Tratamento Flashcards
Fluxograma de dor torácica na sala de emergência.
Conduta nos pacientes de baixo risco
Pacientes caracterizados como sendo de baixo risco para eventos isquêmicos, que permanecem sem dor, sem alteração do ECG e com marcadores bioquímicos de lesão miocárdica normais, podem ser encaminhados para teste de esforço após 9 horas (idealmente em torno de 12 horas), em regime ambulatorial ou ainda no setor de emergência.
Na impossibilidade de realização do teste de esforço ou nos casos de ECG não interpretável, o paciente pode ser estratificado com teste provocativo de isquemia com imagem (cintilografia do miocárdio ou ecocardiograma com estresse farmacológico). Outra alternativa segura na avaliação de pacientes de risco baixo ou intermediário, nas primeiras 12 horas de estratificação, é a realização da angiografia por tomografia computadorizada das artérias coronárias, salientando-se que essa conduta acarreta impacto sobre custos e tempo de internação
Conduta nos pacientes de risco intermediário
Os pacientes com SCAs/SST de risco intermediário e alto devem ser internados em unidade coronária de terapia intensiva (UCO) sempre que possível, até que a conduta definitiva para seu caso seja decidida
Estratificação invasiva versus não invasiva
Nos pacientes com risco intermediário de eventos isquêmicos:
A estratificação inicial pode ser invasiva ou não invasiva. Para pacientes estáveis clinicamente e com risco muito elevado para estudo hemodinâmico, a estratificação não invasiva pode ser a mais indicada.
**A estratificação não invasiva nos pacientes de risco intermediário e alto risco para estudo hemodinâmico pode ser realizada com cintilografia de perfusão miocárdica, ecocardiograma ou ressonância magnética (com estresse farmacológico); nos pacientes de risco intermediário poderá ser feito após pelo menos 24 horas (preferencialmente após 48 h) de estabilidade clínica, eletrocardiográfica e sem alterações dos marcadores bioquímicos de necrose miocárdica, e nos pacientes de alto risco não deverá ser feito antes das 48 horas (classe III)
**
A estratificação invasiva deve ser realizada, de preferência, no dia útil subsequente à hospitalização do paciente (visando tempo < 72 horas).
Conduta nos pacientes de risco Alto
Nos pacientes com risco muito alto ou alto de eventos isquêmicos:
Estratégia invasiva imediata (visando tempo < 2 horas) nos pacientes de “muito alto risco”.4,13
Estratégia invasiva de urgência (realizado a qualquer momento antes do primeiro dia útil após a internação – visando as primeiras 24 horas) nos pacientes de alto risco.4,13
Os critérios de classificação e tempo para avaliação invasiva estão sumarizados na Tabela 8.
Considerações sobre o estudo hemodinâmico
Cuidado especial deve ser tomado com pacientes idosos (> 75 anos) e/ou diabéticos e/ou com disfunção renal. Nessas situações deve-se, idealmente, fazer preparo do paciente 12 a 24 h antes e 12 a 24 h depois do procedimento com hidratação venosa contínua (1 mL/kg/h), devendo-se tomar cuidado especial com pacientes que apresentam disfunção ventricular esquerda. Na necessidade de procedimento mais precoce ou de restrição quanto à infusão hídrica, realizar o preparo com bicarbonato de sódio 8,4% 150 mL + água destilada 850 mL (IV, 3 mL/kg/h por 1 hora antes e 1 mL/kg/h por 6 horas após o procedimento
Oxigenoterapia
A isquemia miocárdica aguda pode acarretar aumento súbito da pressão diastólica final do ventrículo esquerdo, que é transmitida ao território pulmonar, levando à formação de edema pulmonar e consequente hipoxemia. A presença de hipoxemia pode agravar o quadro de isquemia miocárdica, aumentando a sua extensão. Novas evidências sugerem que o O2 inalatório seja utilizado somente em situações em que haja cianose, sinais clínicos de desconforto respiratório ou na presença de saturação arterial de O2 < 90%.3,4,32,33 O uso rotineiro de O2 inalatório em pacientes sem hipoxemia não foi associada à redução de mortalidade ou outros desfechos cardiovasculares. Nos pacientes com congestão pulmonar importante, a utilização de ventilação não-invasiva com pressão positiva (VNI) tem grande importância no tratamento
Analgesia
O uso de analgésicos em pacientes com dor isquêmica intensa, refratários à terapêutica antianginosa, poderá ser indicado. Nessa situação, o sulfato de morfina tem sido utilizado historicamente; entretanto, dados recentes sugerem que o uso deste medicamento pode retardar a absorção de medicamentos, inclusive dos inibidores do receptor P2Y12, diminuindo os efeitos antiplaquetários dessas medicações, o que por sua vez piora o prognóstico do paciente.34-37 Em vista dessas evidências, as diretrizes recentes reclassificaram o uso da morfina de classe I para classe IIb.
Nitrato
Não existem estudos clínicos controlados que tenham testado os efeitos dos nitratos em desfechos clínicos e mortalidade nas SCAs/SST, embora seu uso seja universalmente aceito.3,4
Os benefícios terapêuticos do nitrato estão relacionados aos seus efeitos na circulação periférica e coronária. Seu efeito venodilatador, diminuindo o retorno venoso ao coração e o volume diastólico final do VE, reduz o consumo de oxigênio pelo miocárdio. Adicionalmente, observam-se efeitos de vasodilatação de artérias coronárias, normais ou ateroscleróticas, redirecionamento de fluxo intercoronariano, com aumento da circulação colateral.
Podem ser usados por via oral (VO), sublingual, IV e transdérmica. O** tratamento deve ser iniciado na sala de emergência, administrando-se o nitrato por via sublingual (nitroglicerina 0,4 mg/comp, ou dinitrato de isossorbida 5 mg/comp., ou mononitrato de isossorbida 5 mg/comp.; a dose total não deve ultrapassar três comprimidos, separando as administrações por intervalos de 5 minutos). **Caso não haja alívio rápido da dor, esses pacientes podem se beneficiar com a administração intravenosa. A nitroglicerina IV é empregada na dose de 10 μg/min com incrementos de 10 μg a cada 5 minutos até que se obtenha melhora sintomática ou redução da pressão arterial (a queda da PAS não deve ser superior a 20 mmHg ou PAS não atingindo < 110 mmHg), ou então aumento da FC (> 10% da basal).
É de se esperar o aparecimento de tolerância aos efeitos hemodinâmicos do medicamento após 24 horas de uso em razão da depleção dos radicais sulfidrila existentes na parede arterial. Quando se estiver utilizando a via oral, a tolerância poderá ser reduzida com o emprego de doses menores e espaçadas (no mínimo 8 horas).
Os nitratos são contraindicados na presença de hipotensão arterial significativa (PAS < 100 mmHg), infarto de ventrículo direito ou uso prévio de inibidores da fosfodiesterase (sildenafil nas últimas 24 horas ou tadalafila nas últimas 48 h). Seus principais efeitos colaterais são cefaleia e hipotensão
Beta Bloqueador
Os betabloqueadores inibem competitivamente os efeitos das catecolaminas circulantes. Na coronariopatia aguda, seus benefícios estão relacionados com sua ação nos receptores beta-1, diminuindo a frequência cardíaca (FC), a pressão arterial e a contratilidade miocárdica, e levando deste modo à redução no consumo de oxigênio pelo miocárdio. São classificados em cardiosseletivos (maior afinidade pelos receptores β1-succinato de metoprolol, e atenolol) e não seletivos (ligam-se tanto aos β1 quanto aos β2-propranolol), o que implica em menor ou maior incidência de efeitos adversos (broncoespasmo, por exemplo) associados ao bloqueio de receptores não β1. Há, ainda, um subgrupo que bloqueia tanto receptores α quanto receptores β (carvedilol e acebutolol), resultando sua administração em vasodilatação periférica, o que não se observa com os demais betabloqueadores. Não existem evidências de superioridade de um betabloqueador sobre outro.
No estudo COMMIT, que incluiu pacientes com IAM com supradesnível do segmento ST, a estratégia de uso de betabloqueador IV seguido por administração oral nas primeiras 24 a 48 h se associou a aumento na incidência de choque cardiogênico nos pacientes com disfunção ventricular esquerda ou fatores de risco para choque cardiogênico (idade superior a 70 anos, frequência cardíaca > 110 bpm/min ou pressão sistólica < 120 mmHg).38 Especificamente em pacientes com SCAs/SST, estudo observacional norte-americano publicado no início da última década demonstrou aumento da mortalidade e choque cardiogênico com o uso de betabloqueador a partir das primeiras 24 h. de hospitalização em pacientes que se apresentavam com os fatores de risco supracitados.39 Porém, outro estudo demonstrou que pacientes pós-IAM que receberam alta em uso de betabloqueadores tem menor mortalidade em 2 anos quando comparados àqueles que saem sem a prescrição da medicação.40 Já estudo nacional mais recentemente publicado, também analisando o uso de betabloqueadores a partir das primeiras 24 h de hospitalização, mostrou durante a fase intra-hospitalar associação significativa entre o uso de betabloqueador e menor mortalidade independentemente da fração de ejeção; entretanto, no acompanhamento de longo prazo o betabloqueador só foi útil em pacientes com fração de ejeção <55%.41
Apesar da inexistência de estudos randomizados em larga escala, recomenda-se o uso de betabloqueador oral nos pacientes com SCAs/SST sem contraindicação, devendo-se iniciar no paciente estável, em doses pequenas, com aumento de forma gradual. Nos casos de pacientes que apresentam dor isquêmica persistente e/ou taquicardia sinusal com função ventricular preservada, pode-se utilizar a formulação venosa. Cuidado especial deve ser tomado em pacientes com sinais de falência cardíaca ou com risco aumentado para choque cardiogênico (idade > 70 anos, pressão arterial sistólica < 120 mmHg, FC > 110 bpm e tempo prolongado de apresentação após início dos sintomas). Especificamente em pacientes com insuficiência cardíaca deve-se utilizar o betabloqueador de acordo com o recomentado nessa situação (por exemplo dose alvo de carvedilol de 25 mg, 2x ao dia, sempre se iniciando com doses pequenas e aumentos graduais).
As doses comumente utilizadas dos betabloqueadores estão resumidas na Tabela 9
Inibidores do sistema renina-angiotensina-aldosterona
Os inibidores da enzima de conversão da angiotensina (IECA) apresentam larga utilização no tratamento de pacientes com hipertensão arterial, diabete melito, insuficiência cardíaca, e com doença arterial coronariana. Não existem, no entanto, evidências conclusivas de benefícios quando da utilização precoce dos IECAs em pacientes com SCAs/SST. Alguns estudos sugerem que podem ser úteis na fase crônica após o episódio agudo, como The Heart Outcomes Prevention Evaluation (HOPE).43
A recomendação atual é a de se utilizar IECA nos pacientes de risco intermediário e alto com disfunção ventricular esquerda, hipertensão arterial, diabete melito, ou doença renal (que não tenham contra-indicação como hipercalemia ou doença renal avançada); os bloqueadores dos receptores da angiotensina II são indicados quando houver intolerância aos IECAs
Agentes antiplaquetários
Ácido acetilsalicílico
De forma resumida, o ácido acetilsalicílico (AAS) bloqueia a ciclo-oxigenase, o que leva a um bloqueio na produção de tromboxane, potente vasoconstitor e indutor da agregabilidade plaquetária. Rapidamente absorvido no estômago e na parte superior do intestino delgado, o AAS apresenta pico plasmático em 30 minutos e meia-vida curta, de 15 a 20 minutos; entretanto, como bloqueia de forma irreversível a agregabilidade plaquetária, é suficiente seu uso em dose única diária.
Sua indicação nas SCAs/SST remonta à década de 1980, a partir de estudos que demonstraram ao redor de 50% de diminuição de eventos isquêmicos com o uso do medicamento a médio e longo prazos.44
Em relação à dose, estudos prévios sugeriam aumento de sangramento com doses > 100 mg, na ausência de benefício anti-isquêmico. O estudo CURRENT OASIS-7,45 no qual 71% da população apresentava SCAs/SST, mostrou no braço AAS não haver diferença entre a dose de manutenção habitual (75 a 100 mg/dia) e a dose elevada (300 a 325 mg/dia) na ocorrência de eventos cardiovasculares graves (mortalidade, IAM não fatal ou AVE, p = 0,61). Tampouco encontraram diferenças significativas em relação à ocorrência de sangramentos graves.
Assim, o AAS deve ser prescrito na sala de emergência para todos os pacientes sem contraindicações, exceto nos casos de reação alérgica grave previamente conhecida, na dose de ataque de 162 a 300mg, seguida da dose de 81 a 100mg ao dia como manutenção.3,4,12.
As contraindicações ao AAS incluem alergia ou intolerância gástrica, sangramento ativo, hemofilia ou úlcera péptica ativa, e, ainda, alta probabilidade de sangramento gastrointestinal ou gênitourinário.
Clopidogrel
Esse derivado tienopiridínico, que age sobre o receptor P2Y12 plaquetário de forma irreversível, é um antagonista da ativação plaquetária mediada pela adenosina difosfato (ADP). É uma pró-droga, dependente do mecanismo de primeira passagem hepática para formação de metabólito ativo, por meio de metabolização pelas enzimas do citocromo P450.
No contexto das SCAs/SST, o estudo CURE46 testou a associação de AAS + clopidogrel versus AAS + placebo em cerca de 12.500 pacientes. Em acompanhamento médio de 9 meses (até 1 ano), a dupla terapia antiplaquetária reduziu em 20% o risco de infarto do miocárdio, AVE ou óbito cardiovascular (p < 0,001), à custa de um aumento na incidência de sangramentos maiores de 38% no grupo clopidogrel + AAS (p = 0,001).
Diferentes doses do clopidogrel foram testadas no estudo CURRENT OASIS-7,45 que incluiu cerca de 25.000 pacientes com coronariopatia aguda e programação de estratificação invasiva (71% dos pacientes com SCAs/SST). Nesse estudo, a dose de 600 mg de ataque seguida por 150 mg ao dia por seis dias e 75 mg ao dia após a primeira semana foi testada de forma aleatória contra a posologia testada no estudo CURE (300 mg de ataque seguidos por 75 mg ao dia). O desfecho principal de óbito cardiovascular, IAM e AVE em 30 dias não apresentou diferenças significativas entre os grupos, e sangramento maior foi mais frequente com a dose dobrada de clopidogrel (HR = 1,24%, p = 0,01). No subgrupo de pacientes submetidos à ICP (n = 17263), demonstrou-se redução significativa no desfecho principal a favor da dose dobrada (3,9% versus 4,5%, HR = 0,85, p = 0,036, NNT = 167), porém à custa de aumento nos sangramentos graves (1,6% versus 1,1%, HR = 1,41, p = 0,009, NNH = 200).
Por outro lado, doses de clopidogrel ajustadas de acordo com a resposta antiplaquetária obtida por métodos laboratoriais foram testadas em dois estudos recentes (GRAVITAS47 e ARCTIC48), não se demonstrando qualquer benefício adicional com tal estratégia.
Diretrizes nacionais4 recomendam o clopidogrel em adição ao AAS, em pacientes portadores de SCAs/SST no caso de indisponibilidade de ticagrelor ou prasugrel, ou de forma preferencial em pacientes que necessitam anticoagulação oral concomitante. Deve ser suspenso por 5 dias antes de procedimentos cirúrgicos.
É importante ressaltar que existem evidências de má resposta ao uso desse medicamento em algumas circunstâncias:
Presença de polimorfismos associados às enzimas do citocromo P450 envolvidas no processo de metabolização hepática (principalmente alelo CYP2C19*2).49
Utilização concomitante de outros fármacos que podem interferir no metabolismo hepático mediado por enzimas do citocromo P450, principalmente relacionado ao uso concomitante dos inibidores de bomba de próton.
Nesse contexto, existe demonstração de diminuição da atividade antiagregante do clopidogrel50,51 e associação com eventos isquêmicos, principalmente em pacientes de maior risco.52,53
Assim sugere-se que o uso de inibidores de bomba de próton (em especial o omeprazol) em associação com o clopidogrel deva ser evitado sempre que possível.
Prasugrel
O prasugrel também é um derivado tienopiridínico, portanto com mecanismo de ação similar ao do clopidogrel. Por ser uma pró-droga, necessita de conversão para um metabólito ativo antes de se ligar ao receptor plaquetário, tendo, porém, somente uma passagem hepática. Em relação ao clopidogrel, seu início de ação é mais rápido, tem efeito antiplaquetário mais intenso e estável, sofre menor interferência de agentes que atuam no citocromo P450 e não apresenta vulnerabilidade genética.
O estudo TRITON-TIMI 3854 randomizou 13.605 pacientes com coronariopatia aguda, sem uso recente de clopidogrel e com ICP programada para receberem, em adição ao AAS, prasugrel (dose de ataque de 60 mg seguidos de 10 mg ao dia) versus clopidogrel (dose de ataque de 300 mg seguido de 75 mg ao dia). A população com SCAs/SST representou 74% da amostra. O desfecho primário de óbito, infarto do miocárdio não fatal e AVE não fatal foi significativamente menor no grupo prasugrel (HR = 0,81, p < 0,001) às custas de um aumento significativo no risco de sangramento maior não relacionado a cirurgia cardíaca (HR = 0,32, p = 0,03). O “benefício clínico líquido” com o desfecho composto de morte, infarto do miocárdio, AVE ou sangramento maior não relacionado a cirurgia cardíaca foi favorável ao grupo prasugrel (HR 0,87, p = 0,004).
Análises post hoc identificaram três subgrupos de maior risco de sangramento com o uso do prasugrel: idade ≥ 75 anos, peso < 60 kg (nesses dois subgrupos não se demonstrou qualquer benefício líquido), e antecedente de acidente vascular encefálico/ataque isquêmico transitório (no qual o benefício líquido foi significativamente favorável ao clopidogrel).
Na sequência ao TRITON foi desenvolvido o estudo TRILOGY,55 no sentido de testar o valor do prasugrel agora em uma população não submetida a terapêuticas de intervenção. Foram incluídos 9.326 pacientes com SCAs/SST submetidos ou não a cineangiocoronariografia e com indicação específica de tratamento clínico, randomizados para clopidogrel (300 mg de ataque com 75 mg ao dia de manutenção) ou prasugrel (30 mg de ataque com manutenção de 10 mg ao dia se idade < 75 anos, ou 5 mg ao dia se idade ≥ 75 anos ou peso < 60 kg), acompanhados por 17 meses em média. O desfecho primário de eficácia (morte cardiovascular, IAM ou AVC) e os desfechos principais de segurança (sangramento grave ou ameaçador à vida pelo critério GUSTO ou sangramento grave pelo critério TIMI) não apresentaram diferenças significativas entre as duas medicações. Portanto, o prasugrel (dose de ataque de 60 mg e manutenção de 10 mg) está indicado nas SCAs/SST de risco intermediário e alto, após definição da anatomia coronária, que tenham programação de ICP e sem fatores de risco para sangramento (idade > 75 anos, com < 60 Kg, AVC ou AIT prévios); a dose menor de 5 mg deve ser a manutenção nos indivíduos com menos de 60 kg ou com idade maior ou igual a 75 anos; é contraindicado nos pacientes com acidente vascular encefálico/ataque isquêmico transitório prévio. Deve ser suspenso por, pelo menos, 7 dias antes de procedimentos cirúrgicos.4,13
Ticagrelor
O ticagrelor é um derivado das ciclopentiltriazolopirimidas que também age inibindo a ação do ADP via bloqueio do receptor P2Y12, mas, ao contrário dos tienopiridínicos, tem atividade reversível. Não é uma pró-droga, tendo seu efeito principal mediado pelo próprio ticagrelor e, de maneira menos expressiva, por um metabólito ativo. Possui meia-vida de aproximadamente 12 horas e apresenta efeito antiagregante mais intenso, rápido e estável em relação ao clopidogrel.
No estudo PLATO56 foram randomizados cerca de 18.000 pacientes com coronariopatia aguda (62% dos pacientes com SCAs/SST) para ticagrelor (ataque de 180 mg seguida de uma dose de 90 mg, 2 vezes/dia) ou clopidogrel (ataque de 300 mg seguida de 75 mg/dia). O tempo de acompanhamento foi de 12 meses, sendo permitido o uso de clopidogrel previamente à randomização ou mesmo dose dobrada de clopidogrel quando o paciente for submetido a angioplastia.
Os resultados principais mostraram, a favor do grupo ticagrelor, 16% de redução no desfecho primário (óbito cardiovascular, IAM não fatal ou AVC não fatal – 9,8% versus 11,7%, p < 0,001). Importante salientar que, além de diminuir de forma significativa a incidência isolada de IAM, observaram-se adicionalmente diminuições significativas nas incidências isoladas de óbito cardiovascular (HR 0,79, p = 0,0013) e mortalidade global (HR 0,78, p = 0,0003). Em relação a sangramentos maiores, com diferentes definições, as incidências foram similares entre os grupos, na população global.
Alguns efeitos colaterais apresentaram incidências maiores no grupo ticagrelor: 1 - Dispneia (13,8% versus 7,8%, p < 0,001), em geral discreta e transitória, sem relação com função cardíaca ou pulmonar, provavelmente relacionada ao aumento de adenosina circulante provocado pelo ticagrelor. Esse efeito colateral levou à suspensão do medicamento em < 1% dos casos. 2 - Bradicardia, com significativo aumento na incidência de pausas ventriculares maiores que 3 segundos nos primeiros 7 dias de uso da medicação (5,8% versus 3,6%, p = 0,01), e com incidências similares aos 30 dias de acompanhamento (2,1% versus 1,7%, p < 0,52); não houve diferença entre os grupos em termos de repercussão clínica (implante de marca-passo, síncope ou bloqueio cardíaco); 3 - Aumentos nos níveis de creatinina (10% versus 8%) e de ácido úrico (14% versus 7%), diferenças estas que desapareceram um mês após o final do tratamento.
Dessa forma, o ticagrelor está indicado em todo o espectro de pacientes com SCAs/SST, independentemente da estratégia de tratamento posterior (invasivo ou conservador). Quando do uso do ticagrelor, a dose do AAS não deve ultrapassar 100 mg/dia de AAS.
Tempo de utilização dos inibidores do receptor P2Y12 e suspensão pré-cirurgia
Os anti-ADP têm recomendação classe I de utilização rotineira por 12 meses, porém esse tempo pode ser estendido ou reduzido de forma individualizada, na dependência de uma análise cuidadosa quanto ao risco de eventos isquêmicos e hemorrágicos apresentado pelo paciente. Quanto ao tempo de suspensão do medicamento previamente a um procedimento cirúrgico, recomenda-se classicamente pelo menos 5 dias para clopidogrel ou ticagrelor, e 7 dias para prasugrel. Entretanto, evidência recente sugere que a avaliação diária da agregabilidade plaquetária permite a liberação segura para cirurgia com tempos significativamente mais curtos (pelo menos com o uso do clopidogrel), com consequente diminuição dos custos hospitalares
Pré-tratamento com inibidores de P2Y12 na sala de emergência ou após o conhecimento da anatomia coronária
O racional do pré-tratamento com inibidor de P2Y12 (além do AAS) na SCAs/SST se baseia no benefício em se obter inibição eficaz da agregabilidade plaquetária rapidamente, minimizando assim o risco de complicações isquêmicas, inclusive aquelas relacionadas à ICP, como trombose de stent e infarto periprocedimento. Por outro lado, essa mesma estratégia de pré-tratamento tem reconhecido impacto em aumentar o risco de sangramento associado ou não à cirurgia de revascularização miocárdica.
A utilização da dupla antiagregação plaquetária, o mais breve possível, em pacientes com SCAs/SST foi inicialmente validada com a publicação do estudo CURE, que demonstrou benefício com o uso do clopidogrel em relação a placebo, conforme referido previamente.46 Assim como no CURE, o estudo PLATO56 randomizou pacientes para dupla antiagregação plaquetária na sala de emergência (pré-tratamento), e mostrou a superioridade do ticagrelor em relação ao clopidogrel, conforme também detalhado previamente.
Já o estudo TRITON 54 seguiu uma estratégia de dupla antiagregação instituída apenas após a realização da angiocoronariografia e indicação de ICP (portanto sem pré-tratamento), e demonstrou a superioridade do prasugrel sobre o clopidogrel. Adicionalmente, o estudo ACCOAST randomizou mais de 4.000 pacientes com SCAs/SST para utilizarem pré-tratamento com prasugrel ou iniciarem o tratamento apenas na sala de hemodinâmica (2-48 h após randomização, mediana 4,3 h.). Os resultados principais do estudo demonstraram ausência de benefício em termos de diminuição de eventos isquêmicos, com aumento de sangramento importante.58 Tarantini et al. randomizaram mais de 1.400 pacientes com SCAs/SST e coronariografia programada em até 72 h (mediana 23,3 h) para utilizarem ticagrelor na sala de emergência ou anti-ADP (ticagrelor ou prasugrel de forma randomizada) na sala de hemodinâmica. As taxas de eventos isquêmicos e hemorrágicos foram similares entre os 3 grupos, e o estudo foi suspenso antes do previsto por futilidade.59
Duas metanálises demonstraram que o pré-tratamento com clopidogrel diminui eventos isquêmicos sem aumentar sangramento.60,61 Entretanto, o pré-tratamento com ticagrelor ou prasugrel não diminuíram eventos isquêmicos, e adicionalmente o pré-tratamento com prasugrel aumentou sangramento importante.61
Frente às evidências atualmente disponíveis, as diretrizes recentes sugerem individualizar o pré-tratamento com anti-ADPs de acordo com o tempo entre a chegada do paciente e o tempo programado para o estudo hemodinâmico. Em resumo:
Pacientes de muito alto risco com programação de coronariografia em até 2 horas não devem receber pré-tratamento;
Em pacientes de alto risco com programação de coronariografia entre 2-24 horas devem ter a indicação de pré-tratamento individualizada, de acordo com seu risco isquêmico e hemorrágico.
Pacientes com programação de coronariografia com mais de 24 h. devem ser submetidos a pré-tratamento de forma rotineira.
A Figura 5 resume as recomendações atuais quanto ao uso de terapêuticas antitrombóticas de acordo com o tempo programado para a cinecoronariografia.
Inibidores da glicoproteína (IGP) IIb/IIIa
Essa classe de medicamentos bloqueia a via final comum da agregação plaquetária, e são administrados por via intravenosa.
O abciximab é um anticorpo monoclonal que atua como bloqueador não competitivo e irreversível dos receptores de GP IIb/IIIa. Tem meia-vida plasmática curta de 5 a 10 minutos, e sua meia-vida biológica é de 6 a 12 h após a injeção de um bolus isolado, e consegue-se o bloqueio de 80% a 90% dos receptores de superfície, mantendo cinquenta por cento desses receptores bloqueados uma semana após sua utilização.
O tirofiban é um derivado sintético, não peptídio, de molécula pequena, que possui em sua estrutura molecular a sequência RGD (arginina-glicina-aspartato). Também age competitivamente no receptor celular IIb/IIIa, impedindo sua ligação ao fibrinogênio.
Em pacientes com SCAs/SST não necessariamente programados para revascularização precoce, metanálise com mais de 31.000 pacientes demonstrou redução de 9% no risco relativo de óbito ou infarto aos 30 dias de acompanhamento (p = 0,015), sendo o benefício restrito aos pacientes de maior risco (com troponina positiva, por exemplo), às custas de significativo aumento na incidência de sangramentos importantes (P < 0,0001).62
As diretrizes atuais recomendam evitar o uso rotineiro dos inibidores da GP IIb/IIIa antes do cateterismo, em pacientes sob uso de dupla antiagregação plaquetária. De maneira inversa, em pacientes com baixo risco hemorrágico, sob dupla antiagregação plaquetária, submetidos à ICP de alto risco (presença de trombos, complicações trombóticas da ICP), o uso dos IGPIIb/IIIa deve ser aventado.
Agentes antitrombínicos
Heparinas
O principal efeito anticoagulante da heparina não fracionada (HNF) depende de sua ligação à antitrombina, o que leva à inativação da trombina e diversos fatores da coagulação e explica os aumentos nos tempos de protrombina, de tromboplastina parcial ativado (TTPa) e de trombina, que ocorrem com o uso do medicamento.
Metanálise publicada em 1996 encontrou redução significativa no risco de IAM ou morte nos pacientes que receberam terapia combinada de AAS e HNF, em relação àqueles que receberam AAS isoladamente (HR = 0,44; IC 95%, 0,21-0,93).63
Em relação às heparinas de baixo peso molecular (HBPM), estas apresentam baixa atividade antitrombínica, mas mantém a capacidade de inativar o fator Xa (proporção anti-Xa e anti-IIa de 2:1 a 4:1), o que explica o fato de só alterarem o TTPa quando utilizado em altas doses.64 Seu uso é facilitado, pois dispensa a monitorização na maioria dos pacientes (exceção feita para as grávidas, obesos e pacientes com disfunção renal, nos quais o fator anti-X ativado, quando disponível, deve ser utilizado para um melhor controle da dose a ser empregada).
Metanálise comparando HNF versus Enoxaparina em pacientes com SCAs/SST incluídos nos estudos TIMI-11B e ESSENCE, demonstrou redução significativa de 20% em morte e eventos cardíacos sérios a favor da HBPM.65
Já metanálise mais recente e abrangente (incluindo os dados do estudo SYNERGY, em que os pacientes eram submetidos a estratégia invasiva de forma rotineira66), incluindo aproximadamente 22000 pacientes, demonstrou diminuição na incidência de óbito ou infarto aos 30 dias a favor da Enoxaparina, no total da população (OR = 0,01, 95% IC; 0,83-0,99) e de forma mais evidente nos pacientes que não haviam feito uso de antitrombínicos pré-randomização (OR = 0,81, 95% IC; 0,70-0,94). Interessantemente, não houve diferenças significativas entre os grupos em relação a sangramento
A seguir, as doses de utilização das heparinas:4
HNF: 60 a 70 UI/kg (ataque) EV, máximo de 5.000 UI, seguido por infusão contínua de 12 a 15 UI/kg/hora, máximo inicial de 1.000 UI/hora, durante um período mínimo de 48 horas. Na prática clínica, sugere-se manter TTPa de 1,5 a 2,5 vezes o valor de controle.
Enoxaparina: 1 mg/kg SC 12/12 horas, reduzindo a dose para 0,75 mg/kg SC 12/12 horas se paciente com idade > 75 anos e para 1 mg/kg SC 1 vez/dia se ClCr < 30 mL/min. O tempo de utilização deve ser de 8 dias ou até a alta hospitalar em pacientes tratados de forma não invasiva, e até a angioplastia nos pacientes submetidos a essa intervenção. Nos pacientes enviados para cateterismo durante um episódio de SCAs/SST com menos de 8 horas da última dose de enoxaparina, não há necessidade de anticoagulação adicional. Caso o tempo desde a última dose de enoxaparina seja superior a 8 horas, deverá ser feito 0,3 mg/kg IV de enoxaparina.
Fondaparinux
Esse pentassacáride sintético, que age inibindo de forma indireta o fator Xa, liga-se seletivamente à antitrombina. Permite dose subcutânea uma vez ao dia (pois apresenta meia-vida de 17 horas), tem contraindicação em pacientes com depuração de creatinina (ClCr) < 20 mL/min (por causa da eliminação renal), não induz trombocitopenia e não necessita de monitoramento da ação.
O estudo OASIS-568 randomizou cerca de 20.000 pacientes com SCAs/SST para fondaparinux (2,5 mg SC 1 vez/dia) ou enoxaparina (1 mg/kg de 12/12 horas ou de 24/24 horas se ClCr < 30 mL/min). Essa medicação não foi inferior à enoxaparina para o desfecho composto de óbito, IAM e isquemia refratária aos nove dias – objetivo principal do estudo (RR = 1,01; IC 0,9-1,13; p = 0,007 para não inferioridade) e aos 30 dias, havendo nesse tempo de acompanhamento sugestão de diminuição isolada de mortalidade a favor do fondaparinux. Em relação a sangramentos, resultado favorável ao fondaparinux foi demonstrado (2,2% versus 4,1%, RR = 0,52; p < 0,001). Interessantemente, observou-se aumento significativo na incidência de trombose em cateter no grupo fondaparinux (0,9% versus. 0,3%, RR 3,59; p = 0,001).
Do mesmo modo que a enoxaparina e a HNF, o fondaparinux também recebe recomendação I das diretrizes atuais4,13, com a ressalva de que, nos pacientes submetidos a ICP, bolus de HNF deve ser utilizado de forma concomitante durante o procedimento.
Abordagem lipídica
Poucos são os dados sobre o uso dos hipolipomiantes na fase inicial da coronariopatia aguda.69,70 No estudo PROVE-IT TIMI 22,69 houve redução significativa de 16% no risco para a ocorrência do objetivo primário (mortalidade por todas as causas, (re)infarto do miocárdio, angina instável, revascularização do miocárdio e acidente vascular encefálico) no grupo que recebeu atorvastatina 80 mg/dia (LDL-c após tratamento aproximadamente 70 mg/dL) em relação ao grupo que recebeu pravastatina 40 mg/dia (LDL-c após tratamento aproximadamente 90 mg/dL).
O estudo IMPROVE-IT70 demonstrou, em acompanhamento médio de 7 anos, diminuição significativa no desfecho composto de óbito CV, IAM, hospitalização por angina instável, revascularização coronária ou AVC, a favor do grupo que utilizou ezetimiba + sinvastatina (LDL-c após tratamento aproximadamente 50 mg/dL), em relação ao grupo que utilizou sinvastatina isolada (LDL-c após tratamento aproximadamente 70 mg/dL). Esses dados fortalecem a hipótese de “quanto menor, melhor” e demonstram que a ezetimiba é bastante segura nessa população, já que não foi observada nenhuma diferença significativa entre os grupos em relação aos quesitos de segurança analisados.
Segundo diretrizes nacionais,4,71 a abordagem terapêutica lipídica deve incluir a avaliação de perfil lipídico em jejum de todos os pacientes ainda nas primeiras 24 horas de hospitalização. As estatinas, preferencialmente em alta doses, devem ser utilizadas na ausência de contraindicações, com meta de LDL de < 50 para os pacientes classificados como Muito Alto Risco de eventos cardiovasculares. Quando as metas preconizadas não são alcançadas com estatina isoladamente, ou quando o paciente não suportar seu uso, deve-se utilizar ezetimiba e inibidores de PCSK9 (nessa ordem).