Definição,classificação e diagnóstico de cirrose Flashcards
Qual a definição de cirrose?
**A cirrose, que pode constituir o estágio final de qualquer doença hepática crônica, é um processo difuso, caracterizado por fibrose e transformação da arquitetura normal em nódulos estruturalmente anormais (Figura 144.1). Esses nódulos “regenerativos” não apresentam organização lobular normal e são circundados por tecido fibroso. O processo acomete todo o fígado e, em geral, é considerado irreversível. **
Como a cirrose pode ser classificada?
Embora a cirrose seja, do ponto de vista histológico, um diagnóstico de “tudo ou nada”, ela pode ser clinicamente* classificada em compensada ou descompensada. A cirrose descompensada é definida pelo achado de ascite, sangramento varicoso, encefalopatia ou icterícia, que são complicações decorrentes das principais consequências da cirrose: a hipertensão portal e a insuficiência hepática.*
A história natural da cirrose caracteriza-se por uma fase inicial, denominada cirrose compensada, seguida de uma fase rapidamente progressiva, que se caracteriza pelo desenvolvimento de complicações da hipertensão portal ou disfunção hepática (ou ambas), designada como cirrose descompensada
Na fase compensada, a função de síntese hepática está, em sua maior parte, normal, e a pressão portal, apesar de aumentada, é inferior ao valor limiar necessário para o desenvolvimento de varizes ou ascite
À medida que a doença progride, a pressão portal aumenta, e ocorre agravamento da função hepática, resultando, assim, no desenvolvimento de ascite, sangramento gastrintestinal por hipertensão portal, encefalopatia e icterícia.O desenvolvimento de qualquer uma dessas complicações clinicamente detectáveis caracteriza a transição da fase compensada para a fase descompensada
Quais são as causas mais comuns de cirrose?
Qualquer doença hepática crônica pode levar à cirrose (Tabela 144.1). A hepatite viral C e a doença hepática alcoólica são as causas mais comuns de cirrose, seguidas da esteato-hepatite não alcoólica e da hepatite B crônica (ver Capítulos 140 e 143). Outras causas de cirrose incluem doenças hepáticas colestáticas e autoimunes, como colangite biliar primária (ver Capítulo 146), colangite esclerosante primária (ver Capítulo 146), hepatite autoimune (ver Capítulo 140) e doenças metabólicas, como hemocromatose, doença de Wilson e deficiência de alfa1-antitripsina (ver Capítulo 137). Quando todas as possíveis causas são investigadas e descartadas, a cirrose é considerada “criptogênica”. Acredita-se hoje que muitos casos de cirrose criptogênica sejam decorrentes de esteato-hepatite não alcoólica.
Qual a fisiopatologia da cirrose?
A característica patogênica essencial subjacente à fibrose hepática e cirrose é a ativação das células estreladas hepáticas. As células estreladas do fígado, que são conhecidas como células de Ito ou células perissinusoidais, estão localizadas no espaço de Disse, entre os hepatócitos e as células endoteliais sinusoidais. Normalmente, as células estreladas hepáticas são quiescentes e atuam como principal local de armazenamento de retinoides (vitamina A). Em resposta a uma lesão, as células estreladas hepáticas tornam-se ativadas e, em consequência, perdem seus depósitos de vitamina A, proliferam, desenvolvem um retículo endoplasmático rugoso proeminente e secretam matriz extracelular (colágeno dos tipos I e III, proteoglicanos sulfatados e glicoproteínas). Além disso, transformam-se em miofibroblastos hepáticos contráteis
Ao contrário de outros capilares, os sinusoides hepáticos normais não têm membrana basal. As próprias células endoteliais sinusoidais apresentam grandes fenestrações (100 a 200 nm de diâmetro), que possibilitam a passagem de grandes moléculas, com massa molecular superior a 250.000 dáltons. **O depósito de colágeno no espaço de Disse, como ocorre na cirrose, leva à perda das fenestrações das células endoteliais sinusoidais (“capilarização” dos sinusoides), alterando, dessa maneira, a troca entre o plasma e os hepatócitos, com consequente diminuição do diâmetro dos sinusoides, o que é ainda mais exacerbado pela contração das células estreladas. O portador heterozigoto da variante PiZ da alfa1-antitripsina, que encontrada em até 10% dos indivíduos de ascendência europeia, aumenta o risco de cirrose hepática em pacientes com doença hepática ou abuso de álcool.*
Quais são as duas principais complicações da cirrose?
As duas principais consequências da cirrose são a hipertensão portal, acompanhada de um estado circulatório hiperdinâmico, e a insuficiência hepática (Figura 144.2). O desenvolvimento de varizes e ascite representa uma consequência direta da hipertensão portal e do estado circulatório hiperdinâmico, enquanto a icterícia ocorre como resultado da incapacidade do fígado de excretar a bilirrubina (i. e., insuficiência hepática). A encefalopatia é causada tanto pela hipertensão portal quanto pela insuficiência hepática. Por sua vez, a ascite pode ser complicada por infecção, quando é denominada peritonite bacteriana espontânea, e pela insuficiência renal funcional, que é denominada síndrome hepatorrenal.
Na cirrose, a hipertensão portal resulta de quê? -Hipertensão portal e estado circulatório hiperdinâmico
Na cirrose, a hipertensão portal resulta tanto do aumento da resistência ao fluxo porta quanto da elevação do influxo venoso porta. O mecanismo inicial consiste em aumento da resistência vascular sinusoidal (Figura 144.3) secundária à (1) deposição de tecido fibroso e compressão subsequente pelos nódulos regenerativos (componente fixo), que, teoricamente, poderia ser acessível a agentes antifibróticos e poderia ser melhorada por meio da resolução do processo etiológico subjacente, e (2) à vasoconstrição ativa (componente funcional), que é passível de resposta à ação de agentes vasodilatadores, como nitroprusseto, e é causada pela deficiência de óxido nítrico (NO) intra-hepático, bem como pela atividade aumentada dos vasoconstritores
inicialmente, no processo hipertensivo portal, o baço aumenta de tamanho e sequestra plaquetas e outros elementos figurados do sangue, resultando em hiperesplenismo. Além disso, os vasos que normalmente drenam para o sistema porta, como a veia gástrica esquerda, revertem seu fluxo e causam desvio do sangue do sistema porta para a circulação sistêmica. Esses colaterais portossistêmicas não são suficientes para descomprimir o sistema venoso porta e oferecem resistência adicional ao fluxo porta. À medida que ocorre desenvolvimento de colaterais, um aumento do fluxo sanguíneo porta, que resulta da vasodilatação esplâncnica, mantém o estado hipertensivo portal. Por sua vez, a dilatação arteriolar esplâncnica é secundária ao aumento da produção de NO. Por conseguinte, o paradoxo na hipertensão portal é o fato de que a deficiência de NO na vascularização intra-hepática leva à vasoconstrição e resistência aumentada, enquanto a superprodução de NO na circulação extra-hepática leva à vasodilatação e fluxo porta aumentado.
Além da vasodilatação esplâncnica, ocorre vasodilatação sistêmica que, ao provocar uma redução efetiva do volume sanguíneo arterial, leva à ativação do sistema neuro-humoral (sistema renina-angiotensina-aldosterona), retenção de sódio, expansão do volume plasmático e desenvolvimento de um estado circulatório hiperdinâmico. Esse estado circulatório hiperdinâmico mantém a hipertensão portal, levando, assim, à formação e ao crescimento de varizes e desempenha um importante papel no desenvolvimento de todas as complicações da cirrose.
Varizes e hemorragia varicosa – qual a complicação da cirrose que resulta mais diretamente da hipertensão portal?
A complicação da cirrose que resulta mais diretamente da hipertensão portal é o desenvolvimento de colaterais portossistêmicos, dos quais os mais relevantes são os que se formam a partir da dilatação das veias gástrica esquerda e gástricas e constituem varizes gastresofágicas. A formação inicial dos colaterais esofágicos depende de uma pressão portal limiar, clinicamente estabelecida por um gradiente de pressão venosa hepática de 10 a 12 mmHg, abaixo do qual não há desenvolvimento de varizes.
O desenvolvimento de um estado circulatório hiperdinâmico leva a uma dilatação ainda maior e ao crescimento de varizes e, por fim, a sua ruptura e hemorragia varicosa, que é uma das complicações mais temidas da hipertensão portal. A tensão em uma variz determina a ruptura varicosa e é diretamente proporcional ao diâmetro da variz e à pressão intravaricosa e inversamente proporcional à espessura da parede da variz.
Ascite e síndrome hepatorrenal
A ascite, que consiste no acúmulo de líquido intraperitoneal, na cirrose é secundária à hipertensão sinusoidal e à retenção de sódio. A cirrose leva à hipertensão sinusoidal por meio de bloqueio do fluxo venoso hepático, tanto anatomicamente pela fibrose e pelos nódulos regenerativos quanto funcionalmente pelo aumento do tônus vascular pós-sinusoidal. À semelhança da formação das varizes esofágicas, é necessário um gradiente de pressão venosa hepática limiar de 12 mmHg para a formação de ascite. Além disso, a retenção de sódio aumenta o volume intravascular e possibilita a formação contínua de ascite. A retenção de sódio resulta da vasodilatação, que é, em grande parte, decorrente de um aumento da produção de NO, visto que a inibição de NO em animais experimentais aumenta a excreção urinária de sódio, reduz os níveis plasmáticos de aldosterona e diminui a ascite. Com a progressão da cirrose e da hipertensão portal, a vasodilatação é mais pronunciada, levando, assim, a maior ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona e do sistema nervoso simpático, resultando em maior retenção de sódio (ascite refratária), retenção de água (hiponatremia) e vasoconstrição renal (síndrome hepatorrenal).
Peritonite bacteriana espontânea
A peritonite bacteriana espontânea, uma infecção do líquido ascítico, ocorre na ausência de perfuração de um órgão oco ou de um foco inflamatório intra-abdominal, como abscesso, pancreatite aguda ou colecistite. A translocação bacteriana, ou migração de bactérias do lúmen intestinal para os linfonodos mesentéricos e outros locais extraintestinais, constitui o principal mecanismo envolvido na peritonite bacteriana espontânea. O comprometimento das defesas imunes locais e sistêmicas representa um importante elemento na promoção da translocação bacteriana e, juntamente com desvio do sangue para longe das células de Kupffer do fígado por meio dos colaterais portossistêmicos, faz com que a bacteriemia transitória se torne mais prolongada, com consequente colonização do líquido ascítico. Ocorre peritonite bacteriana espontânea em pacientes com mecanismos de defesa reduzidos para a ascite, como baixo nível de complemento no líquido ascítico. Outro fator que promove a translocação bacteriana na cirrose é a proliferação bacteriana intestinal, atribuída a uma diminuição da motilidade do intestino delgado e do tempo de trânsito intestinal. As infecções, particularmente causadas por bactérias gram-negativas, podem precipitar disfunção renal por meio de agravamento do estado circulatório hiperdinâmico
Encefalopatia Hepática
A encefalopatia hepática consiste em disfunção cerebral causada por insuficiência hepática, derivação portossistêmica ou ambos. A amônia, uma toxina normalmente removida pelo fígado, desempenha um papel essencial na patogenia. Na cirrose, a amônia acumula-se na circulação sistêmica, em decorrência do desvio de sangue por meio dos colaterais portossistêmicos e redução do metabolismo hepático (i. e., insuficiência hepática). Altas concentrações de amônia no encéfalo provocam dano às células cerebrais de sustentação ou astrócitos e leva a alterações estruturais características da encefalopatia hepática (astrocitose de Alzheimer do tipo II). **A amônia resulta em suprarregulação dos receptores astrocíticos benzodiazepínicos do tipo periférico, que constituem os estimulantes mais potentes da produção de neuroesteroides. Os neuroesteroides são os principais moduladores do ácido gama-aminobutírico, o que resulta em depressão cortical e encefalopatia hepática.* Outras toxinas, como o manganês, também se acumulam no encéfalo, sobretudo no globo pálido, onde levam ao comprometimento da função motora. Outras toxinas que ainda precisam ser elucidadas também podem estar envolvidas na patogenia da encefalopatia.***
Icterícia
A icterícia (ver Capítulo 138) na cirrose é um reflexo da incapacidade do fígado de excretar a bilirrubina e constitui, portanto, o resultado da insuficiência hepática. Entretanto, nas doenças colestáticas que levam à cirrose (p. ex., cirrose biliar primária, colangite esclerosante primária, síndrome do desaparecimento dos ductos biliares), a icterícia deve-se, mais provavelmente, à lesão biliar do que à insuficiência hepática. Outros indicadores de insuficiência hepática, como encefalopatia ou o prolongamento da razão normalizada internacional, ajudam a determinar o contribuinte mais provável para a hiperbilirrubinemia (ver Capítulo 138).
Complicações cardiopulmonares
O estado circulatório hiperdinâmico resulta finalmente em insuficiência cardíaca de alto débito, com diminuição da utilização periférica do oxigênio, uma complicação que foi designada como cardiomiopatia cirrótica. A vasodilatação que ocorre na circulação pulmonar leva à hipoxemia arterial, a característica essencial da síndrome hepatopulmonar. Os capilares pulmonares normais têm 8 μm de diâmetro, e os eritrócitos (ligeiramente menos que 8 μm) passam através deles, uma célula de cada vez, facilitando, assim, a oxigenação. Na síndrome hepatopulmonar, os capilares pulmonares estão dilatados até 500 μm, de modo que a passagem dos eritrócitos pelos capilares pulmonares pode ter um diâmetro correspondente a muitas células. Em consequência, um grande número de eritrócitos não é oxigenado, causando o equivalente de um desvio (shunt) direita-esquerda.
Em contrapartida, ocorre hipertensão portopulmonar quando o leito pulmonar é exposto a substâncias vasoconstritoras, que podem ser produzidas na circulação esplâncnica e não sofrer metabolismo hepático; o resultado inicial consiste em hipertensão pulmonar reversível. Entretanto, como esses fatores resultam em proliferação endotelial, vasoconstrição, trombose in situ e obliteração dos vasos, surge hipertensão pulmonar irreversível.
Quais são as manifestações clínicas de cirrose?
Dependendo do estágio da cirrose, as manifestações clínicas variam amplamente, d**esde um paciente assintomático sem sinais de doença hepática crônica até um paciente que apresenta confusão mental e icterícia, com grave perda da massa muscular e ascite. **
A história natural da cirrose caracteriza-se por uma fase inicial, denominada cirrose compensada, seguida de uma fase rapidamente progressiva, que se caracteriza pelo desenvolvimento de complicações da hipertensão portal ou disfunção hepática (ou ambas), designada como cirrose descompensada
Na fase compensada, a função de síntese hepática está, em sua maior parte, normal, e a pressão portal, apesar de aumentada, é inferior ao valor limiar necessário para o desenvolvimento de varizes ou ascite. À medida que a doença progride, a pressão portal aumenta, e ocorre agravamento da função hepática, resultando, assim, no desenvolvimento de ascite, sangramento gastrintestinal por hipertensão portal, encefalopatia e icterícia.3 O* desenvolvimento de qualquer uma dessas complicações clinicamente detectáveis caracteriza a transição da fase compensada para a fase descompensada*. A progressão para a morte pode ser acelerada pelo desenvolvimento de outras complicações, como sangramento gastrintestinal recorrente, comprometimento renal (ascite refratária, síndrome hepatorrenal), síndrome hepatopulmonar e sepse (peritonite bacteriana espontânea). O desenvolvimento de carcinoma hepatocelular (ver Capítulo 186) pode acelerar a evolução da doença em qualquer estágio (ver Figura 144.4). A transição do estágio compensado para o descompensado ocorre em uma taxa de 5 a 7% por ano. O tempo mediano para a descompensação ou tempo em que metade dos pacientes com cirrose compensada torna-se descompensada, é de cerca de 6 anos.
*como é a história natural da cirrose?
O que é a cirrose compensada?
Nesse estágio, a cirrose é principalmente assintomática e é diagnosticada durante a avaliação de doença hepática crônica ou de maneira fortuita, durante um exame físico de rotina, exames bioquímicos, exames de imagem por realizados por outros motivos, endoscopia mostrando varizes gastresofágicas ou cirurgia abdominal, na qual se detecta um fígado nodular. **As únicas queixas podem consistir em fadiga inespecífica, perda de peso, diminuição da massa muscular, diminuição da libido ou transtornos do sono. Cerca de 40% dos pacientes com cirrose compensada apresentam varizes esofágicas. As varizes gastresofágicas não hemorrágicas são assintomáticas, e a sua existência (sem sangramento) não denota descompensação