Direito Penal Flashcards
Vertentes do principio da legalidade
O princípio da legalidade (art. 1º, CP e 29º, CRP) assume diversas vertentes:
- Exigência de lei escrita (reserva de lei)
- Exigência de lei certa (tipicidade e proibição de normas penais em branco)
- Exigência de lei estrita (proibição de analogia in malem partem)
- Exigência de lei prévia (proibição de retroatividade in malem partem)
Fundamentos externos do principio da legalidade
Fundamentos externos, ou seja, ligados à conceção fundamental do Estado, dentro dos quais se encontram:
Princípio liberal
Princípio democrático e da separação de poderes
Fundamentos internos do principio da legalidade
Fundamentos internos, isto é, de natureza especificamente jurídico-penal, nomeadamente a ideia de prevenção geral e o princípio da culpa, sendo que não se pode esperar que a norma cumpra a sua função motivadora do comportamento da generalidade dos cidadãos se estes não puderem saber, através de lei anterior, estrita e certa por onde passa a fronteira que separa os comportamentos criminalmente puníveis dos não puníveis. Também não seria legitimo censurar alguém por ter acuado de certa maneira se uma lei com aquelas características não considerasse o comportamento respetivo como crime.
Reserva de lei
O fundamento do princípio da legalidade impõe que as normas penais que ampliem a incriminação ao afetarem a segurança e as liberdades individuais, sejam aprovadas pelo Parlamento ou pelo Governo, desde que com autorização legislativa, face ao art. 165º/1, al. b) e c) da CRP.
O art. 165º/1, al.c), apenas se refere à definição de crimes, penas e medidas de segurança e respetivos pressupostos (normas penais positivas), pelo que surge a questão de saber se existem outras normas abrangidas pela reserva de lei.
A reserva de lei abrange, segundo a professora MFP:
Normas penais positivas: ou seja, a criação de penas, crimes, mas também circunstâncias agravantes.
Descriminalização
Causas de justificação de direito excecional: causas de justificação que abrem uma exceção, de modo que a sua previsão afeta expectativas gerais e diminui a liberdade e a segurança dos cidadãos. Exemplo: o legislador alargar as situações em que as escutas telefónicas são permitidas.
Regime geral das contraordenações
Não estão abrangidas as causas de justificação de direito geral, sendo que estas consagram um princípio geral da ordem jurídica, sendo por isso de direito geral. Não é necessário reserva de lei, na medida em que o legislador está apenas a corporizar direitos latentes no ordenamento jurídico. Exemplo: legítima defesa
Relativamente às circunstâncias atenuantes, é desnecessária a reserva de lei, sendo que a sua atipicidade resulta do art. 72º do CP.
Exigência da lei certa
Segundo o principio da determinação das normas penais incriminadoras, todos os pressupostos da incriminação e da responsabilidade penal têm de estar descritos na lei, não sendo admitidas as leis penais em branco. Este conteúdo das normas penais implica que estas sejam descrições de tipos, ou seja, determinações do conteúdo de certas imagens sociais relativamente concretas de comportamentos humanos que prefigurem com exatidão o âmbito do proibido e a respetiva consequência.
Importa, portanto, que a descrição da matéria proibida e de todos os outros requisitos de que depende em concreto uma punição seja levada ate um ponto em que se tornem objetivamente determináveis os comportamentos proibidos e sancionado e consequentemente que se torne objetivamente motivável e dirigível a conduta dos cidadãos.
O mesmo principio justifica a existência dos tipos legais de crime, surgindo o conceito de tipicidade. Deste modo, nenhum comportamento humano pode ser considerado criminoso se não corresponder a um tipo legal de crime, descrito com precisão por um preceito legal.
É de notar que é inevitável que a formulação dos tipos legais não consiga renunciar à utilização de conceitos indeterminados e clausulas gerais e de formulas gerais de valor. Contudo, é indispensável que a sua utilização não obste à determinabilidade objetiva das condutas proibidas e demais requisitos da punibilidade requeridos. Ou seja, a exigência de lei certa vincula o legislador, exigindo-lhe que seja o mais exato e preciso possível dentro do âmbito de inexatidão que a linguagem permite.
Ou seja, tem que ser claro para o destinatário da norma se pode ou não realizar determinado comportamento e tem que ser claro para o julgador qual é o parâmetro através do qual vai avaliar se o cidadão cometeu um lícito ou um ilícito.
normas penais em branco
um dos problemas associados à exigência de lei certa é o das normas penais em branco.
Quando falamos em normas penais em branco, estamos a referir-nos a situações de cisão entre a norma de comportamento e a norma de sanção, sendo que a norma está em branco em relação ao comportamento, ou seja, não define completamente qual é o comportamento sujeito à sanção. Não define porque remete parte dessa definição para outra instância normativa, ou, não remetendo, é outra instância normativa que se arroga dessa competência.
Uma decorrência da reserva de lei é a proibição de normas penais em branco, no entanto, importa determinar em que medida é que uma norma penal em branco viola o principio da reserva de lei, sendo que a remissão de uma norma para outras não é em si mesma obstáculo ao respeito da legalidade, mas sim o grau de esvaziamento do conteúdo percetivo e a atribuição da competência para definir o comportamento proibido a leis hierarquicamente inferiores ou até aos atos administrativos.
Há situações em que o núcleo do comportamento proibido pela norma depende totalmente da norma para a qual se remete, não sendo previsível para os destinatários o que deles se espera sem essa norma.
Por outro lado, há casos em que a remissão é puramente para um critério técnico, não estando o objeto da norma remissiva dependente do conteúdo concreto desse critério.
Assim, a distinção entre normas remissivas que violam a reserva de lei e as que são compatíveis com ela depende, sobretudo, de saber se a função da norma penal é estabelecer ou não material e diretamente a fronteira entre o proibido e o permitido.
Acórdão nº 427/95: caso dos aditivos alimentares
Neste Acordão, o TC determinou que:
Para que a norma incriminadora seja válida, o que é necessário é que ela contenha o critério de ilicitude, ou seja, é preciso que só através dela se consiga compreender a fronteira entre o licito e o ilícito.
A missão da norma complementadora é a de concretizar tecnicamente o critério material de ilicitude, que já se encontra na norma incriminadora de forma suficientemente orientadora do comportamento dos cidadãos.
O TC concluiu que a norma incriminadora que, definindo o núcleo do ilícito como a inclusão de aditivos num produto alimentar e que remete para uma outra norma que fixava quais os aditivos permitidos, não violava a reserva de lei, porque a proibição estava contida na primeira norma, enquanto proibição de aditivos, e a segunda apenas excluía certas substancias do âmbito da proibição. Ou seja, a descrição feita ela portaria dos aditivos admissíveis era apenas uma concretização do critério legal, através da enumeração de substâncias que são insuscetíveis de afetar a pureza dos produtos, apesar de constituirem aditivos alimentares.
Assim, neste caso, considerou-se como critério decisivo, para a verificação da conformidade constitucional da norma penal remissiva, o caráter inovador ou meramente concretizador da norma complementar.
bem jurídico
Regente: condições sociais ou individuais constitucionalmente relevantes para o desenvolvimento das pessoas ou para a continuidade da sociedade democrática.
JFD: expressão de um interesse, da pessoa ou da comunidade, na manutenção ou integridade de um certo estado, objeto ou bem em si mesmo socialmente relevante e por isso juridicamente reconhecido como valioso.
Teoria do bem juridico
A teoria do bem jurídico diz-nos que o Estado só pode criar crimes para proteger bens jurídicos.
Se a função do direito penal de tutela subsidiária dos bens jurídico-penais se revela jurídico-constitucionalmente credenciada em qualquer regime democrático e pluralista, então tal deve ter como consequência a de que toda a norma incriminatória na base da qual não seja suscetível de se divisar um bem jurídico-penal claramente definido é nula, por ser materialmente inconstitucional.
Assim, puras violações morais não conformam a lesão de um bem jurídico e não podem, assim, integrar o conceito material de crime.
Basta que haja um bem jurídico?
Não é verdade que sempre que exista um bem jurídico digno de tutela penal deva existir uma intervenção penal correspondente. O conceito material de crime é essencialmente constituído pela noção de bem jurídico dotado de dignidade penal, mas a esta noção tem que acrescer ainda outro critério que torne a criminalização legítima: o critério da necessidade/carência de tutela penal.
vertentes do principio da necessidade
- Subsidariedade: como o Direito Penal é a solução mais restritiva de direitos, liberdades e garantias, ele só pode intervir nos casos em que todos os outros meios de política social se revelem insuficientes ou inadequados.
- Adequação: a criminalização de certos comportamentos não pode ser fator da prática de mais violações do que as que se revela suscetível de evitar, ou seja, a incriminação tem que produzir um efeito efetivo de proteção do bem jurídico e que não tenha custos que superem ou anulem os efeitos dessa proteção.
- Proporcionalidade stricto sensu: tem que existir uma articulação entre o bem jurídico em causa e a pena.
juízos relevantes no âmbito do conceito material de crime
Juízo de merecimento: remete para a dignidade penal do bem jurídico, sendo que só os bens jurídicos dotados de dignidade penal devem gozar de tutela penal.
Juízo de necessidade: remete para a carência de tutela penal.
o que é a dignidade penal
juízo valorativo de ressonância ética de comportamento.
Teoria do Harm principle
Esta teoria, anglo-americana, vê no crime em sentido material a expressão de um princípio do dano (Harm principle). Este critério determina que apenas as condutas que prejudicam interesses alheios podem ser legitimamente castigadas.
Feinberg introduziu um principio complementar: o offense principle.
Teoria do offense principle
De acordo com este critério, os atos que não produzam um dano a interesses alheios podem ser penalmente proibidos se despertarem sentimentos indesejados noutras pessoas, desde que esses sentimentos sejam suficientemente intensos e dificilmente superáveis.
Caso do lenocínio
Art. 169º CP: proíbe que alguém profissionalmente ou a titulo lucrativo explore a atividade de prostituição de outra pessoa.
Qual o objetivo desta norma? Proteger quem se prostitui.
Quais são as dimensões dessa pessoa que podem estar em causa? A estar em causa alguma coisa tem que ser a proteção da pessoa que se prostitui face à sua liberdade e autodeterminação sexual. Temos que perceber se a incriminação protege ou não a liberdade sexual.
acordãos importantes: 2004, 2023
Acordão de 2004
Alguém insatisfeito com a sua condenação por lenocínio suscitou a inconstitucionalidade da norma. O TC analisou a questão e a relatora disse que a incriminação não era inconstitucional, porque o crime era de perigo abstrato. Os estudos empíricos europeus mostravam que a prostituição não era uma profissão livremente exercida, mas sim por falta de oportunidades de vida, pelo que o que o legislador estava a fazer era prevenir a exploração de pessoas em situações de carência económica ou social.
Se isso não se passar num caso concreto então há um mecanismo a “contraprova do perigo”, ou seja, o agente pode demonstrar no caso concreto que a forma como fazia o lenocínio não causava perigo à pessoa em questão.
O TC durante bastante tempo considerou que não havia qualquer problema e alguns dados estáticos reforçaram essa posição.
Acordão 2023
Tanto há casos em que o comportamento põe em causa a liberdade sexual da pessoa, como há casos em que tal não acontece, porque a pessoa aceita o lenocínio livremente, pelo que a norma incriminadora é inconstitucional, porque abrange ambos os casos.
O crime de lenocínio foi julgado insconstitucional num caso concreto e agora o TC tem que decidir qual das orientações está correta.
Se o lenocínio for realizado em condições que não põem em causa a liberdade sexual da pessoa que se prostitui, a incriminação continuará a ser legitima?
Acórdão de 2004: O TC veio dizer que sim, com base na ideia de crime de perigo abstrato e na legitimidade dos crimes de perigo abstrato. Veio dizer que apesar do tipo incriminador não fazer referência a uma situação concreta da pessoa que se prostitui (não exige uma ação idónea a colocar em perigo a sua liberdade sexual), o perigo é o fundamento da incriminação. O que levou o legislador a criar o crime foi o facto de o mundo da prostituição ser um mundo de exploração de necessidades sociais e económicas, o que torna legitima a incriminação.
Acordão de 2023: Esta linha vem dizer que se a norma é demasiado inclusiva e há comportamentos que são realizados e metem em risco a liberdade sexual, mas outros não, então a norma é inconstitucional e não tem verdadeiramente um bem jurídico. Há um principio implícito no bem jurídico no art. 18º/2 da CRP.
Questão do bem jurídico relativamente ao lenocínio
existir um bem jurídico tutelado seria o da liberdade e da autodeterminação sexual.
O acórdão do TC n.º 144/2004 refere que a opção do legislador em ter suprimido a expressão mencionada não significa que não se mantenha o objetivo de evitar que se verifiquem tais situações, porque estas, demonstram estudos empíricos, estão normalmente associadas ao fenómeno da prostituição. Porém, ser um elemento implícito ou constituir o objetivo (ratio) da norma não é o mesmo. No primeiro caso, o elemento tem de se provar, no segundo, presume-se a sua existência.
No acórdão de 2023, o TC considerou que não existia nenhum bem jurídico a tutelar, atendendo ao facto de que pode existir liberdade sexual e lenocínio simultaneamente, sem que a primeira seja violada.
A maioria da doutrina propugna pela inconstitucionalidade da norma em questão que se tornou numa norma que não tutela nenhum bem jurídico, tutelando, ao invés, bens de caráter transpessoal conotados com uma certa ideia de pudor e de moralidade, que escapam do âmbito de intervenção do Direito Penal.
JFD: Tendo o legislador ordinário eliminado a exigência típica de que o favorecimento da prostituição se ligasse “à exploração de situações de abandono ou necessidade económica” eliminou também a ligação do comportamento ao bem jurídico da liberdade e da autodeterminação sexual e tornou-se de duvidosa fidelidade ao principio do direito penal do bem jurídico. Só com a expressão que foi suprimida o facto se poderia referir ao bem jurídico da liberdade ou autodeterminação sexual da prostituta. Sem essa expressão, a ligação perdeu-se, surgindo a incriminação referida à tutela de meras situações todas pelo legislador como imorais. A incriminação tornou-se materialmente inconstitucional.
culpa
A doutrina penal entende que do princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, CRP) decorre o princípio da culpa. A ideia é de que como o direito penal tem as consequências mais gravosas, seria contrário à dignidade da pessoa humana impô-las quando a pessoa que cometeu o crime não tem culpa.
A culpa apresenta dois elementos:
Conhecimento/elemento cognitivo, ou seja, é preciso que a pessoa saiba ou deva saber que o comportamento que está a realizar é ilícito;
elemento volitivo, ou seja, é preciso que a pessoa possa escolher livremente entre o lícito e o ilícito, podendo não ter essa capacidade de escolha.
Assim, tenho que saber o que é o ilícito e tenho que poder não o realizar. (Exemplo: normalmente, as psicoses excluem a culpa). O direito penal tende a regular o que acontece aos inimputáveis.
Como os graus de culpa são variáveis, então as penas fixas estarão proibidas. Por isso é que no CP, relativamente às penas, encontramos sempre um intervalo entre o limite mínimo e o limite máximo: a moldura penal.
teorias relativas (prevenção)
Estas teorias também reconhecem que a pena se traduz num mal para quem a sofre, contudo, como elemento político-criminal destinado a atuar no mundo, a pena não pode bastar-se com essa característica, em si mesma destituída de sentido social-positivo. A pena tem que utilizar desse mal para alcançar a finalidade da política criminal, a prevenção criminal.
Neste âmbito há que distinguir entre prevenção geral e prevenção especial.
prevenção geral
estas teorias concebem a pena como instrumento político-criminal destinado a atuar sobre a generalidade dos membros da comunidade, afastando-os da prática de crimes através da ameaça penal estatuída pela lei, da realidade da sua aplicação e da efetividade da sua execução.
distingue entre prevenção geral positiva e negativa
Prevenção geral positiva: pena concebida como forma de que o Estado se serve para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência das suas normas de tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal.
Prevenção geral negativa: pena concebida como forma estatalmente acolhida de intimidação das outras pessoas através do sofrimento que com ela se inflige ao delinquente e cujo receio as conduzirão a não cometerem factos puníveis.