Hermenêutica Constitucional Flashcards
Mutação Constitucional
Alterações no significado e sentido interpretativo de um texto constitucional. A transformação não está no texto em si, mas na interpretação daquela regra enunciada. O texto permanece inalterado. As mutações constitucionais, portanto, exteriorizam o caráter dinâmico e de prospecção das normas jurídicas, por meio de processos informais. Informais no sentido de não serem previstos dentre aquelas mudanças formalmente estabelecidas no texto constitucional.
Requisitos: a) lastro democrático, isto é, deve corresponder a uma demanda social efetiva por parte da coletividade, estando respaldada, portanto, pela soberania popular; b) não afrontar os princípios estruturantes da Constituição.
Mecanismos de mutação constitucional
- Interpretação judicial: a evolução da jurisprudência da Corte Suprema, nos limites propostos, inegável exteriorização da mutação constitucional;
- Interpretação administrativa: a evolução interpretativa poderá ser verificada, também, no âmbito administrativo. Como exemplo, a Res. n. 7/CNJ, que, reconhecendo novas perspectivas aos princípios da impessoalidade e da moralidade, deu novo e restritivo sentido ao nepotismo;
- por via de costumes constitucionais: certas práticas reiteradas ensejaram mudanças no sentido interpretativo da Constituição. Como exemplo, a possibilidade de o Chefe do Poder Executivo negar a aplicação de lei que de modo fundamentado considere inconstitucional. Outro exemplo, antes do advento da EC n. 32/2001, destaca-se a reedição de medida provisória, desde que não houvesse expressa rejeição ou alteração do texto, e a Suprema Corte admitir a quebra de sigilos bancários e fiscais;
- atuação do legislador: quando, por ato normativo primário, procurar alterar o sentido já dado a alguma norma constitucional. Como exemplo, depois de modificado o
entendimento sobre a prerrogativa de foro pelo STF, que, cancelou a S. 394, o Congresso Nacional procurou resgatar o sentido dessa súmula, nos termos da Lei n. 10.628/2002. Cabe lembrar que o STF declarou inconstitucional referido ato normativo. Para se ter um outro exemplo, agora de “reversão legislativa da jurisprudência da Corte” por emenda constitucional, após o reconhecimento da inconstitucionalidade da vaquejada pelo STF, a aprovação da EC n. 96/2017.
Regras e princípios
Espécies de normas e que, como referenciais para o intérprete, não guardam, entre si, hierarquia, especialmente diante da ideia da unidade da Constituição.
Diferenças entre regrase princípios (Canotilho), quanto ao:
■ grau de abstração: “os princípios são normas com um grau de abstração relativamente elevado; de modo diverso, as regras possuem uma abstração relativamente reduzida”;
■ grau de determinabilidade na aplicação do caso concreto: “os princípios, por serem vagos e indeterminados, carecem de mediações concretizadoras (do legislador, do juiz), enquanto as regras são susceptíveis de aplicação direta”;
■ carácter de fundamentalidade no sistema das fontes de direito: “os princípios são normas de natureza ou com um papel fundamental no ordenamento jurídico devido à sua posição hierárquica no sistema das fontes (ex.: princípios
constitucionais) ou à sua importância estruturante dentro do sistema jurídico (ex.: princípio do Estado de Direito)”;
■ “proximidade” da ideia de direito: “os princípios são ‘standards’ juridicamente vinculantes radicados nas exigências de ‘justiça’ (DWORKIN) ou na ‘ideia de direito’ (LARENZ); as regras podem ser normas vinculativas com um conteúdo meramente funcional”;
■ natureza normogenética: “os princípios são fundamentos de regras, isto é, são normas que estão na base ou constituem a ratio de regras jurídicas, desempenhando, por isso, uma função normogenética fundamentante”.
Robert Alexy caracteriza os princípios como mandamentos ou mandados de otimização (sendo esta a sua principal contribuição à ideia inicial). Em suas palavras:
■ regras: “… são normas que são sempre ou satisfeitas ou não satisfeitas. Se uma regra vale, então, deve se fazer exatamente aquilo que ela exige; nem mais, nem menos. Regras contêm, portanto, determinações no âmbito daquilo que é fática e juridicamente possível. Isso significa que a distinção entre regras e princípios é uma distinção qualitativa, e não uma distinção de grau. Toda norma é ou uma regra ou um princípio”;
■ princípios: “… normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Princípios são, por conseguinte, mandamentos de otimização, que são caracterizados por
poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida devida de sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas. O âmbito das possibilidades jurídicas é determinado pelos princípios e regras colidentes”.
Postulados Normativos
Metanormas ou normas de segundo grau, instituindo critérios de aplicação de outras normas situadas no plano do objeto da aplicação. Assim, podem ser caracterizados como normas metódicas, fornecendo critérios bastante precisos para a aplicação do Direito, destacando-se os postulados inespecíficos (ponderação, concordância prática e proibição de excesso) e os
postulados específicos (igualdade, razoabilidade e proporcionalidade).
Métodos de interpretação
- Método jurídico ou hermenêutico clássico: Para os que se valem desse método, a Constituição deve ser encarada como uma lei e, assim, todos os métodos tradicionais de hermenêutica deverão ser utilizados na tarefa interpretativa;
- Método tópico-problemático (ou método da tópica):
Por meio desse método, parte-se de um problema concreto para a norma, atribuindo-se à interpretação um caráter prático na busca da solução dos problemas concretizados. A Constituição é, assim, um sistema aberto de regras e princípios. - Método hermenêutico-concretizador: Diferentemente do método tópico-problemático, que parte do caso concreto para a norma, o método hermenêutico-concretizador parte da Constituição para o problema;
- Método científico-espiritual: A análise da norma constitucional não se fixa na literalidade da norma, mas parte da realidade social e dos valores subjacentes do texto da Constituição.
Assim, a Constituição deve ser interpretada como algo dinâmico e que se renova constantemente, no compasso das modificações da vida em sociedade; - Método normativo-estruturante: A doutrina que defende esse método reconhece a inexistência de identidade entre a norma jurídica e o texto normativo. Isso porque o teor literal da norma (elemento literal da doutrina clássica), que será considerado pelo intérprete, deve ser analisado à luz da concretização da norma em sua realidade social. A norma terá de ser concretizada não só pela atividade do legislador, mas, também,
pela atividade do Judiciário, da administração, do governo etc; - Método da comparação constitucional
A interpretação dos institutos se implementa mediante comparação nos vários
ordenamentos.
Estabelece-se, assim, uma comunicação entre as várias Constituições. Partindo dos 4 métodos ou elementos desenvolvidos por Savigny (gramatical, lógico, histórico e
sistemático), Peter Häberle sustenta a canonização da comparação constitucional como um quinto método de interpretação.
Princípios da interpretação constitucional
■ Princípio da unidade da Constituição: A Constituição deve ser sempre interpretada em sua globalidade, como um todo, e,
assim, as aparentes antinomias deverão ser afastadas. As normas deverão ser vistas como preceitos integrados em um sistema unitário de regras e princípios;
■ Princípio do efeito integrador: Muitas vezes associado ao princípio da unidade, conforme ensina Canotilho, “… na
resolução dos problemas jurídico-constitucionais deve dar-se primazia aos critérios ou pontos de vista que favoreçam a integração política e social e o reforço da unidadepolítica. O princípio do efeito integrador não se assenta numa concepção integracionista de Estado e da sociedade (conducente a
reducionismos, autoritarismos, fundamentalismos e transpersonalismos políticos), antes arranca da conflitualidade constitucionalmente racionalizada para conduzir a soluções pluralisticamente integradoras”;
■ Princípio da máxima efetividade: Também chamado de princípio da eficiência ou da interpretação efetiva, o princípio da máxima efetividade das normas constitucionais deve ser entendido no sentido de a norma constitucional ter a mais ampla efetividade social. Segundo Canotilho, “é um princípio operativo em relação a todas e quaisquer normas constitucionais, e embora a sua origem esteja ligada à tese da atualidade das normas programáticas (THOMA), é hoje sobretudo invocado no âmbito dos direitos fundamentais (no caso de dúvidas deve preferir-se a interpretação que reconheça maior eficácia aos direitos fundamentais)”.
■ Princípio da justeza ou da conformidade (exatidão ou correção) funcional: O intérprete máximo da Constituição, no caso brasileiro o STF, ao concretizar a norma constitucional, será responsável por estabelecer a força normativa da Constituição, não podendo alterar a repartição de funções constitucionalmente estabelecidas pelo constituinte originário, como é o caso da separação de poderes, no sentido de preservação do Estado de Direito.
■ Princípio da concordância prática ou harmonização: Partindo da ideia de unidade da Constituição, os bens jurídicos constitucionalizados deverão coexistir de forma harmônica na hipótese de eventual conflito ou concorrência entre eles, buscando, assim, evitar o sacrifício (total) de um princípio em relação a outro em choque. O fundamento da ideia de concordância decorre da inexistência de hierarquia entre os princípios.
■ Princípio da força normativa: Os aplicadores da Constituição, ao solucionar conflitos, devem conferir a máxima efetividade às normas constitucionais.
■ Princípio da interpretação conforme a Constituição Diante de normas plurissignificativas ou polissêmicas (que possuem mais de uma interpretação), deve-se preferir a exegese que mais se aproxime da Constituição e, portanto, que não seja contrária ao texto constitucional.
■ Princípio da proporcionalidade ou razoabilidade: utilizado, de ordinário, para aferir a legitimidade das restrições de direitos — muito embora possa aplicar-se, também, para dizer do equilíbrio na concessão de poderes, privilégios ou benefícios, em essência, consubstancia uma pauta de natureza axiológica que emana diretamente das ideias de justiça, equidade, bom senso, prudência, moderação, justa medida, proibição de
excesso, direito justo e valores afins; precede e condiciona a positivação jurídica, inclusive de âmbito constitucional; e, ainda, enquanto princípio geral do direito, serve de regra de interpretação para todo o ordenamento jurídico. Importantes dispositivos normativos explicitamente adotam o princípio da proporcionalidade (que, no plano constitucional, não está
enunciado de modo formal e categórico, mas decorre do devido processo legal, em sua acepção substantiva — art. 5.º, LIV): Art. 156 do CPP, Art. 282, I e II, do CPP, Art. 438, §§ 1.º e 2.º, do CPP.
Teoria dos poderes implícitos
Decorre de doutrina que, tendo como precedente o célebre caso McCULLOCH v. MARYLAND(1819), da Suprema Corte dos Estados Unidos, estabelece: “… a outorga de competência expressa a determinado órgão estatal importa em deferimento implícito, a esse mesmo órgão, dos meios necessários à integral realização dos fins que lhe foram atribuídos” (MS 26.547-MC/DF, Rel. Min. Celso de Mello, j. 23.05.2007, DJ de 29.05.2007).