Tratamento Choque Flashcards
Como deve ser o tratamento do choque? Onde o atendimento do paciente em choque deve ser realizado?
Os suportes hemodinâmico e ventilatório precoce e adequado de pacientes em choque são essenciais para evitar piora clínica, SDMOS e morte. O tratamento do choque deve ser iniciado enquanto se investiga a etiologia que, uma vez identificada, deve ser corrigida rapidamente, por exemplo: controle de sangramento para hemorragia, intervenção coronariana percutânea para síndrome coronariana aguda, trombolítico ou embolectomia para TEP e administração de antibióticos e controle de foco infeccioso para sepse.
O atendimento do paciente em choque deve ser realizado em sala de emergência, e, a menos que o choque seja rapidamente revertido, um cateter arterial deve ser inserido para monitorar a pressão arterial invasiva, além de um cateter venoso central para drogas vasoativas. É importante salientar que, se houver indicação de iniciar drogas vasoconstritoras, estas podem ser iniciadas em um acesso venoso periférico calibroso, até que se obtenha um cateter venoso central com segurança. Cardenas-Garcia et al. (2015) demonstraram segurança em administrar drogas vasoativas em cateter venoso periférico calibroso durante várias horas (49 ± 22 horas). Vale lembrar também que drogas vasoativas sem ação vasoconstritora como dobutamina, nitroglicerina e nitroprussiato de sódio não necessitam de acesso venoso central.
Para entendermos a abordagem geral do choque, devemos nos lembrar de quais são os principais componentes do DO2 (oferta de O2) e do VO2 (consumo de O2), como descrito na seção de fisiopatologia. Para todo tipo de choque, devemos racionar no sentido de otimização da relação DO2 × VO2, como representado na Figura 10.
Seguindo a Figura 10, a seguir iremos descrever o passo a passo do manejo do choque.
Como é a otimização da pré-carga?
A ressuscitação volêmica pode melhorar o fluxo sanguíneo microvascular e aumentar o débito cardíaco, sendo uma parte essencial do tratamento da maioria dos tipos de choque.
Primeiramente, vamos conhecer os diferentes tipos de fluidos de ressuscitação:
Cristaloides: há dois tipos básicos de cristaloides – a** solução salina clássica (solução fisiológica) e as soluções balanceadas (Ringer lactato, PlasmaLyte). Para ressuscitações volêmicas de até 2 L, as soluções balanceadas falharam em mostrar superioridade em relação à solução salina clássica. Entretanto, para ressuscitações volêmicas agressivas (> 2 L), é plausível dar preferência para soluções balanceadas, porém com baixo nível de evidênc**ia. De maneira geral, devemos considerar a quantidade de volume a ser administrada, eletrólitos e função renal do paciente e os principais efeitos adversos de cada solução, a fim de escolher a melhor opção para cada caso. A Tabela 6 resume os principais cristaloides, com suas respectivas composições.
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Coloides: o racional de administrar coloides parte do conceito de que apenas 1/4 do volume de cristaloides administrado permanece no intravascular, ao passo que ocorre menor extravasamento extravascular no caso dos coloides, resultando em uma expansão volêmica mais rápida. Apesar desse benefício teórico, vários ensaios clínicos randomizados e metanálises falharam em demonstrar superioridade dos coloides em relação aos cristaloides.
Albumina: não há superioridade da expansão volêmica com albumina em relação aos cristaloides, vale ressaltar que a albumina deve ser evitada no contexto de trauma cranioencefálico (TCE), pois culminou em maior mortalidade, quando comparada aos cristaloides. Pacientes cirróticos, que possuem hipoalbuminemia, redução do volume intravascular e sobrecarga volêmica total (distribuída pelo terceiro espaço e leito esplâncnico), talvez se beneficiem de ressuscitação volêmica com albumina a 20 a 25%, porém não há evidências robustas que comprovem essa conduta.
Amidos (“starches”): devem ser evitados, pois levam a maior incidência de injúria renal aguda, necessidade de diálise e mortalidade, quando comparados aos demais fluidos. Alguns exemplos são dextran e gelatinas.
Hemocomponentes: os principais utilizados no tratamento do choque são concentrado de hemácias, concentrado de plaquetas, aférese de plaquetas (corresponde a seis concentrados de plaquetas de um único doador), plasma fresco congelado (contém todos os fatores de coagulação e todas as proteínas do plasma) e crioprecipitado (contém os fatores VIII, XIII, fibrinogênio e vWF)
Em seguida9da otimização da pré-carga), devemos definir qual é o tipo e a quantidade de solução que devem ser utilizados em cada tipo de choque. Para isso, devemos pensar qual o tipo de fluido deficitário em cada situação e, para facilitar, vamos dividir os pacientes em dois grupos:
Choque hemorrágico: a maioria dos conceitos nesse grupo de pacientes é extrapolada do trauma, pois é o grupo de choque hemorrágico mais comum e o mais estudado. Aqui o paciente está perdendo predominantemente sangue, portanto, deve ser ressuscitado com sangue. A administração de cristaloides pode levar a coagulopatia por diluição dos fatores de coagulação, além de hipotermia. Porém, como os hemocomponentes não são rapidamente disponíveis, pode-se iniciar a reposição volêmica com cristaloides, até que os hemocomponentes cheguem à sala de emergência. O ATLS (10ª edição) recomenda a administração de 1 L de cristaloide inicialmente, seguida de hemocomponentes, caso o paciente mantenha-se hipotenso. Choques hemorrágicos graus III e IV (Tabela 7) já são indicações de ressuscitação com hemocomponentes. Vale lembrar o conceito de “ressuscitação hipotensiva” ou “hipotensão permissiva”, em que se almeja uma pressão arterial sistêmica (PAS) > 80-90 mmHg até que haja o controle do foco de sangramento. Para isso, evita-se uma ressuscitação volêmica agressiva, que poderia levar a coagulopatia por diluição de fatores de coagulação e a destruição de coágulos que já estejam tamponando algum foco de sangramento. No entanto, esse conceito não é aplicado para TCE grave, visto que a hipotensão pode piorar a perfusão cerebral. Nesse caso, objetiva-se uma pressão arterial média (PAM) ≥ 80 mmHg. Nos pacientes com choque hemorrágico grave, devemos acionar o protocolo de transfusão maciça, em que administramos ácido tranexâmico em até 3 h do trauma, além de concentrado de hemácias, plaquetas e plasma fresco congelado na proporção de 1:1:1. Há diversos escores para acionamento do protocolo de transfusão maciça (ABC score, Shock index, entre outros) e cada instituição adota um algoritmo próprio. Após iniciado o protocolo, o ideal é guiar as seguintes transfusões pelo tromboelastograma, que não está disponível na maioria dos hospitais no Brasil.
Choque não hemorrágico: aqui o paciente apresenta déficit no conteúdo intravascular, porém sem perdas sanguíneas. Nesse cenário, não devemos ressuscitar o paciente com hemocomponentes, mas priorizar os cristaloides. De maneira geral, não há diferenças entre cristaloides e coloides, mas acabamos preferindo os cristaloides, devido ao menor custo. Além disso, não há diferenças entre a solução salina clássica e as soluções balanceadas. A exceção a esta regra é o choque séptico, no qual o Ringer lactato se mostrou superior à solução fisiológica, como demonstrado pelo estudo SMART 2018. A quantidade de cristaloide preconizada na sepse, por exemplo, é de 30 mL/kg nas primeiras 3 horas. No entanto, esse valor não deve ser seguido ao pé da letra, mas, sim, servir como um guia. O ideal é administrar pequenas alíquotas (250-500 mL) de cristaloides EV em bolus, a cada 10 minutos, reavaliando o paciente à beira do leito (pressão arterial, tempo de enchimento capilar, diurese, ausculta pulmonar), o que guiará a administração de novas alíquotas. Por fim, após a administração de volume, devemos avaliar se o paciente responderá a novas alíquotas de volume. Há vários testes descritos (Tabela 8), que avaliam a responsividade a volume, e cada um possui sua particularidade. A maioria só pode ser avaliada se o paciente estiver intubado e com condições ótimas de ventilação e sedação. Para pacientes em ventilação espontânea, embora de difícil aplicabilidade clínica, o teste de melhor acurácia é a elevação passiva de pernas, representada na Figura 11, mas deve-se saber calcular o débito cardíaco pelo POCUS ou dispor de um monitor de débito cardíaco. O desafio volêmico pode ser repetido conforme a necessidade, se o paciente apresentar resposta, mas, caso contrário, deve ser interrompido rapidamente, a fim de evitar sobrecarga de volume, que em alguns estudos tem sido associada com pior prognóstico.
Como é realizada a otimização da pós-carga?
Em pacientes com hipotensão persistente após ressuscitação volêmica, a administração de vasopressores é indicada. Porém, a tendência é iniciar as drogas vasoativas mais precocemente, enquanto a ressuscitação volêmica está em andamento (Tabela 9), ou seja, o início de vasopressores não exclui a necessidade adicional de volume. O CENSER Trial, estudo que analisou a infusão precoce de noradrenalina junto aos primeiros bolus de cristaloides,* concluiu que os pacientes do grupo que recebeu droga vasoativa precocemente tiveram o choque controlado em menor tempo, além de melhor diurese e menores níveis de lactato sérico. Em seguida, devemos providenciar uma pressão arterial invasiva para monitorização da pressão arterial média e um cateter venoso central para administração de drogas vasoconstritoras.*
Norepinefrina é o vasopressor de primeira escolha nos quadros de choque, exceto no anafilático, em que a epinefrina é superior. A administração geralmente resulta em um aumento clinicamente significativo na PAM, com pouca alteração na frequência cardíaca ou no débito cardíaco. A dopamina e a norepinefrina, em um estudo randomizado, tiveram efeitos semelhantes na sobrevida em pacientes com choque, mas a dopamina foi mais associada a arritmias e eventos cardiovasculares e, no subgrupo de pacientes com choque cardiogênico, foi associada com aumento de mortalidade. Por esse motivo, a norepinefrina é considerada a droga preferencial para choque indiferenciado.
A dopamina atua em diferentes receptores adrenérgicos, a depender da sua dose. Quando menor que 5 mcg/kg/min, possui efeito em receptores dopa; quando a dose está entre 5 e 10 mcg/kg/min, possui efeito beta predominante; quando maior que 10 mcg/kg/min, predomina o efeito alfa. Como possui muitos efeitos adversos, sobretudo arritmias, é pouco usada hoje em dia, sendo reservada para situações de bradiarritmias instáveis, como uma ponte para o marca-passo transvenoso. Vale lembrar que, nesta situação, podemos utilizar também a epinefrina ou o marca-passo transcutâneo.
A epinefrina, que é um agente mais potente, tem efeitos predominantemente β-adrenérgicos em doses baixas (propriedade inotrópica), com efeitos α-adrenérgicos (vasoconstritor) tornando-se clinicamente significativos em doses mais elevadas. É a primeira escolha na anafilaxia, mas não costuma ser utilizada nos outros tipos de choque, tendo espaço apenas em choques refratários, devendo ser evitada no choque cardiogênico, pois está associada a mais arritmias, hipoperfusão esplâncnica e hiperlactatemia. Em pré-hospitalar, o push dose de adrenalina (0,5-2 mL a cada 5 minutos de adrenalina 1 amp + 99 mL de SF 0,9%) tem sido utilizado como resgate hemodinâmico em pacientes com quadro de choque, como terapia de ponte até o tratamento definitivo. Essa prática ainda necessita de validação para indicação definitiva.
A vasopressina atua em receptores V1, diferente dos sítios de ação da norepinefrina, dopamina e epinefrina. Sobretudo em pacientes com choques distributivos, pode haver uma deficiência de vasopressina, e sua administração em doses baixas pode resultar em aumentos substanciais na pressão arterial. Sugerimos o uso de vasopressina como segunda droga em pacientes com quadro de choque séptico, já em uso de noradrenalina, que mantêm hipotensão arterial e que não apresentam depressão miocárdica importante associada. No estudo VASST, os pesquisadores demonstraram que a adição de uma dose baixa de vasopressina à norepinefrina no tratamento de pacientes com choque séptico foi segura e pode ter sido associada com um benefício de sobrevida para pacientes com formas não graves de choque e nos pacientes que receberam glicocorticoides. Não pode ser utilizada em doses superiores a 0,04 UI por minuto e só deve ser administrada em pacientes com um débito cardíaco normal ou elevado.
Outra maneira de otimizar a pós-carga é reduzi-la no contexto de choque cardiogênico, pois isso facilita o funcionamento da bomba cardíaca, que se encontra debilitada. Mas, para utilizarmos os vasodilatores endovenosos nesse contexto, precisamos de uma pressão arterial minimamente segura, em geral uma PAS acima de 90 mmHg. A nitroglicerina (Tridil®) leva à vasodilatação mediada por GMP cíclico, sobretudo do leito venoso, mas também do leito coronariano. Por isso, é a droga de escolha no contexto de isquemia miocárdica e na insuficiência cardíaca descompensada. O nitroprussiato de sódio (Nipride®) leva à vasodilatação mediada pelo óxido nítrico, sendo potente nos leitos arterial e venoso, porém sem causar aumento da perfusão coronariana, o que pode causar o fenômeno de “roubo” de fluxo de coronária, não sendo a primeira escolha nos casos de insuficiência cardíaca descompensada de etiologia isquêmica. Além disso, deve ser evitado em gestantes devido ao risco de intoxicação do feto por cianeto. Por outro lado, o nitroprussiato de sódio é mais potente hipotensor do que a nitroglicerina, sendo preferido na maioria das emergências hipertensivas.
O suporte mecânico com contrapulsão de balão intra-aórtico (BIA) pode reduzir a pós-carga ventricular esquerda e aumentar o fluxo sanguíneo coronariano. No entanto, seu uso rotineiro em choque cardiogênico não é recomendado atualmente. A membrana extracorpórea de oxigenação venoarterial (ECMO) pode ser usada como medida de exceção em pacientes com choque cardiogênico grave, como ponte para transplante cardíaco.