Semiologia da Febre Flashcards
Conceito febre
A febre, que é um dos sinais mais frequentes da prática clínica e grande responsável pela procura aos pronto-atendimentos, possui a função de sinalizar alguma doença a ser rastreada.
A temperatura corporal tem sua média em 36,5 °C, variando em aproximadamente 0,4 °C entre a população. A maioria das aferições é feita na região axilar, porém pode também ser aferida na cavidade oral e retal (0,5 °C e 0,8 °C acima respectivamente). A variação fisiológica encontrada é causada pelo ritmo circadiano (0,5 a 1°C). As temperaturas mais baixas são evidenciadas às 6 horas da manhã e mais altas entre 16 e 18 horas. Durante o ciclo menstrual, nas duas semanas que antecedem a ovulação, as temperaturas são mais baixas e ocorre aumento de 0,6 °C durante a ovulação.
Fatores ambientais, uso de drogas e atividade física podem elevar em até 3 °C a temperatura corporal. Todas essas medidas devem ser aferidas. Caso não sejam, devem ser usados dados da história que sugiram febre.
As alterações da temperatura corporal são definidas na literatura médica como febre, febre de origem indeterminada e hipertermia.
Definições
Fisiologia e Fisiopatologia da febre
temperatura corporal é mantida com a produção de calor pela geração de ATP, manutenção da integridade funcional/estrutural corpórea, contração muscular com atividade física ou calafrios e com a perda na respiração, sudorese e vasodilatação cutânea. A regulação das perdas e ganhos de calor para a manutenção da temperatura corporal é feita pelo hipotálamo. As respostas deflagradas pela ação dos pirogênios exógenos ativam os sensores térmicos periféricos até o hipotálamo, liberam metabólitos de ácido araquidônico quando expostos aos pirogênicos endógenos (IL1 e IL6, TNF e interferons), que ativam um segundo mensageiro para aumentar o set point termorregulador e por meio de vias eferentes, modula o tônus vasomotor periférico, a produção de suor, atividade muscular, produção de sinais e sintomas gerais e alterações laboratoriais (p. ex., leucocitose, anemia, síntese de proteínas plasmáticas, insulina e catecolaminas) e, por meio das vias corticais, realiza a mudança de comportamento que acarretará na queda da temperatura
Avaliação do paciente febril
A avaliação do paciente febril inicia-se com duas grandes ferramentas, a anamnese e o exame clínico, que, aliados, farão mais de 80% dos diagnósticos.
O objetivo é tentar elencar pistas da maior para a menor probabilidade diagnóstica, classificar os achados nas categorias etiológicas, identificar os sinais de alerta e a brevidade com que o paciente deverá ser investigado.
Todos os pontos que a compõem são importantes, porém alguns detalhes não podem faltar para alinhar a construção etiológica
Anamnese
É necessária a identificação de:
Idade: as idades apontam etiologias mais prevalentes, como infecção aguda e causa inflamatória (oncológica) para os idosos.
Sexo: o feminino tem maior probabilidade para doenças autoimunes, assim como os jovens.
Atividade laboral atual e passada: exposição a produtos biológicos contaminados como hepatites virais, fungos e parasitas.
Naturalidade e procedência de moradias: exposição a infecções peculiares de determinadas regiões, como Chagas, brucelose, borreliose, febre amarela, dengue, zika e chikungunya.
Religião: determinados ritos, como ingestão alimentar, manuseio de sangue e água, contato com material perfurocortante são peculiares de religiões afrodescendentes, aumentando a chance de infecção aguda e crônica como HIV, hepatites, diarreia infecciosa viral e bacteriana.
História médica atual: início, valores das temperaturas, padrão de apresentação, frequência, fatores de melhora e piora, sinais e sintomas sistêmicos ou localizados associados, limitações atribuídas a febre e o que já realizou de investigação e tratamento são informações muito importantes, como realizar perguntas amplas para que o paciente consiga complementar cronologicamente da melhor forma.
História patológica pregressa ou antecedentes pessoais
Diagnósticos pessoais prévios, exames anteriores, ambiente de exposição do paciente (comunidade vs. hospitalar), invasões/cirurgias como cateteres ou próteses, internações, revisão da prescrição e prontuário pregresso podem fornecer informações importantes para complementar o raciocínio clínico.
Deve-se atentar-se para:
Transfusões sanguíneas: podem fortalecer a hipótese infecciosa de vírus como HIV, hepatites virais e doença de Chagas.
Uso de medicações: reações de hipersensibilidade estão atribuídos ao uso.
Uso de chás e outros suplementos alimentares termogênicos, imunizações prévias e viagens recentes: corroboram informações importantes no sentido de causas infecciosas.
Doenças prévias ou tratamentos com imunossupressores: infecções oportunistas ou manifestações são de maior gravidade em imunodeprimidos do que em imunocompetentes; exposição a animais (p. ex., gato, morcego, insetos) aumentam a chance de toxoplasmose, raiva e tétano, leptospirose.
Aspectos peculiares femininos: focar em abortos provocados e espontâneos para aventar a possibilidade de doenças autoimunes como síndrome do anticorpo antifosfolipídeo e lúpus eritematoso sistêmico. Além disso, as condições sociais e higiênicas em que foi realizado são importantes para pensar em infecção pela realização em locais clandestinos. Questionar a respeito de uso de medicamentos na ocasião. Outro aspecto se refere aos rastreios de câncer de colo de útero e mama e corrimento vaginal para considerar causas infecciosas como gonorreia, candidíases, tricomoníase, vaginose bacteriana.
Hábitos e vícios: uso de drogas ilícitas e álcool: cocaína, ecstasy (metilenodioximetanfetamina – MDMA) e síndrome de abstinência podem ser acompanhadas de hipertermia. Outro aspecto é a infecção associada às condições precárias do uso de drogas inalatórias que podem levar a infecção de pele e vias aéreas. Em relação a história sexual prévia e atual é importante esclarecer se há uso de preservativos para prevenção de infecções sexualmente transmissíveis (IST). Cabe lembrar que a atividade física extenuante pode gerar hipertermia.
Antecedentes familiares: identificar doenças prévias dos pais, irmãos e filhos e/ou outras mais prevalentes com a respectiva idade de aparecimento. Estas informações permitem analisar se há antecedentes familiares para câncer e/ou contato com doenças infectocontagiosas pelo convívio próximo como sarampo, tuberculose, influenza, rotavírus.
História pessoal, familiar e social: as informações pessoais, financeiras, psicológicas são questões relevantes, não propriamente médicas, porém importantes para o raciocínio clínico para excluir causas factícias ou laborais para a febre.
Interrogatório sobre os diversos aparelhos (ISDA): este quesito torna-se mais importante caso não tenha sido encontrada nenhuma pista anteriormente; caso já tenha, torna-se corroborativo à estruturação das hipóteses.
Exame clínico
Sua realização requer avaliação de:
Estado geral: é importante para avaliar o impacto da doença e pensar na brevidade da investigação. Nesse sentido, a avaliação da debilidade como a atitude no leito, alteração de comportamento, cianose e a impressão nutricional são aspectos que devem ser avaliados.
Pele: despir o paciente a fim de inspecionar locais a que ele ou ela não atenta como costas, nádegas, períneo e região occipital para avaliar erupções cutâneas, petéquias, púrpuras, abscessos, hematomas que podem sugerir causas infecciosas ou autoimunes.
Cabeça e pescoço: avaliar a rigidez de nuca para exclusão de meningite, a cavidade oral para causas oncológicas ou infecciosas, palpação de seios da face para descartar sinusite. Oroscopia e otoscopia, fundo de olho, couro cabeludo podem ser sítios de infecção. É fundamental avaliar linfonodos com atenção ao tamanho, cadeia(s) acometida(s) e textura, o que pode apontar para causas infecciosas ou oncológicas, principalmente linfomas.
Membros superiores e inferiores: acometimento de cor/textura da pele e alterações nas unhas apontam para causas infecciosas como erisipela, celulite ou infecção fúngica.
Abdome: avaliar abaulamentos, hepato e esplenomegalia indicam possíveis etiologias oncológicas ou focos infecciosos.
Pulmão e coração: realizar ausculta de forma minuciosa, principalmente de sopros e atritos, que podem corroborar principalmente as possibilidades de doenças infecciosas e, menos comumente, autoimune.
Quadro clínico
O quadro clínico varia conforme as principais causas de febre de um paciente da comunidade – ver, na Tabela 1, a divisão das causas de acordo com os sistemas. Uma sugestão para início do raciocínio é separar as conclusões coletadas na anamnese, no exame clínico, nos exames complementares e, se necessário for, até mesmo em testes terapêuticos em tópicos.
Febre de origem indeterminada
As causas encontradas na febre de origem indeterminada (FOI) são as mesmas, ou seja, infecciosas, inflamatórias (autoimunes), oncológicas, gerais ou miscelânea. E são divididas em quatro categorias:
**Clássica: **são pacientes que se enquadram nas principais causas apresentadas previamente.
Nosocomial ou hospitalar.
**
Associada ao HIV e imunossupressão.**
Miscelânea: são causas não enquadradas nas etiologias anteriores. Alguns exemplos desse grupo são: febre de origem central, febre factícia, febre familiar do Mediterrâneo e drogas.
Um terço dos pacientes hospitalizados sofre com reações adversas a drogas e manifesta-se com erupções cutâneas, reação idiossincrásica ou alteração na termorregulação. Eosinofilia e erupção cutânea só estão presentes em 25% dos casos, não podendo ser excluída essa causa quando ausentes. A Tabela 2 apresenta as principais drogas que podem desencadear FOI.
Quando suspeitar de gravidade? A Tabela 3 apresenta os principais sinais de alarme e quais as etiologias possíveis.
***Padrões clássicos e possível etiologia relacionada à febre (4)
Antes do uso indiscriminado de antitérmicos, era mais fácil ser evidenciado um padrão peculiar de comportamento da temperatura, como:
**Persistente: **mantém-se constante, sem variações.
Intermitente: acentuação da curva fisiológica (aumento da temperatura no começo da noite), bastante característica da tuberculose.
Remitente: queda da temperatura sem chegar aos níveis de normalidade
.
Alternada: temperatura oscilando com dias de febre e outros com temperatura normal. Exemplo clássico é a febre terçã, quartã por plasmodium vivax e falciparum da malária e a febre do Mediterrâneo. Outro exemplo é a febre do linfoma de Hodgkin (febre de Pel-Ebstein) com duração de 3 a 10 dias, alternado com períodos sem febre.
Todas essas informações ajudam na inclusão da respectiva hipótese diagnóstica. Porém, caso não estejam presentes, não deve ser eliminada a hipótese se houver outro fator que corrobore, ou seja, apenas mais uma força em direção ao diagnóstico aventado.
EXAMES COMPLEMENTARES
Os exames complementares devem ser racionalizados e direcionados para as hipóteses diagnósticas prévias. Como citado anteriormente, a febre é a ponta do iceberg de algum gerador inflamatório. Para tanto, os exames complementares são direcionados somente para as hipóteses aventadas. Exames solicitados sem racionalização fornecem resultados falsos-positivos, geram custos, procedimentos invasivos desnecessários, tardam o diagnóstico e a possibilidade do tratamento definitivo.
Causas infecciosas devem ser investigadas na primeira abordagem do paciente, pois, além de serem as principais causas de febre, são de fácil diagnóstico e resolução na maior parte dos casos.
Os exames iniciais a serem solicitados pela literatura são os gerais e incluem: hemograma, hemocultura, enzimas hepáticas e bilirrubinas, sorologias para hepatites virais, HIV e sífilis, urina tipo 1 e urocultura, radiografia de tórax, podendo estender-se para tomografia computadorizada de abdome
Febre x Hipertermia