o dilema do porco espinho Leandro Karnal Flashcards
Somos uma espécie de porco-espinho, pensava o filósofo
Arthur Schopenhauer. Por quê? O frio do inverno (ou da
solidão) nos castiga. Para buscar o calor do corpo alheio,
ficamos próximos dos outros. Efeito inevitável do
movimento: os espinhos nos perfuram e causam dor (e os
nossos a eles). O incômodo nos afasta. Ficamos isolados
novamente. O frio aumenta, e tentamos voltar ao convívio
com o mesmo resultado.
solitários, somos livres, porém passamos frio
solitários, somos livres, porém passamos frio. A dois ou
em grupo as diferenças causam dores. Teríamos de achar
uma distância segura, que trouxesse o calor necessário e
evitasse o ataque. Qual a barreira mínima entre dois
humanos espinhentos?
Como já disse, solidão não envolve, apenas, companhia
ou falta dela. Nos grandes centros urbanos do mundo,
estamos cercados por milhões de pessoas. Seria aceitável
pensar que os solitários eram os velhos homens do
campo, separados por muitos quilômetros de um
aglomerado, isolados na vastidão agrária. Podemos dizer
o contrário hoje: nas grandes cidades, o mal da solidão é
ainda mais devastador. Concentração demográfica, sim,
porém com esvaziamento de laços pessoais e
significativos.
A solidão é o vestíbulo da perda da razão, ou,
talvez, o amplo salão vazio no qual a insanidade baila.
Mesmo tendo uma pequena família, lugares vazios
acabam levando ao pior de cada um
Isolamento, neve, ausência de grupos sociais: isso destruiria a estabilidade humana. A
mensagem é quase permanente: somos gregários e, para
as telas, contrariar nossa alma de bando elimina a
estabilidade
solidão é vista com
muita desconfiança e utilizada como punição.
O pior castigo da penitenciária é a solitária. Uma
pessoa irritada com o rumo do casamento lança a
suprema ameaça: “Eu vou te deixar”. Uma praga comum
em momento de ódio é profetizar: “Você vai morrer
sozinho por causa do seu gênio de cão!”. Crianças
birrentas em escola devem ir para a biblioteca para
ficarem sozinhas. Um castigo quase teatral é colocar o
pequeno infrator voltado para a parede, sozinho, isolado,
solidão é vista com
muita desconfiança e utilizada como punição.
O pior castigo da penitenciária é a solitária. Uma
pessoa irritada com o rumo do casamento lança a
suprema ameaça: “Eu vou te deixar”. Uma praga comum
em momento de ódio é profetizar: “Você vai morrer
sozinho por causa do seu gênio de cão!”. Crianças
birrentas em escola devem ir para a biblioteca para
ficarem sozinhas. Um castigo quase teatral é colocar o
pequeno infrator voltado para a parede, sozinho, isolado,
Que seres seríamos capazes de
inventar para não reconhecer nossa solidão?
A vida é elaborada mais densamente
pelo exercício da solidão ou só nos dedicamos à reflexão
com quem você quando não dispomos de verdadeira e orgânica
companhia?
com quem você está quando esta sozinho ?
Estivesse você
entre amigos falantes ou envolvido nos braços da pessoa
que ama, teria tempo para refletir sobre solidão em um
livro?
de forma mais
existencialista e psicanalítica, se o inferno está nos
outros, o medo da solidão seria a opção para evitar o pior
de todos os sofrimentos, nós mesmos?
Aristóteles garantiu que a solidão criava deuses e
bestas.
Tudo de bom e
de ruim vem do jogo de contrastes entre companhia e
solidão.
De todos os antídotos contra a solidão, a
leitura é um dos mais criativos
Os seres unidos pelas redes emitem certo calor, um
fogo-fátuo talvez, porém suficiente para evitar o
congelamento total da solidão. Não é o glorioso sol do
enlace real dos românticos, porém é um passaporte para
longe da Sibéria isolada e fria.
A pergunta central do filósofo alemão era a qual
distância eu teria o suficiente calor associado a uma zona
de conforto sem espinhos. De muitas formas, o mundo
digital tem sido a resposta encontrada para equilibrar as
pessoas entre a dor da solidão e a dor do contato com
outras pessoas.
A paz no mundo é sempre
passageira, superficial e enganosa
Quero dizer que no século XXI não
ser feliz, estar mal ou não atingir a plena potência de
realização da sua vida é, para a maioria, inadmissível.
As cenas de contentamento
são obrigatórias nas redes sociais
Os dentes em amplo
sorriso, escassos na arte clássica, dominam as fotos
atuais.
Todos sorrimos por bastante tempo para que a foto
fique boa. Sem sorriso, não existe a chance de imagem.
Aparecer em redes é exibir felicidade.
Como deveríamos ser profundamente felizes, todo
desvio do caminho áureo da realização é um defeito a ser
corrigido.
Estar sozinho é impensável. Há manuais para
buscar o par ideal.
Há algo de positivo na mudança. Sem normas rígidas e
insuperáveis sobre papeis sociais, muitas mulheres
escapam da ideia do casamento e da maternidade como brigatórios e de acordo com uma “natureza feminina”.
O imperativo
absoluto é “seja feliz” e, se não for, ao menos pareça nas
fotos de redes sociais.
A solidão acompanhado é mais cruel do que a solidão sem outra pessoa? Quem eu realmente sou quando estou sozinho ou a dois ou em grupo?
Se eu dissesse de forma mais direta,
a companhia é boa porque causa certa dor. Na dor
encontro algo novo, um limite, um conhecimento a mais,
o grão de areia que a ostra pode transformar em pérola.
Os recalques do cotidiano somem diante da
fragmentação e da reconfiguração do “eu real” no “eu
virtual”. Um profundo silêncio instala-se. Despercebido, o
silêncio traz solidão. E o isolamento pode esmagar,
afogar. Como numa relação de vício, o que me mata
também é minha única fonte de prazer.
Para que a solidão seja positiva, há uma condição
essencial. Isolado das pessoas e em contato comigo,
refletindo ou lendo, eu me sinto acompanhado sem estar
com ninguém. Assim, mesmo estando sem ninguém, a
solidão não pesa nem se transforma em angústia. Ela me
leva a um conhecimento maior de mim; ou a uma chance
de pensar; ou ao prazer de ler; ou ao deleite de uma
paisagem em silêncio. Estou sem mais ninguém e me
sinto bem, preenchido, pleno, até.
Da
mesma forma, a companhia de outras pessoas é essencial.
Primeiro porque só com a convivência eu percebo a
alteridade, a diferença, os limites de cada ser. Vimos com
o exemplo inicial de Adão no Paraíso: a consciência de
quem ele era veio com Eva. Conviver com a diferença em
qualquer campo é um salto na sua própria consciência.