Jurisprudência 2020 Flashcards
Compete a Justiça do Trabalho julgar ação de impugnação a concurso para contratação de celetista para entidade estatal?
Resumo
Compete à Justiça comum processar e julgar controvérsias relacionadas à fase pré-contratual de seleção e de admissão de pessoal e eventual nulidade do certame em face da Administração Pública, direta e indireta, nas hipóteses em que adotado o regime celetista de contratação de pessoal. STF. Plenário. RE 960429/RN, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 4 e 5/3/2020 (repercussão geral – Tema 992) (Info 968).
Inteiro teor
Imagine a seguinte situação hipotética:
A Companhia de Águas e Esgotos do Rio Grande do Norte – CAERN, sociedade de economia mista estadual, realizou concurso público para técnico de mecânica.
Vale ressaltar que o regime jurídico dos empregados desta entidade da Administração Indireta é celetista. João foi aprovado e, inicialmente, ficou em 9º lugar. Ocorre que houve uma retificação do edital e, em razão dessa mudança, João passou para a 15ª posição.
Inconformado, João deseja ajuizar ação ordinária contra a CAERN alegando a nulidade desta retificação e que ele volte para o 9º lugar na classificação final.
Surgiu, no entanto, uma dúvida: a competência para julgar esta ação será da Justiça do Trabalho (art. 114, I, da CF/88) ou da Justiça comum?
Justiça comum (estadual ou federal).
Regime híbrido
As empresas públicas, sociedades de economia mista e suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços estão sujeitas às mesmas regras aplicáveis ao regime jurídico das empresas privadas, ou seja, devem seguir o regime celetista em seus contratos de trabalho. É o que prevê o art. 173, § 1º, da Constituição Federal:
Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.
§ 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre: (…)
Vale ressaltar, no entanto, que a formação do contrato de trabalho de empregados públicos possui algumas singularidades, de forma que não podem ser equiparados em todos os aspectos a um trabalhador comum. Isso decorre do fato de que a contratação de empregados públicos possui um caráter híbrido, ou seja, essa contratação está regida tanto por normas de direito privado como de direito público.
Um exemplo de norma de direito público que incide neste caso é a exigência de concurso público para a contratação, prevista no art. 37, II, da CF/88. Trata-se de etapa prévia obrigatória à formação da relação trabalhista na Administração Pública. Para a iniciativa privada, não existe isso.
Na fase pré-contratual não há relação de trabalho, prevalecendo as normas de caráter público
Na fase pré-contratual ainda não existe um elemento essencial inerente ao contrato de trabalho, que é seu caráter personalíssimo, de índole privada. Ainda não há empregado e empregador. O que prevalece nesta etapa é o caráter público, isto é, o interesse da sociedade na estrita observância do processo administrativo que efetiva o concurso público.
Em razão disso, essa fase anterior à contratação do empregado público deve se guiar por normas de direito público, notadamente do direito administrativo. Isso porque ainda não há, nesse momento, direito ou interesse decorrente da relação de trabalho, a atrair a competência da Justiça trabalhista. Na verdade, a contratação ainda não é uma realidade – e pode, inclusive, nem vir a ocorrer. Logo, não há que se falar ainda em direitos trabalhistas.
Em palavras mais simples, como o concurso público é um processo administrativo que visa à admissão do empregado, controvérsias relativas a essa fase devem ser pautadas por normas de direito público, prevalecendo a competência da Justiça Comum (estadual ou federal). Conforme já mencionado, antes da admissão, sequer existe uma relação regida pela CLT. Na fase pré-contratual há apenas uma expectativa do candidato de que a relação seja concretizada, caso venha a ser contratado. Apenas depois de iniciada a relação de trabalho é que se instaura a competência da Justiça do Trabalho.
Esse entendimento pode ser aplicado às demais hipóteses em que a Administração Pública contrate sob o regime da CLT. Isso porque também nessa situação há discussão acerca da competência para processar e julgar ações sobre a fase pré-contratual.
O que é a execução invertida? Trata-se de uma prática constitucional?
Resumo
Não ofende a ordem constitucional determinação judicial de que a União proceda aos cálculos e apresente os documentos relativos à execução nos processos em tramitação nos juizados especiais cíveis federais, ressalvada a possibilidade de o exequente postular a nomeação de perito. STF. Plenário. ADPF 219/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 20/5/2021 (Info 1018).
Inteiro teor
Execução invertida
O CPC prevê que a execução contra a fazenda pública deverá ser deflagrada por iniciativa do credor (exequente), que apresentará os cálculos do valor que entende devido. Nesse sentido, confira o que diz o art. 534 do CPC:
Art. 534. No cumprimento de sentença que impuser à Fazenda Pública o dever de pagar quantia certa, o exequente apresentará demonstrativo discriminado e atualizado do crédito contendo:
I - o nome completo e o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas ou no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica do exequente;
II - o índice de correção monetária adotado;
III - os juros aplicados e as respectivas taxas;
IV - o termo inicial e o termo final dos juros e da correção monetária utilizados;
V - a periodicidade da capitalização dos juros, se for o caso;
VI - a especificação dos eventuais descontos obrigatórios realizados.
Ocorre que se percebeu que, na maioria das vezes, o credor é pessoa que dispõe de poucos recursos e que não tem quem possa fazer esses cálculos. Essa realidade se mostra ainda mais evidente no caso dos Juizados Especiais Federais. Pensando nisso, alguns juízes dos Juizados Especiais idealizaram uma adaptação do procedimento, que ficou conhecida como “execução invertida”.
A execução invertida, em palavras simples, consiste no seguinte: havendo uma decisão transitada em julgado condenando a Fazenda Pública ao pagamento de uma quantia considerada como de “pequeno valor”, o juiz do Juizado Especial Federal intima o Poder Público (devedor) para que este elabore a planilha de cálculos com o valor que é devido e apresente isso nos autos para análise do credor. Caso este concorde, haverá o pagamento voluntário da obrigação e a execução se encerra rapidamente.
O ônus de preparar esses cálculos e pedir a execução seria do particular (credor). No entanto, com essa sistemática, há uma inversão desse ônus, de forma que a própria Fazenda Pública, mesmo sendo a devedora, é quem apresenta os cálculos da quantia devida. Vale ressaltar que esses cálculos, obviamente, deverão ser realizados segundo os parâmetros que foram fixados pelo juízo na sentença/acórdão (título executivo judicial). A execução invertida é amplamente admitida nos Juizados Especiais Federais. Nesse sentido:
Enunciado nº 129 do FONAJEF: Nos Juizados Especiais Federais, é possível que o juiz determine que o executado apresente os cálculos de liquidação.
ADPF
A União ajuizou uma ADPF para questionar decisões dos Juizados Especiais Federais do Rio de Janeiro que impuseram a ela o dever da execução invertida, isto é, o dever de apurar ou indicar, nos processos em que figure como ré ou executada, o valor devido à parte autora.
A União argumentou que a chamada execução invertida seria inconstitucional.
O STF acolheu o argumento da União? É inconstitucional a exigência feita pelo juízo no sentido de que a Fazenda Pública apresente os documentos e faça os cálculos do quanto terá que pagar?
NÃO.
Não ofende a ordem constitucional determinação judicial de que a União proceda aos cálculos e apresente os documentos relativos à execução nos processos em tramitação nos juizados especiais cíveis federais, ressalvada a possibilidade de o exequente postular a nomeação de perito. STF. Plenário. ADPF 219/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 20/5/2021 (Info 1018).
O STF considerou legítima a determinação de que, em decisões judiciais proferidas pelos Juizados Especiais Federais, a União efetue os cálculos para a execução das verbas devidas nas ações em que for condenada. Entre os princípios que regem o microssistema processual dos juizados especiais federais — versados na Lei nº 9.099/95 e na Lei nº 10.259/2001 — estão os da simplicidade, da economia processual e da celeridade. A legislação potencializa o acesso à Justiça.
Em regra, é do credor a iniciativa nas execuções civis, cabendo-lhe instruir a execução com os cálculos da obrigação materializada no título. Apesar disso, não há vedação legal a que se exija a colaboração do executado, principalmente quando se trata de ente da Administração Pública federal.
No âmbito dos juizados especiais federais, tudo indica ser possível a inversão da ordem. A relação estabelecida entre o particular que procura o juizado e a União é, evidentemente, assimétrica. Logo, impõe-se potencializar os poderes conferidos pelo CPC ao magistrado para restabelecer a efetiva igualdade entre as partes.
A leitura atual do papel exercido pela Administração Pública dá primazia ao interesse público primário. A própria legislação dos juizados pressupõe que a Administração agirá no intuito de buscar a efetividade dos direitos dos administrados.
Exigir que exista sempre a intervenção de perito designado pelo juízo revela incompatibilidade com os princípios da economia processual, da celeridade e da efetividade do processo.
A nomeação de perito representa custo ao Erário com os honorários correspondentes.
Além disso, os cálculos efetuados deverão ser posteriormente revistos pela própria Administração fazendária a fim de verificar o acerto do valor apurado.
De igual modo, se o exequente apresentar valor excessivo, caberá à Fazenda declarar de imediato o valor que entenda correto.
Logo, como a Fazenda Pública terá que sempre analisar o valor, melhor que já faça isso de início, facilitando todo o processo.
Acrescente-se, ainda, que, em última análise, o dever de colaboração imputável ao Estado decorre dos princípios da legalidade, da moralidade, da eficiência, e do subprincípio da economicidade.
Obs: vale ressaltar que, apesar de a tese fixada pelo STF falar apenas em União, é possível que seu raciocínio seja também aplicado para as entidades federais, como o INSS, e para os outros entes federativos, como Estados, DF e Municípios.
O credor será obrigado a aceitar a execução invertida?
NÃO. O credor pode fazer absoluta questão de que os cálculos sejam realizados por terceiro imparcial (perito do juízo). Em tais hipóteses, ele deverá formular requerimento expresso, incumbindo ao Estado viabilizar a atuação do perito.
É constitucional o art. 7, § 2º, da Lei do MS?
Art. 7º (…) § 2º Não será concedida medida liminar que tenha por objeto a compensação de créditos tributários, a entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior, a reclassificação ou equiparação de servidores públicos e a concessão de aumento ou a extensão de vantagens ou pagamento de qualquer natureza.
O STF considerou inconstitucional impedir ou condicionar a concessão de medida liminar, o que caracteriza verdadeiro obstáculo à efetiva prestação jurisdicional e à defesa do direito líquido e certo do impetrante. A Corte concluiu que:
É inconstitucional ato normativo que vede ou condicione a concessão de medida liminar na via mandamental. STF. Plenário. ADI 4296/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, redator do acórdão Min. Alexandre de Moraes julgado em 9/6/2021 (Info 1021).
Atenção!
Em virtude dessa decisão do STF, fica superada a Súmula 212 do STJ: Súmula 212-STJ: A compensação de créditos tributários não pode ser deferida em ação cautelar ou por medida liminar cautelar ou antecipatória. (entendimento superado)
É constitucional o art. 22, § 2º, da Lei do MS?
Art. 22. (…) § 2º No mandado de segurança coletivo, a liminar só poderá ser concedida após a audiência do representante judicial da pessoa jurídica de direito público, que deverá se pronunciar no prazo de 72 (setenta e duas) horas.
O STF julgou inconstitucional a exigência de oitiva prévia do representante da pessoa jurídica de direito público como condição para a concessão de liminar em mandado de segurança coletivo, por considerar que a disposição restringe o poder geral de cautela do magistrado.
Conforme argumentou o Min. Marco Aurélio:
“O preceito contraria o sistema judicial alusivo à tutela de urgência. Se esta surge cabível no caso concreto, é impertinente, sob pena de risco do perecimento do direito, estabelecer contraditório ouvindo-se, antes de qualquer providência, o patrono da pessoa jurídica. Conflita com o acesso ao Judiciário para afastar lesão ou ameaça de lesão a direito. Tenho como inconstitucional o artigo 22, § 2º, da Lei nº 12.016/2009.”
Qual é o termo inicial da prescrição para redirecionamento da execução fiscal em caso de dissolução irregular da empresa?
i) o prazo de redirecionamento da Execução Fiscal, fixado em cinco anos, contado da diligência de citação da pessoa jurídica, é aplicável quando o referido ato ilícito, previsto no art. 135, III, do CTN, for precedente a esse ato processual;
ii) a citação positiva do sujeito passivo devedor original da obrigação tributária, por si só, não provoca o início do prazo prescricional quando o ato de dissolução irregular for a ela subsequente, uma vez que, em tal circunstância, inexistirá, na aludida data (da citação), pretensão contra os sócios-gerentes (conforme decidido no REsp 1.101.728/SP, no rito do art. 543-C do CPC/1973, o mero inadimplemento da exação não configura ilícito atribuível aos sujeitos de direito descritos no art. 135 do CTN). O termo inicial do prazo prescricional para a cobrança do crédito dos sócios-gerentes infratores, nesse contexto, é a data da prática de ato inequívoco indicador do intuito de inviabilizar a satisfação do crédito tributário já em curso de cobrança executiva promovida contra a empresa contribuinte, a ser demonstrado pelo Fisco, nos termos do art. 593 do CPC/1973 (art. 792 do novo CPC - fraude à execução), combinado com o art. 185 do CTN (presunção de fraude contra a Fazenda Pública); e,
iii) em qualquer hipótese, a decretação da prescrição para o redirecionamento impõe seja demonstrada a inércia da Fazenda Pública, no lustro que se seguiu à citação da empresa originalmente devedora (REsp 1.222.444/RS) ou ao ato inequívoco mencionado no item anterior (respectivamente, nos casos de dissolução irregular precedente ou superveniente à citação da empresa), cabendo às instâncias ordinárias o exame dos fatos e provas atinentes à demonstração da prática de atos concretos na direção da cobrança do crédito tributário no decurso do prazo prescricional. STJ. 1ª Seção. REsp 1.201.993-SP, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 08/05/2019 (recurso repetitivo - Tema 444) (Info 662).
Se o autor da ação rescisória – fundada em violação literal à disposição de lei – afirma que a sentença rescindenda violou o art. XX da Lei, o Tribunal pode julgar a rescisória procedente com base na violação do art. YY, tratando-se de matéria de ordem pública?
Resumo
Na ação rescisória fundada em literal violação de lei, não cabe o reexame de toda a decisão rescindenda, para verificar se nela haveria outras violações à lei não alegadas pelo demandante, mesmo que se trate de questão de ordem pública.
Quando o autor da rescisória propõe a ação com fundamento na hipótese de violação literal à disposição de lei - art. 485, V, CPC/1973 (art. 966, V, CPC/2015) – ele tem o ônus de indicar o(s) dispositivo(s) que foi(foram) violado(s).
O Tribunal que julgará a rescisória só irá examinar se houve violação aos dispositivos indicados, não podendo reexaminar toda a decisão rescindenda, para verificar se nela haveria outras violações a literal disposição de lei não alegadas pelo demandante, nem mesmo ao argumento de se tratar de matéria da ordem pública.” (YARSHELL, Flávio. Ação rescisória: juízos rescindente e rescisório. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 151).
Desse modo, na ação rescisória fundada no art. 485, V, CPC/1973 (art. 966, V, CPC/2015), o juízo rescisdente do Tribunal se encontra vinculado aos dispositivos de lei apontados pelo autor como literalmente violados, não podendo haver exame de matéria estranha à apontada na inicial, mesmo que o tema possua a natureza de questão de ordem pública, sob pena de transformar a ação rescisória em um recurso, natureza jurídica que ela não possui. STJ. 3ª Turma. REsp 1.663.326-RN, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 11/02/2020 (Info 665)
Inteiro teor
Conforme explicava Barbosa Moreira: “(…) cada suposta violação constitui uma causa petendi”. Isso significa que “o autor precisa indicar, na inicial, a norma a seu ver infringida”. Logo, “ao órgão julgador não é lícito acolher o pedido senão com base em alguma(s) das alegadas” violações. “Se nenhuma delas ocorreu, terá de julgar o pedido improcedente, ainda que verifique a transgressão de norma não indicada pelo autor.” (Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. V, 15ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 132-133).
Em ação civil pública, é possível a substituição da associação autora por outra associação caso a primeira venha a ser dissolvida?
Resumo
Caso ocorra dissolução da associação que ajuizou ação civil pública, é possível sua substituição no polo ativo por outra associação que possua a mesma finalidade temática.
O microssistema de defesa dos interesses coletivos privilegia o aproveitamento do processo coletivo, possibilitando a sucessão da parte autora pelo Ministério Público ou por algum outro colegitimado (ex: associação), mormente em decorrência da importância dos interesses envolvidos em demandas coletivas. STJ. 3ª Turma. EDcl no REsp 1.405.697-MG, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 10/09/2019 (Info 665).
Inteiro teor
Tal pretensão é plenamente possível, haja vista que o microssistema de defesa dos interesses coletivos privilegia o aproveitamento do processo coletivo, possibilitando a sucessão da parte autora pelo Ministério Público ou por algum outro colegitimado, considerando a importância dos interesses envolvidos em demandas coletivas. Esse entendimento tem substrato no art. 5º, § 3º, da Lei da Ação Civil Pública (acima transcrito) e também no art. 9º da Lei da Ação Popular (Lei nº 4.717/65):
Art. 9º Se o autor desistir da ação ou der motiva à absolvição da instância, serão publicados editais nos prazos e condições previstos no art. 7º, inciso II, ficando assegurado a qualquer cidadão, bem como ao representante do Ministério Público, dentro do prazo de 90 (noventa) dias da última publicação feita, promover o prosseguimento da ação.
Art. 5º (…) § 3º Em caso de desistência infundada ou abandono da ação p
Quando uma associação ajuíza ação coletiva ela atua como representante processual ou como substituta processual?
Imagine a seguinte situação hipotética:
A Associação Nacional dos Consumidores de Crédito - Andec ajuizou ação coletiva em desfavor de Banco Gmac S.A. postulando a condenação do réu à obrigação de não fazer, consubstanciada na abstenção de cobrança da Tarifa de Cadastro (TC).
O Banco réu alegou que a associação não poderia ter ingressado com a ação porque não teve autorização assemblear ou de seus associados.
O argumento do Banco é aceito pela jurisprudência do STJ?
NÃO.
As associações possuem legitimidade para defesa dos direitos e dos interesses coletivos ou individuais homogêneos, independentemente de autorização expressa dos associados. STJ. 2ª Turma. REsp 1796185/RS, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 28/03/2019.
As associações de classe atuam como representantes processuais, sendo obrigatória a autorização individual ou assemblear dos associados - STF, RE 573.232. Esse entendimento, todavia, não se aplica na hipótese de a associação buscar em juízo a tutela de interesses ou direitos difusos - art. 82, IV, do CDC. STJ. 4ª Turma. AgInt no REsp 1335681/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 26/02/2019.
Por se tratar do regime de substituição processual, a autorização para a defesa do interesse coletivo em sentido amplo é estabelecida na definição dos objetivos institucionais, no próprio ato de criação da associação, sendo desnecessária nova autorização ou deliberação assemblear.
As teses de repercussão geral resultadas do julgamento do RE 612.043/PR e do RE 573.232/SC tem seu alcance expressamente restringido às ações coletivas de rito ordinário, as quais tratam de interesses meramente individuais, sem índole coletiva, pois, nessas situações, o autor se limita a representar os titulares do direito controvertido, atuando na defesa de interesses alheios e em nome alheio. STJ. 3ª Turma. REsp 1649087/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 02/10/2018. STJ. 3ª Turma. AgInt no REsp 1719820/MG, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 15/04/2019.
Não confundir:
As associações precisam de autorização específica dos associados para ajuizar ação coletiva? Quando uma associação ajuíza ação coletiva ela atua como representante processual ou como substituta processual?
1) Ação coletiva de rito ordinário proposta pela associação na defesa dos interesses de seus associados: SIM
A associação, quando ajuíza ação na defesa dos interesses de seus associados, atua como REPRESENTANTE PROCESSUAL e, por isso, é obrigatória a autorização individual ou assemblear dos associados.
Aplica-se o entendimento firmado pelo STF no RE 573232/SC.
O disposto no artigo 5º, inciso XXI, da Carta da República encerra representação específica, não alcançando previsão genérica do estatuto da associação a revelar a defesa dos interesses dos associados. As balizas subjetivas do título judicial, formalizado em ação proposta por associação, é definida pela representação no processo de conhecimento, presente a autorização expressa dos associados e a lista destes juntada à inicial. STF. Plenário. RE 573232/SC, rel. orig. Min. Ricardo Lewandowski, red. p/ o acórdão Min. Marco Aurélio, julgado em 14/5/2014 (repercussão geral) (Info 746).
2) Ação civil pública (ação coletiva proposta na defesa de direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos): NÃO
A associação, quando ajuíza ação na defesa de direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos, atua como SUBSTITUTA PROCESSUAL e não precisa dessa autorização.
O entendimento firmado no RE 573232/SC não foi pensado para esses casos.
(…) 1. Ação civil pública, ajuizada pelo Movimento das Donas de Casa e Consumidores de Minas Gerais, na qual sustenta a nulidade cláusulas de contratos de arrendamento mercantil. (…)
- Por se tratar do regime de substituição processual, a autorização para a defesa do interesse coletivo em sentido amplo é estabelecida na definição dos objetivos institucionais, no próprio ato de criação da associação, sendo desnecessária nova autorização ou deliberação assemblear. (…)
- As teses de repercussão geral resultadas do julgamento do RE 612.043/PR e do RE 573.232/SC tem seu alcance expressamente restringido às ações coletivas de rito ordinário, as quais tratam de interesses meramente individuais, sem índole coletiva, pois, nessas situações, o autor se limita a representar os titulares do direito controvertido, atuando na defesa de interesses alheios e em nome alheio. (…) STJ. 3ª Turma. AgInt no REsp 1799930/MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 26/08/2019.
Cabe recurso especial contra decisões proferidas no âmbito do pedido de suspensão de segurança?
Resumo
Em regra, o STJ afirma que não cabe recurso especial contra decisões proferidas no âmbito do pedido de suspensão. O recurso especial se destina a combater argumentos que digam respeito a exame de legalidade, ao passo que o pedido de suspensão ostentaria juízo político. Caso excepcional no qual o STJ admitiu o recurso especial: juiz concedeu liminar determinando que o Estado de SP fornecesse banho quente aos presos; Presidente do TJ/SP suspendeu a liminar; contra esta decisão foi interposto agravo; a Corte Especial do TJ manteve a suspensão da liminar; o STJ admitiu recurso especial contra esta decisão tendo em vista que estavam em jogo aspectos elementares da dignidade da pessoa humana. STJ. 2ª Turma. REsp 1.537.530-SP, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 27/04/2017 (Info 666).
Inteiro teor
O STJ entendeu que era uma situação excepcional e, por isso, conheceu e deu provimento ao recurso especial restaurando a integralidade da decisão de 1ª instância.
O caso concreto é peculiar, por ferir aspectos existenciais da textura íntima de direitos humanos substantivos.
Primeiro, porque se refere à dignidade da pessoa humana, naquilo que concerne à integridade física e mental a todos garantida.
Segundo, porque versa sobre obrigação inafastável e imprescritível do Estado de tratar prisioneiros como pessoas, e não como animais.
Terceiro, porque o encarceramento configura pena de restrição do direito de liberdade, e não salvoconduto para a aplicação de sanções extralegais e extrajudiciais, diretas ou indiretas.
Quarto, porque, em presídios e lugares similares de confinamento, ampliam-se os deveres estatais de proteção da saúde pública e de exercício de medidas de assepsia pessoal e do ambiente, em razão do risco agravado de enfermidades, consequência da natureza fechada dos estabelecimentos, propícia à disseminação de patologias.
Assim, ofende os alicerces do sistema democrático de prestação jurisdicional admitir que decisão judicial, relacionada à essência dos direitos humanos fundamentais, não possa ser examinada pelo STJ sob o argumento de se tratar de juízo político.
Quando estão em jogo aspectos mais elementares da dignidade da pessoa humana (um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito em que se constitui a República Federativa do Brasil, expressamente enunciado na Constituição, logo em seu art. 1º) impossível subjugar direitos indisponíveis a critérios outros que não sejam os constitucionais e legais.
É discricionária a decisão, em execução, sobre a inclusão do devedor no cadastro de inadimplemento?
Resumo
Caso concreto: uma empresa exequente pediu ao juiz a inclusão do nome da executada nos cadastros de inadimplentes, nos termos do art. 782, § 3º do CPC. O requerimento foi indeferido pelo magistrado sob o argumento de que a exequente possui condições de pedir diretamente a inscrição.
O STJ não concordou com a recusa.
O requerimento da inclusão do nome da executada em cadastros de inadimplentes (art. 782, § 3º, do CPC/2015) não pode ser indeferido pelo juiz tão somente sob o fundamento de que as exequentes possuem meios técnicos e a expertise necessária para promover, por si mesmas, a inscrição direta junto aos órgãos de proteção ao crédito.
O art. 782, § 3º, do CPC/2015 prevê que, a requerimento da parte, o juiz pode determinar a inclusão do nome do executado em cadastros de inadimplentes.
O dispositivo legal que autoriza a inclusão do nome do devedor nos cadastros de inadimplentes exige, necessariamente, o requerimento da parte, não podendo o juízo promovê-lo de ofício.
Ademais, depreende-se da redação do referido dispositivo legal que, havendo o requerimento, não há a obrigação legal de o Juiz determinar a negativação do nome do devedor, tratando-se de mera discricionariedade. A medida, então, deverá ser analisada casuisticamente, de acordo com as particularidades do caso concreto.
Não cabe, contudo, ao julgador criar restrições que a própria lei não criou, limitando o seu alcance, por exemplo, à comprovação da hipossuficiência da parte. Tal atitude vai de encontro ao próprio espírito da efetividade da tutela jurisdicional, norteador de todo o sistema processual. STJ. 3ª Turma. REsp 1.887.712-DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 27/10/2020 (Info 682).
É possível formular-se, em embargos monitório, pedido de repetição de indébito por cobrança indevida (CC, art. 940)?
Resumo
O réu, citado na ação monitória, pode apresentar embargos monitórios, que são uma forma de defesa, semelhante à contestação (art. 702 do CPC).
Os embargos podem se fundar em qualquer matéria que poderia ser alegada como defesa no procedimento comum (§ 1º do art. 702).
Assim, o réu pode, nos embargos monitórios, alegar que a dívida já está paga e pedir a repetição de indébito em dobro, nos termos do art. 940 do CC.
A condenação ao pagamento em dobro do valor indevidamente cobrado pode ser formulada em qualquer via processual, inclusive, em sede de embargos à execução, embargos monitórios e ou reconvenção, até mesmo reconvenção, prescindindo de ação própria para tanto. STJ. 3ª Turma. REsp 1.877.292-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 20/10/2020 (Info 682)
Inteiro teor
Para que Pedro cobre esse valor em dobro, é necessária ação autônoma ou reconvenção, ou ele pode fazer isso por meio de mera contestação?
O pedido pode ser feito por meio de contestação:
A aplicação da sanção civil do pagamento em dobro por cobrança judicial de dívida já adimplida (art. 1.531 do CC 1916 / art. 940 do CC 2002) pode ser postulada pelo réu na própria defesa, independendo da propositura de ação autônoma ou do manejo de reconvenção. STJ. 2ª Seção. REsp 1111270-PR, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 25/11/2015 (recurso repetitivo) (Info 576).
Quando há pluralidade de réus, qual será o termo inicial para contagem dos juros de mora: a citação do primeiro ou do último?
Resumo
Segundo o art. 240 do CPC/2015, a citação válida do réu constitui em mora o devedor, ressalvadas as hipóteses previstas nos arts. 397 e 398 do Código Civil.
E se houver mais de um réu (litisconsórcio) e eles foram citados em datas diferentes? Neste caso, qual será considerado o momento em que eles estarão constituídos em mora: a data da primeira ou da última citação?
A data da primeira, nos termos do art. 280 do CC:
Art. 280. Todos os devedores respondem pelos juros da mora, ainda que a ação tenha sido proposta somente contra um; mas o culpado responde aos outros pela obrigação acrescida.
Obs: isso vale mesmo que a obrigação não seja solidária.
Os efeitos da citação não podem ser confundidos com o início do prazo para a defesa dos litisconsortes. Por isso, não se aplica, para a constituição em mora, a regra processual disciplinadora do termo inicial do prazo para contestar (art. 231, § 1º, do CPC). STJ. 3ª Turma. REsp 1.868.855-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 22/09/2020 (Info 680).
É admissível a reconvenção sucessiva?
Resumo
É admissível a reconvenção sucessiva, também denominada de reconvenção à reconvenção, desde que a questão que justifique a propositura tenha surgido na contestação ou na primeira reconvenção
Caso concreto: Djalma ajuizou ação contra Reinaldo pedindo o pagamento de honorários advocatícios.
Após ser citado, Reinaldo não apenas apresentou contestação, em que impugnou a existência da alegada dívida, como também propôs reconvenção, na qual formulou pedido de repetição do indébito ao fundamento de que teria pagado ao autor, a título de honorários advocatícios, valor maior do que o devido.
Djalma foi intimado para responder à reconvenção e, então, propôs reconvenção à reconvenção, na qual alegou que o pedido de Reinaldo (devolução de valores alegadamente pagos a maior) é manifestamente incabível porque os valores foram fixados em decisão judicial, razão pela qual ele (Reinaldo) deve ser a pagar a sanção civil do art. 940 do Código Civil.
A reconvenção sucessiva foi liminarmente indeferida pelo juiz sob o fundamento de que não existiria autorização legal para o seu manejo.
O STJ não concordou com a decisão do juiz e afirmou que o sistema processual brasileiro admite a reconvenção sucessiva (reconvenção à reconvenção), desde que seu exercício tenha se tornado viável a partir de questão suscitada na contestação ou na primeira reconvenção.
Sob a vigência do CPC/1973, a doutrina se posicionou majoritariamente pela possibilidade da reconvenção à reconvenção, desde que a questão que justifica a propositura da reconvenção sucessiva tenha como origem a contestação ou a primeira reconvenção.
O entendimento permanece o mesmo com o CPC/2015. Aliás, o CPC/2015 reforçou essa possibilidade. Isso porque agora o autor-reconvindo é intimado para apresentar resposta, e não mais contestação (art. 343). A palavra “resposta” é mais ampla e abrange também nova reconvenção.
Outro argumento está no fato de que o § 6º do art. 702 do CPC/2015 proibiu expressamente a reconvenção à reconvenção apenas na hipótese da ação monitória, razão pela qual houve um silêncio eloquente quanto às demais hipóteses, revelando que é possível.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.690.216-RS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Rel. Acd. Min. Nancy Andrighi, julgado em 22/09/2020 (Info 680).
É possível a penhora de verba salarial além das hipóteses do art. 833, IV, c/c o § 2° do CPC/2015?
§ 2º O disposto nos incisos IV e X do caput não se aplica à hipótese de penhora para pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem, bem como às importâncias excedentes a 50 (cinquenta) salários-mínimos mensais, devendo a constrição observar o disposto no art. 528, § 8º , e no art. 529, § 3º .
1 ENTENDIMENTO
Conforme visto, o entendimento desta Corte é de que as verbas salariais são, em princípio, impenhoráveis. No entanto, se provado que a penhora de parte dos valores não afeta a dignidade do devedor e de sua família, permite-se a constrição. Nesse sentido:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DECLARATÓRIOS NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EFEITO MODIFICATIVO NO ÂMBITO DE RECURSO ACLARATÓRIO. POSSIBILIDADE. IMPENHORABILIDADE DE SALÁRIO. CABIMENTO DE SUA RELATIVIZAÇÃO. MANUTENÇÃO DO MÍNIMO EXISTENCIAL. PRESERVAÇÃO DA DIGNIDADE DO DEVEDOR E DA DE SEUS DEPENDENTES. DIREITO À SATISFAÇÃO DO CRÉDITO PELA PARTE EXEQUENTE.
(…) 3. A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do EREsp 1.582.475/MG, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, firmou compreensão no sentido de que “A regra geral da impenhorabilidade de salários, vencimentos, proventos etc. (art. 649, IV, do CPC/73; art. 833, IV, do CPC/2015), pode ser excepcionada quando for preservado percentual de tais verbas capaz de dar guarida à dignidade do devedor e de sua família”. 4. Tal orientação consulta ao direito das partes em receber tratamento processual isonômico, de modo a resguardar tanto o direito fundamental do credor à satisfação do crédito executado quanto o direito fundamental do devedor a satisfazer o débito com a preservação de sua dignidade. 5. A regra da impenhorabilidade de vencimentos incide apenas quanto à fração do patrimônio pecuniário do devedor que se revele efetivamente necessária à manutenção de seu mínimo existencial, bem como à preservação de sua dignidade e da de seus dependentes. 6. Tendo a Corte local expressamente afirmado que a penhora de percentual da remuneração não comprometeria o mínimo vital do devedor e tampouco o reduziria à condição indigna, deve ser mantida a medida constritiva determinada pela instância ordinária. 7. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt nos EDcl no AREsp 1389818/MS, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 04/06/2019, DJe 07/06/2019)
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. PENHORA DE SALÁRIO. REEXAME DE CONTEÚDO FÁTICO-PROBATÓRIO.
SÚMULA N. 7/STJ. IMPOSSIBILIDADE. DECISÃO MANTIDA.
1. Segundo a jurisprudência desta Corte, “A regra geral da impenhorabilidade de salários, vencimentos, proventos etc.
(art. 649, IV, do CPC/73; art. 833, IV, do CPC/2015), pode ser excepcionada quando for preservado percentual de tais verbas capaz de dar guarida à dignidade do devedor e de sua família” (EREsp 1582475/MG, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, CORTE ESPECIAL, julgado em 03/10/2018, DJe 16/10/2018).
2. O recurso especial não comporta exame de questões que impliquem revolvimento do contexto fático-probatório dos autos (Súmula n. 7 do STJ).
3. No caso concreto, o Tribunal de origem analisou as provas contidas no processo para concluir que a penhora não afeta a subsistência familiar. Alterar esse entendimento demandaria reexame do conjunto probatório do feito, vedado em recurso especial.
4. Agravo interno a que se nega provimento.
(AgInt no AgInt no REsp 1851040/SP, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 31/08/2020, DJe 08/09/2020)
2 ENTENDIMENTO
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE EXECUÇÃO. PENHORA. VENCIMENTOS. DÍVIDA DE NATUREZA ALIMENTAR OU VALOR RECEBIDO SUPERIOR A 50 SALÁRIOS MÍNIMOS. NÃO CONFIGURADO. SÚMULA 568/STJ. 1. A impenhorabilidade de vencimentos somente é excepcionada para pagamento de dívidas de natureza alimentar ou na hipótese dos valores recebido pelo executado forem superiores a 50 salários mínimos mensais, nos termos da literalidade do art. 833, IV e §2º, do CPC. 2 . Agravo interno desprovido (AgInt no AgInt no AREsp 1.640.504/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Terceira Turma, j. em 19/10/2020, DJe 21/10/2020)
. A jurisprudência vem entendendo que “a regra geral da impenhorabilidade dos vencimentos, dos subsídios, dos soldos, dos salários, das remunerações, dos proventos de aposentadoria, das pensões, dos pecúlios e dos montepios, bem como das quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, dos ganhos de trabalhador autônomo e dos honorários de profissional liberal poderá ser excepcionada, nos termos do art. 833, IV, c/c o § 2° do CPC/2015, quando se voltar: I) para o pagamento de prestação alimentícia, de qualquer origem, independentemente do valor da verba remuneratória recebida; e II) para o pagamento de qualquer outra dívida não alimentar, quando os valores recebidos pelo executado forem superiores a 50 salários mínimos mensais, ressalvadas eventuais particularidades do caso concreto. Em qualquer circunstância, deverá ser preservado percentual capaz de dar guarida à dignidade do devedor e de sua família” (REsp 1.407.062/MG. Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 26/2/2019).
Inteiro teor:
5.3 Em razão dessa dispersão de entendimentos, há pouco tempo, a Corte Especial, no julgamento dos Embargos de Divergência n° 1.582.475/MG, reconheceu a divergência entre as Turmas integrantes da Primeira Seção - que só admitem a penhora das verbas previstas no art. 649, IV, do CPC/73 nos casos de crédito de natureza alimentar - e as Turmas integrantes da Segunda Seção - que, num viés mais abrangente, como antes referido, admitem a penhora em casos de empréstimo consignado e em situações nas quais a constrição parcial não traga prejuízo à dignidade e subsistência do devedor e de sua família.
Naquela oportunidade, restou delimitada a seguinte ratio decidendi: definir se o § 2° do art. 649 do CPC/73 comporta, para além da exceção explícita - pagamento de prestação de alimentos -, a possibilidade de reconhecimento de outras exceções à impenhorabilidade da verba remuneratória.
O voto condutor estabeleceu que a interpretação mais adequada é a adotada pela Terceira Turma, que admite o reconhecimento de flexibilização da impenhorabilidade quando a constrição dos vencimentos do devedor não for capaz de atingir a dignidade ou a subsistência do devedor e de sua família.
[…]
- O presente caso trata de execução proposta por pessoa jurídica almejando o recebimento de crédito referente à compra de mercadorias recebidas e não pagas pelo devedor no importe de R$ 5.352,80, que, em 8/10/2008, já alcançava o montante de R$ 18.649,07 (fl. 73).
Trata-se, portanto, de dívida não alimentar, não relacionada a rendas percebidas por pessoas naturais pelo exercício de seu trabalho, tampouco a montante devido a título de prestação alimentícia. Por outro lado, também não há notícia de que as somas estão sendo desviadas para entesouramento do devedor, afastando sua natureza remuneratória.
Ainda assim, tanto o magistrado de piso como o Tribunal de origem entenderam pela viabilidade do bloqueio de 30% do benefício previdenciário (auxílio-doença) recebido pelo executado - à época correspondente ao desconto de R$ 305,46 do valor mensal recebido de R$ 927,46 -, posto que tal percentual, segundo os julgados, preservaria o suficiente para garantir a subsistência digna do devedor e de sua família.
- Apesar de o acórdão recorrido, aparentemente, estar em conformidade com o entendimento exarado no Eresp n° 1.582.475/MG, da Corte Especial - acima referido -, não tenho dúvidas de que a questão merece análise mais acurada.
Realmente, não se pode conferir interpretação tão ampla ao dispositivo do julgado da Corte Especial a ponto de afastar qualquer diferença, para fins de exceção à impenhorabilidade, entre as verbas de natureza alimentar e aquelas que não possuem tal caráter.
Com efeito, caso se leve em conta apenas o critério da preservação de percentual de verba remuneratória capaz de dar guarida à dignidade do devedor e de sua família, estar-se-á, em verdade, deixando de lado o regramento expresso do Código de Processo Civil e sua ratio legis, que estabelecem evidente diferença entre as verbas sem que tenha havido para tanto a revogação do dispositivo de lei ou a declaração de sua inconstitucionalidade.
Nelson Nery Junior pontua que, “diferentemente do que ocorre com a execução de alimentos, as dívidas comuns não gozam de status diferenciado que permita a penhora indiscriminada dos bens do executado” (Comentários ao Código de Processo Civil, São Paulo: RT, 2015, p. 1.709).
Nessa ordem de ideias, penso que, visando excepcionar a impenhorabilidade legal, deve-se ter como norte: 1°) a natureza do crédito, alimentar ou não alimentar; 2°) o critério eleito pelo legislador, a depender de tal natureza, para flexibilizar a regra. O novo CPC, no ponto, foi enfático, estabelecendo que a penhora do salário só será autorizada quando se voltar para o pagamento: 1) de prestação alimentícia, de qualquer origem, independentemente do valor da verba remuneratória recebida; e 2) de qualquer outra dívida não alimentar, quando valores recebidos forem superiores a 50 salários mínimos mensais.
A redação do dispositivo foi a seguinte:
§ 2º O disposto nos incisos IV e X do caput não se aplica à hipótese de penhora para pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem, bem como às importâncias excedentes a 50 (cinquenta) salários-mínimos mensais, devendo a constrição observar o disposto no art. 528, § 8º, e no art. 529, § 3º.
Deveras, mesmo em se tratando de valores bem elevados - 50 (cinquenta) salários mínimos mensais -, verifica-se que o legislador fez opção consciente ao estabelecer um piso ad valorem, conforme se verifica do Parecer final da Comissão Temporária do Senado Federal para reforma do Código de Processo Civil sobre o Substitutivo da Câmara dos Deputados. Veja-se:
Rendimentos elevados, assim entendidos os superiores a cinquenta salários mínimos mensais, não devem ser blindados pelo manto da impenhorabilidade no que exceder a esse patamar, sob pena de prestigiar o luxo do devedor em detrimento da penúria do credor. (Parecer n° 956, de 2014 da comissão temporária do Código de Processo Civil, sobre o Substitutivo da Câmara dos Deputados (SCD) ao Projeto de Lei do Senado (PLS) nº 166, de 2010, que estabelece o Código de Processo Civil. RELATOR: Senador VITAL DO RÊGO, p. 164)
É o que assevera a doutrina especializada, inclusive no que tange à crítica em relação ao montante imposto pela norma para fins de flexibilização da impenhorabilidade:
Mas a principal inovação e a penhorabilidade ampla do salário, acima de determinado valor (50 salários mínimos mensais). Não se trata da primeira tentativa legislativa de penhorar salário. […] O CPC/2015 não coloca o exequente em posição de vantagem em relação ao executado. Busca-se o equilíbrio: de um lado, a proteção ao executado (princípio da menor onerosidade, art. 805); do outro, a possibilidade de satisfação do crédito do exequente (princípio da efetividade da execução, art. 797). Tanto é assim que a regra ainda é a impenhorabilidade dos salários (inciso IV) ou da reserva pessoal (inciso X). A penhora é exceção. Ainda que se trate de salário, será penhorável essa quantia para (i) pagamento de prestação alimentícia, de qualquer origem - seja de alimentos decorrentes de direito de família, seja decorrente de ato ilícito e (ii) para valores superiores a 50 salários mínimos mensais, para qualquer outra dívida não alimentar.
9.5. O valor de 50 salários mínimos mensais é, sem duvidas, elevado para a realidade brasileira, pois são poucos os devedores que percebem mensalmente tal quantia. E certo que mais adequado para o país seria a penhora a partir de um valor menor. Porém, é relevante a quebra do dogma de absoluta impenhorabilidade de salário no Brasil. E isso abre o caminho para que, nas próximas reformas processuais, o valor seja minorado. (GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Execução e recursos: comentários ao CPC 2015. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 239-240)
[…]
Portanto, bem ou mal, o legislador foi expresso em autorizar a penhorabilidade das verbas remuneratórias do executado quando se estiver diante de crédito não alimentar, desde que seja observado o piso de 50 salários mínimos por mês.
Por fim, é importante registrar que, em 2006, quando da edição da Lei 11.382, houve a tentativa de estabelecer, no CPC/73, um critério mais detalhado em relação ao regime de impenhorabilidade dos vencimentos que, no entanto, não logrou êxito em razão do veto presidencial.
Seria o equivalente ao § 3º do art. 649 do CPC, cujo texto parecia ter como norte as verbas de natureza diversa da alimentar. Confira-se:
§ 2º O disposto no inciso IV do caput deste artigo não se aplica no caso de penhora para pagamento de prestação alimentícia.
§ 3º Na hipótese do inciso IV do caput deste artigo, será considerado penhorável até 40% (quarenta por cento) do total recebido mensalmente acima de 20 (vinte) salários mínimos, calculados após efetuados os descontos de imposto de renda retido na fonte, contribuição previdenciária oficial e outros descontos compulsórios. (vetado)
Pela justificativa do veto, ressaltou-se que a alteração quebraria o dogma da impenhorabilidade de verbas de natureza alimentar, conquanto se tenha enfatizado a razoabilidade da previsão:
A proposta parece razoável porque é difícil defender que um rendimento líquido de vinte vezes o salário mínimo vigente no País seja considerado como integralmente de natureza alimentar. Contudo, pode ser contraposto que a tradição jurídica brasileira é no sentido da impenhorabilidade, absoluta e ilimitada, de remuneração. Dentro desse quadro, entendeu-se pela conveniência de opor veto ao dispositivo para que a questão volte a ser debatida pela comunidade jurídica e pela sociedade em geral.
Assim, em conclusão, a regra geral da impenhorabilidade dos vencimentos, dos subsídios, dos soldos, dos salários, das remunerações, dos proventos de aposentadoria, das pensões, dos pecúlios e dos montepios, bem como das quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, dos ganhos de trabalhador autônomo e dos honorários de profissional liberal poderá ser excepcionada, nos termos do art. 833, IV, c/c o § 2° do CPC/2015, quando se voltar: I) para o pagamento de prestação alimentícia, de qualquer origem, independentemente do valor da verba remuneratória recebida; e II) para o pagamento de qualquer outra dívida não alimentar, quando os valores recebidos pelo executado forem superiores a 50 salários mínimos mensais, ressalvando-se eventuais particularidades do caso concreto. Em qualquer circunstância, deverá ser preservado percentual capaz de dar guarida à dignidade do devedor e de sua família.
O prazo para impugnação se inicia após 15 dias da intimação para pagar o débito, ainda que o executado realize o depósito para garantia do juízo no prazo para pagamento voluntário?
Sim.
Exemplo: o credor iniciou o cumprimento da sentença. Em 19/4/2016, o devedor foi intimado para que, em 15 dias, efetuasse o pagamento. Em 09/05/2016, o devedor depositou em juízo o valor da condenação apenas para fins de garantia do juízo e para obter efeito suspensivo na impugnação que ainda iria apresentar. Em 03/06/2016, o devedor apresentou a impugnação.
O exequente alegou que a impugnação foi apresentada fora do prazo. Isso porque o prazo de 15 dias para a impugnação deveria ser contado da data em que foi feito o depósito judicial (09/05/2016). O STJ não concordou e disse que o prazo de 15 dias para a impugnação começa a contar após terminar o prazo de 15 dias para o pagamento. STJ. 3ª Turma. REsp 1.761.068-RS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Rel. Acd. Min. Nancy Andrighi, julgado em 15/12/2020 (Info 684).
No CPC/2015, com a redação do art. 525, § 6º, a garantia do juízo deixa expressamente de ser requisito para a apresentação do cumprimento de sentença, passando a se tornar apenas mais uma condição para a suspensão dos atos executivos. Por essa razão, no atual Código, a intimação da penhora e o termo de depósito não mais demarcam o início do prazo para a oposição da defesa do devedor, sendo expressamente disposto, em seu art. 525, caput, que o prazo de 15 dias para a apresentação da impugnação se inicia após o prazo do pagamento voluntário.