STJ Flashcards
A recusa injustificada ou ilegalmente motivada do Ministério Público em oferecer o acordo de não persecução penal autoriza à rejeição da denúncia?
Sim, por falta de interesse de agir para o exercício da ação penal.
A aplicação das ferramentas de barganha penal observa uma discricionariedade regrada ou juridicamente vinculada do Ministério Público em propor ao investigado ou denunciado uma alternativa consensual de solução do conflito. Não se pode confundir, porém, discricionariedade regrada com arbitrariedade, pois é sob o prisma do poder-dever (ou melhor, do dever-poder), e não da mera faculdade, que ela deve ser analisada.
A margem discricionária de atuação do Ministério Público quanto ao oferecimento de acordo diz respeito apenas à análise do preenchimento dos requisitos legais, sobretudo daqueles que envolvem conceitos jurídicos indeterminados. É o que ocorre, principalmente, com a exigência contida no art. 28-A, caput, do CPP, de que o acordo só poderá ser oferecido se for “necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime”.
Assim, não é dado ao Ministério Público, se presentes os requisitos legais, recusar-se a oferecer um acordo ao averiguado por critérios de conveniência e oportunidade. Na verdade, o que o Ministério Público pode fazer - de forma excepcional e concretamente fundamentada - é avaliar se o acordo é necessário e suficiente à prevenção e reprovação do crime, o que é, em si mesmo, um requisito legal.
O Ministério Público tem o dever legal (art. 43, III, da Lei Orgânica do Ministério Público - Lei n. 8.625/1993) e constitucional (art.129, VIII, da CF) de fundamentar suas manifestações e, embora não haja direito subjetivo à entabulação de um acordo, há direito subjetivo a uma manifestação idoneamente fundamentada do Ministério Público.
A negativa de oferecimento de mecanismo de justiça negocial por não ser necessário e suficiente à reprovação e à prevenção do crime deve sempre se fundar em elementos concretos do caso fático, os quais indiquem exacerbada gravidade concreta da conduta em tese praticada. Tal exigência não se satisfaz com a simples menção a qualquer circunstância judicial desfavorável, porquanto a existência de alguma gravidade concreta pode ser inicialmente contornada com reforço e incremento das condições a serem fixadas para o acordo e não justifica, de forma automática, sob a perspectiva do princípio da intervenção mínima - que confere natureza subsidiária à ação penal -, a recusa à solução alternativa.
STJ. 6ª Turma. REsp 2.038.947-SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 17/9/2024 (Info 827).
O prêmio de loteria é bem comum que ingressa na comunhão do casal sob a rubrica de bens adquiridos por fato eventual, com ou sem o concurso de trabalho ou despesa anterior (art. 1.660, II, do CC), salvo no regime de separação legal obrigatória.
O prêmio de loteria auferido por viúva casada sob o regime de separação legal obrigatória, antecedido de longo relacionamento em união estável, é bem adquirido por fato eventual (CC/2002, art. 1.660, II), reconhecido como patrimônio comum do casal, devendo ser partilhado segundo os valores existentes na data do falecimento, independentemente da avaliação sobre esforço comum.
STJ. 4ª Turma. REsp 2.097.324-SP, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 24/9/2024 (Info 827).
A multa diária, quando fixada em antecipação de tutela (astreintes), pode ser executada antes da sentença, em cumprimento provisório?
O STJ, em 2014, ao julgar o Tema 743 (REsp 1.200.856), decidiu que a “multa diária prevista no § 4º do art. 461 do CPC [1973], devida desde o dia em que configurado o descumprimento, quando fixada em antecipação de tutela, somente poderá ser objeto de execução provisória após a sua confirmação pela sentença de mérito e desde que o recurso eventualmente interposto não seja recebido com efeito suspensivo”.
Esse entendimento permaneceu válido mesmo com o advento do CPC/2015.
A eficácia e a exigibilidade da multa não se confundem, sendo imediata a produção de efeitos das astreintes, devidas desde a fixação pelo juízo, porém com a exigibilidade postergada para após o trânsito em julgado da sentença de mérito que confirmar a medida.
O CPC/2015 não alterou o entendimento de que a multa diária, quando fixada em antecipação de tutela, somente poderá ser objeto de execução provisória após a sua confirmação pela sentença de mérito e desde que o recurso eventualmente interposto não seja recebido com efeito suspensivo.
STJ. Corte Especial. EAREsp 1.883.876-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, Rel. para acórdão Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 23/11/2023 (Info 827).
A confissão do acusado quanto à traficância em momento anterior, para ser beneficiado com a formalização de acordo de não persecução penal, impede o reconhecimento do tráfico privilegiado?
O ANPP firmado anteriormente não pode impedir, por si só, a aplicação do tráfico privilegiado.
O ANPP não pode ser utilizado com outra finalidade senão aquela já prevista na parte final do mencionado dispositivo legal, o que deve, em atenção ao princípio “favor rei”, ser interpretado de maneira ampla, a vedar interpretações segundo as quais o ANPP possa ser indicativo de envolvimento do seu beneficiário com atividades criminosas.
Portanto, a confissão do acusado quanto à traficância em momento anterior, para ser beneficiado com a formalização de acordo de não persecução penal, não tem o condão de figurar como óbice ao reconhecimento do tráfico privilegiado, já que não sucedido de condenação definitiva a pena de reclusão.
STJ. 5ª Turma. AgRg no HC 895.165-SP, Rel. Min. Daniela Teixeira, julgado em 6/8/2024 (Info 827).
O simples fato de não ter sido concedido o benefício do tráfico privilegiado é suficiente para se negar a progressão de regime especial do inciso V do § 3º do art. 112 da LEP (gestante ou mãe não ter integrado organização criminosa)?
Art. 112, § 3º, da LEP: No caso de mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência, os requisitos para progressão de regime são, cumulativamente:
I - não ter cometido crime com violência ou grave ameaça a pessoa;
II - não ter cometido o crime contra seu filho ou dependente;
III - ter cumprido ao menos 1/8 (um oitavo) da pena no regime anterior;
IV - ser primária e ter bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento;
V - não ter integrado organização criminosa.
A vedação da progressão especial prevista no inciso V do § 3º do art. 112 da Lei de Execução Penal deve se restringir aos casos em houve condenação por crime associativo, não servindo como óbice ao benefício o mero afastamento da minorante do § 4º do art. 33 da Lei de Drogas.
STJ. 6ª Turma. HC 888.336-SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 13/8/2024 (Info 827).
Interpretação da expressão “organização criminosa”:
1ª corrente: a interpretação deve ser restritiva.
Somente abrangia a condenação por crime da Lei n. 12.850/2013. Para essa corrente ter “integrado organização criminosa” (inciso V) significa ter sido condenada pelo crime do art. 2º da Lei n. 12.850/2013: “Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa:”.
2ª corrente: admite-se a interpretação extensiva da norma.
A expressão “não ter integrado organização criminosa” prevista no inciso V do § 3º do art. 112 da LEP abrange todo crime que enseje o concurso necessário de agentes em união estável e permanente voltada para práticas delitivas, como ocorre com o crime de associação para o tráfico de drogas (art. 35 da Lei n. 11.343/2006).
Prevalece atualmente no STJ que, não apenas a condenação pelo delito específico de organização criminosa (art. 2º da Lei n. 12.850/13) impede a aplicação da fração de 1/8 para a progressão de regime especial, mas também todo aquele crime que enseje o concurso necessário de agentes em união estável e permanente voltada para práticas delitivas - como ocorre justamente com o crime de associação para o tráfico de drogas.
STJ. 5ª Turma. AgRg no HC 916.442/SP, Rel. Min. Messod Azulay Neto, julgado em 2/9/2024.
STJ. 6ª Turma. AgRg no HC 848.866/SP, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, julgado em 27/11/2023.
A Lei n. 14.843/2024 restringiu a saída temporária; essa mudança não pode ser aplicada para crimes praticados antes da sua vigência (11/04/2024).
Art. 122 da LEP:
§ 2º Não terá direito à saída temporária a que se refere o caput deste artigo o condenado que cumpre pena por praticar crime hediondo com resultado morte. (Redação da Lei nº 13.964/19)
§ 2º Não terá direito à saída temporária de que trata o caput deste artigo ou a trabalho externo sem vigilância direta o condenado que cumpre pena por praticar crime hediondo ou com violência ou grave ameaça contra pessoa. (Redação dada pela Lei nº 14.843, de 2024)
Atualmente, não pode ser beneficiado com saída temporária quem praticou QUALQUER crime hediondo, mesmo sem resultado morte.
O § 2º do art. 122 da Lei de Execução Penal, com a redação da Lei n. 14.843/2024, torna mais restritiva a execução da pena, restringindo o gozo das saídas temporárias aos condenados por crimes hediondos ou cometido com violência ou grave ameaça à pessoa, não pode ser aplicado retroativamente a fatos ocorridos antes de sua vigência, em respeito ao princípio da irretroatividade da lei penal mais gravosa.
STJ. 6ª Turma. HC 932.864-SC, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 10/9/2024 (Info 827).
Para a remoção por motivo de saúde, prevista no art. 36, par. ún., III, b, da Lei 8.112/90, é necessário comprovar a dependência física ou afetiva.
Para fins de concessão de remoção ao servidor público, ainda que provisoriamente, à luz do art. 36, parágrafo único, III, “b”, da Lei nº 8.112/90, há a necessidade de preenchimento do requisito da dependência econômica, não abrangendo eventual dependência física ou afetiva.
Art. 36. (…) Parágrafo único. Para fins do disposto neste artigo, entende-se por modalidades de remoção: (…) III - a pedido, para outra localidade, independentemente do interesse da Administração: (…) b) por motivo de saúde do servidor, cônjuge, companheiro ou dependente que viva às suas expensas e conste do seu assentamento funcional, condicionada à comprovação por junta médica oficial;
O vocábulo “expensas” previsto no dispositivo legal remete à ideia de “despesas, custos”, evidenciando que a dependência tratada no dispositivo é a dependência econômica.
Desse modo, não há como admitir que o vocábulo “expensas” possa ser interpretado de forma extensiva, a fim de abranger também eventual “dependência física” ou “afetiva” dos genitores em relação ao filho servidor público.
STJ. 1ª Turma. REsp 2.015.278-PB, Rel. Min. Sérgio Kukina, julgado em 7/11/2023 (Info 794).
Havendo inequívoca ciência do devedor acerca de débito alimentar objeto de execução, não é ilegal a intimação de instauração de um segundo cumprimento de sentença na pessoa do seu advogado referente ao mesmo título judicial.
Em regra, a prisão civil somente pode ser decretada após a intimação pessoal do devedor, não suprindo a mera intimação do procurador constituído, em obediência ao que determina o art. 528 do CPC/2015.
Contudo, se o devedor teve ciência inequívoca da execução (citação pessoal) da dívida alimentar no primeiro cumprimento de sentença, a intimação na pessoa do advogado, no segundo cumprimento, é válida.
O fato de ter sido instaurado um segundo cumprimento de sentença não exige que o paciente seja novamente intimado pessoalmente, pois se trata do mesmo título judicial executado em relação ao primeiro cumprimento de sentença instaurado, mudando-se apenas o período correspondente ao débito executado.
STJ. 3ª Turma. HC 831.606/SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 24/10/2023 (Info 794).
A prerrogativa de intimação pessoal conferida à Defensoria Pública se aplica aos núcleos de prática jurídica das faculdades de Direito públicas, não se aplicando às privadas.
Os prazos para as manifestações processuais da Defensoria Pública são contados em dobro e têm início com a intimação pessoal do defensor público (art. 186, caput e § 1º, do CPC).
O benefício da intimação pessoal se assenta no princípio da isonomia material (art. 5º, caput, da CF) e constitui mecanismo voltado à concretização do acesso à Justiça e do contraditório pelos hipossuficientes.
A interpretação sistemática das normas - art. 5º, § 5º, da Lei n. 1.060/50 e art. 186, § 3º, do CPC - conduz à conclusão de que a prerrogativa de intimação pessoal dos atos processuais também se estende aos escritórios de prática jurídica das faculdades de Direito, públicas ou privadas.
Os núcleos de prática jurídica vinculados às universidades de ensino superior (públicas ou privadas) prestam assistência judiciária aos hipossuficientes, razão pela qual é razoável crer, assim como a Defensoria Pública, recebem um alto número de demandas, circunstância que dificulta o controle dos prazos processuais. Assim, a intimação pessoal constitui uma ferramenta imprescindível para o desempenho das atividades por eles desenvolvidas.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.829.747/AM, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Rel. para acórdão Min. Nancy Andrighi, julgado em 7/11/2023 (Info 794).
O exequente pode optar por ajuizar no Distrito Federal o cumprimento de sentença coletiva contra a União?
A Corte Especial do STJ, quando do julgamento do REsp 1.243.887/PR, decidiu que no caso de título judicial proferido em Ação Civil Pública, o exequente pode escolher ingressar com a execução individual:
i) no foro em que a Ação Coletiva foi processada e julgada; ou
ii) no foro do seu domicílio, nos termos dos arts. 98, § 2º, I, e 101, I, do CDC.
Ocorre que, se essa execução é proposta contra a União, haverá uma terceira opção: o ajuizamento no Distrito Federal.
Por força do art. 109, § 2º, da CF, o exequente pode optar por ajuizar no Distrito Federal o cumprimento de sentença coletiva contra a União. Essa conclusão está em harmonia com a máxima efetividade do dispositivo constitucional, além do que amplia e facilita o acesso à justiça.
Art. 109, § 2º, da CF: As causas intentadas contra a União poderão ser aforadas na seção judiciária em que for domiciliado o autor, naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa, ou, ainda, no Distrito Federal.
STJ. 1ª Seção. CC 199.938-SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 11/10/2023 (Info 794).
Flagrado o agente antes do efetivo ingresso no interior do estabelecimento prisional, ainda durante a revista, não há falar em consumação do crime do art. 349-A do CP (introduzir celular em presídio), mas apenas em tentativa.
Art. 349-A. Ingressar, promover, intermediar, auxiliar ou facilitar a entrada de aparelho telefônico de comunicação móvel, de rádio ou similar, sem autorização legal, em estabelecimento prisional. Pena: detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano.
Como o agente foi flagrado antes do efetivo ingresso no interior do estabelecimento prisional, ainda durante a revista, não há que se falar em consumação do delito, mas apenas em tentativa.
STJ. 6ª Turma. AREsp 2.104.638-RJ, Rel. Min. Jesuíno Rissato (Desembargador convocado do TJDFT), julgado em 7/11/2023 (Info 794).
O plantio e a aquisição das sementes da Cannabis sativa, para fins medicinais, não configuram conduta criminosa, desde que haja regulamentação da ANVISA.
A ausência de regulamentação administrativa persiste e não tem previsão para solução breve, uma vez que a ANVISA considera que a competência para regular o cultivo de plantas sujeitas a controle especial seria do Ministério da Saúde e este considera que a competência seria da ANVISA. Logo, é necessário superar eventuais óbices administrativos e cíveis, privilegiando-se, dessa forma, o acesso à saúde, por todos os meios possíveis, ainda que pela concessão de salvo-conduto mediante habeas corpus.
A questão aqui discutida não pode ser objeto da sanção penal, porque se trata do exercício de um Direito Fundamental, constitucionalmente garantido, isto é, o Direito à Saúde, e a atuação proativa do STJ justifica-se juridicamente.
STJ. 3ª Seção. AgRg no HC 783.717-PR, Rel. Min. Messod Azulay Neto, Rel. para acórdão Min. Jesuíno Rissato (Desembargador convocado do TJDFT), julgado em 13/9/2023 (Info 794).
É possível que, para um condenado que esteja cumprindo pena unificada por dois crimes, seja aplicado para um delito a redação originária do art. 112 da LEP e para o outro crime seja aplicada a redação modificada do art. 112 da LEP.
1) Ação Penal 1: condenado a pena de 3 meses de detenção, pela prática de lesão corporal em violência doméstica (art. 129, §9º, do Código Penal), fato ocorrido em 21/04/2016, com trânsito em julgado no dia 26/01/2018. Havia reincidência;
2) Ação Penal 2: condenado a pena de 15 anos de reclusão, pela prática de tentativa de feminicídio (art. 121, § 2º-A, I e 7º, III e IV c/c o art. 14, II, do CP), fato ocorrido em 20/03/2019, com trânsito em julgado dia 07/07/2020. Havia reincidência genérica, mas não a específica em crimes de natureza hedionda ou equiparada.
Na época em que o crime de lesão corporal foi cometido, vigorava a redação originária do art. 112 da LEP, que previa o requisito objetivo de 1/6 para progressão de regime. Com o pacote anticrime, esse requisito objetivo ficou mais rigoroso, tendo sido aumentado para 30%, nos termos do art. 112, IV, da LEP. Como houve uma mudança mais rigorosa, deve-se aplicar a regra de 1/6 da pena, prevista na redação originária do art. 112 da LEP (antes da Lei n. 13.964/2019).
Na época em que o crime de tentativa de feminicídio foi cometido, vigorava o disposto no art. 2º, § 2º, da Lei n. 8.072/90, com redação dada pela Lei nº 11.464/2007 (progressão após o cumprimento de 3/5 = 60%). A nova redação do art. 112 da LEP prevê 60% de cumprimento para quem é reincidente ESPECÍFICO em crime hediondo. Como o réu era reincidente genérico, aplica-se a fração de 40% (primário em crime hediondo).
É reconhecida a retroatividade do patamar estabelecido no art. 112, V, da LEP, incluído pela Lei n. 13.964/2019, àqueles apenados que, embora tenham cometido crime hediondo ou equiparado sem resultado morte, não sejam reincidentes em delito de natureza semelhante.
STJ. 3ª Seção. REsp 1.910.240-MG, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 26/05/2021 (Recurso Repetitivo – Tema 1084) (Info 699).
Desse modo, o requisito objetivo será o seguinte:
- Para o delito do art. 129, § 9º, do Código Penal: 1/6 (não se aplicando o pacote anticrime);
- Para a tentativa de feminicídio (crime hediondo): 40% da pena (aplicando-se o pacote anticrime).
É lícita a aplicação do requisito objetivo para a progressão de regime previsto na antiga redação do art. 112 da Lei de Execução Penal, em relação ao crime comum, e a aplicação retroativa do Pacote Anticrime para reger apenas a progressão do crime hediondo, quando ambos os delitos compõem uma mesma execução penal e foram praticados em momento anterior à edição da Lei n. 13.964/2019.
A retroatividade da Lei n. 13.964/2019 deve acontecer somente na parte que é mais benéfica, relacionada ao delito hediondo ou equiparado, não havendo que se aplicar as modificações por ela trazidas para o outro crime.
Não configura combinação de leis a aplicação do requisito objetivo para a progressão de regime previsto na antiga redação do art. 112 da Lei de Execução Penal, em relação ao crime comum, e a aplicação retroativa do Pacote Anticrime para reger apenas a progressão do crime hediondo, quando ambos os delitos compõem uma mesma execução penal e foram praticados em momento anterior à edição da Lei n. 13.964/2019.
STJ. 5ª Turma. REsp 2.026.837-SC, Rel. Min. Messod Azulay Neto, julgado em 7/11/2023 (Info 794).
Não incide, no caso, o óbice jurisprudencial que veda a combinação de normas ou de leis, consistente na criação de uma lex tertia. Trata-se de regimes de progressão de pena que receberam, do legislador, tratamento legal independente, cada qual (crimes comuns e crimes hediondos) com seu conjunto específico de normas de regência.
STF. 1ª Turma. RHC 221.271 AgR, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 15/5/2023.
A utilização conjunta da Lei n. 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa) e da Lei n. 12.846/2013 (Lei Anticorrupção) para fundamentar uma mesma ação civil configura violação ao princípio do non bis in idem.
Sobre os direitos consagrados no Pacto de San José da Costa Rica, embora tenham sido recepcionados no ordenamento jurídico brasileiro com status supralegal, não se aplicam às pessoas jurídicas.
Nesse sentido:
As pessoas jurídicas não são titulares de direitos convencionais, de modo que não podem ser consideradas supostas vítimas no contexto de processos contenciosos perante o sistema interamericano.
[Corte IDH. OC-22/2016. Opinião Consultiva. Titularidade dos direitos das pessoas jurídicas no sistema interamericano de direitos humanos (interpretação e alcance do artigo 1.2, em relação aos artigos 1.1, 8, 11.2, 13, 16, 21, 21, 25, 29, 30, 44, 46 e 62.3 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, bem como o artigo 8.1.a e b do Protocolo de São Salvador), de 26-2-2016, solicitada pela República do Panamá. Tradução livre.]”
É legítima a utilização simultânea da Lei n. 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa) e da Lei n. 12.846/2013 (Lei Anticorrupção) em uma mesma ação civil pública, desde que, ao final do processo, sejam observados os limites legais para evitar cumulatividade indevida de sanções idênticas.
A compatibilidade normativa entre as legislações decorre do art. 3º, §2º, da Lei n. 8.429/1992 (incluído pela Lei n. 14.230/2021), o qual prevê que as sanções de improbidade administrativa não se aplicarão à pessoa jurídica caso o ato já tenha sido sancionado como ato lesivo nos termos da Lei n. 12.846/2013.
O art. 30, inciso I, da Lei n. 12.846/2013 reforça a natureza complementar das sanções impostas pela Lei Anticorrupção, não impedindo a coexistência com as disposições da Lei de Improbidade Administrativa.
O controle da não duplicação indevida de sanções deve ocorrer no momento da aplicação da pena, e não na fase de admissibilidade da ação.
STJ. 1ª Turma. REsp 2.107.398-RJ, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 18/2/2025 (Info 841).
A dispensa do dever de colação exige declaração formal e expressa do doador, estabelecendo que a liberalidade recairá sobre sua parte disponível, não constituindo adiantamento de legítima.
O art. 2.005 do Código Civil dispensa a colação quando “o doador determinar que a doação seja feita com recursos da parte disponível, desde que seu valor não a exceda, computado no momento da doação”. Esse dispositivo reforça o princípio sucessório segundo o qual o autor da herança tem liberdade para dispor da parte disponível de seus bens como desejar. Porém, se a doação ultrapassar esse limite, a parte excedente deverá ser colacionada.
O termo “determinar” não admite interpretações amplas ou presunções. A dispensa da colação exige manifestação clara e expressa do doador, não podendo ser inferida de forma tácita.
Além disso, conforme o art. 2.006 do Código Civil, a dispensa da colação só pode ocorrer de duas formas:
- por testamento; ou
- no próprio instrumento da doação.
Caso hipotético: Regina, mãe de dois filhos, transferiu um apartamento para sua filha Mariana como dação em pagamento por uma suposta dívida de R$ 500.000,00. Após a morte de Regina, Carlos, o outro filho, questionou essa transação alegando que se tratava de uma simulação para disfarçar uma doação e prejudicar a divisão da herança.
O Tribunal de Justiça reconheceu a inexistência da dívida e concluiu que, apesar da simulação, o que ocorreu foi uma doação legítima, devendo ser computada na parte disponível do patrimônio de Regina. Carlos recorreu ao STJ argumentando que a doação de um ascendente a um descendente é considerada adiantamento da legítima, salvo manifestação expressa do doador determinando o contrário.
O STJ concordou com o recorrente.
A dispensa de colação deve ser formal e expressa, não podendo ser presumida a partir da conduta da doadora. Assim, o apartamento deveria ser levado à colação para garantir a divisão justa da herança.
A colação é um mecanismo para preservar a igualdade entre herdeiros, exigindo que doações feitas em vida sejam incorporadas ao inventário, salvo expressa disposição em contrário por meio de testamento ou documento formal. Como Regina não declarou explicitamente que a doação sairia da parte disponível, o bem foi incluído na herança, reforçando o princípio sucessório da equidade na partilha.
STJ. 4ª Turma. REsp 2.171.573-MS, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 11/2/2025 (Info 841).
A teoria da aparência pode validar atos notariais quando há boa-fé e confiança legítima das partes envolvidas?
A capacidade para testar é presumida, exigindo-se prova robusta para sua anulação.
De acordo com o Código Civil, a presunção é de capacidade para testar (arts. 1º e 1.860 do CC), ou seja, todo indivíduo com plena capacidade civil é considerado apto a dispor de seus bens por meio de testamento. Essa presunção alinha-se ao princípio da autonomia da vontade, que assegura ao testador o direito de decidir sobre a destinação de seu patrimônio.
Por outro lado, a incapacidade deve ser comprovada (art. 4º, III, do CC). Isso significa que, para contestar a validade de um testamento com base na alegação de incapacidade do testador, é necessário apresentar provas concretas que evidenciem essa condição.
Além disso, pelo princípio do in dubio pro capacitate, na hipótese de dúvida quanto à capacidade do testador, deve prevalecer a validade do testamento. O ônus da prova recai sobre quem alega a incapacidade (art. 373, I, do CPC/2015), reforçando a segurança jurídica e a presunção de validade dos atos praticados por aqueles que, em regra, são considerados capazes.
Caso hipotético: Regina, uma senhora de 83 anos e viúva sem filhos biológicos, elaborou seis testamentos ao longo de sua vida, sendo o último na modalidade cerrada registrado em 2005. Este último testamento, que beneficiava principalmente seu afilhado João e seu sobrinho Fernando, foi lavrado por Larissa, uma servidora que se apresentou como tabeliã substituta mesmo sem estar formalmente investida nessa função. Após o falecimento de Regina em 2009, familiares não contemplados no testamento ingressaram com uma ação de nulidade alegando incapacidade cognitiva da testadora e vício formal no documento.
O STJ considerou válido o testamento com base em dois fundamentos principais:
1) a capacidade para testar deve ser presumida, cabendo à parte interessada demonstrar, com provas contundentes, a incapacidade do testador no momento da lavratura do testamento. Em caso de dúvida, prevalece o princípio in dubio pro capacitate, garantindo-se a proteção da última vontade do falecido;
2) a teoria da aparência pode ser aplicada para validar atos notariais quando houver boa-fé e confiança legítima das partes envolvidas, especialmente nos casos em que a atuação de agentes públicos induz à crença na regularidade do ato.
STJ. 4ª Turma. REsp 2.142.132-GO, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 11/2/2025 (Info 841).
A venda de um bem da empresa em recuperação judicial precisa de nova aprovação da assembleia geral de credores, mesmo quando essa alienação já estava expressamente prevista no plano de recuperação judicial que foi aprovado e homologado pelo juiz.
Caso hipotético: a empresa Alfa Transportes entrou em recuperação judicial em 2012. O plano de recuperação foi aprovado e homologado em 2013. Esse plano previa, entre outras medidas, a possibilidade de venda de bens, incluindo um imenso terreno vazio.
Em março de 2013, a construtora Beta ofereceu R$ 40 milhões pelo terreno, e a venda foi autorizada judicialmente com base no art. 60 da Lei nº 11.101/2005. A transação foi concretizada.
O Ministério Público recorreu, alegando que os credores deveriam ter sido novamente consultados antes da alienação.
O STJ não concordou com esse argumento.
É dispensável a específica manifestação da assembleia geral de credores para a venda de bem, no caso em que esta foi expressamente prevista no plano de recuperação judicial previamente homologado pelo Juízo recuperacional.
STJ. 4ª Turma. AgInt no REsp 1.757.672-DF, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 18/2/2025 (Info 841).
Devem ser aplicados os efeitos da Lei n. 14.939/2024 também aos recursos interpostos antes de sua vigência; se ainda estava pendente o julgamento de agravo interno contra a decisão que reconheceu a intempestividade, o Relator deverá aplicar imediatamente a Lei n. 14.939/2024.
A Lei n. 14.939/2024 alterou o § 6º do art. 1.003 do CPC, estabelecendo que, quando o recorrente não comprova a ocorrência de feriado local no ato de interposição do recurso, o tribunal deve determinar a correção desse vício formal ou desconsiderá-lo caso a informação já conste no processo eletrônico. Antes dessa alteração, o STJ entendia que a comprovação do feriado local deveria ocorrer exclusivamente no momento da interposição do recurso, não sendo possível saná-la posteriormente.
O STJ decidiu que, mesmo que o recurso tenha sido interposto antes da vigência da Lei, o tribunal poderá determinar a correção do vício ou considerar o recurso tempestivo se houver essa informação no processo eletrônico. Isso porque a Lei n. 14.939/2024 tem natureza de norma processual e se aplica imediatamente aos processos em curso (art. 14 do CPC).
Exemplo: proferida decisão monocrática afirmando a intempestividade recursal em decorrência da falta de comprovação do feriado local. A parte interpôs agravo interno/regimental. Entrou em vigor a Lei n. 14.939/2024 antes do agravo ser julgado. Caberá ao Relator do agravo interno/regimental aceitar a comprovação da tempestividade feita por ocasião do agravo. Se o agravante não tiver comprovado no ato de interposição do agravo, caberá ao Relator intimá-lo para juntar essa comprovação.
STJ. Corte Especial. QO no AREsp 2.638.376-MG, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 5/2/2025 (Info 841).
Após o trânsito em julgado, o juiz da execução pode ajustar a forma de cumprimento da prestação de serviços à comunidade, bem como substitui-la.
Caso hipotético: Regina, corretora de imóveis, foi condenada por estelionato. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direito: prestação de serviços à comunidade e multa. Após o trânsito em julgado, Regina pediu ao Juízo da Execução Penal a conversão da prestação de serviços em prestação pecuniária, alegando incompatibilidade com sua rotina profissional.
O pedido foi negado com base no art. 148 da LEP, que permite apenas a alteração da forma de cumprimento da pena, mas não a sua substituição.
Aplicada a pena restritiva de direitos, consistente na prestação de serviços à comunidade, após o trânsito em julgado da condenação, só é permitido ao Juiz da execução, a teor do disposto no art. 148 da LEP, alterar a forma de cumprimento, ajustando-a às condições pessoais do condenado e às características do estabelecimento, vedada a substituição da pena aplicada.
STJ. 6ª Turma. AgRg no AREsp 2.783.936-SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 11/2/2025 (Info 841).
Se a polícia recebe uma informação com descrição precisa do veículo suspeito de transportar drogas — incluindo modelo, características e placa — a abordagem é considerada legal e legítima.
Caso adaptado: a Polícia Rodoviária Federal (PRF) recebeu uma denúncia detalhada sobre um caminhão que transportava drogas e repassou a informação à Polícia Militar. O veículo, com a exata descrição, foi localizado e abordado pelos policiais. Os policiais, ao realizarem a busca, encontraram um fundo falso contendo 62 kg de pasta-base de cocaína.
A defesa alegou nulidade da prova obtida, sustentando que a abordagem foi baseada apenas em denúncia anônima, sem fundada suspeita.
O STJ rejeitou o recurso, entendendo que a abordagem foi legítima, pois a denúncia continha informações detalhadas e verificáveis sobre o veículo e sua rota, o que configurou fundada suspeita.
A busca pessoal ou veicular sem mandado judicial deve ser baseada em indícios objetivos e detalhados. A abordagem ao caminhão foi legítima porque não se tratou de uma busca aleatória ou rotineira, mas sim de uma ação direcionada e planejada com base em informações concretas, como a placa e características do veículo.
STJ. 6ª Turma. AgRg no REsp 2.096.453-MG, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, julgado em 18/2/2025 (Info 841).
A suspensão do processo e do prazo prescricional, na forma do art. 366 do CPP, bem como o restabelecimento da tramitação, é automática, prescindindo de decisão judicial.
Será realizada a citação por edital quando o acusado não for encontrado (§ 1º do art. 363).
Se o acusado é citado por edital, mesmo assim o processo continua normalmente?
O art. 366 do CPP estabelece que:
- se o acusado for citado por edital e
- não comparecer ao processo nem constituir advogado
- o processo e o curso da prescrição ficarão suspensos.
Se o réu comparecer ao processo ou constituir advogado, o processo e o prazo prescricional voltam a correr normalmente. O objetivo do art. 366 é garantir que o acusado que não foi pessoalmente citado não seja julgado à revelia.
Súmula 415/STJ: O período de suspensão do prazo prescricional é regulado pelo máximo da pena cominada.
Caso hipotético: João foi denunciado por homicídio qualificado em 2008, mas fugiu antes de ser citado pessoalmente. Em outubro do mesmo ano, foi preso por roubo em outra cidade, mas essa informação não chegou ao juízo responsável pelo processo de homicídio. Como João não foi encontrado, a citação foi feita por edital. Apenas em 2011 ele foi citado pessoalmente, e o processo seguiu até sua condenação, em 2022, a 12 anos de reclusão. Em 2024, a defesa pediu a extinção da punibilidade por prescrição.
A defesa argumentou que, como João era menor de 21 anos à época do crime, o prazo prescricional foi reduzido para 8 anos. Considerando que a denúncia foi recebida em 2008 e a decisão de pronúncia ocorreu apenas em 2017, o prazo prescricional já havia sido superado. O STJ acolheu os argumentos da defesa e reconheceu a prescrição da pretensão punitiva.
O tribunal destacou que a suspensão do prazo prescricional, conforme o art. 366 do CPP, exige decisão judicial formal, que não foi proferida no caso. Como o prazo de 8 anos foi ultrapassado antes da pronúncia, a punição de João foi extinta.
STJ. 5ª Turma. AgRg no HC 957.112-PR, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 11/2/2025 (Info 841).
Não é possível o reconhecimento da manutenção da proteção do bem de família que foi doado em fraude à execução aos filhos, ainda que seja utilizado pela família como moradia.
Caso hipotético: João e Regina, casados e com um filho de 5 anos, doaram sua casa ao filho após serem citados em uma execução proposta pelo banco cobrando R$ 500 mil. Vale ressaltar que o imóvel era bem de família e a dívida executada não se enquadra nas exceções do art. 3º da Lei n. 8.009/1990. Em outras palavras, o imóvel era impenhorável e não havia motivo para eles terem feito essa doação já que não perderiam o bem. O banco alegou que houve fraude à execução e, com base nisso, pediu a penhora do imóvel.
Não é possível que o imóvel seja penhorado neste caso.
A fraude à execução torna a alienação ineficaz em relação ao exequente, mas não afasta necessariamente a impenhorabilidade do bem de família.
A casa já era protegida antes da doação, a dívida não se enquadrava nas exceções da Lei n. 8.009/1990 e, mesmo após a alienação, o imóvel continuou sendo a residência da família.
Como todas essas condições foram atendidas, deve-se manter a proteção do bem de família.
Esse entendimento evita que fraudes prejudiquem credores, mas também impede que a aplicação excessiva da regra de fraude à execução resulte na perda da moradia da entidade familiar. Assim, mesmo que a alienação seja ineficaz perante o banco, o imóvel continua protegido, garantindo o direito à moradia e à dignidade dos devedores e seus familiares.
STJ. 2ª Seção. EAREsp 2.141.032-GO, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 6/2/2025 (Info 840).
É possível o conhecimento do recurso na hipótese em que o advogado titular do certificado digital utilizado para assinar a transmissão eletrônica da petição não possui procuração nos autos?
Caso hipotético: o advogado Marcelo, responsável pela defesa de Regina, redigiu um agravo em recurso especial a ser interposto no STJ. Ocorre que, no último dia do prazo, ele enfrentou problemas técnicos com seu certificado digital e solicitou que o advogado Eduardo, sem procuração nos autos, assinasse e transmitisse eletronicamente a petição ao STJ.
O Ministro identificou que Eduardo não tinha procuração nos autos e concedeu prazo apresentar procuração ou substabelecimento. Isso, contudo, não foi feito. Como consequência, o recurso foi considerado inexistente com base na Súmula 115 do STJ: Na instância especial é inexistente recurso interposto por advogado sem procuração nos autos.
A defesa interpôs agravo regimental, mas a Turma manteve a decisão.
No sistema de peticionamento eletrônico, o advogado cujo certificado digital chancela a petição deve estar regularmente constituído nos autos. A jurisprudência prevê exceções, como documentos assinados eletronicamente por advogado com poderes ou petições digitalizadas assinadas manualmente pelo advogado constituído, mas nenhuma delas se aplicava ao caso.
STJ. 6ª Turma. AgRg no AREsp 2.730.926-SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 11/2/2025 (Info 840).
A tipificação de condutas de pornografia infantil deve considerar a finalidade sexual evidente das imagens, abrangendo obscenidades e indecências.
O crime do art. 240 do ECA possui a seguinte redação:
Art. 240. Produzir, reproduzir, dirigir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, cena de sexo explícito ou pornográfica, envolvendo criança ou adolescente: Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.
O art. 241-E do ECA esclarece o que seja pornográfica:
Art. 241-E. Para efeito dos crimes previstos nesta Lei, a expressão “cena de sexo explícito ou pornográfica” compreende qualquer situação que envolva criança ou adolescente em atividades sexuais explícitas, reais ou simuladas, ou exibição dos órgãos genitais de uma criança ou adolescente para fins primordialmente sexuais.
No caso concreto, o STJ considerou que se enquadrava no conceito de pornográfica infantil a filmagem da criança vítima no banheiro, fazendo uso do vaso sanitário, tendo ficado demonstrado que isso foi para satisfazer desejos sexuais do réu.
STJ. 5ª Turma. AgRg no AREsp 2.747.512-SC, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 4/2/2025 (Info 840).
O gestor de banco de dados que disponibiliza para terceiros consulentes o acesso aos dados do cadastrado que somente poderiam ser compartilhados entre bancos de dados deve responder subjetivamente pelos danos morais causados.
Caso hipotético: ALFA é uma pequena loja que vende semijoias. Para avaliar o risco de vender a prazo para seus clientes, a empresa contratou a Boa Vista S.A. (SCPC), que oferece serviço de consulta de dados dos consumidores. Regina foi comprar uns produtos na ALFA. A empresa fez então uma consulta na SCPC. Ocorre que a ALFA teve acesso não apenas ao score de crédito (pontuação que indica o risco do crédito), mas também a diversos dados pessoais de Regina como: CPF completo, nome da mãe, data de nascimento, endereços residenciais, números de telefone e outros dados cadastrais. Diante disso, Regina ajuizou ação de obrigação de não fazer cumulada com pedido de indenização por danos morais contra a Boa Vista S.A. Alegou que a divulgação dos seus dados, sem prévia autorização, violava o direito à privacidade e à proteção de dados, garantidos pela LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados – Lei n. 13.709/2018) e pela Lei do Cadastro Positivo (Lei nº 12.414/2011).
O STJ concordou com a autora.
De acordo com a Lei n. 12.414/2011 e a LGPD, embora o gestor de banco de dados possa realizar o tratamento de dados pessoais e abrir cadastro sem prévio consentimento, o compartilhamento de informações cadastrais é restrito a outros bancos de dados autorizados pelo BACEN. Para consulentes (como a loja ALFA), apenas é permitida a disponibilização da pontuação de crédito e do histórico de crédito, este último mediante autorização prévia do cadastrado.
A disponibilização indevida de dados pessoais para terceiros caracteriza dano moral presumido (responsabilidade objetiva), devido ao sentimento de insegurança experimentado pela pessoa ao perceber que seus dados foram compartilhados indevidamente, o que pode favorecer a prática de atos ilícitos.
Além disso, embora não seja necessário consentimento prévio para abertura do cadastro, é obrigatória a comunicação ao cadastrado em até 30 dias, conforme previsto na legislação.
STJ. 3ª Turma. REsp 2.133.261-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 8/10/2024 (Info 833).
Obs: é necessário esclarecer que a hipótese aqui é distinta daquela tratada no Tema 710/STJ e na Súmula 550/STJ que dele se originou.
A Súmula 550/STJ preconiza que “a utilização de escore de crédito, método estatístico de avaliação de risco que não constitui banco de dados, dispensa o consentimento do consumidor, que terá o direito de solicitar esclarecimentos sobre as informações pessoais valoradas e as fontes dos dados considerados no respectivo cálculo”.
Tanto o Tema 710/STJ, quanto a Súmula 550/STJ tratam exclusivamente da utilização/divulgação do escore de crédito, prática que não se confunde com a gestão de bancos de dados pessoais dos consumidores com a respectiva disponibilização, transferência ou comercialização desses dados para terceiros.
O fato de o neto, concebido por inseminação artificial, coabitar residência com mãe e o avô materno e reconhecê-lo como pai, é suficiente para afastar a proibição prevista no art. 42, § 1º, do ECA, que veda a adoção por avós.
Situação hipotética: Carla, mãe solteira, optou por inseminação artificial para realizar seu sonho de ser mãe, tendo um filho, Lucas. Desde o nascimento, Lucas, agora com 5 anos, foi cuidado por sua mãe e pelo avô materno, João, a quem chama de pai. João ingressou com ação pedindo a adoção do neto com consentimento da filha, para ser reconhecido formalmente como pai, sem retirar a maternidade de Carla.
O Ministério Público se opôs, argumentando a ausência de risco à criança, escolha consciente de família monoparental e possíveis motivações econômicas.
O STJ concordou com o MP e negou o pedido de adoção.
O STJ negou a adoção, baseando-se no art. 42, § 1º do ECA, que proíbe a adoção por ascendentes.
Embora existam casos excepcionais em que essa regra pode ser flexibilizada, o STJ estabeleceu critérios específicos para isso, como a necessidade de o adotando ser menor de idade, os avós exercerem funções parentais exclusivas desde o nascimento, e não haver conflitos familiares ou interesses econômicos envolvidos.
No caso em questão, o STJ entendeu que os requisitos para flexibilização não foram atendidos, pois não havia situação de risco (já que Carla exercia plenamente a maternidade), o avô desempenhava papel típico de avô (não de pai exclusivo), havia possível confusão patrimonial e familiar, e existiam indícios de motivação predominantemente econômica. Além disso, o caso envolvia uma família monoparental constituída por escolha consciente, protegida constitucionalmente.
STJ. 3ª Turma. REsp 2.067.372-MT, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 5/11/2024 (Info 833).
Apesar da vedação expressa do art. 42, § 1º, do ECA, o dispositivo tem sido excepcionalmente flexibilizado em situações específicas, fundamentadas por razões humanitárias e sociais ou para preservar relações de fato consolidadas.
Existem alguns julgados do STJ nos quais houve essa flexibilização. Vejamos:
- REsp 1.448.969/SC (STJ. 3ª Turma. DJe 03/11/2014): trata-se do caso em que os avós assumiram a criação de seu bisneto devido a abuso sexual sofrido pela mãe biológica, que engravidou aos 8 anos de idade. Reconheceu-se a parentalidade socioafetiva dos avós, compatibilizando os arts. 6º e 42, § 1º, do ECA.
- REsp 1.635.649/SP (STJ. 3ª Turma. DJe 02/03/2018): a mãe biológica, vítima de violência sexual, enfrentava trauma psicológico que lhe impedia de exercer a maternidade. Destacou-se que, na ausência de fatores como confusão familiar, conflitos de interesses ou fraudes, seria possível flexibilizar a regra legal.
- REsp 1.796.733/AM (STJ. 3ª Turma. DJe 06/09/2019): neste caso, negou-se a adoção por bisavô, mesmo reconhecendo sua função parental, por entender que a relação natural entre os envolvidos era suficiente para atender às necessidades afetivas do adotando.
- REsp 1.587.477/SC (STJ. 4ª Turma. DJe 27/08/2020): admitiu-se a adoção conjunta por avó paterna e seu companheiro (avô por afinidade), considerando circunstâncias fáticas excepcionais, como a ausência de cuidados da mãe biológica devido a vícios e prisão, e a identificação do pai como irmão pelo adotando.
A 4ª Turma do STJ, com base nos precedentes, estabeleceu os seguintes critérios para a excepcional admissão da adoção avoenga:
1) O adotando deve ser menor de idade;
2) Os avós devem exercer, com exclusividade, as funções parentais desde o nascimento;
3) Deve ser comprovada a parentalidade socioafetiva por estudo psicossocial;
4) O adotando deve reconhecer os avós como pais e seu pai ou mãe biológicos como irmãos;
5) Não deve haver conflitos familiares relacionados à adoção;
6) Não deve existir risco de confusão mental ou emocional ao adotando;
7) A adoção não pode estar fundamentada em interesses ilegítimos, como vantagens econômicas;
8) A adoção deve trazer reais benefícios ao adotando.
A multa aplicada na sentença condenatória possui caráter penal; embora se apliquem as causas suspensivas da prescrição previstas na LEF e as causas interruptivas disciplinadas no art. 174 do CTN, o prazo da prescrição intercorrente é o do art. 114, II, do CP.
Caso hipotético: João foi condenado por tráfico de drogas a uma pena de 9 anos de reclusão e multa. Após cumprir a prisão, a multa não foi paga.
Diante da inércia do MP, a Fazenda Nacional ingressou com execução fiscal cobrando a multa. A execução foi suspensa devido à ausência de bens penhoráveis, e, após cinco anos do arquivamento provisório, o juiz extinguiu o processo com base na prescrição intercorrente, aplicando o prazo de cinco anos do art. 174 do CTN.
A Fazenda Nacional recorreu, argumentando que a multa penal mantém sua natureza criminal, mesmo se cobrada via execução fiscal, e, portanto, o prazo prescricional deveria ser o mesmo da pena privativa de liberdade aplicada (16 anos, conforme o art. 109 do CP).
O STJ concordou com a recorrente.
A nova redação do art. 51 do Código Penal não retirou o caráter penal da multa, de modo que, embora se apliquem as causas suspensivas da prescrição previstas na Lei nº 6.830/1980 e as causas interruptivas disciplinadas no art. 174 do CTN, o prazo prescricional continua regido pelo art. 114, II, do CP, inclusive quanto ao prazo de prescrição intercorrente.
STJ. 2ª Turma. REsp 2.173.858-RN, Rel. Min. Afrânio Vilela, julgado em 5/11/2024 (Info 833).
De quem é a legitimidade para executar a pena de multa?
- Prioritariamente: o Ministério Público, na vara de execução penal, aplicando-se a LEP.
- Caso o MP se mantenha inerte por mais de 90 dias após ser devidamente intimado: a Fazenda Pública irá executar, na vara de execuções fiscais, aplicando-se a Lei nº 6.830/80.
STF. Plenário. ADI 3150/DF, Rel. para acórdão Min. Roberto Barroso, julgado em 12 e 13/12/2018 (Info 927).
STF. Plenário. AP 470/MG, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 12 e 13/12/2018 (Info 927).
Art. 114 do CP. A prescrição da pena de multa ocorrerá:
(…)
II - no mesmo prazo estabelecido para prescrição da pena privativa de liberdade, quando a multa for alternativa ou cumulativamente cominada ou cumulativamente aplicada.
O delito previsto no art. 54, caput, primeira parte, da Lei 9.605/1998 (poluição sonora) só estará configurado mediante prova pericial para constatação de poluição que possa resultar em danos à saúde humana.
Caso adaptado: João, dono de um bar com música ao vivo, foi denunciado pelo Ministério Público por crime ambiental (art. 54 da Lei n. 9.605/98) após medições confirmarem que o estabelecimento emitia ruídos acima do limite permitido de 50 decibéis, gerando reclamações dos vizinhos que relatavam problemas para dormir e estresse.
Na primeira instância, o juiz desclassificou a conduta para contravenção penal de perturbação da tranquilidade (art. 42 do Decreto-Lei n. 3.688/41), entendendo não haver comprovação, por meio de perícia, de risco efetivo à saúde dos moradores. O Ministério Público recorreu, argumentando que o crime ambiental em questão é de perigo abstrato, não exigindo prova técnica do dano.
O STJ acolheu o recurso do Ministério Público.
Isso porque o crime do art. 54, caput, da Lei n. 9.605/98 é formal e de perigo abstrato, dispensando perícia para comprovar danos à saúde humana.
Assim, basta a constatação do desrespeito às normas de emissão sonora para configurar o delito, em consonância com os princípios do desenvolvimento sustentável e da prevenção.
STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 2.130.764-MG, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 16/9/2024 (Info 833).
Há ilegalidade na busca pessoal realizada por guardas civis municipais motivada pela atitude suspeita do réu, que, em local conhecido como de traficância, ficou nervoso ao avistar a viatura e escondeu algo na cintura.
Caso adaptado: guardas municipais realizaram a abordagem de um suspeito em um local conhecido por tráfico de drogas. A abordagem foi motivada pelo fato de o indivíduo ter apresentado um comportamento nervoso e ter tentado esconder algo na cintura. Durante a revista, os guardas municipais encontraram drogas e dinheiro com ele, que confessou estar vendendo entorpecentes. O indivíduo foi preso em flagrante e condenado, mas recorreu alegando ilegalidade da abordagem, sob o argumento de que as guardas municipais haviam excedido suas atribuições.
O STJ manteve a condenação.
O Tribunal entendeu que não houve ilegalidade na busca pessoal realizada pelos guardas municipais, uma vez que foi motivada pela atitude suspeita do réu em local conhecido como ponto de tráfico, quando este demonstrou nervosismo ao avistar a viatura e escondeu algo na cintura.
STJ. 6ª Turma. AgRg no REsp 2.108.571-SP, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, julgado em 5/11/2024 (Info 833).
Desde que existente a necessária justa causa, são válidas a busca pessoal e domiciliar realizadas pela Guarda Municipal quando configurada a situação de flagrante do crime de tráfico ilícito de entorpecentes.
STF. 1ª Turma. RE 1.468.558/SP, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 01/10/2024 (Info 1153).
Em caso de indeferimento do pedido de desconsideração da personalidade jurídica, não cabe a condenação em honorários advocatícios.
O indeferimento do pedido de desconsideração da personalidade jurídica, tendo como resultado a não inclusão do sócio (ou da empresa) no polo passivo da lide, dá ensejo à fixação de verba honorária em favor do advogado de quem foi indevidamente chamado a litigar em juízo.
STJ. Corte Especial. REsp 2.072.206-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 13/2/2025 (Info 843).
Quando o próprio consumidor fornece voluntariamente cartão e senha ao estelionatário, sem evidência de falha do banco, configura-se culpa exclusiva do consumidor, afastando a responsabilidade da instituição financeira.
Exclui-se a responsabilidade da instituição financeira por danos decorrentes de fraude praticada por terceiro, quando a compra, realizada em loja física, foi realizada com a entrega voluntária do cartão original e de senha pessoal pelo correntista, prática comumente conhecida como golpe do motoboy, caracterizando culpa exclusiva do consumidor, ainda que vulnerável em decorrência de doença grave.
1) A responsabilidade da instituição financeira no golpe do motoboy depende da concorrência de duas causas: a) o fornecimento do cartão magnético original e senha pessoal ao estelionatário pelo consumidor; b) a inobservância do dever de segurança pela instituição financeira em alguma etapa da prestação do serviço.
2) A responsabilidade da instituição financeira tem origem no defeito em alguma das etapas da prestação do serviço, como a guarda dos dados sigilosos do consumidor e o aprimoramento dos mecanismos de autenticação dos canais de relacionamento com o cliente e de verificação de anomalias nas operações que fujam do padrão do consumidor.
3) O compartilhamento de dados bancários sigilosos pelo consumidor, após ser convencido de que estava falando com representante do banco, que permite operação fraudulenta realizada em loja física com a utilização do cartão, mediante inserção da senha pessoal e dentro dos limites pré-aprovados, afasta a deficiência na prestação do serviço por parte do banco e caracteriza culpa exclusiva do consumidor.
4) A vulnerabilidade do consumidor em tratamento médico não autoriza, isoladamente, a mitigação de sua responsabilidade quanto ao dever de cuidado com seus dados sigilosos e com o cartão de acesso à conta.
STJ. 3ª Turma. REsp 2.155.065-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, rel. para acórdão Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 11/3/2025 (Info 843).
A empresa de comunicação e o apresentador de programa de televisão fazem parte, em regra, da cadeia de consumo para fins de responsabilidade pelo fornecimento de produto e/ou serviço anunciados.
Caso adaptado: João adquiriu uma cartela do Bingão da Felicidade, veiculado na TV Record, e foi sorteado com um dos prêmios principais. No entanto, a Confederação Brasileira de Tênis de Mesa (CBTM), organizadora do concurso, se recusou a entregar o prêmio, alegando que a cartela seria falsa. Após perícia comprovar a autenticidade do bilhete, João moveu ação contra a CBTM, a TV Record e o apresentador do programa Gilberto Barros, alegando responsabilidade solidária pelo dano sofrido. Além da CBTM, o TJSP condenou também a emissora e o apresentador, entendendo que ambos lucraram com o sorteio e contribuíram para sua credibilidade. A decisão foi fundamentada no art. 942 do Código Civil, que prevê responsabilidade solidária quando múltiplos agentes contribuem para o dano, mesmo por condutas distintas.
A TV Record e o apresentador recorreram, argumentando que não participavam da gestão do concurso e que apenas o divulgaram. O STJ acolheu os argumentos, afastando a responsabilidade solidária.
A responsabilidade pela qualidade do produto ou serviço anunciado ao consumidor é do fornecedor respectivo, não se estendendo à empresa de comunicação que veicula a propaganda por meio de apresentador durante programa de televisão, denominada “publicidade de palco”.
A participação do apresentador, ainda que este assegure a qualidade e confiabilidade do que é objeto da propaganda, não o torna garantidor do cumprimento das obrigações pelo anunciante.
STJ. 4ª Turma. REsp 2.022.841-SP, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 11/3/2025 (Info 843).
A chamada “propaganda de palco”, como a do caso concreto, tampouco implica corresponsabilidade da emissora de televisão ou do apresentador que atuou como garoto-propaganda, já que, além da ausência de relação de consumo, o simples fato de endossar a qualidade e confiabilidade do produto anunciado não transforma tal pessoa em garantidora do cumprimento das obrigações do fornecedor.
Ressalte-se que o STJ não criou uma cláusula geral de imunidade em favor de empresas ou profissionais da publicidade quanto aos danos eventualmente causados por anúncios de terceiros. Em determinadas situações, poderá ser reconhecida a responsabilidade subjetiva desses agentes, se demonstrada conduta própria que tenha concorrido para a produção do dano — o que, no entanto, não se verificou no caso.
Em outras oportunidades, o STJ já reconheceu a responsabilidade de empresa de comunicação que não agiu com a devida diligência ao veicular propaganda enganosa ou fraudulenta:
Demanda indenizatória movida contra canal televisivo por consumidor lesado pela veiculação de anúncio publicitário fraudulento.
Responsabilidade solidária da empresa detentora do canal de televisão reconhecida pelas instâncias de origem por não ter o serviço por ela prestado apresentado a segurança legitimamente esperada pelo público consumidor.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.391.084/RJ, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 26/11/2013.
As ações de despejo devem ficar suspensas com o deferimento do processamento da recuperação judicial da locatária.
A competência para processar e julgar a ação de despejo é do juízo onde tramita a ação de despejo, não se submetendo ao juízo da recuperação judicial.
A ação de despejo por falta de pagamento não se insere nas hipóteses de suspensão previstas no art. 6º da Lei nº 11.101/2005, pois o imóvel locado não integra o patrimônio da recuperanda, tampouco nas exceções do art. 49, § 3º, da LREF.
Em regra, as ações que estavam tramitando contra a empresa que pediu recuperação judicial ficarão suspensas. Isso é chamado de stay period, prazo necessário para permitir que a recuperando possa apresentar e viabilizar um plano de recuperação.
Art. 6º da Lei n. 11.101/2005: A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial implica:
I - suspensão do curso da prescrição das obrigações do devedor sujeitas ao regime desta Lei;
II - suspensão das execuções ajuizadas contra o devedor, inclusive daquelas dos credores particulares do sócio solidário, relativas a créditos ou obrigações sujeitos à recuperação judicial ou à falência;
III - proibição de qualquer forma de retenção, arresto, penhora, sequestro, busca e apreensão e constrição judicial ou extrajudicial sobre os bens do devedor, oriunda de demandas judiciais ou extrajudiciais cujos créditos ou obrigações sujeitem-se à recuperação judicial ou à falência.
Ocorre que a ação de despejo por falta de pagamento não se enquadra em nenhuma das hipóteses de suspensão previstas no art. 6º da Lei n. 11.101/2005.
A situação do locador é diferente da do credor fiduciário e do arrendador. Isso porque o locador não irá se ressarcir com a retomada do bem como ocorre com aqueles, em que o bem funciona como uma espécie de garantia. Também não se confunde com a do promissário vendedor, que, diante da inadimplência do adquirente em recuperação judicial, terá garantido seu direito de propriedade, inclusive na incorporação imobiliária. Por essas razões que não cabe falar em aplicação por analogia das hipóteses do art. 49, § 3º, da LREF no caso da locação:
Art. 49 (…)
§ 3º Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4º do art. 6º desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial.
Como se relacionam os dispositivos da Lei de Locações (Lei n. 8.245/1991) com a Lei de Recuperação de Empresas (Lei n. 11.101/2005) em casos de ação de despejo por falta de pagamento?
A Lei de Locações (Lei n. 8.245/1991) é a legislação específica aplicável às ações de despejo, enquanto a Lei de Recuperação de Empresas estabelece medidas para a superação da crise econômico-financeira do devedor. Quando há conflito entre ambas, prevalece a Lei de Locações no que tange à retomada do imóvel, pois a proteção conferida pela LREF não alcança bens que não integram o patrimônio da recuperanda. O art. 59, § 1º, da Lei n. 8.245/1991 permite a concessão de liminar para desocupação em quinze dias, mesmo quando a locatária encontra-se em recuperação judicial.
STJ. 3ª Turma. REsp 2.171.089-DF, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 3/12/2024 (Info 843).