Diarreia Flashcards
Qual a definição de diarreia?
A diarreia é um sintoma/sinal caracterizado por dois componentes principais: aumento no número de evacuações (mais de três vezes ao dia) e diminui- ção da consistência. Um terceiro componente, o peso (mais de 200 g/dia), pode ser considerado, porém, é de difícil avaliação na clínica diária.
Quais são os principais eventos da fisiologia do intestino que poderão estar alterados em um paciente com diarreia?
- absorção dos líquidos
- osmolaridade da luz intestinal
- mucosa intestinal
- sistema nervoso entérico
- flora intestinal
- motilidade intestinal
Pode-se deduzir, das informações acima, que o adequado funcionamento do intestino dependerá do equilíbrio da função dos diferentes tipos de células epiteliais de sua mucosa, da microbiota presente em sua luz, da integridade da mucosa, do conteúdo in- traluminal, das células imunocompetentes e da sua neuromusculatura.
Qual alteração ocorre na absorção de liquido?
O aporte de líquidos para o intestino corresponde a aproximadamente 10 L/dia, provenientes de fontes variadas, como: ingesta, saliva, suco gástrico, secreções bilio- pancreáticas e o próprio suco entérico. A maior parte é absorvida no jejuno, junto com os nutrientes, de forma que apenas cerca de 1 a 1,5 L de líquidos chega ao cólon. Destes, 10%, ou 100 a 150 mL, serão eliminados com as fezes. Uma redução de apenas 1% na capacidade de absorção será suficiente para causar diarreia.
Qual alteração pode ocorrer na Osmolaridade da luz intestinal?
a direção do fluxo passivo de um líquido entre compartimen- tos contíguos que se comunicam é determinada pela osmolaridade dos conteúdos desses compar- timentos, e acontece sempre daquele de menor osmolaridade para o de maior osmolaridade, de forma a manter o equilíbrio entre os dois am- bientes. Caso se saia das experiências da física, em que são utilizados ambientes inertes, para a fisiologia dos seres vivos, essa dinâmica pode sofrer interferências de fatores fisiológicos que complementam a transferência passiva, transfe- rindo líquidos ou sólidos de forma ativa, manten- do, no entanto, a finalidade de equilíbrio entre os meios. Esse mecanismo fica evidente nos casos de diarreia provocados pela ingestão de açúcares não absorvíveis, como manitol, lactulose etc.
Qual alteração pode ocorrer na mucosa intestinal?
desde o esfíncter inferior do esôfago até o ânus, o trato gastrointestinal é revestido por uma única camada contínua de células que servem como limite entre os meios externo e interno do corpo humano. Sua fun- ção de barreira é imprescindível para a manu- tenção da saúde, uma vez que está em contato permanente com microrganismos próprios da microbiota intestinal e com inúmeros agentes ambientais ingeridos. Sua integridade funcio- nal é fundamental para evitar que esses agen- tes atravessem a barreira epitelial, evitando o início ou a perpetuação de processos inflama- tórios mucosos. Características físicas, como a exiguidade do espaço intercelular, e funcionais, como a secreção de imunoglobulinas, muco, defensinas, e outros produtos antimicrobianos, mantêm o equilíbrio dessa relação.3 A diarreia poderá decorrer da alteração dessa estrutura por processos inflamatórios agudos ou crônicos.
Qual alteração pode ocorrer no Sistema nervoso entérico?
Esta quase autônoma porção do sistema nervoso é composta pelo plexo mientérico e pelas camadas neuronais da mucosa e submucosa. Sua função é mediada por neuro- transmissores como peptídio intestinal vasoativo (VIP), somatostatina, norepinefrina, neuropep- tídio Y, serotonina, acetilcolina e outros, regu- lando a função do músculo liso, o transporte de íons através da mucosa e os processos absortivo e secretor, além de funções endócrinas, da mo- dulação do sistema imune e do controle do flu- xo sanguíneo local.4 Portanto, alterações na sua estrutura anatômica, assim como deficiência ou hipersecreção de substâncias exócrinas ou endó- crinas, inibidoras ou estimuladoras de suas fun- ções, poderão provocar sintomas diarreicos.
Qual alteração pode ocorrer na flora intestinal?
O intestino humano é o habitat de uma variada flora bacteriana, composta por mais de 500 espécies. O número de células bacterianas na luz intestinal corresponde a aproximadamente 10 vezes o total de células eucarióticas presentes no corpo humano. Habitualmente, há uma relação de simbiose, importante tanto para a saúde da mucosa como para a modulação do sistema imune. A troca de material genético entre microrganismos, assim como alterações na camada protetora de muco que reveste a mucosa intestinal, podem transformar bactérias comensais em patógenos, desencadeando quadros de enterites de intensi- dade variável. O uso de antibióticos pode afetar bactérias comensais e poupar possíveis bacté- rias patogênicas resistentes, também causando grandes transtornos. É possível, ainda, que mo- dificações nos mecanismos de defesa do trato alimentar proximal ao intestino possam propi- ciar sua colonização por bactérias patogênicas, alterando a flora intestinal de forma desfavo- rável ao organismo humano. Exemplo disso é a elevação do pH gástrico, tanto por atrofia da mucosa gástrica como pelo uso de medica- mentos que bloqueiam a secreção ácida, nota- damente os inibidores da bomba de prótons. Essa modificação no microambiente gástrico, considerado fator importante na eliminação de grande parte dos inúmeros microrganismos que ingerimos, favorecerá a colonização da cavidade gástrica e o supercrescimento bacteriano no in- testino, desde o duodeno.6 Observação condu- zida por Dial et al.7 sugere aumento substancial no risco de infecção adquirida na comunidade pelo Clostridium difficile em usuários desses me- dicamentos ácido-supressores.
Qual alteração pode ocorrer na motilidade intestinal?
apesar da crença dis- seminada de que os episódios de diarreia são consequência da aceleração do trânsito intes- tinal, isso não é comprovado cientificamente na maioria dos quadros diarreicos. Apenas em algumas situações específicas, como na diarreia funcional, nas diarreias causadas por doenças endócrinas (hipertiroidismo, síndrome car- cinoide, vipoma) e na síndrome do intestino irritável com diarreia,8 a aceleração do peris- taltismo intestinal tem papel proeminente na fisiopatologia dos quadros diarreicos.
Como a diarreia pode ser classificada?
As diarreias podem ser classificadas, basicamente, de duas maneiras: quanto ao tempo de evolução, em agudas e crônicas, e quanto à etiologia, em infecciosas e não infecciosas.
Diferencie a diarreia aguda da crônica:
A classificação quanto ao tempo é definida pela duração do sintoma, sendo con- sideradas diarreias agudas aquelas com duração de até 15 dias, e diarreias crônicas quando os sintomas duram mais de 30 dias. O intervalo entre 15 e 30 dias é considerado, por alguns, diarreia persistente, enquanto outros preferem classificar a diarreia que dura mais de 15 dias como crônica. Uma vez que o tempo é fator determinante das diarreias agudas e crônicas, toda diarreia crônica co- meça como um quadro de diarreia aguda, insidiosa ou exuberante, e, dependendo da regressão espontâ- nea ou da resposta a medidas terapêuticas utilizadas, poderá se prolongar até caracterizar uma diarreia crônica. O agente/fator etiológico será indicativo da maior ou menor probabilidade de evolução crônica.
Qual a etiologia da diarreia infecciosa viral?
inúmeros agentes virais podem de- sencadear quadros diarreicos. Há, no entan- to, um grupo que tem predileção pelo tubo digestivo. São transmitidos por água contaminada ou de uma pessoa para outra, estan- do associados a surtos epidêmicos. Os mais prevalentes são o rotavírus e o norovírus. A fisiopatologia das alterações intestinais ainda é mal compreendida, porém, sugere-se um possível efeito de proteína viral como entero- toxina. Outro agente viral, o citomegalovírus, consiste também em uma infecção prevalente em todo o mundo, a qual é usualmente sinto- mática apenas em indivíduos imunocompro- metidos. As diarreias virais manifestam-se em um contexto de gastroenterite aguda, com fezes aquosas, tendo como característica im- portante a presença de vômitos, com duração habitualmente curta (máximo de 72 horas). A infecção pelo citomegalovírus pode se apre- sentar, no entanto, como forma persistente (entre 15 e 30 dias) e disentérica.
Qual a etiologia da diarreia infecciosa bacteriana?
São a segunda causa mais frequente das diarreias agudas, após os vírus. As caracte- rísticas individuais das mais prevalentes são:
- Campylobacter: bactéria Gram-negativa, em espiral, que pode se apresentar sob a forma cocoide quando em ambiente hostil. A espécie mais frequentemente associada a gastroenterites é o Campylobacter jejuni, seguida pelo Campylobacter coli. Os fatores de risco mais importantes são a ingestão de água e alimentos (aves domésticas) conta- minados. Nos países em desenvolvimento, o contato com animais é outro fator de ris- co importante. A enterite secundária à in- fecção pelo Campylobacter tem período de incubação de 2 a 5 dias e é, quase sempre, autolimitada, raramente exigindo aborda- gem terapêutica específica. Manifesta-se por febre, dores abdominais em cólica e diarreia, com duração habitual do quadro diarreico de 2 a 3 dias. A dor abdominal pode se prolongar por mais alguns dias. O aspecto das fezes varia de aquoso a sangui- nolento, dependendo da intensidade da infecção e do tempo de enfermidade. Uma característica importante é a possibilidade de desencadear a síndrome de Guillain- Barré, o que acontece em 1 de cada 1.000 indivíduos infectados.
- Clostridium difficile: bactéria Gram- positiva, responsável por 15 a 20% dos ca- sos de diarreia secundária ao uso de anti- bióticos e de praticamente todos os casos de colite pseudomembranosa. Inicialmente considerado microrganismo habitualmente presente no intestino de indivíduos saudá- veis. Em estudo sobre sua prevalência nes- sa população, entretanto, foi demonstrado em menos de 3% desses indivíduos.10 É ingerida na forma de esporos e, se encon- tra microbiota alterada pelo uso de anti- bióticos ou outros fatores, converte-se na forma vegetativa. Produz toxinas (A e B) que provocam aumento da permeabilidade intestinal e destruição das células epiteliais colônicas. Manifesta-se sob a forma de diarreia aquosa em indivíduos com história de uso recente de antibióticos (3 ou mais dias). Pode ser grave o suficiente para por em risco a vida do paciente.
- Clostridium perfringens: bactéria Gram- positiva, anaeróbica, geralmente em forma de esporos. É abundante no meio ambiente, ocorrendo com frequência no intestino hu- mano. Transmitida, geralmente, por alimen- tos contaminados, como carnes e maioneses. Bloqueia a absorção de água através de ente- rotoxinas, provocando diarreia aquosa.
- Escherichia coli: bastonete Gram-negativo, não formador de esporos, flagelado. Em re- lação às manifestações abordadas neste ca- pítulo, interessa a E. coli diarreiogênica, que inclui cinco diferentes sorotipos com carac- terísticas patogênicas individuais: enteroin- vasiva (EIEC), enterotoxigênica (ETEC), enteroagregante (EAEC), enteropatogêni- ca (EPEC) e entero-hemorrágica (EHEC). É transmitida por alimentos e água conta- minados com fezes humanas ou de animais, raramente podendo ocorrer transmissão pessoa a pessoa. Atuam por meio da pro- dução de enterotoxinas, que estimulam a secreção de cloro e reduzem a absorção de sódio, e de citotoxinas, que agridem o epitélio intestinal, alterando sua estrutura. As características da diarreia dependem do sorotipo. A diarreia aquosa está associada à infecção pelos sorotipos EPEC, ETEC e EAEC, ao passo que os sorotipos EIEC e EHEC causam disenteria. A EHEC pro- duz a toxina Shiga, que pode causar compli- cações sistêmicas graves, incluindo síndro- me hemolítico-urêmica.
- Salmonella: bastonete Gram-negativo, transmitido por ovos, aves domésticas, lei- te e outros alimentos contaminados. A S. typhimurium está intimamente relacionada com gastroenterites, enquanto a S. typhi está mais relacionada a efeitos sistêmicos tóxicos (febre tifoide). Produz enteroto- xinas que estimulam secreção de cloro, e invadem a mucosa, ativando eventos in- flamatórios. Manifesta-se inicialmente por diarreia aquosa, seguida de diarreia sangui- nolenta. Na infecção pela S. typhi, a diarreia é o evento menos importante, uma vez que os eventos sistêmicos são proeminentes e podem ser graves.
- Shigella: bastonete Gram-negativo, transmi- tido por via fecal-oral e por meio de alimen- tos e água contaminados. Produz enteroto- xina potente, além de penetrar nas células colônicas, provocando degeneração do epi- télio e inflamação da lâmina própria, o que resulta em descamação e ulceração. Os sin- tomas surgem após um período de incubação de um a dois dias. A fase inicial, de enterite, manifesta-se por diarreia aquosa, seguida por colite, com diarreia mucossanguinolenta.
- Staphylococcus: coco Gram-positivo. A diar- reia causada por esse microrganismo está relacionada à contaminação de alimentos e produção de toxina termoestável, cuja inges- tão causa diarreia e vômitos. Os sintomas surgem 2 a 8 horas após a ingestão e tendem a regredir espontaneamente em até 48 horas. As fezes apresentam aspecto aquoso.
- Vibrio cholerae: bacilo Gram-negativo, com flagelo polar, transmitido principalmente por água contaminada. Provoca diarreia por meio de uma potente toxina que estimula o AMP cíclico, ocasionando a redução da ab- sorção de sódio e a secreção de cloreto. A diarreia secundária a essa infecção é aquosa, extremamente volumosa e coloca a vida do paciente em risco por desidratação.
- Yersinia enterocolitica: bacilo Gram- negativo. Responsável por quadros de diar-reia aguda, linfadenite mesentérica, ileíte terminal e pseudoapendicite. Transmitido por leite cru, água e alimentos contamina- dos, vegetais crus e de animais para pesso- as. A diarreia é usualmente aquosa, porém, pode ser sanguinolenta nos casos severos. Os vômitos podem estar presentes em 10% a 40% dos casos.
Qual a etiologia da diarreia infecciosa por fungo?
Candida albicans: fungo comensal, presen- te habitualmente no trato gastrointestinal. Torna-se patogênico em situações especí- ficas que envolvem imunodepressão, uso de corticosteroides e uso de antibióticos. Possivelmente causa diarreia por inibição da lactase. Produz enzima proteolítica que de- grada a mucina. A diarreia secundária a essa infecção é aquosa e, às vezes, explosiva.
Qual a etiologia da diarreia infecciosa por protozoários?
Cryptosporidium: transmitido por meio da ingestão de oocistos presentes em água e alimentos contaminados, podendo ser trans- mitido também de uma pessoa para outra e de um animal para uma pessoa. Tem ação predominantemente secretora, mas pode se associar a atrofia vilositária e infiltrado in- flamatório da lâmina própria. Desencadeia diarreia aquosa, que pode ser prolongada.
- Giardia lamblia: protozoário flagelado, bi- nucleado, é um dos parasitas intestinais mais comuns em todo o mundo. Sua trans- missão ocorre a partir da ingestão de cistos em água contaminada, podendo ser trans- mitido de uma pessoa para outra em lugares com más condições de higiene. A patogê- nese ainda não é completamente entendida, mas sabe-se que pode provocar destruição da borda em escova das células epiteliais, assim como induzir resposta imune do hos- pedeiro. Infestações maciças podem resul- tar em má absorção, tanto pelas lesões da mucosa como, em algumas situações, pelo impedimento mecânico da absorção de nu- trientes provocada pelo revestimento da mucosa em decorrência da enorme quanti- dade do protozoário. A apresentação clíni- ca varia de ausência de sintomas a diarreia aquosa. Pode se tornar crônica, causando má absorção e perda de peso.
- Entamoeba histolytica: espécie patogêni- ca do gênero Entamoeba, é transmitida por meio da ingestão de cistos maduros a partir de água, alimentos ou mãos contaminadas. Produz enzimas proteolíticas que provocam ulcerações, hemorragia e, até mesmo, per- furação. A infestação por esse protozoário pode não ter qualquer manifestação clíni- ca aparente, mas pode se manifestar como quadro de amebíase invasiva intestinal, com colite disentérica, apendicite, megacólon tó- xico e ameboma, e extraintestinal (peritonite, abscesso hepático e outras).
Qual a etiologia da diarreia infecciosa por Nematoide?
Nematoide:
- Strongyloides stercoralis: a infestação por esse helminto acontece por meio da penetração de larvas filariformes através da pele. Em situa- ções especiais, como constipação intestinal, alterações da motilidade intestinal e molés- tia diverticular dos cólons, a permanência da larva rabditiforme por tempo prolongado no intestino pode favorecer sua evolução para larvas filariformes, iniciando um ciclo de infestação interna, a autoinfecção. Essa con- dição pode estar exacerbada em indivíduos imunocomprometidos, o que pode ocasionar hiperinfecção, quadro clínico grave, frequen- temente fatal.