Jurisprudência DOD Flashcards
É válida a negativa de operadora de plano de saúde ao ressarcimento de tratamento realizado fora da área de abrangência quando não se trata de emergência ou urgência?
O STJ concordou com o reembolso, mas disse que esse ressarcimento deverá ficar limitado ao preço de tabela previsto pelo plano de saúde.
Segundo já decidiu o STJ:
(…) 6. Se a operadora de plano de saúde é obrigada a ressarcir o SUS na hipótese de tratamento em hospital público, não há razão para deixar de reembolsar o próprio beneficiário que se utiliza dos serviços do hospital privado que não faz parte da sua rede credenciada.
7. O reembolso das despesas efetuadas pelo beneficiário com assistência à saúde deve ser permitido quando não for possível a utilização dos serviços próprios, contratados, credenciados ou referenciados pelas operadoras, sendo as hipóteses de urgência e emergência apenas exemplos (e não requisitos) dessa segurança contratual dada aos consumidores.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.575.764/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 07/05/2019.
A Lei dos Planos de Saúde (Lei nº 9.656/98) deve ser interpretada levando-se em consideração que a relação mantida entre beneficiário/usuário e a operadora de plano de saúde é uma relação consumerista, salvo aqueles de autogestão, o que não é o caso da Unimed. Nesse sentido:
Súmula 608-STJ: Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão.
Assim, em observância aos princípios previstos no Código de Defesa do Consumidor, notadamente a boa-fé objetiva, que, inclusive, deve guiar a elaboração e a execução de todos os contratos, e a interpretação sempre em benefício do hipossuficiente, não se afigura razoável que na hipótese da enfermidade estar coberta pelo plano de saúde e de não ser possível a utilização dos serviços próprios, contratados, credenciados ou referenciados pelas operadoras, seja no limite do município ou fora da área de abrangência municipal, o reembolso das despesas realizadas pelo usuário somente possa se dar em caso de urgência ou emergência - em que pese seja essa a hipótese dos autos -, haja vista que se o tratamento da enfermidade é coberto pelo contrato mantido com a operadora, acaso houvessem profissionais e clínicas no limite geográfico da municipalidade estaria o plano obrigado a suportar, ao menos, a cobertura consoante contratado.
Com base nessa assertiva, de que o tratamento da doença é coberto, abre-se ao usuário três possibilidades distintas com consequências bem definidas:
a) fazer uso do SUS, oportunidade na qual o Estado demandará a operadora do reembolso integral, nos limites do contrato;
b) deslocar-se para município ou área geográfica limítrofe e ser atendido por profissional ou clínica conveniada, tendo direito a traslado (ida e volta), nos termos da resolução de regência, e, em caso de descumprimento por parte da operadora (de fornecimento do traslado), terá o direito de ser reembolsado integralmente nos termos do artigo 9º da Resolução n. 268/2011 caso o beneficiário tenha sido obrigado a pagar os custos do atendimento; e
c) utilizar-se de profissionais/estabelecimentos não conveniados/referenciados pelo plano, seja no âmbito da extensão geográfica ou fora dela, ficando o ressarcimento limitado ao valor de tabela do plano contratado.
Nessa última hipótese, não se cogita em violação ao equilíbrio atuarial da operadora - afinal está contratualmente obrigada ao tratamento da doença coberta -, mas em interpretação que a um só tempo mantém as estipulações pactuadas e garante ao usuário o atendimento de que necessita para o tratamento da enfermidade.
A limitação de reembolso ao valor de tabela afasta qualquer possibilidade de enriquecimento indevido do usuário ao se utilizar de profissional ou hospital de referência que muitas vezes demandam altas somas pelo trabalho desempenhado.
Assim, a limitação do reembolso ao usuário pelo preço de tabela, quando não for hipótese de descumprimento pela operadora de conceder traslado e demais benefícios, é medida que se impõe quando o usuário utilizar, para o tratamento de terapia coberta, os profissionais e estabelecimentos não credenciados, estejam eles dentro ou fora da área de abrangência do município/área geográfica e de estar ou não o paciente em situação de emergência/urgência.
Em suma:
É devida a limitação do reembolso, pelo preço de tabela, ao usuário que utilizar para o tratamento de terapia coberta, os profissionais e estabelecimentos não credenciados, estejam eles dentro ou fora da área de abrangência do município/área geográfica e de estar ou não o paciente em situação de emergência ou urgência.
STJ. 4ª Turma. AgInt no REsp 1.933.552-ES, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Rel. Acd. Min. Marco Buzzi, julgado em 15/03/2022 (Info 729).
Há limite para decontos em conta bancária do consumidor oriundos de empréstimo bancário comum?
São lícitos os descontos de parcelas de empréstimos bancários comuns em conta-corrente, ainda que utilizada para recebimento de salários, desde que previamente autorizados pelo mutuário e enquanto esta autorização perdurar, não sendo aplicável, por analogia, a limitação prevista no § 1º do art. 1º da Lei nº 10.820/2003, que disciplina os empréstimos consignados em folha de pagamento.
STJ. 2ª Seção. REsp 1863973-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 09/03/2022 (Recurso Repetitivo – Tema 1085) (Info 728).
A operadora de plano de saúde é obrigada a cobrir o custo de parto de urgência quando o plano contratado pela consumidor não previa cobertura para parto?
Regina, que estava grávida, passou mal e foi internada. Essa internação estava coberta pelo plano?
SIM. Mesmo o plano de saúde hospitalar sem obstetrícia (como era o caso), garante, como cobertura mínima, a internação hospitalar, sem limitação de prazo (art. 12, II). O que ficam excluídos são os procedimentos obstétricos.
Assim, de acordo com a Lei nº 9.656/98, o plano era obrigado a custear a internação de Regina. O que o plano não tinha, em situações normais, era a obrigação de custear o parto. Isso porque, em regra, para ter direito à cobertura do parto pelo plano de saúde, a beneficiária precisa ter contratado a segmentação hospitalar com obstetrícia.
No caso concreto, o plano de saúde deveria ter custeado o parto do filho de Regina?
SIM. Isso porque se tratava de um parto de urgência.
O art. 35-C da Lei nº 9.656/98 afirma que os planos de saúde são obrigados a atender situações envolvendo urgência e emergência:
Art. 35-C. É obrigatória a cobertura do atendimento nos casos:
I - de emergência, como tal definidos os que implicarem risco imediato de vida ou de lesões irreparáveis para o paciente, caracterizado em declaração do médico assistente;
II - de urgência, assim entendidos os resultantes de acidentes pessoais ou de complicações no processo gestacional;
III - de planejamento familiar.
Parágrafo único. A ANS fará publicar normas regulamentares para o disposto neste artigo, observados os termos de adaptação previstos no art. 35.
[…]
A recusa do plano de saúde gerou direito à indenização por dano moral?
SIM. A recusa indevida de cobertura, pela operadora de plano de saúde, nos casos de urgência ou emergência, enseja reparação a título de dano moral, em razão do agravamento ou aflição psicológica ao beneficiário, ante a situação vulnerável em que se encontra (STJ. 4ª Turma. AgInt no AgInt no REsp 1.804.520/SP, DJe de 02/04/2020).
O hospital também pode ser responsabilizado no caso?
SIM. Existe responsabilidade solidária entre a operadora de plano de saúde e o hospital conveniado pela reparação dos prejuízos sofridos pela beneficiária do plano decorrente da má prestação dos serviços, configurada, na espécie, pela negativa indevida de cobertura e não realização do atendimento médico-hospitalar de parto de urgência de que necessitava a beneficiária. Nesse sentido: STJ. 3ª Turma. REsp 1695781/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 14/11/2017.
Excesso de fila em banco, resultante de inoperância de alguns caixas eletrônicos, pode gerar dano moral coletivo?
A inadequada prestação de serviços bancários, caracterizada pela reiterada existência de caixas eletrônicos inoperantes, sobretudo por falta de numerário, e pelo consequente excesso de espera em filas por tempo superior ao estabelecido em legislação municipal, é apta a caracterizar danos morais coletivos.
STJ. 3ª Turma. REsp 1929288-TO, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 22/02/2022 (Info 726).
Alguns Municípios brasileiros possuem leis disciplinando um tempo máximo de espera (normalmente, 15 minutos) para que o consumidor seja atendido em bancos, loterias, concessionárias de água, de energia elétrica, supermercados etc. Isso ficou popularmente conhecido como “Lei das Filas”. O simples fato de uma pessoa ter esperado mais tempo do que é fixado pela “Lei da Fila” é causa suficiente para, obrigatoriamente, gerar indenização por danos morais?
NÃO.
O mero desrespeito à legislação local acerca do tempo máximo de espera em filas, por si só, não conduz à responsabilização por danos morais.
Em outras palavras, o simples fato de a pessoa ter esperado por atendimento bancário por tempo superior ao previsto na legislação municipal não enseja indenização por danos morais. Ex: a lei estipulava o máximo de 15 minutos e o consumidor foi atendido em 25 minutos.
Contudo, tal fato representa relevante critério, que, aliado a outras circunstâncias de cada hipótese concreta, pode fundamentar a efetiva ocorrência de danos extrapatrimoniais, sejam individuais, sejam coletivos, como reconhece esta Corte Superior.
Assim, ao lado do excesso de tempo de espera em fila por tempo superior ao previsto na legislação, deve-se aferir, por exemplo, se essa situação é reiterada, se há justificativa plausível para o atraso no atendimento, se a violação do limite máximo previsto na legislação foi substancial; se o excesso de tempo em fila encontra-se associado a outras falhas na prestação de serviços; se os fornecedores foram devidamente notificados para sanar as falhas apresentadas etc.
STJ. 3ª Turma. REsp 1662808/MT, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 02/05/2017.
STJ. 4ª Turma. REsp 1647452/RO, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 26/02/2019.
A empresa patrocinadora de evento, que não participou da sua organização, não pode ser enquadrada no conceito de fornecedor para fins de responsabilização por acidente de consumo ocorrido no local.
STJ. 3ª Turma. REsp 1955083-BA, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 15/02/2022 (Info 727).
[…]
Existem diversas classificações sobre o conceito de fornecedor. Neste julgado, o STJ adotou a classificação que divide o fornecedor em direto e indireto (LISBOA, Roberto Senise. Responsabilidade civil nas relações de consumo. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 95):
Fornecedor DIRETO (IMEDIATO)
Fornecedor INDIRETO (MEDIATO)
É aquele que constitui diretamente a relação de consumo com o destinatário final dos produtos e serviços.
É o terceiro que não celebrou o contrato, mas integrou a cadeia econômica como fornecedor do produto ou do serviço.
Ao valer-se do vocábulo fornecedor, o CDC pretendeu viabilizar a responsabilização do terceiro que, embora não tenha prestado o serviço diretamente, integrou a cadeia de consumo. Cuida-se do fornecedor indireto ou mediato.
Isso significa, então, que o terceiro pode ser considerado fornecedor e também responder pelo acidente de consumo?
SIM. Contudo, para ser considerado integrante da cadeia de consumo, o terceiro deve ter contribuído com produtos ou serviços para o fornecimento do serviço final.
Em determinadas situações, admite-se ainda a responsabilidade do terceiro com base na teoria da aparência. De acordo com essa teoria, “quando qualquer entidade se apresente como fornecedor de determinado bem ou serviço ou mesmo que ela, por sua ação ou omissão, causar danos causados ao consumidor, será por eles responsável” (REsp 1.637.611/RJ, Terceira Turma, DJe 25/08/2017).
Desse modo, o terceiro também pode ser responsabilizado se, à luz das circunstâncias concretas, aparentar ser o fornecedor do serviço.
No caso concreto
No caso concreto, o Tribunal de Justiça considerou que “a empresa MOTO CLUBE LTDA, na condição de patrocinadora do evento, enquadra-se no conceito de fornecedor, já que vinculou seu nome ao evento”.
Ocorre que essa empresa não participou da organização do evento, mas apenas o patrocinou mediante a aquisição de quota de patrocínio no valor de R$ 1 mil. Assim, a empresa não contribuiu com seus produtos ou serviços para a organização do evento. Nem mesmo há indícios de que a exposição da sua marca tenha passado a impressão de que atuou como intermediária na cadeia de consumo.
Sendo o terceiro mero patrocinador do evento, que não participou da sua organização e, assim, não assumiu a garantia de segurança dos participantes, não pode ser enquadrado no conceito de “fornecedor” para fins de responsabilização pelo acidente de consumo.
Exemplo: Marina adquiriu um suco de caixinha industrializado no supermercado e, depois de tomar o primeiro gole, percebeu que o produto estava contaminado com um corpo estranho. A consumidora ajuizou ação de indenização por danos morais contra a fabricante do suco e o supermercado. O comerciante (supermercado) resolveu fazer um acordo com a consumidora e pagou R$ 4 mil à autora. A fabricante, por sua vez, não participou da transação.
Nesse caso, o juiz deverá extinguir o processo?
O juiz, ao homologar a transação, irá extinguir o processo apenas no que tange ao supermercado, prosseguindo o feito com relação à fabricante.
A ingestão parcial de produto contaminado configura hipótese de fato do produto, situação na qual o comerciante não possui responsabilidade solidária, mas sim subsidiária (art. 13 do CDC). Sendo a responsabilidade do supermercado subsidiária, o acordo por ele firmado não se estende necessariamente à fabricante porque não se aplica o § 3º do art. 844 do CC (este dispositivo afirma que se a transação foi feita entre um dos devedores solidários e seu credor, ela extingue a dívida em relação aos codevedores).
STJ. 3ª Turma. REsp 1968143-RJ, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 08/02/2022 (Info 724).
Os agentes financeiros (“bancos de varejo”) que financiam a compra e venda de automóvel não respondem pelos vícios do produto, subsistindo o contrato de financiamento mesmo após a resolução do contrato de compra e venda, exceto no caso dos bancos integrantes do grupo econômico da montadora (“bancos da montadora”).
Em caso de vício no veículo comprado, o banco no qual foi realizado o financiamento terá responsabilidade civil e o contrato de arrendamento mercantil poderá ser rescindido?
• Se foi feito com um “banco de varejo”: NÃO.
• Se foi feito com um “banco de montadora”: SIM.
STJ. 3ª Turma. REsp 1946388-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 07/12/2021 (Info 722).
Se o consumidor alega que a assinatura do contrato bancário, que embasa a demanda, é falsa, de quem será o ônus de provar-lhe a autenticidade?
Resumo
Na hipótese em que o consumidor/autor impugnar a autenticidade da assinatura constante em contrato bancário juntado ao processo pela instituição financeira, caberá a esta o ônus de provar a autenticidade (arts. 6º, 369 e 429, II, do CPC).
STJ. 2ª Seção. REsp 1846649-MA, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 24/11/2021 (Recurso Repetitivo - Tema 1061) (Info 720).
Qual é o fundamento para isso?
O art. 429, II, do CPC.
A discussão acima narrada envolve a impugnação da assinatura do contrato (e não a impugnação do contrato em si).
Quando se alega que o documento é falso, a lei afirma que o ônus da prova cabe à parte que fez essa alegação, nos termos do art. 429, I, do CPC:
Art. 429. Incumbe o ônus da prova quando:
I - se tratar de falsidade de documento ou de preenchimento abusivo, à parte que a arguir;
Por outro lado, na hipótese em que se questiona apenas a autenticidade da assinatura, o ônus de provar que a assinatura é autêntica é da parte que produziu o documento, aplicando-se a regra do art. 429, II:
Art. 429. Incumbe o ônus da prova quando:
(…)
II - se tratar de impugnação da autenticidade, à parte que produziu o documento.
É o que ensina a doutrina:
“O ônus da prova da falsidade documental compete à parte que a arguiu (art. 429, I, CPC), mas se a falsidade apontada disser respeito à assinatura lançada no documento, o ônus da prova caberá a quem o produziu (art. 429, II, CPC)” (DIDIER JÚNIOR, Fredie; BRAGA, Paula Sano; OLIVEIRA, Rafael Alexandria. Curso de direito processual civil: teoria da prova, direito probatório, decisão, precedente, coisa julgada e tutela provisória. 14ª ed. Salvador: JusPodivm, 2019, p. 289).
“Produzido o documento por uma parte, portanto, e negada a assinatura pela outra, incumbirá à primeira o ônus de provar a veracidade da firma, o que será feito na própria instrução da causa, sem a necessidade de incidente especial. (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Vol. I: teoria geral do direito processual civil, processo de conhecimento, procedimento comum. 60ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 1.005-1.006)
Isso se justifica porque o legislador entendeu que a parte que produziu o documento possui a capacidade de justificar ou comprovar a presença da pessoa que o assinou.
Dessa maneira, concluiu-se que a própria lei criou uma exceção à regra geral de distribuição do ônus probatório, disposta no art. 373 do CPC/2015, imputando o ônus a quem produziu o documento se houver impugnação de sua autenticidade.
OBS: Não se trata de inversão do ônus da prova do art. 6º, VIII, do CDC
Operadora de plano de saúde pode ser obrigada a custear medicamento não registrado pela ANVISA?
Como regra geral: as operadoras de plano de saúde não estão obrigadas a fornecer medicamento não registrado pela ANVISA (STJ. 2ª Seção. REsp 1.712.163-SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 08/11/2018. Recurso Repetitivo – Tema 990).
No entanto, se o medicamento prescrito pelo médico, embora se trate de fármaco importado ainda não registrado pela ANVISA, teve a sua importação excepcionalmente autorizada pela referida Agência Nacional, neste caso, ele será considerado como de cobertura obrigatória pela operadora de plano de saúde. Trata-se, portanto, de uma exceção ao que o STJ decidiu no Tema 990 acima exposto.
Resumindo: é de cobertura obrigatória pela operadora de plano de saúde, o medicamento que, apesar de não registrado pela ANVISA, teve a sua importação excepcionalmente autorizada pela referida Agência Nacional.
STJ. 3ª Turma. REsp 1943628-DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 26/10/2021 (Info 717).
Caso adaptado: Carlos adquiriu um automóvel. Ainda dentro da garantia contratual, o veículo simplesmente parou de funcionar e, em seguida, começou a pegar fogo, o que ocasionou a destruição quase integral do carro. Felizmente, Carlos conseguiu se salvar com vida. Carlos ajuizou ação de responsabilidade pelo fato do produto em face da concessionária e da fabricante. Foi realizada perícia, mas o laudo pericial foi inconclusivo, não apontando a causa do incêndio, além de não ter identificado a existência de defeito na fabricação do produto. Nesse caso, qual deverá ser o desfecho da demanda?
Em primeira e segunda instâncias, o pedido indenizatório não foi acolhido sob fundamento de que o consumidor não se desincumbiu do ônus probatório.
O Tribunal de 2ª instância não agiu corretamente.
O consumidor satisfaz o seu ônus probatório quando demonstra o vínculo causal entre o evento danoso e o produto. No caso, o consumidor satisfez esse ônus considerando que ficou demonstrado que o automóvel incendiou. Embora as perícias realizadas não tenham identificado a causa do incêndio, a inexistência de defeito no veículo deveria ter sido comprovada pelas fornecedoras rés, que, não o fazendo, não se eximem de responsabilidade pelo fato do produto.
STJ. 3ª Turma. REsp 1955890-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 05/10/2021 (Info 714).
[…]
De fato, o CDC expressamente prevê que a proteção da vida, saúde e segurança é direito básico do consumidor (art. 6º, I), preconizando, ainda, que os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não devem acarretar riscos à saúde ou segurança dos consumidores, “exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição” (art. 8º, caput).
Assim, responsabilizar-se-á o fornecedor pelo fato do produto quando este vier a causar danos ao consumidor em razão de defeito na concepção, produção, comercialização ou fornecimento, determinando-se a obrigação de indenizar pela violação do dever geral de segurança inerente à atuação no mercado de consumo.
O defeito, portanto, se apresenta como pressuposto especial à responsabilidade civil do fornecedor pelo fato do produto, devendo ser averiguado conjuntamente com os demais pressupostos da responsabilidade civil objetiva, quais sejam:
a) a conduta, que, no sistema do CDC, equivale à colocação do produto no mercado ou, de algum modo, à participação na cadeia de fornecimento do produto;
b) o nexo de causalidade entre o dano gerado ao consumidor e aquela determinada conduta de oferecimento do produto no mercado;
c) o dano efetivamente sofrido pelo consumidor.
Em que pese responda objetivamente, ou seja, independentemente de culpa, o dever imposto ao fornecedor de indenizar os danos causados pelo acidente de consumo não é absoluto. O CDC, no parágrafo terceiro do art. 12, elenca expressamente as excludentes de responsabilidade pelo fato do produto.
É interessante observar que as causas de exclusão de responsabilidade representam, na verdade, a desconstituição do nexo causal. Vale dizer, afasta-se a responsabilidade pela comprovação da ausência de nexo de causalidade entre a conduta do fornecedor no mercado de consumo e o dano eventualmente suportado pelo consumidor.
Cabe anotar, no entanto, que o ônus da prova, nessa seara, é do fornecedor do produto. Para se exonerar da responsabilidade, a ele compete provar, cabalmente, alguma das hipóteses previstas no art. 12, § 3º, do CDC:
Art. 12 (…)
§ 3º O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será responsabilizado quando provar:
I - que não colocou o produto no mercado;
II - que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste;
III - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
Assim, na ação de responsabilidade pelo fato do produto, o consumidor se desincumbe de seu ônus probatório ao demonstrar que o acidente de consumo derivou do produto posto em circulação pelo fornecedor, o qual, para se eximir da responsabilização, deve comprovar, de forma categórica, que o produto não apresentou defeito.
Em demanda consumerísta, relativa a erro médico, pode o hospital, único integrante do polo passivo do processo, proceder à denunciação da lide ao médico cirurgião?
Resumo
O hospital é parte legítima na ação de indenização por erro médico, pois, com base na teoria da aparência, para o consumidor, o vínculo entre os médicos que fizeram as cirurgias e o hospital não é relevante, importando tão somente a satisfação do seu direito de reparação.
Nos processos em que a responsabilização solidária do hospital depender da apuração de culpa do médico em procedimento que causou danos ao paciente, é possível, excepcionalmente, a denunciação da lide pelo estabelecimento, para que o profissional passe a integrar o polo passivo da ação.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.832.371/MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 22/06/2021.
Imagine a seguinte situação hipotética:
João nasceu com uma doença congênita no coração. Por esse motivo, foi encaminhado para um hospital especialista em doenças cardiovasculares e precisou fazer uma cirurgia.
No entanto, após a alta médica, João apresentou uma intercorrência e foi submetido à nova cirurgia, na qual foi realizada a remoção de um dos esternos.
João, por sua representante legal, ajuizou ação de indenização por danos materiais e morais contra o hospital, sustentando que a cirurgia foi realizada com imprudência, negligência e imperícia pelos médicos, já que dela resultou uma lesão física permanente.
O hospital, por sua vez, alegou ser parte ilegítima na ação, sustentando que a responsabilidade pelos danos seria apenas dos médicos que realizaram a cirurgia, já que, além de não possuírem vínculo com o estabelecimento, não foram apontadas quaisquer falhas nos serviços prestados exclusivamente pelo hospital.
A questão chegou até o STJ. O Tribunal concordou com a tese de que o hospital é parte ilegítima na ação de indenização por erro médico?
NÃO.
É possível a denunciação à lide dos médicos que fizeram a cirurgia?
SIM.
O hospital é parte legítima na ação de indenização por erro médico, pois, com base na teoria da aparência, para o consumidor, o vínculo entre os médicos que fizeram as cirurgias e o hospital não é relevante, importando tão somente a satisfação do seu direito de reparação.
Nos processos em que a responsabilização solidária do hospital depender da apuração de culpa do médico em procedimento que causou danos ao paciente, é possível, excepcionalmente, a denunciação da lide pelo estabelecimento, para que o profissional passe a integrar o polo passivo da ação.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.832.371/MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 22/06/2021.
Responsabilidade civil de médicos
O art. 14, § 4º, do CDC prevê a responsabilidade subjetiva de profissionais liberais:
Art. 14.
(…)
§ 4º A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.
Portanto, a responsabilidade subjetiva é aplicada ao médico, profissional liberal, mas não aos estabelecimentos de saúde.
Responsabilidade civil de hospitais
O art. 14, caput, do CDC prevê a responsabilidade objetiva:
Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
Essa previsão legal é aplicável para hospitais, clínicas, casas de saúde etc.
Legitimidade do hospital
O hospital possui legitimidade passiva na ação de indenização.
As condições da ação são verificadas segundo a teoria da asserção. Para o reconhecimento da legitimidade passiva basta que os argumentos aduzidos na inicial possibilitem a conclusão, em um exame puramente abstrato, de que o réu pode ser o sujeito responsável pela violação do direito subjetivo do autor.
No caso hipotético, é aplicável a teoria da aparência, já que para o consumidor o vínculo de emprego entre os médicos e o hospital não é relevante, sendo-lhe relevante tão somente a satisfação do seu direito de reparação.
Assim, o consumidor, por não ter como saber sobre a relação existente entre os médicos e o hospital, deve valer-se da teoria da aparência para demandar qualquer um dos responsáveis pelo prejuízo causado, a fim de ver efetiva a prestação jurisdicional.
Responsabilidade civil do hospital por erro médico
Sobre a responsabilidade civil do hospital por erro médico, deve-se observar os seguintes parâmetros:
a) As obrigações assumidas diretamente pelo complexo hospitalar limitam-se ao fornecimento de recursos materiais e humanos auxiliares adequados à prestação dos serviços médicos e à supervisão do paciente, hipótese em que a responsabilidade objetiva da instituição (por ato próprio) surge somente em decorrência de defeito no serviço prestado. Ex: estadia do paciente (internação e alimentação), instalações, equipamentos, serviços auxiliares (enfermagem, exames, radiologia) etc.
b) os atos técnicos praticados pelos médicos, sem vínculo de emprego ou subordinação com o hospital, são imputados ao profissional pessoalmente, eximindo-se a entidade hospitalar de qualquer responsabilidade (artigo 14, § 4º, do CDC); e
c) quanto aos atos técnicos praticados de forma defeituosa pelos profissionais da saúde vinculados de alguma forma ao hospital, respondem solidariamente a instituição hospitalar e o profissional responsável, apurada a sua culpa profissional. Nesse caso, o hospital é responsabilizado indiretamente por ato de terceiro, cuja culpa deve ser comprovada pela vítima. Demonstrada a hipossuficiência do consumidor, é possível determinar a inversão do ônus da prova (artigo 6º, inciso VIII, do CDC).
No caso hipotético, João, por sua representante legal, imputou ao hospital a responsabilidade por atos praticados pelos médicos que realizaram a cirurgia em sua dependência, hipótese em que se faz necessário perquirir a existência de vínculo entre ambos, bem como a prática de conduta negligente, imperita ou imprudente dos profissionais.
Assim, a discussão em torno da culpa do médico não se presta apenas para autorizar eventual exercício do direito de regresso pelo hospital, mas também para fundamentar a responsabilidade do próprio hospital perante o consumidor.
Denunciação à lide
O art. 88 do CDC veda a denunciação à lide:
Art. 88. Na hipótese do art. 13, parágrafo único deste código, a ação de regresso poderá ser ajuizada em processo autônomo, facultada a possibilidade de prosseguir-se nos mesmos autos, vedada a denunciação da lide.
Essa vedação se fundamenta nos princípios da celeridade e da efetividade da prestação jurisdicional, os quais impõem que seja evitada a dilação do tempo de duração do processo e a desnecessária ampliação do objeto da demanda, ambos em prejuízo do consumidor.
Contudo, no caso hipotético, se a culpa no ato médico não fosse analisada, não seria possível a responsabilização do hospital.
Portanto, a denunciação à lide deve ser autorizada. Assegura-se, dessa forma, o resultado prático da demanda e evita-se decisões contraditórias a respeito do mesmo fato (Ex.: o hospital poderia ser condenado em uma ação e os médicos não serem responsabilizados em outra demanda, porque demonstrada a ausência de culpa).
O rol de procedimentos e eventos da ANS é meramente explicativo?
• SIM. Posição da 3ª Turma do STJ.
O fato de o procedimento não constar no rol da ANS não significa que não possa ser exigido pelo usuário, uma vez que se trata de rol exemplificativo.
STJ. 3ª Turma. AgInt no REsp 1874078-PE, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 26/10/2020 (Info 682).
STJ. 3ª Turma. AgInt-REsp 1.914.956, Rel. Min. Ricardo Villas Boas Cueva, julgado em 15/06/2021.
• NÃO. Posição da 4ª Turma do STJ.
O rol de procedimentos e eventos em saúde da Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS não é meramente exemplificativo.
STJ. 4ª Turma. REsp 1733013-PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 10/12/2019 (Info 665).
É válida cláusula contratual que autoriza a operadora de cartão de crédito, em caso de inadimplemento, debitar na conta corrente do titular o pagamento do valor mínimo da fatura?
Não é abusiva a cláusula do contrato de cartão de crédito que autoriza a operadora, em caso de inadimplemento, debitar na conta corrente do titular o pagamento do valor mínimo da fatura, ainda que contestadas as despesas lançadas.
STJ. 4ª Turma. REsp 1626997-RJ, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 01/06/2021 (Info 699).
Desconto indevido em conta corrente gera dano moral?
Consoante entendimento deste Tribunal, o desconto indevido em conta corrente, posteriormente ressarcido ao correntista, não gera, por si só, dano moral, sendo necessária a demonstração, no caso concreto, do dano eventualmente sofrido.(AgInt no AREsp 1701311/GO, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 01/03/2021, DJe 22/03/2021)
Concessionária de transporte ferroviário tem que indenizar passageira que sofreu assédio sexual praticado por outro usuário no interior do trem?
NÃO.
A concessionária de serviço público de transporte não tem responsabilidade civil em caso de assédio sexual cometido por terceiro em suas dependências.
A importunação sexual no transporte de passageiros, cometida por pessoa estranha à empresa, configura fato de terceiro, que rompe o nexo de causalidade entre o dano e o serviço prestado pela concessionária – excluindo, para o transportador, o dever de indenizar.
O crime era inevitável, quando muito previsível apenas em tese, de forma abstrativa, com alto grau de generalização. Por mais que se saiba da possibilidade de sua ocorrência, não se sabe quando, nem onde, nem como e nem quem o praticará. Apenas se sabe que, em algum momento, em algum lugar, em alguma oportunidade, algum malvado o consumará. Então, só pode ter por responsável o próprio criminoso.
STJ. 2ª Seção. REsp 1.833.722/SP, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 03/12/2020.
Responsabilidade objetiva do transportador
É dever da transportadora preservar a integridade física do passageiro e transportá-lo com segurança até o seu destino.
Assim, no contrato de transporte de pessoas, o transportador possui responsabilidade civil objetiva. Isso significa que o transportador deverá responder, independentemente de culpa,pelos danos causados àspessoas transportadas e suas bagagens, salvo a existência de alguma excludente deresponsabilidade:
A responsabilidade do transportador é objetiva, nos termos do art. 750 do CC/2002, podendo ser elidida tão somente pela ocorrência de força maior ou fortuito externo, isto é, estranho à organização da atividade.
STJ. 4ª Turma. AgRg no REsp 1551484/SP, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 18/02/2016.
A responsabilidade do transportador em relação aos passageiros é objetiva, somente podendo ser elidida por fortuito externo, força maior, fato exclusivo da vítima ou por fato doloso e exclusivo de terceiro - quando este não guardar conexidade com a atividade de transporte.
STJ. 4ª Turma. REsp 974.138/SP, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 22/11/2016.
Fato de terceiro
A culpa de terceiro rompe o nexo causal entre o dano e a conduta dotransportador quando o modo de agir daquele (terceiro) puder ser equiparado a casofortuito, isto é, quando for imprevisível e autônomo, sem origem ou relação com ocomportamento da própria empresa.
Assim, o ato de terceiro que seja doloso ou alheio aos riscos próprios da atividade explorada, é fato estranho à atividade do transportador, caracterizando-se como fortuito externo, equiparável à força maior, rompendo o nexo causal e excluindo a responsabilidade civil do fornecedor.
Exemplo: roubo dentro do ônibus
Nessa linha de entendimento, por exemplo, a jurisprudência do STJreconhece que o roubo dentro de ônibus configura hipótese de fortuito externo, por setratar de fato de terceiro inteiramente independente ao transporte em si, afastando-se,com isso, a responsabilidade da empresa transportadora por danos causados aospassageiros (STJ. 3ª Turma. REsp 1728068/SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze,julgado em 05/06/2018).
Prática de crime exclui a responsabilidade do transportador
Segundo concluiu a 4ª Turma do STJ, a prática de crime (ato ilícito) – seja ele roubo, furto,lesão corporal, por terceiro em veículo de transporte público, afasta a responsabilidade da concessionária de indenizar a vítima, em razão deste episódio configurar fato de terceiro.
Esse entendimento do STJ para roubo, furto, lesão corporal etc. deve também ser aplicado para outros crimes, como é o caso da importunação ofensiva ao pudor (art. 215-A do CP).
Para o Min. Marco Buzzi, não pode haver diferenciação quanto ao tratamento da questão apenas à luzda natureza dos delitos. Todos são graves, de forma que o STJ dever manter ou afastara excludente de responsabilidade contratual por delito praticado por terceiro em todosos casos, independentemente do alcance midiático do caso ou do peso da opiniãopública, pois não lhe cabe criar exceções.
Não houve negligência da concessionária
Não é possível também imputar à transportadora eventual negligência, considerando que, após a vítima informar o fato à equipe da CPTM, o agente foi localizado, preso e levado à delegacia pelos seguranças da concessionária.