FEBRE PROLONGADA DE ORIGEM INDETERMINADA Flashcards
Definição FPEO
A primeira definição de FPEO teve por base estudo publicado em 1961, relativo à análise de 100 pacientes: ■ Temperatura superior a 38,3ºC em várias ocasiões. ■ Persistindo por mais de três semanas. ■ Falha em se chegar a um diagnóstico a despeito de investigação com o paciente internado em hospital por pelo menos uma semana. Essa definição estrita efetivada por Petersdorf e Beeson impede que quadros clínicos comuns e autolimitados sejam caracterizados como FPEO. Vários autores propugnam por uma definição mais abrangente de FPEO, por meio da qual se leve em consideração avanços tecnológicos da medicina, assim como alterações observadas nos quadros clínicos, que se tornaram mais definidos com o avanço da medicina; enfatizam também que novos quadros clínicos surgiram, como aqueles relatados em pacientes infectados pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) e também o crescente número de pacientes que se apresentam com neutropenia febril. Destarte, uma nova classificação mais abrangente passou ser utilizada desde 1991, sendo os quadros de FPEO categorizados, de acordo com Durack e Street em conformidade com os subtipos de pacientes, a saber: clássica, nosocomial, em paciente com imunodeficiência e FPEO em pacientes infectados pelo HIV. Cada um desses grupos representa um desafio diagnóstico peculiar, requerendo diferentes processos de avaliação diagnóstica. A Tabela 119.1 nos fornece a representação esquemática dessa classificação: Ao tratar de doentes nessa condição, o médico deve estar alerta para os aspectos microbiológicos, parasitológicos, reumatológicos, imunopatológicos, oncológicos – enfim, ter conhecimentos gerais sobre os múltiplos mecanismos patogênicos, já que os determinantes das FPEOs podem agir em um ou vários órgãos e sistemas orgânicos. Em geral, a tendência do médico diante de um caso de febre com dificuldades diagnósticas é a de suspeitar de doenças raras ou de complicadas síndromes clínicas. Na maioria das vezes, no entanto, tratam-se de patologias com características clínicas atípicas ou, então, mascaradas por tratamentos anteriores. Exemplifica-se com endocardites bacterianas, febre tifoide, febre reumática e tuberculose, já tratadas com antibióticos ou corticosteroides antes do estabelecimento de um diagnóstico etiológico. Doenças que deixaram de ser frequentes nos centros mais desenvolvidos também podem trazer dificuldades diagnósticas, quando vistas por quem não teve contato ou se desacostumou de lidar com elas. É o caso da malária em países desenvolvidos, principalmente quando o plasmódio causal é inoculado acidentalmente (por transfusão, seringa contaminada) e a moléstia não se apresenta com sua característica curva febril intermitente. Nessa situação se enquadram os casos de FPEO observados em indivíduos que conviveram por algum tempo fora de seu habitat, em regiões onde grassam patologias não conhecidas nas regiões ditas desenvolvidas. É o caso de militares norte-americanos ou europeus que retornam aos seus países após habitarem certas regiões da Ásia ou da África, ou, no Brasil, de indivíduos de São Paulo ou Rio de Janeiro que atravessam regiões onde grassam patologias incomuns aos médicos das grandes cidades. O médico, muitas vezes, necessita de tempo para observar o curso da moléstia e aquilatar as nuances evolutivas da doença. Ao doente, por sua vez, urge ter paciência e confiança nos que o assistem. Por causa da imprudência do médico, precipitando condutas terapêuticas antes de estabelecer o diagnóstico correto ou pelo desespero do doente, exigindo uma solução rápida para o problema febril, ocorrem muitos insucessos na condução desses casos. O médico, por seu lado, não deve hesitar em utilizar rápida e sabiamente todos os recursos de que dispõe para o diagnóstico, sem poupar ao doente alguns sacrifícios relacionados às provas semióticas. Vacilações e o medo de realizar certos exames levam, muitas vezes, a delongas e consequente irreversibilidade do processo patológico.
Diagnóstio FPEO
Diante de um caso de febre obscura cabe ao médico determinar, primeiro, o grau e o potencial de agressão orgânica provocada pela doença. Daí surgirá a necessidade de uma ação diagnóstica muito rápida ou outra, mais lenta, que prescinda de atuação intensa, por falta de justificativa pela gravidade da doença. Quando a situação clínica for de gravidade menor e houver convincente impressão de se tratar de doença com potencial de dano reduzido, pode-se esperar por uma conversão sorológica positiva, após 15 a 25 dias de curso febril. Doença infecciosa, colagenótica ou neoplásica exigirão atuação urgente e decisiva para que se possa instaurar a terapêutica específica inadiável naquela situação.
De um modo geral, a abordagem diagnóstica de um enfermo acometido por doença com características de febre de origem obscura pode ser processada em etapas simultâneas ou sucessivas:
ANAMNESE E EXAME FÍSICO CUIDADOSOS E DETALHADOS
Uma observação clínica minuciosa e atenta indica, muitas vezes, o diagnóstico procurado; dados epidemiológicos, como a procedência do doente, os eventuais contactantes enfermos e os antecedentes patológicos poderão esclarecer possibilidades importantes para o diagnóstico. É o caso de doente oriundo de regiões endêmicas de malária, calazar ou esquistossomose ou a situação de enfermos com história de valvulite reumática, tuberculose, doença venérea, anemias hemolíticas, amebíase.
O exame físico poderá, quando bem conduzido, trazer dados semióticos importantes,** como exostoses ou depressões ósseas (p. ex.,tumores metastáticos), icterícia, exantemas e enantemas, vasculites da pele, petequiais ou não (mesenquimopatias e endocardites bacterianas), alterações neurológicas (abscessos ou outras afecções cerebrais ou medulares), adenomegalias, hepatomegalias isoladas ou associadas a esplenomegalias **(ocorrentes em doenças infecciosas que causam hiperplasia do sistema reticuloendotelial (SRE), bem como em enfermidades neoplásicas, especialmente as de linhagem linforreticular); alterações de semiótica cardíaca: atrito pericárdico, arritmias, abafamento de bulhas, sopros (ocorrentes em doença reumática e outras colagenoses, endocardites bacterianas); tumorações abdominais, indicando a presença de tumores hepáticos, esplênicos, renais, intestinais, gástricos; distúrbios articulares (p. ex., nas mesenquimopatias, septicemias, gonococcias, tuberculose, anemia falciforme); alterações ósseas (por tumores ósseos ou metastáticos, por mieloma múltipo); lesões cutâneas ou mucosas no eritema nodoso ou polimorfo, nas micoses profundas, nos panarícios de Osler da endocardite bacteriana. Muitos outros dados podem aparecer ao exame físico; exemplificamos apenas com alguns dos mais comuns e importantes.
REALIZAÇÃO IMEDIATA DE EXAME HEMATOLÓGICO COMPLETO, EXAME QUÍMICO E DE SEDIMENTO URINÁRIO E RADIOGRAFIA DO TÓRAX
O hemograma pode mostrar um padrão de infecção bacteriana aguda causada por germes gram-positivos (leucocitose, neutrofilia, desvio à esquerda, eosinopenia), gram- -negativos (leucopenia, desvio à esquerda, neutropenia, anaeosinofilia); pode ter aspecto de doença causada por vírus (leucopenia com linfocitose); pode mostrar células blásticas, indicar hemólise ou, também, deixar de trazer qualquer subsídio para o diagnóstico. Lembrar sempre que os padrões hematológicos citados são apenas sugestivos de doença, nunca patognomônicos. Por exemplo, a leucocitose com desvio à esquerda surge em necroses teciduais várias (como na hepatite fulminante, no infarto do miocárdio), em colagenoses (como na artrite reumatoide juvenil). Nunca é lícito fazer o diagnóstico tão somente pela análise do quadro hematológico do sangue periférico, a não ser, é claro, em alguns casos de leucemia, como a linfoide crônica. O exame de urina, especialmente no que se refere ao sedimento urinário, pode fornecer informações valiosas: a presença de piócitos, associados ou não às células de Sternheimer-Malbin, indicará a existência de infecção urinária alta ou baixa; a** hematúria indicará vasculite (glomerulite) renal, êmbolos oriundos de válvulas aórtica ou mitral, tuberculose urinária, neoplasia de rins ou das vias urinárias. A radiografia do tórax dará a visão de comprometimentos ósseos, pleurais, pulmonares, cardíacos, pericárdicos e mediastinais.**
AVALIAÇÃO DE LESÕES E FUNÇÕES DE ÓRGÃOS OU SISTEMAS ORGÂNICOS
Por meio de dosagens de ureia, creatinina, glicemia, transaminases, aldolase, creatinofosfoquinase etc. e realização de eletrocardiograma e eletroencefalograma.
AVALIAÇÃO DA REAÇÃO IMUNITÁRIA DE DEFESA, HUMORAL E CELULAR
Atualmente os indicadores mais amplamente empregados de resposta inflamatória medida em termos de proteínas de fase aguda são a velocidade hemossedimentação (VHS), o nível de Proteína C Reativa e nível sérico de procalcitonina (PCT). A velocidade por meio da qual os eritrócitos se sedimentam no plasma depende principalmente dos níveis plasmáticos de fibrinogênio. Como característica desse teste, a VHS apresenta as vantagens trazidas pela familiaridade com o procedimento aliada à simplicidade de sua execução, tudo isso consubstanciado por uma abundante literatura compilada nas últimas oito décadas. Não obstante, a avaliação dos níveis de Proteína C Reativa e da PCT apresenta inúmeras vantagens sobre a VHS. Como a VHS representa na verdade uma medida indireta da concentração plasmática das proteínas de fase aguda, podendo ser muito influenciada pela dimensão, pela forma e pelo número de eritrócitos, assim como também por outros constituintes do plasma, como as imunoglobulinas, os resultados da VHS podem ser imprecisos e algumas vezes enganosos.
À medida que se observa melhora ou piora da situação clínica do paciente, evidencia-se relativamente pequenas alterações em sua VHS, ao passo que os níveis plasmáticos de proteína C reativa (PCR) e de PCT se alteram rapidamente, caracterizando-os, por conseguinte, como marcadores mais fidedignos da condição clínica do paciente. A variação de valores anormais da PCR e da PCT são maiores quando comparados aos valores anormais de VHS, o que pode ter implicação clínica. Dessa forma, em pacientes com níveis de PCR superiores a 100 mg/L, entre 80% a 85% deles apresentam infecção bacteriana. Outro dado relevante diz respeito ao incremento da VHS com a idade, fato não verificado com os níveis de PCR. Em termos gerais, podemos afirmar que os níveis de PCR se correlacionam tanto com a extensão como com a gravidade do processo inflamatório; a única exceção a essa constatação é trazida por paciente com lúpus eritematoso sistêmico. A maioria dos indivíduos normais apresentam níveis plasmáticos de PCR inferiores a 2 mg/L, mas alguns apresentam concentrações tão elevadas quanto 10 mg/L. Esse dado, atribuído à estimulação limitada por processos minimante aparentes e de pequena monta, como gengivite ou pequenos ferimentos, levou **muitos autores a sugerirem que níveis de PCR inferiores à 10 mg/L não deveriam ser valorizados clinicamente. **
Já a procalcitonina (PCT) é um pró-hormônio que, em condições habituais, permanece apenas no interior das células C da tireoide, sendo o precursor da calcitonina. A PCT não é detectada na circulação, mas, em situações de stress, como durante uma infecção disseminada, após traumas ou cirurgias de grande porte e em queimaduras extensas, pode ter significativa produção extratireoidiana, especialmente em macrófagos, e ser encontrada no sangue periférico. Em estudos experimentais, demonstrou-se que a substância é detectável no sangue a partir de quatro horas após uma injeção de endotoxina, mantendo-se em níveis elevados por até 24 horas. Tendo em vista a baixa especificidade dessa dosagem, a interpretação do resultado deve ser feita em conjunto com os demais dados clínicos, uma vez que a elevação dos níveis séricos nem sempre é indicativa de infecção generalizada. **A determinação de procalcitonina (PCT) é utilizada especialmente em hospitais, pois sua elevação pode estar associada a uma atividade inflamatória relacionada com septicemia. Na prática, acredita-se que valores elevados sejam indicativos de processos infecciosos mais graves, razão pela qual a PCT serve para estratificar o risco de infecção generalizada. Contudo, o aumento dos níveis desse pró-hormônio não é específico, ocorrendo também em outras condições clínicas acompanhadas de inflamação. **
As concentrações plasmáticas de citocinas e de receptores de citocinas foram avaliadas em pacientes com doenças nas quais é importante o fenômeno inflamatório. A conclusão a que se chegou é que, até que se disponha de resultados de novos estudos, o elevado custo, a disponibilidade limitada e a falta de padronização representam argumentos contra a utilização desse procedimento na prática clínica diária. Todas essas alterações correlacionam-se à secreção de IL-6 pelos macrófagos que induzem à produção hepática aumentada de α-2 globulinas em detrimento da produção da albumina.
A detecção de anticorpos contra DNA e RNA, assim como a constatação de valores diminuídos de complemento sérico indicativos de consumo dessa substância, ou presença de células LE, caracterizando o fenômeno LE, são outros subsídios que podem ser fornecidos pelo laboratório e que vão dirigir a pesquisa a patologias do sistema imune ou que ele atinja. A detecção de autoanticorpos é também dado que nos encaminha para o mesmo terreno. Os anticorpos anticitoplasma de neutrófilos (ANCAs) são um grupo formado principalmente por anticorpos IgG contra antígenos no citoplasma de granulócitos neutrófilos e monócitos. Eles são detectados em diversas doenças autoimunes, mas são particularmente associados com vasculites sistêmicas, as chamadas vasculites associadas ao ANCA. Os ANCAs foram originalmente divididos em duas classes, os c-ANCA e os p-ANCA, com base no padrão de coloração nos neutrófilos fixados com etanol e no alvo principal do antígeno.
PESQUISA DE FOCOS
Principalmente para localizar afecções dos órgãos genitais, ouvidos (importante em crianças), seios paranasais e dentes. Nesse aspecto, o emprego de métodos de imagem como a tomografia computadorizada e a ressonância magnética, pelas suas elevadas resolubilidades, reduziram expressivamente o número de pacientes com afecções desses locais como causadoras de FPEO.
ESTUDOS SOROLÓGICOS
Na maior parte dos casos de FPEO, a pesquisa de anticorpos específicos contra os mais variados agentes etiológicos mostra-se de pouco ou nenhum valor; estudos seriados de títulos de anticorpos frequentemente não levam ao diagnóstico em casos de FPEO, uma vez que não é comum a detecção de conversão sorológica. No entanto, se houver detecção de elevação nos títulos de anticorpos de quatro ou mais vezes (ou diminuição), específicos para determinada patologia, pode- -se estabelecer o diagnóstico de tal patologia. Deve-se ressaltar que a pesquisa de anticorpos contra infecção pelo HIV somente deve ser efetuada após consentimento do paciente. Lembremos que a pesquisa de anticorpos da classe IgM, por qualquer metodologia empregada, é indicativa de infecção em atividade, ressaltando-se que em alguns casos de doenças autoimunes evidencia-se produção elevada de anticorpos dessa classe, que acabam erroneamente sendo atribuídos à infecção em atividade. Pode-se distinguir a especificidade dos anticorpos IgM realizando-se simultaneamente a sorologia e a pesquisa de fator reumatoide; em casos de IgM inespecífica para afastar falso resultado positivo
ISOLAMENTO DO AGENTE INFECCIOSO
Uma vez que não se tem estabelecido o local da infecção em pacientes com FPEO, culturas de poucos locais do organismo têm-se mostrado úteis para a realização de diagnóstico. Como regra geral, as culturas devem ser guardadas por tempo necessário para o desenvolvimento dos microrganismos procurados (p. ex., o** Mycobacterium tuberculosis pode levar até oito semanas para o seu crescimento**).
HEMOCULTURAS
É um dos mais importantes recursos para o esclarecimento de FPEO; culturas negativas, no entanto, de modo algum afastam a presença de organismo circulante, uma vez que, inclusive, podem ter sido feitas por meio de técnicas inadequadas. Culturas coletadas no pico febril (prática bastante difundida em nosso meio) podem não apresentar crescimento bacteriano devido ao fato de que os mecanismos envolvidos na eliminação dos organismos da corrente sanguínea podem estar ativados ao máximo por ocasião desse pico febril. Tem sido sugerido que o horário ideal para a coleta de hemocultura seria duas horas antes do pico febril; a quantidade mínima de sangue que deve ser extraída é 10 mL, devendo ser inoculada em, pelo menos, 100 mL de meio de cultura líquido, aeróbia e anaerobicamente. Nenhuma cultura “negativa” deveria ser desprezada antes que se completassem 10 dias**
HOSPITALIZAÇÃO
É útil para observação exata de curva febril e suas variações coleta seriada de hemoculturas e pesquisas de hematozoários no sangue periférico, e em casos suspeitos de tripanossomas. Certos exames – como cintilogramas, laparoscopia, biópsia – devem, de preferência, ser realizados em pacientes internados. Quanto aos padrões de curva febril, embora em algumas doenças eles sejam tidos como patognomônicos, na verdade, com a possível exceção da febre persistente das pneumonias por gram-negativos e de lesões do sistema nervoso central, na maior parte das vezes esses padrões não apresentam utilidade diagnóstica
PESQUISA DE TUMORAÇÕES EM VÁRIOS ÓRGÃOS, POR MEIO DE CINTILOGRAMAS COM RADIOISÓTOPOS
As cintilografias de vários órgãos – fígado, pulmões, coração, cérebro, rins – são métodos incruentos que permitem localizar e dimensionar tumorações (neoplásicas e abscessos) que sejam causa de FPEO. A utilização do gálio 67 ou de leucócitos marcados pode ser feita em etapas iniciais da pesquisa dessas febres; embora se pensasse, inicialmente, que localizasse apenas tumores, tem sido visto que, na verdade, ela pode localizar uma grande variedade de lesões não neoplásicas, inclusive massas inflamatórias nas quais ela tem tendência para se concentrar, havendo evidências de que o gálio 67 seja sequestrado por neutrófilos; o mapeamento de corpo inteiro utilizando gálio 67 ou leucócitos marcados constituem métodos propedêuticos, portanto capazes de localizar massas tumorais ou inflamatórias.