Métodos de investigação em Neuropsicologia Cognitiva Flashcards
O que são representações?
Representações são propriedades do mundo que são manifestadas em sistemas cognitivos (representações mentais) e sistemas neurais (representações neurais).
Representações não se referem apenas a propriedades físicas do mundo, mas também a formas mais abstratas de conhecimento.
Ambas as representações não apresentam, provavelmente, uma relação de 1 para 1 entre uma representação mental hipotética e as propriedades de resposta de neurónios singulares.
O que são gravações single-cell?
As gravações single-cell correspondem à medida da responsividade de um neurónio a um determinado estímulo. Dá-se em potenciais de ação por segundo.
O que é a eletroencefalografia?
É a medição de sinais ELÉTRICOS gerados pelo cérebro
através de elétrodos colocados no escalpe (em µV); bom para medir o timing relativo de eventos
cognitivos e atividade neural – processo NÃO-INVASIVO que envolve apenas gravação e não estimulação;
BOA resolução temporal, PÉSSIMA resolução espacial.
O que são event-related potencials (ERPs)?
Correspondem à ligação entre a quantidade média de
mudanças de atividade elétrica de um EEG (=voltagem) no escalpe e certos eventos cognitivos (e.g., exposição a um estímulo, resposta, etc..)
Algumas vezes, são também feitas ligações entre a
velocidade das mudanças de atividade elétrica e processos cognitivos que também dependem da boa resolução temporal do EEG (medidas oscilatórias).
O que é o tempo de reação/resposta?
O tempo de reação é o tempo existente entre o surgimento de um estímulo/evento e a produção de uma resposta comportamental. O tempo medido é de pouca relevância, sendo que as relações entre medições é que podem permitir comparar situações e realizar inferências sobre determinado sistema cognitivo.
Como são obtidas as gravações single-cell?
As gravações single-cell podem ser obtidas implantando um elétrodo muito pequeno no próprio neurónio (registo intracelular) ou na fora da sua membrana (registo extracelular).
O número de vezes que um potencial de ação é produzido em resposta a um estímulo é contado, e a variável dependente chama-se frequência de disparo (“spikes” por segundo). Por ser um método invasivo, por norma só é conduzido em animais ou pessoas que estão em neurocirurgia durante anestesia total.
É possível medir a atividade de um neurónio de uma forma não-invasiva?
É impossível porque o sinal é demasiado fraco e a interferência de outros neurónios é demasiado elevada.
O que são gravações multicelulares (multi-cell)?
É a atividade elétrica (em termos de potenciais de ação por segundo) de vários neurónios registados por um ou mais neurónios. Algoritmos especiais conseguem combinar as contribuições individuais de vários neurónios.
Por que é um desafio inferir processos cognitivos através de dados cerebrais?
O desafio assenta na ideia de que se uma função implica o envolvimento de diversas áreas cerebrais e uma área cerebral está envolvida em mais que uma
função, então as representações mentais (cognição) e as neuronais (cerebrais) NÃO são a mesma coisa, não têm uma relação de 1 para 1. A mente humana
(cognição) é uma propriedade emergente do órgão biológico que é o cérebro, i.e., não é possível ser acedida diretamente, ainda que seja possível observar o funcionamento e a estrutura cerebral.
- A mente é MAIS do que a soma da atividade neurofisiológica dos diferentes neurónios, logo é desafiante interligar os seus processos a áreas ou conjuntos de áreas cerebrais.
- Além disto, a relação entre mente e cérebro NÃO é unidirecional - o cérebro permite a atividade cognitiva, mas a última também altera o primeiro - logo impõe-se outro obstáculo à certeza das inferências realizadas.
- Por fim, outro fator que dificulta a relação mente-cérebro é a REDUNDÂNCIA COGNITIVA – existem várias formas (= várias vias cerebrais, ou vários processos cognitivos) DIFERENTES de resolver um mesmo problema.
De que modo diferem os diversos métodos de investigação em neuropsicologia cognitiva?
Existem diversos métodos de
investigação em neuropsicologia
cognitiva, que diferem na sua
resolução temporal (=definir
quando ocorreu um evento) e
espacial (=definir onde no cérebro
ocorreu um evento). Estes
métodos podem ser também mais
ou menos invasivos (consoante a
localização do equipamento –
internamente vs. externamente).
Quais são as consequências do uso de pacientes com lesões cerebrais (que têm as suas limitações)?
- Em comparação aos outros métodos, permite inferências diferentes (=relação entre o cérebro e comportamento, através de, por exemplo, comparação a um grupo de controlo).
- Estes estudos têm impacto na prática clínica (avaliação e reabilitação cognitiva).
- Devido às diferentes qualidades dos diferentes métodos, existe uma vantagem na combinação de métodos – triangulação.
De que modo, segundo Vadya et al. (2019), se podem dividir os métodos de investigação em neuropsicologia?
Métodos de TERMINAÇÃO, de CORRELAÇÃO e de MANIPULAÇÃO.
A triangulação “ideal” contém evidências dos três tipos de método.
O que são métodos de terminação?
Os métodos de terminação envolvem mudanças IRREVERSÍVEIS no funcionamento cerebral através da destruição de alguma região cerebral ou via (por lesões), neurónios com certas características (por neurotoxinas), ou sistemas cerebrais vulneráveis (por doenças neurodegenerativas).
O que são lesões difusas e lesões focais?
As lesões cerebrais humanas podem ser difusas, não havendo a definição de uma única região cerebral afetada (frequente em doenças neurodegenerativas), ou focais, sendo identificada uma zona concreta do cérebro. As lesões focais podem ser CIRURGICAMENTE obtidas por ASPIRAÇÃO (sucção e cauterização de tecido, sendo um método menos preciso [muitas vezes a sucção afeta axónios vizinhos e não só o
córtex], útil para estudar interações entre regiões corticais), ou podem ser EXCITOTÓXICAS (injeção local de neurotoxinas, sendo um método mais preciso do que a aspiração, que permite compreender o papel causal das regiões corticais nos défices observados).
Do que depende a precisão do estudo de pacientes com lesão cerebral (o que é controlável ou não)?
A precisão destes estudos depende principalmente de questões METODOLÓGICAS, sendo que muitas delas, em humanos, são impossíveis de controlar experimentalmente (exemplos: etiologia – coocorrência de défices, que dificultam o estudo de uma só lesão; tamanho da lesão; lateralidade; idade de ocorrência).
De que modo devemos ver o estabelecimento de relações causais entre o estudo das lesões, os processos cognitivos lesados e os comportamentos?
Estabelecer uma relação causal não é trivial:
- Uma região cerebral (voxel) tem milhares de neurónios, e é especializada em MUITAS unções.
- NENHUMA tarefa é pura: mesmo em contexto experimental, uma tarefa apela a múltiplos processos cognitivos em simultâneo, dificultando a extração de
conclusões válidas sobre o funcionamento de um só processo.
- A associação cérebro-comportamento não é dependente da variação interindividual (o mau funcionamento da região cerebral X NEM SEMPRE é suficiente para justificar um comportamento Y).
O que é preciso ter em conta ao tentar estabelecer causalidade no estudo com pacientes com lesões cerebrais?
Funcionamento pré-mórbido, grupo de controlo, etiologia, screening neuropsicológico, métodos de análise estatística, associações, dissociações e dissociações duplas.
Como é possível ter em conta o funcionamento pré-mórbido ao testar a causalidade?
Tentar investigar sobre o funcionamento
cognitivo do paciente antes da ocorrência da lesão. Isto pode ser conseguido através de entrevistas clínicas (=anamnese), do conhecimento do nível de educação do indivíduo ou do seu QI cristalizado, ou, nos casos
em que é possível, de questionários feitos ao indivíduo antes e depois da lesão (por exemplo, quando a lesão é cirurgicamente induzida).
Como é possível ter em conta o grupo de controlo ao testar a causalidade?
Comparar sujeitos lesionados com grupos de controlo
(que lhes sejam demograficamente CORRESPONDENTES) é fundamental para estabelecer os efeitos destas lesões. Contudo, há fatores que estas comparações não conseguem controlar (e.g., o uso de medicação psicoativa).
A inclusão de um segundo grupo de controlo formado por sujeitos com uma lesão cerebral DIFERENTE, que poupe a região de interesse, pode controlar esses fatores (porque também podem estar submetidos à medicação, podem sentir-se inseguros, etc.). Nos humanos, as lesões raramente são constrangidas à ROI, e um grupo de controlo que partilhe uma lesão FORA dessa área pode garantir mais segurança de que as mudanças comportamentais no grupo que
queremos estudar são anatomicamente específicas.
Como é possível ter em conta a etiologia ao testar a causalidade?
Perceber a origem da lesão. Os pacientes têm, muitas vezes, OUTROS défices relacionados com o foco da lesão, mas não necessariamente com o problema em estudo. (e.g., pacientes de AVC são mais prováveis de ter outras doenças cardiovasculares). A inclusão de pacientes com VÁRIAS etiologias pode MITIGAR estes problemas, REDUZINDO efeitos da covariância de lesões e dissociando défices de doenças específicas.
De que modo as funções cognitivas são afetadas num AVC?
No AVC, há um bloqueio da circulação sanguínea para o cérebro, provocando morte neuronal. No entanto, a manifestação desta destruição vai diferir se o AVC for ISQUÉMICO, provocando uma lesão bem definida,
ou HEMORRÁGICO, provocando uma “inundação” que afeta várias zonas do cérebro e um aumento da pressão intracraniana, que pode levar a uma lesão cerebral, que leva a um aumento do número de disfunções que não correspondem necessariamente ao défice encontrado no período crónico.
Entre o período AGUDO e CRÓNICO da lesão, existem diferenças nas manifestações cognitivas observadas, porque no primeiro há uma região cerebral destruída e as funções vão sofrer, mas devido à redundância cognitiva existem vias que não são utilizadas a menos que sejam necessárias. Logo, no período agudo deparamo-nos com a ausência dos processos cognitivos que estão afetados, no entanto, no
período crónico há um RESTABELECIMENTO e utilização de vias cognitivas ALTERNATIVAS para compensar a função danificada.
Como é possível ter em conta o screening neuropsicológico no teste de causalidade?
Nenhuma tarefa experimental é realmente pura (envolvimento de vários processos). Testes de screening neuropsicológico que envolvem várias funções permitem identificar e explicar quais as funções cognitivas que estão preservadas e alteradas no paciente, dando insight sobre os fatores latentes por trás dos défices.
Como é possível ter em conta os métodos de análise estatística no teste de causalidade?
Em estudos neuropsicológicos, as amostras tendem a ser PEQUENAS (é muito DIFÍCIL recrutar e testar uma
população tão específica de indivíduos). Tendo este problema em conta, o poder estatístico de estudos de pacientes com lesão pode ser melhorado através da testagem de uma amostra GRANDE de pacientes controlo SAUDÁVEIS (mais FÁCEIS de recrutar).