Esquistossomose Flashcards
O QUE É A ESQUISTOSSOMOSE?
A esquistossomose mansônica é uma doença parasitária causada pelo** S. mansoni, em que os seres humanos são hospedeiros definitivos e caramujos do gênero Biomphalaria sp.são hospedeiros intermediários. Essa doença é correlacionada à exposição ambiental a lagos, lagoas e rios com baixo fluxo de água, ideais para a reprodução do caramujo**
Agente etiológico da esquistossomose.
O Schistosoma mansoni é um verme digenético (ou seja, realiza reprodução sexuada e assexuada). Macroscopicamente, eles são vermes delgados, esbranquiçados e com morfologias diferentes, a depender do sexo do parasita. Os Schistosoma contam a maior história de amor na infectologia, já que o macho e a fêmea nunca se separam. O macho adulto tem uma estrutura robusta, com uma ventosa oral e uma ventosa ventral, utilizadas para a captação de nutrientes e fixação. Os machos medem cerca de 1 cm. A fêmea é mais frágil, alongada e delgada, podendo medir de 1,2 a 1,6 cm. Ela protege-se do meio externo albergando-se em uma fenda no corpo do macho, chamada canal ginecóforo.
Ovos do schistosoma mansoni
Ao terem uma reprodução sexuada (com gametas masculinos e femininos), a fêmea produzirá ovos com as seguintes características: ovalados, contendo o verme jovem em seu interior (também chamado de miracídio) e com uma espícula lateral voltada para fora. Essa espícula é importante para a fixação dos ovos em diferentes tecidos do corpo, especialmente nos espaços-porta e na mucosa retal do hospedeiro, como veremos mais adiante. Esses ovos são muito resistentes, podendo sobreviver até uma semana em condições adversas como frio, calor e falta de umidade.
O Schistosoma mansoni tem mais dois estágios evolutivos, como veremos em seu ciclo: o miracídio – que é liberado do ovo no ambiente aquático, infectando os caramujos (hospedeiros intermediários) e as cercárias – formas com a capacidade de infectar seres humanos (hospedeiros definitivos).
Quais são os hospedeiros definitivos e intermediários da esquistossomose?
O ciclo de transmissão da esquistossomose não é de difícil compreensão. Inicialmente, gostaria de pontuar que o hospedeiro definitivo dessa doença (no qual ocorre a reprodução sexuada) é o ser humano, enquanto caramujos do gênero Biomphalaria sp. atuam como hospedeiros intermediários (não adoecem, mas servem de local para a reprodução assexuada do parasita).
Como é o ciclo de transmissão da esquistossomose?
Vamos iniciar pela transmissão da esquistossomose, que é uma doença de transmissão fecal-cutânea**. Os ovos do S. mansoni são liberados nas fezes dos humanos contaminados, sendo levados até ambientes aquáticos (lagos, lagoas e rios), especialmente em locais com saneamento básico inadequado. **
No ambiente aquático, esses ovos sofrerão entrada osmótica de água, eclodindo e liberando os miracídios maduros do seu interior.
Consecutivamente, os miracídios livres em água atingirão regiões profundas de lagos e açudes, onde infectarão caramujos planorbídeos do gênero Biomphalaria sp.
Dentro dos caramujos, os miracídios vão diferenciar-se em esporocistos, que se dividirão de forma assexuada e produzirão as cercárias, formas aquáticas infectantes. Para você ter ideia, um simples miracídio poderá gerar até 300 mil cercárias! Ou seja: um simples caramujo infectado poderá gerar muitos casos secundários de esquistossomose.
** Pois bem, as cercárias livres contaminarão as águas utilizadas para atividades profissionais ou de lazer, também utilizadas para banhos, higiene de roupas e louças, além de plantio. Nessas regiões, teremos a penetração ativa das cercárias na pele dos seres humanos expostos, nos quais se transformarão imediatamente em esquistossômulos (forma imóvel). Esse processo de penetração cutânea ativa pode gerar prurido, o que levou essas lagoas
infestadas a ficarem popularmente conhecidas como “lagoas de coceira”**.
**Os esquistossômulos vão disseminar-se pelo sangue, até atingirem os vasos portais mesentéricos, em que ocorrerá a maturação dos esquistossômulos em vermes adultos (macho e fêmea), que seguirão seu ciclo realizando a reprodução sexuada. Os ovos resultantes dessa reprodução serão depositados no plexo venoso mesentérico, no qual serão expulsos com as fezes, iniciando um novo ciclo. Veja a seguir um resumo do ciclo de transmissão da esquistossomose mansônica. **
SITUAÇÃO EPIDEMIOLÓGICA NO BRASIL
Antes de falarmos sobre a epidemiologia brasileira, é importante ressaltar que a esquistossomose não é um problema exclusivo do Brasil. O S. mansoni é endêmico em diversos países da América Latina (Brasil, Venezuela e ilhas do Pacífico), mas também é encontrado ao longo da África Subsaariana e do Mediterrâneo Oriental. Existem dois “primos” do S. mansoni: o Schistosoma japonicum (endêmico em países asiáticos e no Pacífico) e também o Schistosoma haematobium (endêmico exclusivamente na África e no Mediterrâneo Oriental). “E tem alguma diferença entre eles, professor?” Tem sim! Enquanto o S. mansoni é eliminado exclusivamente pelas fezes, o S. haematobium pode atingir o plexo vesical, sendo eliminado pela urina e/ ou fezes. Já o S. japonicum é eliminado exclusivamente pela urina.
Pelo fato de serem eliminados pela urina e causarem uma inflamação vesical persistente, a infecção pelo S. haematobium e S. japonicum predispõe ao câncer de bexiga. No Brasil, a transmissão de S. mansoni é endêmica e bem estabelecida em estados da região Nordeste (Alagoas, Bahia, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Sergipe). Zonas menos endêmicas, mas com casos ativos, também são encontradas no Espírito Santo, Minas Gerais, Ceará, Pará e Rio de Janeiro. Nessas regiões, quase sempre há o risco ambiental de “banhos em açudes” como via de transmissão do S. mansoni. Apesar de bastante endêmica, a esquistossomose mansônica tem tido sua incidência, letalidade e taxas de internações reduzidas nos últimos anos, resultantes da melhora no saneamento básico, diagnóstico e tratamento precoce dos infectados
Notificação da esquistossomose
esquistossomose mansônica é doença de notificação compulsória com periodicidade semanal, para casos suspeitos ou confirmados em qualquer área não endêmica e apenas para casos graves em áreas endêmicas.
Esquistossomose mansônica = doença de notificação compulsória
Em áreas não endêmicas: notificar qualquer forma; Em áreas endêmicas: notificar apenas as formas graves.
Notificação da esquistossomose
esquistossomose mansônica é doença de notificação compulsória com periodicidade semanal, para casos suspeitos ou confirmados em qualquer área não endêmica e apenas para casos graves em áreas endêmicas.
Esquistossomose mansônica = doença de notificação compulsória
Em áreas não endêmicas: notificar qualquer forma; Em áreas endêmicas: notificar apenas as formas graves.
A esquistossomose mansônica é uma doença que pode se apresentar por meio de manifestações agudas (mais correlacionadas com a inflamação gerada pela infecção parasitária) e crônicas (relacionadas às complicações da fibrose periportal e hipertensão porta). Como é a fisiopatologia da forma aguda da esquistossomose?
A forma aguda da esquistossomose mansônica também é chamada por alguns autores de “febre de Katayama”. Vamos ver como ela acontece? As cercárias presentes na água contaminada penetrarão nos membros inferiores de banhistas. Esse fenômeno é, na maior parte das vezes, assintomático. No entanto, alguns pacientes podem apresentar um prurido no local de invasão, com pápulas pruriginosas, fenômeno chamado de dermatite cercariana. No mesmo momento que penetram a pele, as cercárias atingem vasos do subcutâneo, em que perdem sua cauda bifurcada e se transformam em esquistossômulos. Em apenas 3 dias, esses esquistossômulos irão se disseminar pela circulação corpórea, gerando uma intensa inflamação que poderá causar febre, eosinofilia e linfadenopatia. Essa disseminação fará o S. mansoni atingir a circulação pulmonar, promovendo uma reação inflamatória local. Essa reação pulmonar, em fase aguda, poderá se manifestar com pneumonite eosinofílica, com eventual tosse seca e sensação de dispneia. Vale a pena relembrar que os esquistossômulos não são vermes adultos e não penetram alvéolos, portanto isso não é um ciclo de Loss ou síndrome de Loeffler, ok? Ao atingirem a circulação venosa corpórea, os esquistossômulos terão uma afinidade especial pelo endotélio da veia porta e seus ramos hepáticos, local onde irão se maturar em vermes adultos (machos e fêmeas). A obstrução da veia porta e suas tributárias pelos vermes, na fase aguda, gerará sintomas de hipertensão portal, como hepatomegalia romba e dolorosa, além de esplenomegalia. Em alguns casos, os vermes adultos podem migrar para o plexo venoso da medula espinhal, no qual causarão uma reação inflamatória local que poderá resultar em uma isquemia medular, produzindo a mielorradiculopatia esquistossomótica, que será mais prevalente em localizações mais baixas (lombossacras). Como essa mielorradiculopatia se manifestará? Com lombalgia intensa, redução da sensibilidade de membros inferiores e incontinência urinária.
Como é a fisiopatologia da forma crônica da esquistossomose?
Vamos agora falar sobre as manifestações crônicas da esquistossomose, que resultam do estrago feito no ninho de amor do casal mansoni:** a veia porta. É lá que esses vermes adultos produzirão ovos para continuar sua linhagem e a fêmea vai depositá-los, preferencialmente, na veia mesentérica. Da veia mesentérica, os ovos de Schistosoma podem migrar para a mucosa intestinal, em que causarão a forma intestinal da esquistossomose e poderão ser transmitidos ao ambiente pelas fezes humanas. Na mucosa do intestino grosso, esses ovos produzirão uma reação inflamatória intensa dependente de resposta Th2, podendo manifestar-se com dor abdominal e febre, além de regeneração fibrótica da mucosa intestinal, levando o paciente muitas vezes a um quadro disabsortivo com diarreia crônica e desnutrição. Como nem tudo é um lindo romance, alguns ovos espiculados da mamãe mansoni refluem da veia mesentérica superior para a veia porta, e ali se prenderão no endotélio através de suas espículas. Nessa região, a inflamação gerada pelo ovo recrutará muitos linfócitos, resultando em uma fibrose em torno da veia porta, fenômeno chamado de fibrose periportal (também conhecido como granuloma em casca de ovo ou fibrose de Symmers).** Imagine agora sua veia porta usando uma cinta de fibrose superapertada! Mau negócio, hein? Isso resultará em hipertensão portal (afinal, diminuiremos o calibre da veia, aumentando a pressão em seu interior) e isso, consequentemente, levará ao aumento de pressão em todas as veias que tributam para a veia porta. Agora leia com carinho o quadro de conceito mais importante deste capítulo, porque despenca nas provas.
Voltemos ao aumento de pressão nas tributárias da veia porta: o aumento de pressão nas veias gástricas poderá produzir varizes gástricas, com eventual hemorragia digestiva alta, e varizes epigástricas, que se apresentarão com o aspecto de “cabeça de medusa” (veja um exemplo desse achado ao lado). Agora relembre comigo: quem vem da veia gástrica esquerda? As veias paraesofágicas… Logo, um aumento de pressão nelas poderá ocasionar varizes esofágicas, manifestação comum no paciente com esquistossomose. O aumento de pressão no sistema mesentérico também poderá gerar varizes retais com eventual hematoquezia; e, é claro, a esplenomegalia é encontrada em praticamente todos os pacientes com essa doença, resultante do aumento de pressão na veia esplênica. Sedimente a fisiopatologia da esquistossomose crônica com o esquema a seguir
Qual uma complicação pouco frequente da esquistossomose?
Uma complicação pouco frequente (que acontece em 10 a 15% dos pacientes), mas possível na esquistossomose crônica avançada é a síndrome nefrótica, causada pela deposição de imunocomplexos (especialmente IgA) produzidos erroneamente pelo nosso corpo contra o S. mansoni. Essa síndrome se manifestará com edema de membros inferiores, proteinúria abundante, hipoalbuminemia e dislipidemia. Ela também poderá estar relacionada à hipertensão arterial sistêmica, mas sem hematúria ou alteração da função renal. Agora que vimos os tipos de acometimento da esquistossomose, sabemos como se manifestará a forma hepática e a intestinal dessa doença. Quando temos a concomitância dessas formas, chamamos de esquistossomose hepatointestinal
A esquistossomose causa aumento das transminases?
O diagnóstico da esquistossomose poderá ser feito por meio de métodos parasitológicos (que pesquisam os ovos do parasita) ou imunológicos(que pesquisam os anticorpos). Lembre-se de que nunca encontraremos o casal mansoni, visto que eles ficam lá em cima - na veia porta.
1) MÉTODO DE KATO-KATZ E HOFFMAN
Esse é o teste mais aplicado no diagnóstico de esquistossomose e consequentemente o mais cobrado em provas. O método de Kato-Katz aproveita-se do tamanho dos ovos do Schistosoma para uma identificação rápida (em até 3 horas). Nele, as fezes são pressionadas contra uma malha de metal, que só permitirá a passagem de partículas pequenas (como os ovos de S. mansoni). O conteúdo que passar por essa telinha será colocado numa lâmina e pressionado contra uma lamínula corada com verde malaquita (que facilita a visualização dos ovos). A sensibilidade desse método é bem ruim (45%), mas pode chegar a 65% quando solicitamos amostras seriadas.** Por isso, idealmente, devemos solicitar 3 amostras de fezes em coletas distintas para os casos suspeitos. Além de ser um método qualitativo (identifica o tipo de ovo que está na lâmina), ele também tem uma característica quantitativa (consegue estimar quantos ovos existem por grama de fezes)**. Por que é importante saber quantos ovos nós temos nas fezes? Usamos isso para determinar resposta ao tratamento e também para fazermos inquéritos coproscópicos (saber a densidade de infectados numa região). Só conseguimos saber da prevalência da esquistossomose a partir dos inquéritos coproscópicos e da notificação dos casos suspeitos e confirmados. Afinal, é muito trabalhoso ficar capturando caramujo infectado no fundo dos lagos, não é mesmo? Também temos o método de Hoffman, que é só qualitativo (não conta os ovos). Desse você só guarda o nome, porque ele cai pouco.
2) BIÓPSIA RETAL E BIÓPSIA HEPÁTICA
Lembre-se de que nem sempre teremos a forma intestinal na esquistossomose, aquela que produz muitos ovos excretados nas fezes. Na forma hepática isolada, muitas vezes temos esses ovos apenas no plexo venoso mesentérico e espaço portal, o que dificulta muito o diagnóstico pelo Kato-Katz ou Hoffman. O que podemos fazer nesses casos? Biópsia retal: é um teste com sensibilidade maior que Kato-Katz para a forma hepática isolada (cerca de 70%), sendo de fácil execução e com poucas complicações. A biópsia da mucosa retal (realizada nas três válvulas retais) feita por retossigmoidoscopia poderá demonstrar ovos do parasita nas veias retais, com resposta granulomatosa local, confirmando a esquistossomose. Biópsia hepática: é mais frequentemente aplicada quando há dúvida diagnóstica. Ela é indicada quando temos um paciente com hipertensão portal pré-sinusoidal procedente de uma área endêmica em que queremos fazer diagnósticos diferenciais com outras doenças hepáticas. Nela poderemos ver a fibrose de Symmers que observamos no capítulo anterior, patognomônica da esquistossomose.
3) MÉTODOS IMUNOLÓGICOS
Nunca devem ser primeira escolha no diagnóstico de esquistossomose, pois podem mostrar doença prévia e não doença ativa, além da possibilidade de falso-positivos por reação cruzada com outras helmintíases crônicas.** O Ministério da Saúde indica o uso de imunofluorescência indireta ou ensaio imunoenzimático (ELISA), como exames confirmatórios para os casos suspeitos (hepatoesplenomegalia com sinais de hipertensão portal, procedentes de áreas endêmicas). Eles podem ser utilizados em áreas de baixa endemicidade para a triagem de casos.** Nas regiões de alta endemicidade, o método parasitológico direto deve ser sempre priorizado.
Como é o tratamento da esquistossomose?
Atualmente só temos duas drogas licenciadas pelo Ministério da Saúde para o tratamento da esquistossomose – o praziquantel e a oxamniquina, que são fornecidos pelo Sistema Único de Saúde. O praziquantel é um anti-helmíntico que age nos canais de sódio e cálcio dos vermes adultos, impedindo o influxo de cálcio e gerando uma paralisia do helminto com um efeito vermicida. O mais legal é que o praziquantel também tem efeito nos ovos do S. mansoni, reduzindo a sua atividade inflamatória e, consequentemente, promovendo uma regressão parcial das fibroses hepáticas e intestinais. A oxamniquina é um anti-helmíntico que também induzirá a paralisia dos vermes adultos e promoverá o seu destacamento das veias mesentéricas. Quando eles devem ser usados? Na fase aguda ou crônica da doença, mas na fase aguda eles terão melhores efeitos (já que não temos tanta fibrose acontecendo). Se não funciona tanto na fase crônica, por que eu uso mesmo assim? Para reduzir ovoposição, número de ovos viáveis e, assim, a transmissão da doença. O praziquantel é a primeira escolha do Ministério da Saúde pela sua melhor ação contra os ovos do S. mansoni.
Contraindicações do uso de praziquantel