-abdominal)
- Doença perianal
Obs.: o acometimento extenso e crônico do intestino delgado pode levar à síndrome disabsortiva grave»_space; desnutrição e debilidade crônica.
Complicações das DII:
- Sangramentos (hematoquesia é muito mais comum na RCU)
- Megacólon tóxico
- Estenoses
- Fístula
- Câncer
Como surge o megacólon tóxico:
Surge devido ao acometimento da camada muscular pelo processo inflamatório. Todo o cólon ou parte dele pode se dilatar (principalmente transverso e cólon direito)
Obs.: o megacólon tóxico deve ser tratado clinicamente de maneira intensiva. Ausência de resposta em 12-24 horas»_space; colectomia
Obs.: apesar de a protocolectomia ser curativa na RCU, ela não deve ser feita na vigência de um quadro franco de megacólon tóxico. Deve-se ressecar a área afetada (colectomia subtotal) com ileostomia terminal e fechamento à Hartmann do coto retal.
Obs.: na fase aguda de uma colite deve-se evitar o uso de antidiarreicos, pelo risco de causarem megacólon tóxico
Critérios diagnósticos do megacólon tóxico:
-Distensão colônica > 6 cm da radiografia Pelo menos 3 dos seguintes: -Febre > 38 -FC > 120 -Leucocitose com neutrofilia -Anemia Pelo menos 1 dos seguintes: -Desidratação -Alteração do nível de consciência -Distúrbios eletrolíticos -Hipotensão arterial Obs.: agentes que promovem hipomotilidade (codeína, anticolinérgicos) devem ser evitados
Quais as complicações do megacólon tóxico?
Perfuração e peritonite séptica
Estenoses nas DII:
Decorrem do comprometimento repetitivo e grave dos planos profundos da parede intestinal. Mais comuns na DC
-Sintomas de obstrução intestinal parcial
Fístulas nas DII:
As fístulas transmurais são típicas da DC. Podem resultar em massas inflamatórias e abscessos. Fístulas mais comuns: -Enteroentéricas -Enterovesicais -Enteromesentéricas -Enterocutâneas -Retovaginais -Fístulas e abscessos perianais
Obs.: a DC pode se apresentar inicialmente, em alguns casos, a partir de uma fístula enterocutânea no pós-operatório de apendicectomia (apendicite diagnosticada de forma errônea)
Câncer e RCU:
Essa complicação está associada a 2 fators:
- Extensão do acometimento da mucosa
- Duração da doença (> 8 anos)
- *A gravidade do episódio inicial não é fator de risco para o câncer de cólon
- O risco de CA de cólon é ainda maior quando há colangite esclerosante associada
- Colono e biópsias de vigilÂncia são feitas depois de 8 anos de RCU e repetidas a cada 1-2 anos.
- Se encontrar displasia > repetição do exame
- Displasia confirmada > colectomia
Câncer e DC:
DC também aumenta o risco de adenocarcinoma colorretal, porém a magnitude do risco não é tão acentuada como na RCU. A mesma conduta profilática (colono a cada 1-2 anos após 8 anos) é indicada
Gravidez e DII:
- A RCU em atividade tende a piorar durante o período gravídico.
- O uso de sulfassalazina e corticóides não está contraindicado
- Deve-se repor ácido fólico (a sulfassalazina interfere com a absorção desta substância)
Manifestações articulares das DII:
Presentes em 25% dos pacientes
-Oligoartrite periférica (principalmente grandes articulações de membros inferiores) > tem relação com a atividade da doença
-Espondilite anquilosante > não tem relação com a atividade da doença
Obs.: em geral a artrite é não deformante, com caráter migratório e o líquido sinovial mostra apenas processo inflamatório
Manifestações cutâneas das DII:
15% dos pacientes
- Eritema nodoso: tem relação com a atividade da doença
- Pioderma gangrenoso (mais comum na RCU): úlceras em geral indolores; não tem relação com a atividade da doença
- Úlceras aftosas orais
Manifestações oculares das DII:
5% dos pacientes
- Uveíte (não tem relação com a atividade da doença)
- Conjuntivite
- Episclerite
Manifestações hepáticas das DII:
Elevação das provas de função hepática > normalmente representam hepatite focal e esteatose hepática (lesões não progressivas).
Pode ocorrer condições inflamatórias das vias biliares:
-Pericolangite
-Colangite esclerosante: inflamação progressiva das vias biliares (extra e/ou intra-hepáticas) > obstrução biliar. Clínica: icterícia; episódios intermitentes de colangite. Transaminases e FA muito elevados. Diagnóstico por CPRE ou colangiografia trans-hepática. É o principal fator de risco para o surgimento de colangiocarcinoma
Manifestações renais das DII:
- Cálculos de oxalato de cálcio: má absorção > hiperoxalemia > hiperoxalúria > cálculos; É uma complicação da enterite de Crohn (acomete o delgado)
- Cálculos de ácido úrico
- Uropatia obstrutiva
Outras manifestações extra-intestinais das DII:
- Osteoporose/osteomalácia
- Retardo de crescimento em crianças
- Hipercoagulabilidade > TVP, TEP, AVC…
Diagnóstico da RCU:
- Retossigmoidoscopia com biópsias (comprometimento uniforme e contínuo com perda do padrão vascular da mucosa, friabilidade, ulcerações e pseudopólipos em casos avançados).
- Colonoscopia com biópsias: indicada em suspeita de doença grave (6 ou mais evacuações por dia), mas é contraindicada na suspeita de megacólon tóxico.
Diagnóstico da DC:
-Ileocolonoscopia com biópsias (comprometimento salteado, com úlceras aftosas que podem coalescer e dar o aspecto de pedras de calçamento).
Podem ser encontrados granulomas não caseosos no histopatológico.
Exames de imagem que auxiliam no diagnóstico das DII:
-Êntero-TC e Êntero-RM
Marcadores sorológicos que auxiliam no diagnóstico das DII:
- p-ANCA: mais associado à RCU. indica pior prognóstico
- ASCA: mais associado à DC
- Anti-OmpC e anti-CBir1: mais associados à DC; indicam pior prognóstico
Diagnósticos diferenciais das DII:
- ´Sindrome do cólon irritável
- Infecção entérica (Salmonella, Shigella, Campylobacter, Yersinia, Clostridium)
- Amebíase
- TB intestinal
- Apendicite (casos de DC muito aguda)
- Hemorroidas
- Linfoma intestinal
- Doença celíaca
- Colite isquêmica
Derivados do 5-ASA
- O ácido 5-aminosalicílico é um anti-inflamatório de ação tópica na mucosa intestinal.
- Podem ser usados tanto na indução de remissão como na manutenção de remissão
- Promovem inibição da cascata do ácido aracdônico; diminuição da produção de radicais livres; inibição da produção de IL-1…
- Efeitos colaterais são incomuns (náuseas, rash cutâneo, diarreia, pancreatite e NIA
- 2 grupos: não ligados a radicais de sulfa (mesalazina) e ligados a radicais de sulfa (sulfassalazina, olsalazina, balsalazina)
Glicocorticóides
Devem ser usados apenas para indução da remissão nas DII moderadas a graves, visando a rápida melhora da inflamação
- Via intravenosa: casos mais graves; hidrocortisona ou metilprednisolona
- Via oral: budesonida (principal) ou prednisona. Prefere-se a budesonida pois tem potente ação anti-inflamatória tópica e grande metabolismo hepático de primeira passagem»_space; menos efeitos colaterais e pouca ou nenhuma inibição do eixo hipotalâmico-hipofisário-adrenal
Imunomoduladores:
- Tiopurinas (azatioprina e mercaptopurina): tto de DII moderada a grave em combinação com um agente anti-TNF ou em pacientes que não conseguem fazer o desmame do glicocorticoide. Antes de iniciar o uso das tiopurinas, tem que dosar a atividade da TPMT (enzima que metaboliza)
- Metotrexato: imunomodulador de segunda linha no tto das DII (para pacientes que não toleram as tiopurinas). Via subcutânea. Pode causar náuseas, vômitos, estomatite, infecções oportunistas; tem que repor ácido fólico
Agentes biológicos anti-TNF:
-Infliximab: IgG monoclonal quimérica; via IV. Pode causar reações adversas agudas, em geral leves (cefaleia, t’onteira, palpitações, náuseas). As reações ocorrem com menor frequência no uso concomitante com imunomoduladores
-Adalimumab e golimumag: IgG monoclonais 100% humanas. Via subcutânea
Essas drogas causam risco aumentado de infecções oportunistas por patógenos intracelulares: TB (principal), candidíase, histoplasmose…
Antes de prescrever é obrigatório investigar infecção latente por TB»_space; fazer PPD e raio-x de tórax
Agentes biológicos anti-integrina:
Inibem o tráfego de leucócitos do intravascular para os tecidos»_space; reduz a inflamação
- Natalizumab: bloqueia o fluxo de células inflamatórias tanto no leito gastrointestinal quanto no leito cerebral»_space; maior risco de neuroinfecções oportunistas (ex.: LEMP)
- Vedolizumab: bloqueia de maneira seletiva o tráfego de leucócitos apenas no leito gastrointestinal.
Classificação de gravidade da DC
- Leve a moderada: tolera dieta oral, sem sinais de desidratação, sem sinais de inflamação sistêmica
- Moderada a grave: sinais de inflamação sistêmica (febre), náuseas, vômitos, hipersensibilidade abdominal, perda ponderal > 10%
- Grave a fulminante:paciente toxêmico (febre alta, prostração), vômitos persistentes, obstrução intestin e franca caquexiaal, irritação peritoneal
Quando considerar início precoce de biológicos no tto da DC:
- Idade jovem
- Doença perianal
- Doença estenosante
- Necessidade de corticoterapia
Dieta no tto da DC:
Bem equilibrada, idealmente sem restrições.
- Sintomas de suboclusão intestinal: dieta pobre em resíduos
- Ressecção de mais de 100 cm de íleo»_space; má absorção de gorduras»_space; dieta pobre em gorduras e suplementação parenteral de vit B12
TTO da DC leve a moderada:
Estratégia “step up”. Derivados de 5-ASA são a primeira linha
-Ileíte moderada: começa com um derivado de 5-ASA de liberação ileal (Pentasa, Asacol).
-Colite moderada: pode usar qualquer derivado de 5-ASA (inclusive sulfassalazina)
Segunda linha: antibióticos (metronidazol, ciprofloxacina, rifamixina) para aqueles que não respondem em 3-4 semanas aos derivados de 5-ASA
Terceira linha: glicocorticoides (preferencialmente a budesonida de liberação ileal)
Obs.: uma vez atingida a remissão»_space; manutenção com um derivado de 5-ASA
TTO da DC moderada a grave:
-Primeira escolha: terapia dupla com anti-TNF associado a um imunomodulador (só não pode fazer terapia dupla em pacientes com risco aumentado de complicações: homens <25 anos - risco de linfoma hepatoesplenico de células T; idosos - risco de linfoma não-Hodgkin e infecções oportunistas)
_terapia de manutenção: pode ser mantida associação de anti-TNF e imunomodulador ou apenas anti-TNF
Caso haja perda de resposta aos anti-TNF, pode-se usar os anti-integrina (natalizumab e vedolizumab)
TTO da DC grave a fulminante:
Depende da complicação:
-Perfuração»_space; cirurgia
-Abscesso»_space; drenagem
-Obstrução»_space; tto pode ser clínico a princípio (dieta zero, DNG, reposição volêmica…) e cirúrgiico se necessário (estricturoplastia - o cirurgião apenas alarga o lúmen intestinal sem fazer ressecções).
Obs.: em todos os casos tem que fazer ATBterapia de amplo espectro
Após o tto das complicações: biológicos ou glicocorticoides
Indicações de tto cirúrgico para DC:
-Obstrução intestinal (principal)
-Abscessos
-Fístulas refratárias
-Displasia de alto grau
-Câncer
-Hemorragia maciça
Refratariedade ao tto clínico
Classificação de gravidade da RCU:
- Leve: < 4 evacuações/dia; sem sinais de inflamação sistêmica
- Moderada: > 4 evacuações/dia; dor abdominal moderada; sinais discretos de inflamação sistêmica (febre baixa)
- Grave: > 6 evacuações/dia; dor abdominal intensa; inflamação sistêmica exuberante (febre > 37,5º, VHS aumentada…)
TTO da colite distal:
TTO de escolha: mesalamina via retal
- Se não houver resposta, pode-se associar: mesalamina retal + corticoide retal; mesalamina retal + 5-ASA oral…
- Colite distal grave ou refratária à terapia combinada: corticoide sistêmico ou biológicos
TTO da colite leve/moderada:
TTO de escolha: 5-ASA via oral. A mais utilizada é a sulfassalazina apesar de ser a com mais efeitos colaterais.
-Não respondeu em até 4 semanas: associar um glicocorticoide
-Não respondeu à terapia dupla: associar um imunomodulador (de preferência as tiopurinas - azatioprina e mercaptopurina)
-Não respondeu: anti-TNF ou anti-integrina
Ou seja: “step up”
TTO da colite grave/fulminante:
-Medidas gerais: dieta zero por pelo menos 24-48hras; SNG (descompressão gástrica); hidratação venosa generosa e correção de distúrbios hidroeletrolíticos; suspender drogas que causem hipomotilidade colônica (opioides, anticolinergicos); hemotransfusão se hematócrito < 25-28%; tromboprofilaxia; imagens seriadas de abdome
-Medicamentos: ATB de amplo espectro; Glicocorticoide IV para todos os pacientes (hidrocortizona ou metilprednisolona). A maioria dos pacientes atingem a remissão após 7-10 dias
-Pacientes que não atingem remissão: anti-TNF, ciclosporina ou cirurgia.
Obs.: em pacientes com colite fulminante ou megacólon tóxico, o prazo para o efeito do tto clínico é de apenas 48-72hras. Pacientes que não melhoram»_space; colectomia total
TTO de manutenção da RCU:
- Primeira linha: derivados do 5-ASA
- Imunomoduladores: reservado para pacientes com >= 2 recidivas/ano ou pacientes cortico-dependentes
Definição de diarreia:
Eliminação de mais de 200g de fezes por dia
Queixas do paciente: diminuição da consistência; aumento do número de evacuações; aumento do volume das fezes
Diagnósticos diferenciais de diarreia:
- Incontinência fecal: perda involuntária de fezes
- Pseudodiarreia: urgência/tenesmo (pode ser algum distúrbio funcional do intestino; proctite, etc)
- Diarreia por impactação: presença de fecaloma (massa endurecida de fezes. Principalmente em idosos acamados.
Classificação das diarreias:
- Agudas: < 2 semanas
- Persistentes: 2-4 semanas
- Crônicas: > 4 semanas
Etiologia das diarreias agudas:
Infecciosa em mais de 90% dos casos.
Outras causas: medicamentos, toxinas, isquemia
Geralmente se apresentam como gastroenterites agudas (GEA): associadas a vômitos, dor e febre
Etiopatogenia das diarreias agudas infecciosas:
- Transmissão por via oral-fecal
- Defesas não imunes do TGI: saliva, mastigação, acidez gástrica, enzimas pancreáticas, microbiota comensal do intestino
- Defesas imunes do TGI: IgA secretória (secretada por plasmócitos da lâmina própria); sistema MALT
- Mecanismos: toxinas pré-formadas nos alimentos; toxinas recém-produzidas; fat. enteroaderentes e fat. enteroinvasivos
- Manifestações extra-intestinais: artrite reativa (ocorre por reação cruzada entre antígenos da bactéria e do tecido sinovial); SHU (infecção por E. coli enteroinvasiva sorotipo O157:H7); Guillain-Barré (Campylobacter jejunii (reação cruzada que causa uma poliradiculopatia desmielinizante)
Quando investigar uma diarreia aguda:
- Intensa associada à desidratação
- Disenteria (com sangue, muco e pus)
- Febre > 38,5º
- Sem melhora após 48h
- ATB recente (fator de risco para a proliferação do C. dificille - associado à colite pseudomembranosa)
- Suspeita de surto
- Dor intensa se > 50 anos (risco de isquemia)
- > 70 anos e imunossuprimido
Como investigar uma diarreia aguda:
Análise microbiológica das fezes: -Coprocultura -EPF -Toxina do C. difficile (ELISA) -Antígenos: rotavirus, giardia, ameba Obs.: a pesquisa é direcionada de acordo com a suspeita clínica
Como tratar as diarreias agudas:
Reposição hidroeletrolítica
-Casos leves: líquidos por VO
-Casos moderados: terapia de reidratação oral»_space; solução com glicose + eletrólitos (a absorção de água está associada à absorção de glicose e sal)
-Casos graves: hidratação endovenosa
Quando utilizar ATB:
-Patógeno específico isolado
-TTO empírico: disenteria febril moderada/grave
-Microbiologia inconclusiva: idosos, imunodeprimido, valva protética, enxerto vascular (são pacientes com maior risco de diarreia bacteriana)
Qual ATB?
-Quadro agudo: ciprofloxacino 500mg 12/12horas por 3-5 dias
-Quadro persistente: metronidazol 250mg 6/6hras por 7 dias (cobre giardia)
Obs.: antidiarreicos (loperamida) apenas em diarreias moderadas sem febre e sem sinais inflamatórios. Se usar em casos mais graves com disenteria… há o risco de causar megacólon tóxico
Diarreias crônicas:
> 4 semanas de duração.
Maioria é não-infecciosa»_space; sempre requer investigação diagnóstica
Diarreia secretória:
Desequilíbrio entre absorção/secreção de água e eletrólitos pela mucosa»_space; fezes aquosas em grande volume, geralmente sem dor abdominal; não melhoram com o jejum; Gap osmolar fecal baixo (<25)
Obs.: Gap osmolar fecal = 290 - 2x(Na + K)fecal
Causas:
-Drogas e toxinas - principal (medicamentos, álcool, arsênico)
-Disfunção ileal parcial (diminui a absorção de sais biliares»_space; efeito irritativo sobre a mucosa colônica) - diarreia clororreia
-Suboclusão intestinal: efeito irritativo
-Fecaloma
-Hormônios (VIP, calcitonina, serotonina)
Diarreias osmóticas:
Presença de substância osmoticamente ativa que puxa água para o lúmen intestinal
-Fezes aquosas em volume variável (de acordo com a ingesta do soluto); melhora com o jejum
-Gap osmolar fecal alto (> 50)
Principal causa: deficiência de lactase»_space; sobram dissacarídeos no lúmen intestinal (que não são absorvidos) que são metabolizados pelas bactérias > formação de produtos osmoticamente ativos no lúmen»_space; diarreia
Obs.: pH fecal baixo (<5)
Diarreia disabsortiva
Comprometimento generalizado da absorção intestinal»_space; presença de esteatorreia (fezes brilhantes, mal-cheirosas que não afundam). Comum haver perda ponderal e deficiência de vit lipossolúveis (ADEK)
Costuma haver um misto de mecanismos: osmótico/secretório
Causas: insuficiência exócrina do pâncreas (pancreatite crônica, fibrose cística) e doença celíaca
Obs.: esteatorreia: gordura fecal >= 7% da gordura ingerida.
Em situações que aumentam o transito intestinal, pode haver aumento da liberação de gorduras (até 14g/dia) sem que isso represente um processo disabsortivo
Diarreia inflamatória:
Presença de leucócitos ou proteínas leucocitárias nas fezes. Exame: EAF (elementos anormais nas fezes). A calprotectina pode ser usada pra pesquisa de marcadores leucocitários.
-Geralmente é acompanhada de dor, febre e sangramento;
-SIRS crônica»_space; síndrome consumptiva
Mecanismo: exudação inflamatória e hipermotilidade intestinal (pelas próprias citocinas inflamatórias). Dependendo do sítio, pode haver disabsorção ou mecanismo secretório
Causas: DII, AIDS, gastroenterite eosinofílica
Diarreia funcional:
Exames normais. Há um distúrbio na resposta sensitiva e motora do tubo digestivo a diversos estímulos.
-Alternância da diarreia com constipação; a dor alivia após a defecação; não ocorre durante o sono.
Principal causa: síndrome do intestino irritável.
Diarreia factícia:
O paciente simula diarreia ou ingere substâncias que provocam diarreia.
Principais causas:
-Munchausen (simula para ter ganhos secundários): paciente mistura água ou urina às fezes normais. Osmolaridade fecal absoluta diminuída (< 290)
-Distúrbios alimentares (uso abusivo de laxantes e/ou diuréticos); hipocalemia e hipomagnesemia; laxante+ nas fezes
Investigação diagnóstica das diarreias crônicas:
Depende da história clínica
- Sangue nas fezes»_space; colono
- Esteatorreia»_space; EDA
- Sem sangue ou má-absorção»_space; excluir lactose e observar
- Suspeita de sd. do intestino irritável»_space; limitar a investigação
TTO das diarreias crônicas:
- Corrigir carências nutricionais
- Abordar a causa básica se possível
- Casos sem diagnósticos e não inflamatórios»_space; sintomáticos
- Leve/moderada: loperamida, difenoxilato
- Grave: codeína, tintura de ópio
Fisiologia da digestão e absorção:
-Delgado: digestão e absorção de nutrientes
-Cólon: absorção de líquidos e controle da evacuação
Para serem absorvidas, as macromoléculas dos alimentos devem ser quebradas:
-Carboidratos: amilases e dissacaridases
-Gorduras: lipases e sais biliares
-Proteínas: pepsina, tripsina
A absorção dos “pedaços” se dá por transporte ativo com cotransporte com Na
Obs.: Fe, Ca e folato são absorvidos apenas no duodeno e jejuno, enquanto vitB12 e sais biliares são absorvidos apenas no íleo
Importância dos sais biliares:
-Formação de micelas que permitem que os ácidos graxos (formados a partir da quebra dos triglicerídeos da dieta pelas lipases) ultrapassem a camada aquosa e sejam absorvidos pelos enterócitos.
Obs.: após a absorção pelos enterócitos, ocorre a formação de quilomicrons que são lançados na corrente linfática (na abetalipoproteinemia ocorre prejuízo na formação de quilomicrons)
-Ciclo êntero-hepático de sais biliares: são produzidos a partir do colesterol (no fígado) e lançados na bile. No íleo distal ocorre a reabsorção da maior parte dos sais biliares, que retornam ao fígado.
Situações que interferem com o metabolismo dos sais biliares e podem causar esteatorreia: insuficiência hepática (interfere com a síntese); cirrose biliar primária (obstrição de ductos intra-hepáticos - atrapalha a excreção); supercrescimento bacteriano no lúmen intestinal (retira os sais biliares de sua forma conjugada); doença/cirurgia ileal (interfere com a reabsorção)
Abordagem clínica do paciente com suspeita de má-absorção intestinal:
- A solicitação de exames deve ser direcionada de acordo com a história clínica. Se nenhuma pista for vislumbrada, o 1º passo é confirmar a existência de esteatorreia:
- Teste qualitativo: sudam III
- Teste quantitativo: coleta de fezes de 72h (com uma dieta c/ 100g de gordura/dia)
Teste da D-xilose urinária:
Serve para investigação de esteatorreia
A D-xilose é um carboidrato não presente na dieta que é inteiramente absorvido por uma mucosa normal, não é metabolizado e é inteiramente eliminado na urina.
Teste: dar 25g de D-xilose e coletar a urina de 5 horas do paciente: > 5g de D-xilose na urina»_space; absorveu (mucosa normal; provável esteatorreia por insuficiência) pancreática); < 5g de D-xilose na urina»_space; não absorveu (mucosa doente ou supercrescimento bacteriano)
Seguimento da investigação de acordo com a suspeita:
-Insuficiência pancreática exócrina: teste da secretina; dosagem de elastase fecal (vai estar diminuída)
-Supercrescimento bacteriano: aspirado duodenal + cultura
-Mucosa doente: EDA + biópsias
-Biópsia normal: exalação de H2 (pesquisa de intolerância à lactose; administra lactose marcada radioativamente > ela é metabolizada por bactérias > o H2 marcado produzido é detectado)
Doença celíaca (definição)
Doença autoimune de caráter permanente que se manifesta em indivíduos geneticamente predispostos , sendo desencadeada pela exposição ao glúten da dieta.
Obs.: Fração tóxica do glúten (envolvida com a gênese da doença celíaca): gliadina
-Predomina em brancos de origem caucasiana
-Somente 10% recebe o diagnóstico pois costuma ser oligo/assintomática
Fisiopatologia da doença celíaca:
O glúten é quebrado no lúmen do tubo digestivo»_space; a gliadina se liga à enzima transglutaminase tecidual (presente nos enterócitos do intestino delgado)»_space; o complexo macromolecular formado pode ser reconhecido por células apresentadoras e antígenos com determinados alelos (HLA-DQ2 e HLA-DQ8)»_space; as células apresentadoras estimulam linfócitos T»_space; resposta imune adaptativa contra o neoantígeno»_space; destruição da mucosa intestinal
Obs.: a doença celíaca NÃO se manifesta na ausência do HLA-DQ2 ou HLA-DQ8
Clínica da doença celíaca:
A intensidade dos sintomas depende da extensão do acometimento intestinal:
-Crianças < 2 anos no período de transição alimentar: costumam manifestar uma síndrome de má absorção intestinal completa (distensão abdominal, diarreia crônica com esteatorreia, déficit pôndero-estatural, deficiência de ferro, vit B12, folato, cálcio,, vitD, vit L, vit A, vit E)
-Forma menos intensa: diarreia crônica; dispepsia, flatulência; perda de peso (geralmente em crianças mais velhas e adultos)
-Alguns pacientes apresentam manifestações atípicas: fadiga; depressão; anemia ferropriva refratária; osteopenia/osteoporose; atraso puberal; amenorreia; baixa estatura; infertilidade; dermatite herpetiforme
Obs.: todo paciente com dermatite herpetiforme é celíaco.
Sorologias na doença celíaca:
-O teste de escolha é o IgA antitransglutaminase tecidual (IgA anti-tTG).
-Se for negativo e a suspeita permanecer grande: dosas a IgA total (pois alguns pacientes podem ter deficiência seletiva de IgA)
-Nos casos de deficiência seletiva de IgA»_space; dosar IgG anti-gliadina deaminada (IgG anti-DGP)
Espera-se que os títulos dos anticorpos caiam após 3-12 meses de dieta sem glúten.
EDA na doença celíaca:
Sempre deve ser realizada em pacientes com suspeita clínica e sorologias positivas.
-Tem que fazer biópsia proximal e distal. As alterações endoscópicas e histopatológicas (atrofia e aplainamento das dobras mucosas e vilosidades; atrofia das vilosidades; hiperplasia de criptas…) não são patognomônicas. O que confirma é a regressão do quadro após início de dieta sem glúten.
Diagnóstico da doença celíaca:
Quadro clínico sugestivo»_space; sorologia positiva»_space; biópsia de delgado compatível»_space; dieta sem glúten»_space; reversão do quadro clínico»_space; diagnóstico de doença celíaca
*Alguns autores indicam que deve-se realizar nova EDA e sorologias após a introdução da dieta sem glúten para confirmar o diagnóstico.
TTO da doença celíaca:
Suspensão do glúten da dieta. Na fase inicial do tto, pode-se limitar a ingestão de laticínios (pois é frequente a coexistência de intolerância à lactose transitória).
Reposição de nutrientes conforme necessário
Complicação: linfoma T intestinal (em alguns pacientes com doença refratária)
Doenças auto-imunes que podem estar associadas à doença celíaca:
Doença de Addison, doença de Graves e Hashimoto, DM 1, miastenia gravis, esclerose sistêmica, Síndrome de Sjogren, gastrite atrófica/anemia perniciosa, pancreatite auto-imune
Doença de Whipple:
Doença infecciosa causada por um bacilo gram positivo: Tropheryma whipplei. Infecta a mucosa do delgado podendo causar síndrome disabsortiva.
Clínica: esteatorreia, perda ponderal, dor abdominal artrite (geralmente poliartrite periférica e migratória de grandes articulações), distúrbios de pares cranianos, miorritmia oculomastigatória (patognomônico - movimentos involuntários e repetititvos de convergência ocular e contração da musculatura mastigatória)
Biópsia de delgado: infiltração da mucosa por macrófagos PAS-positivos
TTO: ceftriaxona ou meropenem por duas semanas (drogas que cruzam a barreira hematoencefálica; depois bactrim durante um ano