Introdução - Tipos de choque Flashcards
O que é choque e quais são seus 4 tipos?
Choque é a expressão clínica da hipóxia celular, tecidual e orgânica. É causado pela incapacidade do sistema circulatório de suprir as demandas celulares de oxigênio, por oferta inadequada de oxigênio (DO2) e/ou por demanda tecidual aumentada de oxigênio (VO2).
Choque é uma emergência médica potencialmente ameaçadora à vida. Os efeitos da hipóxia tecidual são inicialmente reversíveis, mas rapidamente podem se tornar irreversíveis, resultando em falência orgânica, síndrome de disfunção de múltiplos órgãos e sistemas (SDMOS) e morte.
O diagnóstico sindrômico de choque implica não só no tratamento imediato da hipóxia tecidual, mas também na imediata investigação etiológica.
Quatro mecanismos de choque são descritos: distributivo, cardiogênico, hipovolêmico e obstrutivo. Existem muitas etiologias dentro de cada mecanismo, que serão discutidas ao longo deste capítulo. Os mecanismos de choque não são exclusivos, e muitos pacientes com insuficiência circulatória apresentam mais de um mecanismo associado.
O choque é particularmente comum em unidades de terapia intensiva (UTI), afetando cerca de um terço dos pacientes internados nesse ambiente. **Choque séptico, uma forma de choque distributivo, é a forma mais comum de choque em pacientes internados em UTI. **Em um estudo que comparou dopamina com noradrenalina no tratamento do choque em 1.600 pacientes em terapia intensiva, o choque séptico ocorreu em 62% dos casos, choque cardiogênico em 16%, choque hipovolêmico em 16%, outros tipos de choque distributivo em 4% (neurogênico e anafilático, p. ex.) e choque obstrutivo em 2% (Figura 1).
No departamento de emergência (DE), pequenos estudos demonstram que o choque hipovolêmico é o mecanismo mais comum de choque. Em um estudo para avaliar o benefício da monitorização de capnografia no DE, dos 103 pacientes avaliados, 36% apresentavam choque hipovolêmico, 33% choque séptico, 29% choque cardiogênico e 2% outras formas de choque (Figura 1).
O processo de utilização do oxigênio tecidual envolve os seguintes passos (4)
Difusão do oxigênio dos pulmões ao sangue.
Ligação do oxigênio à hemoglobina.
Transporte de oxigênio pelo débito cardíaco para periferia.
Difusão de oxigênio para a mitocôndria.
Como é a difusão do O2 dos pulmões ao sangue?
O oxigênio (O2) atmosférico entra nos pulmões a partir da pressão negativa gerada pela inspiração. Posteriormente, o O2 alveolar se difunde para o sangue capilar pulmonar.** A quantidade de O2 que é transferida para o sangue depende da relação ventilação-perfusão e da concentração de oxigênio inspirado (FiO2). Outros fatores importantes são a membrana alvéolo-capilar, a concentração de hemoglobina no sangue e sua afinidade pelo O2.
Como é a ligação de O2 à hemoglobina?
É importante salientar que aproximadamente 98% do O2 é ligado à hemoglobina e 2% é dissolvido no plasma. O principal carreador do O2 é a hemoglobina, que é um complexo proteico composto por quatro cadeias polipeptídicas (na maioria das vezes, duas cadeias alfa e duas beta), cada uma ligada a um grupo heme por ligações não covalentes. Cada grupo heme possui um anel porfirínico ligado a um átomo de ferro em estado reduzido (ferroso ou Fe2+), ao qual o O2 se liga. Assim, cada molécula de hemoglobina consegue carregar quatro moléculas de oxigênio (Figura 2).
A afinidade da hemoglobina pelo O2 aumenta na medida em que o complexo com a hemoglobina se satura. Essa habilidade da hemoglobina de alterar sua afinidade pelo O2 a torna um carregador ideal. Nos capilares pulmonares, a ligação do oxigênio à hemoglobina é facilitada, enquanto nos capilares periféricos, a dissociação do O2 é promovida. Algumas situações aumentam ou diminuem a afinidade da hemoglobina pelo oxigênio e influenciam esse processo (Figura 3).
Como é o transporte de oxigênio pelo débito cardíaco para periferia?
O transporte de O2 aos tecidos depende da quantidade presente no sangue e do débito cardíaco. O conteúdo de oxigênio no sangue (em mL de O2/dL de sangue) pode ser expresso, então, pela seguinte fórmula:
Como é a difusão de oxigênio para a mitocôndria?
O O2 posteriormente é transferido do sangue para a mitocôndria por um simples princípio de difusão, mas também por mecanismos de controle da microcirculação local que controlam o fluxo total, tempo de trânsito e recrutamento capilar. Fatores autonômicos neurais e metabólicos regulam os esfíncteres arteriolares de tal forma a aumentar a densidade capilar. Órgãos com pouca reserva capilar apresentam-se em desvantagem durante a hipóxia. Uma vez que o O2 chega à mitocôndria, ele deve funcionar como receptor final de elétrons provenientes do metabolismo aeróbico. Mesmo após entrar na mitocôndria, diversos mecanismos em determinadas patologias promovem a má utilização do oxigênio no metabolismo, levando a uma utilização glicolítica anaeróbica da glicose e hiperlactatemia para geração de ATP, apesar da presença de O2.
O consumo de oxigênio (VO2) é definido pela equação de Fick:
om diminuições graduais da oferta, o consumo permanece constante devido a um aumento da extração periférica. Porém, diminuições progressivas podem superar a capacidade de adaptação da microcirculação e a produção aeróbica de ATP cai abaixo da necessidade metabólica. A partir desse ponto, também chamado de DO2 crítico, a produção anaeróbica de ATP é iniciada. Entretanto, essa é uma solução parcial, relativamente de curto prazo e não pode substituir completamente a produção de ATP mitocondrial e, caso a hipoperfusão tecidual não seja corrigida, levará à morte celular.
**Por fim, uma maneira simplificada de se pensar no choque é que este consiste no desequilíbrio entre oferta (DO2) e consumo (VO2) de O2, devendo-se lembrar dos contribuintes de cada um.
Uma vez estabelecido o choque, o organismo lança mão de mecanismos compensatórios inicialmente, mas a hipoperfusão tecidual leva à disfunção orgânica, o que perpetua a resposta inflamatória, levando a mais disfunção orgânica. Isso gera um círculo vicioso, que culmina na síndrome de disfunções de múltiplos órgãos e sistemas (SDMOS), condição caracterizada pelo acúmulo de duas ou mais disfunções orgânicas, sem considerar a disfunção inicial. Quando estabelecida, a SDMOS apresenta alta morbimortalidade, sendo difícil de ser revertida. Dessa maneira, devemos identificar e tratar precocemente o paciente em choque** (Figura 4).
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Quais são os mecanismos compensatórios do choque?
Quais são so critérios clínicos para diagnóstico de choque?
O choque deve ser suspeitado em pacientes com **sinais de hipoperfusão tecidual **(Tabela 1).
A hipotensão arterial geralmente está presente no choque, mas pode estar ausente, especialmente em pacientes portadores de hipertensão arterial sistêmica. Em adultos com quadro de choque, a pressão arterial sistólica tipicamente é menor que 90 mmHg ou a pressão arterial média é menor que 70 mmHg, com taquicardia associada.
A combinação de tempo de enchimento capilar > 2 segundos, livedo e diminuição da temperatura da pele pode predizer baixo índice cardíaco e, em última análise, choque com especificidade de 98%. Outros estudos mostraram que o tempo de enchimento capilar > 3 segundos é associado com piora de perfusão tecidual (motting) e pior prognóstico.
A área de** livedo reticular ao redor do joelho** está diretamente relacionada à mortalidade, sendo um marcador importante de hipoperfusão tecidual no exame físico (Figura 5).
Vale ressaltar a importância da análise de outras disfunções orgânicas não avaliadas pelas três janelas descritas, visto que refletem também as consequências do choque no organismo. A avaliação por sistemas facilita a identificação das disfunções:
Respiratório: dispneia, uso de musculatura respiratória acessória.
Cardiovascular: hipotensão, taquicardia, hiperlactatemia.
Hepática: encefalopatia, aumento de bilirrubinas.
Hematológica: sangramentos, petéquias, alargamento de RNI.
Quais são os Métodos de avaliação da perfusão tecidual?
Quais são os Critérios laboratoriais do choque?
A hiperlactatemia está tipicamente presente, indicando metabolismo anormal de oxigênio celular. O nível normal de lactato no sangue é de aproximadamente 1 mmol/L (ou 9 mg/dL), e o nível é aumentado (> 2 mmol/L ou >18 mg/dL) no choque.
O lactato durante décadas foi considerado exclusivamente o produto final da degradação parcial da glicose por mecanismo anaeróbico devido à hipóxia mitocondrial. No entanto, pesquisadores têm proposto que a produção de lactato retarda, e não causa a acidose. Assim, a acidose seria causada por reações que não são a produção de lactato. Por exemplo, toda vez que o ATP é dividido em ADP e fosfato, um próton (H+) é liberado. Quando a demanda de ATP é atendida pela respiração mitocondrial, não há acúmulo de prótons na célula, pois os prótons são usados pela mitocôndria. Em condições de hipóxia, o ATP que é fornecido a partir de fontes não mitocondriais aumenta a liberação de prótons e causa a acidose. A produção de lactato aumenta nessas condições celulares para evitar o acúmulo de piruvato e fornecer o NAD+ necessário para a glicólise. Assim, o aumento da produção de lactato coincide com a acidose celular e permanece como um bom marcador indireto para condições metabólicas celulares que induzem a acidose metabólica. Devemos lembrar também que o lactato pode aumentar em situações não relacionadas à hipóxia, como disfunção hepática e uso de algumas medicações (como metformina e linezolida).
Quais são os critérios diagnósticos do choque?
Embora parâmetros clínicos isolados não sejam capazes de predizer o diagnóstico de choque com precisão, a combinação do exame clínico com parâmetros hemodinâmicos e laboratoriais aumenta a acurácia do diagnóstico.
Não há consenso entre os critérios clínicos para o diagnóstico de choque. Uma proposta de critério clínico para o estabelecimento de choque está descrita na Tabela 2. A presença de quatro ou mais critérios define choque.
A ultrassonografia point-of-care
O diagnóstico de choque e de sua etiologia pode ser refinado com a avaliação pelo ultrassom point-of-care, que inclui a avaliação de derrame pericárdico, a medição do tamanho e da função dos ventrículos esquerdo e direito, a avaliação da variação respiratória da veia cava inferior, o cálculo da integral da velocidade aórtica pela via de saída do ventrículo esquerdo, o exame abdominal e torácico com avaliação da aorta e de pneumotórax
No departamento de emergência, o uso do protocolo RUSH fornece uma abordagem sequencial da etiologia do choque (Tabela 3) (Figura 7).
Como é o protocolo RUSH?
Existem quatro mecanismos clássicos de choque (Tabela 4) (Figura 8).
Os três primeiros mecanismos, representados na Tabela 3, são caracterizados por baixo débito cardíaco e, portanto, por transporte inadequado de oxigênio. No mecanismo distributivo existe diminuição da resistência vascular sistêmica e alteração da extração de oxigênio; nesses casos, o débito cardíaco costuma ser inicialmente alto, embora possa reduzir como resultado de depressão miocárdica associada.
Os perfis hemodinâmicos, medidos na cateterização da artéria pulmonar, nos auxiliam a entender as diferenças fisiopatológicas entre cada tipo de choque, no entanto, esse procedimento é invasivo, e raramente utilizado, Sendo assim, como é o choque hipovolêmico?
Acontece pela redução do volume intravascular (pré-carga reduzida) que, por sua vez, reduz o DC. O choque hipovolêmico pode ser dividido em duas categorias: hemorrágico e não hemorrágico.
Hemorrágico: existem várias causas de choque hemorrágico, sendo o mais comum o trauma, seguido por hemorragia varicosa e úlcera péptica. Causas menos comuns incluem hemorragia perioperatória, aneurisma aórtico abdominal roto e iatrogênico.
Não hemorrágico: volume intravascular reduzido por perda de fluidos que não sejam sangue. A depleção de volume pela perda de sódio e água pode ocorrer a partir de vários sítios anatômicos, como perdas gastrointestinais, perdas de pele e perdas renais.
Conceitue o choque cardiogênico
É causado por **patologias cardíacas que levem à falência da bomba e à redução do débito cardíaco (DC). **As causas de falha da bomba cardíaca são diversas, mas podem ser divididas em três categorias:
Cardiomiopatia: causas de cardiomiopatia induzindo choque incluem infarto do miocárdio envolvendo mais de 40% do miocárdio do ventrículo esquerdo, infarto do miocárdio de qualquer tamanho se for acompanhado por isquemia extensa e grave devido a doença coronariana multiarterial, infarto agudo do ventrículo direito, exacerbação da insuficiência cardíaca em pacientes com cardiomiopatia dilatada grave subjacente, miocárdio atordoado após parada cardíaca, isquemia prolongada ou circulação extracorpórea, depressão miocárdica por choque séptico ou neurogênico avançado e miocardite.
Arrítmica: tanto as taquiarritmias atriais e ventriculares quanto as bradiarritmias podem induzir hipotensão. Quando o DC é gravemente comprometido por distúrbios significativos do ritmo (p. ex., taquicardia ventricular sustentada, bloqueio atrioventricular total), os pacientes podem apresentar choque cardiogênico.
Mecânica: insuficiência valvar aórtica ou mitral grave, defeitos valvares agudos, como a ruptura de um músculo papilar ou de cordoalhas tendíneas, dissecção retrógrada da aorta ascendente, ruptura aguda do septo interventricular, mixomas atriais e ruptura do aneurisma da parede livre ventricular são causas de choque cardiogênico.
Como se caracteriza o choque distributivo?
É caracterizado por vasodilatação periférica grave com queda da resistência vascular sistêmica.
**Choque séptico: **a sepse é definida como resposta desregulada do hospedeiro à infecção, resultando em disfunção orgânica com risco de morte. Choque séptico é sepse com necessidade de terapia vasopressora e presença de níveis elevados de lactato (> 2 mmol/L ou > 18 mg/dL), apesar da ressuscitação volêmica adequada. É o tipo mais comum de choque distributivo e tem mortalidade estimada em 30 a 50%.
**Choque neurogênico: **ocorre geralmente em vítimas de traumatismo cranioencefálico grave e lesão da medula espinhal, sobretudo se esta for acima de T6, levando à interrupção das vias autonômicas, com diminuição da resistência vascular e alteração do tônus vagal.
Choque anafilático: a anafilaxia está associada a mecanismos imunológicos (IgE mediado – alimento, inseto, látex – ou não IgE mediado – omalizumab, infliximab) e não imunológicos (exercício, frio, radiocontraste), todos levando à degranulação de mastócitos e/ou basófilos. Pode acometer diversos sistemas (cardiovascular, respiratório, pele, trato gastrointestinal e sistema nervoso central), no entanto, o choque e a obstrução de via aérea são as principais causas de morte.
Choque por cianeto e por monóxido de carbono: choque por disfunção mitocondrial. No primeiro caso, o paciente possui O2, mas não consegue utilizá-lo por bloqueio da fosforilação oxidativa pelo cianeto. No segundo caso, além desse mecanismo, o monóxido de carbono tem muita afinidade pela hemoglobina, dificultando sua ligação ao oxigênio.
Choque por etiologias endocrinológicas: crise addisoniana (insuficiência adrenal devido à deficiência mineralocorticoide) e coma mixedematoso podem estar associados à hipotensão e a estados de choque. Em estados de deficiência mineralocorticoide, a vasodilatação pode ocorrer devido ao tônus vascular alterado e à hipovolemia mediada pela deficiência de aldosterona. Os doentes com tireotoxicose podem desenvolver insuficiência cardíaca de alto débito e, com a progressão da doença, esses pacientes podem desenvolver disfunção sistólica do ventrículo esquerdo ou taquiarritmias, levando à hipotensão.