Intoxicação por Cocaína,ecstasy,benzodiazepínicos e opióides,organofosforados e carbamatos. Flashcards
Manifestações clínicas cocaína
O conjunto de sintomas relacionados à ativação adrenérgica (agitação, midríase não fotorreagente, sudorese, taquicardia, hipertensão) é conhecido como síndrome adrenérgica. As manifestações clínicas e as complicações da intoxicação por cocaína estão na Tabela 2.
O uso de cocaína está associado com vasoconstrição e formação de trombos, podendo levar a sintomas cardiovasculares e a emergências hipertensivas. Além disso, o paciente pode apresentar arritmias como fibrilação atrial, fibrilação ventricular, taquicardia ventricular e arritmia Brugada-like, tanto por quadro isquêmico agudo como pelas alterações nos canais de sódio. Vale ressaltar que seu uso crônico leva a aterosclerose acelerada e hipertrofia do ventrículo esquerdo.
O uso da cocaína via fumo (crack) pode levar a queimaduras de faringe devido à alta temperatura necessária para a combustão. Lesão renal aguda pode ocorrer tanto por rabdomiólise como por vasoconstrição renal.
O espectro da intoxicação pode variar de leve, moderada a grave, caracterizada pela ocorrência de arritmias cardíacas, hipotensão, dispneia, emergências hipertensivas, convulsão, coma e parada cardiorrespiratória.
Em todo paciente com suspeita, devemos perguntar sobre a via de uso, quanto tempo decorrido desde o uso, a quantidade, possibilidade de gestação, tempo de início dos sintomas, ingesta de álcool ou outras drogas/medicamentos e presença de dor torácica ou abdominal.
Diagnóstico cocaína
Em todo paciente com síndrome adrenérgica devemos suspeitar de intoxicação por cocaína ou crack, principalmente em adultos jovens. A presença de pó nas narinas, lesões de mucosa nasal, queimadura em pontas de dedos aumenta nossa suspeita. Para ajudar no diagnóstico, podemos realizar o teste qualitativo de benzoilecgonina, um metabólito da cocaína, na urina, saliva, cabelo ou sangue – esse teste é apenas qualitativo, indica se o indivíduo utilizou ou não a substância.
Devemos coletar os seguintes exames:
Hemograma.
Função renal e eletrólitos.
Creatinofosfoquinase (CPK) (podendo indicar rabdomiólise).
Eletrocardiograma (ECG).
Gasometria arterial com lactato.
Em caso de sintomas neurológicos persistentes, realiza-se uma tomografia computadorizada de crânio; na presença de dor pré-cordial deve-se colher troponina; na suspeita de dissecção de aorta deve-se realizar uma angiotomografia de aorta; se dor abdominal ou torácica, deve ser realizada uma radiografia de tórax e de abdome. No caso de suspeita de body-packers, a radiografia de abdome auxilia o diagnóstico.
Manejo cocaína
Devemos iniciar com a estabilização do paciente: expansão volêmica e drogas vasoativas se hipotensão, oxigênio suplementar se indicado e intubação orotraqueal se necessário. Em caso de intubação por sequência rápida, devemos evitar o uso de quetamina devido ao seu efeito hipertensor (preferir o uso de benzodiazepínicos propofol ou etomidato) e de succinilcolina, dando preferência para o uso de rocurônio como bloqueador neuromuscular – a succinilcolina e a cocaína são degradadas pela colinesterase plasmática; o uso, portanto, pode prolongar tanto o efeito da cocaína como a paralisia muscular da succinilcolina.
Os benzodiazepínicos são importantíssimos no manejo de intoxicação aguda por cocaína, ajudando no controle da agitação, nos sintomas adrenérgicos (taquicardia, hipertensão), na hipertermia, rabdomiólise e nas convulsões. Utiliza-se diazepam 5 a 10 mg endovenoso (0,25-0,4 mg/kg em crianças com máximo de 10 mg) a cada 5 a 10 minutos, repetido até controle das manifestações. Se não houver acesso venoso, podemos utilizar midazolam intramuscular.
O uso de neurolépticos (haloperidol, clorpromazina) deve ser evitado, pois reduzem o limiar convulsivo e podem piorar os efeitos cardíacos e a hipertermia. Em caso de convulsões devemos utilizar benzodiazepínicos e, se refratariedade, fenobarbital.
Em caso de síndrome coronariana aguda, devemos seguir o tratamento habitual (ver Capítulo “Síndrome coronariana aguda sem supradesnivelamento do segmento ST”) adicionado de diazepam, dando preferência, nos casos de infarto agudo do miocárdio (IAM) com supra-ST, para angioplastia primária devido à ausência de estudos com fibrinólise.
As emergências hipertensivas devem ser tratadas de forma habitual (mais detalhes no Capítulo “Emergências hipertensivas”), sempre com acréscimo de diazepam. O uso de betabloqueadores é contraindicado em razão da potencial piora da vasoconstrição (aumento da pressão arterial e piora da isquemia coronária) devido ao aumento do efeito alfa-adrenérgico pelo bloqueio dos receptores beta.
Na ocorrência de taquiarritmias após o uso de cocaína, deve-se realizar bolus de 1 a 2 mEq/kg de bicarbonato de sódio, pois sua ocorrência está relacionada com o bloqueio de canais de sódio. Taquiarritmias tardias estão relacionadas com isquemia e devem ter seu manejo habitual (mais detalhes no Capítulo “Taquiarritmias”).
Em caso de ingesta por via oral da droga em menos de 1 hora, podemos administrar carvão ativado via oral na dose de 1 g/kg (máximo de 50 g). Em body-packers, deve-se realizar a lavagem intestinal contínua com infusão de polietilenoglicol via sonda 1.500 a 2.000 mL/hora (6-12 anos: 1.000 mL/h; < 6 anos: 500 mL/hora) até eliminação total dos pacotes – em caso de sintomas, deve-se realizar a retirada cirúrgica imediata. Deve-se atentar para as contraindicações a ambas as terapias, conforme descrito em capítulo específico (“Manejo inicial das intoxicações exógenas”).
O resumo do manejo está na Tabela 3.
Pacientes com intoxicação aguda leve ou moderada devem ser mantidos em observação por 6 a 8 horas, podendo receber alta após resolução completa dos sintomas. Em caso de dor torácica, devemos manter em observação por 8 a 12 horas para obtenção de marcadores de necrose miocárdica seriados. Em caso de sintomas neurológicos ou hipertermia, devemos realizar uma observação prolongada pelo risco aumentado de sequelas.
Toda suspeita de intoxicação ou intoxicação confirmada por cocaína deve ser notificada (CID 10: F14.0; F14.1; F14.2). Em caso de intoxicações acidentais ou óbito deve ser notificado como CID 10: T40.5.
Manifestações clínicas ecstasy
O quadro clínico é semelhante ao do abuso de anfetaminas, acrescido de um aumento da energia, da sociabilidade e da disposição sexual. Além disso, a intoxicação por ecstasy também cursa com sinais de síndrome serotoninérgica – disfunção autonômica, alteração do nível de consciência e atividade muscular anormal. Também pode cursar com secreção inapropriada de hormônio antidiurético (SIADH) que,** associada ao aumento da ingesta hídrica, resulta em hiponatremia aguda, causando convulsões, edema cerebral com risco de herniação e morte**
Diagnóstico ecstasy
O diagnóstico é clínico e deve ser suspeitado pela história de uso associado com sintomas adrenérgicos e/ou presença de síndrome serotoninérgica. O teste de drogas detecta o uso da substância, porém sem discriminar a quantidade.
Devemos solicitar eletrólitos, função renal, enzimas e função hepática, CPK, hemograma, urina 1 e eletrocardiograma. Em caso de dor torácica ou suspeita de isquemia miocárdica, devemos solicitar troponina. Se o paciente apresentar sintomas neurológicos deve-se obter o nível sérico de sódio rapidamente devido ao risco de herniação cerebral e óbito por hiponatremia. Em caso de rebaixamento do nível de consciência persistente, deve-se solicitar uma tomografia computadorizada de crânio para avaliar possíveis complicações e para diagnóstico diferencial.
Manejo ecstasy
O manejo dos sintomas adrenérgicos é semelhante ao da cocaína e anfetaminas. Deve-se ter cuidado com a hidratação, pois há o risco de hemodiluição, piora da hiponatremia e piora do edema cerebral. Em caso de hiponatremia, seguir o tratamento habitual (mais detalhes no Capítulo “Hiponatremia”).
As manifestações da hiperativação serotoninérgica devem ser manejadas com benzodiazepínicos. Em caso de hipertermia grave (> 41°C) deve-se realizar a sedação com benzodiazepínicos e paralisia muscular. Em caso de refratariedade, deve ser utilizada ciproeptadina 12 mg via oral ou sonda seguida de 4 mg por hora, 3 a 4 doses. É contraindicado o uso de haloperidol para manejo da agitação, pois diminui o limiar convulsivo e pode alargar o intervalo QT, aumentando o risco de arritmias.
Toda suspeita de intoxicação ou intoxicação confirmada por ecstasy deve ser notificada (CID 10: F15.0; F15.1; F15.2). Casos de intoxicações acidentais ou óbito devem ser notificados como CID 10: T43.6
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Quadro clínico Benzodiazepínicos
As principais manifestações clínicas são rebaixamento do nível de consciência e depressão respiratória, sem outras alterações dos sinais vitais. A gravidade é maior quando há associação com outras substâncias depressoras do sistema nervoso central (álcool, antidepressivos, barbitúricos, opioides etc.).
É importante a coleta adequada de informação da história da ingesta, que frequentemente requer o acesso aos serviços de atendimento pré-hospitalar e familiares/amigos. Habitualmente, os pacientes se apresentam com alteração do nível de consciência e letargia, embora possam estar ainda assintomáticos na admissão.
No exame clínico, os achados neurológicos são sedação, sonolência, ataxia, disartria e hiporreflexia. Depressão respiratória e apneia podem acompanhar o quadro. Vale ressaltar que parada respiratória pode ocorrer com infusão endovenosa rápida mesmo de pequenas doses terapêuticas (como 2,5-5 mg de diazepam).
Deve-se lembrar que a intoxicação por benzodiazepínicos pode causar reações paradoxais, incluindo excitação, ansiedade, agressividade e delírio; foram relatadas, mas são bastante incomuns. As reações paradoxais podem ocorrer mais com crianças hiperativas e em pacientes psiquiátricos.
O propietilenoglicol é o diluente utilizado nas preparações parenterais de diazepam e lorazepam; assim, o uso prolongado dessas medicações pode causar intoxicação por propietilenoglicol; maiores detalhes no capítulo específico.
Diagnóstico benzodiazepínico
O diagnóstico é clínico, baseado na história de exposição ao medicamento e exame físico sugestivo. Dosagem sérica de benzodiazepínicos não apresenta boa sensibilidade, pouco disponível e os resultados não são imediatos. Entre os diagnósticos diferenciais estão intoxicação por outras drogas depressoras do SNC, hipoglicemia, sepse, distúrbios hidroeletrolíticos e doenças neurológicas, incluindo acidente vascular cerebral e trauma cranioencefálico. Na dúvida uma tomografia de crânio deve ser solicitada.
Orienta-se a avaliação da glicemia capilar e gasometria arterial. Considerar sempre a avaliação sérica dos níveis de acetaminofeno e salicilato nas suspeitas de ingesta intencional. Recomenda-se a realização de ECG, para triar cointoxicação que alarga o QRS e o QTc. Atentar sempre para que arritmias secundárias a BZD são extremamente incomuns; portanto, consideram-se outras etiologias nessa circunstância.
A triagem qualitativa urinária possui utilidade questionável. Ela detecta os metabólitos oxazepam e nordiazepam, porém nem todos os BZD são metabolizados a essas substâncias (p. ex., clonazepam, alprazolam e lorazepam), o que aumenta a taxa de falsos-negativos.
Manejo e tratamento benzodiazepínicos
O esteio do tratamento é o suporte: monitorização, suporte de oxigênio, hidratação adequada, exames laboratoriais e correção de eventuais distúrbios hidroeletrolíticos. Não postergar intubação se rebaixamento importante do nível de consciência e incapacidade de proteção de vias aéreas. Hipotensão secundária a BZD geralmente responde bem a cristaloides. Lavagem gástrica e carvão ativado geralmente não são indicados devido ao risco de broncoaspiração.
Apesar de haver um antagonista amplamente disponível, o flumazenil não é recomendado de rotina, em especial nos usuários crônicos de BZD, devido ao risco de precipitar grave síndrome de abstinência e diminuir o limiar convulsivo. Indicações de seu uso são:
Pacientes sedados com benzodiazepínicos para procedimentos que não fazem uso crônico, em que é necessário reverter o efeito da medicação.
Parada respiratória ou cardiorrespiratória presumidamente atribuída a BZD.** A dose recomendada é 0,1 a 0,2 mg EV em bolus (em crianças 0,01 mg/kg), podendo ser repetido até dose máxima de 1 mg.** O início de ação é em 2 a 3 minutos e seus efeitos duram por 30 a 45 minutos.
Devido à alta taxa de ligação a proteínas e baixa incidência de eventos adversos ameaçadores à vida, medidas extracorpóreas para otimizar o clearance de BZD não são recomendadas.
Pacientes com persistência de depressão do SNC ou respiratória após 6 horas de observação requerem internação com intuito de se manter vigilância e investigação de diagnósticos alternativos. Aqueles com intoxicação isolada por BZD, assintomáticos ou levemente sintomáticos (facilmente despertáveis, ataxia leve), 6 horas após ingesta, podem receber alta hospitalar. É claro que ingestas intencionais demandam avaliação psiquiátrica.
Todos os casos suspeitos devem ser notificados (CID: T42.2 – Intoxicação por benzodiazepínicos).
Quadro clínico opioides
As manifestações clínicas são clássicas e devem ser reconhecidas, principalmente no contexto de pacientes que fazem uso crônico: sonolência, rebaixamento do nível de consciência, miose (pupilas puntiformes), depressão respiratória (com bradipneia e hipoventilação), redução do peristaltismo e constipação intestinal. **Meperidina ainda pode levar a convulsões, por isso vem sendo muito pouco utilizada na prática. **O achado de bradipneia (FR < 12 irpm) é o sinal que melhor prediz intoxicação por opioides. **Vale ressaltar que a miose não é condição necessária para o diagnóstico, uma vez que midríase pode ocorrer decorrente de hipóxia ou coingestões
Diagnóstico opioides
O diagnóstico é clínico. Alguns opioides podem ser dosados na urina (p. ex., morfina e codeína); no entanto, sua concentração sérica não apresenta boa correlação com a gravidade dos sintomas. Testes urinários permanecem positivos por até 72 horas, período mais longo que a duração do efeito. Logo, o screening positivo não afasta outras causas de alteração da consciência. Caso a história e apresentação clínica sejam consistentes com intoxicação isolada por opioide em paciente hemodinamicamente estável, outros testes diagnósticos não são necessários. Caso contrário, consideram-se exames laboratoriais com a finalidade de excluir outras causas de rebaixamento do nível de consciência, assim como descartam-se outras intoxicações concomitantes. Exames indicados incluem:
Glicemia capilar.
Hemograma.
CPK.
Painel metabólico.
Gasometria.
Níveis séricos de acetaminofeno e salicilato.
Raio X de tórax pode ser útil para avaliação de aspiração pulmonar. TC de crânio sem contraste ajuda no diferencial de rebaixamento do nível de consciência.
Tratamento e manejo Opióides
**As prioridades são a restauração da oxigenação e ventilação, seguidas de potencial reversão com naloxone. Medidas de suporte incluem monitorização, suporte de oxigênio, intubação orotraqueal se rebaixamento do nível de consciência importante, hidratação adequada, coleta de exames laboratoriais e correção de distúrbios hidroeletrolíticos. **Se convulsões (p. ex., meperidina), tratar com benzodiazepínicos. Medidas de descontaminação (lavagem gástrica e carvão ativado) são pouco utilizadas por conta do alto risco de broncoaspiração.
O naloxone é prescrito preferencialmente por via endovenosa, porém na ausência de acesso, vias alternativas são possíveis (intraóssea, subcutânea, intramuscular, intranasal, via cânula orotraqueal, inalatória). A duração do efeito é de 1 a 1,5 hora, mais curta que a maioria dos opioides. Sua principal indicação é depressão respiratória grave (FR < 12 irpm) e outros diagnósticos diferenciais devem ser considerados se ausência de melhora clínica após medicação. O objetivo é a reversão dos sintomas com a menor dose para evitar precipitação de abstinência.
**A dose inicial recomendada é 0,4 mg EV em bolus, podendo ser repetida, em doses crescentes, a cada 2 a 3 min até dose máxima de 15 mg. Porém, iniciar com doses tão menores como 0,04 mg IV com elevações seriadas é aceitável. **Por via SC, inicia-se com 0,4 a 0,8 mg; via intranasal, 2 a 4 mg; via inalatória, 2 mg de naloxone em 3 mL de SF (o paciente deve estar respirando). Em casos de intoxicação por opioides de longa duração de ação com recorrência ou persistência da depressão respiratória, pode-se iniciar infusão contínua (dose horária inicial de dois terços da necessária para estimular a respiração). Na parada cardiorrespiratória, recomenda-se administrar 2 mg em bolus.
São indicações formais de internação para observação:
Risco de efeitos prolongados: overdose por opioide de longa duração (metadona, oxicodona, patch de fentanil – mínimo de 24 horas de observação); overdose por rotas atípicas de exposição, o que torna a farmacocinética imprevisível (p. ex., ingestão de patch de fentanil).
Evidência de efeitos prolongados ou graves: necessidade de doses repetidas ou infusão contínua de naloxone; dessaturação persistente (suspeita de aspiração ou edema pulmonar); rebaixamento do nível de consciência persistente.
Caso não tenha se administrado naloxone, observa-se por pelo menos 2 horas a fim de se assegurar que os efeitos da intoxicação não piorem. Ao se administrar naloxone, o período de observação recomendado é de 3 a 4 horas.
Todo os casos suspeitos devem ser notificados (T11.1 – Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de opiáceos – uso nocivo para a saúde).
Manifestações clínicas organofosforados e carbamatos
O tempo para o aparecimento dos sintomas depende da via de contaminação: exposição oral ou respiratória leva a sintomas dentro de 3 horas, enquanto a exposição cutânea leva a sintomas mais tardiamente, em até 12 horas após a exposição. Os sintomas decorrem do excesso de acetilcolina, que leva a uma síndrome colinérgica
No exame físico, chama a atenção **a sialorreia, o lacrimejamento intenso e a miose, além de roncos na ausculta pulmonar que indicam broncorreia. **O paciente pode encontrar-se em insuficiência respiratória tanto pela broncorreia como pela fraqueza muscular e depressão respiratória. Apesar de o paciente poder apresentar taquicardia e hipertensão por ativação simpática, o mais comum é a bradicardia e hipotensão, podendo cursar com bloqueios atrioventriculares e aumento do intervalo QT.
Cerca de 10 a 40% dos pacientes apresentam a síndrome intermediária, que consiste em sintomas neurológicos que surgem após 24 a 96 horas da exposição caracterizados por fraqueza muscular proximal, diminuição de reflexos tendinosos profundos, fraqueza na flexão do pescoço e alteração de pares cranianos. A síndrome intermediária é mais comum na intoxicação por OF lipossolúveis, sendo raramente descrita na intoxicação por CB.
Além da síndrome intermediária, os OF podem levar a uma neuropatia tardia que surge 1 a 3 semanas após a exposição. Cursa com parestesias em bota e luva, seguida de uma polineuropatia motora simétrica que se inicia em membros inferiores e progride para os membros superiores.
Diagnóstico organofosforados e carbamatos
**O diagnóstico da intoxicação por OF e CB é eminentemente clínico **– deve-se levar em conta a exposição ou provável exposição associada ao quadro de síndrome colinérgica. Vale ressaltar que é importante sempre buscar o nome do composto e o tempo da exposição. Caso o paciente não traga, deve-se pedir para familiares ou pessoas próximas procurarem por frascos e recipientes. Em caso de dúvida diagnóstica, pode-se realizar prova terapêutica com 1 mg de atropina endovenosa – se o paciente não apresentar sinais anticolinérgicos (taquicardia, midríase) após a administração de atropina, o diagnóstico de síndrome colinérgica é reforçado
A medida da atividade eritrocitária da acetilcolinesterase é proporcional ao grau de toxicidade, podendo auxiliar no diagnóstico, porém é um exame pouco disponível e demorado. A medida da atividade da pseudocolinesterase (butirilcolinesterase) é um exame mais disponível, entretanto não tem utilidade na intoxicação aguda.
Devemos coletar hemograma, glicemia, função hepática e renal, eletrólitos, gasometria, CPK e eletrocardiograma em toda suspeita de intoxicação. Tanto os OF como os CB apresentam metabolização hepática e excreção renal, sendo importante avaliar a função desses órgãos.
Manejo carbamatos e organofosforados
A equipe médica deve estar paramentada e realizar o atendimento em ambiente, de preferência, ventilado, a fim de evitar a própria exposição tópica ao químico.
O atendimento inicial visa à estabilização do paciente. Em caso de rebaixamento do nível de consciência ou insuficiência respiratória, devemos realizar intubação orotraqueal precoce. Evita-se o uso de succinilcolina nesses pacientes, pois essa droga também é degradada pela acetilcolinesterase e terá o seu efeito prolongado. O uso de bloqueadores neuromusculares não despolarizantes (p. ex., rocurônio) é indicado, porém doses maiores que as habituais são eventualmente necessárias devido à competição com a acetilcolina na junção neuromuscular.
Em caso de bradicardia, orienta-se realizar o tratamento habitual (mais detalhes no Capítulo “Bradicardias”). No paciente hipotenso, a expansão com cristaloides está indicada, assim como o uso de drogas vasoativas, se necessário. Na ocorrência de convulsões, benzodiazepínicos são a droga de escolha – não há evidências do uso de fenitonína nesses pacientes.
A descontaminação é uma medida concomitante à estabilização clínica. Em caso de exposição tópica, retira-se toda a roupa do paciente e realiza-se a lavagem abundante da pele com água corrente. A lavagem gástrica não é indicada. O uso de carvão ativado na dose de 1 mg/kg (máximo de 100 mg) em ingesta via oral em menos de 1 hora pode ser considerado, com benefício incerto. Contraindica-se a indução de vômitos devido ao elevado risco de broncoaspiração e à ausência de eficácia desse método de descontaminação.
**A terapia específica na intoxicação por OF e CB consiste na administração de atropina endovenosa e deve ser realizada o mais cedo possível. A atropina compete pela acetilcolina nos receptores muscarínicos e reverte seus efeitos. Deve-se realizar bolus de 1 a 4 mg (0,05-0,1 mg/kg em crianças) a cada 2 a 15 minutos até que as manifestações respiratórias (broncorreia e depressão respiratória) sejam revertidas. **Uma maneira simples de guiar a terapia é a ausculta pulmonar – administra-se atropina até não se auscultar mais roncos. Podem ser necessárias múltiplas doses até o efeito desejado. Vale ressaltar que a taquicardia e midríase não são parâmetros adequados para guiar o tratamento. Como a ligação do OF é irreversível e o efeito dos CB dura 24 a 48 horas, após o bolus inicial já descrito, é necessário realizar atropina em bomba de infusão contínua até que os efeitos da intoxicação sejam revertidos.
A pralidoxima, assim como outras oximas, agem nas manifestações nicotínicas da intoxicação. As evidências do uso em intoxicações agudas são inconsistentes na literatura. O seu uso é indicado em pacientes com intoxicações por OF moderadas ou graves. Deve-se realizar bolus de 30 mg/kg endovenoso em 30 minutos seguido de infusão contínua de 8 mg/kg/h até 12 horas após o desaparecimento dos sintomas colinérgicos. Não há estudos do uso em intoxicações por CB. Em pacientes com convulsões, a droga de escolha são os benzodiazepínicos.
Toda suspeita de intoxicação ou intoxicação confirmada deve ser notificada (CID 10: T60.0).