Tratamento e profilaxia AVCi Flashcards
Trombólise endovenosa (TEV) com alteplase
A TEV deve ser considerada para todo paciente com AVCi cujo último tempo em que estava assintomático foi há menos de 4,5 h (Tabela 8). Ademais, em situações em que o momento exato do ictus é desconhecido, mas o déficit foi reconhecido há menos de 4,5 h, a TEV também deve ser considerada para certos pacientes (Quadro 2). Essa intervenção resulta em melhora do prognóstico funcional dos pacientes em 3 a 6 meses. A eficácia da terapia é eminentemente tempo-dependente e ela deve ser iniciada o quanto antes (CR I; NE A). De fato, uma metanálise de 2014 demonstrou que o número necessário para tratar (NNT) da TEV com alteplase é de 10, quando administrada nas primeiras 3 h, e de 20, quando administrada entre 3 e 4,5 h. Portanto, é importante evitar atrasos no início da TEV para a realização de exames complementares desnecessários. Também não é recomendado postergar a TEV para avaliar se o paciente irá melhorar espontaneamente dos déficits (CR III, NE B-NR), mesmo quando ele já tenha tido melhora parcial deles desde o ictus.
A TEV é uma intervenção amplamente recomendada e segura. No entanto, como qualquer outra intervenção, ela apresenta riscos, incluindo o de hemorragia intracraniana sintomática e o de angioedema orolingual. Dessa forma, antes de administrar a TEV, recomenda-se informar o paciente e/ou seu responsável legal sobre os riscos e benefícios potenciais da terapia, bem como obter termo de consentimento por escrito desses para a infusão do trombolítico.
As indicações e contraindicações da TEV com alteplase são apresentadas na Tabela 8. As recomendações e os cuidados quanto à administração de TEV são descritos no Quadro 3.
Em relação à última edição, as diretrizes da ASA para manejo incial do AVCi de 2019 sofreram duas principais mudanças quanto à seleção de pacientes para a TEV:
Inclusão de indicação para pacientes com mais de 4,5 h do último momento sabidamente assintomático mediante presença de dissociação DWI-FLAIR (discutido no Quadro 2).
A presença de NIHSS ≤ 5 com déficits não incapacitantes foi considerada contraindicação absoluta.
Análises de subgrupos de estudos prévios, como o International Stroke Trial 3 (IST-3), o NINDS rt-PA Trial e o Safe Implementation of Treatments in Stroke – International Stroke Thrombolysis Registry (SITS-ISTR) obtiveram resultados inconsistentes quanto ao benefício da TEV para pacientes com déficits leves. Porém, os resultados recentemente publicados do ensaio clínico randomizado PRISMS, que incluiu pacientes com NIHSS ≤ 5 e déficits não incapacitantes, não evidenciaram benefício da TEV em até 3 h do último momento assintomático quando comparada a AAS 325 mg em termos de funcionalidade em 90 dias. Ademais, nesse estudo, o risco de hemorragia intracraniana sintomática foi estatisticamente maior entre aqueles que receberam TEV. Esses resultados levaram as novas diretrizes da ASA a contraindicarem a TEV nesse grupo de pacientes (CR III: sem benefício; NE B-R). É importante enfatizar que as diretrizes mantêm a indicação da TEV para pacientes com NIHSS ≤ 5 e déficits incapacitantes (CR I; NE B-R).
Ainda assim, esse tópico permanece motivo de debate entre especialistas. O primeiro ponto de discussão é quanto à definição de déficit incapacitante. Certas circunstâncias são amplamente aceitas como incapacitantes, apesar de frequentemente apresentarem escores baixos no NIHSS: afasia isolada; distúrbios significativos de marcha e/ou equilíbrio; hemianopsia isolada; e fraqueza significativa de membro, na qual o paciente é incapaz de vencer a gravidade. No entanto, há situações menos objetivas, e que devem ser consideradas caso a caso. Por exemplo, uma fraqueza leve ou ataxia discreta de membro superior poderia ser considerada um déficit insignificante para muitos pacientes, porém para alguém que trabalha com profissões que exijam coordenação motora fina e destreza (p. ex., músicos, costureiros), pode ser considerada incapacitante. Mesmo uma disartria leve isolada pode comprometer significativamente a performance profissional de um cantor ou um professor. Outra questão debatida é que pacientes que se apresentam inicialmente com déficits pequenos podem progredir para sequelas neurológicas graves nos primeiros dias após o ictus. Em um estudo observacional publicado em 2012, 29% dos pacientes que apresentaram NIHSS ≤ 5 inicial e não receberam TEV evoluíram com incapacidade significativa em 90 dias. Por fim, o próprio estudo PRISMS supracitado, que levou à mudança das diretrizes, apresenta limitações metodológicas importantes. Ele foi interrompido por questões de financiamento após apenas cerca de um terço do tamanho de amostra inicialmente proposto ter sido atingido, e ambos os braços do estudo tiveram perdas de cerca de 10% de seguimento na avaliação de 90 dias.
Quanto à seleção da medicação para TEV, estudos recentes têm sugerido que a tenecteplase pode ser uma alternativa à alteplase em certas situações. Em ensaio clínico randomizado de fase III de 2017, a tenecteplase demonstrou ser segura e ter eficácia semelhante à da alteplase. Esse estudo foi conduzido em uma população com predomínio de pacientes com déficits pequenos (NIHSS médio de 4) e sem oclusões de grandes artérias intracranianas. Por outro lado, um ensaio clínico publicado em 2018 comparou o uso de tenecteplase ao de alteplase em pacientes com oclusões de artéria carótida interna, de artéria cerebral média ou de artéria basilar, e indicação de trombectomia mecânica. O desfecho primário do estudo foi a reperfusão de mais de 50% do território cerebrovascular envolvido ou a ausência de trombo retirável quando da angiografia inicial. Esse estudo demonstrou maior incidência de reperfusão e melhor prognóstico funcional para os indivíduos tratados com tenecteplase em até 4,5 h do ictus. Dessa forma, as diretrizes atuais da ASA propõem que a tenecteplase pode ser considerada como alternativa à alteplase nas seguintes circunstâncias: 1. em pacientes sem contraindicações à TEV e que também são elegíveis para trombectomia mecânica, na dose de 0,25 mg/kg (no máximo de 25 mg) endovenosa em bolus único (CR IIb; NE B-R); 2. em pacientes com déficit neurológico pequeno e sem oclusão de grandes artérias intracranianas, na dose de 0,4 mg/kg (o principal estudo que levou à inclusão dessa indicação utilizou dose máxima de 40 mg) endovenosa em bolus único (CR IIb; NE B-R). Apesar de atualmente não haver recomendações formais da ASA para o uso da tenecteplase além das situações supracitadas, é possível que essas indicações tornem-se mais abrangentes no futuro.
Critérios de indicações para trombólise endovenosa com alteplase
Critérios de contraindicações para trombólise endovenosa com alteplase
Trombólise endovenosa (TEV) após 4,5 h do último momento assintomático
Administração de alteplase
Tratamento das complicações da infusão de alteplase
A complicação mais importante da infusão de alteplase é a transformação hemorrágica sintomática. Ela ocorre em 5 a 6% dos pacientes e os seus fatores de risco são: NIHSS elevado, uso prévio de antiagregante ou anticoagulante, presença de microssangramentos em RM de encéfalo. A suspeita clínica é levantada se o paciente desenvolver hipertensão aguda e/ou refratária, náuseas, vômitos, cefaleia intensa ou deterioração neurológica durante ou após a infusão do trombolítico. O tratamento dessa condição é apresentado no Quadro 4.
Outra complicação é o angioedema orolingual. Ele ocorre em 1,3 a 5,1% dos pacientes. Os fatores de risco são: uso de inibidor da conversão de angiotensina e infartos em córtex frontal e ínsula. A suspeita clínica se dá quando há edema de língua, lábios ou orofaringe, em geral contralateral à isquemia cerebral. O tratamento é apresentado no Quadro 5.
Trombectomia mecânica
A trombectomia mecânica (TM) é uma estratégia de reperfusão cerebral incluída nas recomendações de tratamento do AVCi agudo de forma relativamente recente. Em essência, essa estratégia consiste na retirada do trombo agudo de grandes artérias que participam da vascularização cerebral, por meio de dispositivos específicos, denominados stent retrievers.
Da mesma forma que para a TEV, essa estratégia proporciona benefício no prognóstico funcional do paciente em 3 meses. Deve-se citar que os resultados do estudo RESILIENT, publicados em 2020 no New England Journal of Medicine, corroboraram o benefício dessa intervenção também para a população brasileira no contexto do nosso Sistema Único de Saúde. Da mesma forma que para a TEV, a eficácia da TM é tempo-dependente. De forma geral, o NNT para a TM varia de 3 a 7,5 entre os grandes estudos sobre a intervenção. É importante destacar que a TM e a TEV não são terapias mutuamente exclusivas: pacientes elegíveis para TEV devem receber o trombolítico mesmo que também tenham indicação de TM (CR 1; NE A); da mesma forma, deve ser considerada a TM tanto em pacientes que receberam quanto nos que não receberam a TEV. Não é recomendado aguardar a resposta clínica à TEV para definir a indicação de TM (CR III: malefício; NE B-R).
Os critérios de indicação da TM variam de acordo com o tempo desde o último momento assintomático (UMA). Os critérios de indicação da TM para pacientes com < 6 h desde o UMA são apresentados na Tabela 9. Já os pacientes que se apresentam entre 6 h e 16 h desde o UMA podem ser candidatos ao procedimento, desde que preencham os critérios dos estudos DAWN e/ou DEFUSE-3 (CR I; NE A) (Tabelas 10A e 10B). E os pacientes que se apresentam entre 16 h e 24 h desde o UMA também podem ser candidatos à TM, se preencherem os critérios do estudo DAWN (CR IIa; NE B-R) (Tabela 10A).
Tendo em vista os resultados do supracitado estudo RESILIENT, alguns especialistas também têm considerado a indicação da TM para doentes com UMA entre 6 a 8 horas, sem necessidade de RM de crânio ou de sequência perfusão da TC de crânio, no contexto clínico por ele contemplado. Este ensaio clínico incluiu doentes com NIHSS ≥ 8 cujo UMA ocorreu há menos de 8 horas, e excluiu pacientes com ausência completa de colaterais leptomeníngeas em exame de angiotomografia. Os demais critérios de seleção do RESILIENT estão de acordo com as diretrizes atuais da ASA para trombectomia em até 6h do UMA (Tabela 9).
Apesar de as indicações de TM restringirem-se a oclusões da artéria carótida interna e/ou do segmento M1 da artéria cerebral média, há evidência de possível benefício e segurança deste procedimento para oclusão de outras artérias cerebrais. Dessa forma, a TM pode ser considerada nas primeiras 6 h do ictus em oclusões dos segmentos M2 e M3 da artéria cerebral média (CR IIb, NE B-R), da artéria cerebral anterior, da artéria vertebral, da artéria basilar e da artéria cerebral posterior (CR IIb, NE C-LD), dado que esse procedimento seja tecnicamente viável.
Indicações de trombectomia mecânica em indivíduos com último momento assintomático < 6 h (CR 1; NE A)
Indicações de trombectomia mecânica em indivíduos com último momento assintomático entre 6 e 24 h
MEDIDAS TERAPÊUTICAS PARA O EDEMA CEREBRAL ASSOCIADO AO AVCI
O edema cerebral relacionado ao AVCi é uma complicação potencialmente letal que tende a atingir seu ápice entre o 3º e o 4º dia após o ictus. Edema significativo, com risco de herniação cerebral, ocorre principalmente em pacientes que tenham sofrido infarto de áreas encefálicas e/ou cerebelares extensas. Nesses casos, recomenda-se discutir precocemente com o paciente (se possível) e familiares (e/ou representantes legais) sobre alternativas terapêuticas, riscos e desfechos possíveis. O estabelecimento do prognóstico, bem como a decisão por intervenções ou limitações de cuidados devem levar em consideração as preferências do paciente (CR I; NE C-EO). Monitorização neurológica cautelosa nos primeiros dias após o ictus é recomendada, e a transferência precoce de pacientes com risco de edema cerebral significativo para instituições com disponibilidade de equipe de neurocirurgia deve ser considerada (CR I; NE C-LD).
Caso o paciente apresente deterioração neurológica devido a edema cerebral, é necessária a monitorização em ambiente de UTI, e a instituição de medidas clínicas para hipertensão intracraniana (decúbito a 30°, terapia osmótica e hiperventilação moderada breve) e para neuroproteção (p. ex., sedação). Não há evidência de eficácia e há aumento do risco de infecção para o tratamento do edema cerebral isquêmico com corticosteroides (CR III: malefício; NE A). O uso de barbitúricos e de hipotermia terapêutica também não é recomendado (CR III: sem benefício; NE B-R).
Além dessas medidas clínicas, em certos casos deve-se considerar a realização de procedimentos cirúrgicos (Quadros 6 e 7). Para infartos extensos de artéria cerebral média unilateral com deterioração neurológica por edema cerebral nas primeiras 48 h após ictus, a despeito do tratamento clínico, particularmente quando há rebaixamento do nível de consciência, pode ser considerada a hemicraniectomia descompressiva (Quadro 7). Essa cirurgia reduz expressivamente a mortalidade, mas tem benefícios modestos, porém estatisticamente significativos, na melhora da funcionalidade. Em outras palavras, por um lado o procedimento aumenta a proporção de indivíduos que sobrevivem ao AVCi, porém a maioria deles permanece com incapacidade grave a longo prazo. Por outro, o procedimento também leva a aumento estatisticamente relevante de indivíduos com incapacidade não grave (considerado como ERm ≤ 3), em comparação à não realização dele. É importante enfatizar que a maior parte dos ensaios clínicos realizados para a avaliação dessa intervenção foram interrompidos precocemente, o que em teoria poderia levar à superestimação de seus resultados. Os riscos e benefícios dessa terapia devem, portanto, ser discutidos com o paciente e seus responsáveis legais antes da tomada de conduta
CUIDADOS GERAIS PARA O PACIENTE COM ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL ISQUÊMICO RECENTE
Terapia antitrombótica
A introdução de terapia antiagregante na fase aguda do AVCi é uma recomendação consolidada no tratamento dessa doença. No entanto, vale considerar que o NNT para evitar morte ou dependência é de 79 para essa intervenção. Ainda assim, o número necessário para causar dano (NND) é de 574 para sangramento intracraniano sintomático e de 245 para sangramento extracraniano significativo. Ou seja, apesar de o benefício dessa intervenção ser relativamente pequeno em relação a outras medidas, a probabilidade de benefício dela supera os seus riscos.
Portanto, a ASA recomenda a administração de ácido acetilsalicílico (AAS) para o paciente com AVCi agudo em até 48 h do ictus (CR I; NE A). Os principais estudos que estabeleceram a segurança e o benefício do AAS nesse contexto utilizaram doses entre 50 a 325 mg 1 vez ao dia. Para este fim, o clopidogrel 75 mg 1 vez ao dia, ou a combinação de AAS 25 mg com dipiridamol de liberação estendida 200 mg de 12 em 12 horas também podem ser utilizados como alternativas. Se o paciente foi submetido a TEV, o antiagregante somente deverá ser iniciado somente após 24 h da infusão do trombolítico. Caso o paciente já utilizasse AAS de forma regular quando sofreu AVCi, o benefício de trocar a medicação antiagregante ou aumentar sua dose não é bem estabelecido (CR IIb; NE B-R). Da mesma forma, nos casos de AVCi não cardioembólicos que ocorreram em vigência de uso regular de antiagregante, não é recomendada a sua troca por varfarina (CR III: sem benefício; NE B-NR). A depender do resultado da investigação do mecanismo de AVC, pode-se optar posteriormente por trocar ou associar o AAS com outra medicação para profilaxia secundária de AVCi.
Por outro lado, diretrizes da ASA recomendam a introdução de dupla antiagregação com AAS e clopidogrel em pacientes com AVCi não cardioembólico, NIHSS ≤ 3 e que não tenham recebido TEV. Nesses casos, a dupla antiagregação iniciada em até 7 dias do ictus (mas de preferência em até 12 a 24 horas do mesmo) e continuada por 21 a 90 dias é efetiva em reduzir o risco de recorrência de AVCi por um período de até 90 dias após o ictus (CR I, NE A). Essa conduta também pode ser considerada nos casos de ataque isquêmico transitório (AIT) com ABCD2 ≥ 4. A evidência que respalda essa recomendação provém de dois ensaios clínicos: CHANCE e POINT. O primeiro foi realizado na população chinesa e demonstrou que a dupla antiagregação em pacientes com AVCi e NIHSS ≤ 3 ou AIT com escore ABCD2 ≥ 4 leva a um menor risco de AVC em 90 dias. Nesse estudo, foi administrado por 21 dias AAS 75 mg/dia associado a clopidogrel, com dose de ataque de 300 mg no primeiro dia seguida de 75 mg/dia do segundo dia em diante. O segundo foi um ensaio multicêntrico recente, conduzido com populações ocidentais, que avaliou a eficácia e segurança da dupla antiagregação também em pacientes com AVCi e NIHSS ≤ 3 ou AIT com escore ABCD2 ≥ 4. Ele demonstrou que, apesar do benefício na prevenção de recorrência do AVCi, houve aumento estatisticamente significativo do risco de sangramento intracraniano. Por essa razão, ele foi interrompido precocemente. Diferentemente do primeiro estudo, esse ensaio clínico administrou a dupla antiagregação por 90 dias com ataque de 600 mg de clopidogrel no primeiro dia, seguida de dose de 75 mg/dia a partir do segundo dia, associada a AAS em doses que variaram de 50 a 325 mg/dia. A diferença na forma de administração da dupla antiagregação pode ter justificado as diferenças dos resultados desses estudos.
O uso de anticoagulantes no AVCi agudo com o objetivo de prevenir a recorrência precoce do AVCi, evitar a progressão do déficit neurológico ou de melhorar o prognóstico do paciente não é atualmente recomendado (CR III: sem benefício, NE A).
Cuidados gerais
Apesar do importante desenvolvimento recente das estratégias de reperfusão e da discussão sobre a terapia antitrombótica mais adequada na fase aguda do AVCi, os cuidados gerais ainda são parte essencial do tratamento do paciente. Em essência, o objetivo desses cuidados é evitar a ocorrência de complicações clínicas e de maior estresse metabólico no tecido cerebral em penumbra, diminuindo assim o risco da progressão irreversível desse tecido para o infarto definitivo.
Como já mencionado, a estratégia de controle da PA desses pacientes depende de terem sido instituídas estratégias de reperfusão ou não. Se o paciente não foi submetido a trombólise e estiver com PA ≥ 220 × 120 mmHg, deve-se considerar reduzir 15% da PA inicial nas primeiras 24 h (CR IIb; NE C-EO). É seguro introduzir medicações anti-hipertensivas ou reintroduzir aquelas de uso prévio, durante a internação hospitalar, em pacientes que mantêm PA > 140 × 90 mmHg e apresentam-se neurologicamente estáveis (CR IIa; NE B-R). Caso o paciente tenha sido submetido a trombólise, recomenda-se seguir as orientações do Quadro 3 nas primeiras 24 h. Também, entre os pacientes submetidos a TM, é razoável manter-se uma PA ≤ 180 × 105 mmHg nas primeiras 24 h após o procedimento (CR IIa; NE B-R). Por outro lado, hipotensão e hipovolemia devem ser sempre corrigidas para manter a perfusão sistêmica necessária à função dos órgãos (CR I, NE C-EO).
Além do controle pressórico, recomenda-se para os pacientes com AVCi agudo:
Proteção de vias aéreas e suporte ventilatório devem ser considerados para pacientes com rebaixamento significativo do nível de consciência ou para aqueles com disfunção bulbar que comprometa a via aérea (CR I; NE C-EO).
Manter saturação de oxigênio > 94% (CR I; NE C-LD).
Evitar e tratar hipertermia (temperatura axilar > 38°C). Caso ela ocorra, investigar e tratar possíveis focos de infecção (CR I; NE C-LD).
Tratar hiperglicemia com alvo terapêutico de glicemia de 140 a 180 mg/dL (CR IIa; NE C-LD). Evitar e tratar a hipoglicemia (CR I; NE C-LD).
Realizar rastreio para disfagia em todos os pacientes antes de introdução de dieta oral (CR I; NE C-LD). É preferível que o rastreio seja realizado por fonoaudiologista ou outro profissional de saúde treinado (CR IIa; NE C-LD). Em caso de dúvida quanto à presença de disfagia, ministrar dieta por sonda até avaliação de especialista.
Caso seja considerado que o paciente não tem condições de receber dieta por via oral, a dieta enteral deverá ser iniciada em até 7 dias após o ictus (CR I; NE B-R). É razoável iniciar a administração da dieta por sonda nasoenteral e, posteriormente, realizar gastrostomia percutânea para os pacientes que não se espera serem capazes de receber dieta oral de forma segura por mais que 2 a 3 semanas após ictus (CR IIa; NE C-EO).
É razoável a implementação de protocolos de higiene oral para reduzir o risco de pneumonia após o AVCi (CR IIb; NE B-NR).
Instituir profilaxia para doença trombótica venosa em pacientes com imobilidade, de preferência com compressão pneumática intermitente (CR I; NE B-R). Não se recomenda o uso de meias elásticas (CR III: malefício; NE B-R).
Realizar rastreio para sintomas depressivos com instrumentos estruturados (CR I; NE B-NR). Caso seja diagnosticado transtorno depressivo pós-AVC, oferecer tratamento com antidepressivos se não houver contraindicações e monitorizar resposta terapêutica (CR I; NE B-R).
Instituir medidas para a prevenção de úlceras de estresse (mudança de decúbito regular, higiene de pele, uso de colchões adequados) em indivíduos acamados e vigiar o surgimento delas com escalas de risco apropriadas (CR I; NE C-LD).
Direcionar pacientes e seus familiares para recursos de cuidados paliativos, quando apropriado (CR IIa; NE C-EO).
Evitar uso de rotina de sondas vesicais de demora, devido ao risco de infecções urinárias relacionadas a esses dispositivos (CR III: malefício; NE C-LD).
Oferecer reabilitação precoce em ambiente interdisciplinar adequado para pacientes com AVCi hospitalizados (CR I; NE A). A reabilitação deverá ser realizada em intensidade proporcional ao benefício esperado e à tolerância do paciente (CR I; NE B-NR). Não é recomendada a mobilização muito intensa e muito precoce (em primeiras 24 horas), pois ela pode reduzir a probabilidade de desfecho favorável em 3 meses (CR III: malefício; NE B-R).
Profilaxia primária de crises epilépticas com fármacos antiepilépticos não é recomendada (CR III: sem benefício: NE C-LD). Por outro lado, crises epilépticas recorrentes devem ser tratadas de forma similar ao que é feito para outras condições neurológicas agudas, e o fármaco antiepiléptico a ser utilizado deverá ser escolhido de acordo com as características do paciente (CR I; NE C-LD).
Um ponto ainda em discussão sobre os cuidados do paciente com AVCi agudo é quanto ao decúbito recomendado. Em guidelines anteriores, a ASA sugeria manter o paciente em posição supina (i. e., a não elevação da cabeceira do paciente), desde que ele não estivesse em hipóxia, risco de obstrução de via aérea superior ou aspiração (como no caso de disfagia importante), ou em hipertensão intracraniana. Essa posição poderia, em teoria, proporcionar maior vantagem quanto à perfusão cerebral. No entanto, os resultados de um ensaio clínico randomizado de clusters, publicados em 2017, não evidenciaram benefício dessa medida. Dessa forma, nas suas diretrizes mais recentes, a ASA considera que benefício do decúbito a 0° precoce após internação é incerto (CR IIb; NE B-R). No entanto, esse estudo apresentou limitações importantes: apenas cerca de um terço dos pacientes apresentavam oclusões de grandes artérias cerebrais, a média do NIHSS foi de 4, e a intervenção foi instituída muito tardiamente (em média 14 horas após o ictus). Dessa maneira, alguns especialistas ainda optam por manter as recomendações supracitadas de guidelines prévios quanto ao posicionamento da cabeça em pacientes com NIHSS elevado e/ou até a exclusão da presença de oclusão de grandes artérias cerebrais, na ausência das contraindicações clínicas já mencionadas.
ATAQUE ISQUÊMICO TRANSITÓRIO (AIT)
Como já dito, a definição atual de AIT é: um episódio transitório de disfunção neurológica provocado por uma isquemia focal do encéfalo e/ou retina, com duração de sintomas tipicamente menor que 1 hora, e na ausência de evidência de infarto agudo do encéfalo. A presença de sinais clínicos persistentes ou de anormalidades características em exame de imagem define a presença de um acidente vascular cerebral isquêmico. Os diagnósticos diferenciais ao AIT são os mesmos que para o AVCi, com ênfase na aura de enxaqueca, síncope e crises epilépticas. Diferentemente das outras seções deste capítulo, as recomendações desta seção são provenientes do guideline de 2009 da ASA sobre AIT.
Apesar de o AIT não resultar, por definição, em infarto encefálico, os mecanismos etiológicos potenciais subjacentes a essa doença são os mesmos do AVCi. Além do mais, esses pacientes têm um risco de cerca de 10% de ocorrência de AVCi nos primeiros 90 dias após o AIT. Esse risco aparenta ser maior nas primeiras 48 h, quando de um quarto a metade dos AVCi ocorrem. Uma forma de estratificar o risco de AVCi em até 2 dias após o AIT é por meio do escore ABCD2 (Tabela 12).
Considerando-se o alto risco de AVCi em um futuro próximo, os cuidados do paciente com AIT não devem ser diferentes daqueles preconizados para os pacientes com AVCi, já abordados previamente neste capítulo com detalhes. A exceção se faz à instituição de estratégias de reperfusão cerebral agudas, como a TEV e a TM, das quais o paciente com AIT não tem indicação. O principal objetivo no tratamento do paciente com AIT é a identificação rápida do mecanismo etiológico subjacente e a instituição de profilaxia secundária específica o quanto antes (CR I; NE B).
Nesse sentido, recomenda-se a internação hospitalar do paciente com AIT que se apresente a serviços de saúde nas primeiras 72 h do evento e tenha quaisquer dos seguintes critérios:
Escore ABCD2 ≥ 3 (CR IIa; NE C).
Escore ABCD2 de 0 a 2 e incerteza de que a investigação diagnóstica do mecanismo do AIT possa ser completada em menos de 2 dias em ambiente extra-hospitalar (CR IIa; NE C).
Escore ABCD2 de 0 a 2 e outra evidência que indique que o evento do paciente foi provocado por AVCi, e não AIT (CR IIa; NE C).
INVESTIGAÇÃO DE MECANISMO ETIOLÓGICO
Em termos etiológicos, o AVCi e o AIT não são doenças homogêneas. Eles podem ser provocados por mecanismos distintos e, portanto, a definição da forma de profilaxia secundária mais adequada varia de caso a caso
Há várias formas de classificar o mecanismo etiológico de um AVCi ou um AIT. Uma das classificações mais utilizadas é o SSS-TOAST, que divide os mecanismos etiológicos dos AVCi e dos AIT em: aterosclerose de grandes artérias; embolia cardioaórtica; oclusão de pequenas artérias; outras causas; e causas indeterminadas. Essa classificação estabelece critérios objetivos de como classificar o mecanismo etiológico do AVCi.
Os exames iniciais que devem ser solicitados para investigação do acidente vascular cerebral isquêmico variam de caso a caso. A Tabela 13 apresenta os principais exames complementares sugeridos na investigação do mecanismo do AVCi.
O diagnóstico do mecanismo etiológico subjacente a um AVCi ou AIT e a decisão pela melhor forma de profilaxia secundária para ele fogem ao escopo deste capítulo. No entanto, incentivamos a leitura do artigo de Ay et al. (2007) e dos guidelines de 2021 da ASA sobre o assunto.