Esclerose Múltipla Flashcards

1
Q

Como se caracteriza a esclerose múltipla?

A

O estudo da esclerose múltipla (EM) atualmente está estruturado pela anamnese, exame neurológico, exames de imagem de ressonância magnética (IRM) do sistema nervoso central (SNC), líquido cefalorraquidiano (LCR) e exames de sangue. A característica fundamental da doença** é a apresentação clínica na forma de surtos denominada de remitente-recorrente. O conceito de cronicidade pode ser observado pela história clínica ou pelo seguimento realizado através das IRM do encéfalo e da medula espinal.**

A doença caracteriza-se por um processo inflamatório na substância branca (SB) do SNC, que é iniciado e mantido pela ativação de células T da linhagem CD4. Agentes virais ou outros antígenos ambientais podem ser o gatilho da auto-agressão em pacientes geneticamente suscetíveis.

O alvo da agressão imune** é a bainha de mielina e oligodendrócitos do SNC. A doença tem a evolução com surtos ou progressiva na qual 50% dos pacientes, após 10 anos de sintomas, apresentam incapacidade locomotora**. A evolução progressiva apresenta etiopatogenia própria na qual mecanismos de degeneração substituem o processo inflamatório. Nessa fase da doença a destruição axonal é provocada por alterações de canais iônicos que aumentam a entrada de cálcio e ativam as proteases intracelulares. Os medicamentos disponíveis atualmente modificam o período remitente-recorrente da doença, enquanto a evolução progressiva pouco se modifica por agentes imunossupressores ou imunomoduladores. O tratamento sintomático é necessário e deve ser sempre ajustado para cada paciente visando melhorar sua qualidade de vida.

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2
Q

Como é a epidemiologia da esclerose múltipla?

A

Os estudos epidemiológicos favorecem o conhecimento das doenças porque permitem pesquisar a importância dos fatores ambientais, endógenos e genéticos no desenvolvimento ou na manutenção das mesmas. A EM é uma doença que tem expressão populacional variável dependendo da região do estudo. Para doenças raras, o estudo da prevalência é o mais adequado. Fixa-se a base populacional em cem mil habitantes e identificam-se todos os portadores da doença. De acordo com a prevalência, a EM pode ser dividida em baixa prevalência – inferior a 5 pacientes/100.000 habitantes (5/105 ) –, média prevalência de 5 a 30/105 habitantes e alta prevalência – acima de 30 pacientes/100.000 habitantes. As diferenças de prevalências registradas através dos estudos epidemiológicos induziram os estudiosos a pesquisar quais fatores ou agentes que poderiam estar relacionados e provocar essas diferenças. Assim foram estudados fatores geográficos, socioculturais, biológicos, climáticos, raciais, alimentares, na tentativa de definir-se uma causa etiopatogênica no desencadeamento da doença e fatores para sua manutenção2 . Trabalhos importantes sobre a distribuição regional da doença foram muito valorizados em razão do fato de a EM ser mais freqüente nos países de clima frio, baixa insolação e alta latitude. Em contraposição, os trabalhos com migrações de povos de áreas de alto risco para áreas de baixo risco mostraram que o fator genético aliado ao novo ambiente poderiam explicar a nova prevalência da doença na população migrante. O grupo de pessoas da população migrante mais idoso desenvolvia a doença na mesma prevalência que a da região de origem, enquanto no grupo mais jovem, abaixo dos 15 anos, a doença era menos prevalente quando comparada à região de origem, mas mais elevada se comparada aos nativos. Para analisar os estudos de prevalência da EM no Brasil deve-se compreender sua miscigenação étnica. Na região Sudeste a prevalência da EM foi registrada em 15/105 na cidade de São Paulo no ano de 1997 e 17/105 na cidade de Botucatu no ano de 2000. Na cidade de Belo Horizonte, a prevalência foi de 20/105 em 2001; resultados semelhantes e de média prevalência, em razão da mesma constituição étnica para a região Sudeste do Brasil. Em outras cidades da região Sul, foram realizados estudos de prevalência com resultados ligeiramente superiores. No Nordeste, os estudos revelam uma prevalência menor, da ordem de 4-5/105 habitantes3 (Figura 1).

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3
Q

Genética e esclerose múltipla

A

Os estudos sobre a patogenia da EM evoluíram de forma contínua ao longo das duas últimas décadas e esses estudos sofreram grande impulso com o conhecimento da genética molecular. A importância da genética no desencadeamento da doença teve origem nos estudos epidemiológicos quando foram identificados que portadores da EM eram da raça caucasóide, quando os gêmeos eram mais suscetíveis de desenvolver a doença que parentes mais distantes da mesma família e a descrição de determinados antígenos de histocompatibilidade mais freqüentes nos portadores da EM. Essas descrições permitiram a conclusão de que a influência genética no aparecimento da doença é inegável e que a suscetibilidade estaria relacionada a um ou mais genes. Atualmente, os estudos genéticos apontam para a interação de vários genes para determinar a suscetibilidade à EM. A EM, assim como a artrite reumatóide e o diabetes mellitus (insulino-dependente), são concordantes em 20% dos gêmeos monozigóticos enquanto entre gêmeos dizigóticos a concordância não é superior a 5%. Para o estudo da suscetibilidade genética acrescenta-se ainda comparar a freqüência da EM nos irmãos dos pacientes com a doença e a freqüência da doença na população. A relação dessas duas freqüências dá uma visão da influência da hereditariedade da doença. Os estudos de famílias com um portador de EM observaram que o risco do aparecimento da doença nas irmãs jovens foi 4,4% e para os irmãos 3,2%; riscos semelhantes ou menores para as filhas 3,2% e filhos 0,6% e sem risco de desenvolver a doença para qualquer parente que tenha ultrapassado a idade de 50 anos4 (Quadro I). Outros genes envolvidos na condição de fatores de risco para o desenvolvimento da EM foram estudados e estão relacionados com os genes do receptor do linfócito T, gene da imunoglobulina, genes das quimiocinas.
Nesse setor de moléculas, duas foram identificadas como mais freqüentes e mais envolvidas com a atividade de mononucleares, a família CC que atraem basófilos, eosinófilos, células dendríticas e células natural killer. A subfamília CXC é outro grupo de moléculas que atraem os linfócitos de forma mais potente e duradoura. Os genes relacionados à produção dessas moléculas também são estudados como envolvidos nos fatores de risco de doença, assim como gravidade da EM. Os estudos do polimorfismo das moléculas CCR2, receptor alfa da IL-2, os alelos das interleucinas TNF alfa e beta‚ e os genes do Fas-L sugerem que esses genes podem conferir fator de proteção enquanto o polimorfismo dos alelos da quimiocina CCR5, IL-10, receptor alfa da interleucina IL-4, receptor beta‚ da interleucina IL-2 interféron-gama vitamina D, receptor do estrógeno podem conferir fator de risco para a doença. Estudos de rearranjo gênico (microarray) e PCR conseguiram demonstrar a expressão de alguns genes, por exemplo, um ou dois genes do cromossoma 6p21.3 (heat shock protein70) e de certos componentes da família das histonas, uma elevada diferença entre sadios e portadores (80%), permitindo separar sadio, doente fora de atividade e doente em atividade e demonstrar a importância dessas duas moléculas no processo inflamatório da doença. Os estudos dos rearranjos gênicos, embora muito promissores para o estudo do comportamento dos diferentes grupos de pacientes, ainda não permitiram identificar um gene específico, envolvido na instalação e manutenção da inflamação na EM.

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4
Q

Anatomia patológica da esclerose múltipla

A

O processo inflamatório tem início na parede interna da vênula, da substância branca (SB) do SNC quando os linfócitos T e B interagem com as células endoteliais por meio das diferentes moléculas de adesão. As células estabelecem uma interação para migrarem através da superfície endotelial provocando uma lise da membrana basal através da ativação das metaloproteinases (MMPs) que atuam sobre o colágeno e a fibronectina, permitindo a passagem dessas células com maior facilidade. A densidade de tais células no parênquima cerebral é observada através da histopatologia da SB como um aglomerado celular linfocitário perivenular. A descrição de Dawson, em 1916 (manguito celular perivenular – dedos de Dawson), representa a primeira interpretação para o início do processo inflamatório celular/desmielinizante, representação do início da desmielinização em placas. As descrições anatomopatológicas foram ao longo das décadas revelando detalhes da destruição da bainha de mielina por células de origem hematológica situadas na periferia intraparenquimatosa da vênula e que migraram do vaso para o SNC. Inúmeros patologistas tentaram esclarecer através dos recursos de histopatologia: microscopia eletrônica, métodos de coloração especiais, anticorpos monoclonais imunohistoquímicos, os tipos de células que iniciam e perpetuam o processo inflamatório da desmielinização. A dificuldade no estudo da anatomia patológica da EM deve-se à escassa quantidade de material para análise, visto que o estudo das etapas iniciais do processo inflamatório são de difícil obtenção, sendo o material de necrópsia um material da fase final de destruição em razão da longevidade dos doentes. Como a complicação fatal costuma ocorrer numa fase da doença em que a atividade da inflamação é rara, a histopatologia identificará somente gliose nas áreas que foram sede de lesão. Os estudos de necrópsia de pacientes com diagnóstico clínico de EM permitiram que fossem estudadas peças anatômicas de cérebro com colorações e fixação especiais demonstrando as placas de desmielinização e sua localização na substância branca do encéfalo. As placas são de tamanho variável e formato elíptico ou, quando confluentes de formato irregular, como se vê na Figura 2. A doença tem uma evolução crônica contínua desde quando se instala, isso pode ser visto na análise de várias lesões; observa-se num mesmo encéfalo lesões em estágio inicial e placas de gliose reparadora final do processo inflamatório. As diferentes imagens da inflamação podem ser vistas nas lâminas da Figura 2. Os nervos periféricos não são acometidos pela desmielinização da EM. A biópsia cerebral, realizada em pacientes com doença cujo diagnóstico não estava ainda definido, permitiu que centros de maior afluência de doentes, com doenças desmielinizantes, pudessem reunir inúmeras amostras de tecido cerebral. Por causa dessa condição e da possibilidade de analisar o tecido cerebral com placas agudas e crônicas por meio das técnicas especiais para estudo citológico permitiu que neuropatologistas descrevessem padrões de desmielinização (Quadro II). Esses padrões histopatológicos e provável etiopatogenia foram identificados nos pacientes independentemente das formas clínicas. Essas observações de Lucchinetti et al. (1996) e Lassmann et al. (2001), forneceram informações decisivas para o conhecimento da doença, confirmando a importância da vertente celular na inflamação, com a participação do anticorpo, vertente humoral, para a destruição da bainha de mielina. Na Figura 4 estão representados os quatro padrões de desmielinização descritos por aqueles neuropatologistas, demonstrando por meio da patologia como a placa de desmielinização se organiza e ocorre a destruição do tecido cerebral, iniciando pela bainha de mielina, oligodendrócito e, finalmente, envolvendo o axônio. O processo inflamatório pode ser interrompido em qualquer momento da lesão, espontaneamente ou mediante tratamento. Nas áreas de edema a reversibilidade é completa da função clinicamente observada e anatomicamente não há lesão mielínica ou axonal, se houve destruição mielínica, preservando o axônio, a remielinização pode ocorrer e quando o axônio é destruído, não há mais elementos para induzir a remielinização. Na histopatologia de algumas áreas observa-se a presença dos corpúsculos esferóides representando a irreversibilidade da lesão, representam a secção transversal do axônio, com abundante proliferação glial. Na Figura 3, observa-se a presença dos corpúsculos que podem aparecer em lesões recentes ou antigas associados a pequenas áreas de gliose definitiva6,7.

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5
Q

Alterações metabólicas que ocorrem na placa desmielinizante

A

O manguito celular perivenular é constituído de células da linhagem linfócitos T, B e macrófagos e na periferia vão se agrupando com células de origem microglial. Dentro do parênquima cerebral essas células são reativadas por um novo processo de apresentação de antígenos através de células macrofágicas e dendríticas e ocorre um novo reforço de agressão imune contra os antígenos. Esses antígenos são definidos como: proteolípides, proteína básica da mielina (PBM), proteínas da membrana do oligodendrócito (MOG) e glicoproteína da membrana do oligodendrócito (MAG). Essas proteínas são os antígenos da SB alvo do processo inflamatório que se mantém durante um período prolongado no SNC. A ativação inicial da doença é desencadeada por antígenos ainda não conhecidos, teoricamente fora do SNC, e a manutenção pelos antígenos componentes do SNC anteriormente descritos. No microambiente da inflamação que se inicia ao redor da vênula com pequenos infiltrados pode haver ampliação e confluência da lesão aumentando a área do SNC lesado. Essa ampliação decorre do envolvimento crescente de determinantes antigênicos que passam a ser expressos durante a evolução da EM. A exposição de novos antígenos permite que o sistema imune, no reconhecimento crescente deles, aumente sua capacidade de agressão por uma maior liberação de interleucinas inflamatórias. A cronicidade da doença é acompanhada de uma ampliação de antígenos do SNC expressos e reconhecidos pelo sistema imune. As células B no interior do encéfalo são também reativadas contra os antígenos descritos e passam a produzir imunoglobulinas, na forma de anticorpos, contra a bainha de mielina e oligodendrócito. Os linfócitos T CD4 e CD8 são capazes de ativar macrófagos, produzir radicais livres e interleucinas que provocam efeitos destrutivos teciduais, são ativadas outras células como as células da microglia que, por sua vez, produzem interleucina-12 e interleucina-23, que induzem os linfócitos T a produzir interféron gama e interleucina-17. No microambiente da inflamação são liberados agentes que provocam lise celular, radicais livres do O2, oxido nítrico (NO) e agentes exitotóxicos como o glutamato. Esses agentes facilitam a ação dos macrófagos, cuja atividade nesse ambiente inflamatório destrói a bainha de mielina. Na placa aguda, a destruição do oligodendrócito e mielina ocorre como alvo primário da ação imunomediada enquanto a destruição do axônio na placa aguda ocorre concomitante aos processos líticos do momento. A lesão da mielina e do oligodendrócito ocorre cronicamente na ausência da desmielinização aguda, infiltrados de linfócitos CD8 são identificados nas áreas cicatriciais e continuam destruindo lentamente o complexo oligodendrócito, bainha de mielina e axônio. Embora esse tipo de lesão tenha pouca expressão comparada às lesões na fase aguda, sua cronicidade provoca perdas contínuas irreversíveis. Apesar de o alvo inicial não ser o axônio, sua destruição ocorre em qualquer fase da doença. A destruição da bainha de mielina expõe o axônio, que fica parcialmente suscetível à entrada de cálcio ativando proteases, como as calpainas, que o destrói. A desorganização dos canais iônicos provoca, além da ativação das já referidas proteases, a instabilidade e a destruição mitocondrial, fonte de energia para estabilidade do axônio. A destruição do citoesqueleto axonal e a perda da estrutura energética promovem uma degeneração progressiva de todo o conjunto mielina, axônio e neurônio. Essa lesão axonal ocorre na ausência de atividade inflamatória, lenta e progressiva, além de reduzir o número de neurônios disponíveis para uma função. Aparece o sintoma deficitário progressivo ou se acentua aquele desencadeado pelo surto. Essa forma de lesão do SNC corresponde à fase clínica progressiva secundária e do padrão histopatológico tipo IV de acordo com a Figura 4.
Essa fase da destruição do axônio, sem a clássica inflamação, é conhecida como fase/curso degenerativo da EM8 . Os quatro padrões de desmielinização descritos por Lucchinetti et al. foram observados nos pacientes em estágios iniciais da EM. O padrão III de desmielinização foi encontrado mais freqüentemente nos pacientes nos estágios agudos da EM enquanto os padrões I e II, nos estágios crônicos recentes. O padrão IV foi identificado com menos freqüência e quando o paciente apresentava o curso progressivo com maior expressão clínica. A inflamação pode ter função neuroprotetora às custas de interleucinas antiinflamatórias que são produzidas durante a inflamação. As quimiocinas são fatores de crescimento celular que age na restauração da bainha de mielina, participando como agente de neuroproteção. Isso foi observado inicialmente em nervo óptico de ratos que sofreram lesão por esmagamento. A presença de macrófagos facilitava a neurorregeneração, enquanto ratos destituídos de macrófagos não apresentavam mostras de recuperação neural. Essa observação gerou uma linha de raciocínio na qual a inflamação é necessária para a recuperação mielínica. Observou-se também que os macrófagos recuperam a mielina em cultura de tecidos. Novas proteínas reparadoras originadas dos macrófagos e astrócitos são produzidas no local agindo como os fatores neurotróficos (p. ex., fator neurotrófico derivado das células gliais, fator neurotrófico cerebral, entre outros)9 . A classificação da EM como doença imunomediada está baseada não somente na seqüência dos processos de ativação inflamatória que ocorrem no desenvolvimento da doença, mas também nos antígenos que perpetuam a ação inflamatória no SNC. O desconhecimento do mecanismo deflagrador torna difícil sua completa interpretação. É uma doença descrita como auto-imune organoespecífica, com a existência de um único alvo do processo inflamatório: a bainha de mielina do SNC5 .

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6
Q

Principais características da histopatologia e provável patogenia da EM (4)

A
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7
Q

Fatores que predispõem à inflamação na EM

A

Fatores ambientais de natureza viral, exposição aos raios ultravioleta e menor produção de vitamina D são fatores que indiretamente podem interferir no sistema imunológico. A ação contínua desses fatores contribui para o aparecimento de condições favoráveis para a ativação da linhagem linfocitária de função Th1. A exposição solar reduzida provoca uma maior produção de melatonina, essa é uma condição natural que ocorre nos habitantes das regiões do planeta em altas latitudes. Por outro lado, foi identificado que concentrações elevadas de melatonina provocam uma ativação dos linfócitos que desenvolvem a função Th1. A função Th1 é responsável pelo processo inflamatório da EM10. A condição socioeconômica de uma população pode ser um fator regulatório de incidência da EM, as populações com nível socioeconômico mais desenvolvido apresentam maior incidência da doença. A industrialização, a poluição, os alimentos industrializados, defumados e a redução das infecções infantis, determinariam um desvio da resposta imune para a ativação da função Th1. O Epstein-Barr vírus (EBV) é estudado na pesquisa etiológica da EM, pois a soropositividade para EBV é de 90% entre a população sadia, enquanto nos pacientes com EM, a positividade é de 100%5 . Pender, em 2003, publicou um conceito de que doenças crônicas, como a EM, poderiam ser mantidas por uma infecção crônica dos linfócitos B pelo EBV. Nessa condição, a célula infectada teria trânsito facilitado através da barreira hematoencefálica (BHE) e resistência à apoptose por causa da expressão de moléculas virais anti-apoptose na sua estrutura celular. A presença dessas células infectadas no tecido alvo coestimulariam cronicamente as células T autorreativas11.

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8
Q

A EM é doença inflamatória mais freqüente do SNC, em adultos jovens. Apresenta um grande espectro clínico, sendo reconhecida por sua heterogeneidade clínica. A doença apresenta duas formas bem distintas de evolução, quais são elas?

A

A EM é doença inflamatória mais freqüente do SNC, em adultos jovens. Apresenta um grande espectro clínico, sendo reconhecida por sua heterogeneidade clínica. A doença apresenta duas formas bem distintas de evolução: a forma recorrente-remitente e a forma progressiva. Os princípios básicos do diagnóstico podem ser resumidos em aspectos demográficos, clínicos e laboratoriais. A partir desses princípios, três classificações devem ser mencionadas: critérios clínicos de Schumacher et al. (1965), critérios de Poser et al. (1983) e critérios do Painel Internacional de McDonald et al. (2001). Schumacher et al. elaboraram critérios a partir de observações clínicas que serviram de padrão para as demais classificações12 (Quadro III). Os critérios de Schumacher et al. deram uma uniformidade aos conceitos de recidiva, duração e intervalo entre os sintomas, localização de lesões distintas na SB do SNC com disseminação no tempo e espaço. Poser et al. elaboraram novos critérios, reforçaram os de Schumacher e acrescentaram o auxílio laboratorial fornecido pelo potencial evocado, exame do LCR e exames de imagem do SNC.
A evidência clínica está representada por exame neurológico alterado, que revela os sinais que devem ser interpretados como decorrentes a duas ou mais lesões na substância branca do SNC. No exame do LCR foi destacada a identificação de bandas oligoclonais ou aumento do índice de IgG, positividade necessária para a a categoria clinicamente definido 2, clinicamente provável 3. Para a categoria laboratorialmente definida é provável que as bandas oligoclonais estejam presentes em todas as categorias, sendo que a categoria 1 pode ser substituída por um potencial evocado alterado identificando-se outro sítio distinto lesado no SNC, ou imagem revelando lesões múltiplas disseminadas na SB do SNC13 (Tabela I e Quadro IV). Na classificação do Painel Internacional é valorizada a IRM do encéfalo e da medula espinal para evidenciar a disseminação espacial. A repetição da IRM foi utilizada para evidenciar a disseminação temporal, por meio de nova IRM após um período de três meses. A disseminação espacial pela IRM do Painel Internacional de McDonald para o diagnóstico da EM utiliza os critérios de Barkhof e de Tintoré14 (Quadros V e VI). Para que os critérios de Barkhof et al. tenham uma sensibilidade de 80% é necessário que pelo menos 3 dos quatro critérios estejam presentes15,

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9
Q

Quais são os critérios diagnósticos de Esclerose múltipla?

A
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10
Q

Diagnóstico diferencial da EM.

A

O diagnóstico das doenças desmielinizantes está baseado na anamnese, em sinais clínicos, na avaliação do LCR, no IRM e em exames de sangue. Em algumas situações, o diagnóstico da EM nas fases iniciais só consegue ser definido após a biópsia cerebral. A mielinólise pontina e extrapontina, leucodistrofias (adrenoleucodistrofia), mielopatia pós-radiação são exemplos de doenças crônicas que, apesar de não terem caráter inflamatório, lesam a mielina e podem apresentar evolução progressiva, as primeiras relacionadas com distúrbios metabólicos agudos, geralmente ao metabolismo do sódio, com sintomas graves às vezes, irreversíveis e as leucodistrofias, que englobam várias doenças do metabolismo da mielina e não são inflamatórias (Quadros XI e XII). As vasculites sistêmicas, o lúpus eritematoso sistêmico, a doença de Sjöegren, a doença de Behçet e a sarcoidose podem ter comportamento semelhante ao da EM, tanto no padrão temporal como espacial dos sinais e sintomas neurológicos. As vasculites que comprometem o SNC podem determinar sintomas e sinais clínicos isolados, não ter representação sistêmica com sinais clínicos e nem apresentar marcadores sorológicos. Tratase de uma condição de difícil diagnóstico; o auxílio de exames de IRM do encéfalo permite a identificação de lesões concomitantes na substância cinzenta, confirmando que a vasculite não prioriza a área encefálica. A sarcoidose com padrão tumoral, por vezes englobando nervos cranianos e envolvendo o tronco cerebral, mimetiza muito a evolução da EM, principalmente quando está associada às lesões de nervos cranianos da motricidade ocular, bulbar ou visual. O comprometimento do nervo óptico na sarcoidose está associado à perda visual gradual, porém a associação com papiledema e diabetes insipidus sugere o diagnóstico de sarcoidose. Doença vascular cerebral como embolia de origem cardíaca é muito freqüente em jovens, principalmente nas doenças cardíacas com comprometimento valvar decorrente de doença reumática ou doença de Chagas, endocardite bacteriana, síndrome do anticorpo antifosfolípide e, dessa forma, similar à EM, com distribuição temporal e espacial dos sinais e sintomas, porém com o recurso da IRM e a avaliação sistêmica permitindo o diagnóstico diferencial. As mielopatias recorrentes com duração de meses ou anos podem ser dependentes de malformações vasculares da medula espinal e deve fazer parte a investigação angiográfica das artérias espinais. A superposição dos sintomas e sinais de mielites inflamatórias orientam o neurologista a interromper a investigação, às vezes com documentação indiscutível para a inexistência da malformação vascular. A IRM pode em alguns pacientes sugerir o diagnóstico pela imagem irregular perimedular (Figura 9). Síndromes infecciosas como sífilis meningovascular, doença de Lyme, aids, mielopatia pelo HTLV-I devem estar entre as doenças que mimetizam a EM, porém a análise do LCR, com reações imunológicas específicas, define-se o diagnóstico. Na doença de Lyme, o LCR pode apresentar-se com hipergamaglobulinorraquia, as reações de IgG e IGM para a Borrelia burgdorferi permitem que se defina o diagnóstico. Nas áreas endêmicas, o excesso de positividade das reações imunológicas dificulta o diagnóstico diferencial com EM. O vírus HIV pode provocar lesões desmielinizantes dentro da concepção de processo inflamatório pós-viral, exigindo sempre a realização das reações imunológicas específicas. A mielopatia pelo vírus do HTLV-I provoca lesões na medula espinal toracolombar que mimetizam a EM com predomínio das lesões medulares. A leucoencefalopatia multifocal progressiva, Em virtude do vírus JC, pode apresentar sintomas e sinais neurológicos que simulam a EM. Essa infecção, quando ocorre na vigência de imunodeficiência, é de fácil confirmação, porém pode ser a primeira manifestação da presença do vírus. O uso de corticosteróide agrava a evolução da doença e deve ser evitado. As síndromes paraneoplásicas podem mimetizar a EM sendo que os sintomas neurológicos precedem por vezes o aparecimento da neoplasia; os marcadores poderão estar representados por anticorpos, anticorpo antineuronal (anticélula de Purkinje), anti-Yo na síndrome cerebelar subaguda; encefalite do tronco cerebral, mielite, encefalomielite, apresentando anticorpos anti-Hu. Malformações venosas, encefálicas ou medulares, malformações da transição occípito-cervical (malformação de Chiari), com características multissintomáticas e sintomas paroxísticos, podem sugerir a possibilidade a ocorrência da EM, porém o auxílio da IRM visualizando o SNC, permite identificar qual o tipo de patologia em questão. Doenças carenciais, como a mielose funicular, que podem envolver tratos mielinizados da medula, apresentando características progressivas que simulam a EM, esse diagnóstico será confirmado por determinação da dosagem de vitamina B12. A IRM pode revelar a presença de sinais de lesão na medula cervical, na topografia do funículo posterior, sinal hiperintenso na aquisição FLAIR ou T2. Linfoma do SNC apresenta lesão ou lesões hiperintensas nas aquisições T2 ou FLAIR periventricular que simulam as lesões desmielinizantes; a evolução contínua dos sintomas e sinais neurológicos permitem o diagnóstico. O desaparecimento das lesões com o uso do corticosteróide é uma falsa resposta, retardando a conduta específica. Somente a biópsia do SNC poderá confirmar o diagnóstico de certas lesões que simulam a desmielinização. A variante do linfoma intravascular angioendoteliomatosa no SNC pode, em determinada fase evolutiva, mimetizar, pelo quadro clínico e lesões da IRM à EM, porém a distribuição de lesões em outros órgãos e pele completam o diagnóstico, a biópsia da pele confirma essa doença. Doenças degenerativas como paraplegias espásticas e ataxias hereditárias são de diagnóstico diferencial relativamente difícil pelo fato de serem muitas vezes esporádicas, e por causa da inexistência de marcadores, exceto estudos genéticos, porém a evolução progressiva e a ausência de disfunção miccional auxiliam o diagnóstico27. O diagnóstico diferencial deve constar como etapa fundamental em razão da existência das inúmeras doenças com evolução crônica e com as características de distribuição temporal e disseminação espacial no SNC (Quadro XIII). No Quadro XIV estão relacionados dados relevantes que podem servir de alerta para os diagnósticos diferenciais e exclusão de EM, mesmo com IRM sugestiva

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11
Q

Do primeiro sintoma da doença aos sintomas que são comuns durante décadas, a estrutura básica da EM está vinculada à presença do aparecimento das placas de desmielinização aleatórias na SB do SNC. Os sintomas da fase progressiva correspondem, como regra, a uma acentuação dos sintomas e sinais neurológicos preexistentes. Essa assertiva corresponde ao comportamento básico da doença que é o denominado surto, recidiva ou recorrência. A doença inaugura com sintomas e sinais neurológicos na forma recorrente-remitente (EM-RR) em 85 a 90% dos casos. Ocorre no adulto jovem com idade entre 15 e 45 anos, tendo o seu ponto de maior incidência aos 30 anos. O branco de ascendência caucasóide e do sexo feminino é mais acometido pela doença. As distribuições espacial e temporal das lesões são necessárias e obrigatórias para a confirmação do diagnóstico clínico. A forma EM-RR é classicamente reconhecida e representa a forma de início da grande maioria dos portadores de EM. Para padronizar o curso da EM mantendo uma uniformidade de expressão entre os clínicos e pesquisadores sob os auspícios da Sociedade Nacional da Esclerose Múltipla dos EUA em 1996 e sob a coordenação de Lublin e Reingold, na forma de consenso classificaram o curso da doença em quatro categorias distintas:

A

■ Remitente-recorrente. A EM-RR evolui com surtos bem individualizados, com recuperação total ou com seqüelas; no intervalo entre os surtos a doença se mantém estável, sem progressão.

■ Secundariamente-progressiva. A EM-SP se caracteriza por uma fase precedente de recorrência e remis-sões seguida de progressão dos déficits sem novos surtos ou com surtos subjacentes (forma secundariamente progressiva com surtos), havendo progressão dos déficits entre os surtos.

■ Primariamente-progressiva. A EM-PP se caracteriza **desde o início da doença com progressão dos déficits, evoluindo, entretanto, com períodos de estabilização ou mesmo discreta melhora. **

■ Progressiva-recorrente. A EM-PR se caracteriza desde o início de modo progressivo, intercalada por surtos definidos, com ou sem recuperação total dos surtos; no intervalo dos surtos continua a progressão. A Figura 10 representa a história natural da EM detalhando a evolução clínica com a representação dos surtos no curso EM-RR e no curso EM-SP. Há substituição das lesões inflamatórias pela degeneração, detalhe confirmado pela diminuição das lesões Gd+, assim como aumento das lesões T2 que se tornam confluentes formando os “buracos negros”. O componente degenerativo ocorre mesmo no curso RR da doença, embora o impacto não seja significativo. As lesões são cumulativas e podem ser notadas pelo acompanhamento clínico e de IRM2

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12
Q

Sintomas e sinais neurológicos da EM

A

A doença pode se instalar com um único sintoma ou polissintomática. Nem sempre a apresentação polissintomática corresponde à ocorrência de múltiplos sítios de lesão, é o que se observa nas lesões situadas no tronco cerebral, que uma única lesão pode abranger vias da motricidade ocular, vias sensitivas e motoras, provocando sintomas de diplopia, parestesias, distúrbio da coordenação e déficits motores.** Os sintomas esperados na EM são secundários às lesões dos tratos mielinizados do SNC e, para que sejam interpretados como uma nova desmielinização, devem permanecer durante tempo igual ou superior a 24 horas. **A quantificação dos déficits pode ser realizada pela aplicação de escalas de incapacidade dos diferentes sistemas funcionais lesados. A somatória dessas pontuações permite que se quantifique ao longo dos meses e anos a evolução da doença. As escalas de incapacidade permitem identificar o resultado de terapêuticas modificadoras do curso da doença, assim como em estudos de adequação do atendimento médico e reabilitação. A escala mais utilizada é a de Kurtzke, escala que determina a incapacidade avaliando clinicamente os déficits instalados nos diferentes sistemas acometidos pela doença. É utilizada internacionalmente pela facilidade e recursos originários do próprio exame neurológico, pontuando os déficits de cada sistema lesado e dando origem a uma pontuação que oscila de 0 até 10, sendo 0 o doente assintomático e 10 o paciente que evoluiu a óbito decorrente de complicações da EM29

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Sintomas e sinais motores da EM

A

A intensidade desses sintomas é extremamente variável, podem ser identificados no exame neurológico ou como queixa principal e única do paciente. **Quando ocorre está acompanhado de exaltação dos reflexos miotáticos e sinal de Babinski confirmando a lesão dos sistema corticoespinal. A instalação do sintoma deficitário geralmente é gradual em horas ou dias, raramente agudo como nas síndromes vasculares. Os surtos geralmente determinam sintomas motores assimétricos. A apresentação lenta e insidiosa ocorre nos pacientes com a doença progressiva: SP, PP ou PR. **Nessas condições geralmente são simétricas e acometem mais os membros inferiores e dependendo da evolução já há comprometimento de esfíncter, importante para o diagnóstico diferencial com as síndromes degenerativas espinais. Os exames de IRM permitem estabelecer, algumas vezes, o sítio da lesão que representaria com maior precisão o achado semiológico, embora é um conceito difundido de que não há correlação entre as lesões de IRM e a semiologia. Nas lesões medulares com sítio lesional na medula cervical, o déficit motor pode estar acompanhado pelo sinal de Lhermitte, a localização topográfica é confirmada por esse sinal, embora a sua presença não seja patognomônica das lesões desmielinizantes.

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Sintomas e sinais sensitivos

A

Como sintoma inicial e transitório, de semanas ou meses, ocorre geralmente assimétrico, afetando um segmento ou mesmo um dimídio. As alterações sensitivas são relatadas com extremo detalhe pelos pacientes, o que ocorre em virtude do comprometimento álgico, que às vezes está presente. A dificuldade da identificação semiológica dessas síndromes sensitivas, na ausência de outras manifestações induz o neurologista a erros de interpretação com síndromes psíquicas. A descrição de alteração sensitiva mais característica é a descrita por alguns pacientes com lesão medular torácica; descrevem uma sensação de aperto em faixa e a sensibilidade táctil desse segmento é diminuída. As lesões cervicais posteriores causam distúrbios sensitivos complexos que se irradiam para os braços com abolição dos reflexos miotáticos. Dores fulgurantes distribuídas em faixa correspondendo a distribuição radicular podem ser acompanhadas de manifestações autonômicas transitórias ou permanentes. A alteração da sensibilidade profunda não costuma ser referida pelos pacientes, sendo de intensidade moderada e não interferindo com a marcha ou o equilíbrio. É identificada no exame neurológico por meio da redução da sensibilidade vibratória ou palestésica de forma assimétrica, comprometendo um ou mais segmentos. Em decorrência da lesão sediada no funículo posterior, alguns pacientes apresentam posturas distônicas dos membros superiores, caracterizadas por movimentos involuntários (pseudoatetose) que se acentuam durante o movimento ou oclusão ocular. A marcha pode estar alterada quando há lesões extensas no funículo posterior. Há maior chance de causar marcha talonante ou presença do sinal de Romberg quando a lesão é bilateral.

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Sintomas cerebelares

A

O ato motor pode ser alterado por lesão sensitiva, como foi descrito, porém é a lesão cerebelar que determina os distúrbios de coordenação severos e incapacitantes. As lesões das vias cerebelares são as mais comumente observadas na EM. O tremor de intenção foi parte da tríade descrita originalmente por Charcot. Os sintomas de ataxia cerebelar que ocorrem na vigência de uma recidiva são de pouca recuperação, sugerindo que as lesões dessas vias provocam uma lesão axonal nos primeiros eventos inflamatórios. O reduzido número de conexões associativas dessas vias tornam os correspondentes sintomas mais intensos e duradouros. Assim, os surtos iniciais com sinais cerebelares denunciam um mau prognóstico. A persistência da ataxia cerebelar cria uma disfunção da marcha que gera insegurança. A leitura fica prejudicada, assim como a escrita e fala. O tremor do paciente com EM é assimétrico, ocorre mais freqüentemente nos membros superiores e em menor freqüência nos membros inferiores, na cabeça e no tronco. Pode ser classificado em tremor de ação, postural ou cinético. Não há descrição de tremor de repouso ou rubral

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Distúrbios dos movimentos oculares

A

As dificuldades visuais decorrentes das alterações dos movimentos oculares são de fácil identificação pelo paciente assim como pelo neurologista. Uma pergunta na anamnese já desvenda a existência desse tipo de sintoma e sinal: “a visão monocular está perfeita quando se oclui um dos olhos?”. Se a resposta for positiva, a inferência de distúrbio da movimentação ocular deve ser a causa da dificuldade visual. A maioria dos pacientes apresenta queixa de visão dupla e nessa informação está contida uma gama imensa de alterações da motricidade ocular que será confirmada pela semiologia dessa motricidade. A lesão mais identificada pelo exame neurológico e responsável pela queixa de diplopia ou oscilopsia é a oftalmoplegia internuclear. Freqüentemente é unilateral e pode ser um sinal quase que patognomônico da doença. Esse distúrbio da motricidade ocular é observado quando o paciente realiza movimentos no plano horizontal. Nota-se paresia do reto medial do olho aduzido e nistagmo do abduzido. Essa descrição deve-se a uma lesão no fascículo longitudinal medial do lado do olho aduzido. Nessa alteração da motricidade ocular fica preservada a movimentação do olho aduzido quando se pesquisa a convergência. A movimentação conjugada ocular pode estar alterada no plano horizontal com os seguintes detalhes semiológicos: paresia do olhar conjugado para um dos lados e plegia do reto medial no olho aduzido para o olhar contralateral. Trata-se de lesão das vias mielinizadas do controle supra-segmentar do movimento ocular. Essa observação corresponde à síndrome um e meio.

Nistagmo é uma alteração da motricidade extrínseca ocular, sendo um dos componentes da tríade descrita por Charcot. O nistagmo é encontrado geralmente no plano horizontal. Ao olhar para o lado do componente rápido do nistagmo, o paciente pode referir oscilopsia ou apresentar diplopia. Não há latência na sua instalação e não desaparece com a manutenção do olhar na direção do nistagmo. A fixação pode inibir o nistagmo, porém, durante a realização da fundoscopia observa-se o movimento ocular. Todas as alterações dos movimentos oculares nos pacientes com EM decorrem da desmielinizacão de várias vias com conexão cerebral, mesencefálica, cerebelar e núcleos espinais cervicais.

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Q

Disfunções autonômicas

A

As alterações autonômicas têm sido encontradas nos pacientes com EM e estão associadas a lesões no hipotálamo, tronco cerebral e medula espinal. As lesões dessas áreas ou vias de associação podem estar relacionadas à perda parcial ou total da regulação e de controles dos sistemas simpático ou parassimpático.** São descritas as alterações de sudorese unilateral, hiperidrose, síndrome de Horner, arritmias cardíacas, crises de hipertermia, secreção inapropriada de hormônio antidiurético, disfunção sexual e disfunção no controle dos esfíncteres. As alterações esfincterianas são as mais freqüentes e podem configurar o único sintoma da EM por anos.** O funcionamento da bexiga urinária depende da atividade do núcleo de Onuf situado na medula espinal. Ele promove por meio dos nervos pudendos a contração do esfíncter uretral externo e inibe a transmissão dos estímulos parassimpáticos para a contração do detrusor da parede da bexiga. O equilíbrio entre a contração do esfíncter uretral e a inibição do detrusor permite o enchimento da bexiga urinária. No paciente com EM, esse equilíbrio é perdido por lesões nas vias que conectam centros corticais frontais, centros pontinos e centros espinais da micção.

A urgência ou incontinência urinária é a disfunção mais freqüente. A falta de controle inibitório do detrusor deflagra uma instabilidade do enchimento da bexiga urinária que reduz seu volume e aumenta a freqüência de esvaziamento. Ocorre nessas condições uma dissinergia entre o detrusor e esfíncter uretral ocorrendo um esvaziamento parcial e presença de resíduo urinário.

A disfunção sexual ocorre na forma de disfunção erétil e na perda da libido. A associação com outros sintomas como disfunção esfincteriana, déficit motor nos membros inferiores com espasticidade, alterações sensitivas da região pudenda e fadiga agravam os sintomas de disfunção sexual. A disfunção sexual na mulher é de difícil caracterização, sendo a perda da libido a condição mais evidente. A diminuição da lubrificação vaginal e o orgasmo também são descritos. Na mulher, as alterações sensitivas, motoras, presença de espasmos nos membros inferiores e descontrole da micção contribuem para a existência desse sintoma.

18
Q

Fadiga

A

A fadiga é um sintoma muito importante entre os pacientes com EM, manifestando-se em 70 a 80% deles, independentemente da evolução da doença e do grau de incapacidade. A fadiga não está relacionada a mecanismos psicossomáticos, disfunção do sono, gravidade ou duração da doença. Os mais jovens são os mais propensos a esse sintoma. A fadiga pode estar associada aos mecanismos patológicos da EM: desmielinização, lesão axonal ou desequilíbrio de quimiocinas existentes nos locais das placas de desmielinização, assim como na substância branca aparentemente normal. O impacto na qualidade de vida e na redução do desempenho social e profissional é desproporcional aos déficits existentes, exigindo intervenção medicamentosa para atenuar esse sintoma. O modafinil, aprovado para sonolência e narcolepsia, facilita o despertar dos pacientes estimulando a atividade cortical por meio da ativação das vias histaminérgicas. A ação da droga como um estimulante cortical possibilita seu uso em pacientes com EM portadores de fadiga. A aplicação de testes para identificação da fadiga antes e após o uso de modafinil 200 mg/dia em 72 pacientes demonstrou melhora acentuada. Antidepressivos são utilizados para controle da fadiga com controle parcial dos sintomas, obtendo-se melhores resultados quando há coexistência de sintomas depressivos3

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Distúrbios cognitivos e demência

A

Os déficits cognitivos mais referidos estão relacionados a velocidade de processamento das informações, redução da capacidade das funções executivas e memória operacional. Há ampla discussão sobre a demência subcortical quando o declínio cognitivo é progressivo e interfere na vida profissional. Não há correlação com a gravidade do comprometimento dos demais sistemas. Os sintomas de disfunção cognitiva ocorrem em aproximadamente 40 a 50% dos pacientes independentemente da duração e da incapacidade da doença

20
Q

Distúrbios paroxísticos

A

O fator de segurança para a condução elétrica pelo axônio é dependente da disponibilidade de despolarização do axolema durante a propagação do potencial de ação. No axônio desmielinizado esse fator de segurança é reduzido para 20% do normal e o potencial propagado sofre dispersão internodal. Essas modificações estruturais somadas com eventuais deformidades do tecido decorrentes de torsão ou modificações de temperatura corpórea (atividade física, febre, banho quente ou exposição solar) podem modificar a condução axonal transitoriamente. A reversibilidade de condução pelo axônio desmielinizado pode ser explicada também pela depuração que ocorre do óxido nítrico, concentrado por ocasião do processo inflamatório. O óxido nítrico é um agente que bloqueia a condução elétrica na periferia da placa desmielinizante e em tecido cerebral aparentemente normal e eventualmente podendo ser um agente responsável por déficits paroxístico
s
Sinal de Lhermitte. Descrito como desencadeado pela flexão do pescoço em pacientes com lesão desmielinizante na medula cervical (funículo posterior). A sensação descrita assemelha-se a um choque ou vibração que segue a coluna e atinge os membros inferiores. Não é patognomônico das lesões desmielinizantes e pode ocorrer em doenças traumáticas, tumorais e inflamatórias. O sintoma não persiste mais que alguns segundos e decorre da compressão da medula pelo ligamento denteado no funículo posterior. O axônio desmielinizado torna-se mais sensível aos estímulos de tração ou torção, desenvolvendo um comportamento como um mecanorreceptor das terminações nervosas. As pequenas torsões comuns na medula, principalmente na região cervical e no nervo óptico, são locais que podem gerar estímulos elétricos, potenciais que se propagam à semelhança dos potenciais que resultam na percepção dos choques ou acufenos visuais. Fenômeno de Uhthoff. Descrito por Uhthoff em 1889 como uma alteração visual com duração de minutos ou horas após exercício físico, caracterizada por turvação ou escurecimento. Além dos sintomas visuais transitórios desencadeados pela hipertermia, pode ocorrer em outras vias desmielinizadas do SNC, como acentuação transitória de déficits motores e sensitivos. Espasmos tônicos. São caracterizados por contrações prolongadas de segmentos e membros desencadeadas por movimentos ou estimulação tátil do próprio segmento, além das modificações de temperatura anteriormente descritas. Esses espasmos podem ser acompanhados por sintomas dolorosos ou sensações desagradáveis e difundir para o hemicorpo com duração de minutos, repetindo-se inúmeras vezes ao dia. Admite-se que os espasmos devem estar no contexto da existência de corrente efática entre as vias sensitivas e o trato corticospinal. Entende-se por corrente efática aquela que interage entre vias mielinizadas ou não, sem relação com sinapse. Esse fenômeno paroxístico depende de uma excitabilidade lateral propagada entre vias anatômicas distintas, embora adjacentes no mesmo local onde a inflamação permitiu o contacto de axônios originalmente mielinizados. Os espasmos segmentares se assemelham em algumas apresentações a posturas distônicas e são acompanhados de distúrbios autonômicos: piloereção, flush facial e transpiração profusa. Neuralgia trigeminal. Sintoma álgico lancinante decorrente do comprometimento das vias trigeminais. Expressa-se com maior freqüência no segundo e terceiro ramos do trigêmio. Pode manifestar-se na vigência de um surto da EM ou ocorrer com a mesma fisiopatologia dos sintomas paroxísticos. Crises convulsivas. A incidência de crises convulsivas é aproximadamente três vezes maior em pacientes com EM que na população geral, sendo a provável causa a existência de placas desmielinizantes justacorticais. A gliose cicatricial resultante da placa crônica promove uma retração cortical e permite o aparecimento de neurônios epilépticos. Quando a crise convulsiva está acompanhada de placas ativas observadas nas IRM, o tratamento com anticonvulsivante deve ser mantido por período definido. Na ausência de atividade inflamatória documentada na IRM, o tratamento deve ser mantido por período indeterminado. **Acinesia paroxística. **Condição rara nos pacientes com EM. Caracteriza-se por perda súbita da força em um segmento do corpo que pode provocar quedas abruptas. São bloqueios motores que se repetem várias vezes ao dia e não deixam seqüelas. Esses bloqueios podem ser decorrentes da ação de oxido nítrico, TNF-alfa ou alterações nos canais iônicos voltagem-dependentes