Pancreatite - Conceitos Flashcards
Defina pancreatite aguda
A pancreatite aguda é um episódio distinto de lesão celular e inflamação do pâncreas, geralmente com sinais/sintomas de dor abdominal, náuseas e vômitos. É acompanhada por elevação dos níveis séricos de amilase ou lipase e/ou evidências radiográficas de inflamação pancreática, edema ou necrose. Embora o pâncreas possa recuperar a função e o aspecto normais após um episódio, a recuperação não é completa se a necrose for substancial. Em pacientes com episódios recorrentes, o quadro de inflamação aguda, necrose e apoptose evolui para inflamação crônica e fibrose que são características de pancreatite crônica.* A pancreatite aguda e a pancreatite crônica constituem um continuum e pode ser difícil diferenciar a pancreatite aguda recorrente da pancreatite crônica em evolução*
Epidemiologia pancreatite aguda
A incidência de pancreatite aguda nos EUA é estimada entre 5 e 30 casos por 100.000 habitantes,1 com cerca de 275.000 internações hospitalares anualmente, tornando a pancreatite aguda o terceiro diagnóstico gastrintestinal mais comum na alta em hospitais dos EUA. O custo do atendimento desses pacientes é de cerca de 4 a 6 bilhões de dólares anualmente. A incidência de pancreatite aguda está aumentando nos EUA e em muitos outros países, em razão do uso mais frequente de exames complementares e do aumento da prevalência de cálculos biliares e outros fatores de risco da epidemia de obesidade.
Como é a biopatologia da pancreatite aguda?
A pancreatite aguda é causada pela ativação prematura de enzimas digestivas dentro das células acinares pancreáticas. O aumento do cálcio intracelular e a ativação do tripsinogênio para tripsina parecem ser as etapas iniciais críticas, com a tripsina então ativando outras proteases dentro da glândula.2 Essas enzimas ativadas provocam lesão celular e necrose. A necrose pode envolver o pâncreas, bem como a gordura e estruturas circundantes, levando, assim, ao extravasamento de líquido para os espaços retroperitoneais circundantes (perdas para o “terceiro espaço”). Embora a necrose possa ocorrer com frequência, a necrose suficiente para ser visível em uma tomografia computadorizada (TC) contrastada é geralmente denominada pancreatite necrosante aguda e diferenciada da pancreatite intersticial mais branda, na qual a necrose não é visível em uma TC. **Além do dano local, a liberação de citocinas pró-inflamatórias e enzimas digestivas ativadas na circulação sistêmica pode produzir uma síndrome de resposta inflamatória sistêmica e falência do sistema de órgãos, incluindo hipotensão, insuficiência renal e síndrome do desconforto respiratório agudo **(ver Capítulo 96).
**Cálculos biliares (ver Capítulo 146) e etilismo (ver Capítulo 30) juntos são responsáveis por até 75% de todos os casos de pancreatite aguda, **mas as causas variam por idade e sexo, e a causa não é conhecida em uma proporção significativa dos casos
Quais são as principais etiologias da Pancreatite aguda?
1)Cálculos biliares (ver Capítulo 146)
A passagem de um cálculo biliar pela ampola de Vater com obstrução transitória do ducto pancreático é o evento inicial para a pancreatite por cálculo biliar. Apenas cerca de 5% de todos os pacientes com cálculos biliares desenvolvem pancreatite, e os pacientes com cálculos biliares menores (≤ 5 mm), que conseguem atravessar o ducto cístico e atingir a ampola, correm maior risco. A microlitíase, definida como cálculos biliares minúsculos e/ou lodo biliar que não são facilmente visíveis em exames de imagem de rotina, frequentemente é a causa em pacientes inicialmente rotulados como tendo pancreatite idiopática aguda.
2)Álcool etílico (ver Capítulo 30)
Em geral, são necessários mais de 5 anos de etilismo, com média de 5 a 8 doses diárias, para que a pancreatite se desenvolva, mas a maioria das pessoas com esse nível de ingestão não desenvolve pancreatite. Vários cofatores já foram propostos, como dieta rica em gordura, variabilidade genética em enzimas desintoxicantes, mutações genéticas coexistentes e tabagismo. A evidência é mais forte para o tabagismo. Quando os pacientes apresentam um primeiro episódio clínico de pancreatite alcoólica aguda, a maioria já apresenta evidências de pancreatite crônica subjacente. O pico da pancreatite alcoólica ocorre entre os 20 e os 50 anos e é muito mais comum em homens. O mecanismo de lesão pancreática alcoólica envolve uma combinação de toxicidade direta, estresse oxidativo e alterações na secreção de enzimas pancreáticas.
3)Medicamentos, toxinas e fatores metabólicos
A pancreatite fármaco-induzida é um evento raro e geralmente idiossincrático. Embora muitos medicamentos tenham sido implicados, as evidências são mais convincentes para 6-mercaptopurina e azatioprina (taxa de ataque de até 4%), didanosina, pentamidina, ácido valproico, furosemida, sulfonamidas e aminossalicilatos. As toxinas que podem causar pancreatite aguda incluem álcool metílico, inseticidas organofosforados e veneno de determinados escorpiões.
Níveis de triglicerídeos séricos acima de 500 mg/dℓ e geralmente maiores que 1.000 mg/dℓ podem causar pancreatite aguda, mas o mecanismo não é conhecido. A hipercalcemia é uma causa extremamente rara de pancreatite aguda.
4)Traumatismo
O traumatismo iatrogênico no pâncreas e no ducto pancreático durante a realização de uma colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE; ver Capítulo 125) é uma causa comum de pancreatite, com o risco médio de menos de 5% para pacientes com cálculos biliares simples ou neoplasia maligna.
Traumatismos penetrantes e não penetrantes, que variam de uma contusão a lesão grave por esmagamento e até mesmo transecção da glândula, podem causar pancreatite. A apresentação aguda é a regra, mas alguns pacientes com lesões mais leves apresentam quadro subagudo ou crônico. A lesão isquêmica da glândula pode ocorrer após procedimentos cirúrgicos, especialmente a circulação extracorpórea, e causar pancreatite grave.
5)Obstrução do ducto pancreático
Além de cálculos biliares e microlitíase, a obstrução do ducto pancreático por um adenocarcinoma ductal pancreático (ver Capítulo 185), um adenoma ou carcinoma ampular ou, menos provavelmente, uma neoplasia mucinosa papilar intraductal pode causar pancreatite aguda. O diagnóstico de obstrução do ducto pancreático é geralmente estabelecido com ressonância magnética (RM) com colangiopancreatografia por ressonância magnética (CPRM) ou com ultrassonografia endoscópica. As estenoses benignas do ducto pancreático na ampola de Vater podem ser causadas por doença celíaca (ver Capítulo 131), doença de Crohn duodenal (ver Capítulo 132) e divertículo periampular. As evidências atuais não sustentam a disfunção do esfíncter de Oddi ou do pâncreas divisum como causas primárias de pancreatite aguda.
6)Infecções
Ascaris lumbricoides (ver Capítulo 335) pode causar pancreatite por obstruir o ducto pancreático à medida que os vermes migram através da ampola de Vater. Os vírus que podem infectar as células acinares pancreáticas diretamente e podem causar pancreatite incluem citomegalovírus (ver Capítulo 352), vírus Coxsackie B (ver Capítulo 355), adenovírus (ver Capítulo 355) e vírus da caxumba (ver Capítulo 345).
7)Pancreatite autoimune
Duas formas de pancreatite autoimune (PAI) foram identificadas.3 A apresentação mais comum é a icterícia obstrutiva que mimetiza o adenocarcinoma pancreático ou a pancreatite crônica. Isso é discutido em “Pancreatite crônica”.
8)Genética
Mutações no gene do tripsinogênio catiônico (PRSS1), que já foram identificadas em famílias com pancreatite hereditária, são mais comumente observadas em associação com pancreatite crônica, mas podem se apresentar inicialmente como pancreatite aguda. Muitas outras mutações e polimorfismos estão associados à pancreatite aguda e crônica. Esses genes afetados incluem o regulador da condutância da fibrose cística (CFTR), o inibidor da serinoprotease kazal do tipo 1 (SPINK1), a quimiotripsina C, o receptor sensível ao cálcio, claudinas e outros.
Quais são as manifestações clínicas da pancreatite aguda?
Dor abdominal, náuseas e vômitos são os sinais/sintomas típicos da pancreatite aguda. A dor abdominal é geralmente na região epigástrica e frequentemente irradia para o dorso.
A dor é constante, atinge sua intensidade máxima em 30 a 60 minutos e persiste por dias. Esses sinais/sintomas típicos podem ser mascarados em pacientes que apresentam delirium, falência de múltiplos sistemas de órgãos ou coma
Como é o exame físico no caso de pancreatite aguda?
O exame físico geralmente revela taquicardia. Hipotensão, taquipneia, dispneia e febre baixa são observadas nos casos mais graves. Confusão mental, delirium e, raramente, até coma, podem ocorrer.
**O abdome costuma estar distendido com ruídos intestinais diminuídos. Dor à palpação do abdome, que pode ser epigástrica ou mais difusa, é típica, enquanto descompressão dolorosa e defesa são incomuns. Macicez à percussão dos campos pulmonares inferiores pode ser observada em decorrência de derrame pleural. Os achados físicos raros incluem equimoses no flanco (sinal de Gray-Turner) ou no umbigo (sinal de Cullen), que ocorrem quando líquido e sangue se deslocam para esses espaços a partir do retroperitônio. **
*Icterícia é um achado se houver obstrução biliar por um cálculo. A síndrome da resposta inflamatória sistêmica (ver Capítulo 100) é preditiva de pancreatite mais grave. Taquicardia, dispneia, taquipneia, hipotensão ortostática, derrame pleural, dessaturação de oxigênio ou choque sinalizam perdas mais substanciais para o terceiro espaço, maior probabilidade de várias complicações e pior prognóstico. A pancreatite mais grave é caracterizada por necrose pancreática e peripancreática mais substancial, mais acúmulos de líquidos peripancreáticos e mais disfunção de órgãos extrapancreáticos.
Como é realizado o diagnóstico de pancreatite aguda?
O diagnóstico de pancreatite aguda é sugerido pelas manifestações clínicas e confirmado por exames laboratoriais e de imagem que excluem outras condições intra-abdominais graves e ajudam a definir a gravidade e a causa mais provável da pancreatite.
**O diagnóstico de pancreatite aguda exige pelo menos dois dos três critérios a seguir: dor abdominal compatível com pancreatite, amilase ou lipase sérica de pelo menos três vezes o limite superior do normal ou achados de imagem compatíveis com pancreatite aguda na imagem (TC contrastada, RM ou ultrassonografia). **
Pacientes com pancreatite leve não têm complicações locais ou sistêmicas,
**com pancreatite moderada têm complicações locais ou sistêmicas que persistem por menos de 48 horas **
e com pancreatite grave têm falência de órgãos que persiste por mais de 48 horas.
Exames laboratoriais
Amilase e lipase
A maioria dos pacientes com pancreatite aguda apresenta elevações dos níveis séricos de amilase ou lipase algumas horas após o aparecimento dos sinais/sintomas. A lipase é geralmente preferida à amilase como exame diagnóstico em razão de sua especificidade superior. Embora a elevação para mais de três vezes o limite superior do normal seja o ponto de corte recomendado para o diagnóstico de pancreatite aguda, até 25% dos casos não atingem esse limite.
Os níveis de lipase tendem a permanecer elevados por mais tempo do que os níveis de amilase, mas ambos diminuem gradualmente ao longo muitos dias. Elevações superiores a três vezes o limite superior do normal são mais específicas para pancreatite aguda. Os níveis de amilase e lipase podem ser normais em pacientes com pancreatite aguda, sobretudo se forem medidos alguns dias após o aparecimento dos sinais/sintomas, e hipertrigliceridemia acentuada pode interferir em sua medição acurada. Ambas as enzimas são eliminadas pelo rim e a insuficiência renal pode elevar falsamente o nível dessas enzimas em até cinco vezes o limite superior do normal na ausência de pancreatite.
Os níveis de amilase e lipase também podem estar elevados em várias outras condições que podem mimetizar pancreatite aguda, como isquemia intestinal e infarto (ver Capítulo 134), obstrução intestinal (ver Capítulo 133), colecistite (ver Capítulo 146) e coledocolitíase (ver Capítulo 146). Além disso, os níveis de amilase podem estar elevados em decorrência de gravidez ectópica, salpingite aguda e algumas doenças extra-abdominais, como parotidite (ver Capítulo 345), câncer de pulmão (ver Capítulo 182) e traumatismo cranioencefálico (ver Capítulo 371).
Em alguns pacientes, apenas o nível de amilase ou o nível de lipase está elevado. Medições seriadas de amilase ou lipase em pacientes com pancreatite aguda estabelecida não são úteis na tomada de decisão clínica. Em pacientes com episódios recorrentes de pancreatite, o nível máximo de amilase ou lipase tende a diminuir progressivamente.
Outros exames laboratoriais
Na pancreatite grave, podem ser observadas leucocitose, azotemia e hemoconcentração. A falha de normalização do nível sanguíneo de ureia ou do hematócrito com a reposição volêmica está associada a perdas mais substanciais para o terceiro espaço e um pior prognóstico. Hiperglicemia, hipocalcemia e hipertrigliceridemia leve também podem ocorrer. Elevações dos níveis de alanina aminotransferase (ALT) mais de três vezes o limite superior do normal são mais sugestivas de cálculos biliares, embora qualquer elevação significativa na bioquímica hepática deva aumentar a possibilidade de cálculos biliares (ver Capítulo 146).
Determinação da etiologia
Para identificar a causa da pancreatite aguda, a anamnese deve enfocar relato de tabagismo e etilismo, cólica biliar anterior, consumo de substâncias psicoativas, história familiar e traumatismo recente. Como os cálculos biliares são a principal causa de pancreatite aguda, representando cerca de 40 a 50% dos casos, todos os pacientes devem fazer uma ultrassonografia de abdome para investigar cálculos biliares. Deve-se suspeitar de pancreatite por cálculo biliar se cálculos ou um ducto biliar dilatado forem observados em exames de imagem ou se a bioquímica hepática anormal melhorar em alguns dias.
Uma anamnese meticulosa, muitas vezes com corroboração de familiares, ajudará a diagnosticar a pancreatite alcoólica, que é responsável por cerca de 20% dos casos, bem como a pancreatite induzida por medicamentos ou toxinas e pancreatite traumática. A bioquímica sérica ajuda a identificar casos incomuns causados por hipertrigliceridemia grave (> 1.000 mg/dℓ).
Se essas abordagens iniciais não forem reveladoras, a ultrassonografia endoscópica (ou ressonância magnética com CPRM) consegue detectar pequenos cálculos biliares, microlitíase ou causas pré-malignas ou malignas subjacentes (sobretudo em pacientes com mais de 40 anos). Investigações mais especializadas, como testagem genética, geralmente são reservadas para pacientes que tiveram ataques múltiplos de pancreatite inexplicada.
Dos 25% dos pacientes que não têm uma causa identificada após uma avaliação inicial básica, a microlitíase é a explicação subjacente mais comum. Com avaliação e exames adicionais, apenas cerca de 10% dos pacientes são finalmente rotulados como tendo pancreatite idiopática. A pancreatite idiopática é mais comum em mulheres, especialmente mulheres idosas, do que em homens.
Exames de Imagem
Os exames de imagem são usados não apenas para estabelecer o diagnóstico, mas também para determinar a causa e o prognóstico. Na maioria dos pacientes, a ultrassonografia (US) e a TC são usadas de maneira complementar.
A US abdominal confirma o diagnóstico de pancreatite aguda ao documentar aumento pancreático, edema ou acúmulo de líquido peripancreático associados. A visualização do pâncreas pode ser limitada pelo biotipo ou por gás intestinal sobreposto. É importante ressaltar que a US é mais acurada na identificação de cálculos biliares na vesícula biliar ou em um ducto biliar comum dilatado em pacientes com pancreatite por cálculos biliares.
A TC é mais acurada do que a US para confirmar o diagnóstico de pancreatite aguda e na documentação de necrose pancreática e acúmulos de líquido peripancreático, mas é menos preciso na identificação de cálculos biliares. A TC também é particularmente útil para excluir doenças intra-abdominais que podem mimetizar a pancreatite aguda. O parênquima pancreático que opacifica na TC com contraste intravenoso ainda é viável, enquanto o parênquima que não é realçado pelo contraste é necrótico (Figura 135.1). A extensão da necrose pancreática tem alguma importância prognóstica, mas geralmente não é clara na TC até pelo menos 3 dias após a apresentação inicial. As TC não são necessárias rotineiramente em todos os pacientes com pancreatite aguda, mas devem ser realizadas quando o diagnóstico não é claro e em pacientes que apresentam um primeiro episódio, doença grave, complicações sistêmicas ou doença que demora a melhorar.
A ressonância magnética (RM) é equivalente à TC em sua capacidade de documentar pancreatite aguda, identificar necrose e diagnosticar ou descartar outras doenças que podem mimetizar a pancreatite aguda. Além disso, a CPRM é muito melhor do que a TC para identificar cálculos biliares. Quando o paciente se encontra em estado grave, é mais difícil realizar a RM do que a TC.
CPRE e US endoscópica são importantes tanto para o diagnóstico como para o tratamento de pancreatite aguda. A US endoscópica, que é usada principalmente para estabelecer a causa quando a avaliação inicial não é reveladora, é particularmente acurada na identificação de malignidade subjacente, lesões pré-malignas como adenoma ampular e pequenos cálculos biliares ou microlitíase. A CPRE não é usada para fins diagnósticos, mas pode ser muito útil para fins terapêuticos.
Determinação da gravidade da pancreatite aguda
A pancreatite grave é caracterizada por falência de sistemas de órgãos e por complicações pancreáticas locais, como necrose, acúmulo de líquidos ou pseudocistos. A falência de órgãos pode ser: única ou múltipla; de início precoce ou tardio; e progressiva, persistente ou transitória. Na pancreatite aguda grave, insuficiência renal, insuficiência pulmonar e insuficiência circulatória ocorrem mais comumente como parte da resposta inflamatória sistêmica.
Durante o episódio agudo, acúmulos de líquidos mal delimitados ao redor do pâncreas se deslocam para vários espaços retroperitoneais e peritoneais. Grande parte desse líquido desaparecerá, mas parte formará um acúmulo de líquido mais arredondado e circunscrito, chamada de pseudocisto (Figura 135.2). Da mesma maneira, as áreas de necrose pancreática e peripancreática acabarão desenvolvendo uma parede circundante e começarão a amolecer e se liquefazer, tornando-se, assim, “necrose pancreática delimitada”. Esse processo geralmente leva várias semanas. É importante distinguir os pseudocistos da necrose pancreática isolada; eles parecem semelhantes em uma TC, mas são facilmente distinguíveis em RM ou na US endoscópica, porque as coleções necróticas contêm material sólido e líquido. Graus ou quantidades maiores de necrose geralmente se correlacionam com um risco maior de desfecho adverso, particularmente se a infecção se desenvolver no tecido necrótico desvitalizado. Embora muitos pacientes com necrose pancreática não desenvolvam falência de sistemas de órgãos, é muito raro que a falência de sistemas de órgãos ocorra em pacientes sem necrose pancreática.
Estratificação de risco na pancreatite aguda
Várias manifestações clínicas identificam os pacientes que correm maior risco, como idade mais avançada, obesidade ou comorbidades mais graves ou numerosas. A obesidade, em particular, aumenta drasticamente o risco de pancreatite mais grave. Outras manifestações clínicas que podem ser preditivas incluem a síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SRIS), sobretudo se persistir por mais de 48 horas, e alterações laboratoriais compatíveis com depleção do volume intravascular (hematócrito ou ureia elevado). Além dessa estimativa qualitativa do prognóstico, vários sistemas de pontuação de múltiplos fatores foram elaborados em uma tentativa de ajudar a guiar os médicos na avaliação do prognóstico, mas não há evidências de que esses sistemas de pontuação de múltiplos fatores complexos sejam superiores ao julgamento clínico experiente. Nenhum é amplamente utilizado, exceto às vezes em grandes centros de referência.
Tratamento de suporte na pancreatite aguda.
A maioria dos pacientes se recupera em alguns dias, mas geralmente não é possível identificar esses pacientes no momento da admissão. Uma curta estada protocolizada em um setor de emergência possibilita que alguns pacientes com pancreatite aguda muito leve recebam alta em 24 horas.
Todos os pacientes inicialmente devem ser mantidos em dieta zero. O controle da dor frequentemente exige a prescrição de narcóticos parenterais,* e geralmente prefere-se a hidromorfona (em doses fracionadas de 1 a 2 mg IV a cada 4 a 6 horas inicialmente, com titulação conforme necessário). Pacientes com perda significativa para o terceiro espaço, muitas vezes agravada por ingestão insatisfatória de alimentos ou perdas de líquidos por meio de vômitos, terão evidências de depleção de líquido intravascular. Mesmo na pancreatite leve, as perdas de líquidos podem ser substanciais. A reposição volêmica apropriada (ver Capítulo 98) é recomendada em todas as diretrizes de prática, mas os dados são limitados quanto ao tipo, velocidade de infusão e metas da reposição volêmica.6 *Em geral, reposição volêmica suficiente deve ser realizada nas primeiras 24 horas da admissão para corrigir a pressão arterial e o pulso, normalizar o hematócrito e a ureia e garantir um débito urinário de pelo menos 0,5 mℓ/kg/h. Embora os dados de estudos randomizados sejam inconclusivos, as diretrizes da prática recomendam solução de Lactato de Ringer, em geral 200 a 250 mℓ nas primeiras 12 a 24 horas, e depois reduzida se o paciente apresentar manifestações precoces de sobrecarga hídrica. É importante ressaltar que uma infusão de líquido muito rápida piora os desfechos, principalmente por aumentar o risco de insuficiência respiratória decorrente de sobrecarga hídrica, mas também por aumentar o risco de insuficiência de sistemas de órgãos, insuficiência cardíaca e síndrome compartimental abdominal.
O tratamento de náuseas e vômitos pode ser necessário, e os antagonistas de 5-HT3 (Tabela 123.5) são geralmente preferidos. A aspiração nasogástrica raramente é necessária.
Os pacientes com pancreatite leve ou moderada podem ser alimentados quando se sentirem capazes de tolerá-la (p. ex., alimentação enteral, se necessário), mesmo antes que os níveis de enzimas estejam completamente normalizados ou que a dor desapareça. O início da alimentação oral nas 48 horas seguintes à hospitalização é tão seguro quanto iniciar mais tarde e também reduz o tempo de internação hospitalar.A1 Não há necessidade de começar com uma dieta líquida sem resíduos: a alimentação pode ser iniciada com uma dieta sólida com baixo teor de gordura.
Em pacientes com pancreatite mais grave (com base na falência precoce do sistema de órgãos, perdas substanciais de líquido para o terceiro espaço ou comórbida comorbidades), a internação em uma unidade de tratamento intermediário ou unidade de terapia intensiva (UTI) é apropriada.6b O monitoramento cuidadoso para detecção de falência progressiva de sistemas de órgãos, complicações metabólicas e estado hídrico são fundamentais nesses pacientes. Em pacientes com pancreatite grave, a nutrição enteral (alimentação VO ou tubo) é mais segura e menos cara do que a nutrição parenteral total (NPT), que deve ser utilizada muito raramente. Pacientes que parecem ter doença suficientemente grave a ponto de não conseguirem comer por 5 a 7 dias podem ser considerados para nutrição enteral. Alternativamente, esperar até 5 dias para ver se os pacientes com pancreatite aguda grave conseguem comer é razoável, com a nutrição enteral sendo reservada para aqueles que não conseguem comer após 5 dias.A2 Em pacientes que recebem nutrição enteral, não há diferença se o tubo é nasogástrico, nasoduodenal ou nasojejunal. Além disso, não há evidências de que as fórmulas elementares ou semielementares sejam melhores do que as fórmulas poliméricas padrão.
Tratamento de complicações da pancreatite aguda
a maioria dos pacientes que desenvolvem pancreatite aguda por cálculo biliar, este já foi eliminado para o duodeno, mas os pacientes com cálculos persistentes ou múltiplos correm maior risco de desenvolver colangite e (possivelmente) pancreatite mais grave. As diretrizes de prática atuais recomendam CPRE(Colangiopancreatografia Retrógrada Endoscópica (CPRE) ) urgente em pacientes cuja pancreatite biliar é complicada por evidências de colangite (p. ex., febre, icterícia, dor no quadrante superior direito do abdome) e CPRE precoce para pacientes com evidências de cálculo persistente do ducto biliar (p. ex., cálculo persistente visível no exame de imagem, icterícia, ducto biliar persistentemente dilatado ou agravamento da química hepática 48 horas após a admissão).* A CPRE precoce é ocasionalmente considerada para pacientes que têm pancreatite grave, conforme evidenciado por falência de sistemas de órgãos precoce e progressiva, mas que não apresentam colangite ou forte evidências de cálculo; no entanto, os dados não sustentam o benefício desta intervenção. Não há outra indicação para a intervenção endoscópica precoce em pacientes com pancreatite aguda*.
As complicações sistêmicas (Tabela 135.2) que se desenvolvem em pacientes com pancreatite aguda grave incluem algumas que são semelhantes às comumente encontradas em outros pacientes de UTI (p. ex., pneumonia associada ao respirador, sepse associada a acesso venoso), bem como as complicações metabólicas específicas de pancreatite grave.Hiperglicemia é comum e pode contribuir para taxas mais altas de infecções. Na pancreatite aguda grave, os níveis de cálcio ionizado são geralmente normais, mas hipocalcemia é comum em razão de um nível de albumina sérica diminuído; o tratamento não é necessário na ausência de sinais de hipocalcemia, como tetania ou um sinal de Chvostek (ver Capítulo 232). A** hipertrigliceridemia leve é comum, mas a hipertrigliceridemia subjacente não causa pancreatite aguda, a menos que os níveis de triglicerídeos ultrapassem 1.000 mg/dℓ. Os níveis de triglicerídeos caem imediatamente quando o paciente É mantido em dieta zero**
As infecções em pacientes com pancreatite aguda incluem infecções urinárias, pneumonia, infecções de acesso venoso e por C. difficile. Cuidados de enfermagem de alta qualidade, administração de antibióticos e atenção cuidadosa aos cateteres e acessos podem minimizar essas infecções. Além disso, os pacientes com pancreatite necrosante podem desenvolver necrose pancreática infectada, que ocorre tipicamente 2 a 3 semanas após o início da doença e é anunciada por febre, leucocitose e agravamento da dor abdominal. Os microrganismos responsáveis são geralmente bastonetes gram-negativos e outros elementos da flora intestinal, mas Staphylococcus aureus também é um agente importante. Se houver suspeita de necrose infectada, uma TC com contraste deve ser obtida. O achado de gás na coleção necrótica é um sinal específico, mas não sensível, de necrose infectada. A aspiração com agulha fina dirigida por TC da área necrótica pode ser obtida para cultura e coloração de Gram, mas não é necessária em pacientes nos quais as características clínicas, como febre, leucocitose e agravamento da dor abdominal, são fortemente sugestivas de necrose pancreática infectada. Antibióticos com penetração apropriada em necrose (p. ex., imepeném/cilastatina 500 mg IV/a cada 8 horas, meropeném 500 mg IV, de 8/8 horas; ou metronidazol 500 mg IV, de 8/8 horas mais ciprofloxacino 400 mg IV, de 8/8 horas ou ceftazidima 500 mg IV, de 8/8 horas; Tabela 271.4 no Capítulo 271) deve ser iniciada se houver suspeita ou documentação de infecção, e o esquema específico pode ser adaptado ao microrganismo, se conhecido. Os antibióticos intravenosos devem ser continuados por várias semanas para possibilitar que o material necrótico seja delimitado, comece a se liquefazer e se torne encapsulado. Se os pacientes ficarem sépticos, é razoável colocar um dreno percutâneo na coleção para estabilizar o paciente. Quando essa necrose isolada é suficientemente liquefeita para possibilitar abordagens menos invasivas, pode ser usada abordagem percutânea, endoscópica ou cirúrgica minimamente invasiva. As abordagens cirúrgicas minimamente invasivas são preferíveis e de morbidade relativamente baixa, e as abordagens endoscópicas minimamente invasivas podem ser ainda menos mórbidas.A4-A5c Drenagem cirúrgica a céu aberto deve ser evitada.
Acúmulos de líquidos ao redor do pâncreas (acúmulos agudos de líquido peripancreático) são comuns na pancreatite aguda e não exigem terapia específica. A maioria desaparece espontaneamente, mas alguns evoluem para pseudocisto encapsulado. É importante distinguir um pseudocisto (geralmente fora dos limites do pâncreas e cheio de líquido) de uma área de necrose (geralmente dentro dos limites do pâncreas e uma mistura de material sólido e líquido). Embora a necrose infectada tenha um impacto substancial no prognóstico, os antibióticos profiláticos não são benéficos.A6 A terapia também não é necessária para pseudocistos assintomáticos, mesmo se forem grandes, mas a terapia é indicada para pseudocistos que causam dor abdominal, obstruem uma víscera oca ao redor ou estão associados a infecção ou sangramento. Um pseudocisto pode ser tratado com sucesso usando técnicas endoscópicas, percutâneas ou cirúrgicas minimamente invasivas, e a escolha entre essas abordagens pode ser determinada pelos especialistas da unidade.
O sangramento pode ser limitado ao próprio pseudocisto ou pode atingir o intestino através do ducto pancreático se o pseudocisto estiver em comunicação com o ducto. Em alguns pacientes, o sangramento no pseudocisto pode ser causado por um pseudoaneurisma de uma artéria visceral próxima; esse tipo de sangramento pode ser maciço. Hemorragia digestiva inexplicável ou queda súbita e inexplicável do hematócrito em um paciente com pancreatite ou pseudocisto deve levar a TC de emergência, seguida por embolização se um pseudoaneurisma for identificado.