Anafilaxia Flashcards
Como é definido anafilaxia?
A anafilaxia é uma reação potencialmente fatal de hipersensibilidade sistêmica grave, que pode cursar com hipotensão grave ou comprometimento das vias aéreas. É uma reação em cascata causada pela liberação de mediadores de mastócitos e basófilos de uma forma dependente de IgE.
A anafilaxia pode ocorrer por reação a diferentes agentes, sendo os mais comuns alimentos e medicamentos. Em crianças, os alimentos são as maiores causas de procura de serviços de emergência por reações alérgicas ou anafiláticas. Ainda nas crianças, o risco de alergia ao látex é maior naquelas submetidas a múltiplas cirurgias ou com espinha bífida. Sabe-se ainda que pode ocorrer alergia cruzada entre látex e outros alérgenos, como abacate, banana e figo. As mulheres jovens também são especialmente afetadas por anafilaxia a alimentos, e homens idosos apresentam pior evolução após alergias ocorridas por picadas de inseto.
A definição mais utilizada de anafilaxia foi proposta pela Organização Mundial da Saúde em 2019. Anafilaxia é uma reação de hipersensibilidade sistêmica grave e ameaçadora à vida caracterizada por início rápido com acometimento de via aérea, respiração ou circulatório e geralmente (porém nem sempre) está associada a mudanças de pele e mucosa. Atenção, pois os critérios de anafilaxia mudaram (veja na Tabela 1). As reações da anafilaxia são desencadeadas quase sempre por reações mediadas pela IgE (alternativamente, alguns alérgenos podem agir ativando diretamente mastócitos), após exposição a um antígeno em indivíduos previamente sensibilizados; porém, hoje o termo inclui também as reações causadas por outros mecanismos ou com associação a outros mecanismos
Como é definido o choque anafilático?
O choque anafilático, por sua vez, é definido como reação anafilática em que ocorre uma insuficiente entrega de oxigênio para os tecidos, resultando em colapso cardiovascular e fluxo sanguíneo insuficiente. Já a reação anafilactoide descreve as respostas que são clinicamente indistinguíveis da anafilaxia, que não são IgE-mediadas e que não necessitam de uma exposição sensibilizadora.
A via final na reação anafilática ou anafilactoide é a mesma e, como vimos, o termo anafilaxia é agora utilizado para se referir a ambas, envolvendo ou não reação com IgE. O contraste radiológico é um agente que provoca a reação anafilactoide. A hipersensibilidade é uma resposta imune inadequada a antígenos geralmente inofensivos, enquanto anafilaxia representa a forma mais dramática e grave da reação de hipersensibilidade imediata
Anafilaxia tem alta probabilidade quando um dos dois critérios abaixo é preenchido
Epidemiologia da anafilaxia
A incidência e a prevalência da anafilaxia são difíceis de determinar devido à importante subnotificação que ocorre nesses casos. A incidência estimada é de 4-50 ocorrências a cada 100.000 habitantes ao ano e a prevalência é de 0,05% a 2%, sendo causa responsável por 1 a cada 2.300 atendimentos nos serviços de emergência do Reino Unido e 1 a cada 250 internações nos Estados Unidos. Estima-se ainda que seja responsável por cerca de 1.000-1.500 mortes ao ano apenas nos Estados Unidos. Esses números seriam responsáveis por cerca de 1% dos atendimentos em departamentos de emergência (DE). O risco estimado de apresentar uma reação anafilática durante a vida varia de 1,6% até 5,1%. A prevalência de reações alérgicas menos graves no DE é muito maior, mas os dados são raramente relatados. Acredita-se, no entanto, que as reações de anafilaxia parecem estar apresentando uma incidência maior, em particular na população jovem. Infelizmente, em 50% dos pacientes que procuram o DE, o diagnóstico não é realizado e em 80% não é realizado o tratamento apropriado.
Idade, ocupação, raça, sexo e fatores geográficos não parecem aumentar o risco de anafilaxia. A maioria dos estudos indica que indivíduos atópicos não apresentam maior risco de desenvolvê-la com picadas de insetos ou reações a drogas em relação aos indivíduos não atópicos. Os únicos fatores conhecidos que aumentam o risco de desenvolver anafilaxia são atopia e episódio prévio de anafilaxia.
A taxa de recorrência de anafilaxia é de 40 a 60% para picadas de insetos, de 20 a 40% para os agentes de radiocontraste e de 10 a 20% para o uso de penicilina. **As causas mais comuns de anafilaxias graves são uso de antibióticos, picadas de insetos e alimentos. A alergia a alimentos é a maior causa de anafilaxia. **Entre os antibióticos, os betalactâmicos como a penicilina causam 400 a 800 mortes nos Estados Unidos anualmente, com uma reação alérgica sistêmica que ocorre em 1 a cada 10.000 exposições. A picada pela Hymenoptera constitui a segunda causa mais comum de anafilaxia atualmente, com 2 a 3% dos adultos com reações significativas às picadas de inseto comparados a 1% das crianças. Na população pediátrica, a alergia alimentar é a maior causa da condição.
Fisiopatologia da anafilaxia
O mecanismo básico subjacente às reações alérgicas é a degranulação de mastócitos e liberação de mediadores por basófilos. A reação pode ocorrer com dois mecanismos predominantes, uma reação dependente de IgE e outra independente de IgE (anafilactoide). O mecanismo mediado por IgE é também definido como mecanismo de hipersensibilidade tipo I; nesse caso, o alérgeno se liga ao segmento Fab da IgE e este ativa e libera proteinoquinases presentes em basófilos e mastócitos e, por consequência, leva à liberação de mediadores pré-formados estocados nos grânulos citoplasmáticos daquelas células, que incluem histamina e triptase, entre outros mediadores. A histamina liga-se aos receptores H1 e H2. Os receptores H2 têm efeitos vasodilatadores e de aumento da permeabilidade capilar. Os receptores H1, por sua vez, têm efeitos vasoconstritores e broncoconstritores.
A triptase tem muitos efeitos, como ativação da via do complemento e da cascata de coagulação, quimiotaxia e produção de mediadores pró-inflamatórios, resultando em manifestações clínicas como edema e distúrbios hemorrágicos. Os leucotrienos, prostaglandinas e PAF induzem broncoconstrição, vasodilatação, permeabilidade capilar e regulação da resposta inflamatória. Outros elementos envolvidos incluem o óxido nítrico e a cascata de coagulação.
O mecanismo independente da IgE é, por sua vez, ativado por IgG ou por complemento. O mecanismo é pouco entendido e pode ser causado por atividade física, álcool e anafilaxia associada ao uso de opioides, entre outras causas.
As principais etiologias da anafilaxia incluem uso de drogas, consumo de determinados alimentos e picadas de insetos, conforme apresentado na Tabela 2. Existem fatores que se predispõem ao desenvolvimento de reação anafilática, que são, por sua vez, resumidos na Tabela 3.
A** anafilaxia idiopática, que representa 19 a 37% dos casos, é um diagnóstico de exclusão, definido quando nenhum agente causador pode ser identificado. Os pacientes sofrem recorrentes ataques, sem fatores precipitantes identificados após extensa avaliação. Eles, muitas vezes, para manter a remissão dos ataques, precisam de tratamento prolongado com glicocorticoides em dias alternados.**
Os pacientes apresentam um** curso bifásico variável** em estudos, desde menos de 1% até 20% dos casos. Uma metanálise encontrou curso bifásico em 5% dos casos. O curso bifásico pode ocorrer em até 72 horas do aparecimento, mas na maioria dos casos ocorre em até 8 horas.
Principais fatores etiológicos de anafilaxia
Quadro clínico da anafilaxia e do choque anafilático
As manifestações têm um tempo de início variável. O tempo entre o contato alérgeno e a morte pode variar de 5 minutos após injeção de droga, 10-15 minutos após picada de inseto e até 35 minutos em anafilaxia secundária a alimentos. A maioria dos pacientes que desenvolvem manifestações graves apresenta essas manifestações **em até 60 minutos da exposição, com mais da metade das mortes por anafilaxia ocorrendo com 60 minutos da exposição. A rapidez com que os sintomas ocorrem se associa com sua gravidade e, em alguns casos, as manifestações só aparecem após um intervalo de horas desde a exposição. O quadro clínico pode seguir um curso unifásico ou bifásico; neste segundo caso, os sintomas desaparecem ou apresentam melhora parcial, para retornarem em média 1 a 8 horas depois. Este período pode se estender até 24 horas. Em cerca de 75 a 80% dos casos, o quadro segue um padrão unifásico. Em séries recentes, apenas 4 a 5% dos pacientes desenvolvem sintomas considerados significativos na segunda fase. O pico da segunda fase costuma ocorrer de 8 a 11 horas após a exposição, mas um estudo relata casos ocorrendo até 72 horas após a exposição. Existem mais dois padrões incomuns de apresentação de anafilaxia:* (i) apenas a fase tardia e (ii) apresentação protraída. Felizmente, ambas são incomuns. A apresentação apenas com fase tardia está presente em relatos de casos. A apresentação protraída são aqueles pacientes em que os sintomas não se resolvem completamente ou satisfatoriamente e os pacientes necessitam de infusão contínua de adrenalina, intubação orotraqueal ou ambos. Esses pacientes, quase invariavelmente, apresentam **sintomas cutâneos. Pacientes com quadro mais grave na apresentação apresentam um risco maior de curso bifásico da anafilaxia*. Outros fatores associados a ocorrência da segunda fase estão na Tabela 4.
**As manifestações podem envolver sistema respiratório, cardiovascular, gastrointestinal e neurológico, sendo o mais comum o envolvimento cutâneo, que ocorre em 85 a 90% dos casos. Os sintomas cutâneos e de mucosa incluem prurido, rubor, edema dos lábios e língua, eritema urticariforme. As manifestações cutâneas estão particularmente ausentes em reações anafiláticas, que ocorrem durante ato cirúrgico.
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**Os sintomas respiratórios, após os cutâneos, são os mais comuns e incluem sintomas de vias aéreas superiores como coriza, espirros, prurido nasal e, em suas formas graves, estridor, disfonia e rouquidão, mas também envolvem vias aéreas inferiores com sintomas como dispneia, sibilos e outros achados de broncoespasmo e hipoxemia. **Cerca de 45 a 60% dos óbitos por reações alérgicas são secundários a complicações respiratórias.
As complicações cardiovasculares ocorrem pela anafilaxia, ou como complicação de seu tratamento. Síncope e tonturas são relativamente comuns, bem como arritmias e bradicardia paradoxal. O uso da atropina pode reverter a bradicardia, mas não têm efeito na hipotensão.
O choque anafilático inicialmente se manifesta por taquicardia hipercinética e diminuição da resistência vascular sistêmica e, posteriormente, devido a aumento da permeabilidade capilar, com hipovolemia e evolução para padrão hipocinético.
Sintomas gastrointestinais ocorrem em 30 a 45% dos casos e também podem ser proeminentes, incluindo náuseas, vômitos, diarreia e dor abdominal, usualmente na forma de cólica. A Tabela 5 contém os principais sintomas da anafilaxia e sua prevalência, enquanto a Tabela 6 apresenta sinais de alarme
Fatores associados à segunda fase da anafilaxia
Sinais de alarme em pacientes com anafilaxia
EXAMES COMPLEMENTARES
O diagnóstico de anafilaxia é clínico, utilizando os critérios diagnósticos já citados (vide Tabela 1). Em quadros de menor gravidade, o diagnóstico pode ser difícil, principalmente quando as principais manifestações são cutâneas, mas uma boa história e exame físico costumam ser suficientes para o diagnóstico. Durante os episódios de anafilaxia, os valores séricos de triptase e histamina ficam elevados, assim, essas dosagens podem ser úteis em quadros duvidosos; as triptases elevam-se particularmente nas alergias alimentares. Nesse caso, as amostras devem ser coletadas durante o episódio agudo.
A triptase sérica, por exemplo, deve ser coletada em períodos de 15 minutos a 3 horas a partir da instalação do episódio e no máximo em até 6 horas do início dos sintomas. A coleta pode ser soro ou plasma e a amostra deve ser colocada no gelo assim que possível, e até congelada se a análise for realizada em outro local. Valores normais, no entanto, não descartam anafilaxia. Anafilaxia induzida por picadas de inseto ou medicações e em episódios que evoluem com hipotensão pode ter triptase significativamente alterada. A histamina plasmática, por sua vez, apresenta metabolismo rápido, assim, o tempo ideal de coleta é de 5 a 60 minutos da instalação do episódio. Outras investigações podem ser realizadas envolvendo a pesquisa in vitro de IgE específica, testes cutâneos ou de provocação, mas são de muito pouca utilidade no DE.
Exames diagnósticos podem ser necessários para descartar diagnósticos diferenciais, como dosagem de amílase em pacientes com dor abdominal, e para avaliar complicações do episódio de anafilaxia, como disfunção renal após quadro de choque posterior ao episódio.
Fatores de risco para reação anafilática grave
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
O diagnóstico diferencial da anafilaxia é extenso e depende dos sistemas envolvidos no quadro anafilático. O*** diagnóstico diferencial das manifestações cutâneas, como a urticária e o angioedema, inclui síndrome carcinoide, reação à vancomicina e reações transfusionais, entre outras condições. Os pacientes que evoluem com quadro de colapso hemodinâmico têm como diagnóstico diferencial outras causas de choque, como choque séptico, hipovolêmico ou cardiogênico.
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As manifestações asmatiformes apresentam no seu diagnóstico diferencial a própria asma, aspiração de corpo estranho, embolia pulmonar e síndrome da angústia respiratória aguda (SARA). A mastocitose sistêmica e a leucemia de células mastoides também podem apresentar manifestações similares e são necessariamente diagnósticos diferenciais. A Tabela 8 contém os principais diagnósticos diferenciais da anafilaxia.