Encefalopatia Hepática Flashcards

1
Q

Introdução

A

Encefalopatia hepática (HE) compreende um amplo espectro de distúrbios neuropsiquiátricos associados à insuficiência hepática aguda ou crônica, ocorrendo também em pacientes submetidos à derivação portossistêmica na ausência de doença hepatocelular.

As manifestações clínicas da EH podem ser de natureza extremamente heterogênea, com sintomas que variam desde um desempenho cognitivo próximo do normal (sendo as alterações geralmente só identificadas pelos familiares), até estados de confusão, estupor e coma. Entre esses extremos, os pacientes com EH podem apresentar sintomas e sinais como inversão do ciclo sono-vigília, desatenção, embotamento afetivo, comprometimento da memória, tremores, mioclonia e “flapping”.

Em pacientes com cirrose hepática, a EH pode estar associada a outras complicações da doença cronicamente, como ascite, sangramento varicoso e síndrome hepatorrenal. A EH é também uma das complicações mais graves da insuficiência hepática aguda, sendo que a presença de EH nesses pacientes indica um pior prognóstico, com até um quarto dos casos desenvolvendo aumento da pressão intracraniana por edema cerebral.

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2
Q

Epidemiologia Encefalopatia Hepática

A

A EH ocorre em 30 a 40% dos pacientes com cirrose, em algum momento durante a sua evolução clínica, sendo que, após o primeiro evento, é comum os episódios se tornarem recorrentes.

A EH mínima ou assintomática ocorre em 20 a 80% dos pacientes com cirrose. O risco para o primeiro episódio de EH é de 5 a 25% dentro de 5 anos após o diagnóstico de cirrose, dependendo da presença de fatores de risco, especialmente outras complicações de cirrose, como ascite e provavelmente diabetes e hepatite C.

A prevalência de EH no momento do diagnóstico de cirrose é de 10 a 14% em geral, de 16 a 21% em pacientes com cirrose descompensada, e de 10 a 50% em pacientes com shunt portossistêmico intra-hepático transjugular (TIPS).

A EH é responsável por aproximadamente 110.000 hospitalizações anuais (entre 2005-2009) nos Estados Unidos, porém, infelizmente, não temos dados específicos sobre epidemiologia da EH em nosso país.

A mortalidade da EH é variável. Em um estudo de coorte publicado em 1999, que acompanhou pacientes não submetidos a transplante hepático, a mortalidade chegou a 58% em um ano. No entanto, nesses últimos 20 anos, observamos uma diminuição da mortalidade para índices próximos a 40%. Em um estudo de 2017, a classificação graus 3 e 4 de West Haven foi associada à mortalidade de 38% em 30 dias, comparada a 8% em pacientes com EH de graus 1 ou 2.

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3
Q

Fisiopatologia da Encefalopatia Hepática

A

O mecanismo fisiopatológico exato da EH ainda não foi completamente esclarecido, mas acredita-se que seja dependente de múltiplos fatores isolados ou combinados entre si. Acredita-se também que, na maioria dos casos, mais de um fator contribua para o desenvolvimento das alterações do SNC.

O fígado exerce um importante papel no clearance hepático de produtos tóxicos produzidos no intestino e o comprometimento da função hepática ou a presença de shunts portossistêmicos permitem que essas toxinas cheguem à circulação sistêmica. Essas toxinas agem inibindo a neurotransmissão e apresentam efeitos deletérios na função cerebral.

Entre as toxinas, aquela que apresenta melhor associação com a EH é a amônia, um subproduto do metabolismo de nitrogênio. Sua formação ocorre por ação da enzima glutaminase, localizada dentro dos enterócitos do intestino delgado e do cólon, e também da ação de um grande número de bactérias produtoras de urease, localizadas no intestino. A amônia derivada do intestino é absorvida na circulação portal hepática e transportada para o fígado, onde, sob condições fisiológicas normais, entra no ciclo da ureia, sendo metabolizada. A amônia não utilizada por essa via primária é subsequentemente metabolizada dentro dos hepatócitos pela glutamina sintetase (GS), enzima que catalisa a conversão de amônia e glutamato a glutamina. Em pacientes com insuficiência hepática ou shunts portossistêmicos o clearance de amônia pelo fígado está diminuído e as concentrações séricas se elevam.

O metabolismo extra-hepático da amônia também é de grande importância, assim alterações renais e a perda muscular associada a hepatopatia contribuem para o aparecimento da EH, pois os músculos são uma das formas de remoção da amônia da circulação sistêmica.

Estudos mostram que ocorre hiperamonemia arterial em > 90% dos pacientes com EH, embora seus níveis não sejam nem sensíveis nem específicos para o diagnóstico de EH em pacientes cirróticos crônicos; em um estudo prospectivo, níveis de amônia maiores que 80 mmol/L. Além disso, as discrepâncias de correlação direta entre concentração sérica de amônia e a gravidade da EH nesses pacientes sugerem que, embora a amônia tenha um papel fundamental na patogênese da EH, ela parece não ser a única responsável pelas alterações neurocognitivas.

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4
Q

Outras alterações associadas com o aparecimento da EH incluem:

A

Deposição de magnésio nos gânglios da base, o que justifica parcialmente as manifestações extrapiramidais da EH.

Deficiência de zinco, que age como cofator no metabolismo da ureia e amônia e sua deficiência leva a aumento da amônia e falsos neurotransmissores.

Ação de mediadores inflamatórios contribui para o aparecimento da EH.

Disfunção dos astrócitos causada pelo aumento do glutamato e amônia.

Aumento da permeabilidade da membrana hematoencefálica a produtos tóxicos.

Hiperatividade do sistema GABAérgico com ação endógena similar à de benzodiazepínicos, com efeito negativo cerebral.

Alteração do metabolismo de glicose cerebral.
Outros fatores envolvidos na disfunção cerebral incluem serotonina, óxido nítrico, peptídeos opioides circulantes e radicais óxidos livres.

Diminuição dos níveis de mioinositol induzida pelo aumento de amônia que diminui o tamponamento do excesso de glutamina no cérebro.

Fatores precipitantes de EH como infecções bacterianas ou hemorragia digestiva alta e constipação intestinal com sobrecarga resultante de aminoácidos no trato gastrointestinal com aumento da produção de falsos neurotransmissores (benzodiazepínicos endógenos).

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5
Q

Fatores precfipitantes de encefalopatia hepática

A

A EH apresenta múltiplos fatores precipitantes e raramente ocorre quando eles não estão presentes. As infecções são o mais importante desses fatores e em algumas séries de casos publicados representam de 50 a 60% dos casos de EH, com destaque para a peritonite bacteriana espontânea (PBE). Pacientes com PBE desenvolvem EH em até 50% dos casos.

Outro importante fator precipitante são as hemorragias digestivas e eventos que aumentam a sobrecarga de aminoácidos nas porções distais do tubo digestivo, como a constipação intestinal.

Piora da função renal e alcalose metabólica secundária a desidratação pelo uso de diuréticos é uma causa importante e negligenciada de EH. Alterações eletrolíticas, em particular a hipocalemia, medicações e outros fatores, também podem precipitar EH. Os principais fatores precipitantes de EH são representados na Tabela 1.

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6
Q

Os escores de classificação da EH utilizam as doenças associadas, a forma de apresentação ou a intensidade, como listadas a seguir. A mais utilizada é a de West Haven, que leva em conta múltiplos fatores e será comentada mais tarde.

As classificações da EH incluem:

A

**Em relação a patologias associadas:

**Tipo A: encefalopatia associada com insuficiência hepática fulminante.

Tipo B: encefalopatia associada com shunt portossistêmico na ausência de doença hepática intrínseca.

Tipo C: encefalopatia associada com cirrose e hipertensão portal.

As manifestações clínicas dos tipos B e C são semelhantes, enquanto o tipo A tem características distintas diferentes e podem ser associadas com um aumento da pressão intracraniana e um risco de herniação cerebral

Formas de apresentação
Episódica: paciente só apresenta manifestações ocasionalmente, usualmente relacionadas a algum fator precipitante.
Persistente: paciente mantém padrão de alterações comportamentais que estão sempre presentes, com episódios de piora importante. Usualmente associadas a doença hepática grave.
Mínima: alterações apenas detectáveis em exames psicométricos.

Em relação a fatores precipitantes:
Associada a fatores precipitantes.
Espontânea.
Recorrente:
sintomas recorrem em curtos intervalos de tempo (< 6 meses), com ou sem fatores precipitantes claros.

Em relação à intensidade:
Leve.
Grave.
Dependente de tratamento

Em relação à gravidade da EH, a classificação de West Haven, que comentaremos posteriormente, é a melhor e mais objetiva para essa estratificação.

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7
Q

Fatores precipitantes de encefalopatia hepática em ordem de frequência

A
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8
Q

A encefalopatia hepática produz um amplo espectro de manifestações neurológicas e psiquiátricas inespecíficas, que podem ser de difícil reconhecimento.

Na sua expressão mais leve, as alterações são sutis, muitas vezes reconhecidas somente pelo círculo de convivência mais próximo do paciente. São identificadas apenas alterações de testes psicométricos voltados para a atenção, memória de trabalho, velocidade psicomotora e habilidade visual-espacial, bem como medidas funcionais eletrofisiológicas do cérebro. Uma de suas manifestações características nesse estágio é a presença de micrografia.

À medida que a EH progride, outras alterações podem ocorrer e incluem:

A

Alterações do padrão do sono: muito comuns, podendo cursar com sonolência ou insônia. O ciclo sono-vigília é alterado com sonolência diurna excessiva e insônia noturna, embora uma completa inversão do ciclo sono-vigília seja infrequente.

Alterações do estado de consciência: os pacientes apresentam desde desorientação progressiva temporal espacial, comportamento inapropriado e quadro confusional, estado de agitação ou sonolência, letargia e, por fim, coma.

Manifestações psiquiátricas: incluem a mudança repentina ou gradativa da personalidade, como apatia, euforia, agressividade, excitação e comportamento inadequado.

Achados neurológicos: em pacientes não comatosos com EH, ocorrem principalmente anormalidades da motricidade, tais como hipertonia, hiper-reflexia e positivação do sinal de Babinski. Por outro lado, reflexos profundos podem diminuir e até desaparecer no coma, embora os sinais piramidais ainda possam ser observados. Raramente, déficits neurológicos focais transitórios podem ocorrer. Hipocinesia, monotonia e lentidão da fala, tremor similar ao parkinsoniano e discinesia com movimentos voluntários diminuídos são achados comuns; em contraste, a presença de movimentos involuntários semelhantes a tiques ou coreia ocorre raramente.

Flapping ou asterix: pode ser descrito como um movimento involuntário das mãos, semelhante ao bater de asas. Pode aparecer nos estágios intermediários da EH, mas desaparecem no estupor e coma. Embora seja ocasionalmente descrito como um tremor, o flapping é, na verdade, uma forma negativa de mioclonia que consiste em perda do tônus postural. Deve ser testado provocando a dorsiflexão dos punhos, com os dedos separados. A presença do asterix ou flapping não é patognomônica de EH, pois pode estar presente em outras encefalopatias metabólicas, como uremia e narcose por hipercapnia.

Hipertensão intracraniana: em pacientes com quadro de insuficiência hepática fulminante, a EH pode cursar com quadro importante de edema cerebral e aparecimento de sinais neurológicos localizatórios. Pacientes com cirrose crônica, por outro lado, só apresentam edema cerebral em menos de 5% dos pacientes.

Achados relacionados aos fatores precipitantes: a EH quase sempre tem um fator precipitante. Assim, pacientes em EH devem apresentar os sintomas característicos da causa que levou à descompensação, como sintomas de infecção, sangramento ou obstipação.

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9
Q

Classificação de West Haven de encefalopatia hepática

A

Todas as manifestações da EH são, em teoria, completamente reversíveis. No entanto, estudos em pacientes transplantados hepáticos e em pacientes após resolução de repetidos ataques de EH lançam dúvidas sobre a reversibilidade completa das manifestações.

A EH deve ser classificada em relação à gravidade de suas manifestações, de acordo com a classificação de West Haven (Tabela 2). A importância dessa classificação é sua correlação com o prognóstico. Estudos mostram uma mortalidade 4 a 5 vezes maior em pacientes com EH graus 3 e 4 em comparação com EH graus 1 e 2.

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10
Q

Como é o diagnóstico de encefaloptia hepática?

A

O diagnóstico da EH exige a detecção de sinais sugestivos de EH em um paciente com insuficiência hepática grave (aguda ou crônica) e/ou shunts por hipertensão portal, que não têm causas alternativas óbvias de disfunção cerebral. O reconhecimento dos fatores precipitantes de EH (p. ex., infecção, sangramento e constipação) ajuda o diagnóstico de EH. O diagnóstico deve ser sempre considerado de exclusão.

São recomendações da American Association of Studies of Liver Disease em relação ao diagnóstico de EH:

Os episódios de encefalopatia hepática devem ser classificados de acordo com o tipo de doença subjacente, a gravidade das manifestações, o curso do tempo e fatores precipitantes.
A avaliação diagnóstica é necessária, considerando outras doenças que podem alterar a função cerebral e simulem EH.

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11
Q

EXAMES COMPLEMENTARES E DIAGNÓSTICO

A

O diagnóstico de EH é clínico e de exclusão. Classificar a gravidade do paciente e as alterações descritas na classificação de West Haven é o padrão utilizado para determinar a presença de manifestações compatíveis com o diagnóstico de EH

Os pacientes podem ter alterações do estado mental por outros motivos, como o uso de medicamentos, abuso de álcool, uso de drogas, efeitos de hiponatremia e doença psiquiátrica. Assim, os exames complementares servem em grande parte para exclusão desses diagnósticos diferenciais.

Os exames complementares têm como objetivo confirmar diagnóstico de EH e afastar outros diferenciais, diagnosticar os fatores precipitantes e avaliar o estado geral do paciente. Na Tabela 3 listamos esses exames divididos entre essas quatro classes.

Exames específicos para avaliação da função do SNC na suspeita de EH não são rotineiramente solicitados, mas podem ser úteis em casos de dúvida diagnóstica ou terapêutica. A encefalopatia hepática mínima é definida como alteração em testes psicométricos ou disfunção cerebral em pacientes que não estão desorientados ou com asterix. O termo “mínimo” denota que não há nenhum sinal clínico, cognitivo ou outro, de EH. Assim, o ideal é que para sua determinação sejam realizados pelo menos dois testes psicométricos. É importante descartar fatores de confusão, como distúrbios neuropsiquiátricos, medicamentos psicoativos ou uso de álcool. O eletroencefalograma (EEG) pode detectar alterações na atividade cerebral cortical. O exame não é específico e pode ser influenciado por distúrbios metabólicos, como a hiponatremia, bem como drogas.

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12
Q

Exames gerais

A

**Exames de avaliação geral são necessários e incluem hemograma, coagulograma (INR), função renal, glicemia, eletrólitos e gasometria. Vale lembrar que a glicemia capilar deve ser realizada em todos os pacientes com alteração de nível de consciência. **Não se deve esquecer que alterações hidroeletrolíticas são causas importantes de descompensação desses pacientes e devem sempre ser abordadas.

A dosagem de amônia arterial é o marcador mais estudado da doença. A elevação de seus níveis tem sensibilidade de 75 a 85%. Um estudo mostrou que níveis muito altos de amônia foram associados com maior mortalidade, mas sem uma correlação que permita seu uso de rotina. O uso da amônia para diagnóstico de EH permanece controverso e seu aumento não faz crescer a probabilidade diagnóstica de EH; porém, se seus resultados forem normais, outros diagnósticos devem ser considerados.

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13
Q

Exames para determinar os fatores desencadeantes da EH

A

Esses exames devem sempre ser guiados pela história clínica e pelo exame físico.

**Endoscopia digestiva alta deve sempre ser solicitada em pacientes com história de sangramento, toque retal com a presença de sangue ou queda de níveis de hemoglobina.

Exames de imagem como tomografia computadorizada (TC) ou ressonância magnética (RM) são úteis principalmente para excluir os diagnósticos diferenciais de lesões intracranianas (hemorragias, infarto cerebral, abscesso)**. A TC de crânio é recomendada para excluir anormalidades estruturais em pacientes com sinais neurológicos focais, convulsões, cefaleia, encefalopatia grave, sinais de trauma cranioencefálico (TCE), na ausência de fatores precipitantes ou nos pacientes que não apresentam melhora após início de tratamento adequado. O risco de hemorragia intracerebral é pelo menos 5 vezes maior nesse grupo de pacientes. A TC pode ser sugestiva de doença hepática se houver hipersinal em T1 nos gânglios da base.

Os exames de imagem abdominal como ultrassonografia e tomografia de abdome podem ser úteis na suspeita de peritonite bacteriana secundária, e ultrassonografia com Doppler pode ser necessária em pacientes com suspeita de síndrome de Budd-Chiari.

A punção liquórica pode ser útil na suspeita de meningite ou encefalite. Antes de realizar a punção liquórica, deve-se avaliar o coagulograma e a contagem de plaquetas.

A realização de paracentese diagnóstica é obrigatória em todos os pacientes com suspeita de EH e ascite, uma vez que PBE é um fator precipitante frequente de EH. Embora seja uma causa rara, em paciente sem outras causas aparentes deve-se dosar a alfafetoproteína para descartar a possibilidade de hepatocarcinoma.

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14
Q

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

A

Qualquer causa de rebaixamento do nível de consciência ou confusão mental pode entrar no diagnóstico diferencial da EH. A presença de flapping sugere o diagnóstico de EH, mas esse sinal é descrito também em pacientes com uremia, encefalopatia anóxica, hipercapnia, intoxicação por fenitoína e hipomagnesemia.

Nos casos de EH estádios I ou II, muitas vezes o paciente pode estar um pouco agitado e com alterações de comportamento. **Nesses casos, em etilistas importantes, a síndrome de abstinência deve ser considerada se existe história de privação recente da ingestão de álcool (em geral, menos de 48 horas).

Outro diagnóstico diferencial importante é a síndrome de Wernicke-Korsakoff, que pode ser precipitada pela administração de glicose intravenosa na presença de deficiência de tiamina (vitamina B1).

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15
Q

TRATAMENTO

A

O tratamento inicial é principalmente com medidas de suporte, com avaliação da glicemia capilar e proteção de vias aéreas, estabilização hemodinâmica com ressuscitação volêmica, se necessário, oxigênio se o paciente apresenta hipoxemia, monitorização, obtenção de acessos venosos calibrosos, além de outras medidas-padrão da avaliação primária do paciente grave. Deve-se considerar intubação em pacientes com EG grau III e escore de coma de Glasgow < 8.

O tratamento do fator precipitante é a medida mais importante para esses pacientes e cerca de 90% deles apresentam melhora com correção do fator precipitante sem outras medidas.

Se os pacientes estiverem em uso de diuréticos, estes devem ser suspensos. Se presente hipocalemia, deve ser revertida, pois aumenta a produção de amônia.

Pacientes com EH podem estar agitados; nesse caso, o uso de haloperidol é uma opção mais segura que benzodiazepínicos. O haloperidol deve ser usado criteriosamente nessas circunstâncias.

A maioria das medicações rotineiramente utilizadas nesses pacientes não foi testada em estudos randomizados, controlados e é utilizada com base em observações circunstanciais. No hospital, a colocação de uma sonda nasogástrica pode ser necessária para administrar as terapias orais em pacientes que são incapazes de engolir ou têm um risco aumentado de aspiração.

A lactulose é iniciada logo após o diagnóstico de EH. A medicação é um dissacarídeo não absorvível catalisado pela flora bacteriana intestinal, acidificando o meio e levando à diminuição da produção de amônio, convertendo NH3 em NH4+. A medicação modifica a flora colônica, além do seu efeito laxativo. Apesar da evidência relativamente pobre de seu uso, a lactulose é considerada como o padrão-ouro do tratamento de pacientes com EH. O objetivo com a medicação é obter de 2 a 4 evacuações pastosas ao dia, com dose inicial de 20 a 40 mL de 8/8 horas a 4/4 horas, com aumento progressivo se necessário, com dose máxima de 60 mL de 4/4 horas. Pode ainda ser utilizada por via retal em enema com 20 a 30% de lactulose em 1 litro de solução como manitol ou glicerina mantido por cerca de 1 hora, podendo ser repetido. Deve-se lembrar que não existe evidência de benefício maior com o enema de lactulose em comparação com a lactulose oral.

Ausência de efeito da lactulose deve levar a uma procura clínica de fatores precipitantes não reconhecidos e às causas que cursam com o comprometimento cerebral.

O uso associado de antibióticos como a neomicina ou o metronidazol pode ser útil. No caso da neomicina, a dose é de 1 a 1,5 g de 6/6 horas. O metronidazol em dose de 250 a 500 mg de 8/8 horas é uma opção em pacientes. O uso de antibióticos associados a lactulose tem benefício questionável, mas são recomendados em pacientes que após 48 horas de tratamento com lactulose não apresentaram melhora clínica. Os antibióticos não devem ser usados como monoterapia para EH e sim como terapia associada com a lactulose.

Entre os antibióticos, a medicação de escolha para tratamento da EH é a rifaximina, em dose de 550 mg, via oral de 12/12 horas; estudos randomizados mostraram benefício da medicação associada a lactulose para tratamento da EH. Um estudo multicêntrico demonstrou que em pacientes com episódios prévios de EH a rifaximina associada a lactulose foi superior ao placebo em evitar a recorrência da encefalopatia hepática. Um outro estudo avaliou o benefício da terapia combinada com rifaximina e lactulose. Nesse estudo tivemos:

120 pacientes foram randomizados para receber rifaximina ou placebo.
Reversão da EH: 76% vs. 51%.
Mortalidade: 24% vs. 49%.
Não existem dados sólidos para apoiar o uso de rifaximina como medicação única para tratamento da EH.

A neomicina é uma outra opção, sendo a medicação de escolha em nosso serviço devido à indisponibilidade da rifaximina. A dose é de 0,5 a 1 g oral de 6/6 horas. A medicação é potencialmente nefrotóxica, mas é de baixa absorção; assim, seu efeito nefrotóxico é pequeno. Ainda assim, não recomendamos seu uso em pacientes com disfunção renal.

As recomendações em relação à dieta nesses pacientes incluem:

A ingesta de energia diária deve ser de 35-40 kcal/kg de peso corporal ideal.
A ingestão diária de proteína deve ser de 1,2-1,5 g/kg/dia.
Pequenas refeições ou suplementos nutricionais líquidos distribuídos uniformemente ao longo do dia e um lanche de fim de noite devem ser oferecidos.
Suplementação de aminoácidos de cadeia aromática oral podem permitir a entrada de nitrogênio recomendada para ser alcançada e mantida em pacientes com intolerância à proteína dietética. Não se recomenda mais o uso de restrições proteicas importantes, pelo risco de desnutrição que pode piorar ainda mais o estado geral do paciente e aumenta risco de EH.
O uso de aminoácidos de cadeias aromáticos foi associado em uma metanálise com melhora de manifestações da EH. O aspartato-ornitina tem sido estudado para EH e parece ter um benefício marginal, mas outros estudos são necessários para avaliar sua eficácia.

Em relação a outras medicações:

Flumazenil: droga com efeitos antagonistas à ação benzodiazepínica. A medicação melhora transitoriamente o estado mental na EH sem melhora na recuperação ou na sobrevida. O efeito pode ser importante em situações limítrofes para evitar a necessidade de ventilação assistida. Da mesma forma, o efeito pode ser útil em situações difíceis de diagnóstico diferencial, confirmando reversibilidade; não é recomendado de rotina e é contraindicado em pacientes com antecedente de epilepsia.
Laxativos e enemas: benéficos em pacientes com constipação; fora dessa situação o benefício é questionável. Não existem estudos suficientes com enema de polietilenoglicol, embora em um estudo tenha havido benefício superior ao da lactulose em relação a tempo de internação hospitalar. No momento, recomendados apenas em pacientes com constipação.
Probióticos: potencial de diminuir episódios de EH, apenas um estudo com benefício; não recomendados de rotina.
Acarbose: a medicação inibe as alfaglicosidades intestinais, aumentando a flora intestinal sacarolítica e diminuindo a flora proteolítica, o que poderia diminuir a produção de amônia e benzodiazepínicos endógenos. Um pequeno estudo sugeriu benefício.
Erradicação do H. pylori: a infecção por H. pylori é associada com produção de amônia, assim a erradicação do H. pylori poderia ter benefício. O benefício até esse momento é apenas teórico.
Zinco: a reposição de zinco poderia diminuir a produção de amônia. Benefício apenas teórico.
Em pacientes com EH refratária e recorrente, considerar a embolização de shunts portossistêmicos.

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16
Q

Manejo da Encefalopatia Hepática

A
17
Q

PROFILAXIA

A

Pacientes com história prévia de EH têm indicação de realização de profilaxia primária, principalmente em caso de episódios recorrentes de EH. A lactulose é a medicação de escolha nesses casos e a associação com rifaximina foi benéfica em um estudo.

Após a colocação de TIPS, devido às pressões portais muito baixas, ocorrem episódios de EH em 50% dos pacientes; neles, nem a rifaximina nem a lactulose conseguem impedir o aparecimento de EH pós-TIPS. Certos tipos de derivações, como derivações esplenorrenais, podem ser embolizadas com sucesso com a melhora da EH.

Se um fator precipitante puder ser controlado, tais como infecções recorrentes ou hemorragias de varizes, a terapia profilática para EH pode ser interrompida.

Aproximadamente 75% dos pacientes com EH sofrem de desnutrição proteico-calórica moderada a grave com perda de massa muscular e depósitos de energia. Restrição de proteínas crônica nesses pacientes é prejudicial, porque as exigências de proteína dos pacientes são relativamente maiores do que a de pacientes saudáveis; e eles estão em risco de metabolismo com jejum acelerado.

Os pacientes podem apresentar concomitantemente encefalopatia de Wernicke. Se esta for suspeita, grandes doses de tiamina devem ser administradas por via parenteral antes de qualquer administração de glicose.

A administração de fluidos deve ser ajustada de modo a evitar a indução de hiponatremia, particularmente em pacientes com cirrose avançada. Se hiponatremia grave for corrigida, esta deve ser realizada lentamente.

O único tratamento definitivo para pacientes com EH é o transplante hepático. A EH por si só não é considerada uma indicação para o transplante hepático, a menos que associada com insuficiência hepática grave e outras complicações da cirrose.

A Tabela 4 descreve os passos do manejo da EH.

18
Q

INDICAÇÕES DE INTERNAÇÃO, TERAPIA INTENSIVA E SEGUIMENTO

A

Pacientes com EH grau I podem ser manejados ambulatorialmente, já a EH grau II depende de suporte familiar, correção do fator precipitante e grau de alteração do nível de consciência para ser tomada a decisão de internação.

Pacientes com encefalopatia graus III e IV devem ser internados e frequentemente necessitam de monitorização em unidade de terapia intensiva.**

Todos esses pacientes necessitam de seguimento ambulatorial, realização de profilaxia medicamentosa, como já discutido, e referenciamento para um centro em que se possa considerar transplante hepático.